Language of document : ECLI:EU:C:1999:116

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

4 de Março de 1999 (1)

«Recurso - Concorrência - Não provimento de um recurso de anulação - Missão da Comissão nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE - Apreciação do interesse comunitário»

No processo C-119/97 P,

Union française de l'express (Ufex), anteriormente Syndicat français de l'express international (SFEI), associação profissional de direito francês, estabelecida em Roissy-en-France (França),

DHL International, sociedade de direito francês, estabelecida em Roissy-en-France,

Service CRIE, sociedade de direito francês, estabelecida em Paris,

representadas por Éric Morgan de Rivery, advogado no foro de Paris, e Jacques Derenne, advogado nos foros de Bruxelas e de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Alex Schmitt, 62, avenue Guillaume,

recorrentes,

que tem por objecto um recurso de anulação do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção) em 15 de Janeiro de 1997, SFEI e o./Comissão (T-77/95, Colect., p. II-1),

sendo recorrida na primeira instância

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Richard Lyal e Fabiola Mascardi, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Jean-Yves Art, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

e recorrente na primeira instância

May Courier, sociedade de direito francês, estabelecida em Paris,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, D. A. O. Edward e M. Wathelet (relator), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,


secretário: R. Grass,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 2 de Abril de 1998,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Maio de 1998,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de Março de 1997, a Union Française de l'express (Ufex), anteriormente Syndicat français de l'express international (a seguir «SFEI»), a DHL International e a Service CRIE interpuseram, nos termos do artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 1997, SFEI e o./Comissão (T-77/95, Colect., p. II-1, a seguir «acórdão impugnado»), quenegou provimento ao seu recurso de anulação da decisão da Comissão, de 30 de Dezembro de 1994, que rejeitou a sua denúncia feita ao abrigo do artigo 86.° do Tratado CE (a seguir «decisão controvertida»).

2.
    Em 21 de Dezembro de 1990, a SFEI, a DHL International, a Service CRIE e a May Courier apresentaram uma denúncia à Comissão para que fosse, nomeadamente, declarada a violação do artigo 86.° do Tratado por La Poste française (a seguir «La Poste»).

3.
    À luz do artigo 86.°, as recorrentes denunciavam a assistência logística e comercial alegadamente fornecida por La Poste à sua filial, a Société française de messageries internationales, que em 1992 se passou a chamar GDEW France (a seguir «SFMI»), que desenvolve actividades no sector do correio rápido internacional. O abuso de La Poste teria consistido no facto de esta ter feito beneficiar a SFMI da sua infra-estrutura, em condições anormalmente vantajosas, a fim de alargar a posição dominante que tinha no mercado do serviço postal de base ao mercado conexo do serviço de correio rápido internacional.

4.
    Por carta de 10 de Março de 1992, a Comissão informou as denunciantes de que a sua denúncia tinha sido rejeitada.

5.
    Por despacho de 30 de Novembro de 1992, SFEI e o./Comissão (T-36/92, Colect., p. II-2479), o Tribunal de Primeira Instância julgou inadmissível o recurso de anulação interposto contra este acto pela SFEI, a DHL International, a Service Crie e a May Courier. Todavia, este despacho foi anulado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de Junho de 1994, SFEI e o./Comissão (C-39/93 P, Colect., p. I-2681), que remeteu os autos ao Tribunal de Primeira Instância.

6.
    Por carta de 4 de Agosto de 1994, a Comissão retirou a decisão que tinha sido objecto da instância no Tribunal de Primeira Instância. Num despacho de 3 de Outubro de 1994, SFEI e o./Comissão (T-36/92, não publicado na Colectânea), este decidiu julgar extinta a instância.

7.
    Em 29 de Agosto de 1994, a SFEI convidou a Comissão a agir, em conformidade com o disposto no artigo 175.° do Tratado CE.

8.
    Em 28 de Outubro de 1994, a Comissão dirigiu à SFEI um ofício nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas no artigo 19.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), informando-a da sua intenção de rejeitar a denúncia.

9.
    Após ter recebido as observações da SFEI, a Comissão adoptou a decisão controvertida, com o seguinte teor:

«A Comissão reporta-se à V. denúncia apresentada aos meus serviços em 21 de Dezembro de 1990, à qual estava anexa cópia de uma denúncia separada apresentada em 20 de Dezembro de 1990 ao Conselho da Concorrência francês. Ambas as denúncias diziam respeito aos serviços expresso internacionais da administração postal francesa.

Em 28 de Outubro de 1994, os serviços da Comissão enviaram a V. Ex.as um ofício com base no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, em que se indicava que os elementos obtidos aquando da instrução do processo não permitiam à Comissão dar seguimento favorável à V. denúncia quanto aos aspectos relacionados com o artigo 86.° do Tratado e em que V. Ex.as eram convidados a apresentar comentários a esse respeito.

Nos V. comentários de 28 de Novembro último, V. Ex.as mantiveram a mesma posição no que respeita ao abuso da posição dominante dos correios franceses e da SFMI.

Assim, e atentos esses comentários, a Comissão informa V. Ex.as pelo presente da sua decisão final relativamente à V. denúncia de 21 de Dezembro de 1990 no que respeita ao início de um procedimento nos termos do artigo 86.°

A Comissão considera, pelas razões que pormenorizou no ofício de 28 de Outubro último, que não existem no caso vertente elementos bastantes que demonstrem a subsistência de alegadas infracções, para poder dar seguimento favorável ao V. pedido. A esse respeito, os V. comentários de 28 de Novembro último não trazem qualquer elemento novo que permita à Comissão modificar tal conclusão, que se baseia nas razões abaixo expendidas.

