Language of document : ECLI:EU:C:2004:257

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
29 de Abril de 2004 (1)

«Concorrência – Artigo 82.° CE – Abuso de posição dominante – Estrutura modular utilizada para o fornecimento de dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos num Estado-Membro – Direitos de autor – Recusa de concessão de uma licença de utilização»

No processo C-418/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Landgericht Frankfurt am Main (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

IMS Health GmbH & Co. OHG

e

NDC Health GmbH & Co. KG,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 82.° CE,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),



composto por: P. Jann (relator), exercendo funções de presidente da Quinta Secção,  C. W. A. Timmermans e S. von Bahr, juízes,

advogado-geral: A. Tizzano,
secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação da IMS Health GmbH & Co. OHG, por S. Barthelmess e H.-C. Salger, Rechtsanwälte, e por J. Temple-Lang, solicitor,

em representação da NDC Health GmbH & Co. KG, por G. Janke e T. Lübbig, Rechtsanwälte,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Whelan e S. Rating, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da IMS Health GmbH & Co. OHG, representada por S. Barthelmess, H.-C. Salger, C. Feddersen e G. Jung-Weiser, Rechtsanwälte, e por J. Temple-Lang, da NDC Health GmbH & Co. KG, representada por G. Janke e T. Lübbig, e da Comissão, representada por A. Whelan e S. Rating, na audiência de 6 de Março de 2003,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 2 de Outubro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Por despacho de 12 de Julho de 2001, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Outubro seguinte, o Landgericht Frankfurt am Main submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 82.° CE.

2
Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a IMS Health GmbH & Co. OHG (a seguir «IMS») à NDC Health GmbH & Co. (a seguir «NDC»), acerca da utilização por esta última de uma estrutura modular desenvolvida pela IMS para o fornecimento de dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos na Alemanha.


Matéria de facto

3
A IMS e a NDC têm por actividade o acompanhamento das vendas nos sectores dos produtos farmacêuticos e dos cuidados de saúde.

4
A IMS fornece aos laboratórios farmacêuticos dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos na Alemanha, formatadas com base em estruturas modulares. Desde o mês de Janeiro de 2000, fornece os seus estudos com base numa estrutura que inclui 1860 módulos ou numa estrutura derivada com 2847 módulos, cada um deles correspondente a uma área geográfica determinada. De acordo com o despacho de reenvio, estes módulos foram definidos tendo em conta diversos critérios, tais como as circunscrições administrativas, os sectores postais, a densidade da população, as ligações de transporte e a repartição geográfica das farmácias e dos consultórios médicos.

5
Há alguns anos, a IMS criou um grupo de trabalho em que participam empresas do sector farmacêutico suas clientes. Este grupo de trabalho tem por missão propor melhoramentos para uma determinação óptima dos módulos. O grau de contribuição deste grupo de trabalho para a determinação dos módulos constitui objecto de uma controvérsia entre a IMS e a NDC.

6
Segundo as conclusões a que chegou o órgão jurisdicional de reenvio, a IMS não apenas vendeu, mas também distribuiu gratuitamente as suas estruturas modulares a farmácias e a consultórios médicos. Esta prática contribuiu, segundo este órgão jurisdicional, para que as referidas estruturas se tornassem um padrão comum, ao qual os seus clientes adaptaram os seus sistemas informático e de distribuição.

7
Um antigo gestor da IMS criou, após ter deixado o seu emprego, em 1998, a Pharma Intranet Information AG (a seguir «PII»), cuja actividade consistia também em vender dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos na Alemanha, igualmente formatados com base em estruturas modulares. A PII, num primeiro tempo, tentou vender estruturas com 2201 módulos. Devido às reticências manifestadas pelos potenciais clientes, habituados às estruturas com 1860 ou 2847 módulos, a PII decidiu trabalhar com estruturas com 1860 ou 3000 módulos, muito próximas das estruturas utilizadas pela IMS.

