Language of document : ECLI:EU:C:2019:339

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 30 de abril de 2019 (1)

Processo C556/17

Alekszij Torubarov

contra

Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Pécsi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Pécs, Hungria)]

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Fronteiras, asilo e imigração — Procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional — Fiscalização jurisdicional de decisões administrativas relativas a um pedido de proteção internacional — Direito a um recurso efetivo — Competência do órgão jurisdicional nacional limitada ao poder de anulação»






I.      Introdução

1.        O ténis de mesa (ou, na denominação comercial, «ping‑pong») é um desporto popular cujas origens parecem remontar ao século XIX ou início do século XX, em Inglaterra. «O objetivo [do jogo] é atingir a bola de modo a que esta salte por cima da rede até à metade da mesa do adversário de modo a que este não possa atingi‑la ou devolvê‑la corretamente». A Encyclopædia Britannica acrescenta um facto histórico intrigante a esta definição básica: «os primeiros campeonatos mundiais foram realizados em Londres em 1926, e desde então, e até 1939, o jogo foi dominado por jogadores da Europa Central, tendo as equipas masculinas vencido as competições nove vezes pela Hungria e duas vezes pela Checoslováquia» (2).

2.        Existe, infelizmente, outra variedade do jogo que é geralmente menos agradável. Na gíria jurisdicional checa, e talvez de um modo mais geral, o «ping‑pong processual» ou «judicial» refere‑se à situação indesejável em que um processo anda num vaivém contínuo entre órgãos jurisdicionais no âmbito da estrutura judicial, ou, no contexto da justiça administrativa, entre os tribunais e as autoridades administrativas.

3.        O presente processo e as questões que este revela poderiam justificar a hipótese de que a popularidade do jogo na Europa Central, infelizmente na sua última versão judicial, ainda não está limitada aos livros de História e enciclopédias.

4.        Em 2015, o legislador húngaro alterou a competência dos tribunais quanto à fiscalização das decisões administrativas em matéria de asilo, que passou da possibilidade de alteração, diretamente, dessas decisões para o simples poder de anulação e de remessa. Por consequência, os órgãos jurisdicionais nacionais não podem substituir estas decisões quando as considerarem ilegais. Podem simplesmente anular a decisão e remeter o processo à autoridade administrativa para que esta adote nova decisão.

5.        A. Torubarov (a seguir «recorrente») apresentou um pedido de proteção internacional na Hungria em 2013. O seu pedido foi indeferido, por duas vezes, pela autoridade administrativa. Ambas as decisões de indeferimento foram anuladas, por diferentes motivos, pelo órgão jurisdicional de reenvio. A autoridade administrativa indeferiu, então, este pedido pela terceira vez, ignorando aparentemente as orientações judiciais emitidas pelo órgão jurisdicional de reenvio na segunda sentença de anulação da segunda decisão administrativa.

6.        O órgão jurisdicional de reenvio pronuncia‑se agora sobre a questão pela terceira vez. Confrontado com o problema de uma autoridade administrativa que se recusa a cumprir uma decisão judicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se pode basear no direito da União o poder de alterar a decisão administrativa controvertida e, mais especificamente, na Diretiva 2013/32/UE relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (a seguir «Diretiva 2013/32») (3), lida à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

7.        Sim, pode.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

8.        O artigo 46.o, n.o 1, alínea a), e n.o 3, da Diretiva 2013/32 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)      Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)      que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária,

[…]

3.      Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE [(4)], pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.»

9.        O artigo 52.o da Diretiva 2013/32 contém as seguintes disposições transitórias:

«Os Estados‑Membros aplicarão as disposições legais, regulamentares e administrativas referidas no artigo 51.o, n.o 1, aos pedidos de proteção internacional apresentados e aos procedimentos de retirada de proteção internacional iniciados após 20 de julho de 2015 ou em data anterior. Os pedidos apresentados antes de 20 de julho de 2015 e os procedimentos de retirada do estatuto de refugiado, iniciados antes dessa data são regidos pelas disposições legais, regulamentares e administrativas aprovadas nos termos da Diretiva 2005/85/CE [(5)].

[…]»

10.      As «disposições legais, regulamentares e administrativas referidas no artigo 51.o, n.o 1», da Diretiva 2013/32 incluem medidas relativas à aplicação do artigo 46.o da mesma diretiva.

B.      Direito húngaro

11.      O artigo 46.o, n.o 1, alínea a), da évi LXXX. törvény a menedékjogról (Lei n.o LXXX, de 2007, relativa ao direito de asilo, a seguir «Lei relativa ao Direito de Asilo») prevê:

«Nos procedimentos em matéria de asilo realizados pela autoridade dos refugiados:

a)      não é autorizado qualquer recurso e a reabertura do processo não pode ser requerida».

12.      Em conformidade com o artigo 68.o, n.os 5 e 6, da Lei relativa ao Direito de Asilo:

«5. O tribunal não pode alterar a decisão da autoridade dos refugiados. O tribunal deverá anular qualquer decisão administrativa que considere ilegal — com exceção da violação de uma regra processual que não afete o mérito do processo — e, se for necessário, ordenará à autoridade competente em matéria de asilo que tramite um novo processo.

6. A decisão do tribunal adotada no termo do processo é definitiva, não sendo suscetível de recurso.»

13.      O artigo 339.o, n.o 1, da 1952. évi III. törvény a polgári perrendtartásról (Lei n.o III, de 1952, que aprova o Código de Processo Civil, a seguir «CPC») prevê:

«Salvo disposição em contrário da legislação aplicável, o tribunal anula qualquer decisão administrativa que considere ilegal — com exceção da violação de uma regra processual que não afete o mérito do processo — e, se for caso disso, determina a realização de um novo procedimento pelo órgão administrativo.»

14.      O artigo 109.o, n.o 4, da 2004. évi CXL. törvény a közigazgatási hatósági eljárás és szolgáltatás általános szabályairól (Lei n.o CXL, de 2004, que estabelece disposições gerais em matéria de procedimento e serviços administrativos, a seguir «Lei de Procedimento e Serviços Administrativos») dispõe:

«A autoridade administrativa fica vinculada pela parte decisória e fundamentação da decisão adotada pelo tribunal administrativo competente e procede em conformidade no novo processo e sempre que proferir uma decisão.»

15.      Nos termos do artigo 121.o, n.o 1, alínea f), da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos:

«Nos processos previstos no presente capítulo, a decisão deve ser anulada se:

[…]

f)      o teor da decisão for contraditório com o disposto no artigo 109.o, n.os 3 e 4.»

III. Matéria de facto, tramitação processual nacional e questão prejudicial

16.      O recorrente é um empresário russo. Era membro do partido de oposição russo denominado «Causa Justa». Além disso, era membro da organização da sociedade civil denominada «Rússia Comercial Ativa», que presta apoio aos empresários na Rússia.

17.      A partir de 2008 foram intentados diversos processos penais na Rússia contra o recorrente. Este viajou para a Áustria e, a seguir, para a República Checa, de onde foi extraditado para a Rússia em 2 de maio de 2013, por força de um mandado de detenção internacional. Quando do seu regresso à Rússia, foi deduzida acusação contra o recorrente, mas foi deixado em liberdade.

18.      O recorrente atravessou a fronteira húngara em 9 de dezembro de 2013. Foi detido no mesmo dia pela polícia de fronteiras húngara e apresentou um pedido de proteção internacional.

19.      Por Decisão de 15 de agosto de 2014, a autoridade húngara competente em matéria de asilo, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Serviço da Imigração e do Asilo, Hungria, a seguir «recorrido») indeferiu o pedido (primeira decisão administrativa). Segundo o recorrido, nem as declarações prestadas pelo recorrente nem a informação recolhida relativa ao país de origem alicerçavam a alegação de que o recorrente corria um risco real de perseguição ou de ofensas graves.

20.      O recorrente interpôs no órgão jurisdicional de reenvio recurso de fiscalização jurisdicional da primeira decisão administrativa, que, por Sentença de 6 de maio de 2015, anulou a decisão do recorrido e ordenou novo procedimento (primeira decisão judicial). O órgão jurisdicional de reenvio declarou que a primeira decisão administrativa continha contradições internas, que o recorrido não tinha investigado grande parte dos factos e que tinha apreciado de forma aleatória os factos apurados. O órgão jurisdicional de reenvio ordenou ao recorrido que completasse as suas informações relativas ao país de origem e que procedesse a um exame exaustivo dos factos e das provas no novo procedimento.

21.      Na sua segunda Decisão, proferida em 22 de junho de 2016, o recorrido voltou a indeferir o pedido do recorrente (segunda decisão administrativa). Concluiu que, na Rússia, mesmo que tivessem sido instaurados, por motivos políticos, processos penais contra o recorrente, é garantido nesse país o direito a um tribunal independente. O recorrido invocou igualmente um parecer emitido pelo Alkotmányvédelmi Hivatal (Gabinete de Proteção da Constituição, Hungria). O recorrido afirmou que a presença do recorrente na Hungria violava interesses de segurança nacional, por existirem razões fundadas para presumir que, no caso do recorrente, se verificava a causa de exclusão prevista no artigo 1.o, F, alínea c), da Convenção de Genebra de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados (6).

