Language of document : ECLI:EU:T:2001:186

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

12 de Julho de 2001 (1)

«Bananas - Importação dos Estados ACP e de países terceiros -Regulamento (CEE) n.° 404/93 - Regras da OMC - Possibilidade de invocação - Artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE) - Pedido de indemnização»

No processo T-2/99,

T. Port GmbH & Co. KG, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por G. Meier, advogado,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Marquardt e J.-P. Hix, na qualidade de agentes,

demandado,

apoiado por

República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger, C. Vasak, S. Seam e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K.-D. Borchardt, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de reparação do prejuízo que a demandante sofrera devido ao facto de o Conselho ter instituído, no quadro do seu Regulamento (CEE) n.° 404/93, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1), disposições pretensamente contrárias aos artigos 1.°, n.° 1, e XIII do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: G. Herzig, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1), substituiu, no título IV, os diversos regimes nacionais por um regime comum de trocas comerciais com os países terceiros.

2.
    O seu artigo 15.°, que passou a artigo 15.°-A na sequência da adopção do Regulamento (CE) n.° 3290/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativoàs adaptações e medidas transitórias necessárias no sector da agricultura para a execução dos acordos concluídos no âmbito das negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round (JO L 349, p. 105), estabelecia designadamente uma distinção entre:

-    as «importações tradicionais dos Estados [de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP)]», que correspondiam às quantidades de bananas exportadas por cada Estado ACP fornecedor tradicional da Comunidade, tal como fixadas no anexo ao Regulamento n.° 404/93 (a seguir «bananas tradicionais ACP»;

-    as «importações não tradicionais dos Estados ACP», que correspondiam às quantidades de bananas exportadas pelos Estados ACP que excediam as quantidades definidas para as bananas tradicionais ACP (a seguir «bananas não tradicionais ACP»);

-    as «importações de países terceiros não ACP», que correspondiam às quantidades exportadas pelos demais países terceiros (a seguir «bananas países terceiros»).

3.
    No anexo do Regulamento n.° 404/93, as quantidades de bananas tradicionais ACP eram fixadas para cada um dos Estados em causa e ascendiam, no total, a 857 700 toneladas (peso líquido). Segundo a Convenção de Lomé IV, essas quantidades deveriam corresponder ao melhor volume de exportações realizadas por cada um desses Estados para a Comunidade antes de 1991.

4.
    O artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93, tal como alterado pelo Regulamento n.° 3290/94, previa a abertura de um contingente pautal de 2,1 milhões de toneladas (peso líquido) para o ano de 1994 e de 2,2 milhões de toneladas (peso líquido) para os anos seguintes, para as importações de bananas países terceiros e de bananas não tradicionais ACP. No quadro desse contingente, as importações de bananas países terceiros estavam sujeitas a um direito de 75 ecus por tonelada e as de bananas não tradicionais ACP a um direito nulo. As bananas não tradicionais ACP importadas fora desse contingente estavam sujeitas ao direito previsto na pauta aduaneira comum, diminuído de 100 ecus.

5.
    As bananas tradicionais ACP eram totalmente isentas de direitos aduaneiros.

6.
    O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93 procedia a uma repartição do contingente pautal, abrindo-o até ao limite de 66,5% para a categoria de operadores que tinham comercializado bananas países terceiros e/ou bananas não tradicionais ACP (categoria A), de 30% para a categoria de operadores que tinham comercializado bananas comunitárias e/ou bananas tradicionais ACP (categoria B) e de 3,5% para a categoria de operadores estabelecidos na Comunidade quetinham começado a comercializar bananas que não as bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP a partir de 1992 (categoria C).

7.
    O artigo 19.°, n.° 2, primeira frase, do Regulamento n.° 404/93 estava redigido como se segue:

«Com base nos cálculos feitos separadamente para cada uma das categorias de operadores referidas no n.° 1 [...] cada operador obtém certificados de importação com base na quantidade média de bananas que vendeu nos três anos anteriores com dados estatísticos disponíveis.»

8.
    Em 10 de Junho de 1993, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1442/93, que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6).

9.
    Esse regime de importação foi objecto de um processo de resolução de litígios, no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), na sequência de queixas apresentadas por alguns países terceiros.

10.
    O referido processo deu lugar a relatórios do grupo especial da OMC de 22 de Maio de 1997 e a um relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso da OMC que foi adoptado pelo Órgão de Resolução de Litígios por decisão de 25 de Setembro de 1997. Por essa decisão, o Órgão de Resolução de Litígios declarou incompatíveis com as regras da OMC vários aspectos do sistema comunitário de importação de bananas.

