Language of document : ECLI:EU:T:2002:278

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Terceira Secção Alargada)

20 de Novembro de 2002 (1)

«Concorrência - Regulamento (CEE) n.° 4064/89 - Alteração de uma decisão que declara uma concentração compatível com o mercado comum - Restrições directamente relacionadas e necessárias à realização da concentração (‘Restrições acessórias’) - Recurso de anulação - Admissibilidade - Actos susceptíveis de recurso - Interesse em agir - Segurança jurídica - Confiança legítima - Fundamentação»

No processo T-251/00,

Lagardère SCA, com sede em Paris (França), representada por A. Winckler, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Canal+ SA, com sede em Paris, representada por J.-P. de La Laurencie e P.-M. Louis, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Wils e F. Lelièvre, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 10 de Julho de 2000, que altera a decisão da Comissão de 22 de Junho de 2000, que declara operações de concentração compatíveis com o mercado comum e com o funcionamento do acordo sobre o Espaço Económico Europeu (processos COMP/JV40 - Canal+/Lagardère e COMP/JV47 - Canal+/Lagardère/Liberty Media),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção Alargada),

composto por: M. Jaeger, presidente, R. García-Valdecasas, K. Lenaerts, P. Lindh e J. Azizi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Julho de 2002,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico e matéria de facto

1.
    O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas [JO L 395, p. 1, rectificado, JO 1990, L 257, p. 13, alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997, JO L 180, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 4064/89»], prevê:

«A Comissão procederá à análise da notificação logo após a sua recepção.

[...]

b)    Se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada, apesar de abrangida pelo presente regulamento, não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá não se opor a essa operação de concentração e declará-la-á compatível com o mercado comum.

    A decisão que declara a concentração compatível abrange igualmente as restrições directamente relacionadas com a realização da concentração e a ela necessárias.

[...]»

2.
    O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), adoptado designadamente com base no artigo 23.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, prevê que as «notificações [de operações de concentração] conterão as informações, incluindo os documentos, solicitados no formulário CO», cujo modelo consta do anexo do Regulamento n.° 447/98. No ponto 11.1 do formulário CO, é referido que «se as partes na concentração e/ou outros interessados [...] estipularem restrições acessórias directamente relacionadas com a realização da operação de concentração e necessárias a esta, essas restrições podem ser analisadas em articulação com a própria concentração». Nesse contexto, as partes na operação de concentração são convidadas a «identificar as restrições acessórias nos acordos apresentados com a notificação, relativamente às quais [solicitam] uma apreciação em articulação com a concentração», e a «explicar a razão pela qual [essas restrições] estão directamente relacionadas e são necessárias à realização da operação de concentração».

3.
    Numa comunicação de 14 de Agosto de 1990 relativa às restrições acessórias às operações de concentração (JO C 203, p. 5, a seguir «comunicação relativa às restrições acessórias»), a Comissão forneceu indicações sobre a interpretação que dá ao conceito de restrição directamente relacionada e necessária à realização da operação de concentração na acepção do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89.

4.
    Em 16 de Maio de 2000, a Lagardère SCA (a seguir «Lagardère»), a Canal+ SA (a seguir «Canal+») e a Liberty Media Corporation (a seguir «Liberty») notificaram duas operações de concentração. Essas operações incidiam, por um lado, sobre a aquisição pela Lagardère de um controlo conjunto sobre a sociedade Multithématiques com a Canal+ e a Liberty e sobre a criação de sociedades comuns com partes iguais pela Lagardère e a Multithématiques com vista a uma difusão comum de canais temáticos e, por outro, sobre a aquisição pela Lagardère de um controlo conjunto com a Canal+ sobre o CanalSatellite e sobre a criação de duas empresas comuns pela Lagardère e a Canal+ destinadas, respectivamente, à difusão de canais temáticos («JV 1») e à difusão de serviços interactivos («JV 2»).

5.
    Além disso, referindo-se ao artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 e ao ponto 11.1 do «formulário CO», as partes na concentração notificaram igualmente várias cláusulas contratuais que, em seu entender, deviam ser consideradas restrições directamente relacionadas e necessárias à realização das operações de concentração na acepção do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89 (a seguir «restrições acessórias»).

6.
    Em 22 de Junho de 2000, ao abrigo do processo de decisão por delegação, a Sr.a Schreyer, membro da Comissão, adoptou a decisão da Comissão quanto às operações de concentração notificadas (a seguir «decisão de 22 de Junho de 2000»). No mesmo dia, esta decisão foi notificada às partes na operação de concentração. A parte decisória está redigida como se segue:

«Pelas razões acima expostas, a Comissão decidiu não se opor [às operações notificadas] e declará-las compatíveis com o mercado comum e com o acordo EEE. Esta decisão é adoptada com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do [Regulamento n.° 4064/89].»

7.
    É pacífico entre as partes que a decisão de 22 de Junho de 2000 foi adoptada no último dia do prazo previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, em conjugação com os artigos 6.°, n.° 4, 7.°, n.os 4 e 8, e 8.° e 23.° do Regulamento n.° 447/98 (a seguir «prazo previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89»).

8.
    Nos n.os 54 a 66 dos fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000, a Comissão toma posição quanto às diferentes cláusulas contratuais notificadas pelas partes na operação de concentração consideradas directamente relacionadas e necessárias à realização das operações de concentração. A Comissão reconhece certas cláusulas como acessórias à realização das operações para todo o período indicado na notificação (cláusulas de prioridade para a concepção e desenvolvimento de uma cadeia temática ou de um serviço de televisão interactiva). Outras cláusulas são consideradas acessórias, mas para um período mais curto que o indicado na notificação (cláusula de não concorrência relativa à comercialização por satélite de um conjunto de serviços e cláusula de proibição de desenvolvimento de um projecto similar). As outras cláusulas comunicadas pelas partes são qualificadas de restrições não acessórias à concentração.

9.
    Em 7 de Julho de 2000, as partes na operação de concentração tomaram conhecimento, informal e incidentalmente, que a Comissão preparava uma nova decisão quanto às operações de concentração notificadas.

10.
    Em 10 de Julho de 2000, a Comissão notificou às partes na operação de concentração a sua decisão que altera a decisão de 22 de Junho de 2000 (a seguir «decisão de 10 de Julho de 2000» ou «decisão recorrida»). Na parte introdutória desta decisão, assinada pelo Sr. Monti, membro da Comissão, refere-se:

«[Na sequência de] um erro de manipulação, o texto da decisão de 22 de Junho de 2000 [...] assinado e que lhes foi notificado continha incorrecções. Por conseguinte, a Comissão decidiu introduzir-lhe alterações de redacção.»

11.
    A decisão recorrida contém, por um lado, uma lista de palavras a substituir nos fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000 e, por outro, o texto integral que altera os n.os 58 a 67 dos fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000, relativamente à apreciação das restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização das operações de concentração. Resulta da decisão de 10 de Julho de 2000 que, com excepção de uma das cláusulas de prioridade (v. supra, n.° 8) cuja natureza acessória continua a ser reconhecida, mas por um período mais curto do que o indicado na notificação, todas as restrições comunicadas com a notificação das operações de concentração são consideradas não acessórias a essas operações. Ao invés, o dispositivo da decisão de 22 de Junho de 2000 não foi alterado.

12.
    Em 13 de Julho de 2000, os advogados da Lagardère e da Canal+ enviaram uma carta ao Sr. Monti dando-lhe a conhecer a sua posição quanto à decisão de 10 de Julho de 2000. Observam:

«Juridicamente, o novo texto da Comissão de 10 de Julho de 2000 não pode produzir efeitos relativamente às notificantes, uma vez que o prazo previsto no artigo 10.° do Regulamento n.° 4064/89 há já muito se esgotou. Este acto é portanto inexistente: a decisão da Comissão que recebemos em 22 de Junho de 2000 é a única validamente adoptada com base na nossa notificação de 16 de Maio de 2000.»

13.
    Além disso, nessa mesma carta, informaram a Comissão de que as partes na operação de concentração começaram já a aplicar alguns dos acordos com base na decisão de 22 de Junho de 2000. Por último, pedem à Comissão para revogar a decisão de 10 de Julho de 2000.

14.
    A pedido da Comissão, a Lagardère e a Canal+ enviaram-lhe, em 17 de Julho de 2000, um projecto de versão não confidencial da decisão de 22 de Junho de 2000 com vista à sua publicação.

15.
    Em 27 de Julho de 2000, ocorreu uma reunião entre os serviços responsáveis da Comissão e os advogados da Lagardère e da Canal+. Nessa reunião, os serviços da Comissão referiram que tinha sido necessário rectificar o erro ocorrido tendo em conta a coerência com a Decisão 1999/242/CE da Comissão, de 3 de Março de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CE (IV/36.237 - TPS) (JO L 90, p. 6), decisão que, entretanto, deu origem ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 2001, M6 e o./Comissão (T-112/99, Colect., p. II-2459, a seguir «acórdão M6»).

16.
    Por carta de 31 de Julho de 2000, o director-geral da Direcção-Geral da Concorrência, Sr. Schaub, respondeu à referida carta de 13 de Julho de 2000. Expôs as circunstâncias em que o erro se verificou. Acrescentou:

«Não consideramos que esta questão seja simplesmente processual; consideramos com efeito que o texto enviado em 22 de Junho de [2000] contém erros de direito substantivo relativamente à qualificação jurídica de algumas das cláusulas erradamente consideradas acessórias. Nessas condições, não podemos retirar a carta de 10 de Julho de [2000], e informo V. Ex.as que a versão pública do texto será estabelecida com base nesta última.»

17.
    Em 8 de Setembro de 2000, os advogados da Lagardère e da Canal+ responderam à carta do Sr. Schaub de 31 de Julho de 2000, reiterando, no essencial, o pedido formulado na sua referida carta de 17 de Julho de 2000.

Tramitação processual

18.
    Por petição inicial apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Setembro de 2000, a Lagardère, a Canal+ e a Liberty interpuseram o presente recurso.

19.
    Por requerimento separado, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Outubro de 2000, a recorrida suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância relativamente a esse recurso. Em 8 de Janeiro de 2001, as recorrentes apresentaram observações sobre essa questão prévia.