22.      O recorrente impugnou a segunda decisão administrativa no órgão jurisdicional de reenvio. Na sua segunda Sentença, de 25 de fevereiro de 2017, o órgão jurisdicional de reenvio anulou esta decisão (segunda decisão judicial). O órgão jurisdicional de reenvio considerou que a decisão do recorrido era ilegal por duas razões: em primeiro lugar, em razão da apreciação manifestamente incoerente da informação relativa ao país de origem e, em segundo, por se basear no parecer emitido pelo Gabinete de Proteção da Constituição, que continha dados confidenciais.

23.      Quanto ao primeiro ponto, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que tinha sido claramente demonstrado que o recorrente tinha um receio fundado de perseguição por motivos políticos. No que diz respeito ao segundo ponto, o órgão jurisdicional de reenvio declarou que a apreciação do parecer tinha sido manifestamente incoerente, uma vez que não resultava claramente que o recorrente podia estar envolvido em atividades de serviços secretos estrangeiros que pusessem em causa a independência ou os interesses políticos, económicos, de defesa ou outros interesses relevantes da Hungria nem se podia afirmar que se verificava a causa de exclusão prevista no artigo 1.o, F, alínea c), da Convenção de Genebra de 1951.

24.      O órgão jurisdicional de reenvio ordenou ao recorrido que repetisse novamente o processo. Na fundamentação da sua decisão declarou que, em princípio, deveria ser concedida a proteção internacional pedida pelo recorrente.

25.      Na sua Decisão de 15 de maio de 2017, o recorrido indeferiu o pedido do recorrente (terceira decisão administrativa). O recorrido deixou de invocar o parecer referido supra. No entanto, reiterou que não tinha sido demonstrado ser fundado o receio do recorrente de perseguição por motivos políticos.

26.      No âmbito do recurso que interpôs da terceira decisão administrativa, o recorrente pede ao órgão jurisdicional de reenvio a alteração desta decisão, bem como que lhe seja concedido o estatuto de refugiado ou, pelo menos, o estatuto de proteção subsidiária, ou lhe seja aplicado do princípio da não repulsão. A título subsidiário, o recorrente pede que a terceira decisão administrativa seja anulada. A este respeito, o recorrente alega que, em conformidade com a segunda decisão judicial, deveria ter‑lhe sido concedido o estatuto de refugiado, exceto se existisse uma causa de exclusão em contrário. Na sua opinião, a terceira decisão administrativa não é válida por não ter respeitado a sentença anterior do órgão jurisdicional.

27.      O recorrido reitera a posição que tinha tomado na terceira decisão administrativa.

28.      O órgão jurisdicional de reenvio refere que o recorrido não respeitou a segunda decisão judicial, o que constitui fundamento para anulação, nos termos do artigo 109.o, n.os 3 e 4, da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos. O órgão jurisdicional de reenvio afirma igualmente que, em conformidade com as disposições nacionais pertinentes, não tem competência para alterar decisões administrativas e reconhecer diretamente a proteção internacional solicitada pelo recorrente. Também não tem poder para obrigar a autoridade competente em matéria de asilo a cumprir uma sentença anterior, nomeadamente através da aplicação de uma sanção por não o ter feito. O referido órgão jurisdicional pode apenas anular a decisão administrativa e ordenar à autoridade competente em matéria de asilo que instaure um novo procedimento e profira nova decisão. Isto, no entanto, pode conduzir a um ciclo processual interminável, deixando o requerente do estatuto de asilo enredado numa situação de incerteza jurídica.

29.      Nestas circunstâncias, o Pécsi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Pécs, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 46.o, n.o 3, da [Diretiva 2013/32], em conjugação com o artigo 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que os tribunais húngaros podem alterar as decisões administrativas da autoridade competente em matéria de asilo de não concessão da proteção internacional, bem como conceder a referida proteção?»

30.      Foram apresentadas observações escritas pelo recorrente, pelos Governos eslovaco e húngaro e pela Comissão Europeia. O recorrente, o Governo húngaro e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 8 de janeiro de 2019.

IV.    Análise

31.      As presentes conclusões estão estruturadas da forma a seguir indicada. Começarei por fazer duas observações prévias sobre a aplicabilidade ratione temporis da Diretiva 2013/32 ao presente processo e sobre a terminologia adotada nas presentes conclusões (A). Exporei, em seguida, as exigências que decorrem da obrigação de prever um recurso judicial efetivo para um órgão jurisdicional, como consagrado tanto no artigo 46.o, n.o 3, desta diretiva como no artigo 47.o da Carta e no direito da União em geral (B). Irei, depois, analisar o funcionamento da fiscalização jurisdicional de decisões administrativas em matéria de proteção internacional proferidas na Hungria à luz destas exigências (C) e, chegando inevitavelmente à conclusão de que um tal sistema de fiscalização jurisdicional não garante em particular a tutela jurisdicional efetiva, terminarei apresentado propostas quanto à via de recurso a aplicar nas circunstâncias do processo principal (D).

A.      Observações preliminares

1.      Aplicação no tempo

32.      O recorrente apresentou o seu pedido antes de 20 de julho de 2015. Essa data determina, em princípio, em conformidade com o artigo 52.o da Diretiva 2013/32, a aplicabilidade das disposições legais, regulamentares e administrativas adotadas nos termos desta última diretiva. Por força da mesma disposição, essa diretiva pode, no entanto, ser aplicada igualmente (no que importa para o presente processo) aos pedidos de proteção internacional apresentados antes de 20 de julho de 2015.

33.      A pedido do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio confirmou que a Diretiva 2013/32 também é aplicável na Hungria aos pedidos de proteção internacional apresentados antes de 20 de julho de 2015. O facto relevante para determinar a aplicabilidade da Diretiva 2013/32 no ordenamento jurídico nacional parece ser a data a partir da qual a decisão administrativa ou judicial em causa foi proferida.

34.      No presente processo, a decisão administrativa pertinente (a terceira) foi proferida em 15 de maio de 2017. Por conseguinte, partirei do pressuposto de que a Diretiva 2013/32 é aplicável ratione temporis ao processo principal.

2.      Terminologia

35.      Referir‑me‑ei, ao longo das presentes conclusões, a dois tipos de fiscalização jurisdicional de decisões das autoridades administrativas: alteração e cassação. O elemento diferenciador neste contexto é a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais para proceder ou não, quanto ao mérito, à substituição das decisões administrativas pelas suas próprias decisões.

36.      Considero que a alteração (da decisão administrativa por um órgão jurisdicional) designa a situação em que o dispositivo de uma decisão de uma autoridade administrativa é anulado na totalidade ou em parte e imediatamente substituído por uma decisão do tribunal. Assim, se o órgão jurisdicional que fiscaliza a decisão entender que está em condições de decidir quanto ao mérito da causa, profere, ele próprio, uma decisão (em parte) de mérito, sem necessidade de remeter o processo à autoridade administrativa. A decisão judicial substitui, então, a (parte relevante ou a totalidade da) decisão administrativa.

37.      Considero que a cassação (da decisão administrativa por um tribunal), designa um quadro institucional em que um juiz nacional não pode ele próprio substituir diretamente nenhuma parte da decisão administrativa pela sua própria decisão. O órgão jurisdicional só pode anular ou cassar (uma parte ou a totalidade da) decisão administrativa e remetê‑la à autoridade administrativa para uma nova apreciação.

B.      Tutela jurisdicional efetiva

38.      O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de clarificar, no recente Acórdão Alheto, (7) alguns aspetos da exigência do recurso judicial efetivo para um órgão jurisdicional, previsto no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta (1). No entanto, para efeitos do presente processo, considera‑se igualmente pertinente tecer considerações relativamente aos direitos fundamentais e constitucionais mais amplos (2).

1.      Acórdão Alheto

39.      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 «precisa o âmbito do direito de recurso efetivo que […] os requerentes de proteção internacional têm o direito de interpor das decisões proferidas sobre o pedido que apresentaram». Esta disposição implica expressamente «a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo quando proceda a um exame das necessidades de proteção internacional» por um tribunal de recurso ou por um tribunal de primeira instância (8). Noutro acórdão, o Tribunal de Justiça observou ainda que «[d]aqui decorre que as características do recurso previsto no artigo 46.o da Diretiva 2013/32 devem ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da proteção jurisdicional efetiva» (9).

40.      Recordo que o primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta (10) corresponde, em princípio, ao artigo 13.o da Convenção Europeia para a Proteção Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), ao passo que o segundo parágrafo do artigo 47.o da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (11). Por força da ligação criada pelo artigo 52.o, n.o 3, da Carta, o sentido e o alcance destas disposições da Carta são iguais ao (ou mais amplos que o) sentido e alcance das disposições da CEDH acima referidas.

41.      O Acórdão Alheto sublinhou três pontos fundamentais.

42.      Em primeiro lugar, conforme afirmado pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão em resposta à sexta questão prejudicial, o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, em conjugação com o artigo 47.o da Carta, é «cego» ex ante quanto à fiscalização jurisdicional instituída por um Estado‑Membro em execução desta disposição. O Tribunal de Justiça salientou que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 abrange «a “análise” do recurso, pelo que não se aplica às consequências de uma eventual anulação da decisão que é objeto de recurso» (12). Daqui resulta que, na falta de medidas de harmonização, os Estados‑Membros podem prever livremente uma fiscalização baseada na lógica da alteração ou na da cassação.