11.
    Na sequência dessa decisão, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1637/98, de 20 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 404/93 (JO L 210, p. 28). O Regulamento n.° 1637/98 substituiu nomeadamente o anexo do Regulamento n.° 404/93 por um novo anexo, fixando de novo a quantidade total de bananas tradicionais ACP em 857 700 toneladas, mas deixando de efectuar a repartição dessa quantidade entre os Estados ACP em causa.

12.
    Na sequência de um pedido apresentado por um dos países terceiros queixosos, o grupo especial da OMC examinou a compatibilidade do Regulamento n.° 1637/98 com as regras da OMC e apresentou um relatório em 12 de Abril de 1999. Nesse relatório, o grupo especial declarou nomeadamente, em substância, que a Comunidade não podia autorizar certos Estados ACP fornecedores tradicionais a ultrapassar o melhor volume das suas exportações individuais de antes de 1991 dentro da quantidade total de 857 700 toneladas atribuída ao conjunto desses Estados.

Factos e tramitação processual

13.
    A demandante é uma importadora de frutas, estabelecida na Alemanha, que pratica, desde longa data, o comércio de bananas de países terceiros. Era umoperador da categoria A. Alega que teve de adquirir certificados de importação junto de outros operadores e de pagar direitos de importação para poder comercializar, na Alemanha, bananas provenientes da Colômbia e da Costa Rica.

14.
    Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Janeiro de 1999, a demandante intentou a presente acção de indemnização. Invocou, nomeadamente, uma violação de certas disposições do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) de 1994, que figura no anexo I A do acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «acordo OMC»), aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994) (JO L 336, p. 1).

15.
    Por despacho de 10 de Setembro de 1999, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a Comissão e a República Francesa a intervir em apoio dos pedidos do Conselho no presente processo. Os articulados das intervenientes foram apresentados, respectivamente, em 18 de Outubro e 2 de Novembro de 1999.

16.
    No seu acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C-149/96, Colect., p. I-8395, n.° 47), o Tribunal de Justiça concluiu:

«(T)endo em atenção a sua natureza e a sua economia, [o conjunto dos acordos e memorandos incluídos nos anexos 1 a 4 do acordo OMC] não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias.»

17.
    Por carta de 16 de Dezembro de 1999, as partes foram convidadas a apresentar as suas observações sobre as eventuais consequências a tirar desse acórdão. A Comissão, a demandante, a República Francesa e o Conselho apresentaram as suas observações, respectivamente, em 6, 10, 18 e 19 de Janeiro de 2000.

18.
    Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu, por um lado, iniciar a fase oral do processo e, por outro, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, pedir à demandante que respondesse a questões. Foi, nomeadamente, convidada a especificar se renunciava aos seus argumentos relativos ao pretenso efeito directo das regras do GATT de 1994 e a dar certas explicações oralmente na audiência. Em 2 de Agosto de 2000, deu as respostas às questões às quais tinha sido solicitada a responder por escrito.

19.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência pública de 3 de Outubro de 2000.

Pedidos das partes

20.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    A título principal:

    -    condenar o Conselho a indemnizá-la do prejuízo que sofreu pelo facto de, para poder comercializar na Alemanha bananas originárias da Colômbia e da Costa Rica, ter tido de adquirir certificados de importação junto de operadores das categorias A, B e C;

    -    condenar o Conselho a indemnizá-la do prejuízo que sofreu a partir de 21 de Dezembro de 1996 pelo facto de ter tido de pagar direitos de importação pelas bananas originárias da Colômbia e da Costa Rica e que comercializou na Alemanha;

    -    condenar o Conselho a indemnizá-la do prejuízo que sofreu desde 21 de Janeiro de 1996 pelo facto de ter tido de pagar «juros após a entrada da acção» no montante de 324 294 marcos alemães (DEM);

    -    aumentar as indemnizações dos juros à taxa de 4% a contar da data da propositura da acção;

    -    condenar o Conselho nas despesas;

-    a título subsidiário, condenar o Conselho a indemnizá-la pelos prejuízos acima mencionados a partir de 8 de Setembro de 1997;

-    a título mais subsidiário, condenar o Conselho a indemnizá-la pelos prejuízos acima mencionados a partir de 25 de Setembro de 1997.

21.
    Na réplica, a demandante declara que a data de 21 de Dezembro de 1996, que figura no primeiro ponto dos pedidos apresentados a título principal, se deve a um erro de dactilografia e que deve ser substituída pela de 21 de Janeiro de 1996.