Por um lado, o Livro Verde sobre o Desenvolvimento do Mercado Único dos Serviços Postais, bem como as Directrizes para o Desenvolvimento dos Serviços Postais Comunitários [COM (93)247 final, de 2 de Junho de 1993], abordam, entre outros, os principais problemas suscitados na denúncia do SFEI. Embora estes documentos não contenham propostas de lege ferenda, devem designadamente ser tomados em consideração para apreciar se a Comissão utiliza de modo adequado os seus recursos limitados, e designadamente se os seus serviços se dedicam a desenvolver um quadro regulamentar sobre o futuro do mercado dos serviços postais mais do que averiguar por sua própria iniciativa a propósito de alegadas infracções trazidas ao seu conhecimento.

Por outro lado, uma averiguação efectuada nos termos do Regulamento n.° 4064/89 na 'joint-venture‘ (GD Net) criada pela TNT, por La Poste e por quatro outras administrações postais levou a Comissão à publicação da sua decisão de 2 de Dezembro de 1991, no processo n.° IV/M.102. Na decisão de 2 de Dezembro de 1991, a Comissão decidiu não se opor à concentração notificada e declará-la compatível com o mercado comum. Salientou particularmente que, no que respeitava à 'joint-venture‘, 'a transacção proposta não cria ou não reforça umaposição dominante que possa entravar de modo significativo a concorrência no mercado comum ou numa parte importante deste‘.

Alguns pontos essenciais da decisão incidiam no impacto que as actividades da ex-SFMI podiam ter na concorrência: o acesso exclusivo da SFMI aos equipamentos de La Poste foi reduzido no seu raio de acção e deveria terminar dois anos após a fusão, ficando assim afastada de qualquer actividade de prestação de serviços de La Poste. Qualquer facilidade de acesso legalmente concedida por La Poste à SFMI devia ser oferecida, de modo idêntico, a qualquer outro operador expresso com o qual La Poste celebrasse um contrato.

Este resultado vai ao encontro das soluções propostas para o futuro que V. Ex.as tinham apresentado em 21 de Dezembro de 1990. Tinham pedido que a SFMI fosse obrigada a pagar os serviços dos correios à mesma taxa que se os comprasse a uma empresa privada, no caso de a SFMI optar por continuar a utilizar esses serviços; que 'se ponha termo a todos os auxílios e discriminações‘ e que 'a SFMI adapte os seus preços em função do valor real dos serviços oferecidos por La Poste‘.

Por conseguinte, é evidente que os problemas relativos à concorrência actual e futura no domínio dos serviços expresso internacionais por V. Ex.as evocados foram resolvidos de modo adequado pelas medidas já adoptadas pela Comissão.

Se V. Ex.as entenderem que as condições impostas a La Poste no processo n.° IV/M.102 não foram respeitadas, nomeadamente em matéria de transporte e de publicidade, caber-lhes-á apresentar - na medida do possível - as provas, e eventualmente apresentar uma denúncia com base no artigo 3.°, n.° 2 do Regulamento n.° 17/62. Contudo, afirmações que indicam 'que actualmente as tarifas (excluindo eventuais descontos) praticadas pela SFMI permanecem substancialmente inferiores às dos membros do SFEI‘ (página 3 da V. carta de 28 de Novembro) ou que 'a Chronopost utiliza camiões P e T como suporte publicitário‘ (auto de verificação anexo à V. carta) devem ser consubstanciadas em elementos de facto que justifiquem um inquérito pelos serviços da Comissão.

As iniciativas que a Comissão tome nos termos do artigo 86.° do Tratado têm como objectivo manter uma concorrência real no mercado interno. No caso do mercado comunitário dos serviços expresso internacionais, tendo em conta o desenvolvimento significativo acima detalhado, teria sido necessário fornecer novas informações a propósito de eventuais violações do artigo 86.° para permitir à Comissão justificar a sua intenção de averiguar as referidas actividades.

Por outro lado, a Comissão considera que não está obrigada a examinar eventuais violações das regras de concorrência que tenham ocorrido no passado se o único objecto ou efeito de tal exame for o de servir os interesses individuais das partes.A Comissão não vê interesse em iniciar tal inquérito nos termos do artigo 86.° do Tratado.

Pelas razões mencionadas, informo que a V. denúncia é rejeitada.»

O recurso no Tribunal de Primeira Instância

10.
    Por petição apresentada em 6 de Março de 1995, a SFEI, a DHL International, a Service Crie e a May Courier interpuseram um recurso de anulação no Tribunal de Primeira Instância invocando fundamentos assentes nomeadamente na violação do artigo 86.° do Tratado, no conceito de interesse comunitário, nos princípios da boa administração, da igualdade e da não discriminação. Acusaram igualmente a Comissão de ter cometido um desvio de poder.

11.
    Em primeiro lugar, alegaram que o artigo 86.° do Tratado tinha sido violado pela Comissão uma vez que ela se tinha baseado numa decisão de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1 rectificação 1990, JO L 257, p. 13), quando os critérios de apreciação dos factos submetidos à sua apreciação diferem consoante a norma jurídica seja o artigo 86.° ou esse regulamento.

