Language of document : ECLI:EU:C:2023:904

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

23 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), secção “Garantia” — Regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura — Regulamento (CEE) n.° 2080/92 — Artigo 3.°, primeiro parágrafo, alíneas b) e c) — Regime de ajudas — Prémios de manutenção e prémios por perda de rendimento — Requisitos de concessão — Regulamentação nacional que prevê uma exigência de densidade mínima de povoamento das parcelas — Incumprimento da exigência devido a causa não imputável ao beneficiário — Obrigação de devolução da ajuda — Força maior — Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑213/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 24 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de março de 2022, no processo

Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.,

contra

CS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Piçarra, M. Safjan, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de CS, por J. Teles Branco, advogado,

–        em representação do Governo Português, por H. Almeida, P. Barros da Costa, P. Direitinho e A. Pimenta, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Helénico, por E. Leftheriotou, M. Tassopoulou e A.‑E. Vasilopoulou, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. Rechena e A. Sauka, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, alíneas b) e c), do Regulamento (CEE) n.° 2080/92 do Conselho, de 30 de junho de 1992, que institui um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura (JO 1992, L 215, p. 96), e do princípio da proporcionalidade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CS ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (Portugal) (a seguir «IFAP»), a respeito da legalidade de uma decisão deste que ordena a restituição dos prémios recebidos por CS a título da ajuda à arborização das superfícies agrícolas instituída pelo Regulamento n.° 2080/92.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O Regulamento n.° 2080/92 foi revogado pelo Regulamento (CE) n.° 1257/1999 do Conselho, de 17 de maio de 1999, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural e que altera e revoga determinados regulamentos (JO 1999 L 160, p. 80), com efeitos em 2 de julho de 1999. Todavia, tendo em conta o artigo 55.°, n.° 3, deste último regulamento, o Regulamento n.° 2080/92 permaneceu aplicável às ações aprovadas pela Comissão antes de 1 de janeiro de 2000, ao abrigo deste regulamento, pelo que o litígio no processo principal continua a ser regido pelas disposições do referido regulamento.

4        O primeiro a terceiro e quinto considerandos do Regulamento n.° 2080/92 têm o seguinte teor:

«Considerando que a arborização das superfícies agrícolas se reveste de particular importância quer para a utilização do solo e para o ambiente quer como contribuição para a redução do défice de produtos silvícolas na Comunidade e como complemento da política comunitária de controlo da produção agrícola;

Considerando que a experiência em matéria de arborização de terras agrícolas pelos agricultores mostra que os regimes de ajuda existentes destinados a promover a arborização são insuficientes e que as atividades de arborização das superfícies agrícolas retiradas da produção agrícola nos últimos anos se revelaram pouco satisfatórias;

Considerando que é, pois, oportuno substituir as medidas previstas no título VIII do Regulamento (CEE) n.° 2328/91 do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativo à melhoria da eficácia das estruturas agrícolas [(JO 1991, L 218, p.1)], por medidas que deem melhor resposta à necessidade de um incentivo eficaz à arborização das superfícies agrícolas;

[...]

Considerando que a criação de um prémio degressivo para os primeiros cinco anos, destinado a ajudar a suportar os encargos de manutenção dos novos povoamentos florestais, pode constituir um importante elemento de incentivo à arborização.»

5        O artigo 1.° desse regulamento, com a epígrafe «Objetivo do regime de ajudas», dispõe:

«É instituído um regime comunitário de ajudas, cofinanciado pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), secção “Garantia”, a fim de:

–        acompanhar as mudanças previstas no contexto das organizações comuns dos mercados,

–        contribuir para um melhoramento, a prazo, dos recursos silvícolas,

–        contribuir para uma gestão do espaço natural mais compatível com o equilíbrio do ambiente,

–        lutar contra o efeito de estufa e absorver o dióxido de carbono[.]