43.      Em segundo lugar, essa declaração foi acompanhada de importantes condições. O Tribunal de Justiça acrescentou ainda que «resulta […] do seu objetivo de assegurar um tratamento tão rápido quanto possível dos pedidos […], da obrigação de garantir um efeito útil ao seu artigo 46.o, n.o 3, [da Diretiva 2013/32], bem como da necessidade, decorrente do artigo 47.o da Carta, de assegurar a efetividade do recurso, que cada Estado‑Membro vinculado pela referida diretiva deve adaptar o seu direito nacional de modo a que, após a anulação da decisão inicial e em caso de devolução do processo ao órgão parajudicial ou administrativo referido no artigo 2.o, alínea f), desta diretiva, seja adotada uma nova decisão num prazo curto e em conformidade com a apreciação constante da sentença que decretou a anulação» (13).

44.      A resposta do Tribunal de Justiça implica, assim, o seguinte: embora não decorra nenhuma obrigação do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 para os Estados‑Membros no sentido da transposição desta disposição de forma a que seja reconhecida a possibilidade de os órgãos jurisdicionais nacionais decidirem, eles próprios, quanto ao mérito de um pedido, o efeito útil da referida disposição pressupõe que um tribunal tenha o poder de formular indicações vinculativas que devem ser respeitadas e aplicadas tão rápido quanto possível pela autoridade administrativa (14).

45.      Em terceiro lugar, esta última exigência deve ser lida em conjugação com a resposta dada pelo Tribunal de Justiça à terceira questão, submetida no mesmo processo, que explica o que é uma apreciação judicial exaustiva e ex nunc na aceção do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 (15). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a expressão «ex nunc» se refere à obrigação de o juiz proceder «a uma apreciação que tenha em conta […] os elementos novos surgidos após a adoção da decisão que é objeto do recurso» (16).

46.      O adjetivo «exaustiva» dá uma indicação clara no sentido de que a competência do órgão jurisdicional não se limite «ao respeito das normas jurídicas aplicáveis, mas se estenda ao apuramento e à apreciação dos factos» (17). Quanto a este último aspeto, a análise exaustiva obriga o órgão jurisdicional a apreciar «quer os elementos que o órgão de decisão teve ou podia ter tido em conta quer os elementos surgidos após a adoção da decisão por esse órgão de decisão» (18).

47.      Assim, em suma, e em primeiro lugar, a Diretiva 2013/32 não determina uma forma especial de aplicação do artigo 46.o, n.o 3. Cabe aos Estados‑Membros decidir em função das suas tradições e práticas judiciais e administrativas nacionais. Os Estados‑Membros podem optar pela possibilidade de alteração, pela cassação dessas decisões ou mesmo, naturalmente, por uma variante híbrida destas duas modalidades. Em segundo lugar, o importante em ambos os casos é que exista uma fiscalização completa que permita que tanto a matéria de direito como a matéria de facto sejam apreciadas. Em terceiro lugar, se os Estados‑Membros optarem pela cassação, devem garantir que a autoridade administrativa, quando profere uma nova decisão na sequência de uma sentença que anula a sua decisão, respeitará tão rápido quanto possível o resultado da fiscalização jurisdicional já efetuada segundo essa modalidade.

2.      Quadro (constitucional) mais amplo

48.      As clarificações dadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Alheto são a expressão, no domínio específico da proteção internacional, de princípios mais gerais ligados à exigência de recurso judicial efetivo atualmente consagrada no artigo 47.o da Carta e referida no artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE (19).

49.      A fiscalização jurisdicional efetiva constitui o fundamento do Estado de direito em que a União Europeia se baseia, tal como o Tribunal de Justiça já declarou muitas vezes desde o seu Acórdão Os Verdes (20). O Estado de direito é um dos valores em que se funda a União, consagrado no artigo 2.o TUE, valor que é comum «aos Estados‑Membros, numa sociedade caracterizada, designadamente, pela justiça» (21).

50.      O papel fundamental e inalterável do tribunal (nacional) é assegurar o cumprimento da lei e a proteção dos direitos individuais. Esse papel assume a forma, designadamente, da fiscalização jurisdicional da Administração Pública. Evidentemente, é não só possível mas também desejável que a referida proteção já tenha sido assegurada a nível da Administração Pública. Mas essa possibilidade não põe, contudo, certamente em causa o direito de os indivíduos terem acesso à fiscalização jurisdicional de atos da Administração Pública nem o papel dos tribunais administrativos (22).

51.      Esse papel deve ser igualmente respeitado no que se refere à aplicação a nível nacional do direito da União. Quando os juízes nacionais atuam como juízes de direito da União no âmbito da aplicação do direito da União (23), desempenham naturalmente a mesma função inerente de assegurar o cumprimento da lei e a proteção a nível nacional dos direitos individuais conferidos pela legislação da União. No âmbito da separação de poderes estabelecida a nível constitucional nos Estados‑Membros, o papel do poder judicial é fundamental para a aplicação efetiva do direito da União (24).

52.      É certo que, na repartição das competências na União, esse tipo de declarações deve ser limitado às situações em que os Estados‑Membros aplicam o direito da União (na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta) e/ou atuam «nos domínios abrangidos pelo direito da União» (a que se refere o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE).

53.      Embora isso seja certo, considero útil distinguir dois tipos de situações a este respeito: as questões que dizem especificamente respeito a um recurso ou a um procedimento (o que inclui os argumentos e considerações relativos a um elemento distinto do funcionamento ou da organização judicial), por um lado, e as questões horizontais ou transversais (que impregnam todo e qualquer elemento da função jurisdicional nacional), por outro. Embora, para efeitos da análise das questões do primeiro tipo, como a interpretação possível da forma e do alcance exatos das vias de recurso judiciais em matéria de proteção internacional previstos no artigo 46.o da Diretiva 2013/32, se deva determinar que um processo está claramente abrangido pelo âmbito do direito da União, esta discussão tem uma importância muito limitada nos processos do segundo tipo, em que as medidas tomadas a nível nacional dizem respeito estruturalmente, e por definição, à integralidade da função jurisdicional, independentemente de determinado processo ser ou não julgado no âmbito de aplicação do direito da União.

54.      Por estas razões, entendo perfeitamente que o Tribunal de Justiça, no Acórdão Associação Sindical dos Juízes Portugueses, não se tenha mostrado excessivamente preocupado em estabelecer uma distinção cirúrgica entre o âmbito do artigo 19.o, n.o 1, TUE e/ou do artigo 51.o, n.o 1, da Carta (25). Na minha opinião, o motivo pelo qual o direito da União alcança claramente as questões relativas às alterações transversais e estruturais da função jurisdicional nacional responde a uma lógica diferente: quaisquer alterações deste tipo serão, por definição, indistintamente aplicáveis a todas e quaisquer funções exercidas pelos juízes nacionais. Por conseguinte, se os juízes nacionais sofrerem reduções nas suas remunerações (26) ou se forem obrigados a reformarem‑se antecipadamente (27) ou se, por hipótese e de forma abusiva, lhes forem movidos processos disciplinares, ou se sofrerem pressões por parte de presidentes dos respetivos tribunais nomeados por razões políticas ou por parte de outras instituições judiciais nacionais que tenham sido usurpadas, bem como se quaisquer outras condições transversais do seu trabalho e das suas funções sejam afetadas, qualquer sugestão no sentido de que tudo isto afeta apenas o seu trabalho como juízes «nacionais» ao passo que, no que diz respeito à sua atuação enquanto «juízes da União», continuam a ser absolutamente independentes nem sequer é um argumento que mereça ser seriamente discutido.

55.      Assim, quaisquer medidas horizontais e transversais que, por definição, afetem todo e qualquer ato dos tribunais nacionais são questões abrangidas pelo direito da União, independentemente, na minha opinião pessoal, de a questão processual específica que deu origem ao litígio estar ou não abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União no sentido tradicional. Nesse contexto, um debate aprofundado sobre o âmbito exato do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, quando comparado com o artigo 19.o, n.o 1, TUE, é algo semelhante a uma discussão, numa casa, sobre a cor a escolher para o abafador do bule de chá e para o serviço de mesa, seguida de uma troca de ideias fervorosa sobre se um certo tom coincide exatamente com a cor dos cortinados já escolhidos para a sala de jantar e, ao mesmo tempo, se ignoram as infiltrações do telhado, a remoção das portas e das janelas da casa e as paredes apresentam fissuras. Ora, o facto de chover em casa e de as paredes se desmoronarem será sempre estruturalmente relevante para qualquer discussão sobre o estado da casa judicial, independentemente de a questão da cor do abafador do bule de chá ser finalmente declarada abrangida ou não pelo âmbito de aplicação do direito da União por força de qualquer das suas disposições.

56.      Por último, pode ser útil recordar que todas essas garantias constitucionais e institucionais não são um fim em si mesmas. Nem são instituídas em benefício dos juízes. São meios para alcançar uma outra finalidade: a de garantir uma tutela jurisdicional efetiva a nível nacional dos direitos reconhecidos aos particulares pelo direito da União, e cuja existência é, por conseguinte, a essência do Estado de direito (28).

57.      No cruzamento destes princípios constitucionais e de um elemento necessário ao funcionamento efetivo e correto de um sistema de tutela jurisdicional e do direito a um recurso efetivo nos termos do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta levanta‑se a questão da execução das decisões judiciais. Ignorar eventualmente a decisão resultante de uma fiscalização jurisdicional pode suscitar questões sob dois aspetos. Esses dois aspetos não se excluem reciprocamente. Trata‑se simplesmente do mesmo problema sob diferentes pontos de vista.

