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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

27 de fevereiro de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Propriedade intelectual — Desenhos ou modelos comunitários — Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (TCP) — Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio — Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial — Artigo 4.o — Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Artigo 41.o — Pedido de registo de um desenho ou modelo — Direito de prioridade — Reivindicação de prioridade baseada num pedido internacional depositado ao abrigo do TCP — Prazo — Interpretação conforme ao artigo 4.o desta convenção — Limites»

No processo C‑382/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 23 de junho de 2021,

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Gája, D. Hanf, E. Markakis e V. Ruzek, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por P. Němečková, J. Samnadda e G. von Rintelen, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

sendo a outra parte no processo:

The KaiKai Company Jaeger Wichmann GbR, com sede em Munique (Alemanha), representada por J. Hellmann‑Cordner, Rechtsanwältin, assistida por T. Lachmann e F. Steinbach, Patentanwälte,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan e N. Piçarra, presidentes de secção, M. Ilešič, P. G. Xuereb, L. S. Rossi (relatora), I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele e J. Passer, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretária: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de março de 2023,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do presente recurso, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de abril de 2021, The KaiKai Company Jaeger Wichmann/EUIPO (Aparelhos e artigos de ginástica ou de desporto) (T‑579/19, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:186), pelo qual este anulou a Decisão da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO de 13 de junho de 2019 (processo R 573/2019‑3).

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 Convenção de Paris

2        A Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial foi assinada em Paris, em 20 de março de 1883, revista pela última vez em Estocolmo, em 14 de julho de 1967, e modificada em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 11851, p. 305; a seguir «Convenção de Paris»). Todos os Estados‑Membros da União Europeia são partes nesta convenção.

3        O artigo 1.o, n.os 1 e 2, da referida convenção estipula:

«1)      Os países a que se aplica a presente Convenção constituem‑se em União para a proteção da propriedade industrial.

2)      A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.»

4        O artigo 4.o da mesma convenção dispõe:

«A.

1)      Aquele que tiver apresentado, em termos, pedido de patente de invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registo de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países [da União para a proteção da propriedade industrial], do direito de prioridade durante os prazos adiante fixados.

2)      Reconhece‑se como dando origem ao direito de prioridade qualquer pedido com o valor de pedido nacional regular, formulado nos termos da lei interna de cada país da União ou de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre países da União [para a proteção da propriedade industrial].

[…]

C.

1)      Os prazos de prioridade atrás mencionados serão de doze meses para as invenções e modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio.

2)      Estes prazos correm a partir da data da apresentação do primeiro pedido; o dia da apresentação não é contado.

[…]

4)      Deve ser considerado como primeiro pedido, cuja data de apresentação marcará o início do prazo de prioridade, um pedido ulterior que tenha o mesmo objeto que um primeiro pedido anterior, de harmonia com a alínea 2), apresentado no mesmo país da União [para a proteção da propriedade industrial], desde que, à data da apresentação do pedido ulterior, o pedido anterior tenha sido retirado, abandonado ou recusado, sem ter sido submetido a exame público e sem deixar subsistir direitos e que não tenha ainda servido de base para reivindicação do direito de prioridade. O pedido anterior não poderá nunca mais servir de base para reivindicação do direito de prioridade.

[…]

E.

1)      Quando um desenho ou modelo industrial tiver sido apresentado num país, em virtude de um direito de prioridade baseado no pedido de depósito de um modelo de utilidade, o prazo de prioridade será o fixado para os desenhos ou modelos industriais.

2)      Além disso, é permitido num país pedir o depósito de um modelo de utilidade, em virtude de um direito de prioridade baseado num pedido de patente, e vice‑versa.

[…]»

5        O artigo 19.o da Convenção de Paris tem a seguinte redação:

«Fica entendido que os países da União [para a proteção da propriedade industrial] se reservam o direito de, separadamente, celebrar entre eles acordos particulares para a proteção da propriedade industrial, contanto que esses acordos não contrariem as disposições da presente Convenção.»

6        Nos termos do artigo 25.o, n.o 1, desta convenção:

«Qualquer país parte da presente Convenção compromete‑se a adotar, de acordo com a sua constituição, as medidas necessárias para assegurar a aplicação da presente Convenção.»

 Acordo ADPIC

7        O Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (a seguir «Acordo ADPIC») constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) que foi assinado em Marraquexe (Marrocos), em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) (JO 1994, L 336, p. 1). São partes no Acordo ADPIC os membros da OMC, entre os quais figuram todos os Estados‑Membros da União e a própria União.

8        O artigo 2.o deste acordo, integrado na parte I, estipula, no n.o 1:

«No que diz respeito às partes II, III e IV do presente acordo, os membros devem observar o disposto nos artigos 1.o a 12.o e no artigo 19.o da Convenção de Paris.»

9        O artigo 25.o do referido acordo, integrado na parte II, obriga, no seu n.o 1, os membros da OMC a assegurarem a proteção dos desenhos ou modelos industriais criados de forma independente que sejam novos ou originais.

10      O artigo 62.o do mesmo acordo, que constitui a parte IV, diz respeito, nomeadamente, à aquisição dos direitos de propriedade intelectual.

 TCP

11      O Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes foi celebrado em Washington, em 19 de junho de 1970, e alterado pela última vez em 3 de outubro de 2001 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1160, n.o 18336, p. 231; a seguir «TCP»). Todos os Estados‑Membros da União são partes no TCP.

12      O artigo 1.o, n.o 2, do TCP estipula:

«Nenhuma disposição do presente Tratado poderá ser interpretada como uma restrição dos direitos previstos pela [Convenção de Paris] em benefício dos nacionais dos países participantes desta Convenção ou das pessoas domiciliadas nesses países.»

