Language of document : ECLI:EU:C:2017:949

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

7 de dezembro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração — Diretiva 2003/109/CE — Artigo 12.o — Adoção de uma decisão de expulsão de um residente de longa duração — Elementos a ter em consideração — Regulamentação nacional — Não tomada em consideração desses elementos — Compatibilidade»

No processo C‑636/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 1 de Pamplona (Tribunal Administrativo n.o 1 de Pamplona, Espanha), por decisão de 2 de dezembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de dezembro de 2016, no processo

Wilber López Pastuzano

contra

Delegación del Gobierno en Navarra,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: J. Malenovský, presidente de secção, M. Safjan e M. Vilaras (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Wilber López Pastuzano, por E. Santos Huamán e J. L. Rodríguez Candela, abogados,

–        em representação do Governo espanhol, por M. J. García‑Valdecasas Dorrego, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por C. Cattabriga e S. Pardo Quintillán, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Wilber López Pastuzano à Delegación del Gobierno en Navarra (Delegação do Governo em Navarra, Espanha) a propósito de uma decisão por esta adotada, em 29 de junho de 2015, ordenando a expulsão de W. López Pastuzano do território espanhol (a seguir «decisão de 29 de junho de 2015»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do considerando 16 da Diretiva 2003/109:

«Os residentes de longa duração deverão beneficiar de uma proteção reforçada contra a expulsão. Esta proteção deverá basear‑se nos critérios fixados pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A proteção contra a expulsão implica que os Estados‑Membros estabeleçam vias judiciais de recurso efetivas.»

4        O artigo 12.o, n.os 1 a 3, da Diretiva 2003/109 tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

2.      A decisão a que se refere o n.o 1 não deve basear‑se em razões económicas.

3.      Antes de tomarem uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, os Estados‑Membros devem ter em consideração os seguintes elementos:

a)      A duração da residência no território;

b)      A idade da pessoa em questão;

c)      As consequências para essa pessoa e para os seus familiares;

d)      Os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem.

[…]»

 Direito espanhol

5        A Ley Orgánica 4/2000 sobre derechos y libertades de los extranjeros en España y su integración social (Lei Orgânica n.o 4/2000, relativa aos direitos e liberdades dos estrangeiros em Espanha e à sua integração social), de 11 de janeiro de 2000 (BOE n.o 10, de 12 de janeiro de 2000), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei Orgânica n.o 4/2000»), regulamenta, no seu título III, «as infrações em matéria de direito dos estrangeiros e o seu regime sancionatório».

6        O artigo 57.o, constante desse título III, tem a seguinte redação:

«1.      Nos casos em que os infratores sejam estrangeiros e o comportamento em questão possa ser qualificado de muito grave ou grave, nos termos do artigo 53.o, n.o 1, alíneas a), b), c), d) e f), da presente lei orgânica, é possível substituir, tendo em conta o princípio da proporcionalidade, a multa pela expulsão do território espanhol, após tramitação do correspondente procedimento administrativo e por decisão fundamentada que proceda a uma apreciação dos factos constitutivos da infração.

2.      Do mesmo modo, constitui causa de expulsão, após a tramitação do correspondente procedimento, o facto de o estrangeiro ter sido condenado, dentro ou fora de Espanha, por uma conduta dolosa que constitua no nosso país uma infração penal a que seja aplicável uma pena privativa da liberdade superior a um ano, exceto se o registo criminal tiver sido cancelado.

3.      Em nenhum caso podem ser aplicadas conjuntamente as sanções de expulsão e de multa.

4.      A expulsão implica, em todo o caso, a extinção de qualquer autorização para permanecer legalmente em Espanha, bem como o arquivamento de qualquer procedimento que tenha por objeto a autorização para residir ou trabalhar em Espanha do estrangeiro expulso. No entanto, a expulsão pode ser revogada nos casos estabelecidos regulamentarmente.

[…]

5.      A sanção de expulsão não pode ser imposta, exceto se a infração cometida for a prevista no artigo 54.o, n.o 1, alínea a), ou envolva reincidência, no período de um ano, de uma infração da mesma natureza sancionável com expulsão, aos estrangeiros que se encontrem nas seguintes situações:

[…]

b)      Os residentes de longa duração. Antes de ser tomada a decisão de expulsão de um residente de longa duração, devem ser tidos em consideração a duração da sua residência em Espanha e os laços criados, a sua idade, as consequências para o interessado e para os seus familiares e os laços com o país para o qual vai ser expulso.