Este regime comunitário de ajudas tem por objetivo:

a)      Uma utilização alternativa das terras agrícolas, por meio de arborização;

b)      O desenvolvimento de atividades florestais nas explorações agrícolas.»

6        O artigo 2.° do referido regulamento, com a epígrafe «Regime de ajudas», dispõe, no seu n.° 1:

«O regime de ajudas pode incluir:

a)      Ajudas destinadas a cobrir as despesas de arborização;

b)      Um prémio anual por hectare arborizado, destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas durante os primeiros cinco anos;

c)      Um prémio anual por hectare, destinado a compensar perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas;

d)      Ajudas aos investimentos relativos ao melhoramento das superfícies arborizadas, tais como a instalação de quebra‑ventos, corta‑fogos, pontos de água e caminhos de exploração florestal, bem como ao melhoramento dos montados de sobro.»

7        O artigo 3.° do mesmo regulamento, com a epígrafe «Montante das ajudas», enuncia, no seu primeiro parágrafo, alíneas b) e c):

«Os montantes máximos elegíveis das ajudas referidas no artigo 2.° são fixados:

[...]

b)      No que diz respeito às despesas de manutenção, em:

–        250 [euros]/ha e por ano, durante os primeiros dois anos, e 150 [euros]/ha e por ano, durante os anos seguintes, no caso das plantações de resinosas,

–        500 [euros]/ha e por ano, durante os primeiros dois anos, e 300 [euros]/ha e por ano, durante os anos seguintes, no caso de plantações de folhosas ou de plantações mistas com, pelo menos, 75 % de folhosas.

–        […]

c)      No que diz respeito ao prémio destinado a compensar as perdas de rendimentos, em:

–        600 [euros]/ha e por ano, se a arborização for realizada por um agricultor ou um agrupamento de agricultores que tenham explorado as terras antes da respetiva arborização,

–        150 [euros]/ha e por ano, se a arborização for realizada por outro beneficiário referido no n.° 2, alínea b), do artigo 2.°

por um período máximo de 20 anos, a contar da arborização inicial.»

8        O artigo 4.° do Regulamento n.° 2080/92, com a epígrafe «Programas de ajudas», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros executarão o regime de ajudas previsto no artigo 2.° através de programas plurianuais, nacionais ou regionais, relativos aos objetivos referidos no artigo 1.°, e que determinem, designadamente:

–        os montantes e a duração das ajudas referidas no artigo 2.° em função das despesas reais de arborização e da manutenção das essências ou tipos de árvores utilizados para a arborização, ou em função da perda de rendimentos,

–        as condições da concessão das ajudas, designadamente das relativas à arborização,

–        [...]

2.      Os Estados‑Membros poderão igualmente realizar planos zonais de arborização que reflitam a diversidade das situações do ambiente, das condições naturais e das estruturas agrícolas.

Os planos zonais de arborização incidem, em especial, sobre:

–        a determinação de um objetivo de arborização,

–        as condições relativas à localização e ao agrupamento das superfícies que podem ser arborizadas,

–        as práticas silvícolas a respeitar,

–        a seleção das espécies de árvores adaptadas às condições locais.»

 Direito português

9        O artigo 5.° da Portaria n.° 199/94 do Ministério da Agricultura, de 6 de abril de 1994 (Diário da República n.° 80/1994, Série I‑B), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «Portaria n.° 199/94»), com a epígrafe «Prémios anuais», dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas referida no número anterior têm direito a dois prémios anuais por hectare arborizado, destinados a:

a)      Cobrir, durante os primeiros cinco anos, os custos decorrentes das operações de manutenção das superfícies arborizadas constantes do projeto de investimento;

b)      Compensar as perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas.»