8
A PII foi adquirida pela NDC.


Tramitação processual e questões prejudiciais

9
A pedido da IMS, o Landgericht Frankfurt am Main, por despacho de medidas provisórias de 27 de Outubro de 2000, proibiu a PII de utilizar a estrutura de 3000 módulos ou qualquer outra estrutura modular derivada da de 1860 módulos da IMS (a seguir, de modo genérico, «estrutura de 1860 módulos»). Após a aquisição da PII pela NDC, a mesma proibição foi feita a esta última por despacho de medidas provisórias de 28 de Dezembro de 2000.

10
Estes despachos foram confirmados por decisões do Landgericht Frankfurt am Main de 16 de Novembro de 2000 e de 12 de Julho de 2001. Este último baseou as suas decisões na consideração de que a estrutura modular utilizada pela IMS é uma base de dados na acepção do §  4 da Urheberrechtsgesetz (lei do direito de autor), susceptível de ser protegida por um direito de propriedade intelectual.

11
Em 19 de Dezembro de 2000, a NDC apresentou uma denúncia à Comissão das Comunidades Europeias, alegando que a recusa da IMS de lhe ceder uma licença de utilização da estrutura de 1860 módulos constituía uma infracção ao artigo 82.° CE.

12
Em 3 de Julho de 2001, a Comissão adoptou uma medida provisória através da Decisão 2002/165/CE, relativa a um processo ao abrigo do artigo 82.° CE (Processo COMP D3/38.044 – NDC Health/IMS Health: medidas provisórias) (JO 2002, L 59, p. 18). No artigo 1.° desta decisão, a Comissão ordena à IMS que conceda a todas as empresas presentes no mercado dos serviços de fornecimento de dados sobre as vendas regionais na Alemanha uma licença de utilização da estrutura de 1860 módulos. Esta medida é fundamentada pela existência de «circunstâncias excepcionais». A Comissão considerou que a estrutura de 1860 módulos criada pela IMS se tornou na norma de facto no mercado pertinente. O facto de recusar, sem justificação objectiva, o acesso a esta estrutura é susceptível de eliminar toda e qualquer concorrência no mercado em causa, pois, sem ela, é impossível continuar nesse mercado (pontos 180 e 181 da fundamentação da Decisão 2002/165).

13
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias em 6 de Agosto de 2001, a IMS pediu, ao abrigo do artigo 230.° CE, a anulação da Decisão 2002/165. Por requerimento apresentado no mesmo dia, pediu, ao abrigo dos artigos 242.° CE e 243.° CE, a suspensão da execução desta decisão até que o Tribunal tenha decidido quanto ao mérito.

14
Por despacho de 26 de Outubro de 2001, IMS Health/Comissão (T‑184/01 R, Colect., p. II‑3193), o presidente do Tribunal de Primeira Instância ordenou a suspensão da execução da Decisão 2002/165 até que o Tribunal de Primeira Instância se pronuncie sobre o mérito do recurso. Ao recurso interposto deste despacho foi negado provimento por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2002, NDC Health/IMS Health e Comissão [C‑481/01 P(R), Colect., p. I‑3401].

15
Pela Decisão 2003/741/CE, de 13 de Agosto de 2003, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° do Tratado CE (Processo COMP D3/38.044 – NDC Health/IMS Health: medidas provisórias) (JO L 268, p. 69), a Comissão retirou a Decisão 2002/165. Esta retirada foi fundamentada pelo facto de ter deixado de existir urgência que impusesse medidas provisórias até à decisão da Comissão encerrando o processo administrativo.

16
No processo principal que está na origem do presente pedido de decisão prejudicial, a IMS prossegue o seu objectivo de fazer proibir à NDC a utilização da estrutura de 1860 módulos.