13      O artigo 2.o deste Tratado dispõe:

«No sentido do presente Tratado e do regulamento de execução, e a menos que um sentido diferente seja expressamente indicado:

i)      Entende‑se por “pedido” um pedido de proteção de uma invenção; toda e qualquer referência a um “pedido” entender‑se‑á como uma referência aos pedidos de patentes de invenção, de certificados de autor de invenção, de certificados de utilidade, de modelos de utilidade, de patentes ou de certificados de adição, de certificados de autor de invenção adicionais e de certificados de utilidade adicionais;

ii)      Toda e qualquer referência a uma “patente” entender‑se‑á como uma referência às patentes de invenção, aos certificados de autor de invenção, aos certificados de utilidade, aos modelos de utilidade, às patentes ou certificados de adição, aos certificados de autor de invenção adicionais e aos certificados de utilidade adicionais;

[…]

vii)      Entende‑se por “pedido internacional” um pedido depositado em obediência ao presente Tratado;

[…]»

 Direito da União

14      O artigo 25.o do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1), prevê, no seu n.o 1:

«Um desenho ou modelo comunitário só pode ser declarado nulo nos seguintes casos:

[…]

g)      Se o desenho ou modelo constituir um uso indevido de qualquer dos elementos enumerados no artigo 6.oB da [Convenção de Paris], ou de outros distintivos, emblemas, marcas e sinetes não abrangidos pelo citado artigo 6.oB […] e que se revistam de particular interesse público num Estado‑Membro.»

15      O artigo 41.o deste regulamento dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Quem tenha depositado regularmente um pedido de registo de um desenho ou modelo de utilidade num ou para um dos Estados partes na Convenção de Paris, ou no acordo que institui a [OMC], ou o seu sucess[or], goza, para efeitos de depósito de um pedido de registo de desenho ou modelo comunitário para o mesmo desenho ou modelo de utilidade, de um direito de prioridade de seis meses a contar da data de depósito do primeiro pedido.

2.      É reconhecido como dando origem ao direito de prioridade qualquer depósito que tenha valor de depósito nacional regular nos termos da legislação nacional do Estado em que foi efetuado ou por força de acordos bilaterais ou multilaterais.»

 Antecedentes do litígio

16      Os antecedentes do litígio, que foram apresentados pelo Tribunal Geral nos n.os 12 a 22 do acórdão recorrido, podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

17      Em 24 de outubro de 2018, a The KaiKai Company Jaeger Wichmann GbR (a seguir «KaiKai») apresentou no EUIPO um pedido de registo múltiplo relativo a doze desenhos ou modelos comunitários (a seguir «pedido de registo em causa»), reivindicando, para todos esses desenhos ou modelos, uma prioridade que se baseava no pedido internacional PCT/EP2017/077469, depositado, em 26 de outubro de 2017, ao abrigo do TCP, no Instituto Europeu de Patentes (a seguir «pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP»).

18      Por carta de 31 de outubro de 2018, o examinador do EUIPO informou a KaiKai de que o pedido de registo em causa tinha sido deferido na íntegra, mas que o direito de prioridade reivindicado era recusado para todos os desenhos ou modelos em questão, pelo facto de a data do depósito do pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP anteceder em mais de seis meses a data de depósito deste pedido de registo.

19      Tendo a KaiKai mantido a sua reivindicação de prioridade e solicitado uma decisão suscetível de recurso, o examinador, por Decisão de 16 de janeiro de 2019, recusou o direito de prioridade para todos os desenhos ou modelos comunitários (a seguir «decisão do examinador»).

20      Em apoio dessa decisão, o examinador indicou que, ainda que um pedido internacional depositado ao abrigo do TCP pudesse, em princípio, servir de base a um direito de prioridade nos termos do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, dado que a definição ampla do conceito de «patente» que figura no artigo 2.o do TCP também incluía os modelos de utilidade referidos nesse artigo 41.o, n.o 1, a reivindicação deste direito de prioridade também estava sujeita a um prazo de seis meses, o qual não tinha sido respeitado no caso em apreço.

21      Em 14 de março de 2019, a KaiKai interpôs no EUIPO recurso da decisão do examinador.

22      Por Decisão de 13 de junho de 2019 (a seguir «decisão controvertida»), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento a esse recurso. Considerou, em substância, que o examinador tinha aplicado corretamente o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, o qual reflete fielmente as disposições da Convenção de Paris.

23      Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou que a KaiKai só podia reivindicar um direito de prioridade com base no pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP, no prazo de seis meses a contar da data de depósito deste pedido, ou seja, até 26 de abril de 2018.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

24      Por petição apresentada no Tribunal Geral em 20 de agosto de 2019, a KaiKai interpôs recurso da decisão controvertida, pedindo:

–        no âmbito do seu primeiro, terceiro e quarto pedidos, a anulação dessa decisão e a condenação do EUIPO nas despesas dos processos na Câmara de Recurso e no Tribunal Geral;

–        no âmbito do seu segundo pedido, a anulação da decisão do examinador e o reconhecimento do direito de prioridade reivindicado, e

–        a título subsidiário, no âmbito do seu quinto pedido, a realização de uma audiência.

25      A KaiKai invocou dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação de formalidades essenciais pela Câmara de Recurso do EUIPO e, o segundo, à interpretação e aplicação erradas do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 por esta.

26      Por meio do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, num primeiro momento, nos n.os 25 a 33 do mesmo, julgou inadmissíveis o segundo e o quinto pedidos da KaiKai, depois, num segundo momento, examinou a procedência do segundo fundamento do recurso.

27      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral, nos n.os 41 a 50 desse acórdão, julgou improcedente a primeira parte deste fundamento, relativa a um erro de direito na interpretação do conceito de «modelo de utilidade», na aceção do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002.

28      A este respeito, o Tribunal Geral declarou, no n.o 44 do acórdão recorrido, que a argumentação da KaiKai era ambivalente e não lhe conferia nenhum benefício. Nos n.os 45 a 47 desse acórdão, o Tribunal Geral salientou que, em todo o caso, os «pedidos internacionais de patente» depositados ao abrigo do TCP englobavam os modelos de utilidade, uma vez que este tratado não distingue em função dos diferentes direitos através dos quais os diversos Estados contratantes concedem a proteção da invenção. Assim, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 49 e 50 do referido acórdão, que, embora a redação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não visasse expressamente a reivindicação de um direito de prioridade baseado numa patente, foi sem cometer erros de direito que a Câmara de Recurso do EUIPO interpretou de forma extensiva esta disposição à luz da sistemática do TCP, para considerar que a reivindicação do direito de prioridade baseada no pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP era regulada pela referida disposição no que respeita à questão de saber se um direito de prioridade se podia basear nesse pedido.