10      O artigo 6.° desta portaria, com a epígrafe «Beneficiários», enuncia:

«1‑ Podem beneficiar das ajudas previstas no presente diploma:

a)      Ajuda à arborização de superfícies agrícolas: toda e qualquer pessoa, singular ou coletiva;

b)      Ajudas à beneficiação de superfícies florestais: agricultores e suas associações;

c)      Prémio destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas: todos os beneficiários da ajuda à arborização de superfícies agrícolas;

d)      Prémio destinado a compensar perdas de rendimento: todas as pessoas, singulares ou coletivas, de direito privado, beneficiárias da ajuda à arborização, com exceção daquelas que cessem a atividade agrícola ao abrigo do Regulamento (CEE) n.° 2070/92, do Conselho, de 30 de junho[, de 1992, que altera o Regulamento (CEE) n.° 3493/90 que estabelece as regras relativas à concessão do prémio em benefício dos produtores de carne de ovino (JO 1992, L 215, p. 63)].

2 ‑ No caso de espécies de rápido crescimento exploradas em rotações inferiores a 16 anos só são concedidas ajudas à arborização de superfícies agrícolas e apenas quando se trate de agricultores a título principal.»

11      O artigo 7.° da referida portaria, com a epígrafe «Compromissos dos beneficiários», prevê:

«Para efeitos de atribuição das ajudas previstas neste diploma, os beneficiários devem comprometer‑se, nomeadamente, a:

a)      Respeitar as práticas culturais previstas no plano orientador de gestão integrante do projeto de investimento;

b)      Assegurar que no ano seguinte à retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas constantes do anexo C;

c)      Manter e proteger os povoamentos florestais instalados ou beneficiados e as infraestruturas neles existentes por um período mínimo de 10 anos, ou, quando haja lugar ao pagamento do prémio por perda de rendimento, durante o seu período de atribuição.

[...]»

12      O artigo 26.° da mesma portaria, com a epígrafe «Pagamento parcial dos prémios», dispõe:

«Quando parte do povoamento seja destruído por causas não imputáveis ao beneficiário, os prémios previstos neste diploma continuam a ser pagos na parte respeitante à parcela que se mantenha em boas condições vegetativas.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em 4 de março de 1997, o IFAP e CS celebraram um contrato segundo o qual esta última beneficia de ajudas à arborização de terras agrícolas ao abrigo do Regulamento n.° 2080/92. Este contrato, referente a cinco parcelas, previa o pagamento de uma ajuda inicial destinada a cobrir as despesas de arborização, prémios anuais de manutenção e prémios anuais por perda de rendimento.

14      Em conformidade com o ponto C.7. das considerações gerais do contrato, que reproduzia as disposições do artigo 7.°, alínea b), da Portaria n.° 199/94, CS tinha de «[a]ssegurar que no ano seguinte ao da retancha os povoamentos instalados apresentem as densidades mínimas legalmente previstas» (a seguir «exigência de densidade mínima de povoamento»).

15      Além disso, a parte E destas mesmas condições gerais, com a epígrafe «Rescisão e modificação unilateral», tinha a seguinte redação:

«E.1.      O IFADAP poderá unilateralmente rescindir ou modificar o presente contrato no caso de incumprimento pelo Beneficiário de qualquer das suas obrigações ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos da concessão de ajudas.

E.2.       O IFADAP poderá igualmente modificar o presente contrato, unilateralmente, quanto ao montante das ajudas, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução do investimento ou nas condições de manutenção da floresta.

E.3.      Os prémios de manutenção e por perda de rendimento serão designadamente reduzidos, no caso de destruição parcial da floresta, relativamente à área destruída, desde que a destruição se deva a causa não imputável ao Beneficiário.»

16      Durante o ano de 2006, o IFAP constatou que três das cinco parcelas em causa no contrato referido no número anterior não cumpriam a exigência de densidade mínima de povoamento. Por conseguinte, por Decisão de 11 de setembro de 2006, o IFAP ordenou, nos termos da cláusula geral E.2. das condições gerais, a modificação unilateral do contrato e exigiu a devolução de 3 992,08 euros, acrescidos de juros legais e regulamentares, correspondentes à diferença entre, por um lado, os prémios de manutenção e por perda de rendimento indevidamente pagos a título destas três parcelas em relação aos anos de 1998 e 1999 e, por outro, os prémios de manutenção e por perda de rendimento que devem ser pagos a títulos das duas outras parcelas em relação aos anos de 2003 a 2005. Em contrapartida, o IFAP não pôs em causa a ajuda inicial destinada a cobrir as despesas de arborização paga atendendo ao empenhamento de CS na arborização das referidas parcelas.

