Language of document : ECLI:EU:T:2002:74

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

20 de Março de 2002 (1)

«Concorrência - Acordo, decisão ou prática concertada - Condutas de aquecimento urbano - Artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) - Boicote - Coima - Orientações para o cálculo das coimas»

No processo T-21/99,

Dansk Rørindustri A/S, com sede em Fredericia (Dinamarca), representada por K. Dyekjær-Hansen, K. Høegh e C. Karhula Lauridsen, avocats, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por É. Gippini Fournier e H. C. Støvlbæk, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 1.° da Decisão 1999/60/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/35.691/E-4 - Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1), bem como um pedido de redução da coima aplicada por essa decisão à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: P. Mengozzi, presidente, V. Tiili e R. M. Moura Ramos, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão (2)

Factos na origem do litígio

1.
    A recorrente é uma sociedade dinamarquesa, igualmente conhecida pelo nome de Starpipe, que fabrica condutas destinadas ao aquecimento urbano.

[...]

8.
    Em 21 de Outubro de 1998, a Comissão adoptou a Decisão 1999/60/CE relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/35.691/E-4 - Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1), rectificada antes da sua publicação pela decisão de 6 de Novembro de 1998 [C(1998) 3415 final, a seguir «decisão» ou «decisão impugnada»], que declara a participação de diversas empresas, e, nomeadamente, da recorrente, num conjunto de acordos e de práticas concertadas na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) (a seguir «cartel»).

9.
    Nos termos da decisão, no final do ano de 1990, foi celebrado um acordo entre os quatro produtores dinamarqueses de condutas de aquecimento urbano, baseado no princípio de uma cooperação geral no mercado nacional. Esse acordo reuniu a recorrente, bem como a ABB IC Møller A/S, a filial dinamarquesa do grupo helvético-sueco ABB Asea Brown Boveri Ltd (a seguir «ABB»), a Løgstør Rør A/S (a seguir «Løgstør») e a Tarco Energi A/S (a seguir «Tarco») (a seguir, consideradas em conjunto, «produtores dinamarqueses»). Uma das primeiras medidas terá consistido em coordenar o aumento dos preços tanto no mercado dinamarquês como nos mercados de exportação. Para repartir o mercado dinamarquês, terão sido fixadas quotas, posteriormente aplicadas e controladas por um «grupo de contacto» que reunia os responsáveis de vendas das empresas em causa. Para cada projecto comercial (a seguir «projecto»), a empresa à qual o grupo de contacto tinha atribuído o projecto terá informado os outros participantes do preço que tinha a intenção de propor, e estes últimos terão então feito uma proposta mais elevada de modo a proteger o fornecedor designado pelo cartel.

10.
    Nos termos da decisão, dois produtores alemães, o grupo Henss/Isoplus (a seguir «Henss/Isoplus») e a Pan-Isovit GmbH, começaram a participar nas reuniões regulares dos produtores dinamarqueses a partir do Outono de 1991. No âmbito dessas reuniões, ter-se-ão realizado negociações para a repartição do mercado alemão. Estas terão conduzido, em Agosto de 1993, a acordos fixando quotas de venda para cada empresa.

11.
    Também segundo a decisão, foi celebrado um acordo entre todos estes produtores, em 1994, a fim de fixar quotas para todo o mercado europeu. Este cartel europeu terá tido uma estrutura com dois níveis. O «clube dos directores», composto pelos presidentes ou directores-gerais das empresas participantes no cartel, terá atribuído quotas a cada empresa tanto para o conjunto do mercado como para cada um dos mercados nacionais, nomeadamente a Alemanha, a Áustria, a Dinamarca, a Finlândia, a Itália, os Países Baixos e a Suécia. Relativamente a certos mercados nacionais, foi criado um «grupo de contacto», composto por responsáveis locais de vendas, a quem foi atribuída a tarefa de administrar os acordos atribuindo os projectos e coordenando as apresentações de propostas nos concursos.