29      Em segundo lugar, o Tribunal Geral, nos n.os 51 a 87 do acórdão recorrido, julgou procedente a segunda parte do segundo fundamento, relativa à não tomada em consideração do artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris, para efeitos da determinação do prazo em que esse direito de prioridade pode ser reivindicado.

30      Para tal, o Tribunal Geral considerou, antes de mais, nos n.os 56 a 66 desse acórdão, que, uma vez que o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não regulava a questão do prazo para reivindicar a prioridade de um «pedido internacional de patente» no âmbito de um pedido posterior de desenho ou modelo e que esta disposição tinha por finalidade tornar este regulamento conforme com as obrigações da União decorrentes da Convenção de Paris, havia que recorrer ao artigo 4.o desta convenção para colmatar a lacuna do referido regulamento. Em seguida, o Tribunal Geral salientou, nos n.os 72 e 77 a 85 do referido acórdão, que, embora esta convenção também não contivesse regras expressas relativas ao prazo de prioridade aplicável nessa hipótese, resultava, no entanto, da lógica inerente ao sistema das prioridades e dos trabalhos preparatórios da referida convenção que, regra geral, era a natureza do direito anterior que determinava a duração desse prazo de prioridade. Por último, o Tribunal Geral concluiu daí, no n.o 86 do mesmo acórdão, que a Câmara de Recurso do EUIPO tinha cometido um erro de direito ao considerar que o prazo aplicável à reivindicação, pela KaiKai, da prioridade do pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP era de seis meses.

31      Consequentemente, sem examinar o primeiro fundamento, o Tribunal Geral, no n.o 88 do acórdão recorrido, deu provimento ao recurso na parte em que tinha por objeto a anulação da decisão controvertida e, por conseguinte, anulou essa decisão.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

32      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 23 de junho de 2021, o EUIPO interpôs o presente recurso do acórdão recorrido.

33      Por requerimento apresentado na mesma data, o EUIPO pediu, ao abrigo do artigo 170.o‑A, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que o seu recurso fosse recebido, em conformidade com o artigo 58.o‑A, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

34      Por Despacho de 10 de dezembro de 2021, EUIPO/The KaiKai Company Jaeger Wichmann (C‑382/21 P, EU:C:2021:1050), o recurso foi recebido.

35      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2022, a Comissão Europeia foi autorizada a intervir no litígio em apoio dos pedidos do EUIPO.

36      O EUIPO pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular integralmente o acórdão recorrido;

–        negar integralmente provimento ao recurso em primeira instância contra a decisão controvertida, e

–        condenar a KaiKai nas despesas suportadas pelo EUIPO no presente processo e no processo em primeira instância.

37      A KaiKai pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao presente recurso, e

–        condenar o EUIPO nas despesas suportadas pela KaiKai no presente processo de recurso, no processo em primeira instância e no processo de recurso na Câmara de Recurso do EUIPO.

38      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular integralmente o acórdão recorrido;

–        negar integralmente provimento ao recurso em primeira instância, e

–        condenar a KaiKai nas despesas do presente processo.

 Quanto ao presente recurso

 Argumentos das partes

39      Em apoio do seu recurso, o EUIPO invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002. Este fundamento é composto por duas partes.

40      Por meio da primeira parte, o EUIPO critica o Tribunal Geral por, nos n.os 56, 57 e 64 a 66 do acórdão recorrido, ter considerado erradamente que a circunstância de esta disposição não prever que um pedido de patente anterior possa servir de base de prioridade para um pedido de desenho ou modelo comunitário posterior e, portanto, não fixar o prazo em que tal prioridade pode ser reivindicada constitui uma lacuna legislativa.

41      Com efeito, tal interpretação iria manifestamente contra a redação inequívoca da referida disposição, que estabelece expressamente tanto a natureza dos únicos direitos de propriedade industrial em que se pode basear uma reivindicação de prioridade, a saber, um desenho ou modelo ou um modelo de utilidade anteriores, portanto, com exclusão de uma patente, como o prazo no qual essa prioridade pode ser reivindicada, a saber, seis meses a contar da data de depósito do pedido anterior.

42      Na segunda parte do fundamento único, o EUIPO alega que, ao reconhecer a existência de um prazo de reivindicação de prioridade de doze meses, o Tribunal Geral, nos n.os 75 a 86 do acórdão recorrido, não se limitou a interpretar o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 de maneira conforme com o artigo 4.o da Convenção de Paris, mas afastou a aplicação deste artigo 41.o, n.o 1, para a substituir pela deste artigo 4.o Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral conferiu a esta última disposição um efeito direto na ordem jurídica da União.

43      Ora, por um lado, o reconhecimento de efeito direto ao artigo 4.o da Convenção de Paris é contrário à jurisprudência resultante do Acórdão de 25 de outubro de 2007, Develey/IHMI (C‑238/06 P, EU:C:2007:635, n.os 37 a 44), segundo a qual tanto as disposições da Convenção de Paris como as do Acordo ADPIC, por meio do qual a União está vinculada por esta convenção, não têm efeito direto. Por outro lado, a falta de efeito direto da Convenção de Paris decorre também do seu artigo 25.o, como resulta, por analogia, do Acórdão de 15 de março de 2012, SCF (C‑135/10, EU:C:2012:140, n.os 47 e 48). Acresce que, em todo o caso, da redação do artigo 4.o desta convenção não se pode deduzir a regra estabelecida pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido, pelo que não estão preenchidos os requisitos de clareza, precisão e incondicionalidade estabelecidos pela jurisprudência em matéria de aplicabilidade direta do direito internacional no direito da União, decorrente, nomeadamente, do Acórdão de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 45).

44      A Comissão acrescenta, no mesmo sentido, que os limites enunciados na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à obrigação de interpretação conforme do direito nacional com o direito da União, decorrente, nomeadamente, do Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez (C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 25), também se aplicam ao Tribunal Geral quando interpreta o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 à luz da Convenção de Paris. Assim, dado que a interpretação do Tribunal Geral é contrária à redação clara desta disposição, o Tribunal Geral aplicou, na realidade, diretamente esta convenção, quando a mesma não pode produzir efeito direto, mesmo através do Acordo ADPIC.