[…]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7        Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, W. López Pastuzano, de nacionalidade colombiana, obteve uma autorização de residência de longa duração em Espanha, em 13 de outubro de 2013. Em 29 de abril de 2014, foi condenado a duas penas de prisão, de 12 meses e de três meses, respetivamente. Em 27 de janeiro de 2015, foi preso no Centro Penitenciario Pamplona I (Estabelecimento Prisional de Pamplona I, Espanha). Posteriormente, foi iniciado um procedimento administrativo de expulsão a seu respeito.

8        Após a instrução desse procedimento, a Delegação do Governo em Navarra adotou a sua decisão de 29 de junho de 2015. Esta compreendia uma interdição de entrada em Espanha durante cinco anos e a revogação da autorização de residência de longa duração. A decisão baseava‑se nos requisitos de aplicação do fundamento de expulsão previsto no artigo 57.o, n.o 2, da Lei Orgânica n.o 4/2000.

9        Em 28 de setembro de 2015, W. López Pastuzano interpôs recurso contencioso dessa decisão no Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 1 de Pamplona (Tribunal Administrativo n.o 1 de Pamplona, Espanha).

10      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no ordenamento jurídico espanhol, existem duas modalidades distintas de expulsão administrativa de um cidadão estrangeiro, a saber, por um lado, a expulsão como sanção aplicada ao autor de várias infrações administrativas, prevista no artigo 57.o, n.o 1, da Lei Orgânica n.o 4/2000, e, por outro, a expulsão como consequência legal decorrente da condenação a uma pena privativa da liberdade superior a um ano por conduta dolosa, nos termos do artigo 57.o, n.o 2, dessa lei orgânica.

11      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 57.o, n.o 5, da Lei Orgânica n.o 4/2000 transpõe para o direito espanhol o artigo 12.o da Diretiva 2003/109 e estabelece a obrigação de tomar em consideração, antes da tomada de uma decisão de expulsão de um residente de longa duração, as circunstâncias pessoais desse residente, a saber, a duração da sua residência em Espanha e os laços estabelecidos com esse Estado‑Membro, a sua idade, as consequências para o interessado e para os seus familiares, bem como os laços com o país para o qual vai ser expulso.

12      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o conceito de «sanção de expulsão», empregue no artigo 57.o, n.o 5, da Lei Orgânica n.o 4/2000, foi interpretado pela jurisprudência maioritária dos Tribunales Superiores de Justicia (Tribunais Superiores de Justiça, Espanha) como referindo‑se apenas às decisões de expulsão adotadas como sanção para certas infrações administrativas e não às decisões adotadas contra um residente de longa duração condenado a uma pena privativa da liberdade superior a um ano.

13      No caso vertente, uma vez que W. López Pastuzano foi condenado a uma pena privativa da liberdade superior a um ano, a decisão de 29 de junho de 2015 sublinha que, nesse caso, a expulsão não constitui uma sanção pela prática de uma infração administrativa, pelo que o artigo 57.o, n.o 5, da Lei Orgânica n.o 4/2000 não é aplicável.

14      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para resolver o processo submetido à sua apreciação, deve saber qual o alcance da proteção contra a expulsão dos residentes de longa duração, prevista no artigo 12.o da Diretiva 2003/109. Mais em particular, deve saber se o conceito de «decisão de expulsão», na aceção desse artigo, deve ser entendido como abarcando qualquer decisão administrativa de expulsão, independentemente da sua natureza ou das modalidades jurídicas da sua adoção, e se o referido artigo é compatível com uma disposição como a do artigo 57.o, n.o 5, da Lei Orgânica n.o 4/2000, que limita a proteção contra a expulsão dos residentes de longa duração a um tipo particular de decisão administrativa de expulsão, excluindo as restantes.

15      Foi nesse contexto que o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 1 de Pamplona (Tribunal Administrativo n.o 1 de Pamplona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 12.o da [Diretiva 2003/109] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal e à jurisprudência que a interpreta, que não [preveem] a aplicação dos requisitos de proteção contra a expulsão de um cidadão [de um Estado terceiro] residente de longa duração relativamente a qualquer decisão administrativa de expulsão, independentemente da sua natureza ou das modalidades jurídicas da sua aplicação, mas que [limitam] o âmbito de aplicação de tais requisitos apenas a uma modalidade concreta de expulsão?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

16      Nas observações escritas que apresentou ao Tribunal de Justiça, o Governo espanhol alegou que a jurisprudência nacional referida pelo órgão jurisdicional de reenvio é minoritária e que a maior parte dos Tribunales Superiores de Justicia (Tribunais Superiores de Justiça) consideram que a medida de expulsão prevista no artigo 57.o, n.o 2, da Lei Orgânica n.o 4/2000 não pode, em caso algum, ser imposta de forma automática aos cidadãos estrangeiros detentores de uma autorização de residência de longa duração, sendo necessário, previamente à sua adoção, avaliar os critérios previstos no n.o 5, alínea b), desse artigo. Esse governo acrescentou que decorre de dois acórdãos recentes do Tribunal Constitucional (Espanha) que a proteção dos direitos fundamentais do interessado, exigida pela Constituição espanhola, impõe que se tome em conta, previamente à adoção de uma medida de expulsão a respeito de um cidadão estrangeiro residente de longa duração, a sua situação pessoal e familiar.