12.
    No respeitante ao mercado alemão, a decisão menciona que, após uma reunião dos seis principais produtores europeus (ABB, Henss/Isoplus, Løgstør, Pan-Isovit, Tarco e a recorrente) e da Brugg Rohrsysteme GmbH (a seguir «Brugg») em 18 de Agosto de 1994, realizou-se uma primeira reunião do grupo de contacto para a Alemanha em 7 de Outubro de 1994. As reuniões deste grupo terão continuado muito tempo após as verificações da Comissão, no fim de Junho de 1995, embora, a partir desse momento, se tenham efectuado fora da União Europeia, em Zurique. As reuniões em Zurique terão continuado até 25 de Março de 1996.

13.
    Como elemento do cartel, a decisão cita, nomeadamente, a adopção e a execução de medidas concertadas destinadas a eliminar a única empresa importante que nãofazia parte do cartel, a Powerpipe. A Comissão especifica que certos participantes no cartel terão recrutado «funcionários-chave» da Powerpipe e dado a entender a esta última que devia retirar-se do mercado alemão. Na sequência da atribuição à Powerpipe de um importante projecto alemão, em Março de 1995, foi efectuada uma reunião em Düsseldorf, na qual terão participado os seis produtores supra referidos e a Brugg. Segundo a Comissão, foi decidido, nessa reunião, instituir o boicote colectivo dos clientes e dos fornecedores da Powerpipe. Esse boicote terá seguidamente sido posto em prática.

14.
    Na decisão, a Comissão expõe os fundamentos pelos quais não apenas o acordo expresso de repartição dos mercados celebrado entre os produtores dinamarqueses no final de 1990, mas também os acordos celebrados a partir de Outubro de 1991, vistos conjuntamente, podem ser considerados um «acordo» proibido pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Além disso, a Comissão sublinha que os cartéis «dinamarquês» e «europeu» constituíam apenas a expressão de um único acordo que começou na Dinamarca, mas que teve, desde o início, o objectivo, a longo prazo, de alargar o controlo dos participantes a todo o mercado. Segundo a Comissão, o acordo duradouro entre produtores teve um efeito significativo sobre o comércio entre Estados-Membros.

15.
    Pelos fundamentos expostos, é o seguinte o dispositivo da decisão:

«Artigo 1.°

A ABB Asea Brown Boveri Ltd, a Brugg Rohrsysteme GmbH, a Dansk Rørindustri A/S, a Henss/Isoplus Group, a Ke-Kelit Kunstoffwerk GmbH, a Oy KWH Tech AB, a Løgstør Rør A/S, a Pan-Isovit GmbH, a Sigma Tecnologie Di Rivestimento S.r.l. e a Tarco Energi A/S infringiram o n.° 1 do artigo 85.° do Tratado ao participarem, da forma e na medida descritas nos fundamentos desta decisão, num conjunto de acordos e práticas concertadas no sector dos tubos com revestimento térmico que tiveram início aproximadamente em Novembro/Dezembro de 1990 entre os quatro produtores dinamarqueses, e que foi posteriormente alargado a outros mercados nacionais, e aos quais se associaram a Pan-Isovit e a Henss/Isoplus, antes de constituírem, no final de 1994, um cartel global que abrangia o conjunto do mercado comum.

A duração da infracção foi a seguinte:

-    no caso [...] da Dansk Rør [...]: de aproximadamente Novembro/Dezembro de 1990 a pelo menos Março ou Abril de 1996,

    [...]

[...]

As características principais da infracção são as seguintes:

-    repartição entre os produtores dos diferentes mercados nacionais e, finalmente, do conjunto do mercado europeu, através de um sistema de quotas,

-    atribuição de mercados nacionais a certos produtores e organização da retirada de outros produtores,

-    fixação em conjunto dos preços do produto e para projectos individuais,

-    atribuição de projectos individuais a produtores designados para o efeito e manipulação dos processos de apresentação de propostas no âmbito de concursos, a fim de obter a adjudicação dos contratos a esses produtores,

-    para proteger o cartel da concorrência da única empresa importante que dele não fazia parte, a Powerpipe AB, aplicação de medidas concertadas destinadas a entravar a sua actividade comercial, a prejudicar o bom desenvolvimento das suas actividades ou a afastá-la pura e simplesmente do mercado.

[...]

