Language of document : ECLI:EU:C:2004:2

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6 de Janeiro de 2004 (1)

«Recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Importações paralelas – Artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) – Conceito de acordo entre empresas – Prova da existência de um acordo – Mercado de produtos farmacêuticos»

Nos processos apensos C-2/01 P e C-3/01 P,

Bundesverband der Arzneimittel-Importeure eV, com sede em Mülheim an der Ruhr (Alemanha), representada por U. Zinsmeister e W. A. Rehmann, Rechtsanwälte, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por

European Association of Euro Pharmaceutical Companies (EAEPC), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por M. Epping e M. Lienemeyer, Rechtsanwälte, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente no presente recurso,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Wiedner e W. Wils, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑J. Freund, Rechtsanwalt, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por

Reino da Suécia, representado por A. Kruse, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

European Association of Euro Pharmaceutical Companies (EAEPC),

que têm por objecto dois recursos do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Quinta Secção Alargada) de 26 de Outubro de 2000, Bayer/Comissão (T‑41/96, Colect., p. II‑3383), em que se pede a anulação desse acórdão,

sendo as outras partes no processo:

Bayer AG, com sede em Leverkusen (Alemanha), representada por J. Sedemund, Rechtsanwalt, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente em primeira instância,

e

European Federation of Pharmaceutical Industries' Associations, com sede em Genebra (Suíça), representada por A. Woodgate, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente em primeira instância,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans e J. N. Cunha Rodrigues, presidentes de secção, D. A. O. Edward (relator), A. La Pergola, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 12 de Novembro de 2002, no decurso da qual a Bundesverband der Arzneimittel‑importeure eV foi representada por W. A. Rehmann, a Comissão por K. Wiedner, assistido por H.‑J. Freund, a European Association of Euro Pharmaceutical Companies (EAEPC) por A. Martin‑Ehlers, Rechtsanwalt, a Bayer AG por J. Sedemund e a European Federation of Pharmaceutical Industries' Associations por A. Woodgate,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Maio de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Através de duas petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de Janeiro de 2001, a Bundesverband der Arzneimittel‑importeure eV (a seguir «BAI») e a Comissão das Comunidades Europeias interpuseram recurso, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2000, Bayer/Comissão (T‑41/96, Colect., p. II‑3383, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou a Decisão 96/478/CE da Comissão, de 10 de Janeiro de 1996, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.279/F3 – ADALAT) (JO L 201, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).


Antecedentes do litígio

Factos na origem do litígio

2
Os factos na origem do litígio estão expostos no acórdão recorrido do seguinte modo:

«1
A recorrente, Bayer AG (a seguir ‘Bayer’ ou ‘grupo Bayer’), é a sociedade‑mãe de um dos principais grupos químicos e farmacêuticos europeus e está presente em todos os Estados‑Membros da Comunidade através das suas filiais nacionais. Produz e comercializa há muitos anos, sob a marca ‘Adalat’ ou ‘Adalate’, uma gama de medicamentos cujo princípio activo é a nifedipina, destinada a tratar doenças cardiovasculares.

2
Na maioria dos Estados‑Membros, o preço do Adalat é, directa ou indirectamente, fixado pelas autoridades sanitárias nacionais. De 1989 a 1993, os preços fixados pelos serviços de saúde espanhol e francês eram, em média, 40% inferiores aos aplicados no Reino Unido.

3
Em razão destas diferenças de preços, grossistas estabelecidos em Espanha começaram, a partir de 1989, a exportar Adalat com destino ao Reino Unido. A partir de 1991, foram seguidos nesta atitude por grossistas estabelecidos em França. Segundo a recorrente, de 1989 a 1993, as vendas de Adalat efectuadas pela sua filial britânica, Bayer UK, teriam baixado quase para metade em razão das importações paralelas, provocando assim uma perda de volume de negócios de 230 milhões de marcos alemães (DEM) para a sua filial britânica, representando para a Bayer uma perda de receitas de 100 milhões de DEM.

4
Face a esta situação, o grupo Bayer alterou a sua política de fornecimento e começou a deixar de satisfazer a totalidade das encomendas, cada vez mais importantes, feitas pelos grossistas estabelecidos em Espanha e em França às suas filiais espanhola e francesa. Esta alteração ocorreu em 1989 quanto às encomendas recebidas pela Bayer Espanha e no quarto trimestre de 1991 quanto às recebidas pela Bayer França.»

Decisão impugnada

3
Na sequência das denúncias apresentadas por alguns dos grossistas em causa, a Comissão deu início a um procedimento administrativo de inquérito respeitante a pretensas infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) cometidas por filiais do grupo Bayer em França (a seguir «Bayer França») e em Espanha (a seguir «Bayer Espanha»). Em 10 de Janeiro de 1996, a Comissão adoptou a decisão impugnada.

4
Segundo a Comissão, a Bayer França e a Bayer Espanha cometeram uma infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao preverem uma proibição de exportar que se inseria no âmbito das relações comerciais contínuas das duas filiais com os seus clientes respectivos. Alega que tal acordo constituía uma restrição significativa da concorrência e afectava também de modo significativo o comércio entre Estados‑Membros (considerandos 155 a 199 da decisão impugnada).

5
A Comissão deduziu especialmente a existência dessa proibição de exportar da sua análise do comportamento adoptado pela Bayer e, designadamente, da existência de um sistema de detecção dos grossistas exportadores, bem como das reduções sucessivas dos volumes fornecidos pela Bayer França e Bayer Espanha nos casos em que os grossistas exportavam total ou parcialmente os medicamentos que lhes eram fornecidos.

6
De acordo com a análise da Comissão, a entrega dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha estava subordinada ao respeito da proibição de exportar. A redução dos volumes fornecidos pela Bayer França e pela Bayer Espanha foi modelada por estas últimas em função do comportamento que os grossistas adoptavam em relação a essa proibição de exportar. No caso de a violarem, os grossistas sofreriam uma nova redução automática das entregas de medicamentos.

7
À luz destas considerações, a Comissão concluiu, no considerando 170 da decisão impugnada, que a Bayer França e a Bayer Espanha expuseram os seus grossistas a uma ameaça permanente de redução dos fornecimentos, ameaça que era concretizada repetidamente quando estes últimos não respeitavam a proibição de exportar.

8
A Comissão considerou que o comportamento dos grossistas revelava não só que tinham compreendido que a proibição de exportar se aplicava às mercadorias fornecidas como também que alinhavam o seu comportamento em função dessa proibição. Por conseguinte, tinham assim mostrado a sua adesão, pelo menos aparentemente, relativamente à Bayer França e à Bayer Espanha, à condição da proibição de exportar imposta pelo seu fornecedor no âmbito das relações comerciais continuadas que estes grossistas mantinham com ele. A este respeito, a Comissão precisou nos considerandos 182 e 183 da decisão impugnada:

«182
Os grossistas, utilizando diferentes sistemas para obterem fornecimentos, em especial o sistema de repartição pelas diferentes agências das encomendas destinadas à exportação [...] e a encomenda feita a outros pequenos grossistas ‘não controlados’ [...] adaptaram‑se, na apresentação das suas encomendas, à exigência da Bayer França e da Bayer Espanha, segundo a qual era proibido exportar o produto.

183
Passaram a encomendar apenas o necessário para cobrir as necessidades nacionais, no plano da apresentação das suas encomendas ao seu fornecedor Bayer França ou Bayer Espanha. Começaram [então], depois de aquelas sociedades terem compreendido o primeiro mecanismo, a respeitar as ‘quotas’ nacionais impostas pelo seu parceiro, negociando o melhor possível para as inflacionar ao máximo, na medida em que se submeteram à aplicação estrita e ao respeito dos valores considerados normais pela Bayer França e Bayer Espanha para o abastecimento do mercado nacional.»

9
Daí a Comissão concluiu, no considerando 184 da decisão impugnada, que este comportamento demonstrava a adesão dos grossistas à proibição de exportar as mercadorias que se inseria no âmbito das relações comerciais continuadas entre a Bayer França e a Bayer Espanha e respectivos grossistas. Por conseguinte, havia, na sua opinião, um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

10
Por conseguinte, a Comissão concluiu no artigo 1.° da decisão impugnada que «[a] proibição de exportar os produtos ADALATE e ADALATE 20 mg LP de França e os produtos ADALAT e ADALAT‑RETARD de Espanha para outros Estados‑Membros acordada no âmbito de relações comerciais continuadas entre a Bayer França e os seus grossistas desde 1991 e desde pelo menos 1989 entre a Bayer Espanha e os seus grossistas, constitui uma infracção ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, imputável à Bayer AG».

11
Nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, a Bayer devia:

«[pôr] termo à infracção descrita no artigo 1.° e, nomeadamente:

[enviar], no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, uma circular aos grossistas em França e em Espanha precisando que as exportações são permitidas na Comunidade Europeia e não são sancionadas,

[indicar], no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, esses elementos de forma clara nas condições gerais de venda aplicáveis em França e em Espanha».

12
Por força do artigo 3.° da decisão impugnada, foi aplicada à Bayer uma coima no montante de três milhões de ecus, fixando o artigo 4.° desta decisão uma sanção pecuniária compulsória no valor de 1 000 ecus por cada dia de atraso na execução das obrigações específicas referidas no artigo 2.° da mesma decisão, a partir de um prazo de dois meses previsto para a sua execução.

Processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

13
Através de petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Março de 1996, a Bayer pediu a anulação da decisão impugnada. Por requerimento separado registado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, apresentou igualmente um pedido de suspensão de execução do artigo 2.° dessa decisão. Por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1996, foi suspensa a execução e reservou‑se para final a decisão quanto às despesas.

14
Em 1 de Agosto de 1996, uma associação alemã de importadores de medicamentos, a BAI, pediu para ser autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Em 26 de Agosto de 1996, a European Federation of Pharmaceutical Industries’ Associations (a seguir «EFPIA»), uma associação profissional europeia que representa os interesses de dezasseis associações profissionais nacionais relativas aos sectores dos medicamentos, pediu para ser autorizada a intervir em apoio dos pedidos da Bayer. Através de despachos de 8 de Novembro de 1996, o Presidente da Quinta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância autorizou as intervenções das duas intervenientes.

15
Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo, previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou por escrito uma série de questões à Bayer e à Comissão, convidando‑as a responder às mesmas na audiência. As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal, na audiência de 28 de Outubro de 1999.

16
Através do acórdão impugnado, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão controvertida e condenou a Comissão a suportar as despesas da Bayer porque aquela instituição tinha feito uma apreciação errada dos factos do caso concreto e tinha cometido um erro na sua apreciação jurídica, ao considerar provada uma concordância de vontades entre a Bayer e os grossistas referidos nessa decisão, que permitia concluir pela existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, destinado a impedir ou a limitar as exportações do Adalat de França e de Espanha para o Reino Unido.