17
O Landgericht Frankfurt am Main considera que a IMS não pode exercer o seu direito de fazer proibir toda e qualquer utilização ilegal da sua obra se agir de maneira abusiva, na acepção do artigo 82.° CE, recusando a concessão de uma licença à NDC em condições razoáveis. Por conseguinte, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)
O artigo 82.° CE deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma empresa detentora de uma posição dominante no mercado que recusa celebrar um contrato de licença relativo à utilização de uma base de dados, protegida por direitos de autor, com uma empresa que pretendia entrar no mesmo espaço e tipo de mercado, se a parte contrária no jogo do mercado, ou seja, os potenciais consumidores, recusarem os produtos que não fazem uso da base de dados protegida porque se adaptaram à utilização de produtos compatíveis com a base de dados protegida, constitui um comportamento abusivo?

2)
É relevante, para averiguar do comportamento abusivo da empresa detentora da posição dominante, determinar em que medida os colaboradores da parte contrária no jogo da concorrência participaram no desenvolvimento da base de dados?

3)
É relevante, para averiguar do comportamento abusivo da empresa detentora da posição dominante, o montante das despesas de reconversão (em especial, os custos de reconversão) que suportariam os consumidores que até agora usavam o produto da empresa detentora da posição dominante, se no futuro passassem a usar o produto de uma empresa concorrente que não utiliza a base de dados?»


Quanto às questões prejudiciais

Observações preliminares

18
Tendo em conta o contexto processual em que foi feito o presente reenvio prejudicial e os debates que envolvem a determinação dos factos, há que recordar que, nos termos do artigo 234.° CE, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, este apenas está habilitado para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um texto comunitário a partir dos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (v., nomeadamente, acórdãos de 2 de Junho de 1994, AC‑ATEL Electronics Vertriebs, C‑30/93, Colect., p. I‑2305, n.° 16, e de 18 de Novembro de 1999, Teckal, C‑107/98, Colect., p. I‑8121, n.° 29).

19
Tendo especialmente em conta a circunstância de a Comissão ter iniciado um processo no âmbito do qual examina a aplicabilidade do artigo 82.° CE aos factos que estão na origem do litígio no processo principal, deve‑se também recordar que, quando os órgãos jurisdicionais nacionais se pronunciam sobre acordos ou práticas que possam ainda ser objecto de uma decisão da Comissão, devem evitar tomar decisões que vão contra as adoptadas ou pretendidas por esta última para aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colect., p. I‑935, n.° 47).

20
É à luz destas observações que há que examinar o pedido de decisão prejudicial.

21
Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se a recusa, oposta por uma empresa que detém uma posição dominante e que é titular de um direito de propriedade intelectual sobre uma estrutura modular com base na qual são apresentados dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos num Estado‑Membro, de conceder uma licença para utilização desta estrutura a uma outra empresa, que também pretende fornecer esses dados no mesmo Estado, mas que, devido à recusa manifestada pelos potenciais utilizadores, não pode desenvolver uma estrutura modular alternativa para apresentação dos dados que pretende oferecer, constitui um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.

22
Como salientou o advogado‑geral no n.° 29 das suas conclusões, esta questão parte da premissa, cuja procedência compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, de que a utilização da estrutura de 1860 módulos, protegida por um direito de propriedade intelectual, é indispensável para permitir a um potencial concorrente o acesso ao mercado em que a empresa titular do referido direito ocupa uma posição dominante.

23
Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a incidência que pode ter o grau de participação dos utilizadores no desenvolvimento de uma estrutura modular, protegida por um direito de propriedade intelectual de que é titular uma empresa em posição dominante, na apreciação do carácter abusivo da recusa desta empresa de conceder uma licença de utilização da referida estrutura. Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber qual a incidência que pode ter, no mesmo contexto e para fins da mesma apreciação, o esforço, nomeadamente em termos de custos, que os utilizadores potenciais deveriam suportar para poderem adquirir estudos de mercado apresentados com base num outra estrutura que não a protegida pelo direito de propriedade intelectual.

24
Tal como salientou o advogado‑geral no n.° 32 das suas conclusões, estas duas últimas questões, vistas à luz dos fundamentos do despacho de reenvio, dizem respeito ao postulado sobre o qual assenta a primeira questão, uma vez que se destinam, essencialmente, a conhecer os critérios pertinentes para apreciar se a utilização da estrutura de 1860 módulos, protegida por um direito de propriedade intelectual, é indispensável para permitir a um concorrente potencial aceder ao mercado em que a empresa titular do referido direito ocupa uma posição dominante.