Artigo 3.°

São aplicadas às empresas nomeadas no artigo 1.°, devido às respectivas infracções, as seguintes coimas:

[...].

c) Dansk Rørindustri A/S, uma coima de 1 475 000 ecus;

[...]»

[...]

Quanto ao pedido de medidas de instrução

24.
    Nos termos do artigo 68.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a recorrente, nas observações que apresentou em 20 de Junho de 2000, solicitou que o seu director, o seu administrador delegado e o presidente do seu conselho de administração fossem ouvidos, em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a recorrente participou na reunião de 24 de Março de 1995 em Düsseldorf, em segundo lugar, quanto à questão de saber se, ao se recusar a participar na aquisição da Powerpipe quando da reunião de 5 de Maio de 1995 em Budapeste, deixou de participar nas acções dirigidas contra a Powerpipe e, emterceiro, quanto ao objecto real da reunião realizada quando de um congresso em Estocolmo, de 12 a 13 de Junho de 1995.

25.
    O Tribunal considera, contudo, que a recorrente não apresentou uma justificação suficiente para que se proceda à requerida inquirição de testemunhas. Efectivamente, na falta de novos elementos de facto que se tenham revelado após a adopção da decisão impugnada, e tendo em conta o facto de as testemunhas oferecidas serem pessoas que fazem parte da direcção ou do conselho de administração da recorrente, os depoimentos requeridos não podem acrescentar qualquer elemento que a recorrente não tivesse podido avançar na petição inicial ou na réplica.

26.
    Por estes motivos, o Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de inquirição de testemunhas.

Quanto ao mérito

27.
    A recorrente invoca, essencialmente, três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O segundo é relativo à violação de princípios gerais durante a fase administrativa do processo. O terceiro fundamento assenta na violação de princípios gerais e em erros de facto na determinação do montante da coima.

I - Quanto ao fundamento relativo a erros de facto e de direito na aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

A - Quanto à qualificação do cartel como único e contínuo

1. Argumentos das partes

[...]

32.
    No entender da recorrente, o cartel só foi reactivado no final do Verão de 1994. Após a dissolução do cartel em Outubro de 1993, a recorrente não participou nos contactos bilaterais e trilaterais que seguidamente tiveram lugar entre determinadas empresas e recomeçou a participar unicamente na medida em que foi convocada para reuniões. Posteriormente, não participou e não foi convidada para as reuniões de 3 de Maio e de 9 de Maio de 1994, por ocasião das quais foram restabelecidos os acordos sobre preços e o sistema de quotas relativo à Alemanha. A recorrente foi colocada perante o facto consumado.

[...]

35.
    No entender da recorrida, já a partir de Março de 1994, as reuniões plenárias entre os seis produtores recomeçaram com a participação dos directores-gerais e dosresponsáveis pelas vendas. Efectivamente, a recorrente não contestou a sua participação nas reuniões preliminares de 7 de Março e 15 de Abril de 1994 relativas à reactivação do cartel. Não tem, por isso, significado afirmar que a recorrente não assistiu às reuniões seguintes de Maio de 1994. Como a sequência do processo demonstrou que a recorrente decidiu continuar a ser membro do cartel, o grau de entusiasmo de que fez prova para a retoma das práticas anticoncorrenciais não tem relevância para calcular a duração do cartel.

[...]

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

[...]