17
Para chegar a esta solução, o Tribunal de Primeira Instância começou por resumir, nos n.os 66 a 72 do acórdão recorrido, a jurisprudência relativa ao conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, especialmente, a que consiste em basear tal acordo no comportamento aparentemente unilateral do fabricante. A este respeito, salientou, designadamente, que «quando uma decisão por parte do fabricante constitui um comportamento unilateral da empresa, esta decisão escapa à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado» (n.° 66). O mesmo Tribunal prosseguiu precisando que «há que distinguir as hipóteses em que uma empresa adoptou uma medida verdadeiramente unilateral e, portanto, sem a participação expressa ou tácita de uma outra empresa, daquelas em que o carácter unilateral é unicamente aparente. Se as primeiras não são abrangidas pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as segundas devem ser vistas como revelando um acordo entre empresas e podem cair, deste modo, no âmbito de aplicação desse artigo. Tal é o caso, nomeadamente, das práticas e medidas restritivas da concorrência que, adoptadas aparentemente de modo unilateral pelo fabricante no quadro das suas relações contratuais com os seus revendedores, recebem todavia a aquiescência, pelo menos tácita, destes últimos» (n.° 71).

18
Neste quadro, e face ao reconhecimento por parte da Bayer de que, embora tenha adoptado uma política unilateral destinada a reduzir as importações paralelas, não previu, no entanto, nem impôs uma proibição de exportar, o Tribunal de Primeira Instância considerou que, nestas circunstâncias, «a fim de determinar se a Comissão [tinha demonstrado] de modo suficiente a existência de uma concordância de vontades entre as partes quanto à limitação das exportações paralelas, [havia] que examinar se, como a [Bayer] sustenta, a Comissão apreciou erradamente as vontades respectivas da Bayer e dos grossistas» (n.° 77 do acórdão recorrido).

19
Assim, em relação à alegada vontade da Bayer de impor uma proibição de exportar, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n.° 109 do acórdão recorrido, que a Comissão não demonstrou suficientemente «nem que a Bayer França e a Bayer Espanha impuseram uma proibição de exportar aos seus grossistas respectivos, nem que a Bayer pôs em prática um controlo sistemático do destino final efectivo das caixas de Adalat fornecidas depois da adopção da sua nova política de fornecimento, nem que a [Bayer] aplicou uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas exportadores, nem que subordinou os fornecimentos deste produto ao respeito dessa pretensa proibição de exportar». De acordo com o Tribunal de Primeira Instância, também não resulta dos documentos reproduzidos na decisão impugnada que a Bayer tenha tentado obter qualquer acordo da parte dos grossistas relativamente à adopção da sua política destinada a reduzir as importações paralelas. Na sua opinião, os documentos invocados pela Comissão não constituem material probatório em apoio da afirmação segundo a qual a Bayer subordinava a sua política de fornecimento a cada grossista ao comportamento efectivo deste quanto ao destino final dos produtos fornecidos.

20
Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância analisou, nos n.os 111 a 157 do acórdão recorrido, a atitude e o comportamento efectivo dos grossistas no quadro da análise da existência de um acordo na acepção do artigo 85.° n.° 1, do Tratado. O Tribunal concluiu num primeiro momento que a conclusão da Comissão, segundo a qual os grossistas se terão alinhado pela pretensa proibição de exportar, não é apoiada por factos, designadamente porque a Comissão não tinha provado de forma suficiente que a Bayer tinha imposto uma proibição de exportar aos seus grossistas, nem que os fornecimentos estavam subordinados ao respeito dessa pretensa proibição de exportar (n.os 119 e 122 do acórdão recorrido).

21
Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância analisou a questão de saber se, perante o comportamento efectivo dos grossistas, na sequência da adopção pela Bayer da sua nova política de restrição dos fornecimentos, a Comissão tinha motivos para concluir haver da parte dela uma aquiescência a esta política (n.° 124). Após ter tomado em consideração os documentos referidos na decisão impugnada, o Tribunal de Primeira Instância decidiu o seguinte:

«151
Resulta da análise da atitude e do comportamento efectivo dos grossistas que é sem fundamento que a Comissão pretende que os mesmos se alinharam pela política da [Bayer] destinada a reduzir as importações paralelas.

152
O argumento assente no facto de que os grossistas em causa tinham reduzido as suas encomendas para um nível determinado, a fim de dar à Bayer a impressão de que satisfaziam a sua vontade declarada de só cobrir as necessidades do seu mercado tradicional e que agiam desta forma para escaparem às suas sanções deve ser rejeitado, porque a Comissão não provou que a Bayer tenha exigido ou negociado a adopção de qualquer comportamento da parte dos grossistas quanto ao desvio para a exportação das caixas de Adalat fornecidas, e que tenha aplicado sanções aos grossistas exportadores ou ameaçado fazê‑lo.

153
Pelas mesmas razões, a Comissão não pode afirmar que a redução das encomendas só podia ser entendida pela Bayer como um sinal de que os grossistas tinham aceite as suas exigências, nem sustentar que foi porque satisfizeram as exigências da [Bayer] que tiveram de obter quantidades suplementares destinadas à exportação junto dos grossistas que não eram ‘suspeitos’ aos olhos daquela e cujas encomendas mais importantes seriam cumpridas sem dificuldade.

154
Além disso, resulta claramente dos considerandos da decisão [impugnada] examinados supra que os grossistas continuaram a tentar obter caixas de Adalat para a exportação e persistiram nesta linha de actuação, mesmo se, para o efeito, consideraram mais útil utilizar diferentes sistemas para serem fornecidos, ou seja, por um lado, o sistema de repartição das encomendas destinadas à exportação pelas diferentes agências e, por outro, o que consiste em fazer indirectamente as encomendas passando pelos pequenos grossistas. Nestas circunstâncias, o facto de os grossistas terem mudado de política quanto às encomendas e instaurado diversos sistemas de discriminação ou de diversificação das encomendas, fazendo‑as de modo indirecto, não pode ser interpretado como uma prova da sua vontade de satisfazer a Bayer nem como uma resposta a um eventual pedido ou petição desta. Pelo contrário, tal facto podia ser considerado demonstrativo da firme intenção por parte dos grossistas de continuarem a praticar exportações paralelas de Adalat.

155
Na ausência de prova de qualquer exigência da [Bayer] quanto ao comportamento dos grossistas em relação às exportações das caixas de Adalat fornecidas, o facto de os mesmos terem adoptado medidas para obter quantidades suplementares só pode ser interpretado como um desmentido da sua pretensa aquiescência. Por estas mesmas razões, deve ser rejeitado o argumento da Comissão segundo o qual, nas presentes circunstâncias, é normal que certos grossistas tenham tentado obter por outras vias fornecimentos suplementares dado que se deviam comprometer perante a Bayer a não exportar e por conseguinte a encomendar quantidades reduzidas, não susceptíveis de ser exportadas.

156
Por fim, verifica‑se que a Comissão não provou que os grossistas tenham querido prosseguir os objectivos da Bayer, nem querido fazer‑lho crer. Os documentos supra examinados demonstram pelo contrário que os grossistas adoptaram um comportamento para contornar a nova política da Bayer de restrição dos fornecimentos ao nível das encomendas tradicionais.

157
Assim, foi erradamente que a Comissão considerou que o comportamento efectivo dos grossistas prova suficientemente a sua aquiescência à política da [Bayer] de impedir as importações paralelas.»

22
Finalmente, o Tribunal de Primeira Instância prosseguiu o seu raciocínio analisando a jurisprudência invocada pela Comissão para demonstrar, no caso vertente, a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e concluiu, no n.° 171 do acórdão recorrido, que esta última não podia invocar eficazmente os precedentes jurisprudenciais para pôr em causa a análise que levou o Tribunal a concluir, no caso vertente, que não estava demonstrada a aquiescência dos grossistas à nova política da Bayer e que, por consequência, a Comissão não conseguiu provar a existência de tal acordo.

23
No que respeita ao acórdão de 11 de Janeiro de 1990, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão (C‑277/87, Colect., p. I‑45), o Tribunal de Primeira Instância decidiu o seguinte:

«161
Esse processo dizia respeito à aplicação, pela Comissão, de sanções a uma filial de uma empresa farmacêutica multinacional, Sandoz, culpada de ter inserido nas facturas que enviava aos clientes (grossistas, farmácias e hospitais) a menção expressa ‘exportação proibida’. A Sandoz não tinha contestado a existência desta menção nas suas facturas, mas tinha posto em questão a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso depois de ter respondido a cada um dos argumentos suscitados pela recorrente. O Tribunal de Justiça considerou que o envio das facturas com a referida menção não era um comportamento unilateral mas inseria‑se, pelo contrário, no quadro geral das relações comerciais que a empresa tinha com os seus clientes. Chegou a esta conclusão depois de ter examinado o modo como a empresa procedia antes de autorizar um novo cliente a comercializar os seus produtos e tendo em conta as práticas reiteradas e aplicadas de modo uniforme e sistemático a cada operação de venda (n.° 10 do acórdão). Foi nesta fase do seu raciocínio que o Tribunal de Justiça tratou a questão da aquiescência dos parceiros comerciais à proibição de exportar, mencionada na factura, nos seguintes termos:

‘Há que salientar, além disso, que os clientes da Sandoz PF receberam a mesma factura tipo depois de cada encomenda individual ou, consoante o caso, depois do fornecimento dos produtos. As encomendas reiteradas de produtos e os pagamentos sucessivos sem protestos pelo cliente dos preços indicados nas facturas, com a menção ’exportação proibida’, constituíam da parte deste uma aquiescência tácita às cláusulas estipuladas na factura e ao tipo de relações comerciais subjacentes às relações de negócios entre a Sandoz PF e a sua clientela. O acordo inicialmente dado pela Sandoz PF fundava‑se assim na aceitação tácita por parte dos clientes da linha de conduta adoptada pela Sandoz PF a seu respeito.’

162
Ora cabe assinalar que, só depois destas verificações, o Tribunal de Justiça concluiu que a Comissão podia considerar que ‘o conjunto de relações comerciais continuadas, de que a cláusula de ’exportação proibida’ fazia parte integrante, estabelecidas entre a Sandoz PF e os seus clientes, eram regidas por um acordo geral prévio aplicável às inúmeras encomendas individuais de produtos Sandoz. Tal acordo é abrangido pelas disposições do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado’.

163
Embora os dois processos sejam semelhantes na medida em que visam atitudes de grupos farmacêuticos destinadas a impedir as importações paralelas de medicamentos, as circunstâncias concretas que os caracterizam são muito diferentes. Em primeiro lugar, contrariamente ao presente caso, no processo Sandoz [prodotti farmaceutici/Comissão], o fabricante tinha introduzido expressamente em todas as suas facturas uma cláusula restritiva da concorrência, que, figurando reiteradamente nos documentos relativos a todas as transacções, constituía, assim, parte integrante das relações contratuais entre ele e os seus grossistas. Em segundo lugar, o comportamento efectivo destes em relação à cláusula, que a tinham de facto respeitado e sem a discutir, demonstrava a sua aquiescência tácita à referida cláusula e ao tipo de relações comerciais subjacentes. Em contrapartida, no caso vertente, não se verifica nenhuma das duas circunstâncias principais do processo Sandoz [prodotti farmaceutici/Comissão]; não há nem cláusula formal de proibição de exportar nem comportamento de não contestação ou de aquiescência, nem na forma, nem na realidade.»