25
Segue‑se que há que responder em primeiro lugar às segunda e terceira questões.

Quanto às segunda e terceira questões

Observações das partes

26
Segundo a IMS, a participação dos utilizadores no desenvolvimento de um produto ou de um serviço protegido por um direito de propriedade intelectual é uma manifestação de concorrência, já que traduz os esforços do fabricante para obter uma vantagem concorrencial ao desenvolver produtos e serviços melhor adaptados às necessidades da sua clientela. Quanto ao esforço de adaptação que esta deve fazer aquando de uma mudança para um produto concorrente legalmente desenvolvido, trata‑se de um esforço normal, sendo os custos suportados contrabalançados pelas vantagens do produto concorrente.

27
Para a NDC e para a Comissão, o papel considerável desempenhado na elaboração da estrutura de 1860 módulos pelos utilizadores contribuiu para criar uma relação de dependência destes últimos em relação a essa estrutura. Remetendo para o acórdão de 26 de Novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colect., p. I‑7791), alegam que o critério para apreciar o carácter indispensável desta estrutura é o de saber se um concorrente pode criar uma solução de substituição viável. No processo principal, os obstáculos jurídicos e económicos tornam essa solução impossível.

Resposta do Tribunal de Justiça

28
Resulta dos n.os 43 e 44 do acórdão Bronner, já referido, que, para determinar se um produto ou um serviço é indispensável para permitir a uma empresa exercer a sua actividade num determinado mercado, há que averiguar se existem produtos ou serviços que constituam soluções alternativas, mesmo que sejam menos vantajosas, e se existem obstáculos técnicos, regulamentares ou económicos susceptíveis de tornar impossível, ou pelo menos desrazoavelmente difícil, a qualquer outra empresa que pretenda operar no referido mercado criar, eventualmente em colaboração com outros operadores, produtos ou serviços alternativos. Segundo o n.° 46 do referido acórdão Bronner, para admitir a existência de obstáculos de natureza económica, deve, pelo menos, provar‑se que a criação desses produtos ou serviços não é economicamente rentável para uma produção a uma escala comparável à da empresa que controla o produto ou o serviço existente.

29
Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, face aos elementos que lhe são apresentados, se assim sucede no processo principal. A este respeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 83 e 84 das suas conclusões, há que tomar em consideração o facto de que um alto grau de participação dos laboratórios farmacêuticos no desenvolvimento da estrutura de 1860 módulos protegida pelo direito de autor, a supô‑lo provado, pôde criar uma dependência técnica dos utilizadores em relação a essa estrutura, nomeadamente no plano técnico. Nestas condições, é provável que esses laboratórios devam fazer esforços técnicos e económicos extremamente elevados para poder adquirir estudos relativos às vendas regionais dos produtos farmacêuticos apresentados com base numa estrutura diferente da protegida pelo direito de propriedade intelectual. O fornecedor desta estrutura alternativa pode então ser constrangido a oferecer condições financeiras susceptíveis de excluir toda e qualquer rentabilidade económica de uma actividade realizada a uma escala comparável à da empresa que controla a estrutura protegida.

30
Há, por conseguinte, que responder às segunda e terceira questões que, para efeitos de exame do carácter eventualmente abusivo da recusa de uma empresa em posição dominante de concessão de uma licença de utilização de uma estrutura modular protegida por um direito de propriedade intelectual de que é titular, o grau de participação dos utilizadores no desenvolvimento da referida estrutura e o esforço, nomeadamente em termos de custos, que os potenciais utilizadores deverão suportar para poder adquirir estudos relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos apresentados com base numa estrutura alternativa são elementos que devem ser tomados em consideração para determinar se a estrutura protegida é indispensável à comercialização de estudos desta natureza.