22.
    Altera também o terceiro ponto dos pedidos apresentados a título principal da seguinte forma:

-    condenar o Conselho a indemnizá-la do prejuízo que sofreu a partir de 21 de Janeiro de 1996 pelo facto de ter tido de pagar juros bancários para a aquisição dos certificados de importação e para o pagamento de direitos de importação.

23.
    Por fim, a demandante declara desistir do quarto ponto dos pedidos apresentados a título principal.

24.
    Quanto aos pontos dos pedidos apresentados a título subsidiário e a título mais subsidiário, a demandante declarou, na audiência, substituir as datas que nelas são mencionadas pela de 1 de Janeiro de 1999.

25.
    Indicou igualmente na audiência, no que respeita ao segundo ponto dos pedidos apresentados a título principal, que a data a tomar em conta era, na verdade, a de 21 de Dezembro de 1996.

26.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar a acção improcedente;

-    condenar a demandante nas despesas.

27.
    Na tréplica, conclui pedindo, além disso, que o Tribunal se digne:

-    julgar inadmissíveis as alterações introduzidas nos pontos pedidos;

-    condenar, de qualquer forma, a demandante nas despesas atinentes ao quarto ponto dos pedidos apresentados a título principal.

28.
    A Comissão e a República Francesa concluem pedindo que o Tribunal se digne julgar a acção improcedente.

Quanto à admissibilidade das alterações dos pedidos

Argumentos das partes

29.
    O Conselho alega que o artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância prevê que a petição deve conter o pedido do recorrente e que são inadmissíveis alterações posteriores a esse pedido, salvo se elementos de facto e de direito surgiram no decurso do processo. Ora, tais elementos não existiriam no caso em apreço.

30.
    No tocante ao terceiro ponto dos pedidos apresentados a título principal, o Conselho nota que o conceito de «juros devidos a partir da propositura da acção» se distingue fundamentalmente do de «juros bancários».

31.
    No que toca à alteração, nos pedidos apresentados a título subsidiário e a título mais subsidiário, das datas de 8 e 25 de Setembro de 1997, o Conselho considerou que devia ser julgada inadmissível.

32.
    No tocante ao terceiro ponto dos pedidos apresentados a título principal, a demandante observou, na audiência, que o ponto 3, alínea c), da petição e o anexo4 desta demonstram claramente que pretende obter o reembolso de juros bancários.

33.
    No que respeita à substituição, nos pedidos apresentados a título subsidiário e a título mais subsidiário, pela data de 1 de Janeiro de 1999 das datas de 8 e 25 de Setembro de 1997, a demandante expôs, na audiência, que ela era ditada pela prolação do acórdão Portugal/Conselho, já referido. Invoca, mais particularmente, a excepção à ausência de efeito directo das regras do GATT de 1994 que esse acórdão teria introduzido (v. n.° 46, infra).

Apreciação do Tribunal

34.
    Deve recordar-se que, nos termos do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, o recorrente ou demandante tem a obrigação de definir o objecto do litígio e de apresentar os seus pedidos no acto que introduz a instância. Ainda que o artigo 48.°, n.° 2, do mesmo regulamento permita, em certas circunstâncias, a dedução de fundamentos novos no decurso da instância, essa disposição não pode, em caso algum, ser interpretada como autorizando o recorrente ou demandante a solicitar ao Tribunal que conheça de novos pedidos e a alterar, assim, o objecto do litígio (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 1979, Comissão/França, 232/78, Recueil, p. 2729, n.° 3, e do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Asia Motor France e o./Comissão, T-28/90, Colect., p. II-2285, n.° 43).

35.
    No tocante ao segundo ponto dos pedidos apresentados a título principal, deve reconhecer-se que, na audiência, a demandante alterou a sua posição declarando que a data a tomar em consideração era a de 21 de Dezembro de 1996. Por conseguinte, por infelizes que sejam estas viragens sucessivas da demandante, o Tribunal já não tem de se pronunciar sobre a alteração introduzida a este pedido na réplica.

36.
    Quanto à alteração introduzida no terceiro ponto dos pedidos apresentados a título principal, constitui claramente apenas uma simples correcção de um erro de formulação equiparável a um erro material. Tal como salientou a demandante na audiência, faz-se, na verdade, referência ao pagamento de juros bancários, e não aos devidos a partir da propositura da acção, nos fundamentos da petição bem como no certificado junto a esta para provar a existência e a extensão do prejuízo em causa. Por isso, por lamentável que seja a falta de atenção havida na redacção do referido ponto dos pedidos, a sua alteração no decurso da instância não poderá analisar-se como constituindo a apresentação de pedidos novos, na acepção da jurisprudência já referida.