58.      Em primeiro lugar, é de referir as preocupações sistémicas e estruturais ligadas ao de Estado de direito. Embora o funcionamento efetivo da fiscalização jurisdicional num dado domínio esteja sujeito a regras específicas (tais como, no presente processo, a exigência de jurisdição exaustiva e ex nunc do direito da União(29)), sempre que um órgão jurisdicional tenha tomado uma posição numa decisão definitiva, essa decisão deve ser respeitada e aplicada por todas as partes a que se destina, incluindo, naturalmente, a Administração Pública. Se, contudo, a Administração Pública não respeitar essa decisão judicial definitiva e se esse desrespeito não constituir um incidente isolado, é violado o bom funcionamento de qualquer sociedade baseada no Estado de direito e na separação dos poderes legislativo, executivo e judicial.

59.      Em segundo lugar, na perspetiva de um litigante e da proteção dos seus direitos fundamentais, o cumprimento da decisão judicial por parte da Administração Pública constitui um elemento importante do direito de acesso aos tribunais, tal como consagrado no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta. Este direito não pode ser reduzido a uma fase «inicial» que conduza a uma decisão judicial, ou seja, à mera possibilidade de «acesso ao edifício do tribunal», de iniciar procedimentos, e de ser admitido a pleitear. Tal inclui também, naturalmente, determinadas exigências relacionadas com o «resultado» de todo o processo, ou seja, a fase de execução da decisão definitiva.

60.      Como afirmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») na interpretação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, «o “direito a um tribunal”, de que o direito de acesso, ou seja, o direito de intentar uma ação junto dos tribunais em matéria civil, constitui apenas um aspeto […], seria ilusório se a ordem jurídica de um Estado contratante permitisse que uma decisão judicial final e vinculativa permanecesse inoperante em detrimento de uma das partes» (30). O TEDH prosseguiu afirmando que «seria inconcebível que o artigo [6.o, n.o 1, da CEDH] descrevesse em pormenor as garantias processuais reconhecidas aos particulares […] sem proteger a execução das decisões judiciais; interpretar o artigo [6.o, n.o 1, da CEDH] no sentido da sua aplicação exclusiva ao direito de acesso à justiça e ao desenrolar do processo poderia conduzir a situações incompatíveis com o princípio do primado do Estado de direito que os Estados contratantes se comprometeram a respeitar quando ratificaram a [CEDH]».

61.      Por conseguinte, o TEDH concluiu, assim, que «a execução de uma decisão proferida por um órgão jurisdicional deve, portanto, ser considerada parte integrante do “processo”, na aceção do artigo 6.o [da CEDH]» (31). Além disso, «este princípio reveste‑se de uma importância ainda maior no contexto de um procedimento administrativo relativo a um litígio, cujo desfecho é determinante para os direitos civis de um litigante». Mais importante ainda, «não é de esperar que uma pessoa que tenha obtido uma decisão favorável contra o Estado no termo do processo seja obrigada a intentar processos separados para obter a execução desta» (32).

62.      É no contexto deste quadro geral que a questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no presente deve ser analisada.

C.      Litígio no processo principal: tutela jurisdicional efetiva?

63.      A apreciação do Tribunal de Justiça no Acórdão Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584) era, por natureza, geral e prospetiva. A questão submetida era a de saber se o disposto no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 pressupõe um certo método para a sua aplicação. A resposta a esta questão, já sublinhada nos n.os 39 a 47 das presentes conclusões, é negativa. Cabe aos Estados‑Membros decidir, desde que os procedimentos iniciados cumpram determinadas exigências mínimas quanto ao seu funcionamento efetivo.

64.      Pelo contrário, o presente processo é específico e por natureza retrospetivo. No essencial, tem início e continua, quanto à questão em causa, onde terminou o Acórdão Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584). No presente processo, um Estado‑Membro já tinha escolhido a estrutura e o regime processual do modelo nacional em causa. A questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio é saber se a aplicação prática dessa opção processual nacional específica é, como ficou demonstrado no processo principal, compatível com as exigências previstas na secção anterior das presentes conclusões.

65.      A grelha tradicional utilizada para a apreciação de tais opções processuais ou institucionais dos Estados‑Membros é a dupla exigência de equivalência e de efetividade que serve de limite à autonomia (processual) nacional geral, na falta de harmonização a nível da União.

66.      Embora concorde que, no presente processo, o cerne da questão reside no caráter efetivo (ou inoperante) do sistema de tutela jurisdicional nacional a nível da exigência de efetividade e do disposto no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta (2), considero, no entanto, muito elucidativo começar a análise pela discussão sobre a exigência de equivalência (1). Isto também porque, atendendo ao alcance da margem de apreciação reconhecida aos Estados‑Membros pelo Acórdão Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584) no que diz respeito precisamente à forma como pretendem elaborar os seus procedimentos nos termos do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, as considerações relativamente à equivalência foram, de facto (re)inseridas num quadro que, de outro modo, poderia parecer relacionado exclusivamente com a efetividade de uma medida de harmonização do direito da União.

1.      Equivalência

67.      A exigência de equivalência proíbe, no essencial, a um Estado‑Membro de prever normas processuais menos favoráveis para as ações que visam a salvaguarda dos direitos conferidos aos indivíduos pelo direito da União do que as aplicáveis a ações semelhantes de natureza interna (33).

68.      Para prosseguir com o exame desta exigência, devia ser clarificado com precisão qual a norma objeto de fiscalização jurisdicional, bem como saber com que outras normas deve ser comparada.

69.      Quanto ao primeiro ponto, resulta da decisão de reenvio e do debate que teve lugar na audiência que as normas nacionais que definem o âmbito da fiscalização jurisdicional em matéria de proteção internacional evoluíram ao longo de três períodos distintos.

70.      Em primeiro lugar, antes de 15 de setembro de 2015, a fiscalização jurisdicional de decisões administrativas era aparentemente regulada, em geral, pelo princípio da cassação ao passo que o poder de alteração constituía uma exceção (34). Era reconhecida aos tribunais administrativos a possibilidade de alteração de uma decisão em determinadas matérias, tais como as relacionadas com o estatuto pessoal (adoção ou menções de registo relativo a dados pessoais essencial em estatísticas demográficas); em matérias que exijam uma decisão tão rápida quanto possível (tais como a guarda parental ou colocação de um menor numa instituição de proteção de crianças); em algumas matérias de natureza económica (prestações familiares e prestações de segurança social, registo dos direitos e factos relativos a bens imóveis, tributação, direitos e outras obrigações de pagamento, transferência de propriedade e utilização de imóveis residenciais); e em matérias que se revestem de especial importância histórica (colocação de documentação em arquivos gerais, ou a questão da duração da detenção, custódia por motivos de proteção da segurança pública ou em campos de prisioneiros na União Soviética). A proteção internacional (asilo) estava igualmente incluída na lista de exceções prevista no artigo 339.o, n.o 2, alínea j), do CPC. A possibilidade de alteração de uma decisão pelos órgãos jurisdicionais foi reconhecida pelo artigo 68.o, n.o 5, da Lei relativa ao Direito de Asilo (35). Assim, antes de 15 de setembro de 2015, os juízes nacionais podiam alterar as decisões administrativas em matéria de proteção internacional.

71.      Em segundo lugar, entre 15 de setembro de 2015 e 1 de janeiro de 2018, o princípio geral de cassação em matéria de justiça administrativa permaneceu inalterado (36), mas o artigo 339.o, n.o 2, alínea j), do CPC em matéria de asilo foi revogado (37). A matéria de asilo foi, assim, excluída da lista de exceções, aplicando‑se de novo o princípio geral de cassação. O artigo 68.o, n.o 5, da Lei relativa ao Direito de Asilo foi alterado do seguinte modo: «[o] tribunal não pode alterar a decisão da autoridade para os refugiados. O tribunal anula qualquer decisão administrativa que considere ilegal […] e, se necessário, ordenará à autoridade competente que conduza novo processo».

72.      A decisão de reenvio esclarece que, de acordo com os motivos indicados pelo legislador, o objetivo desta alteração foi conferir uniformidade às decisões judiciais. Contudo, este argumento do legislador dizia respeito à proposta inicial. Esta reforma legislativa limitava‑se à fiscalização jurisdicional de pedidos apresentados nas «zonas de trânsito». Em contrapartida, nenhum argumento foi aparentemente apresentado no que diz respeito à reforma legislativa posterior e de âmbito mais vasto dos no que respeita à fiscalização jurisdicional de todos os pedidos em matéria de proteção internacional (independentemente do local onde o pedido foi apresentado).

73.      Em terceiro lugar, a partir de 1 de janeiro de 2018, a regra geral, aplicável por defeito à fiscalização jurisdicional de decisões administrativas passou da cassação para a possibilidade de alteração de decisões, estabelecendo a nova norma que «o tribunal deve alterar o ato administrativo se a natureza do processo o permitir, os factos forem devidamente esclarecidos e se, com base nas informações disponíveis, o litígio possa ser decidido definitivamente» (38). Contudo, a matéria de proteção internacional continuou a estar excluída dessa nova norma, uma vez que o artigo 68.o, n.o 5, da Lei relativa ao Direito de Asilo permaneceu, em princípio, inalterado (39). Assim, desde 1 de janeiro de 2018, a regra geral é a da possibilidade de alteração das decisões, mas as decisões em matéria de proteção internacional continuam a ser objeto de exceção, mantendo‑se, assim, sujeitas ao princípio da cassação.