12.
    Em segundo lugar, as recorrentes sustentaram que a Comissão não tinha respeitado as normas de direito relativas à apreciação do interesse comunitário do assunto objecto da denúncia. Por um lado, a Comissão não teve em conta as exigências a que a jurisprudência subordina a rejeição de uma denúncia por falta de interesse comunitário (acórdão de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90, Colect., p. II-2223, n.° 86, a seguir «acórdão Automec II»), a saber a importância da infracção alegada para o funcionamento do mercado comum, a probabilidade de se poder provar a sua existência e o alcance das diligências de investigação necessárias. Por outro lado, a Comissão não explicou como é que podia ter a certeza de que as práticas anticoncorrenciais tinham cessado.

13.
    Em terceiro lugar, as recorrentes invocaram a violação dos princípios da boa administração e da não discriminação.

14.
    Quanto ao princípio da boa administração, alegaram que a Comissão não tinha tido em conta um estudo económico elaborado por um gabinete de auditoria, que tinha sido anexo à sua denúncia.

15.
    Quanto ao princípio da não discriminação, o mesmo teria sido violado uma vez que a Comissão decidiu rejeitar a denúncia com base em que, tratando-se unicamente de infracções passadas, uma investigação só teria servido os interesses individuais das partes. Tal fundamentação estaria em contradição com numerosas decisões precedentes da Comissão.

16.
    Em quarto lugar, as recorrentes acusaram a Comissão de se ter tornado culpada de um desvio de poder. A este respeito, alegaram que as declarações dos membros da Comissão sucessivamente responsáveis pela concorrência demonstram a atitude ambígua da Comissão que, publicamente, seria defensora do respeito da concorrência no sector postal, mas, na realidade, cederia às pressões de certos Estados e administrações nacionais.

17.
    A fim de apoiar esta posição, as recorrentes pediram ao Tribunal de Primeira Instância que ordenasse a apresentação de uma carta de 1 de Junho de 1995 do comissário Sir Leon Brittan ao presidente da Comissão, de onde resultaria que esta instituição tinha decidido não prosseguir as infracções denunciadas, preferindo a introdução de uma política postal pelo Conselho.

O acórdão impugnado

18.
    No acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância declarou inoperante o fundamento assente na violação do artigo 86.° do Tratado porque a rejeição da denúncia assentava unicamente na falta de interesse comunitário suficiente do processo em causa (n.os 34 e 36). A este respeito, salientou que, se bem que a única referência explícita ao interesse comunitário apareça no penúltimo número da decisão controvertida (n.° 31), este era indissociável do resto do texto, de modo que toda a decisão controvertida era ditada pela apreciação da oportunidade de intervir ou não num domínio em que a Comissão já tinha exercido a sua autoridade (n.° 32).

19.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que a Comissão tinha antes de mais recordado que o sector dos serviços postais tinha sido objecto de uma análise de conjunto no quadro do Livro Verde sobre os Serviços Postais que foi objecto de uma comunicação de 11 de Junho de 1992 e das Directrizes para o Desenvolvimento dos Serviços Postais Comunitários objecto de uma comunicação de 2 de Junho de 1993. Em seguida, tinha salientado que as infracções denunciadas ao abrigo do artigo 86.° do Tratado no caso particular do correio rápido internacional tinham sido examinadas e resolvidas pela Comissão quando da decisão GD Net. Por fim, a Comissão tinha sublinhado que as denunciantes não tinham provado que persistiam infracções e que não tinha de se ocupar com infracções passadas, apenas da perspectiva do interesse individual das partes (n.° 32)

20.
    O Tribunal de Primeira Instância acrescentou que os elementos considerados na decisão controvertida não teriam qualquer sentido se fossem entendidos como uma apreciação jurídica nos termos do artigo 86.° do Tratado Com efeito, não constava desta decisão qualquer definição do mercado relevante, quer no âmbito geográfico quer material, qualquer apreciação da posição de La Poste neste mercado, nem qualquer qualificação das práticas à luz do artigo 86.° do Tratado (n.° 33).

21.
    Quanto ao segundo fundamento, o Tribunal de Primeira Instância, julgou, em primeiro lugar, que, para apreciar o interesse comunitário, a Comissão tinha o direito de considerar outros elementos pertinentes diferentes dos que tinha enumerado nos seus acórdãos anteriores. Com efeito, como resultava do acórdão Automec II, esta apreciação assentava necessariamente num exame das circunstâncias específicas de cada caso, realizado sob a fiscalização do Tribunal de Primeira Instância (n.° 46).

22.
    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão podia legitimamente decidir que não era oportuno dar seguimento a uma denúncia de práticas que tinham ulteriormente cessado. A instrução do processo e a verificação de infracções pretéritas já não teriam como interesse assegurar uma concorrência não falseada no mercado comum e não corresponderiam portanto à função atribuída à Comissão pelo Tratado. O objectivo essencial de tal procedimento seria facilitar aos denunciantes a demonstração de uma falta nos órgãos jurisdicionais nacionais, com vista a obter indemnizações. Era tanto mais assim quando, como no caso em apreço, a cessação das práticas controvertidas era o resultado da acção da Comissão (n.os 57 e 58).

23.
    Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância examinou a questão de saber se a Comissão tinha correctamente podido concluir que, no caso em apreço, as práticas indicadas na denúncia tinham cessado devido à adopção da decisão GD Net (n.° 61).

24.
    A este respeito, recordou em primeiro lugar que, na decisão GD Net, a Comissão tinha constatado que os acordos notificados continham uma cláusula segundo a qual um serviço subcontratado, pela filial comum, a uma administração postal seria fornecido contra remuneração, nas condições normais do comércio. Todavia, a Comissão observou que, no momento em que se pronunciou, as administrações postais não tinham ainda criado mecanismos que permitissem calcular precisamente o custo de cada um dos serviços fornecidos e por isso considerou que não podiam ser excluídas distorções de concorrência. Entendeu então que não haveria para as administrações postais qualquer justificação económica em fazer beneficiar a filial de subvenções cruzadas, uma vez que a sua parte individual dos lucros da filial comum não poderia equivaler às possíveis subvenções concedidas por cada uma. Além disso, as administrações postais partes na operação tinham-se comprometido a fornecer os mesmos serviços a terceiros, em condições idênticas, enquanto não pudessem provar a inexistência de subvenções cruzadas (n.° 62).