45      Em particular, a Comissão considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, decorrente, nomeadamente, dos Acórdãos de 23 de novembro de 1999, Portugal/Conselho (C‑149/96, EU:C:1999:574, n.o 49), e de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal (C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 40 e 41), que reconhece, a título de exceção, a aplicabilidade direta de certas disposições do Acordo que institui a OMC e dos acordos que figuram nos anexos 1 a 4 deste último (a seguir «Acordos OMC»), não é aplicável ao caso em apreço. Com efeito, uma vez que o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não contém nenhuma remissão expressa para uma disposição específica da Convenção de Paris, esta disposição não permite deduzir a intenção de o legislador da União conferir efeito direto ao artigo 4.o desta convenção. Isto deduz‑se também da comparação entre a referida disposição e o artigo 25.o, n.o 1, alínea g), deste regulamento, que, em contrapartida, ao efetuar uma remissão concreta e explícita para o artigo 6.oB da referida convenção, demonstra tal intenção.

46      Por meio da terceira parte do seu fundamento único, o EUIPO critica o Tribunal Geral por ter colmatado a pretensa lacuna jurídica de que alegadamente padece o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 através de uma interpretação errada do artigo 2.o do TCP e do artigo 4.o da Convenção de Paris.

47      Mais especificamente, o EUIPO alega que, ao ter mencionado, nos n.os 15, 18, 20, 22, 39, 40, 44 a 50, 56, 64, 66, 70, 72, 74, 79, 83, 84 e 86 do acórdão recorrido, a expressão «pedido internacional de patente», o Tribunal Geral não teve em conta o conceito de «pedido internacional» na aceção do artigo 2.o, alíneas i), ii) e vii), do TCP, nem o facto de que, por força do artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris e do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, só o depósito anterior de um «pedido internacional» de «modelo de utilidade», na aceção da referida disposição, pode dar origem a um direito de prioridade para um pedido de «desenho ou modelo comunitário» posterior.

48      A este respeito, o EUIPO sublinha que, no caso em apreço, tanto a decisão do examinador como a decisão controvertida qualificaram corretamente o pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP de «pedido internacional» de «modelo de utilidade» e não de «pedido internacional de patente», como o Tribunal Geral considerou erradamente. Neste contexto, o EUIPO afirma que, desde que o texto de um «pedido internacional», na aceção da alínea vii) deste artigo 2.o, não exclua expressamente a proteção do «modelo de utilidade», na aceção da alínea i) do mesmo artigo, a proteção reivindicada através desse pedido se estende, à semelhança do depositado pela KaiKai, por defeito a um modelo de utilidade. Só graças à circunstância de o pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP ter sido qualificado, em aplicação desta regra, de «pedido internacional» de «modelo de utilidade» é que este poderia, em princípio, servir de base a um direito de prioridade para efetuar um pedido de registo de um desenho ou modelo comunitário.

49      O EUIPO sustenta que resulta nomeadamente do artigo 4.o, C, n.os 2 e 4, da Convenção de Paris que, regra geral, só um pedido posterior com o «mesmo objeto» que um pedido anterior pode beneficiar do direito de prioridade. Assim, segundo esta regra, cada tipo de direito de propriedade industrial só dá lugar a um direito de prioridade para o mesmo tipo de direito de propriedade industrial, nos prazos previstos no artigo 4.o, C, n.o 1, desta convenção. Só a título de exceção é que o artigo 4.o, E, n.o 1, da referida convenção dispõe que um pedido que tenha por objeto um modelo de utilidade pode servir de base a um direito de prioridade para um pedido posterior que vise não também um modelo de utilidade, mas um desenho ou modelo, desde que esse «par heterogéneo de objetos» abranja a mesma representação do produto, e isto apenas no prazo de seis meses. Portanto, a exceção prevista neste artigo 4.o, E, n.o 1, refere‑se à regra geral do «mesmo objeto», enunciada no referido artigo 4.o, C, n.os 2 e 4, e não, como considerou erradamente o Tribunal Geral nos n.os 77 a 85 do acórdão recorrido, a uma pretensa regra geral segundo a qual a natureza do direito anterior determina o prazo do direito de prioridade que lhe está associado.

50      Por conseguinte, resulta de uma leitura conjugada da regra geral do «mesmo objeto», enunciada no artigo 4.o, C, n.os 2 e 4, da Convenção de Paris, e da exceção a esta regra, prevista no artigo 4.o, E, n.o 1, desta convenção, que apenas dois tipos de direitos de propriedade industrial, a saber, um desenho ou modelo anterior e um modelo de utilidade anterior, podem, por força da referida convenção, servir validamente de base a um direito de prioridade para um desenho ou modelo registado posteriormente. Consequentemente, uma patente anterior não permite estabelecer um direito de prioridade para um desenho ou modelo comunitário registado posteriormente. Assim, a conclusão do Tribunal Geral, segundo a qual o prazo aplicável à reivindicação da prioridade de um pedido de patente para um pedido posterior de desenho ou modelo é de doze meses, não tem base legal na mesma convenção.

51      Em apoio da argumentação do EUIPO, a Comissão sustenta que, como resulta designadamente dos documentos interpretativos da Convenção de Paris elaborados pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), os quais, embora não sendo juridicamente vinculativos, podem, no entanto, ser invocados perante o juiz da União para efeitos da interpretação desta convenção, as partes contratantes na referida convenção decidiram deliberadamente não incluir as patentes na exceção prevista no seu artigo 4.o, E, devido à impossibilidade de sobreposição entre as patentes e os desenhos ou modelos. Esta instituição alega que o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 é plenamente conforme com esta abordagem, uma vez que apenas reconhece uma certa permeabilidade entre os modelos de utilidade, por um lado, e os desenhos ou modelos, por outro, resultante do facto de, como o Tribunal de Justiça reconheceu no Acórdão de 8 de março de 2018, DOCERAM (C‑395/16, EU:C:2018:172, n.os 24 a 29), ambos serem suscetíveis de proteger a função técnica de um determinado produto.