37.
    Em contrapartida, a demandante não pode pedir a substituição, nos pontos dos pedidos apresentados a título subsidiário e a título mais subsidiário, das datas, respectivamente, de 8 e 25 de Setembro de 1997 pela de 1 de Janeiro de 1999. Com efeito, essa alteração, porquanto é unicamente motivada por um fundamentonovo, ele mesmo inadmissível (v. n.os 54 a 58, infra), teria por consequência chamar o Tribunal a conhecer de pedidos novos e, portanto, alterar o objecto do litígio.

Quanto ao mérito

38.
    Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a responsabilidade da Comunidade, no quadro do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288.°, segundo parágrafo, CE), está subordinada à reunião de um conjunto de condições no que respeita à ilegalidade do comportamento censurado às instituições comunitárias, à realidade do prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1992, Pesquerias De Bermeo e Naviera Laida/Comissão, C-258/90 e C-259/90, Colect., p. I-2901, n.° 42, e do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T-113/96, Colect., p. II-125, n.° 54).

39.
    A demandante alega que o Conselho se tornou culpado de um comportamento ilegal na medida em que violara, em primeiro lugar, certas disposições do GATT de 1994 e, em segundo lugar, o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 307.°, primeiro parágrafo, CE).

40.
    Expõe, a esse propósito, que as quantidades de bananas tradicionais ACP, que figuram no anexo do Regulamento n.° 404/93, devem representar os melhores volumes de exportações efectuadas antes de 1991 para a Comunidade pelos Estados ACP fornecedores tradicionais. Indica que, nesse anexo, se menciona um total de 857 700 toneladas, quando, à vista das estatísticas do Serviço de Estatística das Comunidades Europeias (Eurostat), só deveria ter sido de 622 000 toneladas. Resultaria das declarações efectuadas pelo Órgão de Recurso da OMC no seu relatório de 9 de Setembro de 1997 e pelo Órgão da Resolução de Litígios na sua decisão de 25 de Setembro de 1997 que a diferença entre esses dois volumes, ou seja, 235 700 toneladas, é incompatível com os artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT de 1994. O tratamento pautal preferencial assim concedido pela Comunidade aos Estados ACP fornecedores tradicionais, em virtude da cláusula da nação mais favorecida contida no artigo 1.°, n.° 1, do GATT de 1994, deveria ter sido alargado a cada um dos outros países produtores partes nesse acordo até ao limite desse último volume, o que teria permitido à demandante importar para a Alemanha, com isenção de direitos aduaneiros, as suas bananas originárias da Colômbia e da Costa Rica. Na réplica, todavia, alega que a Comunidade deveria ter alargado a cada um destes dois últimos países o regime pautal preferencial no limite não já de 235 700 toneladas, mas dos volumes excedentários de que beneficiaram ilegalmente Belize, os Camarões e a Costa do Marfim. Na audiência, a demandante desenvolveu uma terceira argumentação, segundo a qual o referido regime deveria ter-se aplicado às bananas originárias de cada um dos países produtores partes no GATT, que não os doze Estados ACP fornecedores tradicionais, no limite de 857 700 toneladas. As suas considerações relativas às quantidades que ultrapassamos melhores volumes de exportações efectuadas antes de 1991 pelos referidos Estados só valeriam, por conseguinte, a título subsidiário.

Quanto à pretensa violação de certas disposições do GATT de 1994

Argumentos das partes

41.
    A demandante sustenta que os artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT de 1994 têm efeito directo na ordem jurídica comunitária.

42.
    Por um lado, essas disposições são claras, precisas e incondicionais.

43.
    Por outro, o acordo OMC e os seus anexos apresentam diferenças significativas em relação ao GATT de 1947. Com efeito, diferentemente deste último, eles constituem uma verdadeira ordem jurídica com um sistema jurisdicional próprio. O novo direito da OMC não é negociável, mas comporta proibições rigorosas que só poderão ser limitadas ou provisoriamente afastadas por actos da OMC, e não por medidas unilaterais de um país membro.

44.
    Finalmente, as partes contratantes no acordo OMC não teriam excluído a aplicabilidade directa deste último. As declarações unilaterais em sentido contrário da Comunidade e dos Estados Unidos da América seriam desprovidas de efeito constitutivo em direito internacional.

