Language of document : ECLI:EU:C:2005:98

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
22 de Fevereiro de 2005 (1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Artigo 90.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 86.°, n.° 3, CE) – Montante das licenças impostas pela República da Áustria aos operadores GSM – Rejeição parcial da denúncia – Admissibilidade»

No processo C‑141/02 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, entrado em 15 de Abril de 2002,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Mölls e K. Wiedner, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

apoiada por:

República Francesa, representada por G. de Bergues e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente no presente recurso,

sendo as outras partes no processo:

TMobile Austria GmbH, antiga max‑mobil Telekommunikation Service GmbH, com sede em Viena (Áustria), representada por A. Reidlinger, Esser‑Wellié e T. Lübbig, Rechtsanwälte, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente em primeira instância,

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente em primeira instância,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),



composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, C. W. A. Timmermans, A. Rosas e A. Borg Barthet, presidentes de secção, J.‑P. Puissochet (relator), R. Schintgen, N. Colneric, S. von Bahr, M. Ilešič, J. Malenovský, J. Klučka e U. Lõhmus, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,
secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Setembro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 21 de Outubro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Através do presente recurso, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Janeiro de 2002, max.mobil/Comissão (T‑54/99, Colect., p. II‑313, a seguir «acórdão recorrido»), no qual este declara admissível o recurso de anulação interposto pela sociedade max.mobil Telekommunikation Service GmbH, entretanto denominada T‑Mobile Austria GmbH (a seguir «sociedade max.mobil»), da carta da Comissão de 11 de Dezembro de 1998, na qual esta se recusou a intentar uma acção por incumprimento contra a República da Áustria (a seguir «acto controvertido»).


Factos na origem do litígio

2
O primeiro operador de rede GSM que apareceu no mercado austríaco de exploração das redes de telefonia móvel foi a sociedade Mobilkom Austria AG (a seguir «Mobilkom»), na qual o Estado austríaco detém ainda uma parte das acções por intermédio da sociedade Post und Telekom Austria AG (a seguir «PTA»). A sociedade max.mobil, recorrente em primeira instância, é uma sociedade de direito austríaco que entrou no mercado em questão, em Outubro de 1996, como segundo operador GSM. Um terceiro operador, a Connect Austria GmbH (a seguir «Connect Austria»), foi seleccionado na sequência de um processo de adjudicação, no início de Agosto de 1997, e fez igualmente a sua entrada nesse mercado.

3
Antes da entrada da sociedade max.mobil no mercado da exploração das redes de telefonia móvel, a Österreichische Post‑ und Telegraphenverwaltung (administração austríaca dos correios e telégrafos) detinha o monopólio legal em todo o sector da telefonia móvel e explorava, designadamente, as redes de telefonia móvel analógicas «C‑Netz» e «D‑Netz» assim como a rede GSM designada «A1». Em 1 de Junho de 1996, este monopólio foi confiado à Mobilkom, filial recentemente criada pela PTA.

4
Em 14 de Outubro de 1997, a sociedade max.mobil apresentou uma denúncia à Comissão, que tinha por objecto, designadamente, obter a declaração de que a República da Áustria tinha violado o disposto no artigo 86.°, conjugado com o disposto no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado CE (actuais artigos 82.° CE e 86.°, n.° 1, CE). No essencial, essa denúncia tinha por finalidade contestar o facto de não ter sido feita diferenciação entre os montantes das licenças exigidas, respectivamente, à sociedade max.mobil e à Mobilkom, bem como as facilidades de pagamento das referidas licenças concedidas a esta última.

5
Além disso, a sociedade max.mobil alegava nessa denúncia que o direito comunitário tinha sido violado, por um lado, porque as autoridades austríacas tinham consagrado na lei os benefícios concedidos à Mobilkom na atribuição das frequências e, por outro, porque a PTA tinha concedido apoios à sua filial Mobilkom para a instalação e a exploração da rede GSM desta última.