- Quanto à retoma da participação da recorrente no cartel

57.
    Há que concluir que, ao contrário do que a Comissão afirma, não resulta dos elementos de prova por esta indicados, ou seja, as respostas da Tarco de 31 de Maio de 1996 e da Løgstør de 25 de Abril de 1996 ao pedido de informações da Comissão de 13 de Março de 1996 (a seguir, respectivamente, «resposta da Tarco» e «resposta da Løgstør»), que a recorrente tenha assistido às reuniões de 7 de Março e de 15 de Abril de 1994. Por um lado, no que se refere à resposta da Tarco, é de observar que, relativamente à reunião de 7 de Março de 1994, se tratou de uma reunião de «vários directores-gerais e directores de vendas para a Alemanha». Ora, enquanto a Tarco observa, na mesma peça, que esta reunião incluía como participantes, «provavelmente», representantes da ABB, da Løgstør, da Pan-Isovit e dela própria, e que deveria participar um representante da Henss/Isoplus, mas não pôde estar presente, acrescenta não poder confirmar se a recorrente estava representada. Além disso, no que respeita aos participantes na reunião de 15 de Abril de 1994, a resposta da Tarco refere unicamente «vários directores-gerais e directores de vendas para a Alemanha», sem identificar estes participantes. Por outro lado, no que se refere ao quadro de viagens profissionais efectuadas pelo director de vendas da Løgstør, anexo por esta à sua resposta, há que verificar que o mesmo apenas confirma a representação da Løgstør numa reunião de 15 de Abril de 1994, sem identificar os restantes participantes. Daqui resulta que a Comissão não apresentou qualquer elemento de prova que possa apoiar a presença da recorrente nas duas reuniões em questão.

58.
    Acresce que é pacífico que a recorrente não esteve presente na reunião de 3 de Maio de 1994.

59.
    Além disso, no que se refere à reunião de 18 de Agosto de 1994, na qual a recorrente não nega ter estado presente, deve observar-se que, na carta convite para a mesma reunião, enviada em 10 de Junho de 1994 a W. Henss e aos directores da recorrente, da ABB, da Løgstør, da Pan-Isovit e da Tarco (anexo 56da comunicação das acusações), o coordenador do cartel refere o seguinte: «Dado que a lista de 9 de Maio de 1994 está incompleta no que diz respeito a certas rubricas e que, por esse facto, as comparações de propostas ocasionaram confrontações e diferenças de interpretação importantes, permito-me completar as rubricas em falta com a lista em anexo». À luz da resposta da ABB, segundo a qual existia uma tabela de preços que, na sequência de uma reunião em 3 de Maio de 1994 em Hanover, devia ser utilizada para todas as entregas aos fornecedores alemães, há que concluir que, quando da organização da reunião de 18 de Agosto de 1994, foi previsto continuar a discussão sobre uma lista de preços a aplicar quando da apresentação de propostas em concursos e cuja execução já se tinha iniciado, embora de modo problemático. Mostra-se, aliás, que a existência dessa lista é confirmada pela Tarco na sua resposta.

60.
    A este respeito, é de realçar que, segundo a resposta da ABB, foram discutidas medidas destinadas a «melhorar» o nível de preços na Alemanha na reunião de 18 de Agosto de 1994. Segundo a ABB, estas medidas poderiam ter abrangido o fornecimento de novas tabelas ao coordenador do cartel para efeitos de elaboração de uma nova tabela de preços uniforme bem como de um acordo por força do qual os descontos sobre os preços da tabela não ultrapassassem um máximo acordado até ao final de 1994 e por força do qual os preços da tabela seriam impostos a partir de 1 de Janeiro de 1995, embora quanto a este último ponto o acordo possa igualmente ter sido celebrado numa reunião ulterior (resposta da ABB). Ora, mesmo que a afirmação da ABB sobre o conteúdo da reunião de 18 de Agosto de 1994 não seja confirmado por outros participantes no cartel, há que verificar, tendo em conta as conclusões que devem ser extraídas do convite para a referida reunião, que o debate de 18 de Agosto de 1994 completou ou mesmo confirmou a tabela de preços uniforme acordada em Maio de 1994.

61.
    Atendendo à referência feita à tabela de preços na carta convite recebida pela recorrente para a reunião de 18 de Agosto de 1994 e à sua presença nessa mesma reunião, deve observar-se que a Comissão demonstrou, de forma juridicamente bastante, a participação da recorrente num acordo sobre preços a partir do mês de Agosto de 1994.