20.
    Por despacho de 22 de Fevereiro de 2001, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) remeteu a decisão sobre a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela recorrida para a decisão de mérito.

21.
    No âmbito de uma medida de organização do processo, por carta de 24 de Julho de 2001, o Tribunal de Primeira Instância dirigiu algumas perguntas escritas às partes, que responderam no prazo estabelecido.

22.
    Em 10 de Janeiro de 2002, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, remeter o processo à Terceira Secção Alargada.

23.
    No âmbito de uma medida de organização do processo, por carta de 10 de Dezembro de 2001, o Tribunal pediu à recorrida que lhe apresentasse os trabalhos preparatórios relativos aos Regulamentos n.os 4064/89 e 1310/97. A recorrida deu sequência a este pedido no prazo estabelecido. As recorrentes apresentaram as suas observações quanto a esses documentos em 26 de Março de 2002.

24.
    Por carta de 2 de Julho de 2002, a Liberty desistiu do recurso. Em consequência, por despacho de 9 de Setembro de 2002, o presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância decidiu cancelar o nome dessa parte no registo.

25.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção Alargada) decidiu abrir a fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas às questões que o Tribunal lhes colocou na audiência que se desenrolou em 9 de Julho de 2002.

Pedidos

26.
    A Lagardère e a Canal+ (a seguir «recorrentes») concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão de 10 de Julho de 2000;

-    condenar a recorrida nas despesas.

27.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    a título principal, julgar o recurso inadmissível;

-    a título subsidiário, negar-lhe provimento;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

28.
    A recorrida suscita a questão prévia de inadmissibilidade do recurso interposto pelas recorrentes. Salienta, com efeito, que, segundo jurisprudência constante, só podem ser impugnados os actos susceptíveis de produzir efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses das recorrentes. Observa igualmente que, como resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1992, NBV e NVB/Comissão (T-138/89, Colect., p. II-2181, n.° 31), e de 22 de Março de 2000, Coca-Cola/Comissão (T-125/97 e T-127/97, Colect., p. II-1733, n.° 79, a seguir «acórdão Coca-Cola»), apenas a parte decisória do acto é susceptível de produzir efeitos jurídicos e, por consequência, causar prejuízo. Em contrapartida, os fundamentos da decisão em causa só podem ser submetidos ao controlo da legalidade do juiz comunitário na medida em que, como fundamentos de um acto que causa prejuízo, constituem o suporte necessário do seu dispositivo.

29.
    Ora, a recorrida observa que, na sua decisão de 22 de Junho de 2000, decidiu, com base no artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, não se opor às operações de concentração notificadas pelas recorrentes e declarar essas operações compatíveis com o mercado comum e com o acordo EEE. Refere igualmente que a decisão de 10 de Julho de 2000 não alterou quanto a este aspecto a decisão, na medida em que a parte «conclusão» desta decisão é idêntica à de 22 de Junho de 2000. Foi apenas no que se refere às considerações relativas às restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização das operações de concentração que a decisão de 10 de Julho de 2000 alterou a decisão de 22 de Junho de 2000.

30.
    No entender da recorrida, as considerações que teve de fazer acerca dessas restrições, tanto na decisão de 22 de Junho de 2000 como na de 10 de Julho de 2000, não tinham carácter decisório, mas só valor de pareceres não vinculativos. Com efeito, o conceito de restrição acessória à realização da concentração é um conceito objectivo no sentido de que, se uma cláusula está directamente relacionada e necessária à realização da operação de concentração, é ipso facto abrangida pela decisão de aprovação da concentração. Ao invés, não o é no caso contrário, independentemente da apreciação que a Comissão tenha formulado a seu respeito na decisão.

31.
    Em apoio desta tese, a recorrida refere, em primeiro lugar, que apenas a parte decisória de um acto é susceptível de produzir efeitos jurídicos e, por consequência, causar prejuízos.

32.
    Ora, os dispositivos das decisões de 22 de Junho e 10 de Julho de 2000 não incidem sobre as restrições acessórias, mas unicamente sobre as operações de concentração enquanto tais. Do mesmo modo, as considerações da recorrida relativas às restrições acessórias não constituem, em seu entender, o suporte necessário do dispositivo da decisão pela qual as operações notificadas são declaradas compatíveis com o mercado comum. Com efeito, a análise das restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização das operações de concentração é totalmente independente da declaração de compatibilidade dessas operações com o mercado comum e não teria, portanto, qualquer impacto sobre esta. A apreciação da compatibilidade de uma concentração incide unicamente sobre a questão de saber se essa operação não cria ou não reforça uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste (artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89).

33.
    Por conseguinte, remetendo para os acórdãos NBV e NBV/Comissão, citado no n.° 28 supra (n.° 31), e Coca-Cola, a Comissão sustenta que a sua análise dessas restrições não pode ser submetida à fiscalização da legalidade do tribunal comunitário.

34.
    Em segundo lugar, a recorrida afirma que não dispõe de base legal para adoptar as decisões quanto ao carácter directamente relacionado e necessário de determinadas restrições no âmbito do processo previsto no Regulamento n.° 4064/89.

35.
    Com efeito, segundo a recorrida, o artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, que prevê que a «decisão que declara a concentração compatível abrange igualmente as restrições directamente relacionadas com a realização da concentração e a ela necessárias», não exige de modo algum que a Comissão se pronuncie na decisão sobre o carácter acessório de uma restrição comunicada com a notificação de concentração. Do mesmo modo, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que o carácter acessório de determinadas cláusulas bem como as consequências jurídicas que daí decorrem dependem da qualificação que a Comissão pode dar a essas cláusulas na sua decisão sobre a operação de concentração notificada.

36.
    Em seguida, a recorrida argumenta que o Regulamento n.° 4064/89 tem por objectivo instituir um controlo único pela Comissão (princípio do «balcão único») das operações de concentração de dimensão comunitária, e isso no termo de um procedimento célere. Em seu entender, as únicas decisões que tem competência para adoptar, quanto ao mérito, com base no Regulamento n.° 4064/89, são a declaração de compatibilidade, acrescida ou não de ónus ou de condições, e a declaração de incompatibilidade. Lembra que essas decisões são adoptadas com base num critério único e exclusivo enunciado no artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89.

37.
    Nesse contexto, a recorrida considera que, embora a validade de uma restrição notificada como directamente relacionada e necessária à realização de uma operação de concentração não possa ser apreciada isoladamente, mas deva ser considerada no âmbito da operação de concentração como tal, é unicamente ao interpretar o artigo 81.° CE e não aplicando o Regulamento n.° 4064/89 que ela pode validamente qualificar uma cláusula contratual de restrição acessória ou de restrição não acessória à operação de concentração.

38.
    Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes e na inexistência de base legal para adoptar uma decisão quanto ao carácter acessório das restrições no âmbito do processo previsto no Regulamento n.° 4064/89, as considerações que a Comissão formula sobre estas restrições não podem ter o mesmo efeito jurídico que um certificado negativo na acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 17 de Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). Seria unicamente por força desta última disposição que a Comissão poderia validamente adoptar um acto vinculativo que declara o carácter necessário de determinadas restrições.

39.
    Ora, a recorrida sublinha que nem a decisão impugnada nem qualquer outra decisão adoptada com base no Regulamento n.° 4064/89 se referem ao artigo 2.° do Regulamento n.° 17. Além disso, a Comissão não pode validamente tomar verdadeiras decisões sobre as restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização de uma operação de concentração nos prazos extremamente curtos previstos no Regulamento n.° 4064/89. É por essa razão que, nos considerandos das decisões em matéria de concentração, teria, no passado, apresentado unicamente uma fundamentação sumária relativamente a essas restrições e se limitou muitas vezes a qualificar uma cláusula de «provavelmente acessória, partindo do princípio que possa ser considerada uma restrição».

40.
    A tese defendida pela recorrida é corroborada pelo artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, que prevê que unicamente o Regulamento n.° 4064/89, e não o Regulamento n.° 17, se aplica «às operações de concentração definidas no artigo 3.° [do Regulamento n.° 4064/89]». Esta redacção demonstra que a aplicação do Regulamento n.° 17 está unicamente excluída relativamente à operação de concentração e não relativamente às restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização de uma operação de concentração.

41.
    Do mesmo modo, a recorrida invoca que, quando não adopta a decisão nos prazos fixados, a autorização tácita, prevista no artigo 10.°, n.° 6, do Regulamento n.° 4064/89, não abrange todas as cláusulas comunicadas como acessórias, mas unicamente as que, objectivamente, são directamente relacionadas e necessárias à realização da operação de concentração.

42.
    Na audiência, a recorrida acrescentou, a este propósito, que o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 enumera as decisões em que a Comissão deve previamente ouvir os interessados e sublinhou que esta disposição não menciona a decisão adoptada nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89. Tal demonstra, no entender da recorrida, que uma decisão adoptada nos termos desta última disposição apenas pode constituir uma decisão inteiramente favorável, a saber, a aprovação da operação de concentração notificada, e que está, por conseguinte, excluído qualificar as considerações formuladas pela Comissão quanto às restrições acessórias de elementos de natureza decisória.

43.
    A recorrida conclui que, se, como sustentam as recorrentes, as considerações formuladas pela Comissão após a entrada em vigor do Regulamento n.° 4064/89 sobre essas restrições nas decisões em matéria de concentração tivessem o mesmo efeito jurídico dos certificados negativos, tais decisões em matéria de concentração seriam desprovidas de qualquer base legal ou, pelo menos, estariam feridas de um vício de fundamentação, uma vez que não continham qualquer referência ao artigo 2.° do Regulamento n.° 17.

44.
    Em terceiro lugar, a recorrida baseia-se no efeito directo do artigo 81.°, n.° 1, CE.

45.
    Segundo a recorrida, compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar as restrições acessórias à luz do artigo 81.°, n.° 1, CE, caso fosse chamado a pronunciar-se sobre a validade de uma tal restrição por força do artigo 81.°, n.° 2, CE.

46.
    O mesmo acontecerá se a decisão da Comissão quanto à operação de concentração implicar considerações sobre essas restrições. Com efeito, na medida em que, segundo a recorrida, essas considerações têm apenas o valor de um parecer, não podem em caso algum prejudicar a análise que um órgão jurisdicional nacional possa fazer das referidas restrições.