24
No que respeita ao acórdão de 8 de Fevereiro de 1990, Tipp‑Ex/Comissão (C‑279/87, Colect., p. I‑261), também invocado pela Comissão, em que a decisão desta última que aplicava sanções relativamente a um acordo destinado a impedir as exportações foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, ao passo que, ao contrário do processo que originou o acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, não havia estipulação escrita respeitante à proibição de exportar, o Tribunal de Primeira Instância considerou:

«165
Nesse processo, tratava‑se de um contrato de distribuição exclusiva entre a Tipp‑Ex e o seu distribuidor francês, DMI, que se tinha conformado à exigência do fabricante de aumentar tanto quanto necessário os preços pedidos a um cliente para lhe tirar todo e qualquer interesse económico em importações paralelas. Além disso, fora demonstrado que o fabricante efectuava controlos posteriores de modo a incitar o distribuidor exclusivo a adoptar efectivamente este comportamento [considerando 58 da Decisão 87/406/CEE da Comissão, de 10 de Julho de 1987, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (JO L 222, p. 1)]. Os n.os 18 a 21 do acórdão mostram o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça que, depois de ter verificado a existência de um acordo verbal de distribuição exclusiva para a França entre a Tipp‑Ex e a DMI, e de ter recordado os factos principais, quis examinar a reacção e, portanto, o comportamento adoptado pelo distribuidor na sequência da atitude de penalização adoptada pelo fabricante. O Tribunal de Justiça verificou então que o distribuidor ‘reagiu aumentando de 10 a 20% os preços da empresa ISA France. Depois da interrupção, durante todo o ano de 1980, das compras da ISA France à DMI, esta última sociedade recusou, no início de 1981, fornecer ela própria produtos Tipp‑Ex à ISA France’. Foi apenas depois destas verificações em relação ao comportamento do fabricante e do distribuidor que o Tribunal de Justiça chegou à sua conclusão sobre a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado:

‘Está portanto provado que a DMI deu seguimento ao pedido da Tipp‑Ex de não vender a clientes que revendem os produtos Tipp‑Ex noutros Estados‑Membros’ (n.° 21 do acórdão).

166
Por conseguinte, contrariamente ao que aqui se verifica, no processo que deu origem ao acórdão Tipp‑Ex/Comissão, já referido, não havia dúvidas quanto ao facto de que a política consistente em impedir as exportações paralelas tinha sido organizada pelo fabricante com a cooperação dos distribuidores. Como indicado nesse acórdão, tal vontade era já manifesta nos contratos verbais e escritos existentes entre as duas partes (v. n.os 19 e 20 do acórdão quanto ao distribuidor DMI e n.os 22 e 23 quanto ao distribuidor Beiersdorf) e, se pudessem subsistir quaisquer dúvidas, a análise do comportamento dos distribuidores, pressionados pelo fabricante, provava muito claramente a sua aquiescência às intenções restritivas da concorrência da Tipp‑Ex. A Comissão tinha provado não só que os distribuidores tinham reagido às ameaças e às pressões do fabricante mas também que pelo menos um de entre eles tinha enviado ao fabricante as provas da sua cooperação. Há que acrescentar, por fim, que a própria Comissão observa aqui que, no acórdão Tipp‑Ex[/Comissão], para julgar da existência de um acordo, o Tribunal de Justiça seguiu a abordagem consistente em analisar a reacção dos distribuidores ao comportamento do fabricante contra as exportações paralelas e que foi ao considerar esta reacção do distribuidor que o Tribunal de Justiça concluiu que devia existir entre ele e a Tipp‑Ex um acordo destinado a impedir as exportações paralelas.

167
Daqui resulta que este acórdão, como o acórdão Sandoz [prodotti farmaceutici/Comissão], mais não faz do que confirmar a jurisprudência segundo a qual, se comportamentos do fabricante aparentemente unilaterais podem estar na origem de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tal só se verifica se o comportamento ulterior dos grossistas ou clientes puder ser interpretado como uma aquiescência de facto. Não estando essa condição aqui satisfeita, a Comissão não pode invocar a pretensa similitude entre estes dois processos para apoiar a sua tese da existência de uma aquiescência no presente processo.»

25
Quanto aos processos que deram origem aos acórdãos de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151), e de 17 de Setembro de 1985, Ford/Comissão (25/84 e 26/84, Recueil, p. 2725), o Tribunal de Primeira Instância declarou:

«170
No acórdão AEG/Comissão, já referido, em que as respectivas vontades do fabricante e dos distribuidores não eram evidentes e no qual o recorrente invocava expressamente o carácter unilateral do seu comportamento, o Tribunal de Justiça considerou que, no quadro de um sistema de distribuição selectiva, uma prática por força da qual o fabricante, a fim de manter um nível de preços elevado ou de excluir certas vias de comercialização modernas, recusa aprovar distribuidores que satisfazem os critérios qualitativos do sistema ‘não constitui um comportamento unilateral da empresa que, como sustenta a AEG, escape à proibição do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Insere‑se, em contrapartida, nas relações contratuais que a empresa mantém com os revendedores’ (n.° 38). Ora, em seguida, o Tribunal de Justiça quis verificar a existência da aquiescência dos distribuidores precisando que ‘[c]om efeito, no caso de admissão de um distribuidor, a aprovação funda‑se na aceitação, expressa ou tácita, pelos contraentes, da política prosseguida pela AEG exigindo, nomeadamente, a exclusão da rede de distribuidores com as qualidades para serem admitidos na mesma, mas não estando dispostos a aderir a esta política’ (n.° 38). Esta abordagem foi confirmada nos outros casos de distribuição selectiva julgados pelo Tribunal de Justiça (v. acórdãos Ford e Ford Europa/Comissão, já referido, n.° 21 [de 22 de Outubro de 1986, Metro/Comissão, dito ‘Metro II’, 75/84, Colect., p. 3021], n.os 72 e 73, e [de 24 de Outubro de 1995,] Bayerische Motorenwerke [C‑70/93, Colect., p. I‑3439], n.os 16 e 17.»

26
Quanto ao acórdão de 12 de Julho de 1979, BMW Belgium e o./Comissão (32/78 e 36/78 a 82/78, Recueil, p. 2435), o Tribunal de Primeira Instância considerou:

«169
Com efeito, no acórdão BMW Belgium e o./Comissão, já referido, para determinar se tinha havido um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, entre a BMW Belgium e os seus concessionários belgas, o Tribunal de Justiça examinou os actos susceptíveis de demonstrar a existência de um acordo, na ocorrência circulares dirigidas aos concessionários BMW, ‘tanto quanto ao seu teor como em relação ao contexto material e jurídico em que se inserem e em relação ao comportamento das partes’ e concluiu que as circulares em questão ‘eram constitutivas de uma manifestação de vontade destinada a fazer cessar toda e qualquer exportação de veículos BMW novos a partir da Bélgica’ (n.° 28). Acrescentou que ‘ao dirigir estas circulares a todos os concessionários belgas, a BMW Belgium tinha‑se tornado o promotor da conclusão com estes concessionários de um acordo destinado à cessação total destas exportações’ (n.° 29). Ora, resulta do n.° 30 desse acórdão que o Tribunal de Justiça quis confirmar a existência de uma aquiescência dos concessionários.»

27
Além disso, o Tribunal de Primeira Instância afastou, nos n.os 173 a 181 do acórdão recorrido, a tese da Comissão segundo a qual a mera constatação do facto de que os grossistas não interromperam as suas relações comerciais com a Bayer depois da introdução, por esta última, da sua nova política destinada a restringir as exportações permite‑lhe considerar estabelecida a existência de um acordo entre empresas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. No entanto, considerou que a prova de um acordo na acepção desta disposição deve assentar na verificação directa ou indirecta do elemento subjectivo que caracteriza o próprio conceito de acordo, ou seja, a existência de uma concordância de vontades entre operadores económicos.

28
Em especial, nos n.os 179 a 182 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância censura a Comissão por ter tentado ampliar o âmbito de aplicação das «regras aplicáveis às empresas» tais quais constam no título V, capítulo 1, secção 1, da parte III do Tratado.

29
Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão impugnada, sem ter examinado os fundamentos invocados a título subsidiário pela Bayer, assentes numa pretensa aplicação errada do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a comportamentos legítimos, em conformidade com o artigo 47.° do Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23), e de uma aplicação errada do artigo 15.° do Regulamento n.° 17, do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204), na aplicação de uma coima à Bayer.


Processo e pedidos das partes

30
Através de despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 28 de Março de 2001, os processos C‑2/01 P e C‑3/01 P foram apensos para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

31
Em 9 de Abril de 2001, a European Association of Euro Pharmaceutical Companies (a seguir «EAEPC»), uma associação europeia que representa os interesses das empresas farmacêuticas europeias, pediu para intervir em apoio dos pedidos da BAI e da Comissão. Através de despacho de 26 de Setembro de 2001, o Presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção da EAEPC.

32
Em 23 de Abril de 2001, o Reino da Suécia solicitou, nos termos do artigo 37.°, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, a autorização para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Através de despacho de 25 de Junho de 2001, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção do Reino da Suécia.

33
A BAI conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e negar provimento aos pedidos da Bayer em primeira instância;

subsidiariamente, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância;

condenar a Bayer nas despesas, incluindo as despesas suportadas pela BAI em razão da sua intervenção em primeira instância.

34
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e negar provimento ao recurso interposto pela Bayer da decisão impugnada;

condenar a Bayer, recorrente em primeira instância, nas despesas dos processos no Tribunal de Justiça e no Tribunal de Primeira Instância.

35
A Bayer, recorrente em primeira instância, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar improcedente na totalidade o recurso da Comissão;

condenar a Comissão nas despesas referentes do recurso.

36
A EFPIA, interveniente em apoio dos pedidos da Bayer em primeira instância, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

julgar improcedente o recurso da Comissão e da BAI;

condenar a Comissão no reembolso das despesas que a EFPIA suportou.

37
O Reino da Suécia, interveniente em apoio dos pedidos da Comissão, pede a anulação do acórdão recorrido.

38
A EAEPC, interveniente em apoio dos pedidos da BAI e da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular o acórdão recorrido e julgar improcedente o pedido da Bayer em primeira instância;

a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância;

condenar a Bayer nas despesas.


Resumo dos fundamentos das partes

39
Em apoio do recurso, a BAI apresenta três fundamentos assentes, o primeiro, numa incompleta tomada em consideração dos factos em que se baseia a decisão impugnada, o segundo, numa apreciação errada dos elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, violando as regras sobre o ónus da prova, e o terceiro, num erro de direito relativo aos critérios jurídicos considerados para determinar a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

40
Por seu lado, a Comissão faz uma crítica de carácter geral à abordagem restritiva seguida pelo Tribunal de Primeira Instância para a aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado às restrições à exportação, e invoca cinco fundamentos mais precisos, assentes essencialmente numa interpretação demasiado restritiva do conceito de «acordo» na acepção da referida disposição, num erro de direito quanto à aplicação desta disposição e numa desvirtuação das provas.

41
Os fundamentos que incidem sobre a apreciação jurídica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no que respeita ao conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado suscitam, em geral, a questão de saber se o Tribunal de Primeira Instância acolheu uma interpretação excessivamente restritiva desta disposição, ao excluir que se possa considerar concluído um acordo que implica uma proibição de exportar numa situação como a examinada no presente processo.