25.
    Em seguida o Tribunal de Primeira Instância assinalou que a decisão GD Net, implicava particularmente La Poste e que, esta se encontrava, portanto, juridicamente vinculada pelas disposições dos acordos notificados e, em especial, pelas disposições relativas à remuneração dos serviços que subcontrataria através da sua filial, bem como pelos compromissos anexos à decisão controvertida. Sublinhou também que, por efeito da operação de concentração, La Poste tinha-se retirado do mercado de serviços de correio rápido internacional, de modo que nãoconservava actividades próprias neste sector que lhe permitissem eximir-se aos compromissos assumidos (n.° 64).

26.
    O Tribunal de Primeira Instância concluiu assim que, uma vez que La Poste estava vinculada pelos acordos notificados e pelos compromissos atrás referidos, a Comissão podia correctamente considerar que, uma vez realizada a operação de concentração, ou seja, segundo as informações fornecidas ao Tribunal de Primeira Instância, em 18 de Março de 1992, estas regras tinham sido respeitadas, na falta de indícios da sua violação (n.° 68).

27.
    Em quarto lugar, o Tribunal de Primeira Instância observou que, se podiam permitir provar que havia serviços efectivamente subcontratados, os elementos de prova produzidos pelas recorrentes com vista a demonstrar a persistência das práticas em causa, a saber, por um lado, uma verificação por oficial de diligências dando conta de um cartaz publicitário do serviço «Chronopost» num veículo de La Poste e, por outro, uma referência, na carta dos recorrentes, de que «actualmente as tarifas praticadas pela SFMI permanecem substancialmente inferiores às dos membros do SFEI» não permitiam, ao invés, presumir a existência de subvenções cruzadas (n.° 69).

28.
    De igual modo, segundo o Tribunal de Primeira Instância, a decisão da Comissão, de Julho de 1996, de dar início a um procedimento nos termos do n.° 2 do artigo 93.° do Tratado relativamente a auxílios que a França teria concedido à sociedade SFMI-Chronopost (JO 1996, C 206, p. 3), invocada na audiência, não permitia demonstrar que, na data de adopção da decisão controvertida, a Comissão dispunha de elementos suficientes para justificar que fosse aberto um inquérito nos termos do artigo 86.° do Tratado para o período posterior à adopção da decisão GD Net (n.° 71).

29.
    Quanto à afirmação contida na decisão GD Net, de que não existiria, para as administrações postais, justificação económica para conceder o benefício de subvenções cruzadas à filial comum, o Tribunal de Primeira Instância salientou que a mesma não tinha sido submetida à sua apreciação e que não tinha sido contestada pelas recorrentes nas suas alegações (n.° 72).

30.
    Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou o segundo fundamento depois de ter sublinhado que as recorrentes não tinham podido apresentar a mínima prova da persistência de subvenções cruzadas, de molde a justificar a abertura de um inquérito (n.° 73).

31.
    Quanto ao terceiro fundamento, o Tribunal de Primeira Instância sublinhou que, na decisão controvertida, a Comissão tinha rejeitado a denúncia por falta de interesse comunitário essencialmente porque as práticas tinham cessado em razão da decisão GD Net. Nestas condições, a não exploração de um relatório deperitagem relativo a um período anterior à adopção da decisão GD Net não podia constituir uma violação do princípio da boa administração (n.° 100).

32.
    No que diz respeito ao princípio da não discriminação, o Tribunal de Primeira Instância salientou em primeiro lugar que as recorrentes não tinham demonstrado que, numa situação comparável à presente, em que práticas controvertidas teriam cessado em razão de uma decisão anterior da Comissão, esta última teria no entanto dado início a um inquérito ao abrigo do artigo 86.° do Tratado sobre os factos passados (n.° 102).

33.
    Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância considerou que as recorrentes não podiam invocar uma discriminação na aplicação do artigo 86.° do Tratado, uma vez que a decisão controvertida se baseava unicamente na inexistência de interesse comunitário, de modo que a Comissão não tinha qualificado os factos censurados à luz desse artigo (n.° 103).

34.
    Quanto ao quarto fundamento assente num desvio de poder, o Tribunal de Primeira Instância considerou que as observações das recorrentes baseadas numa carta que Sir Leon Brittan teria dirigido ao presidente da Comissão, que não tinha sido junta aos autos e de que nada permite confirmar a existência, assentavam apenas em alegações não provadas e, portanto, não susceptíveis de constituir indícios de molde a concluir pela existência de um desvio de poder (n.° 117).

35.
    Perante estes elementos, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou o quarto fundamento.

36.
    Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância negou provimento ao recurso e condenou as recorrentes nas despesas.

O recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância

37.
    Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam doze fundamentos.

38.
    Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou a decisão controvertida.

39.
    Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a Comissão podia fundar a decisão controvertida numa decisão relativa a outro processo com partes diferentes, tendo um objecto parcialmente diferente e uma base jurídica distinta.

40.
    Em terceiro lugar e a título subsidiário, o Tribunal de Primeira Instância, ao agir deste modo, introduziu uma contradição na fundamentação do acórdão impugnado.

