Language of document : ECLI:EU:C:2004:8

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
7 de Janeiro de 2004 (1)

«Incumprimento de Estado – Mercado dos serviços de telecomunicações – Reequilíbrio tarifário – Acesso ao lacete local – Directiva 90/388/CEE – Artigo 4.°‑C»

No processo C-500/01,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por S. Rating, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por S. Ortiz Vaamonde, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 4.°‑C da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), na redacção dada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996 (JO L 74, p. 13), o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas directivas e do Tratado CE,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),



composto por: P. Jann, exercendo funções de presidente da Quinta Secção, D. A. O. Edward (relator) e A. La Pergola, juízes,

advogado-geral: P. Léger,
secretário: R. Grass,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 10 de Julho de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Dezembro de 2001, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 4.°‑C da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), na redacção dada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996 (JO L 74, p. 13), a seguir «Directiva 90/388», o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força destas directivas e do Tratado CE.


Enquadramento jurídico

Regulamentação comunitária

2
O quinto considerando da Directiva 96/19 enuncia:

«[...] a fim de permitir aos organismos de telecomunicações concluírem a sua preparação para a livre concorrência e, em especial, procederem ao necessário ajustamento das tarifas, os Estados‑Membros poderão manter os direitos especiais e exclusivos vigentes relativamente ao fornecimento de serviços de telefonia vocal até 1 de Janeiro de 1998; [...] os Estados‑Membros com redes menos desenvolvidas ou com redes muitos reduzidas devem poder beneficiar de uma derrogação temporária, sempre que tal se justifique pela necessidade de efectuar ajustamentos estruturais e apenas na medida do estritamente necessário para o efeito; [...] esses Estados‑Membros beneficiarão, mediante pedido, de um período transitório adicional de, no máximo, cinco e dois anos, respectivamente, com o objectivo de completarem os ajustamentos estruturais necessários; [...] os Estados‑Membros que podem solicitar esta derrogação são a Espanha, a Irlanda, a Grécia e Portugal no que diz respeito às redes menos desenvolvidas e o Luxemburgo no que diz respeito a redes muito reduzidas; [...]»

3
Nos termos do vigésimo considerando da Directiva 96/19:

«[...] os Estados‑Membros devem suprimir o mais rapidamente possível todas as restrições injustificadas ao reajustamento das tarifas por parte dos organismos de telecomunicações e, nomeadamente, as que impeçam a adaptação das tarifas desfasadas dos custos e aumentem o custo da prestação do serviço universal; [...]»

4
O artigo 4.°‑C da Directiva 90/388, introduzido pelo artigo 1.°, n.° 6, da Directiva 96/19, prevê:

«Sem prejuízo da sua harmonização pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho no âmbito da ORA, qualquer regime nacional necessário para partilhar o custo líquido do cumprimento das obrigações de serviço universal conferidas aos organismos de telecomunicações com outros organismos, quer se trate de um sistema de encargos suplementares ou de um fundo de serviço universal, deverá:

a)
Aplicar‑se exclusivamente a empresas que ofereçam redes públicas de telecomunicações;

b)
Repartir por cada empresa os respectivos encargos segundo critérios objectivos e não discriminatórios e em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão qualquer regime desta natureza, de modo a que esta possa verificar a sua compatibilidade com o Tratado.

Os Estados‑Membros permitirão aos seus organismos de telecomunicações o reajustamento das tarifas em função das condições específicas do mercado e tendo em conta a necessidade de garantir que o serviço universal seja acessível; em especial, os Estados‑Membros permitir‑lhe‑ão adaptar as actuais taxas desfasadas em relação aos custos e que aumentam o encargo da prestação do serviço universal, a fim de atingir uma estrutura tarifária baseada nos custos reais. Quando tal reajustamento não puder ser efectuado até 1 de Janeiro de 1998, os Estados‑Membros em causa apresentarão à Comissão um relatório sobre a eliminação futura dos desequilíbrios tarifários que subsistem, que deverá incluir um calendário preciso de execução.

De qualquer modo, no prazo de três meses a contar da adopção pelo Parlamento e pelo Conselho da directiva de harmonização das condições de interconexão, a Comissão avaliará a necessidade de iniciativas suplementares para assegurar a coerência das suas directivas e tomará as medidas adequadas.

Para além disso, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2003, a Comissão procederá a um exame da situação dos Estados‑Membros e verificará, em especial, se os regimes de financiamento em vigor limitam o acesso aos mercados em causa. Neste caso, a Comissão examinará se existem soluções alternativas e apresentará as propostas que considere adequadas.»