17      CS impugnou esta decisão no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (Portugal), explicando que tudo tinha feito para que a plantação tivesse a densidade legalmente exigida e que o não cumprimento dessa exigência se devia não a culpa da sua parte mas a adversidades climatéricas.

18      Por Sentença de 26 de maio de 2017, este órgão jurisdicional anulou a Decisão de 11 de setembro de 2006, após ter declarado que os prémios por perda de rendimento referentes a 1998 e 1999 não tinham sido indevidamente recebidos por CS. O referido órgão jurisdicional condenou o IFAP ao pagamento dos prémios por perda de rendimento referentes aos anos de 2003 a 2005, e aos prémios de manutenção respeitantes a 2003 e 2004.

19      O IFAP interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Central Administrativo do Sul (Portugal). Por Acórdão de 9 de maio de 2019, este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso, considerando que a exigência de densidade mínima de povoamento constituía uma obrigação de meios e não de resultados e, assim sendo, incumbia ao IFAP, para poder exigir a devolução dos prémios, apurar a existência de culpa por parte de CS quanto aos meios usados.

20      O IFAP interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

21      Este órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a conformidade do disposto no artigo 7.°, alínea b), da Portaria n.° 199/94 com as normas e os princípios gerais de direito da União.

22      Em primeiro lugar, pergunta se a exigência de densidade mínima de povoamento prevista por esta disposição se deve analisar como uma obrigação de meios ou como uma obrigação de resultado. A este respeito, duvida da interpretação adotada pelo tribunal de recurso segundo a qual o pagamento dos prémios de manutenção e de perda de rendimento é sempre devido desde que o beneficiário tenha arborizado o terreno e tenha envidado todos os esforços para cumprir esta exigência.

23      Em segundo lugar, se se entender que a referida exigência constitui uma obrigação de resultado, o Supremo Tribunal Administrativo questiona‑se sobre se o programa instituído pelo legislador português cumpriu o princípio da proporcionalidade. Mais especificamente, este órgão jurisdicional procura saber se o princípio da proporcionalidade se opõe à interpretação dos artigos 7.° e 26.° da Portaria n.° 199/94 nos termos da qual a destruição parcial do povoamento devido a adversidades climatéricas nos anos a seguir ao ano de avaliação da retancha conduz ao pagamento parcial dos prémios (pelas parcelas que cumprem a exigência de densidade mínima), ao passo que adversidades climatéricas semelhantes durante o próprio ano de avaliação que provoquem os mesmos efeitos são cominadas com a perda total do direito aos prémios.

24      Em terceiro e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere o facto de o regime inicialmente implementado pela Portaria n.° 199/94 ter sido alterado durante o ano de 2012, o que é suscetível de levantar dúvidas quanto à proporcionalidade do regime inicial. Com efeito, estas alterações consistiam em baixar o limiar de densidade mínima de povoamento exigido no anexo C e em alterar o regime do «tudo ou nada» até aí existente para a atribuição dos prémios face ao número de plantas no ano a seguir à retancha. O respeito das densidades mínimas de povoamento passa a ser apreciado no ano seguinte ao da conclusão do investimento e durante o período de atribuição do prémio à manutenção. Acresce que, nos casos em que sobrevenha destruição das plantas por causas não imputáveis ao beneficiário, esta nova regulamentação prevê que os prémios continuem a ser pagos na parte respeitante à parcela que se mantenha em boas condições vegetativas.