45.
    No que respeita às eventuais consequências a tirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido (v. n.° 16, supra), a demandante admitiu, em resposta à questão posta pelo Tribunal, que o Tribunal de Justiça julgara no sentido de que as regras da OMC não tinham «efeito directo geral» na ordem jurídica comunitária. Na sua carta de 2 de Agosto de 2000 (v. n.° 18, supra), e na audiência, declarou expressamente que renunciava, por isso, aos argumentos que tinha avançado a esse propósito.

46.
    Na audiência, alegou que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarara que cabia, todavia, ao órgão jurisdicional comunitário fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC quando as seguintes três condições cumulativas estivessem preenchidas: em primeiro lugar, uma violação das referidas regras fosse reconhecida pelos órgãos da OMC; em segundo lugar, a Comunidade se tivesse comprometido a executar as recomendações e decisões provenientes do Órgão de Resolução de Litígios, em conformidade com o artigo 21.°, n.° 3, do Memorando de Entendimento sobre as Regras e Processos que Regem a Resolução de Litígios, que consta do anexo 2 do acordo OMC; em terceiro lugar, a Comunidade não tivesse tomado as medidas para dar cumprimento às referidas recomendações e decisões no prazo previsto. No caso em apreço, segundo a demandante, essas três condições estavam reunidas em 1 de Janeiro de 1999, data em que o Regulamento n.° 1637/98 se tornou aplicável.

47.
    O Conselho sustenta que as regras da OMC, incluindo os artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT de 1994, não têm efeito directo na ordem jurídica comunitária e não podem ser, portanto, invocadas em juízo pelos particulares.

48.
    Observa que o Tribunal de Justiça decidiu que as regras do GATT de 1947 não tinham efeito directo, uma vez que esse acordo se baseia no princípio de negociações empreendidas numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas e caracterizado pela grande flexibilidade das suas disposições (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973). O Conselho entende que essa jurisprudência se aplica igualmente ao acordo OMC e aos seus anexos, dado que esses textos apresentam as mesmas particularidades.

49.
    Em resposta à questão colocada pelo Tribunal respeitante às eventuais consequências a tirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, o Conselho afirmou que esse acórdão confirmava a sua tese. Resulta desse acórdão que as disposições do acordo OMC e dos seus anexos não constituem um critério de apreciação da legalidade do direito comunitário derivado.

50.
    A Comissão e a República Francesa aderem, em substância, à argumentação do Conselho.

Apreciação do Tribunal

51.
    Importa reconhecer que resulta da jurisprudência comunitária que, tendo em conta a sua natureza e a sua economia, o acordo OMC e os seus anexos não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos das instituições comunitárias (acórdãos do Tribunal de Justiça Portugal/Conselho, já referido, n.° 47, e de 14 de Dezembro de 2000, Dior, C-300/98 e C-392/98, Colect., p. I-11307, n.° 43). Esses textos não são susceptíveis de criar, para os particulares, direitos que estes possam invocar directamente num tribunal por força do direito comunitário (acórdão Dior, já referido, n.° 44).

52.
    Deve salientar-se, por outro lado, que a demandante renunciou expressamente aos argumentos que tinha invocado em apoio do pretenso efeito directo dos artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT de 1994 (v. n.os 17, 18 e 45, supra).

53.
    Nestas circunstâncias, a presente acção não pode basear-se na pretensa violação desses artigos.

54.
    A argumentação da demandante, segundo a qual cabe ao tribunal comunitário fiscalizar a legalidade dos actos comunitários à luz das regras da OMC quando três condições cumulativas estiverem reunidas (v. n.° 46, supra), foi apresentada pela primeira vez na audiência.

55.
    Ora, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a dedução de fundamentos novos no decurso da instância é proibida, a menos que esses fundamentos tenham por base elementos de direito ou de facto que se tenham revelado durante o processo.

56.
    No caso em apreço, não se revelou durante o processo nenhum elemento novo que justifique a apresentação extemporânea da referida argumentação. Assim, na própria opinião da demandante, as três condições em causa estavam realizadas na data em que o Regulamento n.° 1637/98 se tornou aplicável, ou seja, em 1 de Janeiro de 1999. Tendo esse regulamento sido adoptado em 20 de Julho de 1998 e publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 28 de Julho de 1998, não pode aceitar-se que a argumentação em causa se baseie num elemento que se tenha revelado durante o processo.