52      A KaiKai responde, antes de mais, que o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 reproduz simplesmente a regra especial prevista no artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris, que só é aplicável à reivindicação de prioridade com base num modelo de utilidade e não tem por objeto ou por efeito fixar o prazo aplicável a uma reivindicação de prioridade baseada num pedido internacional de patente. Uma vez que o artigo 25.o desta convenção não autoriza o legislador da União a restringir os direitos de prioridade conferidos ao requerente, a falta de uma disposição que permita reivindicar a prioridade de um pedido de patente anterior constitui uma lacuna deste regulamento.

53      Em seguida, a KaiKai sustenta que, ao colmatar esta lacuna por referência à Convenção de Paris, o Tribunal Geral não aplicou diretamente esta convenção, deixando, consequentemente, de aplicar o artigo 41.o, n.o 1, do referido regulamento, mas procedeu a uma interpretação desta disposição à luz da referida convenção, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada, nomeadamente, no Acórdão de 15 de março de 2012, SCF (C‑135/10, EU:C:2012:140, n.o 51). Assim, a existência da referida lacuna exclui qualquer contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.o 43 do presente acórdão, que nega qualquer efeito direto à mesma convenção.

54      Por último, a KaiKai alega que um pedido internacional depositado ao abrigo do TCP constitui simultaneamente um pedido de patente e um pedido de modelo de utilidade, sendo estes dois pedidos, portanto, idênticos quanto ao seu objeto, dado que ambos descrevem uma invenção técnica. Daqui resulta que tanto a prioridade de um pedido de modelo de utilidade como a de um pedido de patente podem ser reivindicadas quando do depósito de um pedido de desenho ou modelo comunitário. O facto de a Convenção de Paris estabelecer prazos de prioridade diferentes nestes dois casos não depende, por conseguinte, da diferença entre os objetos do direito de propriedade industrial protegidos, mas da diferença entre os procedimentos de registo que lhes são respetivamente aplicáveis.

55      Por outro lado, segundo a KaiKai, a exclusão das patentes como base de prioridade para os desenhos e modelos comunitários conduziria a uma discriminação dos requerentes em função da sua nacionalidade. Com efeito, enquanto em certos Estados‑Membros é possível transformar uma patente nacional num modelo de utilidade nacional e, em seguida, utilizá‑lo como base de prioridade para um desenho ou modelo, noutros, como o Reino da Bélgica, a República de Chipre e o Reino dos Países Baixos, que não preveem um modelo de utilidade nacional, o requerente está privado dessa possibilidade.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

56      Por meio das três partes do seu fundamento único de recurso, que importa examinar em conjunto, o EUIPO critica, em substância, o Tribunal Geral por ter procedido a uma aplicação direta do artigo 4.o da Convenção de Paris, afastando a aplicação da disposição clara e exaustiva do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, para a substituir por uma interpretação errada deste artigo 4.o

 Quanto aos efeitos da Convenção de Paris na ordem jurídica da União

57      Como resulta do artigo 216.o, n.o 2, TFUE e de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os acordos internacionais celebrados pela União vinculam esta última e fazem parte integrante da sua ordem jurídica a partir da sua entrada em vigor (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 1974, Haegeman, 181/73, EU:C:1974:41, n.o 5, e de 1 de agosto de 2022, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2022:604, n.o 94).

58      Além disso, a União pode suceder aos Estados‑Membros nos seus compromissos internacionais, quando os Estados‑Membros tenham transferido para a União, por meio de um dos Tratados fundadores, as suas competências relativas a esses compromissos. É esse o caso quando a União se tornou exclusivamente competente numa matéria regulada por disposições de um acordo internacional celebrado por todos os seus Estados‑Membros [v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 1972, International Fruit Company e o., 21/72 a 24/72, EU:C:1972:115, n.os 10 a 18, e Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre com Singapura), de 16 de maio de 2017, EU:C:2017:376, n.o 248].

59      No entanto, não é necessário, para efeitos do tratamento do presente recurso, examinar se e, sendo caso disso, em que medida a União se tornou exclusivamente competente nas matérias reguladas pela Convenção de Paris, que foi celebrada por todos os Estados‑Membros, mas não pela União. Com efeito, como o Tribunal de Justiça já declarou, as regras enunciadas por certos artigos desta convenção, entre os quais o artigo 4.o, estão incorporadas no Acordo ADPIC, que, por sua vez, foi celebrado pela União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, EU:C:2004:717, n.o 91).

60      Mais concretamente, este acordo prevê, no seu artigo 2.o, n.o 1, que os membros da OMC, entre os quais a União, devem observar o disposto nos artigos 1.o a 12.o e 19.o da Convenção de Paris no que diz respeito às partes II a IV do referido acordo, que abrangem os seus artigos 9.o a 62.o

61      Por conseguinte, no que respeita, nomeadamente, à proteção de desenhos ou modelos industriais, a que se refere o artigo 25.o do Acordo ADPIC, e à aquisição desta proteção, a que se refere o artigo 62.o deste acordo, as regras enunciadas nos referidos artigos da Convenção de Paris, entre as quais o artigo 4.o, devem ser consideradas parte integrante do referido acordo.

62      Nestas condições, deve considerar‑se que as regras enunciadas no artigo 4.o da Convenção de Paris produzem os mesmos efeitos que o Acordo ADPIC (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, EU:C:2004:717, n.o 96).

63      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, tendo em conta a natureza e a sistemática do Acordo ADPIC, as disposições deste acordo não têm efeito direto. Estas disposições não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça fiscaliza os atos das instituições da União e não são suscetíveis de criar, para os particulares, direitos que estes possam invocar diretamente perante o juiz ao abrigo do direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Dior e o., C‑300/98 e C‑392/98, EU:C:2000:688, n.os 43 a 45; de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, EU:C:2004:717, n.o 54, e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.os 70 e 71).