Observação preliminar

42
Antes de examinar os fundamentos invocados, há que salientar que, na decisão impugnada, a Comissão se limitou apenas a analisar uma só acusação assente na existência de um «acordo», na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, entre a Bayer e os seus grossistas, no âmbito de um contrato definido por referência às indicações terapêuticas essenciais do produto em questão, a saber, o Adalat. Por conseguinte, há que precisar que no presente processo não estão em causa nem a eventual aplicação de outros elementos do referido artigo 85.°, ou do artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), nem outras definições possíveis do mercado pertinente.


Quanto aos fundamentos que se referem ao apuramento da matéria de facto

43
Quer a BAI quer a Comissão põem em causa o apuramento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, alegando que este último tomou em consideração de forma incompleta os factos em que se baseou a Comissão, relativos, respectivamente, aos controlos alegadamente efectuados pela Bayer quanto ao destino final dos produtos fornecidos e à vontade dos grossistas de fazerem crer a esta última que passariam a efectuar encomendas em função apenas das necessidades do respectivo mercado nacional.

Quanto aos controlos alegadamente efectuados pela Bayer

Argumentos das partes

44
Através do seu primeiro fundamento, a BAI contesta, como sendo inexacta, a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, que consta do n.° 109 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão não demonstrou que a Bayer pôs em prática um controlo do destino final dos produtos fornecidos aos grossistas espanhóis e franceses. Alega, por conseguinte, que o Tribunal de Primeira Instância chegou a uma apreciação jurídica errada, uma vez que a sua conclusão relativa à inexistência de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, foi obtida negligenciando elementos pertinentes do processo.

45
Apoiando‑se nos termos dos documentos a que se refere a Comissão nos n.os 140 e 80 da decisão impugnada, a BAI salienta que a Bayer conseguiu chegar até aos grossistas espanhóis através dos números de série dos lotes encontrados no Reino Unido. Contrariamente à apreciação do Tribunal de Primeira Instância, a BAI considera que resulta desses documentos que tais controlos ocorreram, mesmo que só tenham incidido sobre um número limitado de lotes.

46
Quer a Bayer quer a EFPIA consideram inadmissível este fundamento, na medida em que tem apenas por objecto contestar a apreciação dos factos efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 105, 108 e 109 do acórdão recorrido. A Bayer precisa que esse fundamento se baseia numa versão errada dos factos, uma vez que, mesmo se os números de série «permitem» chegar aos grossistas exportadores, eles não provam que tais controlos tenham efectivamente sido efectuados. Em qualquer caso, a Bayer nega que os números de série permitam determinar certos operadores individuais, na medida em que um dado número figura, normalmente, nas embalagens fornecidas a diversos grossistas.

Apreciação do Tribunal de Justiça

47
Por força dos artigos 225.° CE e 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, segundo os quais o recurso perante o Tribunal de Justiça está limitado às questões de direito, só o Tribunal de Primeira Instância tem competência, por um lado, para apurar a matéria de facto, excepto nos casos em que a inexactidão material das suas conclusões resulte dos documentos dos autos que lhe foram apresentados, e, por outro, para a apreciação dessa matéria de facto, sob reserva da desvirtuação dos elementos de prova. Quando o Tribunal de Primeira Instância tenha apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça só é competente para exercer, por força do referido artigo 225.° CE, a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância (acórdão de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 21).

48
Ora, através do seu primeiro fundamento, a BAI apenas contesta a apreciação da matéria de facto do Tribunal de Primeira Instância e, designadamente, o facto de este último, tomando em consideração os documentos mencionados na decisão impugnada, ter concluído que a Comissão não demonstrou suficientemente a existência de um «controlo sistemático», posto em prática pela Bayer, do destino final dos lotes de Adalat fornecidos aos grossistas, depois da adopção da sua nova política em matéria de fornecimento de medicamentos. A questão prévia de admissibilidade invocada pela Bayer e pela EFPIA é, portanto, procedente e o primeiro fundamento da BAI deve se julgado inadmissível.

Quanto à vontade dos grossistas de fazerem crer à Bayer que passariam a efectuar encomendas apenas em função das necessidades do respectivo mercado nacional

Argumentos das partes

49
Com o seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância não tomou em consideração ou desvirtuou determinados meios de prova existentes quando considerou, no n.° 126 do acórdão recorrido, que os documentos invocados pela Comissão na decisão impugnada não demonstravam que os grossistas queriam dar a impressão à Bayer de que seguiam a nova política comercial desta última.

50
A Comissão alega, por um lado, que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta que foi pedida discrição às agências locais de grossistas, entre as quais as encomendas destinadas à exportação eram repartidas, depois de a Bayer França ter recusado dar seguimento às encomendas destinadas abertamente à exportação e, por outro lado, que o Tribunal de Primeira Instância não teve em consideração o facto de a referida repartição das encomendas desejadas pelas agências locais não podia ter senão o objectivo de enganar a Bayer quanto aos projectos de exportação daqueles grossistas.

51
Além disso, a Comissão salienta tanto a vontade dos grossistas de enganarem a Bayer quanto ao nível das necessidades do mercado nacional, como o comprova a correspondência referida na decisão impugnada, como o carácter necessário de tal atitude, dada, por um lado, a vontade dos grossistas de continuarem a exportar os medicamentos e, por outro, a política da Bayer de apenas os fornecer para as necessidades do referido mercado.

52
A Bayer e a EFPIA replicam que a censura que incide sobre a alegada não tomada em consideração de determinados elementos de prova deve, de imediato, ser afastada, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância examinou e tomou em consideração, de forma detalhada, no acórdão recorrido, todos os documentos mencionados pela Comissão na decisão impugnada e que, portanto, este fundamento apenas é dirigido contra a matéria de facto apurada pelo Tribunal de Primeira Instância. No que respeita à censura relativa à pretensa desvirtuação dos elementos de prova, alegam, por um lado, que o Tribunal de Primeira Instância acolheu expressamente, nos n.os 125, 128, 131 e 143 a 152 do acórdão recorrido, o facto de algumas empresas terem simulado necessidades superiores para o mercado nacional e, por outro, que a Comissão nem sequer tentou provar que o Tribunal de Primeira Instância, ao considerar provas alegadamente «desvirtuadas», terá chegado a uma apreciação diferente. Na realidade, em sua opinião, a Comissão procurava de novo, recusar o apuramento dos factos efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância.

Apreciação do Tribunal de Justiça

53
Em primeiro lugar, há que observar que, no âmbito da sua análise quanto à questão de saber se, na falta de prova de uma tentativa da Bayer para obter o acordo ou a aquiescência dos grossistas à sua nova política comercial, o comportamento efectivo destes últimos pode levar à conclusão de que consentiram nessa política, o Tribunal de Primeira Instância considerou todos os documentos invocados pela Comissão na decisão impugnada.

54
A este respeito, em lugar nenhum o Tribunal de Primeira Instância concluiu que os grossistas não tinham a intenção de enganar a Bayer quanto à sua vocação exportadora. Pelo contrário, limitou‑se a declarar que os documentos a que a Comissão se tinha referido não demonstravam que os grossistas tivessem querido dar a impressão à Bayer de que, para responder à vontade declarada por esta, estavam dispostos a reduzir as suas encomendas para um nível determinado.

55
Em segundo lugar, no que respeita à alegada desvirtuação dos elementos de prova, o Tribunal de Primeira Instância, por um lado, em nenhum lugar negou o facto de que, para reagir à política da Bayer, alguns grossistas tinham preferido efectuar encomendas repartindo‑as entre as suas agências locais, sob pretexto de um aumento das encomendas destinadas oficialmente ao mercado nacional.

56
Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu expressamente que os grossistas tinham tido negociações difíceis com a Bayer para a convencer de que as suas necessidades nacionais tradicionais eram mais elevadas e que era necessário satisfazer essas necessidades. Ora, o mesmo tribunal concluiu que esta circunstância não podia ser utilizada para demonstrar que os grossistas tinham consentido na política da Bayer.

57
Por conseguinte, o terceiro fundamento da Comissão deve ser julgado improcedente.


Quanto ao ónus da prova da existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

Argumentos das partes

58
Com o seu segundo fundamento, a BAI acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao admitir o princípio de que o ónus da prova de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, entre a Bayer e os grossistas em causa, incumbe exclusivamente à Comissão (n.os 119 a 121 do acórdão recorrido). Alega que, ao fazê‑lo, o Tribunal de Primeira Instância não aplicou o princípio reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 96), segundo o qual, quando os elementos recolhidos pela Comissão forem suficientes para demonstrar prima facie a existência de um acordo, incumbe à empresa visada a prova da falta de concordância de vontades entre esta última e os seus distribuidores.

59
A este respeito, a BAI alega que, de acordo com os factos referidos pela Comissão e não contestados pela Bayer, houve conversações entre esta última e os grossistas por ocasião das restrições à exportação instituídas pela Bayer. Nessas conversações, a Bayer manifestou claramente a sua vontade de impedir as importações paralelas através de uma contingentação das vendas. Além disso, esta vontade foi compreendida pelos grossistas, que acabaram por aceitar tal limitação. Embora o Tribunal de Primeira Instância tenha correctamente exposto todos estes factos, não extraiu deles as conclusões juridicamente exactas. Segundo a BAI, nos termos do acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, o Tribunal de Primeira Instância devia ter concluído que a existência de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, estava demonstrada prima facie, com a consequência de que incumbia à Bayer provar que não havia concordância de vontades. Por conseguinte, o acórdão recorrido estava, assim, baseado nesta aplicação errada do direito.

60
Na resposta, tanto a Bayer como a EFPIA alegam que o acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, que incide sobre factos diferentes dos do presente caso, não é de nenhuma forma transponível para este. A Bayer, apoiada pela EFPIA, considera que, na realidade, esta acusação se dirige contra a conclusão de facto do Tribunal de Primeira Instância de que a Comissão não produziu prova da existência de um acordo na acepção da referida disposição e, enquanto tal, é inadmissível ou improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

61
No que respeita à questão prévia de admissibilidade invocada pela Bayer e pela EFPIA, basta referir que a questão da repartição do ónus da prova, embora possa ter incidência no apuramento da matéria de facto pelo Tribunal de Primeira Instância, constitui uma questão de direito. Por conseguinte, essa questão prévia de admissibilidade não é procedente.

62
Quanto ao mérito, há que referir que, no acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, o Tribunal de Justiça, contrariamente ao que sugere a BAI, não alterou o princípio segundo o qual, em caso de litígio sobre a existência de uma infracção às regras de concorrência, compete à Comissão apresentar a prova da infracção por ela verificada e fornecer os elementos adequados à demonstração juridicamente satisfatória da existência dos factos constitutivos de tal infracção.

63
Com efeito, no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, foi demonstrado que um «acordo», na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tinha sido concluído numa reunião entre vários participantes. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que uma empresa que assistiu à referida reunião tem o ónus da prova, se quiser posteriormente alegar que não quis participar na instituição do acordo assim estabelecido. Daí resulta que a inversão do ónus da prova neste processo foi efectuada depois de ter sido demonstrada a existência de um acordo concluído numa reunião entre três empresas. Além disso, a possibilidade aberta à empresa em causa, que suportava o ónus da prova, consistia em subtrair‑se ao acordo concluído e não em negar a própria existência desse acordo. A BAI não pode, portanto, invocar utilmente o acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, em apoio do seu segundo fundamento, que não é fundado e deve, assim, ser julgado improcedente.