Quanto à primeira questão

Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

31
Quanto à questão de saber se e em que condições a recusa por uma empresa em posição dominante num determinado mercado, titular de um direito de propriedade intelectual sobre um produto indispensável ao exercício de uma actividade nesse mesmo mercado, da concessão de uma licença que permita a utilização do referido produto pode constituir um comportamento abusivo, tanto a IMS como a NDC e ainda a Comissão remetem para o acórdão de 6 de Abril de 1995, RTE e IPT/Comissão, dito «Magill» (C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colect., p. I‑743). Todavia, elas não interpretam o acórdão da mesma maneira e não extraem dele as mesmas consequências.

32
Segundo a IMS, o acórdão Magill, já referido, deve ser interpretado no sentido de que devem estar preenchidas três condições. A recusa de concessão de uma licença deve constituir obstáculo ao surgimento de um novo produto, ser injustificada e ter por efeito reservar o mercado derivado à empresa dominante. No processo principal, as primeira e terceira condições não estão preenchidas, na medida em que a NDC não procura introduzir um produto novo no mercado derivado, antes pretende utilizar a estrutura de 1860 módulos aperfeiçoada pela IMS para fornecer no mesmo mercado um produto quase idêntico.

33
A NDC, que afirma querer fornecer um produto novo, e a Comissão consideram que, segundo o acórdão Magill, já referido, não é necessário, para a recusa da licença ser considerada abusiva, que existam dois mercados distintos. Segundo a NDC, basta que a empresa em posição dominante num certo mercado disponha do monopólio sobre uma infra‑estrutura que é indispensável para que lhe possa ser feita concorrência no mercado em que exerce a sua actividade. De igual modo, para a Comissão, não é necessário que a infra‑estrutura em causa se encontre num mercado separado e basta que ela se situe num estádio de produção a montante.

Resposta do Tribunal de Justiça

34
Segundo jurisprudência bem assente, o direito exclusivo de reprodução faz parte das prerrogativas do titular de um direito de propriedade intelectual, de modo que a recusa de concessão de uma licença, ainda que seja um acto de uma empresa em posição dominante, não pode constituir em si própria um abuso desta (acórdãos de 5 de Outubro de 1998, Volvo, 238/87, Colect., p. 6211, n.° 8, e Magill, já referido, n.° 49).

35
No entanto, tal como resulta desta mesma jurisprudência, o exercício do direito exclusivo do titular pode, em circunstâncias excepcionais, dar lugar a um comportamento abusivo (acórdãos, já referidos, Volvo, n.° 9, e Magill, n.° 50).

36
O Tribunal de Justiça considerou que essas circunstâncias excepcionais estavam preenchidas no processo que deu lugar ao acórdão Magill, já referido, no qual o comportamento imputado a cadeias de televisão em posição dominante consistia no facto de se apoiarem no direito de autor conferido pela legislação nacional sobre as grelhas dos seus programas para impedirem uma outra empresa de publicar semanalmente informações relativas a esses programas acompanhadas de comentários.

37
Segundo o resumo do acórdão Magill, já referido, que o Tribunal de Justiça faz no n.° 40 do acórdão Bronner, já referido, essas circunstâncias excepcionais consistiam no facto de a recusa em litígio dizer respeito a um produto (informação sobre os programas semanais das cadeias de televisão) cujo fornecimento era indispensável ao exercício da actividade em causa (edição de um guia geral de televisão), no sentido de que, sem esse fornecimento, uma pessoa que pretendesse oferecer esse guia se encontrava impossibilitada de o editar ou de o oferecer no mercado (acórdão Magill, já referido, n.° 53), que essa recusa constituía um entrave ao surgimento de um produto novo, para o qual existia uma procura potencial por parte dos consumidores (n.° 54), que não era justificada por considerações objectivas (n.° 55) e que era susceptível de excluir toda a concorrência no mercado derivado (n.° 56).

38
Resulta desta jurisprudência que, para que a recusa de uma empresa titular de um direito de autor de permitir o acesso a um produto ou a um serviço indispensável para exercer uma determinada actividade possa ser qualificada de abusiva, basta que estejam preenchidas três condições cumulativas, a saber, que essa recusa obste à aparição de um novo produto para o qual existe uma potencial procura por parte dos consumidores, que ela careça de justificação e que seja susceptível de excluir toda a concorrência no mercado derivado.