5
Em 10 de Junho de 1997, a Comissão adoptou a Decisão 97/603/CE, relativa à concessão a Espanha de períodos adicionais para a transposição da Directiva 90/388 no que diz respeito à introdução da plena concorrência nos mercados das telecomunicações (JO L 243, p. 48). O artigo 1.° desta decisão autoriza o Reino de Espanha a adiar até 1 de Dezembro de 1998 a concessão efectiva de novas licenças de prestação de serviços de telefonia vocal e das redes públicas de telecomunicações.

6
O Regulamento (CE) n.° 2887/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2000, relativo à oferta de acesso desagregado ao lacete local (JO L 336, p. 4) deve, nos termos do segundo considerando, complementar as disposições de direito comunitário vigentes que garantem o serviço universal e o acesso, a preços acessíveis, a todos os cidadãos através do reforço da concorrência, da garantia da eficiência económica e da aquisição de um benefício máximo para os utilizadores.

7
Segundo o sétimo considerando do referido regulamento, o acesso desagregado ao lacete local permite aos novos operadores entrar em concorrência com os operadores notificados, oferecendo serviços de transmissão de dados de alto débito para o acesso permanente à Internet e para aplicações multimédia a partir da tecnologia da linha de assinante digital (DSL), bem como serviços de telefonia vocal.

8
O artigo 3.°, n.° 3, do mesmo regulamento dispõe:

«[...] os operadores notificados devem aplicar preços de acesso desagregado ao lacete local e aos recursos conexos fixados com base numa orientação para os custos.»

Regulamentação nacional

9
As autoridades espanholas adoptaram a Orden por la que se determinan las tarifas y condiciones de interconexión a la red adscrita al servicio público de telefonía básica que explota el operador dominante para la prestación del servicio final de telefonía básica y el servicio portador soporte del mismo (despacho que fixa as tarifas e as condições de interconexão com a rede pública de telefonia vocal explorada pelo operador dominante), de 18 de Março de 1997 (BOE n.° 74, de 27 de Março de 1997, p. 10079). Esta medida aumentou o preço da taxa mensal em 16% e o das chamadas locais em 13% e reduziu o montante das chamadas interurbanas em 5%, o das regionais em 15% e o das internacionais em 12%.

10
A Orden sobre reequilibrio tarifario de servicios prestados por «Telefónica Sociedad Anónima» (despacho relativo ao reequilíbrio tarifário dos serviços prestados pela sociedade anónima Telefónica), de 31 de Julho de 1998 (BOE n.° 188, de 7 de Agosto de 1998, p. 26858), fixou o preço da assinatura telefónica mensal em 1 442 ESP para as linhas ditas «residenciais» e em 1 797 ESP para as «linhas de enlace».

11
O Real Decreto‑Ley 16/1999 por el que se adoptan medidas para combatir la inflación y facilitar un mayor grado de competencia en las telecomunicaciones (Real Decreto‑Lei que adopta certas medidas para combater a inflação e aumentar a concorrência no mercado das telecomunicações), de 15 de Outubro de 1999 (BOE n.° 248, de 16 de Outubro de 1999, p. 36561), previu novos aumentos para a assinatura telefónica. Segundo o calendário previsto, a taxa devia aumentar em 100 ESP por três vezes: em 1 de Agosto de 2000, em 1 de Março de 2001 e em 1 de Agosto de 2001.

12
Com a Orden por la que se dispone la publicación del Acuerdo de la Comisión Delegada del Gobierno para Asuntos Económicos de 27 de julio de 2000, por el que se establece un nuevo marco regulatorio de precios para los servicios prestados por «Telefónica de España, Sociedad Anónima Unipersonal» (despacho relativo à publicação da resolução da Comissão Delegada do Governo para os Assuntos Económicos, de 27 de Julho de 2000, que estabelece um novo mecanismo de preços para os serviços oferecidos pela Telefónica), de 31 de Julho de 2000 (BOE n.° 183, de 1 de Agosto de 2000, p. 27564), um novo regime de preços designado por «price cap», baseado num mecanismo de limites, foi adoptado para o período 2001‑2002. Assenta em fórmulas de cálculo que incluem as previsões do Governo espanhol em matéria de evolução do índice de preços no consumo (a seguir «IPC») e factores de ajustamento.