25      Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As despesas de manutenção e os prémios por perdas de rendimentos previstos, respetivamente, [no artigo 3.°, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 2080/92] podem ser devidos quando o beneficiário faça prova de que o incumprimento das condições de arborização exigidas pelo programa nacional de ajudas não foram cumpridas por fatores externos à sua vontade, tendo ele (beneficiário) envidado todos os esforços possíveis para alcançar aquele resultado?

2)      É conforme com as normas do direito europeu a solução que resulta do segmento normativo interpretativo de conjugação do disposto [no artigo 7.°, alínea b)] com o disposto no artigo 26.°, ambos da Portaria n.° 199/94, segundo a qual a existência de adversidades climatéricas nos anos a seguir ao ano de avaliação (que é o ano após a retancha) [conduz] ao pagamento parcial dos prémio[s], ao passo que a verificação dos mesmos resultados em face das mesmas adversidades climatéricas no ano a seguir à retancha são cominadas com a perda total do direito aos prémios?

3)      A solução prevista [no artigo 7.°, alínea b),] da Portaria n.° 199/94, da qual resulta a perda total pelo beneficiário dos direitos aos prémios de manutenção e de perda de rendimento, nos casos em que não seja atingida a densidade de povoamento florestal prevista no anexo C, e sem admitir a redução proporcional do pagamento dos mesmos nos casos em que aquele resultado possa ser imputado a causas exógenas, como o clima, deve considerar‑se violador do princípio da proporcionalidade enquanto princípio geral da União, como parece decorrer (ab contrario sensu) do [Acórdão de 30 de março de 2017, Lingurár (C‑315/16, EU:C:2017:244, n.os 29 e 35)]?»

 Quanto às questões prejudiciais

26      Com as suas três questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.°, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 2080/92 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que se obrigue o beneficiário de prémios de manutenção e de prémios por perda de rendimento, pagos a título de um compromisso plurianual à arborização de terras agrícolas que subscreveu, a devolver esses prémios quando um requisito de concessão fixado pela regulamentação nacional, relativo à presença de uma densidade mínima de povoamento florestal, não seja preenchido durante a execução do referido compromisso devido a adversidades climatéricas.

27      A título preliminar, importa observar que, como resulta do artigo 1.° do Regulamento n.° 2080/92, lido à luz dos considerandos primeiro a terceiro deste regulamento, este instituiu um regime de ajudas à arborização de terras agrícolas que tem por objetivo, nomeadamente, promover uma utilização alternativa das terras agrícolas, por meio de arborização, permitindo desenvolver atividades florestais nas explorações agrícolas, contribuir para uma gestão do espaço natural mais compatível com o equilíbrio do ambiente, lutar contra o efeito de estufa, absorver o dióxido de carbono e contribuir para um melhoramento, a prazo, dos recursos silvícolas.

28      Assim, o referido regulamento prossegue objetivos de política agrícola que visam o apoio à área silvícola e um objetivo de proteção do ambiente, objetivos que, por natureza, apresentam uma dimensão plurianual e exigem que se alcance uma arborização efetiva e duradoura das terras agrícolas.

29      Neste quadro, em primeiro lugar, resulta do artigo 2.°, n.° 1, alíneas b) e c), do mesmo regulamento que o regime de ajudas à arborização de terras agrícolas por ele instituído pode incluir, nomeadamente, um prémio anual destinado a cobrir os custos de manutenção das superfícies arborizadas durante os primeiros cinco anos e um prémio anual destinado a compensar perdas de rendimento decorrentes da arborização das superfícies agrícolas, sendo estes prémios pagos «por hectare arborizado».

30      Em seguida, o artigo 3.°, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 2080/92 limita‑se a fixar os montantes máximos elegíveis desses prémios em função da superfície da arborização (em hectare) e a duração máxima durante a qual esses prémios podem ser pagos. A este propósito, enquanto a alínea b) do primeiro parágrafo deste artigo, lido à luz do considerando 5 desse regulamento, prevê que o pagamento dos prémios pode ser escalonado num período de cinco anos, desde que seja assegurada a manutenção das novas plantações, a alínea c) deste parágrafo enuncia que o prémio por perda de rendimento pode ser concedido por um período máximo de vinte anos, a contar da arborização inicial.