41.
    Em quarto lugar, o acórdão impugnado não tem base legal.

42.
    Em quinto lugar, o Tribunal de Primeira Instância não podia legalmente deduzir dos autos que a Comissão tinha podido verificar validamente a cessação das infracções.

43.
    Em sexto lugar, o Tribunal de Primeira Instância ignorou as regras de direito relativas à apreciação do interesse comunitário.

44.
    Em sétimo lugar, o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 86.°, conjugado com os artigos 3.°, alínea g), 89.° e 155.° do Tratado CE.

45.
    Em oitavo lugar, o Tribunal de Primeira Instância ignorou os princípios da igualdade, da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

46.
    Em nono lugar, o Tribunal de Primeira Instância violou o conceito de «situações comparáveis» no âmbito do exame do fundamento relativo ao princípio da igualdade.

47.
    Em décimo lugar, o Tribunal de Primeira Instância ignorou o princípio da boa administração.

48.
    Em décimo primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância absteve-se de responder a uma questão fundamental da argumentação das recorrentes, relativa ao fundamento da rejeição pela Comissão da sua denúncia.

49.
    Por fim, o Tribunal de Primeira Instância cometeu erros de direito na aplicação do conceito de desvio de poder porque não examinou todos os documentos invocados.

Quanto ao primeiro fundamento

50.
    Na primeira parte do seu primeiro fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou a decisão controvertida ao negar que a mesma assentava em dois motivos distintos, a saber a existência do Livro Verde sobre os Serviços Postais e das Directrizes para o Desenvolvimento dos Serviços Postais Comunitários, por um lado, e da decisão GD Net, por outro.

51.
    Na segunda parte do primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou igualmente a decisão controvertida ao introduzir-lhe um motivo assente no «interesse comunitário» que não era mencionado.

52.
    A este respeito, verifica-se que o Tribunal de Primeira Instância pôde acertadamente considerar que a falta de interesse comunitário estava subjacente a toda a decisão controvertida.

53.
    Ao longo desta, a Comissão examinou com efeito se era oportuno que interviesse de novo num domínio em que já tinha tomado iniciativas como o Livro Verde, as Directrizes e a decisão GD Net. Tendo estas iniciativas apenas sido mencionadas nesta óptica, não podem ser vistas como motivos autónomos de rejeição de denúncia.

54.
    Face a tais considerações, há que rejeitar o primeiro fundamento.

Quanto ao segundo fundamento

55.
    Com o seu segundo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao declarar que a Comissão podia, para fundamentar a decisão controvertida, referir-se a outra decisão.

56.
    Em sua opinião, toda e qualquer decisão judicial ou administrativa deve bastar-se e ela própria, devendo o seu autor decidir consoante as circunstâncias específicas de cada caso concreto.

57.
    Observe-se que, como o advogado-geral assinalou no n.° 20 das suas conclusões, a fundamentação de um acto administrativo pode fazer referência a outros actos e, em especial, mencionar o teor de um acto anterior, sobretudo se for conexo.

58.
    Por conseguinte, ao admitir que, na decisão controvertida, a Comissão se tenha referido à decisão GD Net para considerar que esta tinha levado à cessação das práticas denunciadas, tendo em conta o facto de que vinculava juridicamente a La Poste, que, por efeito da operação de concentração, se retirava do mercado dos serviços de correio rápido internacional, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito.

59.
    Deste modo, o segundo fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento

60.
    Com o seu terceiro fundamento, subsidiário em relação ao anterior, as recorrentes alegam que, se se revelar que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao admitir que a Comissão tenha fundamentado a decisão controvertida por remissão para a decisão GD Net, o acórdão impugnado devia ser anulado por contradição de fundamentos.

61.
    Segundo as recorrentes, resulta com efeito dos n.os 32 e 67 do acórdão impugnado que os factos e infracções constantes da denúncia a respeito da violação do artigo 86.° do Tratado foram objecto de uma apreciação de facto e de direito no quadro da decisão GD Net. Uma vez que a decisão controvertida remete para a fundamentação da decisão GD Net, o acórdão impugnado contém uma contradição de motivos quando afirma por outro lado que a decisão controvertida não tinha qualificado as práticas denunciadas à luz do artigo 86.° do Tratado.

62.
    A este respeito, basta assinalar que o Tribunal de Primeira Instância se limitou a verificar que, na decisão controvertida, a Comissão tinha rejeitado a denúncia na falta de um interesse comunitário suficiente e que, assim, não era obrigada a qualificar as práticas litigiosas à luz do artigo 86.° do Tratado. Aliás, como resulta do n.° 58 do presente acórdão, o alcance da referência à decisão GD Net é limitado dado que, por um lado, serve para constituir em permissa que, mesmo se as práticas incriminadas tinham efectivamente ocorrido no passado, esta decisão tinha implicado o seu desaparecimento e, por outro, não respeita à qualificação destas práticas a que a Comissão terá procedido à luz do artigo 86.° do Tratado na decisão GD Net.

63.
    Assim, não tendo o acórdão impugnado qualquer contradição, há que rejeitar o terceiro fundamento.

Quanto ao quarto fundamento

64.
    Com o seu quarto fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de não ter procedido às investigações necessárias para verificar se a Comissão estava em condições de verificar a pretensa ausência de subvenções cruzadas entre La Poste e a sua filial.