13
O regime de preços «price cap» foi mantido em vigor no ano 2003 pela Orden por la que se dispone la publicación del Acuerdo de la Comisión Delegada del Gobierno para Asuntos Económicos del Acuerdo por el que se modifica el Acuerdo de 27 de julio de 2000, por el que se establece un nuevo marco regulatorio de precios para los servicios prestados por «Telefónica de España, Sociedad Anónima Unipersonal» (regulamento relativo à publicação da resolução da Comissão Delegada do Governo para os Assuntos Económicos que altera o acordo de 27 de Julho de 2000 que estabelece um novo mecanismo de preços para os serviços oferecidos pela sociedade anónima unipessoal Telefónica), de 10 de Maio de 2001 (BOE n.° 118, de 17 de Maio de 2001, p. 17456). Segundo este regime de preços:

todos os serviços de telefonia fixa e das chamadas fixas para telemóveis serão sujeitos a uma norma de evolução igual à taxa de variação anual do IPC previsível ‑ 9% em 2001, à taxa de variação anual do IPC previsível ‑ 8% em 2002 e à taxa de variação anual do IPC previsível ‑ 4% em 2003;

as taxas de assinatura não podem ser aumentadas em 2001, mas podem sê‑lo até um limite igual à taxa de variação anual do IPC previsível + 9,4% em 2002 e à taxa de variação anual do IPC previsível + 6% em 2003; e

os custos de conexão podem aumentar até um limite igual à taxa de variação anual do IPC previsível ‑ 16,5% em 2001 e 2002 e à taxa de variação anual do IPC previsível ‑ 2% em 2003.

14
O Real Decreto‑Ley 7/2000 de Medidas Urgentes en el Sector de las Telecomunicaciones (Real Decreto‑Lei que aprova medidas urgentes no sector das comunicações), de 23 de Junho de 2000 (BOE n.° 151, de 24 de Junho de 2000, p. 22458), tornou obrigatório o fornecimento de serviços de acesso totalmente desagregado e de acesso partilhado ao lacete local. Esta medida foi completada pelo Real Decreto 3456/2000, por el que se aprueba el Reglamento que establece las condiciones para el acceso al bucle de abonado de la red pública telefónica fija de los operadores dominantes (Real Decreto que aprova a regulamentação que estabelece as condições de acesso ao lacete local dos assinantes da rede pública de telefonia fixa dos operadores dominantes), de 22 de Dezembro de 2000 (BOE n.° 307, de 23 de Dezembro de 2000, p. 45567). O artigo 5.°, n.° 1, deste último Real Decreto prevê que as tarifas de acesso ao lacete local devem ser determinadas com base numa orientação sobre os custos.

15
A Orden por la que se dispone la publicación del Acuerdo de la Comisión Delegada del Gobierno para Asuntos Económicos, por el que se establecen los precios de la primera oferta de acceso al bucle de abonado en las modalidades de acceso completamente desagregado, de acceso compartido y de acceso indirecto, a la red pública telefónica fija de «Telefónica de España, Sociedad Anónima Unipersonal» (despacho que publica o acordo da Comissão Delegada do Governo para os Assuntos Económicos que estabelece os preços da primeira oferta para o acesso dos assinantes ao lacete e as modalidades de acesso totalmente desagregado, de acesso partilhado e de acesso indirecto à rede de telefonia fixa da sociedade anónima unipessoal Telefónica, de 29 de Dezembro de 2000 (BOE n.° 131, de 30 de Dezembro de 2000, p. 49758), estabelece as tarifas mensais para o acesso desagregado ao lacete local. Estas são de 2 163 ESP em 2001, 2 100 ESP em 2002 e 2 050 ESP em 2003.


Fase pré‑contenciosa

16
A fase pré‑contenciosa teve duas etapas sucessivas.

17
Durante a primeira etapa, a Comissão enviou ao Reino de Espanha, em 11 de Dezembro de 1998, uma notificação recordando a este Estado‑Membro que ainda não lhe tinha enviado um calendário preciso relativo à supressão dos obstáculos ao reequilíbrio tarifário, nos termos do artigo 4.°‑C da Directiva 90/388.

18
Em 11 de Fevereiro de 1999, as autoridades espanholas responderam que a Orden de 31 de Julho de 1998 realizava o referido reequilíbrio tarifário e que o calendário poderia estender‑se até 31 de Dezembro de 2000.

19
Entendendo que as medidas adoptadas pelas autoridades espanholas eram insuficientes e que estas últimas reconheciam que não tinham estabelecido um calendário preciso de execução destas medidas, a Comissão emitiu um parecer fundamentado em 4 de Maio de 1999.

20
Por carta de 26 de Abril de 1999, as referidas autoridades comunicaram à Comissão novas medidas de redução das tarifas interurbanas, regionais e internacionais.