6
Em 22 de Abril de 1998, a sociedade max.mobil apresentou um articulado complementar à Comissão, no qual clarificava determinados elementos de facto e de direito relativos à situação que denunciava. Na sequência de uma reunião com a Comissão, que teve lugar em 14 de Julho de 1998, esta sociedade apresentou, em 27 de Julho de 1998, um segundo articulado complementar.

7
Em 11 de Dezembro de 1998, a Comissão informou a sociedade max.mobil, através da carta que era objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância, de que rejeitava parcialmente a sua denúncia de 14 de Outubro de 1997. A este respeito, a Comissão comunicou‑lhe, designadamente:

«Quanto [ao facto de não ter sido imposta à Mobilkom uma licença superior à licença paga pela max.mobil], a Comissão considera […] que a vossa empresa não apresentou provas suficientes da existência de uma medida estatal que tenha levado a Mobilkom a abusar da sua posição dominante. Segundo a prática habitual em casos semelhantes, a Comissão só intentou acções por incumprimento quando um Estado‑Membro impôs a uma empresa recém‑entrada no mercado uma licença superior à aplicável a uma empresa que aí já exercia a sua actividade (v. a decisão da Comissão, de 4 de Outubro de 1995, relativa às condições impostas ao segundo operador de radiotelefonia GSM em Itália, JO L 280, de 23 de Novembro de 1995).»


Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância

8
Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Fevereiro de 1999, a sociedade max.mobil interpôs um recurso a fim de obter a anulação parcial do acto controvertido, na parte em que este rejeita a denúncia.

9
Por requerimento separado entrado em 31 de Março de 1999 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade com fundamento no artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Por despacho de 17 de Setembro de 1999, o Tribunal decidiu reservar a decisão para final.

10
Em 15 de Julho de 1999, o Reino dos Países Baixos pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 17 de Setembro de 1999, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção.

11
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu iniciar a fase oral. No âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal convidou as partes a responderem por escrito a determinadas questões.

12
Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 2 de Maio de 2001.

13
A sociedade max.mobil concluiu pedindo que o Tribunal se dignasse:

anular o acto controvertido, na parte em que este não dá acolhimento à sua denúncia;

condenar a Comissão nas despesas.

14
A Comissão, apoiada pelo Reino dos Países Baixos, concluiu pedindo que o Tribunal se dignasse:

julgar o recurso inadmissível e, a título subsidiário, improcedente;

condenar a sociedade max.mobil nas despesas.


Acórdão recorrido

15
No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância, depois de, nas observações preliminares, ter determinado o contexto da decisão e, designadamente, o alcance da jurisprudência Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão (acórdão de 20 de Fevereiro de 1997, C‑107/95 P, Colect., p. I‑947), analisa sucessivamente a admissibilidade do pedido e a sua procedência.

Observações liminares do Tribunal de Primeira Instância

16
O Tribunal de Primeira Instância precisou, em primeiro lugar, no n.° 48 do acórdão recorrido, que o exame diligente e imparcial de uma denúncia é justificado pelo direito a uma boa administração das situações individuais, que faz parte dos princípios gerais comuns às tradições constitucionais dos Estados‑Membros, reproduzido no artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice, em 7 de Dezembro de 2000 (JO C 364, p. 1, a seguir «Carta dos Direitos Fundamentais»).

17
Considera, em seguida, nos n.os 49 e 51 do acórdão recorrido, que a obrigação da Comissão de proceder ao exame diligente e imparcial de uma denúncia lhe foi imposta nos domínios abrangidos pelos artigos 85.° e 86.° do Tratado (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE), bem como no âmbito do artigo 92.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) e do artigo 93.° do mesmo Tratado (actual artigo 88.° CE). Ora, o Tribunal de Primeira Instância considera que o artigo 90.° do Tratado deve ser interpretado à semelhança das disposições do Tratado relativas à concorrência, que reconhecem explicitamente direitos processuais aos queixosos. Considera que a sociedade max.mobil se encontra numa situação comparável à que é visada no artigo 3.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86 do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), que a autoriza a apresentar uma denúncia à Comissão.