47.
    Segundo a recorrida, é erradamente que as recorrentes se baseiam no acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2000, Masterfoods e HB (C-344/98, Colect., p. I-11369, a seguir «acórdão Masterfoods»), para demonstrar que o órgão jurisdicional nacional está vinculado pelas considerações formuladas pela Comissão quanto a essas restrições numa decisão em matéria de concentração. Com efeito, contrariamente ao processo que deu lugar a esse acórdão, no caso vertente, a decisão de 10 de Julho de 2000 não concluiu por qualquer infracção, não antecipou a decisão quanto à legalidade das restrições acessórias à luz do direito comunitário da concorrência e alterou unicamente o texto de uma decisão que, por seu turno, não pode ser equiparada a uma decisão de aplicação dos artigos 81.° e 82.° CE.

48.
    De qualquer modo, segundo a recorrida, os recorrentes fazem uma «leitura maximalista» do acórdão Masterfoods. A recorrida lembra que, no n.° 52 deste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, «quando os órgãos jurisdicionais nacionais se pronunciam sobre acordos ou práticas que já sejam objecto de uma decisão da Comissão, não podem tomar decisões contrárias à decisão da Comissão». Esta conclusão não pode ser alargada a uma situação em que foi submetida ao órgão jurisdicional nacional a questão da compatibilidade com o artigo 81.°, n.° 1, CE de uma restrição que as partes numa operação de concentração, que foi aprovada pela Comissão, concluíram no seu âmbito. Tal leitura do acórdão negaria a competência concorrente entre a Comissão e os órgãos jurisdicionais nacionais na aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, e, consagraria, erradamente, uma relação de subordinação dos órgãos jurisdicionais nacionais relativamente à Comissão.

49.
    A recorrida acrescenta que, à luz do que o Tribunal de Primeira Instância decidiu no acórdão Coca-Cola, o acórdão Masterfoods deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que deu lugar a este último acórdão, o órgão jurisdicional nacional deve respeitar não a interpretação jurídica que a Comissão dá das disposições relevantes, mas sim o efeito vinculativo do dispositivo da decisão da Comissão.

50.
    No que se refere ao caso em apreço, a recorrida deduz do exposto que, não obstante as considerações que fez nas decisões de 22 de Junho e 10 de Julho de 2000 quanto às restrições notificadas pelas partes na concentração como directamente relacionadas e necessárias à realização desta, um órgão jurisdicional nacional pode sempre ser chamado a pronunciar-se quanto ao carácter acessório destas restrições relativamente às operações de concentração autorizadas pela Comissão. Se esse órgão jurisdicional nacional tiver que decidir no sentido de que algumas dessas restrições não são acessórias a essas operações de concentração e que são incompatíveis com o artigo 81.°, n.° 1, CE, implicando a nulidade dessas restrições, as partes na operação de concentração devem impugnar a decisão desse órgão jurisdicional nacional. Com efeito, nesse caso, a sanção da nulidade das restrições é unicamente a consequência da decisão do órgão jurisdicional nacional e não da decisão de 10 de Julho de 2000. Segundo a recorrida, daí resulta que, no caso em apreço, as recorrentes invocam unicamente situações futuras e incertas para justificar o seu interesse em pedir a anulação de um acto futuro e não têm qualquer interesse efectivo e actual na anulação da decisão de 10 de Julho de 2000 (acórdão NBV e NVB/Comissão, referido no n.° 28 supra, n.° 33).

51.
    Em quarto lugar, a recorrida contesta que o mérito da sua tese quanto ao valor jurídico das suas considerações sobre as restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização da operação de concentração no âmbito das decisões em matéria de concentração seja infirmado pela sua prática decisória.

52.
    A recorrida confirma que, na sua prática decisória, desde a adopção do Regulamento n.° 4064/89, tinha formulado, nas suas decisões em matéria de concentração, considerações quanto a essas restrições. Contudo, sustenta que tinha adoptado esta política com o único objectivo de beneficiar as empresas com a sua experiência na matéria, de dar o seu contributo para o desenvolvimento de uma doutrina em matéria de restrições acessórias e de completar as indicações dadas quanto à interpretação deste conceito na sua comunicação relativa às restrições acessórias.

53.
    Em quinto lugar, a recorrida invoca que a sua argumentação é igualmente apoiada pelas duas comunicações adoptadas e publicadas após a adopção da decisão recorrida.

54.
    Com efeito, em primeiro lugar, a recorrida invoca que resulta da sua comunicação relativa a um procedimento simplificado de tratamento de certas operações de concentração nos termos do Regulamento n.° 4064/89, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 29 de Julho de 2000 (JO C 217, p. 32, a seguir «comunicação relativa a um procedimento simplificado»), que, nas decisões que adopta por aplicação desse procedimento, não se pronuncia sobre as restrições acessórias, o que demonstra claramente o carácter declaratório das considerações feitas pela Comissão quanto a essas restrições.

55.
    Em segundo lugar, na tréplica, a recorrida submeteu ao Tribunal uma nova comunicação relativa às restrições acessórias, adoptada em 27 de Junho de 2001 e publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 4 de Julho de 2001 (JO C 188, p. 55, a seguir «nova comunicação relativa às restrições acessórias»). Refere que, nessa comunicação, adoptou a posição seguinte:

«2.    [O] quadro legal [do Regulamento n.° 4064/89, do Regulamento n.° 17 e de outros regulamentos sectoriais] não impõe à Comissão a obrigação de apreciar e tratar formalmente as restrições [acessórias]. Tal apreciação tem apenas natureza declarativa, uma vez que todas as restrições que preenchem os critérios definidos pelo regulamento das concentrações já estão abrangidas pelo segundo parágrafo da alínea b) do n.° 1 do artigo 6.° e pelo último período do segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 8.°, sendo por isso automaticamente autorizadas, sejam ou não abordadas expressamente na decisão da Comissão. A Comissão tenciona deixar proceder a essa apreciação nas suas decisões relativas às operações de concentração. Trata-se de uma abordagem que está de acordo com a prática administrativa da Comissão introduzida para os casos elegíveis para aplicação do procedimento simplificado desde 1 de Setembro de 2000.

3.    Os diferendos entre as partes numa concentração relativos ao facto de as restrições serem directamente relacionadas e necessárias à sua realização e portanto abrangidas automaticamente pela decisão de autorização da Comissão são da competência dos tribunais nacionais.»

56.
    A recorrida sublinha que é devido ao número crescente de notificações das operações de concentração e à exigência de simplificação dos procedimentos administrativos que deixou de, desde 27 de Junho de 2001, data de adopção desta comunicação, proceder à apreciação do carácter directamente relacionado e necessário das restrições notificadas pelas partes numa operação de concentração. Anunciou publicamente esta nova política num comunicado de imprensa do mesmo dia, apresentado ao Tribunal de Primeira Instância na tréplica.

57.
    No entendimento da recorrida, importa considerar o presente processo à luz desta mudança de orientação. Além disso, a recorrida diz-se convencida que nunca considerou que a sua apreciação dessas restrições nas decisões em matéria de concentração tivesse um valor jurídico diferente do indicado nos números já referidos da nova comunicação relativa às restrições acessórias.

58.
    As recorrentes consideram que a decisão de 10 de Julho de 2000 produziu efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os seus interesses na medida em que, ao modificar a sua apreciação quanto às restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização de operações de concentração no corpo do texto dessa decisão, a Comissão alterou igualmente o alcance do dispositivo da decisão de 22 de Junho de 2000.

59.
    As recorrentes contestam que a apreciação da Comissão quanto às restrições acessórias constitua um simples parecer. Esta tese da recorrida é incompatível com a redacção do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89, bem como com a economia geral deste regulamento. Em seu entender, a qualificação, pela Comissão, de determinadas cláusulas acessórias a uma operação de concentração ou, pelo contrário, de cláusulas não acessórias, produz efeitos jurídicos à luz da aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, as cláusulas declaradas acessórias pela Comissão escapam à aplicação deste artigo. Ao invés, as cláusulas que são consideradas de dissociáveis da operação são susceptíveis de integrar esta disposição na medida em que restringem a concorrência. Assim, uma decisão da Comissão que qualifica determinadas cláusulas de restrições acessórias tem, de acordo com as recorrentes, um efeito jurídico equivalente ao de um certificado negativo, como previsto no artigo 2.° do Regulamento n.° 17.

60.
    As recorrentes consideram que, em caso algum, os órgãos jurisdicionais nacionais se podem pronunciar quanto ao carácter acessório de restrições relativamente a uma concentração autorizada pela Comissão, uma vez que, nos termos do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, apenas a Comissão é competente para apreciar no seu conjunto uma operação de concentração tal como definida no artigo 3.° desse diploma. Além disso, remetendo para o acórdão Masterfoods, n.os 50 e 51, bem como para a comunicação da Comissão sobre a cooperação entre a Comissão e os tribunais nacionais no que diz respeito à aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO C 39, p. 6, de 13 de Fevereiro de 1993), as recorrentes alegam que, nos termos do artigo 10.° CE, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais abster-se-ão de tomar decisões contrárias às adoptadas pelas instituições comunitárias.

61.
    As recorrentes consideram igualmente possuir um interesse efectivo e actual em pedir a anulação da decisão de 10 de Julho de 2000. Sustentam que, após a notificação desta decisão, se encontram numa situação de insegurança jurídica que afecta directamente o desenvolvimento das suas operações de concentração, na medida em que o equilíbrio e o interesse comercial dessas operações depende da validade das restrições notificadas como acessórias.

Apreciação do Tribunal

62.
    A recorrida suscita a questão prévia de inadmissibilidade deste recurso porque, por um lado, a decisão de 10 de Julho de 2000 não constitui um acto impugnável e, por outro, as recorrentes não podem invocar um interesse efectivo e actual na anulação dessa decisão.

Quanto à inadmissibilidade baseada na inexistência de acto impugnável

- Introdução

63.
    Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, nos termos do artigo 230.° CE, as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.° 62; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, T-87/96, Colect., p. II-203, n.° 37; acórdão Coca-Cola, n.° 77, e acórdão M6, n.° 35).

64.
    Para determinar se um acto ou uma decisão produz tais efeitos, deve atender-se à sua substância (despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1991, Sunzest/Comissão, C-50/90, Colect., p. I-2917, n.° 12; acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 63, e acórdão Coca-Cola, n.° 78).