74.      O procedimento no processo principal parece incluir‑se no segundo período de tempo referido, durante o qual a matéria relativa à proteção internacional foi excluída da lista de exceções e, por conseguinte, regida pelo princípio geral de cassação. É este o regime que deve ser objeto da presente análise.

75.      Voltando ao elemento de comparação adequado para determinar o (segundo) regime pertinente aplicável, deve salientar‑se que as normas harmonizadas da Diretiva 2013/32 não parecem ter equivalente «interno» (nacional) que possa constituir, assim, um elemento de comparação. Com efeito, o procedimento em causa diz respeito a um domínio harmonizado do direito e não tem qualquer elemento de comparação a nível nacional. Nestas condições, os «processos equivalentes no direito interno» devem ser comparados com o procedimento em causa na perspetiva do seu «objeto, da sua causa e dos seus elementos essenciais» (40) num grau mais elevado de abstração, procurando simultaneamente na ordem jurídica nacional a analogia mais próxima com o processo ou norma do direito da União (41). No entanto, esta analogia mais próxima não pode ser tão abstrata ao ponto de abranger todo um domínio do direito, o que tornaria impossível um exercício de comparação.

76.      Embora esta apreciação caiba, em última instância, ao órgão jurisdicional nacional, com base no seu conhecimento das modalidades processuais nacionais, sublinho que, no segundo período de tempo acima referido (de 15 de setembro de 2015 a 1 de janeiro de 2018), as matérias de estatuto pessoal e aquelas cuja natureza implica, em princípio, uma decisão tão rápida quanto possível (adoção, guarda parental ou colocação de um menor numa instituição de proteção de crianças) (42) continuaram excluídas do princípio geral de cassação, contrariamente ao que sucede em matéria de proteção internacional.

77.      Esses domínios do direito, à semelhança de uma decisão em matéria de proteção internacional, dizem respeito a elementos importantes do estatuto pessoal em relação aos quais se afigura essencial a emissão de uma decisão definitiva tão rápida quanto possível relativa a um pedido. Sem prejuízo da apreciação do órgão jurisdicional de reenvio sobre se a conclusão quanto esta comparabilidade pode ser considerada, tendo em conta o objeto, a causa e os elementos essenciais dos processos (43), afigura‑se no entanto difícil identificar as razões e os argumentos que expliquem este afastamento sistemático em matéria de proteção internacional.

78.      Gostaria de sublinhar claramente um ponto: a análise a que acabo de proceder não é um argumento a favor da imutabilidade. O facto de, até um certo momento, ter existido um determinado regime processual não significa, de modo algum, que esse regime processual não possa ser alterado no futuro. Contudo, a questão pertinente reside em saber o motivo da necessidade súbita de tal alteração, uma vez que uma necessidade semelhante não foi aparentemente identificada noutros domínios idênticos que permaneceram sujeitos às mesmas regras.

79.      É nesta questão que os argumentos apresentados pelo Governo húngaro não são convincentes. Foram apresentados dois argumentos por este Governo sobre o motivo pelo qual foi necessário, em 2015, retirar aos órgãos jurisdicionais a possibilidade de alteração das decisões e substituí‑la pela possibilidade de anulação e de remessa dessas decisões: por um lado, o facto de o domínio da proteção internacional ser particularmente complexo e difícil e exigir conhecimentos específicos que são detidos apenas por uma autoridade administrativa especializada e, por outro, a necessidade de garantir a uniformidade do processo de tomada de decisão neste domínio.

80.      Em primeiro lugar, embora não negando a natureza sensível da matéria de asilo, mantenho a minha perplexidade perante o argumento segundo o qual este domínio do direito deve ser considerado incomensuravelmente mais complexo ao ponto de ser destacado desta forma, contrariamente ao que sucede com alguns outros domínios enunciados no artigo 339.o, n.o 2, do CPC (44), tais como os relacionados com o estatuto pessoal ou os que exigem uma decisão tão rápida quanto possível.

81.      Em segundo lugar, o Governo húngaro fundamenta a necessidade de reconhecer aos tribunais a mera possibilidade de anulação neste contexto com a necessidade de garantir a uniformidade das decisões. Segundo o referido Governo, esta necessidade surge do facto de não ser possível interpor qualquer recurso da decisão judicial.

82.      Este é, na minha opinião, um argumento curioso, em que a carroça é posta à frente do cavalo, com a acusação imediata de que o cavalo não é capaz por não ter tido a possibilidade de puxar a carroça de forma adequada. Se se pretende garantir a uniformidade do processo de emissão de decisões judiciais num determinado domínio, a forma natural de o fazer passa pela constituição de uma instância judicial superior com essas funções em concreto. Não vejo de que forma o objetivo de uniformidade pode ser alcançado pela eliminação da possibilidade de alteração de decisões dos órgãos jurisdicionais, ao mesmo tempo que se continua a reconhecer à Administração a possibilidade de decidir quanto ao mérito sobre pedidos em matéria de asilo. Enquanto for possível qualquer fiscalização jurisdicional, ainda que de cassação, com competências atribuídas a diferentes órgãos jurisdicionais ou mesmo a diferentes juízes, existirá, por definição, o «perigo» da existência de resultados diversos emanados de órgãos jurisdicionais diferentes. Ou então esta última consequência demonstra o pleno alcance deste argumento, que poderia ser igualmente utilizado para sugerir que, a fim de manter a uniformidade da prática decisória perante uma autoridade administrativa, não pode existir qualquer fiscalização jurisdicional.

83.      Tendo em conta todos estes elementos, considero de difícil justificação os argumentos apresentados pelo Governo húngaro no que diz respeito aos motivos pelos quais o domínio da proteção internacional, pela sua natureza, deva ser objeto de tratamento especial.

84.      Esta dificuldade é ainda mais evidente se se considerar, como argumento subsidiário, o período de tempo após a reforma legislativa de 1 de janeiro de 2018, que culminou na alteração da norma geral (aplicável, por conseguinte, a todos os tipos de fiscalização jurisdicional de decisões administrativas) da fiscalização jurisdicional de cassação para o princípio da substituição, mantendo a matéria de asilo à margem desta nova norma de aplicação geral. Embora esse período não seja diretamente relevante para a presente análise sobre a equivalência, há que salientar que a possibilidade de alteração de uma decisão foi introduzida, a título de regra geral, numa série de domínios que parecem ser muito mais complexos que o da proteção internacional (com o devido respeito, evidentemente, por estes últimos).

85.      Assim, atendendo às alterações feitas no domínio das vias de recurso nos diferentes três períodos de tempo referidos supra, tenho de admitir que me escapam os motivos pelos quais a matéria de proteção internacional é considerada especial e incompatível, do ponto de vista estrutural, com o princípio da substituição. Isto em nada exclui a possibilidade de que os motivos para esse tratamento diferenciado existam. Não é menos verdade que, a existirem, esses motivos não foram invocados pelo Governo húngaro no presente processo.

2.      Efetividade

86.      Segundo o princípio da efetividade, as modalidades processuais que regem os processos destinados a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício desses direitos (45). Além disso, a questão de saber «se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisad[a] tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa em todo o processo, o desenrolar deste e as suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há nomeadamente que tomar em consideração, se for caso disso, a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e o bom desenrolar do processo» (46).

87.      Já foi declarado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Alheto (C-585/16, EU:C:2018:584) e acima referido nos n.os 39 a 47 das presentes conclusões o que significa um recurso efetivo no contexto específico do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta.

88.      Embora o critério de apreciação seja relativamente claro, uma outra dúvida deve ser dissipada em primeiro lugar. O Tribunal de Justiça é competente para interpretar o direito da União nas decisões a título prejudicial. Na apreciação dos princípios da efetividade ou equivalência, pode dar orientações quanto à compatibilidade normativa geral: as normas nacionais sistematizadas e/ou aplicadas de uma determinada forma são ou não compatíveis com as exigências decorrentes do direito da União. Assim, a tónica é colocada nos conflitos normativos, admitindo ao mesmo tempo que os órgãos ou as autoridades nacionais efetivamente «seguem as regras do manual» e a aplicação geral das normas, e não a sua eventual aplicação incorreta no caso concreto.

89.      Esta imagem tradicional esbate‑se um pouco se essas duas camadas começam a deslocar‑se: o que acontece se, num caso concreto, o «direito na prática» se afasta do «direito nos livros»?

90.      A eventual dissociação entre os dois níveis de análise reflete‑se igualmente nos diferentes pontos de vista descritos nos n.os 58 e 59 das presentes conclusões: por um lado, está em causa a análise estrutural de um determinado modelo ou a sua aplicação prática que possa alertar para deficiências estruturais. Por outro lado, existe a análise do caso concreto que pode, em determinado processo, implicar a violação dos direitos fundamentais do litigante, embora não constitua um problema estrutural. Esta última situação pode ser considerada uma falha (de um sistema que, de outro modo, seria correto).

91.      Gostaria de deixar bem claro que, na minha opinião, o presente processo continua a ser um exemplo do primeiro tipo de análise. Podia apresentar‑se o argumento no sentido de que o presente processo não significa mais do que uma aplicação incorreta do direito num caso específico de um único litigante que não apresenta qualquer prova de deficiências estruturais mais vastas.