39
Face ao despacho de reenvio e às observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, que mostram uma importante controvérsia quanto à interpretação da terceira condição, há que começar pelo exame desta última.

Quanto à terceira condição, relativa ao risco de exclusão de toda a concorrência no mercado derivado

40
A este respeito, há que recordar o percurso seguido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bronner, já referido, no qual este último era interrogado sobre a questão de saber se o facto de uma empresa do sector da imprensa, que detém uma parte muito importante do mercado dos jornais diários num Estado‑Membro e que explora o único sistema de distribuição domiciliária de jornais à escala nacional existente nesse Estado‑Membro, recusar o acesso a esse sistema, contra o pagamento de uma remuneração adequada, ao editor de um quotidiano concorrente que, devido à sua pequena tiragem, não está em condições de criar e explorar, em condições economicamente razoáveis, sozinho ou em colaboração com outros editores, o seu próprio sistema de distribuição domiciliária constitui um abuso de posição dominante.

41
Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça convidou o órgão jurisdicional nacional de reenvio a verificar se os sistemas de distribuição domiciliária constituíam um mercado distinto (acórdão Bronner, já referido, n.° 34), no qual, tendo em conta as circunstâncias do caso, a empresa de imprensa detinha um monopólio de facto e, portanto, uma posição dominante (n.° 35). Seguidamente, o Tribunal de Justiça convidou este órgão jurisdicional a verificar se a recusa, oposta pelo proprietário do único sistema de distribuição domiciliária existente à escala nacional no território do Estado‑Membro em causa, que utilizava este sistema para a distribuição dos seus próprios quotidianos, de conceder acesso a esse sistema ao editor de um quotidiano concorrente privava o referido concorrente do modo de distribuição considerado essencial para a venda deste (n.° 37).

42
O Tribunal considerou assim pertinente, para efeitos de apreciação do carácter abusivo de uma recusa de concessão do acesso a um produto ou a um serviço indispensável ao exercício de uma determinada actividade, distinguir o mercado a montante, constituído pelo referido produto ou o referido serviço, no caso, o mercado do serviço de distribuição domiciliária de quotidianos, e o mercado (derivado) a jusante, no qual o produto ou o serviço em causa é utilizado para a produção de um outro produto ou para fornecimento de um outro serviço, no caso, o mercado dos próprios quotidianos.

43
O facto de o serviço de entrega a domicílio não ser comercializado de modo separado não foi considerado como excluindo à partida a possibilidade de distinguir um mercado distinto.

44
Verifica‑se assim, como afirmou o advogado‑geral nos n.os 56 a 59 das suas conclusões, que, para efeitos de aplicação da jurisprudᆰncia anterior, basta que um mercado potencial, ou mesmo hipotético, possa ser identificado. Assim sucede quando os produtos ou serviços sejam indispensáveis para exercer uma determinada actividade e que exista, para estes, uma procura efectiva pelas empresas que decidem exercer a actividade para a qual aqueles são indispensáveis.

45
Segue‑se que é determinante que possam ser identificados dois estádios de produção diferentes, ligados pelo facto de o produto a montante ser um elemento indispensável para o fornecimento do produto a jusante.

46
Transposto para os factos do processo principal, este percurso leva a procurar saber se a estrutura de 1860 módulos constitui, a montante, um elemento indispensável ao fornecimento, a jusante, de dados relativos às vendas de produtos farmacêuticos na Alemanha.

47
Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esta hipótese se verifica e, se assim for, averiguar se a recusa da IMS de concessão de uma licença de exploração da estrutura em causa é susceptível de excluir toda a concorrência no mercado de fornecimento de dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos na Alemanha.