57.
    Na medida em que a referida argumentação deve ser compreendida como sendo baseada no n.° 49 do acórdão Portugal/Conselho, já referido, em que o Tribunal de Justiça declarou que «só no caso de a Comunidade ter decidido cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC, ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos OMC, é que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC», há que reconhecer que essas duas excepções são objecto de jurisprudência constante (v. acórdãos de 22 de Junho de 1989, Fediol/Comissão, 70/87, Colect., p. 1781, n.os 19 a 22, de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 31, e Alemanha/Conselho, já referido, n.° 111). Ora, resulta da jurisprudência que um acórdão que se limitou a confirmar uma situação de direito que o recorrente conhecia, em princípio, no momento em que interpôs o seu recurso não pode ser considerado um elemento novo que permita a dedução de um novo fundamento (acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 1982, Dürbeck/Comissão, 11/81, Recueil, p. 1251, n.° 17, e do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão, T-106/95, Colect., p. II-229, n.° 57). A demandante não pode, por isso, invocar utilmente o acórdão Portugal/Conselho, já referido, como constituindo um elemento de direito ou de facto novo, na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo. Se é verdade que esse último acórdão diz respeito ao GATT de 1994, quando a jurisprudência constante, já referida, se reporta ao GATT de 1947, não é menos certo que, sendo a questão do eventual efeito directo do GATT de 1994 muito controvertida na altura, a demandante poderia ter-se prevenido contra a recusa de tal efeito, invocando na petição a argumentação em causa.

58.
    Resulta do que precede que essa argumentação deve ser rejeitada por inadmissível.

Quanto à pretensa violação do artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado

Argumentos das partes

59.
    A demandante sustenta que o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado consagra o primado das convenções internacionais, celebradas antes da entrada em vigor do Tratado CE, sobre as disposições do direito comunitário incompatíveis com elas. Esse princípio permite afastar a aplicação das disposições do Regulamento n.° 404/93 contrárias aos artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT. Na hipótese de as instituições comunitárias aplicarem, todavia, essas disposições, elas são obrigadas a reparar o prejuízo sofrido devido a isso pelos particulares.

60.
    Segundo a demandante, as condições de aplicação do artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado estão reunidas no caso em apreço.

61.
    Em primeiro lugar, os artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT são disposições anteriores ao Tratado CE. O GATT de 1994 contenta-se, com efeito, em reproduzir o direito material do GATT de 1947, em que a Colômbia e a Costa Rica eram partes contratantes. As alterações surgidas no quadro da OMC incidiram apenas no «mecanismo» do GATT, que se tornara obsoleto. Por outro lado, as partes contratantes no GATT de 1994 nunca decidiram pôr termo ao GATT de 1947 com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1995, mas tomaram somente medidas transitórias respeitantes à aplicação provisória das regras processuais deste último acordo.

62.
    Em segundo lugar, a demandante observa que as obrigações resultantes do GATT de 1947 foram transferidas para a Comunidade devido à sua competência em matéria de política comercial comum.

63.
    Convidada pelo Tribunal, no quadro das medidas de organização do processo (v. n.° 18, supra), a explicar claramente, na audiência, a argumentação que tira do artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado, a demandante alegou que o Conselho ignorara a regra da delimitação das competências da Comunidade e dos Estados-Membros, que essa disposição continha, ao adoptar as disposições que figuram no título IV do Regulamento n.° 404/93. Afirmou, nomeadamente, que o artigo 18.°, n.° 1, desse regulamento era contrário às disposições do GATT de 1947, as quais se impunham à República Federal da Alemanha desde 1952.

64.
    O Conselho considera que o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado não pode ter por efeito conferir aos artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT primado sobre as disposições do Regulamento n.° 404/93.

65.
    Expõe que, segundo jurisprudência constante, o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado tem somente por objecto precisar, em conformidade com os princípios do direito internacional, que a aplicação do Tratado CE não prejudica o compromisso do Estado-Membro em causa de respeitar os direitos dos países terceiros resultantes de uma convenção anterior e de cumprir as obrigações correspondentes (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1980, Burgoa, 812/79, Recueil, p. 2787, n.° 8, e de 10 de Março de 1998, T. Port,C-364/95 e C-365/95, Colect., p. I-1023, n.° 60). Essa disposição regularia, portanto, o caso em que existe um conflito entre, por um lado, uma obrigação resultante para um Estado-Membro de uma convenção anterior e, por outro, a obrigação que lhe incumbe de aplicar a legislação comunitária. Ora, esse conflito não existe no caso em apreço.