31      Quanto ao artigo 4.°, n.° 1, do referido regulamento, remete para os Estados‑Membros a responsabilidade de executar este regime de ajudas através de programas plurianuais nacionais ou regionais que fixam as modalidades. Neste âmbito, os Estados‑Membros determinam, nomeadamente, os montantes e a duração das ajudas em função das despesas reais de arborização e da manutenção das essências ou tipos de árvores utilizados para a arborização, ou em função da perda de rendimentos, assim como as condições da concessão das ajudas relativas à arborização.

32      Decorre de uma leitura conjugada destas disposições que, embora o Regulamento n.° 2080/92 não fixe diretamente as condições a que está sujeita a concessão dos diferentes prémios à arborização, vincula a concessão desses prémios à arborização efetiva das superfícies cobertas pelo compromisso durante a sua vigência.

33      Por conseguinte, a mera constatação de que não está preenchido um requisito de concessão dos prémios de manutenção e dos prémios por perda de rendimento é suficiente para tornar injustificada, e logo desprovida de base legal, a concessão desses prémios. Assim, os prémios que foram pagos não podem ser considerados justificados, mesmo que o beneficiário tenha envidado todos os esforços possíveis para cumprir a exigência de uma densidade mínima de povoamento como a prevista no artigo 7.°, alínea b), da Portaria n.° 199/94.

34      Esta interpretação é corroborada pelos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 2080/92 como recordados nos n.os 27 e 28 do presente acórdão. Com efeito, o apoio à área silvícola e a proteção do ambiente, que se inscreve na perspetiva mais geral da luta contra o efeito de estufa por absorção do dióxido de carbono, exigem que se alcance a arborização efetiva das terras agrícolas.

35      A referida interpretação é também confortada pela sistemática que subjaz ao Regulamento n.° 2080/92. Com efeito, por um lado, ao remeter para os Estados‑Membros, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, desse regulamento, a responsabilidade de fixar nos seus programas plurianuais os requisitos de concessão das ajudas à arborização e, por outro, ao reconhecer a estes Estados, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento, no âmbito dos planos zonais de arborização, a possibilidade de ter em conta a diversidade das situações do ambiente e de selecionar as espécies de árvores adaptadas às condições geográficas e hidrográficas locais, o legislador da União entendeu não fazer depender apenas da diligência do beneficiário o sucesso das operações de arborização.

36      De onde decorre que a regulamentação da União exige que os requisitos de concessão de uma ajuda à arborização sejam preenchidos durante todo o período de execução de um compromisso plurianual, para que os prémios de manutenção e por perda de rendimento sejam devidamente pagos, sem que o beneficiário desses prémios possa justificar um incumprimento a um destes requisitos, como a exigência de densidade mínima de povoamento, apenas com a demonstração da sua diligência.

37      Dito isto, em segundo lugar, há que salientar que o Regulamento n.° 2080/92 não contém nenhuma disposição relativa às consequências a retirar de um incumprimento de um dos requisitos de concessão dos prémios referidos no artigo 2.° desse regulamento, particularmente quando esse incumprimento resulte de um caso de força maior.

38      Todavia, em conformidade com jurisprudência constante, mesmo quando não exista uma disposição explícita na regulamentação aplicável, continua a ser possível ao beneficiário invocar a verificação de um caso de força maior (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 1988, Inter‑Kom, 71/87, EU:C:1988:186, n.os 10 e 15, e de 7 de dezembro de 1993, Huygen e o., C‑12/92, EU:C:1993:914, n.° 31).