62.
    Contudo, no que respeita ao período de Abril a Agosto de 1994, há que concluir que a Comissão cometeu um erro na determinação da duração da infracção imputada à recorrente. Efectivamente, na falta de elementos de prova susceptíveis de demonstrar directamente a duração de uma infracção, o princípio da segurança jurídica impõe que a Comissão invoque, pelo menos, elementos de prova relativos a factos suficientemente próximos em termos temporais, de modo a poder-se razoavelmente admitir que esta infracção perdurou ininterruptamente entre duas datas precisas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T-43/92, Colect., p. II-441, n.° 79). Ora, tendo em conta a suspensão das actividades anticoncorrenciais de Outubro de 1993 até Março de 1994, reconhecida pela própria Comissão, e na falta de provas que demonstrem a participação da recorrente em actividades anticoncorrenciais noperíodo de Abril a Agosto de 1994, a Comissão não pode acusá-la de ter retomado a sua participação no cartel em causa antes de Agosto de 1994.

63.
    Consequentemente, há que julgar procedente a crítica da recorrente na medida em que contesta ter participado no cartel no período de Abril a Agosto de 1994.

[...]

II - Quanto ao fundamento relativo à violação de princípios gerais durante a fase administrativa do processo

A - Argumentos das partes

142.
    A recorrente afirma que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento e o da exigência de um julgamento equitativo na medida em que apenas advertiu a ABB para não continuar a infracção, ao passo que uma pequena empresa como a recorrente não dispunha das mesmas condições que a ABB para se aperceber da gravidade e das consequências do cartel, designadamente da sua continuação.

143.
    Este vício de forma assumiu uma importância concreta na medida em que a Comissão, na tomada em consideração da continuação do cartel para cálculo do montante das coimas, ignorou o facto de os restantes participantes no cartel para além da ABB, designadamente a recorrente, não terem recebido a advertência em questão.

144.
    Ao praticar uma diferença de tratamento no que respeita às possibilidades de avaliação das consequências de um eventual processo judicial relativo à infracção, a Comissão violou igualmente os seus deveres de assegurar um julgamento imparcial e equitativo e, ao assim proceder, violou os direitos fundamentais que o órgão jurisdicional comunitário deve proteger nos termos das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e dos acordos internacionais, entre os quais a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH). As exigências de um julgamento equitativo impõem-se à Comissão no âmbito do tratamento de um processo, independentemente do facto de a Comissão ser ou não um «tribunal» na acepção da CEDH.

145.
    No entender da recorrente, a ofensa que assim resulta ao princípio da igualdade de tratamento deverá conduzir à anulação da decisão, na medida em que a Comissão tornou a recorrente responsável por continuar a infracção após a ABB ter recebido uma advertência, ou, subsidiariamente, a uma redução do montante da coima.

146.
    A recorrida afirma que não houve vício de forma nem violação dos direitos fundamentais pelos quais a decisão deva ser anulada ou o montante da coimareduzido. De acordo com as investigações, a recorrente estava ao corrente de que existia uma infracção manifesta às regras da concorrência, o que é confirmado pelas tentativas de dissimulação das actividades do cartel através da continuação das reuniões em Zurique. A advertência enviada à ABB deveu-se a circunstâncias particulares, designadamente o risco de que a denunciante abrisse falência se os membros do cartel continuassem a sua acção. Além disso, não é de atribuir qualquer importância do ponto de vista jurídico à advertência enviada à ABB, nem para a apreciação dos comportamentos ilícitos nem para a fixação do montante da coima.

B - Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

147.
    É de notar que a Comissão, no n.° 108 da decisão, na parte consagrada à «Continuação do cartel após as investigações», refere o seguinte:

«A ABB ficara ciente, ao mais alto nível dentro do grupo, em 4 de Julho de 1995, através da Direcção-Geral da Concorrência, do facto de terem sido encontradas provas, no decurso das investigações, da sua implicação numa infracção muito grave.

As consequências de perseverar no cartel tinham, nessa ocasião, sido explanadas - e sem dúvida compreendidas.»

148.
    A este respeito, deve observar-se, em primeiro lugar, que a Comissão não é obrigada, no decurso de um inquérito realizado nos termos do Regulamento n.° 17, a advertir as empresas em causa da ilegalidade do respectivo comportamento nem das consequências da continuação do mesmo.