18
O Tribunal de Primeira Instância alega, por último, nos n.os 52 e 53 do acórdão recorrido, que a existência de uma obrigação de exame diligente e imparcial é justificada pela obrigação geral de vigilância que incumbe à Comissão. Aquela deve aplicar‑se indistintamente no âmbito dos artigos 85.°, 86.°, 90.°, 92.° e 93.° do Tratado, mesmo quando as modalidades do exercício dessa obrigação variam em função dos seus domínios de aplicação específicos e, designadamente, dos direitos processuais atribuídos explicitamente pelo Tratado ou pelo direito comunitário derivado aos interessados nestes domínios. Consequentemente, são irrelevantes os argumentos da Comissão segundo os quais, por um lado, o artigo 90.°, n.° 3, do Tratado não reserva qualquer papel aos particulares e, por outro, a protecção dos particulares é garantida pelas obrigações que incumbem directamente aos Estados‑Membros.

19
Além disso, no n.° 54 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância faz uma distinção dos processos previstos nos artigos 90.°, n.° 3, e 169.° do Tratado (actual artigo 226.° CE). Segundo o Tribunal, enquanto, nos termos do artigo 169.° do Tratado, a Comissão «pode» intentar uma acção por incumprimento contra um Estado‑Membro, o artigo 90.°, n.° 3, deste mesmo Tratado prevê, ao invés, que esta adopte as medidas adequadas «quando necessário». Esta expressão indica que a Comissão deve proceder a um exame diligente e imparcial das denúncias, no termo do qual, por força do seu poder de apreciação, decide se há que proceder ou não a instrução e, eventualmente, tomar medidas relativamente ao ou aos Estados‑Membros em questão. Contrariamente ao que acontece com as suas decisões de intentar uma acção por incumprimento com base no artigo 169.° do Tratado, o poder da Comissão de dar seguimento a uma denúncia em aplicação do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, embora discricionário, é, no entanto, susceptível de ser objecto de fiscalização jurisdicional [v., neste sentido, n.° 96 das conclusões do advogado‑geral J. Mischo, no processo Comissão e França/TF1 (acórdão de 12 de Julho de 2001, C‑302/99 P e C‑308/99 P, Colect., p. I‑5603)].

20
Embora a Comissão goze de um amplo poder de apreciação quer relativamente à acção que considera necessário empreender quer quanto aos meios adequados para esse fim (v., designadamente, acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido, n.° 27), nos n.os 55 a 57 do acórdão recorrido, Tribunal de Primeira Instância recorda que, na medida em que a Comissão é obrigada a proceder ao exame diligente e imparcial de uma denúncia, o respeito dessa obrigação não permite, por essa razão, que a sua decisão de dar seguimento ou não à referida denúncia possa subtrair‑se a uma fiscalização jurisdicional idêntica àquela que é exercida a propósito da declaração de infracções nos domínios abrangidos pelos artigos 85.° e 86.° do Tratado (v., designadamente, acórdão de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, n.° 13). O Tribunal de Primeira Instância evoca o n.° 97 das conclusões do advogado‑geral J. Mischo, no processo Comissão e França/TF1, já referido, que defende que o mesmo é válido quanto às infracções ao artigo 90.°, n.° 3, do Tratado. Além disso, o Tribunal de Primeira Instância refere que essa fiscalização jurisdicional faz igualmente parte dos princípios gerais comuns às tradições constitucionais dos Estados‑Membros, como confirma o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

21
Para respeitar o poder discricionário da Comissão, quando o acto impugnado consiste numa decisão desta última de não exercer o poder que lhe é conferido pelo artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, o papel do juiz comunitário deve, segundo o Tribunal de Primeira Instância, limitar‑se a um controlo restrito que consiste em verificar a existência, no acto impugnado, de uma fundamentação que traduz a tomada em consideração dos elementos pertinentes do processo, a exactidão material dos factos e a inexistência de erro manifesto no que respeita à apreciação desses factos.

Quanto à admissibilidade da petição de primeira instância

22
Tendo em conta as suas observações liminares, o Tribunal de Primeira Instância admitiu o recurso da sociedade max.mobil, fundamentando o seu acórdão nos termos a seguir indicados.