65.
    Acusam-no em especial de não ter tido em conta uma série de elementos que lhe comunicaram e que demonstram a tese da persistência de subvenções depois de 1991, como a inexistência de contabilidade analítica de La Poste, a utilização da sua imagem de marca pela SFMI e um estudo económico apresentado pelo Governo francês no processo que deu origem ao acórdão de 11 de Julho de 1996, SFEI e o. (C-39/94, Colect., p. I-3547).

66.
    A este respeito, basta recordar que a apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância dos elementos de prova que lhe são apresentados não é uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, salvo no caso de desvirtuação destes elementos ou quando a inexactidão material das verificações do Tribunal de Primeira Instância resulta dos documentos juntos aos autos (acórdãos de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C-53/92 P, Colect., p. I-667, n.° 42; de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C-136/92 P, Colect., p. I-1981, n.os 48 e 49, e de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C-241/91 P e C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.° 67; v., igualmente, despacho de 17 de Setembro de 1996, San Marco/Comissão, C-19/95 P, Colect., p. I-4435, n.° 3), o que não é alegado pelas recorrentes.

67.
    Por conseguinte, o quarto fundamento é inadmissível.

Quanto ao quinto fundamento

68.
    Na primeira parte do quinto fundamento, as recorrentes sustentam que, no n.° 68 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância não podia legalmente deduzir das peças dos autos que a Comissão podia verificar que as infracções tinham cessado desde a adopção da decisão GD Net.

69.
    Segundo as recorrentes, esta afirmação é desmentida pelo próprio teor da decisão GD Net que previa que os compromissos assumidos pelas empresas em causa só produziriam efeito em 15 de Março de 1995. Assim, a Comissão não podia, em 1994, basear-se nestes compromissos para concluir que as práticas denunciadas tinham cessado.

70.
    Saliente-se que, no n.° 72 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que, independentemente da aplicação dos referidos compromissos,

«as partes na operação de concentração notificada continuam vinculadas pelas cláusulas contratuais, entre as quais a de que qualquer serviço subcontratado será fornecido contra remuneração, nas condições normais do comércio; além disso, decorre da decisão GD Net que não existiria, para as administrações postais, justificação económica para conceder o benefício de subvenções cruzadas à filial comum; esta apreciação constante da decisão GD Net, que não foi apresentada ao Tribunal, não foi contestada pelos recorrentes nas suas alegações. Na realidade, os compromissos constituem uma medida adicional a cargo das administrações postais, obrigando-as a conceder condições idênticas, para um serviço comparável, aos outros prestadores de serviços de correio rápido internacional, enquanto não puderem provar a inexistência de subvenções cruzadas».

71.
    Uma vez que a Comissão e o Tribunal de Primeira Instância consideraram que, independentemente dos compromissos nela previstos, a decisão GD Net era susceptível de pôr termo às práticas incriminadas, afigura-se que a primeira parte do quinto fundamento se relaciona, de qualquer modo, com um ponto superfetatório da fundamentação do acórdão impugnado e, assim, é inoperante. Desse modo, não há que examinar se, como defendem as recorrentes, ela suscita uma questão de direito ou se, pelo contrário, faz parte da apreciação dos elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, caso em que seria inadmissível.

72.
    Por conseguinte, rejeita-se a primeira parte do quinto fundamento.

73.
    Na segunda parte do quinto fundamento, as recorrentes criticam a afirmação constante do n.° 71 do acórdão impugnado, de acordo com a qual a decisão da Comissão, adoptada em Julho de 1996, de dar início a um procedimento nos termos do n.° 2 do artigo 93.° do Tratado relativamente a auxílios que a França teria concedido à sociedade SFMI-Chronopost, já referida, «não permite demonstrar que, na data de adopção da decisão, a Comissão dispunha de elementos suficientes para justificar que fosse aberto um inquérito nos termos do artigo 86.° do Tratado para o período posterior à adopção da decisão GD Net».

74.
    A este respeito, verifica-se que, por se referir ao exame das provas apresentadas ao Tribunal de Primeira Instância e portanto à apreciação dos factos, a segunda parte do quinto fundamento não pode ser examinada no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

75.
    Por conseguinte, é de rejeitar a segunda parte do quinto fundamento.

Quanto aos sexto e oitavo fundamentos

76.
    Com o seu sexto fundamento, as recorrentes sustentam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na apreciação do interesse comunitário. Resulta com efeito do termo «nomeadamente» utilizado no n.° 86 do acórdão Automec II, já referido, que a Comissão está sujeita à obrigação de apreciar o interesse comunitário pelo menos face aos elementos aí enumerados, que apenas são susceptíveis de ser completados, em função das circunstâncias, por outros elementos específicos do caso concreto. Caso contrário, o conceito de interesse comunitário tornar-se-ia um conceito vago, definido caso a caso pela própria Comissão.

77.
    As recorrentes sublinham que a fórmula constante do n.° 86 do acórdão Automec II foi reproduzida em todos os acórdãos posteriores do Tribunal de Primeira Instância que diziam respeito à avaliação do interesse comunitário (acórdãos de 24 de Janeiro de 1995, BEMIM/Comissão, T-114/92, Colect., p. II-147, n.° 80 e Tremblay e o./Comissão, T-5/93, Colect., p. II-185, n.° 62).

78.
    Com o seu oitavo fundamento, as recorrentes sustentam que a afirmação do Tribunal de Primeira Instância constante do n.° 46 do acórdão impugnado, segundo a qual a Comissão não era obrigada a referir-se aos elementos definidos pela jurisprudência comunitária para apreciar a existência ou não de um interesse comunitário em prosseguir o exame de uma denúncia, constitui uma violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima e da igualdade.