92.      Esta sugestão não é, contudo, sustentável.

93.      Em primeiro lugar, como foi já salientado nos n.os 67 a 85 das presentes conclusões, no âmbito da análise sobre a exigência de equivalência, o presente processo está solidamente integrado num tipo ou modelo de fiscalização jurisdicional cujos parâmetros foram definidos pelo legislador. Esses parâmetros limitam necessariamente a atuação de um juiz num processo específico, tal como sucede no presente processo.

94.      Em segundo lugar, o Governo húngaro alega que o funcionamento do sistema, tal como evidenciado no presente processo, foi o pretendido pelo legislador, considerando especialmente o esclarecimento do mesmo Governo relativo à interpretação do artigo 109.o, n.o 4, da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos. Com efeito, o Governo húngaro procedeu a uma interpretação algo invulgar das competências e funções da justiça administrativa quanto à fiscalização de decisões administrativas ao abrigo dessa disposição. A este respeito, afirmou que os tribunais administrativos só podem emitir instruções sobre os factos a ser examinados, os novos elementos de prova que devem ser recolhidos, bem como proceder à interpretação abstrata da legislação e indicar os fatores pertinentes a ter em conta pela Administração na sua tomada de decisão. Pelo contrário, o tribunal administrativo não pode vincular a Administração à sua apreciação específica em determinado processo e não pode decidir substituindo‑se à autoridade responsável em matéria de asilo, que é a autoridade competente para o efeito nos termos da Diretiva 2013/32.

95.      Assim, aparentemente, longe de ser um caso isolado, o presente processo deve, pelo contrário, ser considerado uma demonstração de um modelo institucional deliberado mais amplo. A esse respeito, e pressupondo que tem os parâmetros demonstrados no presente processo e fundamentados pelo Governo húngaro, pode, de facto, ser apreciada a questão da efetividade estrutural do tipo específico de recurso que a Hungria adotou no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32.

96.      Analisado a este nível, um tipo de fiscalização jurisdicional em matéria de proteção internacional no âmbito do qual os órgãos jurisdicionais dispõem de um simples poder de cassação e cujas orientações judiciais constantes das decisões de anulação são efetivamente ignoradas pelos órgãos de administração é claramente insuficiente no que diz respeito ao cumprimento das exigências de uma tutela jurisdicional efetiva previstas no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 e interpretadas à luz do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta.

97.      A título preliminar, gostaria de sublinhar que não existe qualquer dúvida de que a autoridade competente para apreciar os pedidos em matéria de proteção internacional em primeira instância (47) (ou seja, a nível administrativo) desempenha um papel particularmente importante no sistema de proteção em matéria de asilo adotado pela Diretiva 2013/32 (48).

98.      Dito isto, dificilmente se depreende dessa confirmação do papel fundamental desempenhado pelas autoridades administrativas que qualquer fiscalização jurisdicional correspondente deve ser parcial ou limitada. Em especial, quero deter‑me na perspetiva, acima mencionada, do alcance da fiscalização jurisdicional pelo Governo húngaro. O já citado artigo 109.o, n.o 4, da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos dispõe que «[a] autoridade fica vinculada pela parte decisória e fundamentação da decisão adotada pelo tribunal administrativo competente e procede em conformidade no novo processo e sempre que proferir uma decisão» (49).

99.      À primeira vista, esta disposição é muito semelhante a determinadas outras disposições que podem ser encontradas nos sistemas do tipo «cassatório» de fiscalização de decisões administrativas. Bastante diferente é, contudo, a interpretação (muito restrita) feita pelo Governo húngaro dessa disposição.

100. É verdade que cabe ao legislador e aos órgãos jurisdicionais nacionais a definição e interpretação do artigo 109.o, n.o 4, da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos.

101. Contudo, se essa mesma disposição é utilizada como um instrumento para a aplicação dos direitos conferidos a um particular pelo direito da União, por exemplo em matéria de proteção internacional abrangida pelo direito da União, a interpretação desta disposição feita pelo Governo húngaro seria, obviamente, indefensável. Como já foi declarado pelo Tribunal de Justiça, as exigências do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, tal como interpretadas no Acórdão Alheto (C-585/16, EU:C:2018:584), incluem a análise exaustiva e ex nunc efetuada com plena jurisdição no que diz respeito à matéria de direito e de facto, com efeitos vinculativos para a autoridade administrativa que devem ser aplicados por esta de forma tão célere quanto possível (50).

102. Isto significa que, na fiscalização de uma decisão desta natureza, o órgão jurisdicional nacional dispõe da possibilidade de emitir orientações vinculativas sobre as questões de direito, bem como de apreciar os factos no âmbito de um determinado processo que vinculam estritamente a autoridade administrativa e a que esta deve obedecer. Esta interpretação da fiscalização jurisdicional é muito diferente: um órgão jurisdicional existe para proceder à fiscalização e ao controlo da Administração Pública, e não para atuar na qualidade de simples amicus administratoris, dando sugestões quanto ao modo como a lei poderia ser interpretada ou que factos a Administração poderia, talvez, recolher na próxima fase.

103. Por outro lado, também é verdade que esses efeitos vinculativos de uma decisão judicial só se produzirão quanto à matéria abrangida por essa decisão. Dito de outro modo, o espaço factual e jurídico no âmbito do qual a Administração pode atuar torna‑se menor na sequência de uma decisão do órgão jurisdicional relativa a determinadas matérias. Na medida em que o órgão jurisdicional, através de uma decisão definitiva, «fechou» efetivamente um determinado espaço jurídico a considerações ulteriores, a mesma matéria não pode voltar a ser apreciada. Proceder de outra forma seria desafiar o sentido e a finalidade de qualquer fiscalização jurisdicional e tornaria a justiça administrativa, na verdade, num jogo de pingue‑pongue processual interminável.

104. Em contrapartida, a Administração pode proceder à sua própria análise no âmbito do espaço jurídico que o juiz tenha ainda deixado «aberto» e, no contexto específico da proteção internacional, quando proceder a uma análise ex nunc, é igualmente obrigada a tomar em consideração quaisquer novos factos se estes surgirem no período entre a decisão judicial de anulação e a adoção de uma nova decisão administrativa.

105. No entanto, em ambos os casos, a Administração deve usar de boa‑fé no que diz respeito ao «espaço» potencialmente deixado aberto por uma decisão judicial anterior e/ou à natureza ex nunc da análise: embora a Administração deva analisar de forma contínua as circunstâncias de facto, não pode exercer esta obrigação de forma incorreta ao invocar elementos que sejam novos, do ponto de vista formal, mas que não têm impacto algum na análise dos factos efetuada a fim de contornar os limites da anterior apreciação judicial necessariamente associada à prévia decisão administrativa que contém elementos factuais concretos.

106. Gostaria de acrescentar que, na minha opinião, a mesma conclusão decorre igualmente do disposto no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta (51), ao qual a interpretação do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 e a sua aplicação pelos Estados‑Membros (52) deverão obedecer.

107. Importa notar, a este respeito, que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 ficaria privado de qualquer efeito útil se a Administração pudesse examinar de novo questões já antes resolvidas numa decisão definitiva de um tribunal (53). Tal situação seria, aliás, contrária ao princípio da segurança jurídica, que deve ser considerado parte do direito a um recurso efetivo e é «um dos aspetos fundamentais do Estado de direito» (54). Com efeito, como o TEDH recordou, o princípio da segurança jurídica exige que, «nos casos em que os tribunais tenham finalmente determinado uma questão, a sua decisão não deve ser posta em causa» (55). Além disso, tal como já foi acima discutido no geral (56), o desrespeito da exigência de tutela jurisdicional efetiva é contrário ao próprio valor do Estado de direito na União.

108. Voltando ao processo principal, qualquer espaço residual no âmbito da decisão da autoridade administrativa parece, à luz dos elementos apresentados na decisão de reenvio, ter sido fechado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sequência da anulação da segunda decisão administrativa. Com efeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio, no primeiro acórdão de anulação, tenha ordenado à autoridade administrativa que procedesse à análise dos elementos de prova específicos, no segundo acórdão de anulação declarou que o pedido do recorrente de proteção internacional devia ser deferido uma vez que se tinha verificado o critério dos receios fundados. Não estava, assim, aberta à autoridade administrativa a possibilidade de proceder a uma reanálise do procedimento.

109. Além disso, deve acrescentar‑se que, por não ter tido em conta a apreciação realizada pelo órgão jurisdicional nacional exposta na fundamentação da segunda decisão de anulação, a Administração prolongou a duração global do processo (que até à presente data perfaz cinco anos, e a contagem continua). Deste modo, pôs em causa o cumprimento do objetivo de rapidez da apreciação do pedido de proteção internacional que ambas as fases, administrativa e judicial, devem prosseguir (57).

110. Por estas razões, a minha conclusão provisória é no sentido de que um tipo de fiscalização jurisdicional em matéria de proteção internacional no âmbito do qual os órgãos jurisdicionais dispõem de um simples poder de cassação e cujas orientações judiciais constantes das decisões de anulação são efetivamente ignoradas pelos órgãos de administração quando estes últimos decidem de novo sobre o mesmo processo não respeita, como ficou demonstrado no processo principal, as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva previstas no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 e interpretadas à luz do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta.

D.      Recurso

111. A conclusão provisória que acabo de expor dá origem a duas outras questões também referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio: que via de recurso e qual o momento preciso em que essa via de recurso deve ser aplicada nas circunstâncias do presente processo?