Quanto aos fundamentos relativos ao conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

64
Tanto a BAI como a Comissão criticam a apreciação jurídica excessivamente restritiva com base na qual o Tribunal de Primeira Instância decidiu que não existia acordo relativo a uma proibição de exportar, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

Observações de natureza geral sobre a apreciação do Tribunal de Primeira Instância quanto ao conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

65
A Comissão considera que o acórdão recorrido rompe com a jurisprudência anterior relativa ao conceito de «acordo», na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e que, ao fazê‑lo, redefine os critérios exigidos para provar a existência de uma proibição de exportar e de um acordo nessa matéria. A interpretação restritiva destes conceitos, bem como as exigências mais rigorosas relativas à prova da conclusão de um acordo entre um fabricante e um grossista que prevêem uma proibição de exportar, recoloca em questão a política desenvolvida pela Comissão para lutar contra as restrições à concorrência assentes num sistema de entraves às importações paralelas.

66
A este respeito, a EAEPC alega que o comércio paralelo é um corolário da realização do mercado interno. O Reino da Suécia invoca argumentos similares, salientando que o sector dos medicamentos ainda não foi objecto de uma harmonização completa a nível europeu e que é necessário encorajar as importações paralelas para impedir que o mercado, já sensível aos comportamentos desleais que têm como objectivo manter as diferenças de preços existentes entre Estados‑Membros, não seja mais entravado.

67
Recordando que é proibido aos Estados‑Membros restringirem, de qualquer forma, a livre circulação das mercadorias na medida em que isso não seja justificado pelo Tratado, a EAEPC alega que as restrições estatais não deveriam ser substituídas por restrições impostas por particulares.

68
Segundo a Bayer, apoiada pela EFPIA, as alegações que incidem sobre o âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado são manifestamente infundadas. As decisões e a jurisprudência relativas à aplicação dessa disposição às proibições de exportar têm exclusivamente por objecto os casos em que um fabricante tinha concluído previamente, expressa ou tacitamente, com os distribuidores, um acordo relativo a tal proibição, no âmbito do qual controlava a posteriori se essa proibição de exportar era respeitada e aplicava sanções às empresas que não respeitavam os termos deste acordo. Tal não é o caso do presente processo e, portanto, tais decisões não se lhe podem ser aplicadas.

69
Na realidade, o verdadeiro objectivo da Comissão é alargar o âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e fazer com que o «entrave às importações paralelas», incluído no princípio da livre circulação de mercadorias referido no artigo 30.° do Tratado CE (actual, após alteração, artigo 28.° CE), seja praticamente apresentado em si mesmo como infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. A Comissão tem expressamente por objecto, no presente processo, uma harmonização do preço dos medicamentos, através da aplicação desta disposição, sem proceder a uma harmonização das legislações dos Estados‑Membros, quando estas são a causa das diferenças de preços. De facto, são os Estados‑Membros e não a indústria farmacêutica que são responsáveis pela fixação de diferentes preços para um mesmo medicamento nos Estados‑Membros. Estas distorções da concorrência só podem ser eliminadas pela aplicação do artigo 30.° do Tratado e por uma harmonização das disposições nacionais relativas à fixação dos preços dos medicamentos.

70
A proposta que tem por objecto utilizar o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado para penalizar uma empresa que não tem posição dominante, que decide recusar os seus fornecimentos aos grossistas, para os impedir de efectuarem exportações paralelas, viola, manifestamente, as condições de aplicação necessárias do referido artigo 85.° e o espírito do Tratado. É verdade que, por força deste último, as medidas – adoptadas por um Estado‑Membro – que impedem as exportações paralelas são proibidas pelo artigo 30.° do Tratado, mas as medidas unilaterais tomadas por empresas privadas só estão sujeitas a restrições, por força dos princípios do referido Tratado, quando se trata de uma empresa que ocupa uma posição dominante no mercado, na acepção do artigo 86.° do mesmo Tratado, o que não é a situação do caso vertente.

71
É neste contexto que há que examinar os diferentes fundamentos assentes numa alegada interpretação demasiado restritiva pelo Tribunal de Primeira Instância do conceito de «acordo» na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

Quanto à necessidade de um sistema de controlos e sanções como condição prévia à existência de um acordo relativo a uma proibição de exportar

Argumentos das partes

72
A BAI, com a primeira parte, ponto i), do terceiro fundamento e a Comissão, com o primeiro fundamento, apoiadas neste ponto pelo Reino da Suécia, censuram o Tribunal de Primeira Instância de ter interpretado de modo excessivamente restritivo o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que considerou, erradamente, que a existência de um sistema de controlos do destino final dos lotes de Adalat fornecidos aos grossistas exportadores e de sanções aplicadas a estes últimos constitui uma condição necessária para se poder considerar concluído um acordo relativo a uma proibição de exportar.

73
A BAI salienta que, embora esse sistema de controlos e de sanções possa representar um indício da existência de um acordo, proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que pode ter o efeito de obrigar os parceiros comerciais em causa a manterem as suas promessas, isso não significa, ao invés, que a falta de tal sistema baste por si só para excluir a conclusão de um acordo. Remete, a este respeito, para os acórdãos, já referidos, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão e Ford/Comissão, nos quais o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um acordo anticoncorrencial sem haver tais controlos. A exigência da instituição de tal sistema de controlos e de sanções como condições cumulativas que permitem verificar a existência de um acordo que incide sobre uma proibição de exportação, proibido pela referida disposição, constitui, portanto, um erro na aplicação do direito.

74
A Comissão por sua vez acusa, especialmente, o Tribunal de Primeira Instância de ter considerado que um acordo relativo a uma proibição de exportar apenas existe quando seja instituído um sistema de controlos a posteriori sobre o destino efectivo final dos produtos fornecidos e sejam aplicadas sanções para garantir que os produtos não sejam exportados. Em sua opinião, tal acordo existe num caso como o do presente processo, em que se emprega uma técnica mais subtil do tipo preventivo, que põe em prática restrições aos fornecimentos, quando indícios suficientes permitem supor a existência de exportações. Com tal política de fornecimento, a proibição directa que se segue a um fornecimento concreto é substituída por uma proibição indirecta no momento em que são feitas as encomendas.

75
A este respeito, tanto o Reino da Suécia como a EAEPC observam que a Bayer, em vez de impor proibições de exportar manifestamente contrárias ao direito comunitário, procede, no futuro, a subtis restrições dos fornecimentos que, combinadas com a exigência de deter em permanência um stock de medicamentos suficiente, produzem o mesmo efeito que uma proibição de exportar. Portanto, a falta de prova relativa a um sistema de controlo a posteriori não reveste um significado decisivo.

76
Em resposta, tanto a Bayer como a EFPIA alegam que esse fundamento apenas tem por alvo, na realidade, o apuramento da matéria de facto realizado pelo Tribunal de Primeira Instância e que, por conseguinte, não é admissível. Além disso, a argumentação das recorrentes incide sobre uma interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado que não consta do acórdão recorrido. Salientando que o Tribunal de Primeira Instância se limitou a verificar o argumento de facto invocado pela Comissão segundo o qual a Bayer terá efectuado um controlo a posteriori do destino da mercadoria fornecida, esta última, apoiada pela EFPIA, alega que não está demonstrado no acórdão recorrido que só possa existir «acordo» relativo a uma proibição de exportar se o fabricante controlar a posteriori que o grossista exportou a mercadoria fornecida e se, neste caso, o sancionar, reduzindo os fornecimentos ou recusando‑se a fornecer os medicamentos.

77
Além disso, em relação à pretensa violação da jurisprudência na matéria, a Bayer precisa, na sua tréplica, que, ao contrário das circunstâncias do caso vertente, em todos os casos referidos pela Comissão, bem como em todos aqueles em que o Tribunal de Justiça se pronunciou até hoje, o fabricante tenta antes impedir a exportação das quantidades fornecidas, quer tenham sido antecipadamente sujeitas a um limite quer não, através de proibições de exportar expressas ou implícitas.

Apreciação do Tribunal de Justiça

78
Através destes fundamentos, as recorrentes censuram o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado como condição necessária para a existência de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a instituição de um sistema de controlos do destino final dos lotes de Adalat e de sanções contra os grossistas exportadores.

79
No entanto, não resulta de forma alguma do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância tenha considerado que só pode existir «acordo» relativo a uma proibição de exportar se existir tal sistema de controlos e de sanções aos grossistas.

80
O Tribunal de Primeira Instância, no âmbito da análise da alegada vontade da Bayer de impor uma proibição de exportar, decidiu, por um lado, «que a Comissão não demonstrou suficientemente nem que a Bayer França e a Bayer Espanha impuseram uma proibição de exportar aos seus grossistas respectivos, nem que a Bayer pôs em prática um controlo sistemático do destino final efectivo das caixas de Adalat fornecidas depois da adopção da sua nova política de fornecimento [...], nem que subordinou os fornecimentos deste produto ao respeito dessa pretensa proibição de exportar» (n.° 109 do acórdão recorrido).

81
Por outro lado, no âmbito do exame complementar sobre a alegada vontade dos grossistas de aderirem à política da Bayer, o Tribunal de Primeira Instância recordou, referindo‑se ao que acabara de decidir, que «a Comissão não provou de forma suficiente nem a adopção pela Bayer de uma política sistemática de vigilância do destino final das caixas de Adalat fornecidas, nem a aplicação de uma política de ameaças e de sanções em relação aos grossistas que as exportaram, nem, deste modo, que a Bayer França e a Bayer Espanha tenham imposto uma proibição de exportar aos seus grossistas, nem, por último, que os fornecimentos foram subordinados ao respeito da pretensa proibição de exportar» (n.° 119 do acórdão recorrido).

82
Resulta do acórdão recorrido que, ao concluir, assim, pela falta de um sistema de controlos a posteriori e de sanções instituído pela Bayer, o Tribunal de Primeira Instância, em primeiro lugar, tinha por objectivo responder ao argumento de facto invocado pela Comissão segundo o qual a Bayer tinha imposto aos grossistas uma proibição de exportar, que foi introduzida identificando os grossistas exportadores e aplicando‑lhes reduções sucessivas dos volumes de medicamentos fornecidos, quando se afigurasse que exportavam a totalidade ou parte desses produtos.

83
Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância não considerou, em todo o caso, que a falta de um sistema de controlos a posteriori e de sanções implicava, por si próprio, a inexistência de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. No entanto, tal falta foi encarada como um dos elementos pertinentes da análise, que incide sobre a alegada vontade da Bayer de impor uma proibição de exportar e, em consequência, sobre a existência de um acordo no caso vertente. A este respeito, embora a existência de um acordo não resulte necessariamente do facto de existir um sistema de controlos a posteriori e de sanções, a instituição de um tal sistema pode, contudo, constituir um indício da existência de um acordo.