149.
    Contudo, há que salientar que, para uma empresa que toma parte numa infracção às regras comunitárias da concorrência, a recepção de uma advertência expressa da parte da Comissão pode ter consequências no que respeita à apreciação do seu comportamento para a determinação do montante da coima. Efectivamente, uma advertência deste tipo, na medida em que informa uma empresa da realização de um inquérito pela administração comunitária responsável pela concorrência, é susceptível de incentivar a empresa em questão a pôr termo ao comportamento visado pelo inquérito, o que pode conduzir a uma redução da duração da infracção, elemento que a Comissão deve ter em conta na determinação do montante da coima nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

150.
    Deve salientar-se que o facto de advertir uma empresa da ilegalidade do seu comportamento pode igualmente ter consequências jurídicas na medida em que a Comissão, na tomada em consideração de circunstâncias atenuantes ou agravantes, faz depender a sua apreciação, quer da cessação quer da continuação da infracção pela empresa em causa, da circunstância de esta ter ou não sido advertida.

151.
    Contudo, no presente processo, é pacífico que, em 29 de Junho de 1995, a Comissão realizou investigações junto da maior parte das empresas envolvidas no processo que levou à decisão impugnada, designadamente junto da recorrente. Daqui resulta que a recorrente deveria estar consciente de que a Comissão estava a realizar um inquérito no âmbito da aplicação das regras comunitárias da concorrência.

152.
    Além disso, resulta da decisão que a Comissão, na apreciação da continuação da infracção após as investigações enquanto circunstância agravante, não tomou em conta a circunstância de as empresas terem ou não sido expressamente advertidas.

153.
    A este respeito, deve esclarecer-se que, relativamente à advertência expressa recebida pela ABB, a decisão refere, entre as circunstâncias agravantes a ter em conta no caso desta empresa, «o facto de ter prosseguido claramente a infracção após as investigações, apesar de ter sido prevenida, ao mais alto nível da administração, pela Direcção-Geral da Concorrência, quanto às consequências da respectiva conduta» (n.° 171 da decisão). Ora, resulta desta passagem que a Comissão, quando da tomada em consideração das circunstâncias agravantes, não se apoiou na advertência à ABB a alto nível, mas na continuação deliberada pela mesma de uma infracção evidente após as investigações. Efectivamente, a interpretação segundo a qual, neste contexto, a menção da advertência à ABB tem apenas em vista confirmar o facto de esta empresa, na continuação da sua infracção, ter conhecimento, mesmo a alto nível, de que o seu comportamento era contrário às regras da concorrência é confirmada, por um lado, pelo facto de ser ainda sublinhado no n.° 169 da decisão que as medidas adoptadas pela ABB para assegurar a manutenção do cartel durante ainda nove meses após as investigações foram adoptadas ao mais alto nível da direcção do seu grupo e, por outro, pela verificação de que, para outras empresas como a recorrente, a continuação da infracção após as investigações foi igualmente tida em conta como circunstância agravante.

154.
    Nestas condições, a recorrente não pode invocar ter sido submetida a um tratamento desigual.

155.
    Quanto à violação do princípio que impõe um julgamento equitativo, há que recordar que, mesmo que, segundo jurisprudência constante, a Comissão não seja um «tribunal», na acepção do artigo 6.° da CEDH (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck/Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 81; acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 7; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Shell/Comissão, T-11/89, Colect., p. II-757, n.° 39), não é menos verdade que a Comissão é obrigada a respeitar os princípios geral de direito comunitário durante a fase administrativa do processo (acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 8; acórdão Shell/Comissão, já referido, n.° 39).

156.
    Contudo, dado que a recorrente, para fundamentar a sua crítica relativa à violação do princípio que exige um julgamento equitativo, se limita a retomar o argumento baseado na desigualdade de tratamento, deve esta crítica ser igualmente julgada improcedente.

157.
    Consequentemente, improcede o referido fundamento.

III - Quanto ao fundamento assente na violação de princípios gerais e em erros de facto na determinação do montante da coima

[...]

B - Quanto à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade

1. Argumentos das partes

[...]

189.
    Por último, a recorrente observa que a qualificação da infracção como infracção particularmente grave apenas foi possível porque a Comissão qualifica a infracção como tendo tido um carácter contínuo ao longo de todo o período considerado. Neste ponto, a Comissão deveria ter tido em consideração o facto de que não se tratou de um cartel contínuo, mas que houve efectivamente dois períodos distintos durante os quais a recorrente participou na infracção.