23
Em primeiro lugar, no n.° 65 do acórdão recorrido, qualifica de decisão que pode ser objecto de recurso de anulação a carta da Comissão de 11 de Dezembro de 1998, na qual esta indica à sociedade max.mobil a sua intenção de não dar seguimento à sua denúncia ao abrigo do artigo 90.° do Tratado.

24
Seguidamente, nos n.os 70 e 71 do mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considera que a sociedade max.mobil é destinatária desta decisão e precisa que a mesma diz individualmente respeito à sociedade em razão de vários elementos.

25
Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância refere que o acto controvertido constitui a reacção da Comissão a uma denúncia formal da sociedade max.mobil.

26
Em segundo lugar, indica que a Comissão teve várias reuniões com esta sociedade, a fim de examinar diferentes aspectos referidos na denúncia.

27
Em terceiro lugar, segundo o Tribunal de Primeira Instância, no momento da atribuição da licença GSM à referida sociedade, esta última tinha um único concorrente, a Mobilkom, beneficiária das medidas estatais denunciadas na parte da denúncia cuja instrução a Comissão entendeu, no acto controvertido, não dever prosseguir.

28
Em quarto lugar, o Tribunal de Primeira Instância recorda que a sociedade max.mobil é o único dos dois concorrentes da Mobilkom a quem foi imposta uma licença idêntica à da Mobilkom, ao passo que ao outro concorrente, a Connect Austria, foi imposta uma licença de montante significativamente inferior à imposta à Mobilkom ou à sociedade max.mobil.

29
Em quinto lugar, não se contesta, segundo o Tribunal de Primeira Instância, que o montante da licença imposta à Mobilkom, que constitui a questão central da denúncia e do acto controvertido, foi decalcado mecanicamente do montante da licença proposto pela sociedade max.mobil no âmbito do processo de atribuição da segunda licença GSM na Áustria.

30
Em sexto lugar, o Tribunal de Primeira Instância refere que a medida que constitui objecto da denúncia e do acto controvertido tem alcance individual em relação à Mobilkom e não constitui uma medida de alcance geral como a que está em causa no processo que deu lugar ao acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido.

Quanto ao mérito do pedido em primeira instância

31
Depois de ter recordado, nos n.os 73 e 75 do acórdão recorrido, que a fiscalização exercida pelo Tribunal de Primeira Instância se limita à verificação do respeito, pela Comissão, do seu dever de exame diligente e imparcial das denúncias e que o acto controvertido assenta em factos cuja natureza material não é contestada, o Tribunal considera que a Comissão pôde, sem incorrer em erro manifesto de apreciação, concluir que o facto de se impor à Mobilkom o pagamento de uma licença de montante idêntico ao pago pela sociedade max.mobil não basta, por si só, para demonstrar que a Mobilkom foi incitada a abusar da sua posição dominante. De resto, esta conclusão é compatível com a prática anterior da Comissão.

32
Além disso, o Tribunal de Primeira Instância refere que o acto impugnado foi adoptado na sequência de várias reuniões entre a sociedade max.mobil e a Comissão, num contexto que esta sociedade conhecia, o que lhe permitiu entender as razões que figuram nos fundamentos do acto controvertido. Por conseguinte, não se pode, segundo o Tribunal de Primeira Instância, considerar que existe falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente como no acórdão de 17 de Março de 1983, Control Data/Comissão (294/81, Recueil, p. 911, n.° 15). O Tribunal de Primeira Instância conclui, em consequência, que o acto impugnado está suficientemente fundamentado à luz do artigo 190.° do Tratado (actual artigo 253.° CE).


Tramitação processual no Tribunal de Justiça

33
Em 12 de Abril de 2002, a Comissão das Comunidades Europeias interpôs o presente recurso para o Tribunal de Justiça.

34
Em 1 de Agosto de 2002, a República Francesa pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 24 de Outubro de 2002, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu esse pedido.