84
Em relação às críticas sobre o alegado desrespeito dos acórdãos, já referidos, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão e Ford/Comissão, pelo facto de, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça não ter examinado se existia um sistema de controlos a posteriori e de sanções, antes de concluir pela existência de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, há que reafirmar que um controlo da existência de tal sistema não é necessário em todos os casos para que se considere concluído um acordo contrário a esta disposição.

85
No processo que originou o acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, o fabricante tinha enviado facturas aos seus fornecedores com a menção expressa «exportação proibida» que tinha sido tacitamente aceite pelos fornecedores (v. n.° 23 do presente acórdão). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça podia concluir pela existência de um acordo proibido pela referida disposição, sem ser obrigado a procurar a sua prova na existência de um sistema de controlos a posteriori.

86
No processo que originou o acórdão Ford/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a decisão de um fabricante de automóveis de não fornecer veículos com volante à direita aos concessionários alemães, a fim de lhes retirar a possibilidade de os exportar para o mercado britânico, constituía um acordo. Basta referir, no âmbito do presente fundamento, que, neste processo, se tratava de uma simples recusa da venda e não de uma venda alegadamente sujeita a determinadas condições impostas aos distribuidores e que, portanto, um sistema de controlos a posteriori teria, em todo o caso, sido supérfluo.

87
Quanto aos argumentos da Comissão, do Reino da Suécia e da EAEPC, segundo os quais tinha sido exigido um sistema de controlos a posteriori pelo sistema preventivo de abastecimento instituído pela Bayer, há que observar que estes argumentos tendem a salientar o carácter unilateral das práticas desta última no que respeita à restrição das importações paralelas.

88
O simples facto de a política unilateral de contingentação posta em prática pela Bayer, combinada com as exigências nacionais de provisões completas que incumbem aos grossistas, produzir o mesmo efeito que uma proibição de exportar, não significa nem que o fabricante tenha imposto tal proibição nem que existia um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

89
Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância, ao concluir que a Comissão não tinha demonstrado juridicamente a existência de um sistema de controlos a posteriori e de sanções aos grossistas, não cometeu um erro de direito. Há, portanto, que julgar improcedente o fundamento retirado pela BAI e pela Comissão do facto de que tal sistema de controlos a posteriori e de sanções dos grossistas não constitui condição necessária da existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

Quanto ao fundamento assente na necessidade de que o fabricante exija determinado comportamento dos grossistas ou procure obter a adesão destes à sua política

Argumentos das partes

90
A BAI, através da primeira parte, ponto ii), do terceiro fundamento, e a Comissão, através do seu segundo fundamento, censuram ao Tribunal de Primeira Instância o facto de ter interpretado de modo excessivamente restritivo o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que considerou erradamente que um acordo relativo a uma proibição de exportar só pode considerar‑se concluído se o fabricante pretender dos grossistas um determinado comportamento ou tentar obter a adesão destes à sua política destinada a impedir as importações paralelas. Em especial, não é necessário, na sua opinião, provar que a Bayer impunha aos grossistas uma proibição expressa de exportar para demonstrar a existência de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

91
A BAI, invocando designadamente os acórdãos, já referidos, Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão e Ford/Comissão, alega que um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, deve considerar‑se concluído pelo simples facto de os grossistas continuarem a abastecer‑se junto de um fabricante que manifestou a sua vontade de impedir as exportações paralelas porque, desse modo, aceitam, de facto, a política comercial deste último.

92
No mesmo sentido, a Comissão salienta que, para que haja acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, basta que as empresas em causa tenham expressado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de determinado modo. Censura o Tribunal de Primeira Instância por não ter considerado que, no caso vertente, a Bayer tinha expressado, de forma suficientemente clara, a sua vontade de ver os grossistas mudar a sua forma de encomendar e de abastecimento e que, portanto, este facto combinado com a alteração de comportamento destes últimos podia representar uma concordância de vontades entre a Bayer e os grossistas. A este respeito, a Comissão remete para os acórdãos AEG/Comissão e Ford/Comissão, já referidos, nos quais o Tribunal de Justiça não examinou se o fabricante tinha exigido dos seus comerciantes determinado comportamento ou até mesmo tentado obter o seu consentimento para as medidas por si adoptadas.

93
A BAI, a EAEPC e o Reino da Suécia salientam que, quando um produtor procede a uma limitação dos fornecimentos aos grossistas em função das necessidades do mercado nacional que servem, isso pode constituir um entrave às exportações quando é combinado com uma obrigação suplementar de fornecer prioritariamente um mercado determinado. Não é necessária nenhuma proibição expressa. Tal restrição dos fornecimentos tem inelutavelmente o efeito de uma proibição de exportação e, por conseguinte, de uma delimitação artificial dos mercados, uma vez que os fornecimentos já não são suficientes para permitir as exportações. Além disso, o Reino da Suécia observa que, em conformidade com a jurisprudência comunitária, designadamente com o acórdão Ford/Comissão, já referido, o comportamento da Bayer podia ser qualificado de recusa parcial de venda, aplicada de forma uniforme e sistemática à totalidade dos grossistas com sede em França e em Espanha, sendo tal comportamento susceptível de ser considerado uma disposição contratual contrária ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

94
Por sua vez, tanto a Bayer como a EFPIA consideram que o referido fundamento deve ser julgado improcedente, uma vez que faz uma leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância não subordinou, de forma alguma, a existência de um «acordo sobre uma proibição de exportar» à questão de saber se a Bayer tinha expressamente «exigido» ou de forma activa «tentado» obter a adesão dos grossistas a uma proibição de exportar. Além disso, este fundamento não suscita, na realidade, nenhum argumento de direito, mas contesta um apuramento dos factos, efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, no n.° 157 do acórdão recorrido, para julgar improcedente uma alegação de facto invocada pela própria Comissão, apuramento segundo o qual o comportamento efectivo dos grossistas não constituía prova suficiente para demonstrar que toleravam a política com o objectivo de impedir as importações paralelas. Por conseguinte, este fundamento é inadmissível.

95
Em relação à alegada violação da jurisprudência resultante dos acórdãos AEG/Comissão e Ford/Comissão, já referidos, que foi examinada pelo Tribunal de Primeira Instância, tanto a Bayer como a EFPIA alegam que a situação do caso vertente difere da dos processos que deram origem aos referidos acórdãos e negam, por conseguinte, que o Tribunal de Primeira Instância se tenha afastado dessa jurisprudência.

Apreciação do Tribunal de Justiça

96
Não resulta do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância tenha considerado que só pode existir acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, se um dos parceiros comerciais exigir do outro um comportamento determinado.

97
No entanto, no n.° 69 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância partiu do princípio de que o conceito de acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, se baseia na existência de uma concordância de vontades entre pelo menos duas partes, cuja forma de manifestação não é importante, desde que constitua a expressão fiel das mesmas. Além disso, recordou no n.° 67 do mesmo acórdão que, para que haja acordo, na acepção desta disposição, basta que as empresas em causa tenham expressado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada.

98
Todavia, sendo a questão que se coloca no caso vertente a de saber se uma medida adoptada ou imposta de forma aparentemente unilateral por um fabricante, no âmbito das relações continuadas que mantém com os seus grossistas, constitui um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o Tribunal de Primeira Instância analisou os argumentos da Comissão, tais como expostos no n.° 155 da decisão impugnada, segundo os quais a Bayer infringira este artigo devido ao facto de ter previsto «uma proibição de exportar, que se insere no âmbito das [...] relações comerciais contínuas [da Bayer França e da Bayer Espanha] com os seus clientes», proibição em relação à qual os grossistas adoptaram um «comportamento implícito de aquiescência» (n.° 74 do acórdão recorrido).

99
Em relação ao argumento segundo o qual o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que era necessário provar uma proibição expressa de exportar por parte da Bayer, resulta da análise efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância sobre o sistema de controlo da distribuição dos lotes de Adalat fornecidos (v. n.os 44 a 48 do presente acórdão) que o Tribunal não exigiu, de modo algum, a prova de uma proibição expressa.

100
No que respeita aos argumentos das recorrentes segundo os quais o Tribunal de Primeira Instância tinha que admitir que a manifestação da vontade da Bayer de restringir as importações paralelas podia constituir o fundamento de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, é certamente verdade que a existência de um acordo na acepção desta disposição pode ser deduzida do comportamento das partes em causa.

101
No entanto, tal acordo não se pode basear no que é apenas a expressão de uma política unilateral de uma das partes contratantes, que pode ser executada sem a assistência de outrem. Com efeito, considerar que um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado pode ser demonstrado apenas com base na expressão de uma política unilateral com o objectivo de impedir as importações paralelas teria o efeito de confundir o âmbito de aplicação dessa disposição com o do artigo 86.° do Tratado.

102
Para que se possa considerar concluído por aceitação tácita um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, é necessário que a manifestação de vontade de uma das partes contratantes, com um objectivo anticoncorrencial, constitua um convite à outra parte, quer seja expresso ou implícito, para a realização comum de tal objectivo, tanto mais que tal acordo não é à primeira vista do interesse da outra parte, ou seja dos grossistas, como no caso vertente.

103
Por conseguinte, foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância examinou se o comportamento da Bayer permitia concluir que esta última tinha exigido dos grossistas, como condição das suas futuras relações contratuais, que se conformassem com a sua nova política comercial.

104
No que respeita ao processo que deu origem o acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, invocado pelas recorrentes, é ponto assente que o fabricante procurou a cooperação dos grossistas a fim de eliminar ou reduzir as importações paralelas, sendo a sua cooperação, nas circunstâncias do referido processo, necessária para atingir esse objectivo. Em tal contexto, a inserção, pelo fabricante, da menção «exportação proibida» nas facturas equivalia a um pedido com vista a obter um comportamento especial por parte dos grossistas. Tal não é o caso do presente processo.

105
Além disso, as recorrentes invocaram os acórdãos, já referidos, AEG/Comissão e Ford/Comissão, alegando que, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça concluiu, no âmbito das medidas aparentemente unilaterais adoptadas pelo fabricante em relação aos seus distribuidores, pela existência de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, sem que se tenha, por essa razão, interrogado sobre a existência de uma exigência por parte desse fabricante.

106
No entanto, a necessidade de demonstrar a conclusão de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não se coloca nos processos que deram origem aos referidos acórdãos. Em contrapartida, a questão colocada era a de saber se as medidas adoptadas pelos fabricantes se inseriam nos acordos de distribuição selectiva concluídos anteriormente entre os fabricantes e seus distribuidores e, portanto, se estas medidas deviam ser tomadas em conta para apreciar a compatibilidade desses acordos com as regras da concorrência.

107
No processo que originou o acórdão AEG/Comissão, já referido, o fabricante, para a aplicação de um acordo de distribuição selectiva que tinha anteriormente sido julgado compatível com o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, tinha começado a recusar‑se a aceitar distribuidores que respondiam aos critérios qualitativos do referido acordo com o objectivo de manter um nível de preços elevado ou excluir determinadas vias de comercialização modernas. Por conseguinte, tratava‑se de demonstrar se a Comissão se podia basear no comportamento adoptado pelo fabricante na aplicação de um acordo de distribuição selectiva, para determinar se este, tal como era concretamente aplicado, era contrário ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

108
No processo que originou o acórdão Ford/Comissão, já referido, foi precisado, no seu n.° 12, que «as recorrentes e a Comissão [concordavam] em entender que o principal problema suscitado no [..] processo [era] se a Comissão podia negar ao contrato de concessão da Ford AG a isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado porque essa empresa tinha deixado de fornecer os veículos VD [com volante à direita] aos seus distribuidores alemães».