65.
    No presente caso, as recorrentes pedem a anulação da decisão de 10 de Julho de 2000. Com esta decisão, a Comissão modificou os fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000 no que se refere à apreciação do carácter acessório ou não acessório das restrições notificadas pelas recorrentes no quadro das operações de concentração (v. n.° 11, supra).

66.
    Há portanto que analisar se, atendendo à substância da decisão de 10 de Julho de 2000, esta alteração dos fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000 produziu efeitos jurídicos vinculativos que afectam os interesses das recorrentes alterando de modo caracterizado a sua situação jurídica.

67.
    A este propósito, importa realçar antes de mais que o simples facto de a decisão de 10 de Julho de 2000 não ter alterado os termos do dispositivo da decisão de 22 de Junho de 2000 não basta para declarar o recurso inadmissível. Com efeito, embora seja pacífico que apenas a parte decisória de um acto é susceptível de produzir efeitos jurídicos vinculativos e, consequentemente, de causar prejuízo, não é menos certo que o teor dos fundamentos de um acto deve ser tomado em consideração para determinar o sentido exacto do que foi decretado no dispositivo (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C-355/95 P, Colect., p. I-2549, n.° 21; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 104, e acórdão Coca-Cola, n.° 79).

68.
    Daí decorre que a decisão de 10 de Julho de 2000 só é passível de recurso de anulação se, muito embora sem alterar os termos do dispositivo da decisão de 22 de Junho de 2000, a modificação de determinados fundamentos desta alterou o essencial do que tinha sido decidido no seu dispositivo, afectando assim os interesses das recorrentes na acepção da jurisprudência citada no n.° 63 supra.

69.
    As partes avançaram, a este propósito, teses diametralmente opostas.

70.
    A recorrida entende, no essencial, que as considerações que formulou relativamente às restrições notificadas pelas partes na concentração como directamente relacionadas e necessárias à realização desta, tanto nos fundamentos da sua decisão de 22 de Junho de 2000 como nos da decisão de 10 de Julho de 2000, não constituíram o suporte necessário do dispositivo destas decisões. Na decisão de 22 de Junho de 2000, declarou unicamente compatíveis com o mercado comum as alterações de concentração notificadas pelas recorrentes, declaração que não foi alterada na decisão de 10 de Julho de 2000 e que constitui um acto exclusivamente favorável às recorrentes. As considerações relativas a estas restrições nos fundamentos destas decisões são totalmente independentes da aprovação das operações de concentração, e portanto do dispositivo destas. Com efeito, em seu entender, há que interpretar as disposições pertinentes do Regulamento n.° 4064/89 no sentido de que as restrições que, objectivamente, estão directamente relacionadas e são necessárias à realização da concentração ficam automaticamente abrangidas pela decisão de aprovação da Comissão, independentemente das considerações que pode emitir a esse respeito nos fundamentos dessa decisão. Em contrapartida, as restrições que, objectivamente, não preenchem esses critérios não são, em razão unicamente do carácter não acessório, abrangidas por essa decisão. E, por maioria de razão, a recorrida entende não ter competência para se pronunciar, ao abrigo das disposições do Regulamento n.° 4064/89, sobre o carácter acessório das restrições notificadas como tais, uma vez que essa decisão só pode ser adoptada por esta aplicando as disposições do Regulamento n.° 17 ou por um órgão jurisdicional nacional com base no artigo 81.°, n.° 1, CE. Por conseguinte, as considerações formuladas nas decisões de 22 de Junho e 10 de Julho de 2000 relativamente a essas restrições constituem meros pareceres juridicamente não vinculativos que, não obstante o carácter essencial das alterações ocorridas na apreciação das restrições acessórias, não são susceptíveis de recurso de anulação.

71.
    Ao invés, as recorrentes entendem, no essencial, que as restrições notificadas pelas partes numa operação de concentração como acessórias desta são unicamente aprovadas se, e desde que, a Comissão decidiu nesse sentido nos fundamentos da decisão de aprovação da operação principal e que, assim, as considerações formuladas pela Comissão relativamente às restrições acessórias tinham carácter de decisão. A alteração dessas considerações constitui, assim, um acto que causa prejuízo.

72.
    É neste contexto que cabe interpretar as disposições relevantes do Regulamento n.° 4064/89, designadamente o seu artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo. Se, de acordo com a tese defendida pela recorrida, as considerações que emitiu nos fundamentos das decisões de 22 de Junho e 10 de Julho de 2000 têm apenas valor de parecer juridicamente não vinculativo, há que julgar o recurso inadmissível por inexistência de acto recorrível (v., neste sentido, despacho Sunzest/Comissão, referido no n.° 64 supra, n.os 12 a 14). Ao invés, se, de acordo com a tese defendida pelas recorrentes, a modificação dos fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000 pela decisão de 10 de Julho de 2000 alterou o essencial do que tinha sido decidido no dispositivo do primeiro acto, esta última decisão produz efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses das recorrentes alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica.

- Interpretação do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89

73.
    O artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89 (a seguir «disposição controvertida») prevê:

«A decisão que declara a concentração compatível abrange igualmente as restrições directamente relacionadas com a realização da concentração e a ela necessárias».

74.
    Antes de mais, há que declarar que a utilização da expressão «abrange igualmente» nas diferentes versões linguísticas do Regulamento n.° 4064/89 milita a favor da tese defendida pelas recorrentes. Com efeito, o sentido comummente atribuído a esta expressão indica que a qualificação de restrições directamente relacionadas e necessárias à realização de uma concentração faz parte integrante do objecto da decisão de aprovação dessa operação, tanto na perspectiva da sua apreciação como dos efeitos jurídicos que dela decorrem.

75.
    Em seguida, importa analisar a disposição controvertida no contexto legislativo em que se insere.

76.
    A este propósito, a recorrida considera que cabe interpretar a disposição controvertida à luz do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89. Esta disposição, intitulada «Âmbito de aplicação do presente regulamento», prevê que «apenas o [Regulamento n.° 4064/89] é aplicável às operações de concentração definidas no [seu] artigo 3.°, e [que] os Regulamentos n.° 17, (CEE) n.° 1017/68, (CEE) n.° 4056/86 e (CEE) n.° 3975/87 não são aplicáveis, salvo no que se refere às empresas comuns sem dimensão comunitária e cuja actividade tenha por objecto ou efeito a coordenação do comportamento concorrencial de empresas que se mantenham independentes».

77.
    É pacífico que, por força desta disposição, a aplicação do Regulamento n.° 17 e dos outros regulamentos sectoriais aí enumerados está excluída no que se refere às cláusulas contratuais que, no seu conjunto, constituem uma operação de concentração de dimensão comunitária, tal como definida no artigo 3.° do Regulamento n.° 4064/89. Em contrapartida, como a recorrida sublinha correctamente, outras cláusulas contratuais que as partes nessa operação podem concluir entre si no quadro da mesma são susceptíveis de cair no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 17 e dos outros regulamentos sectoriais enumerados no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, com vista à apreciação de uma eventual infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE.

78.
    Contudo, importa sublinhar que a disposição controvertida constitui, a esse propósito, uma excepção importante: mesmo que essas outras cláusulas contratuais não constituam operações de concentração na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 4064/89, apenas este regulamento - e não o Regulamento n.° 17 e os outros regulamentos sectoriais enumerados no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 - é «aplicável» às cláusulas directamente relacionadas e necessárias à realização dessas operações. Tal resulta, por outro lado, do considerando 25 do Regulamento n.° 4064/89 segundo o qual «não está excluída a aplicação do presente regulamento ao caso de as empresas em causa aceitarem restrições directamente relacionadas e necessárias à realização da operação de concentração».

79.
    Decorre, com efeito, da leitura conjugada da disposição controvertida e do artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 que as cláusulas contratuais que constituem restrições directamente relacionadas e necessárias à realização de uma operação de concentração, aprovada pela Comissão, não caem no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 17 e dos outros regulamentos sectoriais enumerados no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89.

80.
    Se, por força dessas disposições, essas restrições não são abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições processuais previstas no Regulamento n.° 17 e nos outros regulamentos sectoriais enumerados no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, em proveito unicamente das disposições do Regulamento n.° 4064/89, a própria qualificação dessas cláusulas deve necessariamente ocorrer no quadro do procedimento previsto no Regulamento n.° 4064/89.

81.
    Assim, a qualificação de uma cláusula contratual notificada no quadro de uma operação de concentração de directamente relacionada e acessória à realização desta constitui uma «aplicação» do Regulamento n.° 4064/89 na acepção do artigo 22.°, n.° 1, desse regulamento.

82.
    Além disso, com a disposição controvertida, o legislador comunitário não apenas excluiu a aplicação do Regulamento n.° 17 e dos outros regulamentos sectoriais enumerados no artigo 22.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 no que se refere à apreciação do carácter directamente relacionado e necessário das restrições notificadas no quadro de uma operação de concentração, mas também conferiu à Comissão a competência exclusiva para adoptar um acto vinculativo a esse respeito.

83.
    Com efeito, a disposição controvertida deve, nesse aspecto, ser interpretada à luz do artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, o qual prevê que, «[s]ob reserva do controlo do Tribunal de Justiça, a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas no presente regulamento». Resulta indubitavelmente desta disposição que a competência exclusiva da Comissão em matéria de controlo das operações de concentração não se limita unicamente às decisões de compatibilidade das operações de concentração, como definidas no artigo 3.° do Regulamento n.° 4064/89, mas abrange também todos os actos vinculativos que a Comissão é chamada a adoptar em «aplicação» do Regulamento n.° 4064/89. Esta leitura do artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 é confirmada pelo considerando 26 desse regulamento que refere «que é conveniente conferir à Comissão [...] competência exclusiva para aplicar o presente regulamento».

84.
    Por outro lado, a recorrida não pode invocar utilmente o efeito directo do artigo 81.°, n.° 1, CE, para concluir que compete ao órgão jurisdicional nacional decidir sobre o carácter directamente relacionado e necessário das restrições a uma operação de concentração que aprovou sem que esteja vinculada pelas considerações que emitiu, a esse propósito, no quadro dos fundamentos da sua decisão de aprovação.