35
Em 9 de Agosto de 2002, na sua resposta, a sociedade max.mobil interpôs recurso subordinado. A Comissão respondeu por réplica, em 15 de Novembro de 2002. A sociedade max.mobil respondeu por tréplica, em 25 de Fevereiro de 2003.


Pedidos no recurso principal e no recurso subordinado

36
A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido, na parte em que declara admissível o recurso de anulação da carta de 11 de Dezembro de 1998, interposto pela sociedade max.mobil;

declarar inadmissível o recurso de anulação do acto controvertido, interposto pela sociedade max.mobil;

negar provimento ao recurso subordinado interposto pela sociedade max.mobil;

condenar a sociedade max.mobil nas despesas.

37
A sociedade max.mobil pede que o Tribunal de Justiça se digne:

negar provimento ao recurso interposto pela Comissão, a título principal, por inadmissibilidade, e, a título subsidiário, por falta de fundamento;

e no recurso subordinado:

anular o acórdão recorrido, na parte em que negou provimento ao recurso de anulação;

anular o acto controvertido;

condenar a Comissão nas despesas.

38
A República Francesa, em articulado de intervenção, pede que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido, na parte em que admite o recurso de anulação interposto pela sociedade max.mobil ao abrigo do artigo 90.° do Tratado;

condenar a sociedade max.mobil nas despesas da instância.


Quanto ao presente recurso

Quanto à admissibilidade do recurso principal

Argumentos das partes

39
A Comissão considera que o presente recurso é admissível, baseando a sua argumentação em dois aspectos.

40
Por um lado, o recurso é admissível nos termos do artigo 49.° (actual artigo 56.°), primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, na medida em que o acórdão recorrido põe termo a um incidente processual relativo à admissibilidade do recurso em primeira instância, julgando‑o admissível. Assim, quanto a este aspecto, o acórdão recorrido é lesivo para a Comissão, enquanto recorrida no Tribunal de Primeira Instância. A circunstância de, quanto ao mérito, o Tribunal de Primeira Instância ter julgado o recurso improcedente não tem qualquer efeito sobre a admissibilidade do recurso da Comissão destinado a obter a anulação do acórdão recorrido que declarou que o acto controvertido pode ser objecto de recurso contencioso (acórdão de 26 de Fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, Colect., p. I‑1873, n.os 50 e 52).

41
Por outro lado, o recurso é admissível nos termos do artigo 49.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça. A Comissão é, com efeito, uma das partes que podem interpor recurso do acórdão recorrido, independentemente dos pedidos de mérito, como implicitamente admite o Tribunal de Justiça no acórdão de 21 de Janeiro de 1999, França/Comafrica e o. (C‑73/97 P, Colect., p. I‑185), ou ainda sem ter de provar qualquer interesse, como sublinha o Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 171).

42
A sociedade max.mobil considera que, uma vez que a Comissão obteve ganho de causa, o artigo 49.°, segundo parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça é aplicável e opõe‑se à admissibilidade do presente recurso da Comissão. Além disso, neste processo, a questão da admissibilidade foi examinada não no âmbito de um incidente processual mas no âmbito do exame de mérito. Ora, o acórdão recorrido examina o recurso na sua globalidade, sendo esta posição corroborada pelo artigo 114.°, n.° 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

43
A sociedade max.mobil contesta, além disso, a interpretação dada pela Comissão ao artigo 49.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça. As instituições comunitárias não podem beneficiar de uma posição diferente da das outras partes. Não podem interpor qualquer recurso com o único objectivo de obrigar o Tribunal de Justiça a clarificar uma das questões jurídicas examinadas num mesmo acórdão e, por conseguinte, não autónomas, como resulta do n.° 51 do acórdão Conselho/Boehringer, já referido, confirmado pelo acórdão Comissão e França/TF1, já referido.