109
Por conseguinte, tendo já sido demonstrada a existência de um acordo susceptível de violar o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, o Tribunal de Justiça podia, nos referidos processos, contentar‑se em examinar a questão de saber se medidas posteriormente adoptadas pelo fabricante se inseriam no acordo em causa e se deviam, portanto, ser tomadas em consideração na análise da sua compatibilidade com a referida disposição. Assim, tal questão não corresponde à colocada no caso vertente, que consiste em saber se estava demonstrada a própria existência de um acordo anticoncorrencial. Consequentemente, as recorrentes não podiam invocar os acórdãos, já referidos, AEG/Comissão e Ford/Comissão em defesa da sua tese de que existia um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

110
Quanto aos argumentos do Reino da Suécia e da EAEPC, que alegam que resulta uma exigência do efeito combinado da política de limitação da Bayer e da obrigação nacional de armazenamento que incumbe aos grossistas, sem que seja necessário exigir de forma explícita uma limitação das exportações, basta recordar que tal argumento apenas demonstra o carácter unilateral da política comercial da Bayer, que podia ser executada sem a cooperação dos grossistas. Tendo sido afastada a aplicabilidade dos acórdãos, já referidos, AEG/Comissão e Ford/Comissão ao presente caso, há que salientar que essas partes intervenientes também não os podem invocar em apoio da sua argumentação. Por conseguinte, o simples facto de existir um entrave às importações paralelas não basta para demonstrar a existência de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

111
À luz do exposto, o fundamento assente na necessidade de que o fabricante exija aos grossistas a adopção de um determinado comportamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao fundamento assente na errada tomada em consideração da vontade real dos grossistas

Argumentos das partes

112
Com o seu quarto fundamento, a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao considerar que as condições de uma concordância de vontades não estão reunidas pelo facto de a vontade declarada dos grossistas (encomendar medicamentos apenas para as necessidades do mercado nacional) não corresponder à sua vontade real (encomendar medicamentos também para exportação). Por conseguinte, tendo‑se apenas referido à vontade real dos grossistas, o Tribunal de Primeira Instância interpretou de forma errada o conceito de acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

113
A este respeito, a Comissão sustenta, em especial, que no acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça não deu importância à vontade real ou a eventuais «reservas mentais» das empresas porque entendeu que para a conclusão de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, apenas é determinante a vontade declarada das empresas interessadas.

114
No mesmo sentido, a EAEPC e a BAI, esta última no âmbito do seu terceiro fundamento, primeira parte, ponto iii), alegam que o facto de os grossistas se terem oposto a uma política contrária aos seus interesses não é juridicamente susceptível de infirmar o facto de que, no fim de contas, aderiram a essa política. Embora a prática jurídica assente pressuponha uma concordância de vontades para se verificar a existência de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ela não exige de forma alguma uma concordância dos interesses das partes [v. Decisão 80/1283/CEE da Comissão, de 25 de Novembro de 1980, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/29702: Johnson & Johnson) (JO L 377, p. 16, n.° 28), bem como Decisão 87/406, já referida (n.° 49), e acórdão Ford/Comissão, já referido]. Além disso, a EAEPC remete para o acórdão de 20 de Setembro de 2001, Courage e Grehan (C‑453/99, Colect., p. I‑6297), do qual resulta que existe acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado mesmo se uma das partes nesse acordo é obrigada a concluí‑lo contra a sua própria vontade.

115
Segundo a Bayer e a EFPIA, este fundamento é inadmissível porque, essencialmente, torna a pôr em causa o apuramento da matéria de facto pelo Tribunal de Primeira Instância. Equiparando a vontade declarada dos grossistas a uma instrução por força da qual só encomendaram os medicamentos em causa para as necessidades do mercado nacional, as recorrentes tinham por objectivo contornar as conclusões do Tribunal de Primeira Instância nos n.os 151 a 153 do acórdão recorrido, segundo as quais os documentos objecto da decisão impugnada não demonstravam uma eventual propensão dos grossistas para respeitar, de uma forma ou outra, a política da Bayer.

116
Quanto ao mérito, a Bayer alega que, em caso de declaração explícita de vontade, apenas esta intervém, ao passo que uma vontade não manifestada ou uma «reserva mental», diferente da expressamente expressa, não desempenha nenhum papel. Pelo contrário, quando, como no caso vertente, se estiver em presença de «declarações implícitas de vontade», apenas deve ser tida em consideração a «vontade real» da parte interessada, tal como esta se exprime pelo seu comportamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

117
Em relação à questão prévia de admissibilidade invocada pela Bayer e pela EFPIA, há que indicar que o fundamento assente em falta de concordância de vontades não torna, de modo algum, a pôr em causa o apuramento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância. Pelo contrário, visa contestar o valor jurídico que este último atribuiu à vontade real dos grossistas, apesar da sua alegada vontade declarada. Por conseguinte, a questão prévia de admissibilidade não é procedente.

118
Quanto ao mérito, há que recordar que o Tribunal de Primeira Instância partiu do princípio geral segundo o qual «para que haja acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, basta que as empresas em causa tenham expressado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada» (n.° 67 do acórdão recorrido). Após ter concluído, no âmbito da análise da alegada vontade da Bayer de impor uma proibição de exportar, que esta última não tinha imposto tal proibição, o Tribunal de Primeira Instância procedeu a uma análise do comportamento dos grossistas de modo a determinar se existia, apesar disso, um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

119
Neste contexto, o Tribunal de Primeira Instância, por um lado, julgou improcedente a tese segundo a qual estava demonstrado um acordo devido a uma aceitação tácita dos grossistas da alegada proibição de exportar uma vez que, segundo o que acabava de decidir, a Comissão não provou de forma suficiente nem que a Bayer tenha imposto tal proibição, nem que o fornecimento dos medicamentos estivesse sujeito ao respeito dessa pretensa proibição (v. n.os 119 e 122 do acórdão recorrido).

120
Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância analisou, por outro lado, se «perante os comportamentos efectivos dos grossistas na sequência da adopção pela recorrente da sua nova política de restrição dos fornecimentos, a Comissão podia concluir haver da sua parte uma aquiescência a esta política» (n.° 124 do acórdão recorrido).

121
O Tribunal de Primeira Instância procurava assim determinar se, na falta de uma proibição de exportar, os grossistas partilhavam, apesar disso, a vontade da Bayer de impedir as importações paralelas. No âmbito desta análise, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao referir‑se à vontade «real» dos grossistas de continuarem a efectuar encomendas de medicamentos para exportação e para as necessidades do mercado nacional.

122
Em todo o caso, como indica o advogado‑geral no n.° 108 das suas conclusões, o fundamento assente na falta de concordância das vontades pressupõe que existia uma vontade declarada da parte dos grossistas em aderir à vontade da Bayer de impedir as importações paralelas. No entanto, tal como foi referido nos n.os 52 e 53 do presente acórdão, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que os documentos apresentados pela Comissão não demonstravam que os grossistas quisessem dar a impressão à Bayer de que, para responder à sua vontade declarada, se propunham reduzir as suas encomendas para um nível determinado.

123
A estratégia dos grossistas tinha por objectivo, pelo contrário, fazer crer à Bayer, por meio da repartição pelas diferentes agências das encomendas destinadas à exportação, que as necessidades dos mercados nacionais tinham aumentado. Longe de demonstrar a existência de uma concordância de vontades, esta estratégia apenas constituía uma tentativa dos grossistas para virar em seu proveito a aplicação da política unilateral da Bayer, cuja instituição não dependia da sua cooperação.

124
Resulta do exposto que deve ser julgado improcedente o fundamento assente em que o Tribunal de Primeira Instância reconheceu, de forma errada, uma falta de concordância entre a vontade da Bayer e a dos grossistas quanto à política desta última que visava reduzir as importações paralelas.

Quanto à necessidade de um consentimento posterior às medidas que se inserem no âmbito de relações comerciais continuadas reguladas por acordos gerais prévios

125
Com o seu quinto fundamento, a Comissão, apoiada pela EAEPC, censura o Tribunal de Primeira Instância de ter aplicado, de forma errada, o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, exigindo, contrariamente ao acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, a prova da vontade dos grossistas de se alinharem com as medidas adoptadas pela Bayer, quando estas se inseriam no âmbito de relações comerciais continuadas entre estes últimos e o fabricante. Além disso, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na medida em que lhe recusou o direito de invocar os acórdãos, já referidos, AEG/Comissão, Ford/Comissão e BMW Belgium e o./Comissão, para interpretar o comportamento adoptado pelos grossistas, posteriormente à execução da nova política da Bayer em matéria de fornecimento de medicamentos, como um consentimento de facto nesta política.

126
No mesmo sentido, a BAI, através da segunda parte do seu terceiro fundamento, pontos ii) e iii), censura o Tribunal de Primeira Instância por não ter verificado se as medidas adoptadas pela Bayer eram só aparentemente unilaterais, na medida em que se inseriam no âmbito das suas relações comerciais permanentes com os grossistas. Em especial, alega que as relações comerciais usuais no sector do comércio grossista de produtos farmacêuticos são comparáveis ao sistema de distribuição selectiva de que se trata nos processos que originaram os acórdãos, já referidos, AEG/Comissão, Ford/Comissão e BMW Belgium e o./Comissão, censurando, assim, o Tribunal de Primeira Instância por ter afastado a aplicabilidade destes acórdãos ao presente caso.

127
A Comissão adopta uma posição similar, alegando que a venda de medicamentos apresenta certas características da distribuição selectiva. A este respeito, as recorrentes alegam que a admissão de um grossista no sistema de distribuição em causa implica que este último tenha consentido nas instruções do fabricante.

128
De acordo com a BAI, os grossistas ocupam uma posição‑chave no abastecimento do mercado em medicamentos, semelhante à de um revendedor num sistema de distribuição selectiva. Salientando os laços de estreita dependência em que se encontram os parceiros comerciais no mercado dos medicamentos, a BAI alega que os grossistas estão vinculados à prática de fornecimento do fabricante. Referindo que os grossistas estão dependentes dos fabricantes de produtos farmacêuticos porque não podem substituir o Adalat por outros medicamentos, a BAI alega, na sua réplica, que os grossistas estão obrigados a concluir um compromisso de modo a manter os seus lucros a nível nacional, mesmo se isso tem como consequência que terceiros com sede fora do território servido por eles já não podem ser abastecidos. Por conseguinte, os grossistas eram vítimas de restrições de fornecimento aplicadas pelo fabricante e o seu consentimento no acordo anticoncorrencial constitui para eles o meio de assegurar a manutenção das suas relações comerciais.

129
Vistas estas considerações, a BAI conclui que o consentimento dos grossistas na limitação das quantidades fornecidas pelo fabricante basta para se considerar que existe um acordo, que tem por objectivo a separação artificial dos mercados e, por conseguinte, falsear o funcionamento normal da concorrência no interior do mercado comum, violando o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Se o Tribunal de Primeira Instância tivesse apreciado os factos de forma juridicamente correcta, teria necessariamente de concluir pela existência de um acordo entre a Bayer França e a Bayer Espanha e os grossistas em causa.