[...]

196.
    No que respeita ao argumento relativo à duração da infracção, a recorrida observa que, no cálculo do montante da coima, a gravidade da infracção deve ser apreciada independentemente da duração. No caso concreto, a duração da infracção foi tida em consideração, conforme o disposto nas orientações, após a tomada em conta da gravidade da infracção, para determinar um eventual agravamento da coima. A este respeito, há que salientar ainda que se trata efectivamente de um cartel contínuo.

2. Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

[...]

- Quanto à determinação do montante da coima em função da duração da infracção

213.
    Na medida em que a recorrente afirma que a Comissão não poderia considerar, no que a ela diz respeito, a participação num cartel contínuo, há que remeter para os n.os 64 a 69 supra, nos quais foi considerado que a Comissão imputoucorrectamente à recorrente a participação numa infracção única e contínua sem com isso considerar, no que lhe respeita, uma participação ininterrupta durante todo o período de Novembro de 1990 a Março de 1996.

214.
    Contudo, no que respeita ao período de suspensão das actividades anticoncorrenciais, foi declarado no n.° 62 supra que a Comissão cometeu um erro na medida em que imputou à recorrente a participação no cartel no período de Abril a Agosto de 1994.

215.
    Deve recordar-se que, na apreciação da duração para efeitos do cálculo do montante da coima a aplicar à recorrente, a Comissão teve em consideração a participação daquela durante mais de cinco anos bem como a suspensão dos acordos entre 1993 e o início de 1994 para fixar em 1,4 o factor de agravamento do ponto de partida para efeitos da coima (v. n.° 55 supra).

216.
    Consequentemente, tendo em conta o período de alguns meses relativamente ao qual não foi demonstrada a participação da recorrente, o Tribunal, decidindo no exercício da sua competência de plena jurisdição na acepção dos artigos 172.° do Tratado CE (actual artigo 229.° CE) e 17.° do Regulamento n.° 17, considera justificado reduzir o factor de agravamento relativo à duração da infracção imputada à recorrente para 1,35.

[...]

IV - Conclusões

250.
    Resulta de tudo o que antecede, designadamente do n.° 62 supra, que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao imputar à recorrente a participação no cartel relativamente ao período de Abril a Agosto de 1994. Neste ponto, a decisão deve ser anulada.

251.
    Conforme foi referido no n.° 216 supra, no que respeita à coima a aplicar à recorrente, há que reduzir 1,35 a taxa de agravamento do ponto de partida para o cálculo do montante da referida coima em função da duração da sua participação. Todavia, tendo em conta as operações de cálculo que se impõem em função das circunstâncias agravantes e da aplicação da comunicação sobre a cooperação bem como o limite de 10% do volume de negócios realizado durante o exercício social precedente pela empresa em questão, previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o Tribunal conclui que o montante da coima a aplicar à recorrente é idêntico ao montante referido no artigo 3.°, alínea c), da decisão. Dado que não há, por isso, que reduzir a coima aplicada à recorrente, deve ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

Quanto às despesas

252.
    Por força do disposto no n.° 3 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, se cada parte obtiver vencimento parcial, este pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Dado que só em pequena parte foi dado provimento ao recurso, as circunstâncias da causa serão devidamente apreciadas decidindo que a recorrente suportará as suas próprias despesas bem como 90% das despesas da Comissão e que esta suportará 10% das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1.
    O artigo 1.° da Decisão 1999/60/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85° do Tratado CE (Processo IV/35.691/E-4: - Cartel dos tubos com revestimento térmico), é anulado na parte em que declara que a recorrente violou as disposições do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ao participar na infracção referida no mesmo artigo durante o período de Abril a Agosto de 1994.

2.
    É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas e 90% das despesas efectuadas pela Comissão.

4.
    A Comissão suportará 10% das suas despesas.

Mengozzi
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Março de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: dinamarquês.


2: -     Apenas são reproduzidos os pontos da fundamentação do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil. O enquadramento jurídico e factual do presente processo acha-se exposto no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão (T-23/99, Colect., p. II-0000).