39      No domínio da regulamentação agrícola, embora o conceito de «força maior» não pressuponha uma impossibilidade absoluta, exige, no entanto, que o incumprimento de um requisito de concessão de uma ajuda seja devido a circunstâncias alheias ao operador em causa, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não puderam ser evitadas apesar de todas as diligências levadas a cabo (v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2015, Szemerey, C‑330/14, EU:C:2015:826, n.° 58). Além disso, enquanto exceção, é de interpretação estrita.

40      Uma vez que a determinação da existência dessas circunstâncias constitui uma apreciação de facto, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o processo principal em causa apresenta essas características.

41      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio, por um lado, que este órgão jurisdicional determinou, de modo geral, que as adversidades climatéricas invocadas por CS se deviam a circunstâncias alheias a esta última e, por outro, que esta, apesar de todas as diligências de que tinha feito prova, não tinha podido evitar as consequências dessas adversidades no povoamento das parcelas. No entanto, para adotar a qualificação de «força maior» na aceção do direito da União, incumbe ainda ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essas circunstâncias eram anormais e imprevisíveis.

42      Do mesmo modo, só um evento que apresente as características da força maior, ou seja, que revista um caráter anormal e imprevisível, pode libertar o beneficiário da sua obrigação de devolver as ajudas recebidas devido ao incumprimento da exigência de densidade mínima de povoamento.

43      Em terceiro lugar, no que se refere à questão de saber se, como pergunta o órgão jurisdicional de reenvio, o princípio da proporcionalidade se opõe a uma regulamentação nacional, como o artigo 7.°, alínea b), da Portaria n.° 199/94, há que precisar que o Regulamento n.° 2080/92 não contém nenhuma disposição que dê a um Estado‑Membro a possibilidade de reduzir proporcionalmente o pagamento desses prémios em função da ocorrência de circunstâncias alheias ao beneficiário. Resulta, todavia, de jurisprudência constante que as disposições nacionais adotadas por um Estado‑Membro no exercício da sua competência de execução da regulamentação da União têm de respeitar os princípios gerais do direito da União, entre os quais figura o princípio da proporcionalidade (Acórdão de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C‑367/09, EU:C:2010:648, n.° 40). Este exige que os meios que uma disposição põe em execução sejam aptos a realizar o objetivo visado e não vão além do que é necessário para o atingir (Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos, C‑176/20, EU:C:2022:274, n.° 42).

44      Ora, atendendo às considerações que figuram nos n.os 33 e 42 do presente acórdão, segundo as quais o beneficiário de prémios de manutenção e por perda de rendimento só pode justificar o incumprimento de um dos requisitos de concessão do pagamento desses prémios, como a exigência de densidade mínima de povoamento, com a demonstração da ocorrência de um evento de força maior, não se pode considerar que viola o princípio da proporcionalidade uma prática nacional que, como no caso em apreço, exige a devolução total dos prémios correspondentes às superfícies que não respeitem essa exigência. Pelo contrário, esta prática limita‑se a zelar de forma adequada e necessária de modo que as ajudas à arborização financiem operações conformes ao programa de arborização em causa.

45      Com efeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o beneficiário de uma ajuda tem a obrigação, em caso de desrespeito dos requisitos de concessão dessa ajuda, de devolver a totalidade dos montantes já pagos que se reportem à mesma, sem que o princípio da proporcionalidade possa obstar a essa obrigação de devolução (v., neste sentido, Acórdão de 26 de maio de 2016, Ezernieki, C‑273/15, EU:C:2016:364, n.os 41 a 46 e jurisprudência referida).