79.
    Dado que a apreciação do interesse comunitário de uma denúncia é função das circunstâncias de cada caso, não há nem que limitar o número de critérios de apreciação a que a Comissão se pode referir nem, em contrapartida, que lhe impor a utilização exclusiva de determinados critérios.

80.
    Num domínio como o do direito da concorrência, o contexto factual e jurídico pode, com efeito, diferir consideravelmente de um processo para outro, de modo que é possível que o Tribunal de Primeira Instância utilize critérios que até então não tinham sido encarados.

81.
    Como o advogado-geral assinalou nos n.os 59 e 93 das suas conclusões, julgar procedentes os fundamentos invocados pelas recorrentes equivaleria a paralisar a jurisprudência.

82.
    Assim, há que rejeitar os sexto e oitavo fundamentos.

Quanto ao sétimo fundamento

83.
    Com o seu sétimo fundamento, as recorrentes alegam que a concepção da função da Comissão no quadro da fiscalização do respeito do artigo 86.° do Tratado seguida pelo Tribunal de Primeira Instância é errada. Contrariamente ao que resulta dos n.os 56 a 58 do acórdão impugnado, a cessação de práticas anticoncorrenciais não basta para restabelecer uma situação de concorrência aceitável quando persistam os desequilíbrios estruturais provocados por estas práticas. Nessas condições, a Comissão, que deve velar pelo estabelecimento e pela manutenção de um regime de concorrência não falseada no mercado comum, tem o dever de agir.

84.
    As recorrentes acrescentam que, no caso concreto, as subvenções cruzadas da La Poste para a sua filial SFMI-Chronopost permitiram a esta última entrar no mercado do correio rápido internacional e obter uma posição de líder no mesmo em apenas dois anos. Mesmo pressupondo que tais subvenções cruzadas tenham cessado, as mesmas teriam alterado a concorrência e continuariam necessariamente a falseá-la.

85.
    A verificação das infracções em causa permitiu à Comissão incluir na decisão controvertida todas as medidas úteis ao restabelecimento de uma situação concorrencial sã.

86.
    Recorde-se, antes de mais que, segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Comissão é obrigada a examinar atentamente o conjunto dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pelos denunciantes (acórdãos de 11 de Outubro de 1983, Demo-Studio Schmidt/Comissão, 210/81, Recueil, p. 3045, n.° 19; de 28 de Março de 1985, CICCE/Comissão, 298/83, Recueil, p. 1105, n.° 18, e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Commissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 20). Além disso, os denunciantes devem conhecer o seguimento da sua denúncia, através de uma decisão da Comissão, susceptível de ser objecto de recurso contencioso (acórdão de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C-282/95 P, Colect., p. I-1503, n.° 36).

87.
    Todavia, o artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), não confere ao autor de um pedido apresentado por força do referido artigo o direito de exigir da Comissão uma decisão definitiva quanto à existência ou à inexistência da infracção alegada (acórdão de 18 de Outubro de 1979, Gema/Comissão, 125/78, Recueil, p. 3173, n.os 17 e 18).

88.
    Com efeito, a Comissão, a quem é atribuída pelo artigo 89.°, n.° 1, do Tratado CE a missão de velar pela aplicação dos princípios fixados pelos artigos 85.° e 86.° do Tratado, deve definir e pôr em prática a orientação da política comunitária da concorrência (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935, n.° 44). A fim de realizar eficazmente esta tarefa, tem o direito de conceder graus de prioridade diferentes às denúncias submetidas à sua apreciação.

89.
    No entanto, o poder discricionário da Comissão neste domínio tem limites.

90.
    Por um lado, a Comissão está sujeita a uma obrigação de fundamentação quando recusa prosseguir o exame de uma denúncia.

91.
    Devendo a fundamentação ser suficientemente precisa e determinada para dar ao Tribunal de Primeira Instância a possibilidade de exercer uma fiscalização efectiva sobre o exercício pela Comissão do seu poder discricionário de definir prioridades (acórdão de 19 de Outubro de 1995, Rendo e o./Comissão, C-19/93 P, Colect., p. 3319, n.° 27), esta instituição é obrigada a expor os elementos de facto de que depende a justificação da decisão e as considerações jurídicas que a levaram a adoptá-la (acórdãos BAT e Reynolds/Comissão, já referido, n.° 72, e de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Commission CEE, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n.° 22).

92.
    Por outro lado, a Comissão não pode, quando adopta ordens de prioridade no tratamento das denúncias submetidas à sua apreciação, considerar excluídas a priori do seu campo de acção certas situações que fazem parte da missão que lhe é confiada pelo Tratado.

93.
    Neste quadro, a Comissão é obrigada a apreciar em cada caso a gravidade dos pretensos atentados à concorrência e a persistência dos seus efeitos. Esta obrigação implica nomeadamente que tenha em conta a duração e a importância das infracções denunciadas bem como a sua incidência na situação da concorrência na Comunidade.

94.
    Quando, após cessação das práticas que os causaram, persistirem efeitos anticoncorrenciais, a Comissão continua portanto a ser competente, ao abrigo dos artigos 2.°, n.° 3, alínea g), e 86.° do Tratado, para agir com vista à sua eliminação ou à sua neutralização (v., neste sentido, acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.os 24 e 25).

95.
    A Comissão não pode apenas basear-se no simples facto de que práticas pretensamente contrárias ao Tratado cessaram para decidir arquivar por falta de interesse comunitário uma denúncia destas práticas, sem ter verificado se não persistiam efeitos anticoncorrenciais e se, eventualmente, a gravidade dos atentados alegados à concorrência ou a persistência dos seus efeitos não eram susceptíveis de conferir a esta denúncia um interesse comunitário.