Quanto à primeira condição, relativa à aparição de um produto novo

48
Como afirmou o advogado‑geral no n.° 62 das suas conclusões, esta condição resulta da consideração de que, na ponderação do interesse relativo à protecção do direito de propriedade intelectual e à liberdade de iniciativa económica do titular deste, por um lado, e o interesse relativo à protecção da livre concorrência, por outro, este último só pode sobrepor‑se no caso de a recusa de concessão de uma licença impedir o desenvolvimento do mercado derivado em prejuízo dos consumidores.

49
Por conseguinte, a recusa de uma empresa em posição dominante de permitir o acesso a um produto protegido por um direito de propriedade intelectual, quando este produto seja indispensável para actuar num mercado derivado, só pode ser considerada abusiva no caso de a empresa que pede a licença não pretender limitar‑se, essencialmente, a reproduzir produtos ou serviços que já são oferecidos no mercado derivado pelo titular do direito de propriedade intelectual, antes tendo a intenção de oferecer produtos ou serviços novos que o titular não oferece e para os quais exista uma procura potencial por parte dos consumidores.

50
Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se assim sucede no processo principal.

Quanto à segunda condição, relativa ao carácter injustificado da recusa

51
Quanto a esta condição, cuja interpretação não foi objecto de observações específicas, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar, eventualmente, face aos elementos que lhe são apresentados, se a recusa oposta ao pedido de licença de utilização se justifica ou não por considerações objectivas.

52
Por conseguinte, há que responder à primeira questão que a recusa, oposta por um empresa que detém uma posição dominante e que é titular de um direito de propriedade intelectual sobre uma estrutura modular indispensável para a apresentação de dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos num Estado‑Membro, de conceder uma licença para utilização dessa estrutura a uma outra empresa, que igualmente deseja fornecer esses dados no mesmo Estado‑Membro, constitui um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE quando estiverem reunidas as seguintes condições:

a empresa que pede a licença tem a intenção de oferecer, no mercado de fornecimento de dados em causa, produtos ou serviços novos que o titular do direito de propriedade intelectual não oferece e para os quais existe uma procura potencial por parte dos consumidores;

a recusa não é justificada por considerações objectivas;

a recusa é susceptível de reservar ao titular do direito de propriedade intelectual o mercado do fornecimento dos dados relativos às vendas de produtos farmacêuticos no Estado‑Membro em causa, excluindo toda a concorrência neste.


Quanto às despesas

53
As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando‑se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Landgericht Frankfurt am Main, por despacho de 12 de Julho de 2001, declara:

1)
Para efeitos de exame do carácter eventualmente abusivo da recusa de uma empresa em posição dominante de concessão de uma licença de utilização de uma estrutura modular protegida por um direito de propriedade intelectual de que é titular, o grau de participação dos utilizadores no desenvolvimento da referida estrutura e o esforço, nomeadamente em termos de custos, que os potenciais utilizadores deverão suportar para poder adquirir estudos relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos apresentados com base numa estrutura alternativa são elementos que devem ser tomados em consideração para determinar se a estrutura protegida é indispensável à comercialização de estudos desta natureza.

2)
A recusa, oposta por um empresa que detém uma posição dominante e que é titular de um direito de propriedade intelectual sobre uma estrutura modular indispensável para a apresentação de dados relativos às vendas regionais de produtos farmacêuticos num Estado‑Membro, de conceder uma licença para utilização dessa estrutura a uma outra empresa, que igualmente deseja fornecer esses dados no mesmo Estado‑Membro, constitui um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE quando estiverem reunidas as seguintes condições:

        a empresa que pede a licença tem a intenção de oferecer, no mercado de fornecimento de dados em causa, produtos ou serviços novos que o titular do direito de propriedade intelectual não oferece e para os quais existe uma procura potencial por parte dos consumidores;

        a recusa não é justificada por considerações objectivas;

        a recusa é susceptível de reservar ao titular do direito de propriedade intelectual o mercado do fornecimento dos dados relativos às vendas de produtos farmacêuticos no Estado‑Membro em causa, excluindo toda a concorrência neste.

Jann

Timmermans

von Bahr

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: alemão.