46      A argumentação retirada do Acórdão de 30 de março de 2017, Lingurár (C‑315/16, EU:C:2017:244), não pode pôr em causa a referida interpretação. Com efeito, este acórdão inscrevia‑se num contexto jurídico diferente no qual o Tribunal de Justiça devia interpretar disposições do Regulamento (CE) n.° 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader) (JO 2005, L 277, p. 1). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça era interrogado sobre a questão de saber se o pagamento de indemnizações compensatórias a título da rede Natura 2000 podia ser totalmente recusado a um particular quando a superfície a título da qual o pedido de ajuda foi formulado pertencia numa ínfima parte a um Estado‑Membro, sendo que esse regulamento exigia que a ajuda só fosse concedida pelas superfícies que são propriedade de particulares. Ora, depois de ter indicado, no n.° 29 desse acórdão, que as disposições nacionais adotadas por este Estado‑Membro no exercício da sua competência de execução da regulamentação da União tinham de respeitar o princípio da proporcionalidade, o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 30, 33 e 35 do referido acórdão, que a regulamentação nacional que excluía totalmente do direito ao apoio Natura 2000 uma zona florestal, por causa da presença de uma área pertencente ao referido Estado, não refletia de forma proporcionada a realidade das relações de propriedade e violava esse princípio, uma vez que os pagamentos em questão deviam ser efetuados por hectare de floresta.

47      Assim, o princípio da proporcionalidade não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê a perda total do direito aos prémios de manutenção e por perda de rendimento quando um dos requisitos de concessão desses prémios não seja preenchido devido à ocorrência de circunstâncias alheias ao beneficiário que não tenham as características de um caso de força maior.

48      Em quarto e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o princípio da proporcionalidade se opõe à interpretação dos artigos 7.° e 26.° da Portaria n.° 199/94 segundo a qual a destruição parcial do povoamento devido a adversidades climatéricas nos anos a seguir ao ano de avaliação da retancha conduz ao pagamento parcial dos prémios (pelas parcelas que cumprem a exigência de densidade mínima), ao passo que adversidades climatéricas semelhantes durante o próprio ano de avaliação que provoquem os mesmos efeitos são cominadas com a perda total do direito aos prémios.

49      Tendo em conta a liberdade de que dispõem os Estados‑Membros para a execução do programa de ajudas, como prevista no artigo 4.° do Regulamento n.° 2080/92, nada se opõe a que um Estado‑Membro fixe um requisito de concessão como o que figura no artigo 7.°, alínea b), da Portaria n.° 199/94 e que fixe o momento em que o respeito deste requisito é verificado no ano seguinte ao ano da retancha.

50      Além disso, nenhuma disposição do Regulamento n.° 2080/92 se opõe a uma disposição nacional como o artigo 26.° dessa portaria que enuncia que, quando parte do povoamento seja destruído por causas não imputáveis ao beneficiário, os prémios continuam a ser pagos na parte respeitante à parcela que se mantenha em boas condições vegetativas, uma vez que esta disposição se limita a vincular o pagamento dos prémios à manutenção do cumprimento da exigência de densidade mínima de povoamento e visa evitar a perda total dos direitos aos prémios de manutenção e por perda de rendimento em caso de destruição parcial do povoamento.

51      Atendendo a todos os fundamentos precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.°, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 2080/92 e o princípio da proporcionalidade devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que se obrigue o beneficiário de prémios de manutenção e de prémios por perda de rendimento, pagos a título de um compromisso plurianual à arborização de terras agrícolas que subscreveu, a devolver esses prémios quando um requisito de concessão fixado pela regulamentação nacional, relativo à presença de uma densidade mínima de povoamento florestal, não seja preenchido durante a execução do referido compromisso devido a adversidades climatéricas.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 3.°, primeiro parágrafo, alíneas b) e c), do Regulamento (CEE) n.° 2080/92 do Conselho, de 30 de junho de 1992, que institui um regime comunitário de ajudas às medidas florestais na agricultura, e o princípio da proporcionalidade

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a que se obrigue o beneficiário de prémios de manutenção e de prémios por perda de rendimento, pagos a título de um compromisso plurianual à arborização de terras agrícolas que subscreveu, a devolver esses prémios quando um requisito de concessão fixado pela regulamentação nacional, relativo à presença de uma densidade mínima de povoamento florestal, não seja preenchido durante a execução do referido compromisso devido a adversidades climatéricas.

Assinaturas


*      Língua do processo: português.