85.
    De facto é, efectivamente, verdade, como sublinha a recorrida, que a análise do carácter directamente relacionado e necessário das cláusulas contratuais a uma operação de concentração foi desenvolvida, no direito comunitário da concorrência, no quadro do artigo 81.° CE (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, e acórdão M6). Do mesmo modo, essa análise, muito embora efectuada no quadro do Regulamento n.° 4064/89, constitui um «procedimento para a interpretação do artigo 81.° CE», na medida em que o Regulamento n.° 4064/89 foi adoptado, designadamente, com base no artigo 83.° CE, que constitui a base jurídica para a adopção de regulamentos ou directivas com vista à aplicação dos princípios que figuram, em especial, no artigo 81.° CE.

86.
    Contudo, a recorrida não tem em conta que, ao inserir a disposição controvertida no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, o legislador comunitário criou uma base legal específica para a apreciação do carácter directamente relacionado e necessário das restrições que são notificadas como tais no quadro de uma operação de concentração.

87.
    Tendo em conta a competência exclusiva de que goza a Comissão em matéria de controlo das concentrações de dimensão comunitária, competência que abrange a decisão sobre a qualificação das restrições notificadas pelas partes na concentração de restrições directamente relacionadas e necessárias à sua realização, a argumentação das partes sobre a aplicação dos princípios desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Masterfoods é irrelevante. Com efeito, esses princípios apenas dizem respeito à situação jurídica caracterizada por uma competência partilhada pela Comissão e pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

88.
    Outras disposições confirmam esta análise.

89.
    Em primeiro lugar, quanto às disposições que regem a notificação das operações de concentração, importa lembrar (v. n.° 2 supra) que é referido no ponto 11.1 do «formulário CO», cujo modelo figura no anexo do Regulamento n.° 447/98 e que é parte integrante deste regulamento, que «[se] as partes na concentração e/ou outros interessados [...] estipularem restrições acessórias directamente relacionadas com a realização da operação de concentração e necessárias a esta, essas restrições podem ser analisadas em articulação com a própria concentração». Neste contexto, as partes na operação de concentração são convidadas a «identificar as restrições acessórias nos acordos apresentados com a notificação, relativamente às quais [solicitam] uma apreciação em articulação com a concentração», e a «explicar a razão pela qual [essas restrições] estão directamente relacionadas e são necessárias à realização da operação de concentração».

90.
    Assim, por força destas disposições, quando as partes numa operação de concentração comunicam à Comissão cláusulas contratuais como restrições directamente relacionadas e necessárias à realização dessa operação, estas devem ser consideradas no sentido de que fazem parte integrante da notificação da operação de concentração. Ora, no caso de um pedido preciso e claro abrangido pela competência da Comissão, esta é obrigada a dar uma resposta adequada [v., neste sentido, no que concerne a um pedido com base no artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento n.° 17, o acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, n.° 13; v., também, acórdão M6, n.° 36]. Por conseguinte, estas disposições confirmam que as considerações emitidas pela Comissão nos fundamentos da sua decisão de aprovação quanto a essas restrições têm carácter decisório do mesmo modo que a aprovação da operação de concentração.

91.
    Em segundo lugar, contrariamente ao que sustenta a recorrida, o artigo 10.°, n.° 6, do Regulamento n.° 4064/89, que prevê que, se a Comissão não tomar qualquer decisão nos prazos fixados, «considera-se que a operação de concentração é declarada compatível com o mercado comum», não pode ser utilmente invocado em apoio da sua tese.

92.
    Com efeito, mesmo admitindo que cabe interpretar essa disposição no sentido defendido pela recorrida (v. n.° 41 supra), não é menos certo que, no caso vertente, a Comissão não só aprovou as operações de concentração na decisão de 22 de Junho de 2000, nos prazos fixados, mas também, nessa decisão, se referiu claramente à qualificação das restrições notificadas de restrições acessórias ou de restrições não acessórias a essas operações.

93.
    Em terceiro lugar, embora seja um facto que o Regulamento n.° 4064/89 consagra expressamente, no seu artigo 18.°, o direito das empresas interessadas - entre as quais figuram as empresas notificantes - serem ouvidas antes da adopção de um certo número de decisões que especifica e que essa disposição não menciona a decisão adoptada em aplicação do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, não é menos verdade que, contrariamente ao que sustenta a recorrida, essa circunstância não prova necessariamente que a qualificação de uma restrição de restrição acessória ou de restrição não acessória não tem valor decisório.

94.
    Com efeito, importa lembrar, nesse contexto, que o respeito do direito de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de culminar num acto que a afecte constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser assegurado mesmo na ausência de uma regulamentação específica (acórdão França e o./Comissão, citado no n.° 63 supra, n.° 174; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, referido no n.° 63 supra, n.° 88, e de 10 de Maio de 2001, Kaufring e o./Comissão, T-186/97, T-187/97, T-190/97 a T-192/97, T-210/97, T-211/97, T-216/97 a T-218/97, T-279/97, T-280/97, T-293/97 e T-147/99, Colect., p. II-1337, n.° 151). Por conseguinte, o artigo 18.° do Regulamento n.° 4064/89 não pode definitivamente limitar o benefício desse direito, como o Tribunal de Primeira Instância teve já ocasião de decidir no acórdão Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, referido no n.° 63 supra, n.os 88 e 89, no âmbito do qual o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a decisão prevista no artigo 6.°, n.° 1, alínea a), pela qual a Comissão decide que a operação notificada não é abrangida pelo Regulamento n.° 4064/89, não é mencionada no artigo 18.° desse regulamento, mas que a Comissão, numa situação particular como a desse outro processo, tinha contudo a obrigação de ouvir as partes interessadas antes de adoptar essa decisão.

95.
    Por último, há que procurar a finalidade da disposição controvertida.

96.
    A este propósito, importa observar, antes de mais, que os trabalhos preparatórios relativos aos Regulamentos n.os 4064/89 e 1310/97, que a recorrida submeteu ao Tribunal de Primeira Instância no âmbito de uma medida de organização do processo, não confortam a tese defendida pela Comissão no caso vertente. Daí resulta, em contrapartida, que, como as partes confirmaram na audiência, em momento algum foi suscitada nas negociações e preparação desses regulamentos a questão dos poderes e deveres da Comissão resultante da disposição controvertida.

97.
    Em contrapartida, resulta dos considerandos do Regulamento n.° 4064/89, designadamente dos considerandos 7 e 17, e como tinha já sido declarado várias vezes pelo Tribunal de Primeira Instância, o objectivo principal deste regulamento é garantir a eficácia do controlo das operações de concentração e a segurança jurídica das empresas sujeitas à sua aplicação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Outubro de 1993, Zunis Holding e o./Comissão, T-83/92, Colect., p. II-1169, n.° 26; despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Dezembro de 1994, Union Carbide/Comissão, T-322/94 R, Colect., p. II-1159, n.° 36; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T-3/93, Colect., p. II-121, n.° 48; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 109).

98.
    A este propósito, importa observar que, como a própria Comissão realçou na comunicação relativa às restrições acessórias (v. ponto I 6), a questão de saber se uma restrição é «directamente relacionada e necessária à realização da concentração» não pode obter uma resposta geral. A apreciação do carácter directamente relacionado e necessário de uma restrição em cada caso concreto implica, por conseguinte, apreciações económicas complexas para as quais a autoridade competente dispõe de um amplo poder discricionário (v., nesse sentido, acórdão Remia e o./Comissão, citado no n.° 85 supra, e acórdão M6, n.° 114).

99.
    Como a Comissão igualmente observou na referida comunicação (v. ponto II 5), no direito comunitário da concorrência, para verificar se as restrições podem ser consideradas directamente relacionadas e necessárias à realização de uma operação de concentração, importa, em especial, examinar se essas restrições são objectivamente necessárias à realização de uma operação de concentração no sentido de que, «na sua falta, esta operação não poderia realizar-se ou sê-lo-ia em condições mais aleatórias, a custos substancialmente mais elevados, num prazo consideravelmente maior ou com muito menos possibilidades de êxito» (v. igualmente, neste sentido, acórdão M6, n.° 109).

100.
    Daí resulta que as restrições directamente relacionadas e necessárias à realização de uma operação de concentração devem ser consideradas economicamente indissociáveis desta.

101.
    Se, como sustenta a recorrida, a qualificação dessas restrições de restrições acessórias ou de restrições não acessórias nos fundamentos da decisão de aprovação da operação de concentração não permite às partes nessa operação obter a segurança jurídica ligada a uma decisão de aprovação de uma concentração, o Regulamento n.° 4064/89 seria, parcialmente, privado do seu efeito útil. Nesse caso, com efeito, as partes numa operação de concentração não obtinham a segurança jurídica para o conjunto dessa operação ao passo que, se as condições previstas pela disposição controvertida estiverem efectivamente preenchidas, esse conjunto é reconhecido como economicamente indissociável.

102.
    Portanto, embora seja verdade que é unicamente por força das cláusulas contratuais que constituem a própria operação de concentração que as partes modificam a estrutura das suas empresas, operação dificilmente reversível e que justifica uma necessidade acrescida de segurança jurídica para as partes envolvidas (v., nesse sentido, acórdão Air France/Comissão, já referido no n.° 97 supra, n.° 48), no estado actual da legislação aplicável, a segurança jurídica deve ser considerada no sentido de que abrange igualmente as cláusulas contratuais que foram qualificadas de restrições directamente relacionadas e necessárias à realização de uma operação de concentração nos fundamentos da decisão de aprovação.

103.
    Assim, sem que seja necessário examinar se, em termos gerais, a apreciação dessas restrições pode ser efectuada utilmente fora do âmbito do exame da operação de concentração, há que concluir que, ao inserir a disposição controvertida no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, o legislador comunitário pretendeu criar um sistema decisório que permite às partes numa operação de concentração na acepção do artigo 3.° desse regulamento obter, como contrapartida do regime vinculativo, instituído pelos artigos 4.° e 7.° desse regulamento, da obrigação de notificação e do efeito suspensivo dessa obrigação, a segurança jurídica não só no que se refere à operação de concentração, mas também quanto às restrições notificadas pelas partes nessa operação como directamente relacionadas e necessárias à realização da mesma.