64      Além disso, o artigo 4.o da Convenção de Paris também não se enquadra nas duas situações excecionais em que o Tribunal de Justiça admitiu que os particulares podem invocar diretamente disposições dos Acordos OMC perante o juiz da União, a saber, por um lado, a situação em que o ato da União em causa remete expressamente para disposições específicas desses acordos, e, por outro, a situação em que a União decidiu dar execução a uma obrigação específica assumida no âmbito dos referidos acordos (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Fediol/Comissão, 70/87, EU:C:1989:254, n.os 19 a 22; de 7 de maio de 1991, Nakajima/Conselho, C‑69/89, EU:C:1991:186, n.os 29 a 31, e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.os 74 e 75).

65      Com efeito, por um lado, o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não faz nenhuma remissão expressa para o artigo 4.o da Convenção de Paris.

66      Por outro lado, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que, para que seja demonstrada a vontade de o legislador da União aplicar no direito da União uma obrigação específica subscrita no âmbito dos Acordos OMC, não basta que os considerandos do ato da União em causa reflitam de modo geral que a sua adoção foi feita tendo em conta obrigações internacionais da União. Em contrapartida, é necessário que se possa deduzir da disposição específica do direito da União impugnada que a mesma se destina a executar, na ordem jurídica da União, uma determinada obrigação específica resultante dos Acordos OMC (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal, C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.os 45, 46 e 48, e de 28 de setembro de 2023, Changmao Biochemical Engineering/Comissão, C‑123/21 P, EU:C:2023:708, n.os 76, 78 e 79).

67      Ora, tal vontade do legislador da União não pode ser deduzida do artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002 apenas com base numa correspondência entre a redação deste artigo 41.o, por um lado, e a redação do artigo 4.o da Convenção de Paris, por outro. Com efeito, este regulamento constitui a expressão da vontade de esse legislador adotar, para um dos direitos de propriedade industrial abrangidos por esta convenção, uma abordagem própria da ordem jurídica da União, estabelecendo um regime específico de proteção unitária e indivisível dos desenhos ou modelos comunitários no seu território, do qual faz parte integrante o direito de prioridade previsto no referido artigo 41.o

68      Daqui resulta que as regras enunciadas no artigo 4.o da Convenção de Paris não têm efeito direto e, portanto, não são suscetíveis de criar para os particulares direitos que estes possam invocar diretamente ao abrigo do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2007, Develey/IHMI, C‑238/06 P, EU:C:2007:635, n.os 39 e 43).

69      Consequentemente, o direito de prioridade para efetuar o depósito de um pedido de desenho ou modelo comunitário é regulado pelo artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002, sem que os operadores económicos possam invocar diretamente o artigo 4.o da Convenção de Paris.

70      Não obstante, uma vez que o Acordo ADPIC vincula a União e, portanto, prevalece sobre os atos do direito derivado da União, estes devem ser interpretados, na medida do possível, em conformidade com as disposições deste acordo (v., por analogia, Acórdãos de 10 de setembro de 1996, Comissão/Alemanha, C‑61/94, EU:C:1996:313, n.o 52, e de 1 de agosto de 2022, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2022:604, n.os 92 e 94 e jurisprudência referida).  Daqui se conclui que o Regulamento n.o 6/2002 deve ser interpretado, na medida do possível, em conformidade com o Acordo ADPIC e, consequentemente, com as regras, nele incorporadas, enunciadas pelos artigos da Convenção de Paris, entre os quais, designadamente, o seu artigo 4.o (v., por analogia, Acórdãos de 15 de novembro de 2012, Bericap Záródástechnikai, C‑180/11, EU:C:2012:717, n.os 70 e 82, e de 11 de novembro de 2020, EUIPO/John Mills, C‑809/18 P, EU:C:2020:902, n.os 64 e 65).

71      Quando da interpretação do artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002 em conformidade com o artigo 4.o da Convenção de Paris, importa também ter em conta as disposições do TCP, ao abrigo do qual foi depositado o pedido anterior em que a KaiKai se baseia para reivindicar um direito de prioridade. Com efeito, uma vez que todos os Estados‑Membros da União são partes no TCP, as disposições deste tratado podem ser tidas em conta no âmbito da interpretação de disposições do direito derivado da União que entram no seu âmbito de aplicação (v., neste sentido, Acórdão de 1 de agosto de 2022, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2022:604, n.o 90 e jurisprudência referida). Neste contexto, importa também salientar que, em conformidade com o seu artigo 1.o, n.o 2, o TCP não prejudica os direitos previstos na Convenção de Paris.

72      É à luz destas considerações que importa examinar se o Tribunal Geral, como alega, em substância, o EUIPO, afastou a aplicação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 a favor de uma aplicação direta do artigo 4.o da Convenção de Paris.

 Quanto ao caráter claro e exaustivo do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002

73      Por um lado, nos n.os 56 a 66 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, com base numa interpretação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 conforme com a sua própria interpretação do artigo 4.o da Convenção de Paris, que este artigo 41.o, n.o 1, continha uma lacuna, uma vez que não fixava o prazo no qual podia ser reivindicado o direito de prioridade baseado no pedido internacional de 26 de outubro de 2017 depositado ao abrigo do TCP, que qualificou de «pedido internacional de patente», e que essa lacuna devia ser colmatada mediante aplicação deste artigo 4.o Por outro lado, nos n.os 70 a 86 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, em substância, com base na sua interpretação do referido artigo 4.o, que esse prazo era de doze meses, pelo que a Câmara de Recurso do EUIPO tinha considerado erradamente que o referido prazo era o prazo de seis meses fixado pelo referido artigo 41.o, n.o1.

74      Ora, independentemente do mérito da interpretação do artigo 4.o da Convenção de Paris adotada pelo Tribunal Geral, há que concluir que este cometeu um erro de direito, uma vez que excedeu manifestamente os limites de uma interpretação conforme do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 e procedeu, na realidade, a uma aplicação direta deste artigo 4.o, tal como interpretado por esse órgão jurisdicional, em detrimento da redação clara deste artigo 41.o, n.o 1, e em violação do caráter exaustivo desta última disposição.

75      Com efeito, o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 prevê que «[q]uem tenha depositado regularmente um pedido de registo de um desenho ou modelo de utilidade num ou para um dos Estados partes na Convenção de Paris, ou no acordo que institui a [OMC], […] goza, para efeitos de depósito de um pedido de registo de desenho ou modelo comunitário […], de um direito de prioridade de seis meses a contar da data de depósito do primeiro pedido».