96.
    Face às considerações anteriores, verifica-se que o Tribunal de Primeira Instância, ao julgar, sem se assegurar se se tinha verificado que os efeitos anticoncorrenciais tinham deixado de persistir e, eventualmente, se não eram susceptíveis de conferir à denúncia um interesse comunitário, que a instrução de uma denúncia relativa a infracções passadas não correspondia à função atribuída à Comissão pelo Tratado, mas servia essencialmente para facilitar às denunciantes a demonstração de uma falta a fim de obter uma indemnização por perdas e danos nos órgãos jurisdicionais nacionais, seguiu uma concepção errada da missão da Comissão no domínio da concorrência.

97.
    Assim, o sétimo fundamento é procedente.

Quanto ao nono fundamento

98.
    Com o seu nono fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter adoptado, no n.° 102 do acórdão impugnado, uma interpretação excessivamente redutora do conceito de situações comparáveis para afastar o fundamento que tinham assente na violação pela Comissão do princípio da igualdade, violação essa que teria consistido na adopção de uma atitude diferente da adoptada noutros processos.

99.
    A este respeito, basta verificar que as recorrentes não conseguiram mencionar um processo em que, não obstante uma decisão anterior, a Comissão tenha procedido a uma investigação nos termos do artigo 86.° do Tratado sob práticas por ela consideradas passadas. Nestas condições, não se pode julgar que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro na apreciação da comparabilidade de situações considerando que as recorrentes não tinham demonstrado a violação do princípio da igualdade.

100.
    Deste modo há que rejeitar o nono fundamento.

Quanto ao décimo fundamento

101.
    Com o seu décimo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter violado o princípio da boa administração ao considerar, no n.° 100 do acórdão impugnado, que a falta de análise pela Comissão de um relatório de peritagem apresentado pelo denunciante, que se destinava a demonstrar, em relação ao período anterior à decisão GD Net, a existência das práticas incriminadas, não constituía uma violação deste princípio.

102.
    Uma vez que só dizia respeito a um período anterior ao da cessação presumida das práticas incriminadas, o relatório em causa era irrelevante para apreciar a oportunidade de prosseguir a investigação. Nestas condições, o Tribunal julgou acertadamente que a Comissão não era obrigada a explorá-lo.

103.
    Assim, o décimo fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao décimo primeiro fundamento

104.
    Com o seu décimo primeiro fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de não ter respondido a um ponto fundamental da sua argumentação, assente nas diferenças de fundamento entre a primeira rejeição da denúncia, notificada por carta de 10 de Março de 1992, e a sua rejeição definitiva, que é objecto da decisão controvertida.

105.
    A este respeito, verifica-se que, como foi demonstrado pelo advogado-geral no n.° 29 das suas conclusões, o Tribunal de Primeira Instância reproduziu este fundamento no n.° 22 do acórdão impugnado e rejeitou-o no n.° 35.

106.
    Portanto, há que rejeitar o décimo primeiro fundamento.

Quanto ao décimo segundo fundamento

107.
    Com o seu décimo segundo fundamento, as recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância de ter decidido sobre o fundamento assente num desvio de poder sem ter examinado todos os documentos que elas tinham invocado.

108.
    Assim, no n.° 117 do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância teria considerado que uma carta dirigida por Sir Leon Brittan ao presidente da Comissão não constituía um indício suficiente do desvio de poder porque não tinha sido junta aos autos e não havia nenhum elemento que permitisse confirmar a sua existência.

109.
    Dado que as recorrentes tinham expressamente solicitado ao Tribunal de Primeira Instância que ordenasse a apresentação da referida carta, este teria cometido um erro de direito na aplicação do conceito de desvio de poder ao julgar, sem se dar cuidado de a examinar, que a mesma não constituía um indício suficiente.

110.
    Saliente-se que o Tribunal de Primeira Instância não podia rejeitar o pedido das recorrentes de ordenar a apresentação de um documento aparentemente pertinente para a resolução do litígio porque este documento não tinha sido junto aos autos e nenhum elemento permitia confirmar a sua existência.

111.
    Com efeito, verifica-se que resulta do n.° 113 do acórdão impugnado que as recorrentes tinham indicado o autor, o destinatário e a data da carta cuja apresentação solicitavam. Perante tais elementos, o Tribunal de Primeira Instância não podia contentar-se em rejeitar as alegações das partes por insuficiência de prova quando dependia dele, acolhendo o pedido das recorrentes de ordenar a apresentação de documentos, resolver a incerteza que podia existir quanto à exactidão destas alegações ou explicar as razões por que tal documento não podia, de qualquer modo e independentemente do seu conteúdo, ser pertinente para a resolução do litígio.

112.
    O décimo segundo fundamento é assim procedente.

113.
    Visto o que precede, há que declarar procedentes os sétimo e décimo segundo fundamentos e, em consequência, que anular o acórdão impugnado.

Quanto à remessa do processo ao Tribunal de Primeira Instância

114.
    Nos termos do artigo 54.°, primeiro parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, quando o recurso for procedente o Tribunal de Justiça anulará a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode, neste caso, julgar definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para julgamento. Não estando o litígio em condições de ser julgado, há que remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)    É anulado o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 1997, SFEI e o./Comissão (T-77/95).

2)    O processo é remetido ao Tribunal de Primeira Instância.

3)    Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Puissochet
Moitinho de Almeida
Gulmann

Edward

Wathelet

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Março de 1999.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

J.-P. Puissochet


1: Língua do processo: francês.