104.
    Do mesmo modo, há que concluir que o facto de obrigar as partes numa operação de concentração, para poderem beneficiar da segurança jurídica relativa às restrições que consideram economicamente indissociáveis dessa operação, a proceder à notificação dessas restrições por aplicação de outras disposições, designadamente, do Regulamento n.° 17, paralelamente à notificação por força do Regulamento n.° 4064/89, colidiria com o princípio da eficácia do controlo das concentrações de dimensão comunitária. Aliás, na introdução da comunicação relativa às restrições acessórias, a própria Comissão sublinhou que «não [haverá] processos paralelos na Comissão, um destinado ao controlo da operação de concentração nos termos do Regulamento [n.° 4064/89] e o outro à aplicação dos artigos [81.° CE e 82.° CE] às restrições acessórias dessa operação».

105.
    A título mais subsidiário, cabe acrescentar que, na sua decisão de 22 de Junho de 2000, a Comissão considerou que todas as empresas criadas ou alteradas pelas operações de concentração constituem empresas comuns que desempenham todas as funções de uma entidade autónoma na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89. Ora, na sua comunicação relativa ao conceito de empresas comuns que desempenham todas as funções de uma entidade económica autónoma nos termos do Regulamento n.° 4064/89 (JO 1998, C 66, p. 1), a Comissão referiu que, no quadro dessas operações, por um lado, examina, nos termos do n.° 4 do artigo 2.°, do Regulamento n.° 4064/89 e de acordo com os critérios previstos no artigo 81.°, n.os 1 e 3, CE, se e em que medida essas operações têm por objecto ou por efeito restringir a concorrência mediante uma coordenação do comportamento concorrencial das partes nessa operação e, por outro, aprecia as restrições directamente relacionadas e necessárias para a execução da operação de concentração «juntamente com a própria concentração» (n.° 16 da comunicação).

106.
    Decorre do exposto que, no estado actual da legislação aplicável, a interpretação da disposição controvertida que é dada pela recorrida deve ser considerada inconciliável com o objectivo principal do Regulamento n.° 4064/89, a saber, assegurar a eficácia do controlo das operações de concentração e a segurança jurídica das empresas sujeitas à sua aplicação.

107.
    Nesta situação, a recorrida não pode validamente sustentar que o Regulamento n.° 4064/89 lhe impõe prazos estritos para a adopção das decisões relativas à compatibilidade das operações de concentração com o mercado comum, prazos que não lhe permitiam decidir utilmente quanto às restrições acessórias e que, por conseguinte, importa simplificar o procedimento e concentrá-lo essencialmente na apreciação da compatibilidade, a saber, a prevista no artigo 2.° desse regulamento, por força da qual deve apreciar se a operação de concentração cria ou reforça uma posição dominante.

108.
    Com efeito, por um lado, importa observar que, no presente caso, a Comissão procedeu, nos prazos que lhe são fixados no Regulamento n.° 4064/89, a uma análise detalhada do carácter directamente relacionado e necessário das diferentes restrições que lhe foram notificadas pelas recorrentes no quadro das suas operações de concentração. Por outro, se é certo que o Tribunal já teve ensejo de sublinhar que a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 é caracterizada pelo imperativo de celeridade do procedimento perante a Comissão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1999, Endemol/Comissão, T-221/95, Colect., p. II-1299, n.° 68, e Kaysersberg/Comissão, referido no n.° 97 supra, n.° 113), não é menos certo que, como foi decidido no n.° 101 supra, a interpretação defendida pela recorrida privaria as partes numa operação de concentração de uma parte das vantagens que lhe são proporcionadas pelo Regulamento n.° 4064/89. Ora, a recorrida não pode invocar dificuldades administrativas, por muito importantes que sejam, para esvaziar o Regulamento n.° 4064/89 de uma parte do seu conteúdo. É exclusivamente ao legislador comunitário competente que cabe, sendo o caso, alterar, sob proposta da Comissão, as disposições desse regulamento.

109.
    Face ao exposto, deve concluir-se que, ao ter em conta a redacção e o contexto legislativo bem como a génese e a finalidade da disposição controvertida, esta deve ser interpretada no sentido de que quando, como no caso vertente em que, nos fundamentos da decisão de aprovação de uma operação de concentração, a Comissão qualificou as restrições notificadas pelas partes nessa operação de restrições acessórias, de restrições não acessórias ou de restrições acessórias durante um prazo limitado, não emitiu um mero parecer juridicamente não vinculativo, mas, pelo contrário, fez apreciações jurídicas que, por força da disposição controvertida, determinam o essencial do que decidiu no dispositivo dessa decisão.

- Aplicação ao caso concreto

110.
    Com a decisão de 10 de Julho de 2000, a Comissão alterou a sua posição relativa às restrições notificadas pelas partes na concentração como directamente relacionadas e necessárias à sua realização que constava da decisão de 22 de Junho de 2000 num sentido desfavorável aos interesses das recorrentes. Com efeito, algumas das restrições que tinham sido aprovadas pela decisão de 22 de Junho de 2000 para todo o período de tempo indicado na notificação ou para parte dele já não são, por força da decisão de 10 de Julho de 2000, aprovadas ou são-no apenas para um período inferior ao fixado anteriormente. Por conseguinte, por força da decisão de 10 de Julho de 2000 e contrariamente à situação jurídica criada pela decisão de 22 de Junho de 2000, essas restrições são susceptíveis não só de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 17, mas também de serem objecto de um processo num órgão jurisdicional nacional, com vista à apreciação de uma eventual infracção aos direitos comunitário e nacional da concorrência.

111.
    Assim, é correctamente que as recorrentes sustentam que, após a notificação da decisão de 10 de Julho de 2000, se encontram numa situação de segurança jurídica menos favorável do que aquela que tinham beneficiado na sequência da adopção da decisão de 22 de Junho de 2000. Essa alteração pode, como as recorrentes afirmaram sem serem contestadas a esse propósito pela recorrida, afectar o cálculo da rentabilidade dos investimentos que presidiu à celebração dos acordos notificados.

112.
    Assim, há que concluir que a decisão de 10 de Julho de 2000 produziu efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses das recorrentes alterando de modo caracterizado a sua situação jurídica.

113.
    Esta conclusão não é infirmada pela argumentação baseada nas duas comunicações da Comissão, a saber, a comunicação relativa a um procedimento simplificado e a nova comunicação relativa às restrições acessórias (v. n.os 54 e 55 supra). Com efeito, importa realçar que não só estes actos foram publicados após a adopção da decisão recorrida, mas, também, que não podem, por si mesmos, prejudicar a interpretação das disposições relevantes por parte do tribunal comunitário, como foi, aliás, expressamente sublinhado no n.° 5 da nova comunicação relativa às restrições acessórias.

114.
    Por conseguinte, improcede o primeiro fundamento da inadmissibilidade.

Quanto à inadmissibilidade baseada na inexistência de um interesse efectivo e actual das recorrentes na anulação da decisão de 10 de Julho de 2000

115.
    Importa recordar que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado. Esse interesse só existe se a anulação do acto for susceptível, por si própria, de ter consequências jurídicas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T-102/96, Colect., p. II-753, n.° 40).

116.
    No caso concreto, é pacífico que a decisão de 10 de Julho de 2000 alterou de modo sensível e em sentido desfavorável aos interesses das recorrentes a apreciação das diferentes restrições por elas notificadas no quadro das operações de concentração. Assim, relativamente ao que foi decidido no n.° 109 supra, há que considerar que a decisão de 10 de Julho de 2000 alterou a situação jurídica das recorrentes e que, contrariamente ao que sustenta a recorrida (v. n.° 50 supra), esta alteração não depende de uma eventual apreciação por um órgão jurisdicional nacional. Por conseguinte, as recorrentes podem invocar um interesse em agir, uma vez que, no caso de anulação da decisão de 10 de Julho de 2000, se encontram de novo na situação jurídica mais favorável criada pela decisão de 22 de Junho de 2000.

117.
    Por conseguinte, improcede igualmente este fundamento da inadmissibilidade.

118.
    Resulta do exposto que o presente recurso é admissível.

Quanto ao mérito

119.
    As recorrentes invocam, a título principal, a incompetência da Comissão para adoptar a decisão de 10 de Julho de 2000. A título subsidiário, invocam a violação, em primeiro lugar, dos princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e do respeito dos direitos adquiridos, em segundo lugar, do dever de fundamentação e, em terceiro lugar, do direito de defesa. A título ainda mais subsidiário, as recorrentes sustentam que a Comissão cometeu erros na apreciação das restrições notificadas pelas partes na concentração como directamente relacionadas e necessárias à sua realização e que a decisão recorrida está ferida de erro manifesto de apreciação.

Quanto ao fundamento baseado na incompetência da Comissão para adoptar a decisão de 10 de Julho de 2000

Argumentos das partes

120.
    Segundo as recorrentes, a Comissão era, de forma manifesta, duplamente incompetente para adoptar a decisão recorrida.

121.
    Em primeiro lugar, as recorrentes observam que a decisão de 10 de Julho de 2000 foi assinada e notificada às partes quinze dias após o termo do prazo previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89. Ora, tendo em conta que as regras relativas aos prazos previstos no Regulamento n.° 4064/89 devem ser interpretadas e aplicadas estritamente (acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido no n.° 97 supra, n.° 113), as recorrentes consideram que a Comissão era incompetente ratione temporis para adoptar a decisão de 10 de Julho de 2000. Por outro lado, entendem que a Comissão também já não tinha competência para revogar a decisão de 22 de Junho de 2000, porque as únicas circunstâncias em que uma decisão adoptada nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 pode ser revogada são as previstas no artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, isto é, quando a decisão se baseia em informações inexactas, foi obtida fraudulentamente ou se as partes em causa não respeitaram uma das obrigações impostas pela decisão. As recorrentes sublinham que esta disposição não é aplicável no caso em apreço e não foi mesmo invocada pela Comissão na decisão recorrida.

122.
    Em segundo lugar, as recorrentes invocam que, ao adoptar a decisão de 22 de Junho de 2000, notificada no mesmo dia às partes na concentração, a Comissão deu por encerrado o processo e esgotou a sua competência nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89. Consequentemente, segundo as recorrentes, a Comissão já não era competente para adoptar a decisão impugnada na mesma base.