66.
    Em primeiro lugar, segundo o Conselho, o GATT de 1947 não estava já em vigor no momento das importações em causa e os compromissos resultantes do GATT de 1994 foram assumidos após a entrada em vigor do Tratado. Salienta que, como confirma o artigo II, n.° 4, do acordo OMC, o GATT de 1994 cria obrigações novas, juridicamente autónomas. Explica que fora convencionado revogar o GATT de 1947 e substituí-lo por um novo acordo, o GATT de 1994, a fim de evitar que as partes contratantes no GATT de 1947 que não desejassem aderir ao acordo OMC e aos seus anexos pudessem, todavia, beneficiar dele invocando a cláusula da nação mais favorecida contida no GATT de 1947.

67.
    Em segundo lugar, o Conselho alega que o GATT de 1994 não cria obrigações a para os Estados-Membros, mas unicamente para a Comunidade, uma vez que só esta última era competente, nos termos do artigo 113.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.° CE), para concluir esse acordo. Acrescenta que a Comunidade tinha competência exclusiva no domínio do GATT de 1947 desde 1 de Julho de 1968, data da entrada em vigor da pauta aduaneira comum, de forma que as eventuais obrigações em relação à Colômbia e à Costa Rica incumbiam, desde essa data, exclusivamente à Comunidade.

68.
    Finalmente, o Conselho entende que o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado não pode justificar a aplicabilidade directa das regras da OMC.

69.
    A Comissão alega que o artigo 234.° do Tratado não consagra o primado das obrigações de direito internacional público sobre o direito comunitário, mas antes o inverso. Salienta que o segundo parágrafo desse artigo prevê, com efeito, que os Estados-Membros em causa devem recorrer a todos os meios adequados para eliminar as incompatibilidades verificadas, o que pode compreender a rescisão da obrigação de direito internacional público em causa.

70.
    Segundo a Comissão, também não pode inferir-se desse artigo uma qualquer norma geral de resolução dos conflitos entre o direito internacional público e o direito comunitário. O primeiro parágrafo dessa disposição não pode, por isso, servir de base para declarar, no quadro de uma acção de indemnização, que a Comunidade violou certas regras superiores de direito do acordo OMC e dos seus anexos destinadas a proteger os particulares.

71.
    Acrescenta que, de qualquer forma, as condições de aplicação do artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado não estão reunidas no caso em apreço.

72.
    A República Francesa sustenta que o artigo 234.° do Tratado não pode aplicar-se no caso em apreço, sublinhando, mais particularmente, que o GATT de 1947 já não estava em vigor na altura das importações em causa.

Apreciação do Tribunal

73.
    Há que reconhecer, a título preliminar, que, como observaram com razão o Conselho e a Comissão na audiência, não é claro, tendo em conta os argumentos da demandante, se esta invoca a pretensa violação do artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado como fundamento directo e autónomo do seu pedido ou se ela se prevalece dessa disposição apenas para tentar demonstrar o direito dos particulares de invocar em juízo uma violação das disposições do GATT de 1994.

74.
    Qualquer que seja a hipótese considerada, a demandante não pode utilmente invocar o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado, uma vez que as condições de aplicação dessa disposição não estão reunidas no caso em apreço.

75.
    Nos termos da referida disposição, na versão aplicável na data da propusitura da acção, «as disposições do presente Tratado não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções concluídas antes da entrada em vigor do Tratado, entre um ou mais Estados-Membros, por um lado, e um ou mais Estados terceiros, por outro».

76.
    Segundo jurisprudência constante (v., designadamente, acórdão T. Port, já referido, n.° 60), o artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado tem por objecto precisar, em conformidade com os princípios do direito internacional, que a aplicação do Tratado CE não prejudica o compromisso do Estado-Membro em causa de respeitar os direitos dos países terceiros resultantes de uma convenção anterior e de cumprir as obrigações correspondentes. Por conseguinte, para determinar se uma norma comunitária pode ser tornada inoperante por uma convenção internacional anterior, importa examinar se esta impõe ao Estado-Membro em causa obrigações cujo cumprimento pode ainda ser exigido pelos países terceiros que são partes na convenção.

77.
    Assim, embora uma norma comunitária possa ser tornada inoperante por uma convenção internacional, deve verificar-se a dupla condição de se tratar de uma convenção concluída antes da entrada em vigor do Tratado e de conferir ao país terceiro interessado direitos cujo respeito ele pode exigir ao Estado-Membro em causa (acórdão T. Port, já referido, n.° 61).