21
Tendo em conta essas medidas, a Comissão comunicou ao Reino de Espanha, por carta de 26 de Maio de 1999, que o parecer fundamentado de 4 de Maio de 1999 ficava sem efeito.

22
Durante a segunda fase do processo pré‑contencioso, a Comissão continuou a análise do processo à luz de uma denúncia apresentada em 23 de Novembro de 1998 pelo operador histórico Telefónica de España SA (a seguir «Telefónica»). Em 25 de Novembro de 1999, a Comissão pediu certas informações ao Governo espanhol, a propósito desta denúncia. Por carta de 21 de Janeiro de 2000, as autoridades espanholas responderam que lhes era impossível verificar a existência do défice de acesso alegado pela Telefónica. Além disso, informaram a Comissão da sua intenção de estabelecer o regime de preços «price cap».

23
Em 4 de Maio de 2000, a Comissão dirigiu uma nova notificação ao Reino de Espanha. Acusava‑o de não ter concedido suficiente flexibilidade à Telefónica para lhe permitir proceder ao reequilíbrio tarifário exigido pelo artigo 4.°‑C da Directiva 90/388.

24
Não satisfeita com a resposta das autoridades espanholas a esta carta, a Comissão emitiu um novo parecer fundamentado, em 29 de Janeiro de 2001. Neste parecer, sublinhava que o processo de reequilíbrio tarifário não fora completado em 1999 e provavelmente também não terminaria em 2001. A Comissão precisava igualmente que o défice de acesso da Telefónica em 1999 atingia 258 mil milhões de ESP e convidava o Reino de Espanha a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento a esse parecer, no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

25
Na sua resposta de 29 de Março de 2001, as autoridades espanholas contestaram a avaliação efectuada pela Comissão. Em seu entender, o défice de acesso alegadamente suportado pela Telefónica em 1999 elevava‑se a 173 449 mil milhões de ESP, ou seja, menos 85 mil milhões que o montante invocado pela Comissão. Além disso, as referidas autoridades anunciavam uma série de correcções ao regime de preços «price cap».

26
Em 18 de Abril de 2001, a Telefónica indicou que, devido às medidas anunciadas pelo Governo espanhol, retirava a sua denúncia.

27
Em 27 de Julho de 2001, a Comissão dirigiu um parecer fundamentado complementar ao Reino de Espanha, para ter em conta a adopção de determinada legislação impondo à Telefónica a oferta de serviços de acesso desagregado ao lacete local, correcções ao regime de preços «price cap» adoptadas em Maio de 2001 e a estimativa precisa, pelo Governo espanhol, do défice de acesso da Telefónica para o ano de 1999.

28
As autoridades espanholas responderam a este parecer fundamentado complementar por carta de 9 de Outubro de 2001. Insatisfeita com esta resposta, a Comissão intentou a presente acção.


Quanto ao incumprimento

Argumentação das partes

29
A Comissão acusa o Reino de Espanha de ter aplicado incorrectamente as regras comunitárias relativas ao reequilíbrio tarifário. Em seu entender, as autoridades espanholas deveriam ter autorizado a Telefónica a reequilibrar as suas tarifas, como prescrevia a Directiva 90/388. Ao exigir a esta sociedade que conservasse uma estrutura de tarifas prejudicial para os seus concorrentes, falseando os cálculos económicos destes últimos e ao manter, durante muito tempo, tarifas incoerentes com os custos subjacentes, as referidas autoridades criaram uma situação prejudicial ao desenvolvimento da concorrência, muito especialmente no contexto do acesso desagregado ao lacete local.

30
Segundo a Comissão, tendo em conta os limites impostos pelo regime de preços «price cap», as tarifas de assinatura mensal não poderiam ser fundadas nos custos reais antes do início do ano de 2003. A este respeito, sublinha que a hipótese de ganhos de produtividade de 6% ao ano, formulada pelas autoridades espanholas, que é necessária para suprimir o défice de acesso, é pouco provável, na medida em que os ganhos de eficácia ligados à infra‑estrutura são moderados.