123.
    A recorrida contesta as duas vertentes deste fundamento remetendo, a título principal, para a sua argumentação relativa ao não carácter vinculativo do seu «parecer» sobre as restrições acessórias. A título subsidiário, a recorrida entende que, de qualquer modo, era competente para revogar a decisão de 22 de Junho de 2000.

Apreciação do Tribunal

124.
    Importa identificar antes de mais a natureza jurídica da decisão recorrida.

125.
    É pacífico entre as partes que, apesar do facto de a Comissão ter fundamentado a adopção deste acto pela necessidade de proceder a «alterações de redacção» na decisão de 22 de Junho de 2000 para corrigir um erro de manipulação que ocorreu na adopção desta última decisão, a decisão recorrida comporta uma modificação substancial da análise efectuada pela Comissão nos fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000 no que se refere ao carácter directamente relacionado e necessário à realização das operações de concentração das restrições notificadas deixando inalterada a parte decisória da mesma.

126.
    Atendendo ao carácter vinculativo que se atribui a esta análise nos fundamentos de uma decisão de aprovação de uma operação de concentração (v. parte «admissibilidade» supra), a decisão recorrida constitui, portanto, uma decisão de revogação parcial, com efeitos retroactivos, da decisão de 22 de Junho de 2000.

127.
    Consequentemente, as recorrentes não podem validamente opor a esta decisão o prazo previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89, uma vez que esse prazo se aplica «às decisões previstas no artigo 6.°, n.° 1, [desse mesmo regulamento]» e não a uma decisão de revogação, com efeitos retroactivos, de tal decisão.

128.
    Em seguida, há que analisar se a Comissão era competente para adoptar essa decisão de revogação parcial, com efeitos retroactivos, da decisão de 22 de Junho de 2000.

129.
    A este respeito, as recorrentes observam, correctamente, que o Regulamento n.° 4064/89 só prevê a revogação de uma decisão de aprovação de uma concentração adoptada nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 quando essa decisão se baseia em informações inexactas, foi obtida fraudulentamente ou as partes em causa não respeitaram uma das obrigações impostas pela decisão (artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89). Ora, é pacífico que o caso presente não contempla nenhuma destas situações.

130.
    Importa, contudo, sublinhar que o Regulamento n.° 4064/89 conferiu à Comissão competência para adoptar, em termos gerais, as decisões relativas às operações de concentração de dimensão comunitária e, em especial, as relativas à aprovação dessas operações com o mercado comum. Portanto, por força de um princípio geral de direito segundo o qual, em princípio, o órgão que é competente para adoptar um acto jurídico determinado é igualmente competente para o revogar ou modificar mediante a adopção de um actus contrarius, a menos que uma disposição expressa atribua essa competência a outro órgão, há que concluir que a Comissão era, em termos abstractos, competente para adoptar a decisão recorrida.

131.
    Não podem infirmar esta conclusão os argumentos invocados pelas recorrentes que visam, no essencial, demonstrar que a Comissão não respeitou as condições exigidas pela jurisprudência constante para a revogação retroactiva de um acto comunitário, uma vez que incidem na realidade sobre a questão de saber se a Comissão exerceu correctamente essa competência no caso em apreço. Ora, a análise desta questão relaciona-se com o segundo fundamento invocado pelas recorrentes.

132.
    Consequentemente, improcede o primeiro fundamento.

Quanto ao fundamento baseado numa violação dos princípios da segurança jurídica, do respeito da confiança legítima e do respeito dos direitos adquiridos

Argumentos das partes

133.
    As recorrentes sustentam que, ao alterar a decisão de 22 de Junho de 2000 adoptando a de 10 de Julho de 2000, a Comissão não respeitou as condições exigidas pela jurisprudência para a revogação retroactiva de actos comunitários (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 1997, De Compte/Parlamento, C-90/95 P, Colect., p. I-1999). Por conseguinte, no seu entendimento, a decisão recorrida viola os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e do respeito dos direitos adquiridos.

134.
    Nesse contexto, as recorrentes recordam, em especial, que a decisão de 22 de Junho de 2000 foi tomada no último dia do prazo previsto no artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 e que só em 7 de Julho de 2000, ou seja, duas semanas após a notificação da decisão de 22 de Junho de 2000, tomaram conhecimento, informal e incidentalmente, de que a Comissão preparava uma nova decisão relativa à concentração notificada. Em seu entender, nem a forma, nem o fundo da decisão de 22 de Junho de 2000, nem as indicações fornecidas pelos serviços da Comissão no decurso do procedimento administrativo conduziram a que pudessem ou devessem aperceber-se de que esta decisão não era definitiva e que seria objecto de uma alteração.

135.
    A recorrida admite que, regra geral, a alteração de um acto ou a sua revogação pode violar o princípio da segurança jurídica. Contudo, o interesse das recorrentes no respeito deste princípio devia ser ponderado, por um lado, com o objectivo pretendido pela adopção da decisão recorrida e, por outro, com a confiança legítima das partes interessadas que resultou da actuação da administração.

136.
    A recorrida observa que a adopção da decisão impugnada visava o respeito do princípio da legalidade dos actos administrativos que exige que a acção administrativa contrária ao direito seja eliminada. Lembra que se tinham verificado erros materiais na decisão de 22 de Junho de 2000 no que se refere à apreciação das restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização das operações de concentração. Em seu entender, era no interesse geral da fixação de uma doutrina coerente em matéria de restrições acessórias que devia rectificar esses erros. Observa que a apreciação que faz nas suas decisões em matéria de concentração é seguida pelos operadores económicos e pelos seus consultores jurídicos. Era essencial não deixar subsistir a dúvida provocada pelas contradições entre a apreciação que consta da decisão de 22 de Junho de 2000 e a que figura na Decisão 1999/242, citada no n.° 15 supra, na medida em que, nesses dois diplomas, estavam em causa restrições idênticas. Assim, era necessário alterar a apreciação dessas restrições que fora feita na decisão de 22 de Junho de 2000 substituindo-a por uma interpretação mais pacífica e mais conforme com a prática decisória da Comissão e com a jurisprudência e, ao fazê-lo, privilegiar o interesse geral relativamente ao das recorrentes.

137.
    A recorrida considera igualmente que adoptou a decisão de 10 de Julho de 2000 num prazo razoável. Aliás, remetendo para a argumentação relativa ao não carácter vinculativo do seu «parecer» quanto a essas restrições, a recorrida entende que a sua apreciação não conferiu, a esse respeito, qualquer garantia de legalidade e que, consequentemente, a sua alteração não podia violar a confiança legítima das recorrentes. De qualquer modo, a recorrida observa que os fundamentos da decisão de 22 de Junho de 2000 incluem uma frase que, manifestamente, não deveria figurar na versão definitiva. Com efeito, com essa frase, que se encontra entre aspas, o responsável pela redacção dessa decisão notara que poderia ter sido utilizada uma outra formulação, indicando assim a outro colaborador que era possível modificar a fundamentação nesse aspecto específico. A recorrida sublinha que, da simples leitura dessa frase, as recorrentes deveriam ter-se apercebido de que a decisão lhes fora notificada por engano.

Apreciação do Tribunal

138.
    Perante a inexistência de disposições específicas no Tratado ou no direito derivado aplicável, é dos princípios gerais de direito comunitário que o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância deduziram os critérios de acordo com os quais as instituições comunitárias podem revogar, com efeito retroactivo, actos administrativos favoráveis.

139.
    A este propósito, importa lembrar que, em termos gerais, a revogação retroactiva de um acto administrativo legal que tenha conferido direitos subjectivos ou benefícios similares é contrária aos princípios gerais de direito (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1957, Algera e o./Assembleia Comum da CECA, 7/56 e 3/57 a 7/57, Recueil, p. 81, p. 115, Colect. 1954-1961, p. 157, e de 22 de Setembro de 1983, Verli-Wallace/Comissão, 159/82, Recueil, p. 2711, n.° 8; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Março de 1990, Chomel/Comissão, T-123/89, Colect., p. II-131, n.° 34, e de 5 de Dezembro de 2000, Gooch/Comissão, T-197/99, ColectFP, pp. I-A-271 e II-1247, n.° 53).

140.
    Além disso, se, em contrapartida, a revogação retroactiva de actos administrativos ilegais tivesse de ser aceite, está contudo sujeita a condições muito estritas. Com efeito, segundo jurisprudência constante, a revogação retroactiva de um acto administrativo ilegal é permitida se ocorrer num prazo razoável e se a instituição de que emana esse acto tiver suficientemente em consideração a confiança legítima do beneficiário do acto que possivelmente confiou na legalidade deste (acórdãos do Tribunal de Justiça Algera e o./Assembleia Comum, já referido no n.° 139 supra, p. 116; de 9 de Março de 1978, Herpels/Comissão, 54/77, Recueil, p. 585, n.° 38, Colect., p. 235; de 3 de Março de 1982, Alpha Steel/Comissão, 14/81, Recueil, p. 749, n.° 10; de 26 de Fevereiro de 1987, Consorzio cooperative d'Abruzzo/Comissão, 15/85, Colect., p. 1005, n.° 12; acórdão De Compte/Parlamento, já referido no n.° 133 supra, n.° 35; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Janeiro de 1995, De Compte/Parlamento, T-90/91 e T-62/92, ColectFP, pp. I-A-1 e II-1, n.° 37; Gooch/Comissão, já referido no n.° 139 supra, n.° 53).

141.
    Foi já decidido que a prova da ilegalidade do acto revogado incumbe à instituição de que o mesmo emana (acórdão Gooch/Comissão, referido no n.° 139 supra, n.° 53). Do mesmo modo, há que considerar que compete a essa instituição demonstrar que estão preenchidas as outras condições para a revogação retroactiva de um acto.

142.
    No que se refere ao caso em apreço, importa lembrar antes de mais que a decisão de 22 de Junho de 2000 conferiu às recorrentes direitos subjectivos na medida em que não só a Comissão declarou na mesma as operações de concentração compatíveis com o mercado comum mas, também, esta decisão teve como efeito aprovar as restrições notificadas como directamente relacionadas e necessárias à realização dessas operações nos moldes indicados nos fundamentos do mesmo acto.

143.
    Em seguida, importa declarar que nem na decisão de 10 de Julho de 2000 nem na sua argumentação no Tribunal a Comissão pretendeu demonstrar que a decisão de 22 de Junho de 2000 era ilegal.