78.
    Ora, em primeiro lugar, resulta dos autos que as importações de bananas, que são objecto do presente litígio, tiveram lugar entre 1995 e 1998, ou seja, numa época em que o GATT de 1994 tinha já entrado em vigor. Tendo esse acordo sido concluído posteriormente à entrada em vigor do Tratado, a primeira condição supra-referida não está preenchida.

79.
    Há que notar que, nos seus articulados, a demandante não contesta que o GATT aplicável na época das importações em causa era o de 1994. Nos relatórios e decisões dos diferentes órgãos da OMC aos quais ela se refere em apoio do seu pedido, estes pronunciam-se, aliás, sobre a compatibilidade da regulamentação comunitária em causa com os artigos 1.°, n.° 1, e XIII do GATT de 1994. Todavia, a argumentação da demandante equivale a pretender que o GATT de 1994 não pode ser considerado como um acordo posterior ao Tratado CE porque ele retoma o direito material do GATT de 1947, anterior à conclusão do referido Tratado. Esse argumento não pode ser aceite.

80.
    O artigo II, n.° 4, do acordo OMC dispõe, com efeito, expressamente que «o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994, incluído no anexo 1A, [...] é juridicamente distinto do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio, de 30 de Outubro de 1947, [...] posteriormente rectificado, aditado e alterado [...]».

81.
    Além disso, como o advogado-geral B. Elmer observou nas conclusões no processo T. Port, já referido (Colect., p. I-1026, n.° 16), «nas relações entre Estados-Membros da OMC, e por conseguinte partes no GATT [de] 1994, resulta [...] do artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Convenção de Viena, de 23 de Maio de 1969, sobre o Direito dos Tratados, que o GATT [de] 1994 substituiu o GATT [de] 1947 com efeitos a 1 de Janeiro de 1995, quando o GATT [de] 1994 entrou em vigor».

82.
    Em segundo lugar, as obrigações resultantes do GATT de 1994 incumbem não aos Estados-Membros, mas à Comunidade. Só esta era, com efeito, competente, por força do artigo 113.° do Tratado CE, para concluir esse acordo (parecer do Tribunal de Justiça 1/94, de 15 de Novembro de 1994, Colect., p. I-5267, n.° 34). Nas suas conclusões já referidas (n.° 16), o advogado-geral B. Elmer sublinhou, assim, que «pretensões decorrentes do GATT de 1994 só podem ser oponíveis à Comunidade e não aos diversos Estados-Membros».

83.
    Na hipótese de a demandante basear directamente o seu pedido na pretensa violação do artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado, há que reconhecer, além disso, que essa disposição não tem por objecto conferir direitos aos particulares. Ora, no seu acórdão de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C-352/98 P, Colect., p. I-5291, n.os 41 e 42), o Tribunal de Justiça decidiu que o direito à reparação pressupõe, nomeadamente, que a regra de direito violada tenha tal objecto.

84.
    Pela mesma razão, a argumentação desenvolvida pela demandante pela primeira vez na audiência (v. n.° 63, supra), na medida em que censura o Conselho por ter ignorado a regra, contida no artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado, de delimitação das competências respectivas da Comunidade e dos Estados-Membros, deve, independentemente da sua admissibilidade (v. n.° 55, supra), ser rejeitada.

85.
    Finalmente, na hipótese de a referência ao artigo 234.°, primeiro parágrafo, do Tratado dever ser entendida no sentido de que a demandante considera que essadisposição permite aos particulares invocar em juízo a violação de disposições do GATT de 1994, é forçoso reconhecer que tal argumentação é totalmente inconciliável com o reconhecimento expresso, pela demandante, da ausência de efeito directo das referidas disposições na ordem jurídica comunitária, e improcedente à luz da jurisprudência segundo a qual o acordo OMC e os seus anexos não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos das instituições comunitárias (v. n.° 51, supra).

86.
    Resulta de tudo o que precede que a condição atinente à ilegalidade do comportamento censurado à instituição comunitária em causa não está preenchida no caso em apreço. Por conseguinte, e sem que seja necessário examinar as condições atinentes à realidade do dano e à existência do nexo de causalidade, a acção deve ser julgada improcedente na sua integralidade.

Quanto às despesas

87.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com as conclusões do Conselho.

88.
    Nos termos do n.° 4 do mesmo artigo, os Estados-Membros e as instituições que intervieram no processo suportarão as respectivas despesas. Portanto, a Comissão e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    A acção é julgada improcedente.

2)    A demandante é condenada nas despesas.

3)    A Comissão e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

Lindh
García-Valdecasas
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Julho de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: alemão.