31
Segundo o Governo espanhol, o artigo 4.°‑C da Directiva 90/388 não o obriga a impor à Telefónica tarifas fundadas nos custos reais e também não impõe nenhum prazo preciso para o cumprimento da obrigação de supressão dos obstáculos ao reequilíbrio tarifário. A referida disposição obriga‑o simplesmente a suprimir os obstáculos que impedem a Telefónica de alinhar as suas tarifas pelos custos reais. Não se fixando qualquer prazo no referido artigo, a existência de incumprimento deve, portanto, ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de 29 de Janeiro de 2001. Ora, uma vez que a Telefónica não registou qualquer défice de acesso em 2002 e em 2003, o que se demonstra, aliás, com o facto de ter retirado a sua denúncia, não se podem acusar as autoridades espanholas de qualquer incumprimento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

32
Embora o artigo 4.°‑C da Directiva 90/388 não preveja qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de reequilíbrio das tarifas, não deixa de ser verdade que vários elementos da Directiva 96/19 indicam que o reequilíbrio das tarifas deve ser obtido a um ritmo sustentado, a fim de facilitar a abertura do mercado das telecomunicações à concorrência. Assim, como o advogado‑geral salienta nos n.os 58 a 60 das suas conclusões, resulta da leitura combinada dos considerandos 20 e 5 da Directiva 96/19 e do artigo 4.°‑C da Directiva 90/388 que os Estados‑Membros eram obrigados a suprimir os obstáculos ao reequilíbrio tarifário o mais rapidamente possível a partir da entrada em vigor da Directiva 96/19 e, o mais tardar, até 1 de Janeiro de 1998. Os Estados‑Membros com redes menos desenvolvidas ou com redes muitos reduzidas deviam adoptar um calendário preciso para a execução da sua obrigação.

33
Ora, o Governo espanhol não demonstrou ter adoptado, de acordo com o artigo 4.°‑C da Directiva 90/388, tal calendário no prazo prescrito nem que este tenha sido objecto de aprovação por parte da Comissão.

34
Quanto à Decisão 97/603, ela não autoriza o Reino de Espanha a adiar a execução da sua obrigação de suprimir os obstáculos ao reequilíbrio tarifário antes de 1 de Janeiro de 1998. Somente autoriza este Estado‑Membro a adiar até 1 de Dezembro de 1998 a concessão efectiva de novas licenças para a prestação de serviços de telefonia vocal e para o estabelecimento de redes públicas de telecomunicações, a notificação à Comissão, a publicação dos procedimentos de licença ou de declaração para a prestação de serviços de telefonia vocal e o estabelecimento de redes públicas de telecomunicações e de pormenores do regime previsto para a repartição do custo líquido do cumprimento da obrigação de serviço universal.

35
Na sua contestação, o Governo espanhol reconheceu expressamente que a Telefónica sofreu um défice de acesso de 173 499 mil milhões de ESP em 1999 e que este défice de acesso só seria reabsorvido, segundo as estimativas mais optimistas dos ganhos anuais de produtividade, no decurso do ano de 2002. Admitiu mesmo a existência de uma diferença entre o preço da assinatura mensal e a tarifa de acesso ao lacete local.

36
No que respeita à imputabilidade deste défice às autoridades espanholas, há que recordar que, até à entrada em vigor do regime de preços «price cap» em 2001, estas procediam, elas próprias, aos diferentes aumentos e reduções das tarifas dos elementos do serviço de telefonia vocal, de modo que o operador histórico não dispunha de qualquer margem de manobra na fixação dessas tarifas. Como o advogado‑geral sublinhou nos n.os 88 e 89 das suas conclusões, a falta de reequilíbrio tarifário em 1999 e 2000 é, portanto, da exclusiva responsabilidade das autoridades espanholas.

37
É verdade que, após a introdução do regime de preços «price cap» em 2001, a Telefónica foi autorizada a aumentar ou reduzir os seus preços todos os anos. Contudo, o desequilíbrio tarifário verificado nos anos de 2001 e 2002 não pode ser imputado, na totalidade, a esta sociedade, devendo atribuir‑se parte às autoridades espanholas. Com efeito, a liberdade tarifária da Telefónica era limitada pela existência de um limite ou preço máximo imposto pelas referidas autoridades. Esta limitação foi prejudicial para o desenvolvimento da concorrência relativamente ao operador histórico e isto contrariamente aos objectivos da Directiva 90/388.

38
Sendo o reequilíbrio tarifário exigido pelo artigo 4.°‑C da Directiva 90/388 somente exequível, pelo operador histórico espanhol, no início do ano de 2003, ou seja, com cinco anos de atraso relativamente à exigência da referida directiva, quer o desequilíbrio tarifário quer a situação prejudicial para o desenvolvimento da concorrência daí resultante são imputáveis às autoridades espanholas.

39
Há, portanto, que declarar que, ao não adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 4.°‑C da Directiva 90/388, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta directiva.


Quanto às despesas

40
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1)
Ao não adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 4.°‑C da Directiva 90/388/CEE da Comissão, de 28 de Junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações, na redacção dada pela Directiva 96/19/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta directiva.

2)
O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

Jann

Edward

La Pergola

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Janeiro de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: espanhol.