144.
    Com efeito, na decisão de 10 de Julho de 2000 a recorrida limitou-se a informar as recorrentes que «o texto da decisão de 22 de Junho de 2000 [...] assinado e [que lhes] foi notificado continha incorrecções». No Tribunal, a recorrida limitou-se a sustentar que a decisão de 22 de Junho de 2000 continha «erros de direito material» cuja correcção era necessária no interesse da fixação de uma doutrina coerente em matéria de restrições acessórias (v. também, nesse sentido, a carta de 31 de Julho de 2000 do Sr. Schaub, n.° 16 supra). Sem pretender demonstrar que a interpretação que deu ao conceito de restrições acessórias na acepção da disposição controvertida era ilegal, sustenta que a interpretação acolhida na decisão de 10 de Julho de 2000 era «mais pacífica e mais conforme com a prática decisória da Comissão e com a jurisprudência».

145.
    Consequentemente, dado que a recorrida não provou a ilegalidade do acto parcialmente revogado pela decisão impugnada, não podia validamente revogar, com efeitos retroactivos, a decisão de 22 de Junho de 2000.

146.
    De qualquer modo, mesmo admitindo que a recorrida - cuja argumentação se baseia principalmente na tese, não acolhida (v. n.° 109 supra), segundo a qual as suas declarações relativas às restrições acessórias constituem um mero parecer e não podem, portanto, ser ilegais - tenha conseguido demonstrar, no Tribunal, que a decisão de 22 de Junho de 2000 era ilegal, não se submeteu, no quadro do procedimento administrativo no caso em apreço, às condições muito estritas mencionadas no n.° 140 supra.

147.
    Com efeito, no que se refere ao respeito da confiança legítima das recorrentes na legalidade da decisão de 22 de Junho de 2000, importa declarar que esta decisão não contém qualquer elemento que deixe transparecer que esse acto não correspondia ao que a Comissão pretendia adoptar e que só por um erro de manipulação no processo de adopção do acto este foi notificado às recorrentes. A simples existência, nos fundamentos desta decisão, da frase a que se refere a recorrida (v. n.° 137 supra) não constitui um erro de tal modo grave que os destinatários não pudessem manifestamente confiar na legalidade da referida decisão. Com efeito, se é pacífico que esta frase não se destinava a constar do texto definitivo desse acto, não deixa de ser verdade que, não havendo qualquer outro indício de que pudesse resultar que a decisão de 22 de Junho de 2000 não correspondia à vontade do órgão competente, as recorrentes podiam razoavelmente presumir, particularmente nas circunstâncias de um processo como o previsto no Regulamento n.° 4064/89 caracterizado por prazos muito estritos, que se tratava de um simples erro de redacção sem consequências quanto à legalidade dessa decisão.

148.
    Em seguida, a recorrida também não pode invocar, neste contexto, a alegada não conformidade da decisão de 22 de Junho de 2000 com a sua prática decisória anterior. Com efeito, mesmo admitindo que essa alegada não conformidade da decisão de 22 de Junho de 2000 com a sua prática decisória anterior possa constituir uma ilegalidade, essa circunstância não era, em qualquer caso, de tal modo manifesta que, da leitura dessa decisão, as recorrentes deveriam necessariamente ter dúvidas a esse respeito. Esta conclusão impõe-se tanto mais na medida em que as recorrentes sustentaram na audiência sem serem contestadas a este respeito pela recorrida, em nenhum momento do procedimento administrativo, antes ou após a notificação das operações de concentração, os serviços competentes da Comissão forneceram indicações aos advogados das recorrentes das quais pudesse resultar que pretendiam propor a adopção de uma decisão com uma apreciação substancialmente diversa da que, afinal, constava da decisão de 22 de Junho de 2000.

149.
    Assim, a decisão de 22 de Junho de 2000 tem todas as características de um acto que não estava ferido de qualquer erro de molde a poder suscitar nas recorrentes, enquanto operadores económicos diligentes, dúvidas quanto à sua legalidade.

150.
    Ora, nessa situação, a recorrida não pode validamente invocar a necessidade de preservar a coerência da «doutrina» em matéria de restrições acessórias para revogar retroactivamente um acto que confere direitos subjectivos às partes interessadas mesmo que tenha ocorrido na sequência de um erro de manipulação.

151.
    Por conseguinte, sem que seja necessário examinar se a decisão de 10 de Julho de 2000 foi adoptada num prazo razoável, há que concluir que a Comissão não cumpriu correctamente o seu dever de respeitar a confiança legítima que as recorrentes tiveram na legalidade da decisão de 22 de Junho de 2000.

152.
    Resulta do que precede que o presente fundamento deve ser acolhido.

Quanto ao fundamento baseado na violação do dever de fundamentação

Argumentos das partes

153.
    Segundo as recorrentes, a decisão de 10 de Julho de 2000 não está suficientemente fundamentada em termos jurídicos. Com efeito, na medida em que, segundo as recorrentes, esta decisão constituiu, relativamente à decisão de 22 de Junho de 2000, uma modificação de posição fundamental e prejudicial às recorrentes no que se refere às restrições acessórias, em conformidade com a jurisprudência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Fevereiro de 2000, Stork Amsterdam/Comissão, T-241/97, Colect., p. II-309), deveria ter sido objecto de uma fundamentação específica e particularmente rigorosa.

154.
    A recorrida responde que resulta claramente da decisão impugnada que se trata de uma alteração da decisão de 22 de Junho de 2000 justificada por um erro material ligado à circulação de documentos na instituição. As recorrentes invocam erradamente o acórdão Stork Amsterdam/Comissão, referido no n.° 153 supra, na medida em que esse processo não diz respeito, como no caso vertente, à correcção de um erro administrativo. Além disso, a recorrida adianta que explanou longamente, no corpo da decisão recorrida, as razões que justificam a sua análise dessas restrições. A comparação das decisões de 22 de Junho e 10 de Julho de 2000 permitiria facilmente compreender as razões pelas quais a Comissão tinha considerado que a qualificação inicial estava errada.

Apreciação do Tribunal

155.
    Segundo jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado. A fundamentação deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido pela instituição, de forma a, por um lado, fornecer aos interessados uma indicação suficiente para saberem se o acto tem fundamento ou se está, eventualmente, afectado por um vício que permita contestar a sua validade e, por outro, permitir ao tribunal comunitário exercer o seu controlo da legalidade (acórdãos SCK e FNK/Comissão, referido no n.° 67 supra, n.° 226, e Stork Amsterdam/Comissão, referido no n.° 153 supra, n.° 73).

156.
    No caso vertente, por um lado, há que concluir que, no preâmbulo da decisão de 10 de Julho de 2000, a Comissão indicou que, «na sequência de um erro de manipulação, o texto da decisão de 22 de Junho de 2000 [...] continha incorrecções» e que por isso decidiu «introduzir-lhe alterações de redacção». Por outro lado, nos fundamentos da decisão de 10 de Julho de 2000, a Comissão explicou, circunstanciadamente, as razões pelas quais considerava que as diferentes restrições a que tinha reconhecido carácter acessório na decisão de 22 de Junho de 2000 não podiam ser consideradas acessórias às operações de concentração notificadas.

157.
    Ora, estes elementos não permitem concluir que a decisão de 10 de Julho de 2000 evidencia clara e inequivocamente o raciocínio da instituição que esteve na base da sua adopção.

158.
    Com efeito, em nenhum ponto da decisão de 10 de Julho de 2000 a Comissão referiu que, em seu entender, as alterações efectuadas não implicavam qualquer modificação na situação jurídica das recorrentes e que as suas declarações relativas às restrições acessórias constituíam meros pareceres não vinculativos. Essa fundamentação era, no entanto, necessária para fornecer aos interessados uma indicação suficiente quanto à questão de saber se, face aos princípios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (v. n.os 139 e 140 supra), o acto era fundamentado ou se estava eventualmente ferido de um vício susceptível de permitir contestar a sua validade.

159.
    Por conseguinte, procede o fundamento baseado na violação do dever de fundamentação.

160.
    Portanto, sem que seja necessário decidir quanto aos outros fundamentos invocados pelas recorrentes, há que anular a decisão de 10 de Julho de 2000.

Quanto às despesas

161.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida e as recorrentes requerido a sua condenação nas despesas, deve a mesma ser condenada a suportar as despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)    A decisão da Comissão de 10 de Julho de 2000, que altera a decisão da Comissão de 22 de Junho de 2000, que declara operações de concentração compatíveis com o mercado comum e com o funcionamento do acordo sobre o Espaço Económico Europeu (processos COMP/JV40 - Canal+/Lagardère e COMP/JV47 - Canal+/Lagardère/Liberty Media), é anulada.

2)    A recorrida é condenada nas despesas.

Jaeger
García-Valdecasas
Lenaerts

        Lindh                            Azizi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Novembro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts

Índice

     Enquadramento jurídico e matéria de facto

II - 2

     Tramitação processual

II - 6

     Pedidos

II - 7

     Quanto à admissibilidade

II - 7

         Argumentos das partes

II - 7

         Apreciação do Tribunal

II - 14

             Quanto à inadmissibilidade baseada na inexistência de acto impugnável

II - 14

                 - Introdução

II - 14

                 - Interpretação do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4064/89

II - 16

                 - Aplicação ao caso concreto

II - 24

             Quanto à inadmissibilidade baseada na inexistência de um interesse efectivo e actual das recorrentes na anulação da decisão de 10 de Julho de 2000

II - 25

     Quanto ao mérito

II - 25

         Quanto ao fundamento baseado na incompetência da Comissão para adoptar a decisão de 10 de Julho de 2000

II - 26

             Argumentos das partes

II - 26

             Apreciação do Tribunal

II - 27

         Quanto ao fundamento baseado numa violação dos princípios da segurança jurídica, do respeito da confiança legítima e do respeito dos direitos adquiridos

II - 28

             Argumentos das partes

II - 28

             Apreciação do Tribunal

II - 29

         Quanto ao fundamento baseado na violação do dever de fundamentação

II - 32

             Argumentos das partes

II - 32

             Apreciação do Tribunal

II - 32

     Quanto às despesas

II - 33


1: Língua do processo: francês.