44
A sociedade max.mobil observa, por fim, que o contexto do acórdão França/Comafrica e o., já referido, é diferente. O Tribunal de Justiça, nesse processo, era confrontado com um conjunto de decisões do Tribunal de Primeira Instância, pelo que qualquer referência a esse acórdão é impertinente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

45
Num primeiro momento, há que afastar o raciocínio desenvolvido pela sociedade max.mobil por referência ao acórdão Comissão e França/TF1, já referido. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça, confirmando a decisão de não conhecimento do mérito proferida em primeira instância pelo Tribunal de Primeira Instância, declarou que este último tinha podido proferir uma decisão, sem ter de se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso nele interposto, tendo em conta a ordem por que as questões são examinadas (acórdão Comissão e França/TF1, já referido, n.os 25 a 28).

46
No presente processo, pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se formalmente sobre a admissibilidade do recurso antes de se pronunciar sobre o processo quanto ao mérito.

47
Ora, por um lado, nos termos do artigo 49.°, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça:

«Pode ser interposto recurso para o Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal de Primeira Instância que ponham termo à instância, bem como das decisões que apenas se pronunciem parcialmente sobre o mérito da causa ou que ponham termo a um incidente processual relativo a uma excepção de incompetência ou de inadmissibilidade.»

48
Por outro lado, por força do artigo 49.°, terceiro parágrafo, do mesmo Estatuto, as instituições da Comunidade não têm de fazer prova de interesse em agir para poder interpor recurso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, já referido, n.°171).

49
No caso vertente, o recurso da Comissão destina‑se a obter a anulação, pelo Tribunal de Justiça, da parte do acórdão recorrido, isto é, os n.os 65 a 72, em que o Tribunal de Primeira Instância afastou expressamente a questão prévia de inadmissibilidade que a Comissão tinha suscitado, uma vez que essa parte constitui uma decisão que põe termo a um incidente processual na acepção do artigo 49.°, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça.

50
As decisões que põem termo a um incidente processual relativo a uma questão prévia de inadmissibilidade, na acepção da referida disposição, são decisões que lesam uma das partes ao admitirem ou rejeitarem essa questão. Assim, o Tribunal de Justiça admitiu um recurso de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância porquanto este tinha julgado improcedente uma questão prévia de inadmissibilidade suscitada por uma parte contra um recurso, quando o Tribunal de Primeira Instância tinha, na sequência do mesmo acórdão, negado provimento a esse recurso (v. acórdãos, já referidos, França/Comafrica e o., bem como Conselho/Boehringer, n.° 50).

51
No presente processo, dado que, como se acabou de ver, o Tribunal de Primeira Instância entendeu pronunciar‑se por meio de decisão quanto à admissibilidade do recurso interposto pela sociedade max.mobil antes de lhe negar provimento quanto ao mérito, o presente recurso interposto pela Comissão, que tem por objecto a referida decisão que a lesa, deve ser considerado admissível.

52
A questão prévia de inadmissibilidade do recurso suscitada pela sociedade max.mobil deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

Quanto à admissibilidade do recurso para o Tribunal de Primeira Instância

Argumentos das partes

53
Embora a Comissão admita que tem o dever de proceder a um exame diligente das denúncias que recebe no domínio do artigo 90.° do Tratado, considera, como o Governo francês, que o Tribunal de Primeira Instância incorreu em erro de direito ao considerar que a sua decisão de mover uma acção por infracção às normas da concorrência podia ser objecto de fiscalização jurisdicional.

54
Considera que o Tribunal de Primeira Instância não respeita o alcance do acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido, ao declarar que a solução nele consagrada, isto é, a de que a Comissão tem poder discricionário para mover acções contra as infracções, mais não é do que uma excepção ao direito geral ao exame das denúncias. Alega que o Tribunal de Justiça, no n.° 25 desse acórdão, declara, pelo contrário, que a legitimidade para agir judicialmente contra a recusa da Comissão de intervir nos termos do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado só pode existir, em rigor, em situações excepcionais.

55
No caso vertente, a sociedade max.mobil não se encontra numa situação excepcional na acepção dessa jurisprudência, como refere igualmente o Governo francês.