1.      Que via de recurso?

112. Esta questão foi objeto de alguma discussão na audiência. O Tribunal de Justiça questionou o Governo húngaro sobre os instrumentos e as medidas atualmente previstas no direito húngaro que garantam a execução efetiva de uma decisão judicial perante a autoridade administrativa. Afigura‑se que não existe tal medida, atendendo à resposta fornecida e dependendo da respetiva verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio.

113. No âmbito de um procedimento em curso, afigura‑se que o órgão jurisdicional de reenvio não pode obrigar a Administração a adotar quaisquer medidas específicas quanto ao mérito da causa. Mesmo que, em abstrato, se pudesse talvez sugerir a aplicação de coimas ou a emissão de injunções (muito para além da questão da sua eficácia), essas medidas parecem estar indisponíveis.

114. A partir do momento que o órgão jurisdicional profere, quanto ao mérito, uma decisão definitiva, o caso e o processo judicial inerente estão fechados. Torna‑se, então, logicamente impossível para o juiz impor a aplicação da sua própria decisão perante a Administração, uma vez que, desde logo, não existe qualquer processo pendente. Com efeito, a decisão do tribunal deveria ser imposta pela Administração por simples aplicação da lei, nomeadamente do artigo 109.o, n.o 4, da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos, desde que a interpretação dessa disposição e a realidade nacional conduzam efetivamente a esta conclusão.

115. Por conseguinte, parece que não há alternativas viáveis no direito nacional para o cumprimento voluntário de uma decisão judicial que confiram aos órgãos jurisdicionais a possibilidade de fazer cumprir a sua decisão pela Administração. A questão passa então, na verdade, como o órgão jurisdicional de reenvio afirma, por saber se o direito da União prevê alguma solução para o órgão jurisdicional nacional nessa situação.

116. No meu entender, a resposta é afirmativa. Como afirmado pelo Tribunal de Justiça, «por força do princípio do primado do direito da União […], a invocação, por um Estado‑Membro, de disposições de direito nacional, ainda que de natureza constitucional, não pode afetar o efeito do direito da União no território deste Estado» (58). O princípio do primado (e do efeito direto (59)) obriga o órgão jurisdicional nacional a afastar qualquer disposição nacional que enquadre a fiscalização jurisdicional em matéria de proteção internacional de uma forma que é incompatível com o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, bem como com o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, e que impeça o órgão jurisdicional de reenvio de alcançar o objetivo prosseguido por essas disposições (60).

117. Creio que, no presente processo, não é possível interpretar o direito nacional em conformidade com o direito da União. A falta de aplicabilidade da norma incompatível é, deste modo, à luz do direito da União, a única solução possível no presente processo (61). Todavia, a questão que imediatamente se coloca é a de saber como essa falta de aplicabilidade funciona no contexto do presente processo.

118. Tal depende de saber quais as modalidades processuais aplicáveis ao processo principal no momento em que o órgão jurisdicional de reenvio se pronuncia de novo.

119. Se forem aplicáveis as modalidades processuais em vigor a partir de 1 de janeiro de 2018, o primado do direito da União implica a exclusão da exceção que eliminou a possibilidade de alteração de decisões administrativas em matéria de proteção internacional dos tribunais administrativos. Sou de opinião de que esta exceção está prevista no artigo 68.o, n.o 5, da Lei relativa ao Direito de Asilo. Um processo apreciado a nível nacional voltaria então, por defeito, à possibilidade geral de alteração de decisões administrativas atualmente prevista no § 90, n.o 1, do CAL.

120. Se for aplicável o direito processual em vigor entre 15 de setembro de 2015 e 1 de janeiro de 2018, existe a possibilidade de alteração das decisões administrativas na matéria em causa, deixando de se aplicar a lei que revoga o artigo 339.o, n.o 2, alínea j), do CPC em vigor antes de 15 de setembro de 2015 e que alterou igualmente o artigo 68.o, n.o 5, da Lei relativa ao Direito de Asilo. Assim, as modalidades processuais voltariam então, por defeito, a integrar o regime em vigor em matéria de proteção internacional antes de 15 de setembro de 2015.

121. Em conclusão, o tema comum consiste no facto de que a solução proposta afasta efetivamente a exclusão da possibilidade de alteração de decisões em sede de fiscalização jurisdicional em matéria de proteção internacional. Em ambos os casos, após essa exclusão, os juízes nacionais não seriam incumbidos de atuar em situações não habituais para si até então, o que não é o enquadramento processual atual por defeito.

2.      Quando é acionada a via de recurso?

122. A última questão diz respeito ao momento em que o primado do direito da União aciona o acima referido efeito de exclusão. Tendo em conta as exigências cumulativas da rápida reanálise e do cumprimento de uma decisão judicial anterior previstas no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, o momento em que a possibilidade do juiz nacional acima referida é acionada corresponde à situação em que i) a clara apreciação contida numa decisão judicial que anule uma decisão administrativa anterior tiver sido ignorada pela autoridade administrativa, ii) sem que esta tenha trazido quaisquer novos elementos que deveria razoável e legitimamente tomar em consideração, privando, assim, de qualquer efeito útil a tutela jurisdicional concedida ao recorrente.

123. Dito de forma simples, o momento em que o primado do direito da União é acionado não se resume a uma questão de números, mas à sua qualidade. Seguindo a lógica do encerramento do espaço para tomada de decisões administrativas por uma decisão judicial anterior, exposta nos n.os 103 a 105 das presentes conclusões, o juiz nacional adquire competência para alterar uma decisão relativa a proteção internacional com base no direito da União na primeira vez em que a sua decisão não tiver sido tida em consideração. É indiferente que isso aconteça na sétima, terceira, ou mesmo na segunda fase da fiscalização jurisdicional.

124. À luz do que precede, a minha segunda conclusão provisória é no sentido de que, a fim de garantir o cumprimento do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, o órgão jurisdicional nacional, ao decidir em circunstâncias como as do processo principal, deve afastar a disposição nacional que limita a sua competência à mera anulação da decisão administrativa pertinente. Essa obrigação emerge quando a autoridade administrativa ignora a apreciação clara contida numa decisão judicial que anula uma decisão administrativa anterior ao decidir, de novo, sobre o mesmo processo, sem que tenha apresentado quaisquer novos elementos que poderia ter tido razoável e legitimamente em conta, privando, assim, de qualquer efeito útil a tutela jurisdicional prevista nas disposições invocadas.

125. A título de observação final, deve sublinhar‑se que as considerações gerais sobre o papel fundamental da tutela jurisdicional efetiva no que respeita à salvaguarda do Estado de direito em qualquer sistema jurídico abrangem a aplicação de todos os domínios do direito da União a nível nacional. Isto é verdade, em particular, no que diz respeito ao âmbito e grau dos efeitos vinculativos das decisões judiciais e à obrigação das autoridades públicas quanto ao seu cumprimento integral e de boa‑fé. Dito isto, importa ainda salientar que o presente processo diz respeito a exigências específicas de rapidez e de qualidade da tutela jurisdicional efetiva prevista no contexto do direito derivado, nomeadamente no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, relacionado com um domínio específico do direito.

V.      Conclusão

126. À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial que lhe foi submetida pelo Pécsi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Pécs, Hungria) nos seguintes termos:

–        O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, lido em conjugação com o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que um tipo de fiscalização jurisdicional em matéria de proteção internacional no âmbito do qual os órgãos jurisdicionais dispõem de um simples poder de cassação e cujas orientações judiciais constantes das decisões de anulação são efetivamente ignoradas pelos órgãos de administração quando estes últimos decidem de novo sobre o mesmo processo não respeita, como ficou demonstrado no processo principal, as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva prevista no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 e interpretada à luz do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta do Direitos Fundamentais.

–        Um órgão jurisdicional nacional, ao decidir em circunstâncias como as do processo principal, deve afastar a disposição nacional que limita a sua competência à mera anulação da decisão administrativa pertinente. Essa obrigação emerge quando autoridade administrativa ignora a apreciação clara contida numa decisão judicial que anula uma decisão administrativa anterior ao decidir, de novo, sobre o mesmo processo, sem que tenha apresentado quaisquer novos elementos que poderia ter tido razoável e legitimamente em conta, privando, assim, de qualquer efeito útil a tutela jurisdicional prevista nas disposições invocadas.


1      Língua original: inglês.


2      Entrada «Table tennis», Britannica Academic, Encyclopædia Britannica, 21 de agosto de 2018, https://academic.eb.com/levels/collegiate/article/table‑tennis/70842 (último acesso em 15 de janeiro de 2019).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 180, p. 60).


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).


5      Diretiva do Conselho, de 1 de dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados‑Membros (JO 2005, L 326, p. 13).


6      Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 137, n.o 2545 (1954)], completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967.


7      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584).


8      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 105 e 106).


9      Acórdão de 18 de outubro de 2018, E. G. (C‑662/17, EU:C:2018:847, n.o 47 e jurisprudência referida).


10      O primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta dispõe: «Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal.»


11      Ao mesmo tempo, as explicações relativas à Carta deixam claro que a tutela nos termos do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta é mais abrangente do que a prevista no artigo 13.o da CEDH, na medida em que garante o direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional. Além disso, comparativamente ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, o direito a julgamento imparcial nos termos do segundo parágrafo do artigo 47.o da Carta não se aplica apenas a litígios relativos a direitos e obrigações do foro civil ou a acusações penais. V. Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17).


12      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 145).


13      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 148).


14      V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:327, n.o 71).


15      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 102 a 118).