76      Assim, resulta inequivocamente da redação clara deste artigo 41.o, n.o 1, que, nos termos desta disposição, só duas categorias de pedidos anteriores, a saber, por um lado, um pedido de registo de um desenho ou modelo e, por outro, um pedido de registo de um modelo de utilidade, são suscetíveis de servir de base a um direito de prioridade em benefício de um pedido de registo de um desenho ou modelo comunitário posterior, e isto unicamente no prazo de seis meses a contar da data de depósito do pedido anterior em causa.

77      Daqui também resulta que o referido artigo 41.o, n.o 1, tem caráter exaustivo e que a circunstância de esta disposição não fixar o prazo no qual pode ser reivindicado o direito de prioridade baseado num pedido de registo de uma patente não é uma lacuna na referida disposição, mas a consequência do facto de esta não permitir basear tal direito nessa categoria de pedidos anteriores.

78      Por conseguinte, por um lado, um pedido internacional depositado ao abrigo do TCP só é suscetível de servir de base a um direito de prioridade, em aplicação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, quando o pedido internacional em questão tenha por objeto um modelo de utilidade e, por outro, o prazo para reivindicar esse direito com base nesse pedido é o prazo de seis meses, expressamente fixado neste artigo 41.o, n.o 1.

 Quanto à interpretação da Convenção de Paris adotada pelo Tribunal Geral

79      No que respeita à interpretação do artigo 4.o da Convenção de Paris adotada pelo Tribunal Geral, nos n.os 70 a 86 do acórdão recorrido, segundo a qual esta disposição permite reivindicar a prioridade de um «pedido internacional de patente» anterior quando do depósito de um pedido de desenho ou modelo posterior no prazo de doze meses, importa salientar que esta interpretação também enferma de erros de direito.

80      Antes de mais, há que recordar que, uma vez que as regras enunciadas por certos artigos da Convenção de Paris, entre os quais o artigo 4.o, estão incorporadas no Acordo ADPIC, que foi celebrado pela União e faz parte integrante da sua ordem jurídica, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar essas regras (v., por analogia, Acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Dior e o., C‑300/98 e C‑392/98, EU:C:2000:688, n.os 33 a 35 e jurisprudência referida, e de 2 de setembro de 2021, República da Moldávia, C‑741/19, EU:C:2021:655, n.o 29 e jurisprudência referida).

81      A este respeito, importa salientar que o artigo 4.o, A, n.o 1, da Convenção de Paris prevê que o beneficiário do direito de prioridade é aquele que tiver depositado, em termos, um pedido de patente de invenção, de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registo de marca de fábrica ou de comércio, num dos países parte nesta convenção, e que este direito de prioridade é reconhecido para permitir a esse beneficiário efetuar o depósito nos outros países aos quais se aplica a referida convenção.

82      Além disso, resulta do artigo 4.o, C, n.os 1, 2 e 4, da referida convenção que, em princípio, só um pedido posterior com o «mesmo objeto» que um pedido anterior pode beneficiar do direito de prioridade e que os prazos nos quais esse direito pode ser exercido são determinados em função do tipo de direito de propriedade industrial em causa, estando estes prazos fixados em doze meses para as patentes de invenção e para os modelos de utilidade e em seis meses para os desenhos ou modelos industriais.

83      Como também indica o Guia de Aplicação da Convenção de Paris, documento interpretativo elaborado pela OMPI que, embora desprovido de alcance normativo, contribui, no entanto, para a interpretação desta convenção (v., por analogia, Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 41), resulta, portanto, de uma leitura conjugada das secções A e C do artigo 4.o da referida convenção que o pedido posterior deve incidir sobre o «mesmo objeto» que o pedido anterior que constitui a base do direito de prioridade.

84      Por último, embora o artigo 4.o, E, da Convenção de Paris admita que o mesmo objeto é, por vezes, suscetível de beneficiar de mais do que uma forma de proteção, de modo que um direito de prioridade pode ser invocado para uma forma de proteção diferente da pedida anteriormente, esta disposição enumera, todavia, de forma exaustiva os casos em que tal pode ocorrer. Mais especificamente, a referida disposição prevê, no seu n.o 1, que um pedido de modelo de utilidade pode dar origem a um direito de prioridade para um pedido de desenho ou modelo, no prazo fixado para os desenhos ou modelos, a saber, seis meses, e, no seu n.o 2, que um pedido de patente pode dar origem a um direito de prioridade para um pedido de modelo de utilidade e vice‑versa.

85      Nestas condições, o artigo 4.o da Convenção de Paris não permite reivindicar a prioridade de um pedido de patente anterior quando do depósito de um pedido de desenho ou modelo posterior e, portanto, a fortiori, não prevê regras relativas ao prazo fixado ao depositante para este efeito. Assim, só um pedido internacional depositado ao abrigo do TCP relativo a um modelo de utilidade pode dar origem a um direito de prioridade para um pedido de desenho ou modelo ao abrigo deste artigo 4.o, e isto no prazo de seis meses referido na sua secção E, n.o 1.

86      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que julgar procedente o fundamento único do presente recurso e, por conseguinte, anular o acórdão recorrido na parte em que julga procedente a segunda parte do segundo fundamento do recurso em primeira instância e anula a decisão controvertida.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

87      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal de Justiça pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

88      No caso em apreço, tendo em conta a circunstância de que o recurso de anulação interposto pela KaiKai no processo T‑579/19 se baseia em fundamentos que foram objeto de debate contraditório no Tribunal Geral e cujo exame não exige nenhuma medida suplementar de organização do processo ou de instrução dos autos, o Tribunal de Justiça entende que o presente recurso está em condições de ser julgado e que há que decidi‑lo definitivamente, no limite do litígio ainda nele pendente (v., por analogia, Acórdãos de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 130, e de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 108).