56
Além disso, a Comissão, apoiada pelo Governo francês, contesta a qualificação como «decisão» da sua carta de 11 de Dezembro de 1998, dada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 64 a 68 e 71 do acórdão recorrido. As cartas da Comissão deveriam ser consideradas meras informações.

57
Defende que os direitos processuais, entre os quais o de obter uma decisão da Comissão, reconhecidos pelo Regulamento n.° 17, não são aplicáveis no âmbito do artigo 90.°, n.° 3, do Tratado.

58
A Comissão contesta, em consequência, a possibilidade de o Tribunal de Primeira Instância fazer referência aos precedentes da jurisprudência relativos aos direitos baseados na aplicação dos artigos 85.° e 86 do Tratado.

59
A Comissão considera, por último, que o princípio da boa administração das situações individuais, até ali desconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, mas com base no qual o Tribunal de Primeira Instância confirma o seu raciocínio, é demasiado geral para fundar direitos processuais conferidos aos particulares, tanto mais que a Carta dos Direitos Fundamentais invocada em apoio deste princípio não é aplicável. O artigo 41.°, n.° 2, terceiro travessão, da referida Carta mais não faz, de resto, que recordar o dever de fundamentação previsto no artigo 190.° do Tratado. O artigo 41.°, n.° 4, da referida Carta reflecte o artigo 21.°, terceiro parágrafo, CE, resultante do Tratado de Amesterdão, que ainda não estava em vigor em 11 de Dezembro de 1998, data do acto controvertido, enquanto decisão impugnada em primeira instância.

60
A sociedade max.mobil invoca essencialmente a sua legitimidade para agir. Inspirando‑se nos n.os 99, 100, 103 e 107 das conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo Comissão e França/TF1, já referido, no acórdão de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão (C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.os 23 e 25), bem como nas conclusões do advogado‑geral A. La Pergola no processo Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido, a sociedade max.mobil considera que, no acórdão proferido neste último processo, a inadmissibilidade acolhida pelo Tribunal de Justiça assentava não no amplo poder de apreciação invocado pela Comissão mas na circunstância de a denúncia se referir a um acto de alcance geral cuja contestação por um particular era, ela própria, inadmissível.

61
Ora, como o Tribunal de Primeira Instância reconheceu no acórdão recorrido, a decisão da Comissão de não dar seguimento à denúncia da sociedade max.mobil diz individualmente respeito a essa sociedade, pelas razões recordadas nos n.os 24 a 30 do presente acórdão.

62
Assim, a concessão de um amplo poder de apreciação à Comissão não determina automaticamente a inadmissibilidade dos recursos interpostos das decisões tomadas com base nesse poder.

63
Por conseguinte, não se pode excluir a possibilidade de submeter à fiscalização jurisdicional as decisões de recusa tomadas pela Comissão relativamente às denúncias dos particulares, independentemente da natureza dos actos impugnados. A sociedade max.mobil invoca, a este respeito, os n.os 24 e 25 do acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido.

64
Além disso, a sociedade max.mobil considera que se encontra numa situação excepcional na acepção deste acórdão e do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1999, TF1/Comissão (T‑17/96, Colect., p. II‑1757). Neste último acórdão, o Tribunal de Primeira Instância deduz o carácter excepcional da situação em causa da posição concorrencial especial que ocupava a recorrente relativamente aos restantes canais de televisão e do facto de este recurso ter por objecto uma decisão individual e não um acto de alcance geral, contrariamente ao acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido.

65
Finalmente, a sociedade max.mobil considera que o raciocínio da Comissão segundo o qual a Carta dos Direitos Fundamentais é desprovida de força jurídica é errado, uma vez que este documento reproduz e confirma os direitos fundamentais da União Europeia. O artigo 41.°, n.° 2, da Carta fundamenta claramente o reconhecimento do direito a uma boa administração das situações individuais. Alega, além disso, que a concessão expressa de direitos processuais não pode constituir uma condição do respeito do direito de defesa de uma pessoa (acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, dito «Boussac Saint Frères», C‑301/87, Colect., p. I‑307).