16      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 111). No mesmo contexto e, mais especificamente, sobre a necessidade de o órgão jurisdicional realizar uma audiência, v. Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko (C‑348/16, EU:C:2017:591, n.os 42 a 48).


17      Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:327, n.o 68).


18      Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 113).


19      Acórdãos de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 73 e jurisprudência referida), e de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 35 e jurisprudência referida).


20      Acórdãos de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.o 23), e de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, EU:C:2002:462, n.os 38 e 39). V., mais recentemente, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 91 e jurisprudência referida).


21      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 30). V., igualmente, Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 72 e jurisprudência referida).


22      Tal como sugeri noutro local, cabe ao tribunal (nacional), em última análise, o poder a e a responsabilidade de assegurar a conformidade com a lei. Assim, o facto de certos elementos do processo de tomada de decisão a nível nacional estarem abrangidos pelo poder discricionário dos tribunais administrativos não pode privar os juízes do seu papel inerente de proteção dos direitos individuais — v. minhas Conclusões no processo Klohn (C‑167/17, EU:C:2018:387, n.os 127 a 129), e no processo Link Logistik N&N (C‑384/17, EU:C:2018:494, n.o 112).


23      Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105).


24      V., em especial, Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia (C‑619/18 R, EU:C:2018:1021, n.os 41, 42 e 65 a 67 e jurisprudência referida); Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 42 e segs.); de 6 de março de 2018, Achmea (C‑284/16, EU:C:2018:158, n.os 35 a 37); e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 60 e segs.).


25      Acórdão de 27 de fevereiro de 2018 (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 29).


26      Tal como no processo que conduziu ao Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117).


27      Em causa no processo que deu origem ao Despacho de 17 de dezembro de 2018, Comissão/Polónia (C‑619/18 R, EU:C:2018:1021).


28      Acórdãos de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 73 e jurisprudência referida), e de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 36).


29      Enunciada no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32.


30      TEDH, 19 de março de 1997, Hornsby c. Grécia (CE:ECHR:1997:0319JUD001835791, § 40), concluindo que houve uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH devido à falta de execução pela autoridade executiva de uma decisão judicial. Estas considerações foram desde então confirmadas várias vezes. V., por exemplo, TEDH, 7 de maio de 2002, Burdov c. Rússia (CE:ECHR:2002:0507JUD005949800, §§ 34 a 37); TEDH, 6 de março de 2003, Jasiūnienė c. Lituânia (CE:ECHR:2003:0306JUD004151098, §§ 27 a 31); TEDH, 7 de abril de 2005, Užkurėlienė c. Lituânia (CE:ECHR:2005:0407JUD006298800, § 36), concluindo no entanto no sentido de não ter existido qualquer violação do artigo 6.o da CEDH devido aos alegados atrasos na execução de uma decisão judicial; TEDH, 7 de julho de 2005, Malinovskiy c. Rússia (CE:ECHR:2005:0707JUD004130202, §§ 34 a 39); TEDH, 31 de outubro de 2006, Jeličić c. Bósnia‑Herzegovina (CE:ECHR:2006:1031JUD004118302, §§ 38 a 45); TEDH, 15 de outubro de 2009, Yuriy Nikolayevich Ivanov c. Ucrânia (CE:ECHR:2009:1015JUD004045004, §§ 51 a 57); e TEDH, 19 de junho de 2012, Murtić e Ćerimović c. Bósnia‑Herzegovina (CE:ECHR:2012:0619JUD000649509, §§ 27 a 30).


31      TEDH, 19 de março de 1997, Hornsby c. Grécia (CE:ECHR:1997:0319JUD001835791, § 40).


32      TEDH, Acórdão de 11 de janeiro de 2018, Sharxhi e o. c. Albânia (CE:ECHR:2018:0111JUD001061316, §§ 92 a 93), citando TEDH, 12 de julho de 2005, Okyay e o. c. Turquia (CE:ECHR:2005:0712JUD003622097, § 72). V., igualmente, TEDH, 15 de janeiro de 2009, Burdov c. Rússia (n.o 2) (CE:ECHR:2009:0115JUD003350904, § 68).


33      V., por exemplo, recentemente, Acórdãos de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 25), ou de 7 de novembro de 2018, K e B (C‑380/17, EU:C:2018:877, n.o 56 e jurisprudência referida).


34      V. artigo 339.o, n.o 1, do CPC então em vigor. V. artigo 339.o, n.o 2, do CPC no que diz respeito à lista (não exaustiva) destas exceções.


35      «O tribunal pode alterar a decisão da autoridade para os refugiados. A decisão do tribunal é definitiva e não é suscetível de recurso.»


36      V. artigo 109.o, n.o 4, da Lei de Procedimento e Serviços Administrativos e artigo 339.o, n.o 1, do CPC. Esta legislação estava igualmente em vigor antes de 1 de setembro de 2015.


37      V. egyes törvényeknek a tömeges bevándorlás kezelésével összefüggő módosításáról szóló 2015. évi CXL. Törvény (Lei n.o CXL, de 2015, relativa à alteração de determinadas leis em relação à gestão da imigração em massa).


38      § 90, n.o 1, da közigazgatási perrendtartásról szóló 2017. évi I. törvény (novo Código do Procedimento Administrativo, Lei n.o I, de 2017, a seguir «CAL»), que substituiu, a partir de 1 de janeiro de 2018, o antigo CPC no que respeita ao contencioso administrativo.


39      O artigo 68.o, n.o 5, da Lei relativa ao Direito de Asilo dispõe: «o tribunal não pode alterar a decisão da autoridade dos refugiados.»


40      V., por exemplo, Acórdãos de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 39 e jurisprudência referida), e de 12 de fevereiro de 2015, Baczó e Vizsnyiczai (C‑567/13, EU:C:2015:88, n.o 44 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 16 de maio de 2000, Preston e o. (C‑78/98, EU:C:2000:247, n.o 57).


41      V., a este respeito, minhas Conclusões no processo Scialdone (C‑574/15, EU:C:2017:553, n.os 100 a 103).


42      V. n.os 70 e 71 das presentes conclusões.


43      Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 27).


44      V. n.o 70 das presentes conclusões.


45      V., recentemente, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 22 e jurisprudência referida).


46      Recentemente, Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o. (C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 49 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdãos de 14 de dezembro de 1995, Peterbroeck (C‑312/93, EU:C:1995:437, n.o 14), e de 14 de dezembro de 1995, van Schijndel e van Veen (C‑430/93 e C‑431/93, EU:C:1995:441, n.o 19).


47      «Órgão de decisão», para utilizar a linguagem da Diretiva 2013/32, definido no artigo 2.o,alínea f), da referida diretiva como «um órgão parajudicial ou administrativo de um Estado‑Membro, responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional e competente para proferir uma decisão em primeira instância sobre esses pedidos».


48      O Tribunal de Justiça observou, com efeito, que «a análise do pedido de proteção internacional por um órgão administrativo ou para judicial dotado de meios específicos e de pessoal especializado na matéria é uma fase essencial dos procedimentos comuns instituídos pela Diretiva 2013/32». V. Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 116), e de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 96).


49      O sublinhado é meu.


50      V. n.os 41 a 47 das presentes conclusões.


51      Sobre a ligação entre o princípio da efetividade como uma das duas exigências que decorrem da autonomia processual dos Estados‑Membros, e como direito fundamental a um recurso efetivo ao abrigo do artigo 47.o da Carta, v. minhas Conclusões no processo Banger (C‑89/17, EU:C:2018:225, n.os 99 e segs.).


52      Acórdãos de 18 de outubro de 2018, E. G. (C‑662/17, EU:C:2018:847, n.o 47 e jurisprudência referida).


53      V., por analogia, igualmente, TEDH, 2 de novembro de 2004, Tregubenko c. Ucrânia (CE:ECHR:2004:1102JUD006133300, §§ 34 a 38), e TEDH, 6 de outubro de 2011 Agrokompleks c. Ucrânia (CE:ECHR:2011:1006JUD002346503, §§ 150 e 151).


54      TEDH, 6 de outubro de 2011 Agrokompleks c. Ucrânia (CE:ECHR:2011:1006JUD002346503, § 144 e jurisprudência referida).


55      TEDH, 6 de outubro de 2011 Agrokompleks c. Ucrânia (CE:ECHR:2011:1006JUD002346503, § 144 e jurisprudência referida).


56      V. n.os 48 a 62 das presentes conclusões.


57      No que diz respeito à fase pré‑contenciosa, v. artigo 31.o, n.o 2, bem como o considerando 18 da Diretiva 2013/32. No que diz respeito à obrigação que incumbe aos tribunais de assegurar um «tratamento tão rápido quanto possível dos pedidos», v. Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 148).


58      V. Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni (C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 59 e jurisprudência referida).


59      Sem querer entrar na discussão (muito académica) de saber se a anulação de quaisquer conflitos de normas nacionais, numa situação como é o caso do presente processo, é consequência apenas do primado do direito da União ou do primado e do efeito direto, basta recordar que o Tribunal de Justiça já declarou o efeito direto do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta no Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 78).


60      V., igualmente, por analogia, Acórdão de 5 de junho de 2014, Mahdi (C‑146/14 PPU, EU:C:2014:1320, n.os  62 a 64).


61      Embora, naturalmente, pelo menos em teoria, a solução da indemnização para reparação de uma potencial infração ao direito da União imputável a um Estado‑Membro possa ser igualmente contemplada, é bastante claro que, na situação de requerentes de proteção internacional, tal via de recurso seria ilusória e inoperante.