130
A EAPC adere a esta posição, salientando que não é necessário um comportamento efectivo – ou seja, o respeito do acordo pelos grossistas sem contestação – de acordo com o acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido. Este acórdão, contrariamente à interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal de Primeira Instância, concluiu simplesmente que a continuação de novas encomendas após a alteração das condições a elas referentes basta para demonstrar um consentimento tácito dos grossistas. No caso vertente, os grossistas, continuando a fazer as suas encomendas, sujeitaram‑se à vontade da Bayer de limitar os fornecimentos de Adalat. Esta alteração do seu comportamento é um indício claro do seu consentimento na nova política comercial desta última.

131
Além disso, no processo que originou o acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, não era necessária uma determinação do comportamento efectivo dos grossistas porque a Comissão e o Tribunal de Justiça se limitaram a determinar o objectivo da cláusula que proíbe a exportação dos produtos em causa e não tomaram em consideração os seus efeitos. Na medida em que o objectivo se manifesta já na oferta do fabricante, um consentimento tácito na cláusula decisiva era suficiente, uma vez que o grossista reconhece também essa condição contratual ao proceder a uma nova encomenda.

132
Em relação aos argumentos assentes numa alegada violação da jurisprudência, tanto a Bayer como a EFPIA consideram que a Comissão tenta fazer crer que as circunstâncias de facto que deram origem aos acórdãos, já referidos, AEG/Comissão, Ford/Comissão e BMW Belgium e o./Comissão, são idênticas às do presente caso. No entanto, nos processos que originaram os referidos acórdãos, as medidas «aparentemente unilaterais» dos fabricantes entravam, na realidade, no âmbito de acordos de distribuição de longa duração predeterminados e continuados, de modo que não era necessário nenhum consentimento expresso ou tácito dos distribuidores. A EFPIA apoia‑se neste argumento indicando que, em todos estes processos, estavam em causa sistemas de distribuição selectiva. No presente litígio, não existem tais acordos; com efeito, é manifesto que a Bayer não explora tal rede de distribuição. Além disso, tanto a Bayer como a EFPIA observam que as condições legais do direito nacional relativas às actividades dos grossistas não constituem, em nenhum caso, um quadro contratual extensivo, predeterminado e continuado entre o fabricante e os grossistas.

133
Na sua réplica, a Comissão salienta que, contrariamente à afirmação da Bayer segundo a qual só fornece os grossistas caso a caso, as relações comerciais entre esta última e os grossistas franceses existiam há dezenas de anos e a Bayer não podia acabar com elas de um dia para o outro.

134
Em relação à objecção invocada pela Bayer quanto à inserção de condições legais nas suas relações comerciais com os grossistas, por oposição às condições contratuais, a Comissão recorda que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, a admissão de um grossista num sistema de distribuição selectiva de longa duração implica o seu consentimento em determinadas medidas do fabricante que perdem, por esse facto, o seu carácter aparentemente unilateral, inserindo‑se nas relações contratuais existentes. Pode ser assim não apenas no âmbito de sistemas de distribuição selectiva, mas também no caso de outras relações contratuais de longa duração.

135
A este respeito, pouco importa que se trate do respeito de critérios contratuais ou de exigências legais. O respeito da obrigação legal de abastecimento está na base de qualquer relação contratual entre um fabricante de medicamentos e um grossista, em França ou em Espanha, dado que disso depende a aprovação do grossista.

136
A Comissão baseia‑se, por analogia, nas circunstâncias do processo que deu origem ao acórdão Ford/Comissão, já referido. Salientando que existem há dezenas de anos relações contratuais entre a Bayer e os grossistas franceses, indica que os acordos devem necessariamente reservar para uma decisão posterior do fabricante certos aspectos dessas relações, tais como os volumes de fornecimento que estão sujeitos a oscilações e, por conseguinte, não podem ser fixados antecipadamente.

137
Por esta razão, a quantidade fornecida pelo fabricante de um medicamento determinado, que foi encomendado no âmbito de relações comerciais de longa duração que esse fabricante mantém com os seus grossistas, não constituía, portanto, uma medida unilateral que pudesse ser objecto de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Pelo contrário, tal medida insere‑se nessas relações contratuais.

138
Na sua réplica, a Bayer conclui que, pela sua censura relativa ao «contorno» da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Comissão quer na realidade alegar que, mesmo na falta de tal «acordo», uma limitação unilateral prévia deve ser tratada da mesma forma que uma proibição de exportação «repressiva» como entrave «preventivo» às importações paralelas.

139
De acordo com a Bayer, este argumento esconde uma tentativa de introduzir no direito comunitário da concorrência uma proibição geral de qualquer «entrave às importações paralelas» que é estranho ao sistema instituído pelos artigos 85.° e 86.° do Tratado, mas que parece dever apoiar‑se, de modo geral, no objectivo da realização do mercado interno. No entanto, o acórdão recorrido reconheceu que, ao contrário de uma medida estatal adoptada por força do artigo 30.° do Tratado, as medidas unilaterais preventivas adoptadas por uma empresa privada, que, na falta de «acordo», não entram no campo de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, não são afectadas pelas normas da concorrência enunciadas no Tratado.

Apreciação do Tribunal de Justiça

140
Com estes fundamentos, as recorrentes procuram contestar a apreciação do Tribunal de Primeira Instância nos termos da qual a Comissão não podia «invocar utilmente os precedentes jurisprudenciais invocados para pôr em causa a análise que [...] lev[ou] o Tribunal a concluir que, no caso vertente, a aquiescência dos grossistas à nova política da Bayer não foi estabelecida» (n.° 159 do acórdão recorrido).

141
A este respeito, há que recordar que o presente processo suscita a questão da existência de um acordo proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O simples facto de existir concomitantemente um acordo, em si mesmo neutro, e uma medida restritiva da concorrência, imposta de forma unilateral, não equivale a um acordo proibido pela referida disposição. Por conseguinte, o simples facto de uma medida adoptada por um fabricante, que tem por objectivo ou por efeito limitar a concorrência, se inserir no âmbito de relações comerciais continuadas entre este último e os seus grossistas não é suficiente para concluir pela existência de tal acordo.

142
No processo que originou o acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão, já referido, tratava‑se de uma proibição de exportação imposta por um fabricante no quadro de relações comerciais continuadas com os grossistas. O Tribunal de Justiça concluiu pela existência de um acordo, proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Contudo, como o Tribunal de Primeira Instância refere nos n.os 161 e 162 do acórdão recorrido, esta conclusão baseava‑se na existência de uma proibição de exportar imposta pelo fabricante, que tinha sido aceite pelos grossistas de forma tácita. A este respeito, no n.° 11 do referido acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão «[a]s encomendas reiteradas de produtos e os pagamentos sucessivos sem protestos pelo cliente dos preços indicados nas facturas, com a menção ‘exportação proibida’, constituíam da parte deste uma aquiescência tácita às cláusulas estipuladas na factura e ao tipo de relações comerciais subjacentes às relações de negócios entre a Sandoz PF e a sua clientela». Por conseguinte, a existência de um acordo proibido neste processo não assentava no simples facto de os grossistas continuarem a abastecer‑se junto de um fabricante que tinha manifestado a sua vontade de impedir as exportações, mas no facto de uma proibição de exportar ter sido imposta por este último e ter sido tacitamente aceite pelos grossistas. As recorrentes não podem, portanto, invocar utilmente esse acórdão Sandoz prodotti farmaceutici/Comissão em apoio do seu fundamento assente num erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância ao exigir o consentimento dos grossistas nas medidas impostas pelo fabricante.

143
Quanto aos processos que originaram os acórdãos AEG/Comissão, Ford/Comissão e BMW Belgium e o./Comissão, já referidos, as recorrentes também não podiam invocar a sua aplicabilidade ao presente processo, defendendo que as relações comerciais no sector do comércio em grosso dos produtos farmacêuticos são comparáveis a um sistema de distribuição selectiva, tal como o que estava em causa nesses processos. Tal como foi exposto no n.° 141 do presente acórdão, a questão pertinente é, com efeito, a da existência de um acordo, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

144
Ora, como foi indicado no n.° 106 do presente acórdão, nos acórdãos AEG/Comissão e Ford/Comissão, já referidos, não estava em causa a necessidade de demonstrar a existência de um acordo na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Com efeito, tendo já sido demonstrada a existência de um acordo susceptível de violar essa disposição, a questão suscitada era a de saber se as medidas adoptadas pelo fabricante se inseriam nesse acordo e deviam, por conseguinte, ser tomadas em consideração na análise da sua compatibilidade com a referida disposição. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância referiu legitimamente que, nos referidos acórdãos, o Tribunal de Justiça concluiu que, na admissão de um distribuidor, a sua aprovação se funda na sua adesão à política prosseguida pelo fabricante (v. n.° 170 do acórdão recorrido).

145
Semelhante análise deve ser comparada com a do acórdão BMW Belgium e o./Comissão, já referido, em que se tratava de apreciar a questão de saber «se o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que impede um construtor automóvel, que vende os seus veículos através de um sistema de distribuição selectiva, de combinar com os seus concessionários o não abastecimento de veículos às sociedades de leasing independentes, quando, sem conceder opção de compra, estas os colocam à disposição de locadores (em leasing) cujo domicílio ou sede social se situa fora do território contratual do distribuidor em causa, ou de convidar os referidos distribuidores a adoptar este comportamento» (n.° 14).

146
Daí resulta que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao afastar a aplicabilidade da jurisprudência invocada pela BAI e pela Comissão ao presente processo. Por conseguinte, os fundamentos assentes na errada apreciação da aplicabilidade do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado devem ser julgados improcedentes.

147
Dado que a totalidade dos fundamentos invocados pela BAI e pela Comissão foram afastados, ou porque não eram admissíveis ou porque eram improcedentes, há que negar provimento aos recursos.


Quanto às despesas

148
Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a BAI e a EFPIA pedido no processo C‑3/01 P a condenação do Comissão, há que condená‑la nas despesas do recurso por esta interposto.

149
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, igualmente aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do referido artigo 118.°, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as suas próprias despesas. Ao abrigo desta disposição, decide‑se que o Reino da Suécia suporte as suas próprias despesas.

150
No que respeita ao recurso da decisão do Tribunal de Primeira Instância interposto pela BAI (C‑2/01 P), uma vez que nem a Bayer nem a EFPIA pediram a sua condenação, decide‑se que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas referentes a este recurso.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1)
Nega‑se provimento aos recursos.

2)
O Bundesverband der Arzneimittel‑Importeure eV, a Bayer AG e a European Federation of Pharmaceutical Industries’ Associations suportam as suas próprias despesas referentes ao processo C‑2/01 P.

3)
A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas referentes ao processo C‑3/01 P.

4)
O Reino da Suécia suporta as suas próprias despesas.

Skouris

Jann

Timmermans

Cunha Rodrigues

Edward

La Pergola

Puissochet

Schintgen

Macken

Colneric

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Janeiro de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: alemão.