17      Nestas condições, o Governo espanhol considera que, na realidade, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio não respeita à interpretação do direito da União, mas sim do direito nacional.

18      A este propósito, importa, contudo, constatar que a questão prejudicial, conforme formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não respeita à interpretação do direito espanhol, para a qual o Tribunal de Justiça não é competente, mas sim à interpretação do direito da União, que é da competência do Tribunal de Justiça.

19      Ora, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., nomeadamente, acórdãos de 24 de junho de 2008, Commune de Mesquer, C‑188/07, EU:C:2008:359 n.o 30 e jurisprudência referida, e de 21 de maio de 2015, Verder LabTec, C‑657/13, EU:C:2015:331, n.o 29).

20      No caso vertente, decorre das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que, por um lado, para adotar a decisão de 29 de junho de 2015, a autoridade nacional competente se baseou numa interpretação do artigo 57.o, n.o 5, da Lei Orgânica n.o 4/2000, segundo a qual essa disposição não é aplicável a um caso como o de W. López Pastuzano, e que esta interpretação, por outro, é seguida por, pelo menos, uma parte dos órgãos jurisdicionais nacionais competentes.

21      Nestas condições, não é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não esteja relacionada com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, ou que o problema seja hipotético. Consequentemente, a questão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.o 3, da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, conforme interpretada por uma parte dos seus órgãos jurisdicionais, não prevê a aplicação dos requisitos de proteção contra a expulsão de um nacional de um Estado terceiro, residente de longa duração, a qualquer decisão administrativa de expulsão, independentemente da natureza ou das modalidades jurídicas dessa medida.

23      Há que salientar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o objetivo principal da Diretiva 2003/19 é a integração dos nacionais de países terceiros que estão instalados de forma duradoura nos Estados‑Membros (acórdãos de 26 de abril de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑508/10, EU:C:2012:243, n.o 66, e de 2 de setembro de 2015, CGIL e INCA, C‑309/14, EU:C:2015:523, n.o 21).

24      Para esse efeito, conforme refere o considerando 16 da referida diretiva, o legislador da União considerou que os residentes de longa duração deviam beneficiar de uma proteção reforçada contra a expulsão.

25      Assim, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, da Diretiva 2003/109, os Estados‑Membros só podem tomar uma decisão de expulsão de um residente de longa duração se este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública.

26      Além disso, o artigo 12.o, n.o 3, dessa diretiva enuncia que, antes de tomarem uma decisão de expulsão de um nacional de um Estado terceiro, residente de longa duração, os Estados‑Membros devem ter em consideração a duração da residência no seu território, a idade da pessoa em questão, as consequências para essa pessoa e para os seus familiares, bem como os laços com o país de residência ou a ausência de laços com o país de origem. Por conseguinte, é indiferente que tal medida tenha sido decretada como sanção administrativa ou que seja consequência de uma sanção penal.

27      De resto, o Tribunal de Justiça já sublinhou no seu acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell (C‑371/08, EU:C:2011:809, n.os 82 e 83), que a adoção de uma medida desta natureza não pode ser ordenada automaticamente após uma condenação penal, necessitando de uma apreciação caso a caso que deve incidir, nomeadamente, sobre os elementos referidos no n.o 3 desse artigo.

28      Consequentemente, não pode ser adotada uma decisão de expulsão de um nacional de um Estado terceiro, residente de longa duração, baseada apenas no facto de este ter sido condenado a uma pena privativa da liberdade superior a um ano.

29      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 12.o da Diretiva 2003/109 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que, conforme interpretada por uma parte dos seus órgãos jurisdicionais, não prevê a aplicação dos requisitos de proteção contra a expulsão de um nacional de um Estado terceiro, residente de longa duração, a qualquer decisão administrativa de expulsão, independentemente da natureza ou das modalidades jurídicas dessa medida.

 Quanto às despesas

30      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 12.o da Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um EstadoMembro que, conforme interpretada por uma parte dos seus órgãos jurisdicionais, não prevê a aplicação dos requisitos de proteção contra a expulsão de um cidadão de um Estado terceiro, residente de longa duração, a qualquer decisão administrativa de expulsão, independentemente da natureza ou das modalidades jurídicas dessa medida.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.