Apreciação do Tribunal de Justiça

66
O artigo 90, n.° 3, do Tratado incumbe a Comissão de velar pelo respeito, por parte dos Estados‑Membros, das obrigações que lhes são impostas no que respeita às empresas visadas no artigo 90.°, n.° 1, do mesmo Tratado, e atribui‑lhe expressamente competência para intervir para esse efeito por meio de directivas e de decisões. A Comissão tem poder para declarar que determinada medida estatal é incompatível com as regras do Tratado e para indicar as medidas que o Estado destinatário deve adoptar para dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário (v. acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido, n.° 23).

67
No caso vertente, a sociedade max.mobil, recorrente em primeira instância, pediu à Comissão que declarasse que a República da Áustria violou o disposto no artigo 86.°, conjugado com o disposto no artigo 90.°, n.° 1, do Tratado. Alegava na sua denúncia que, ao não diferenciar os montantes das licenças que eram reclamadas a ela e ao seu concorrente Mobilkom, quando esta última sociedade recebia, na qualidade de filial, apoios da PTA para a instalação e a exploração da sua rede GSM, as autoridades austríacas tinham concedido ilegalmente à Mobilkom vantagens na atribuição de frequências.

68
Resulta do n.° 24 do acórdão Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, já referido, que um particular pode, eventualmente, interpor recurso de anulação de uma decisão que a Comissão dirige a um Estado‑Membro com fundamento no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado, se estiverem preenchidas as condições previstas no artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 230.°, quarto parágrafo, CE).

69
Todavia, resulta da redacção do n.° 3 do artigo 90.° do Tratado e da economia do disposto neste artigo que a Comissão não é obrigada a mover uma acção na acepção das referidas disposições, uma vez que os particulares não podem exigir que esta instituição tome posição em determinado sentido.

70
A circunstância de um recorrente ter interesse directo e individual na anulação da decisão de recusa da Comissão de dar seguimento à sua denúncia não é susceptível de lhe conferir o direito de impugnar essa decisão. Com efeito, não se pode considerar que a carta em que a Comissão informou a sociedade max.mobil de que não tinha intenção de mover uma acção contra a República da Áustria produz efeitos jurídicos obrigatórios, pelo que não constitui um acto impugnável passível de recurso de anulação.

71
A parte recorrente também não pode invocar um direito de interpor recurso que lhe seja conferido pelo Regulamento n.° 17, que não é aplicável ao artigo 90.° do Tratado.

72
Esta conclusão não colide nem com o princípio da boa administração nem com outro princípio geral de direito comunitário. Com efeito, nenhum princípio geral de direito comunitário impõe que seja admissível que uma empresa impugne, no tribunal comunitário, a recusa da Comissão de mover contra um Estado‑Membro uma acção com base no artigo 90.°, n.° 3, do Tratado.

73
Assim, não era admissível a impugnação pela sociedade max.mobil, no Tribunal de Primeira Instância, da recusa da Comissão de mover uma acção e de punir uma pretensa infracção às regras da concorrência eventualmente originada pela decisão do Governo austríaco de não diferenciar os montantes das licenças reclamadas, respectivamente, a essa sociedade e ao seu concorrente Mobilkom, para a exploração das suas redes de telefonia móvel.

74
Consequentemente, há que considerar que foi sem razão que o Tribunal de Primeira Instância declarou admissível o recurso interposto pela sociedade max.mobil contra o acto controvertido.

75
Resulta do exposto, sem que seja necessário analisar os restantes fundamentos da Comissão e os pedidos do recurso subordinado, que o acórdão do Tribunal de Primeira Instância deve ser anulado e que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela sociedade max.mobil contra o acto controvertido.


Quanto às despesas

76
Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Irish Sugar e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.




Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)
O acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 30 de Janeiro de 2002, max.mobil/Comissão (T‑54/99), é anulado.

2)
É negado provimento ao recurso interposto pela sociedade max.mobil Telekommunikation Service GmbH para o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias.

3)
A sociedade T‑Mobile Austria GmbH é condenada nas despesas.


Assinaturas


1
Língua do processo: alemão.