89      Este recurso baseia‑se em cinco fundamentos, mencionados no n.o 25 do presente acórdão. Como resulta do n.o 27 do presente acórdão, a primeira parte do segundo fundamento foi julgada improcedente pelo Tribunal Geral, sem que a KaiKai conteste, em sede de recurso subordinado, o mérito desta parte do acórdão recorrido. Por conseguinte, a anulação parcial desse acórdão, proferida pelo Tribunal de Justiça, não o põe em causa na medida em que o Tribunal Geral julgou improcedente esta parte. Nestas condições, o acórdão recorrido tem força de caso julgado, na parte em que o Tribunal Geral julgou improcedente a primeira parte do segundo fundamento do recurso em primeira instância.

90      O mesmo se aplica, pelas referidas razões, aos fundamentos do acórdão recorrido, mencionados no n.o 26 do presente acórdão, pelos quais o Tribunal Geral julgou inadmissíveis o segundo e quinto pedidos do recurso.

91      Tendo em conta as considerações precedentes, importa unicamente examinar o primeiro fundamento e a segunda parte do segundo fundamento invocados pela KaiKai em apoio do seu recurso de anulação, e apenas na medida em que este fundamento e esta parte visam a anulação da decisão controvertida e a condenação do EUIPO nas despesas dos processos na Câmara de Recurso e no Tribunal Geral.

 Argumentos das partes

92      Por meio do primeiro fundamento do seu recurso de anulação, a KaiKai critica a Câmara de Recurso do EUIPO por ter violado formalidades essenciais.

93      Por meio da segunda parte do segundo fundamento desse recurso, a KaiKai alega que, na falta de uma regra clara no Regulamento n.o 6/2002 no que respeita ao prazo para reivindicar a prioridade decorrente de um pedido internacional de patente depositado ao abrigo do TCP, a Câmara de Recurso do EUIPO devia ter aplicado o artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris para efeitos da determinação desse prazo.

94      A este respeito, a KaiKai entende, antes de mais, que resulta do artigo 4.o, E, n.o 1, desta convenção que, uma vez que, por um lado, os respetivos conteúdos materiais de um pedido de patente e de um pedido de modelo de utilidade são substancialmente idênticos, de modo que o mais antigo destes dois pedidos pode ser invocado em apoio de um direito de prioridade quando do depósito do outro pedido, e que, por outro lado, o conteúdo de um pedido de modelo de utilidade é suficiente para poder ser invocado como base de prioridade para um pedido posterior de desenho ou modelo, o conteúdo de um pedido de patente é necessariamente suficiente para poder dar origem a um direito de prioridade para um pedido posterior de desenho ou modelo. Em seguida, a KaiKai considera que a referida convenção se baseia no princípio segundo o qual o prazo útil para reivindicar o direito de prioridade depende da natureza do direito de propriedade industrial que é objeto do pedido anterior, independentemente da natureza do direito que é objeto do pedido posterior. Além disso, salienta que o artigo 4.o, C, n.o 1, da mesma convenção prevê um prazo de doze meses para reivindicar um direito de prioridade baseado num pedido de patente anterior. Por último, a KaiKai deduz daí que, na medida em que um pedido internacional depositado ao abrigo do TCP deva ser considerado um «pedido de patente», na aceção desta última disposição, o prazo de prioridade aplicável a este pedido é de doze meses.

95      O EUIPO contesta esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

96      Quanto ao primeiro fundamento do recurso de anulação, importa recordar que resulta do artigo 21.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, deste Estatuto, e do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que a petição inicial deve conter, nomeadamente, o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos. Estes elementos devem ser suficientemente claros e precisos para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral conhecer do recurso. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é nomeadamente necessário, para que um recurso no Tribunal Geral seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que este se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, EU:C:2012:179, n.o 34, e de 3 de março de 2022, WV/SEAE, C‑162/20 P, EU:C:2022:153, n.os 67 e 68).

97      No caso em apreço, não se pode deixar de observar que os elementos de direito em que se baseia a pretensa violação de formalidades essenciais invocada no primeiro fundamento não resultam, de modo nenhum, do texto da petição inicial em primeira instância, uma vez que a KaiKai se limitou a invocar tal violação sem apresentar nenhum argumento em apoio deste fundamento. Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado inadmissível.

98      Quanto à segunda parte do segundo fundamento do recurso, basta salientar que, pelos motivos expostos nos n.os 57 a 85 do presente acórdão, esta parte deve ser julgada improcedente. Com efeito, nem o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 nem o artigo 4.o da Convenção de Paris, que, além disso, não tem efeito direto na ordem jurídica da União, permitem reivindicar a prioridade de um pedido internacional depositado ao abrigo do TCP quando do depósito de um pedido de desenho ou modelo posterior num prazo de doze meses, independentemente da questão de saber se esse pedido internacional tem por objeto um modelo de utilidade ou uma patente. Assim, em conformidade com estas disposições, na primeira destas hipóteses, o prazo para reivindicar um direito de prioridade com base no referido pedido internacional é fixado em seis meses, ao passo que, na segunda das referidas hipóteses, a existência desse direito está desde logo excluída.

99      Uma vez que o primeiro fundamento e a segunda parte do segundo fundamento do recurso de anulação foram julgados improcedentes, deve ser negado provimento a esse recurso.

 Quanto às despesas

100    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

101    Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

102    No caso em apreço, tendo a KaiKai sido vencida no âmbito tanto do presente recurso como do processo em primeira instância, há que, em conformidade com os pedidos do EUIPO e da Comissão, condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo EUIPO no âmbito destes dois processos.

103    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

104    Consequentemente, a Comissão, interveniente no âmbito do presente recurso, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 14 de abril de 2021, The KaiKai Company Jaeger Wichmann/EUIPO (Aparelhos e artigos de ginástica ou de desporto) (T579/19, EU:T:2021:186), é anulado na parte em que julga procedente a segunda parte do segundo fundamento do recurso em primeira instância e anula a Decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 13 de junho de 2019 (processo R 573/20193).

2)      É negado provimento ao recurso interposto pela The KaiKai Company Jaeger Wichmann GbR no processo T579/19.

3)      A The KaiKai Company Jaeger Wichmann GbR é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) no âmbito tanto do presente recurso como do processo em primeira instância.

4)      A Comissão Europeia suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.