Language of document : ECLI:EU:C:2023:919

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

23 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 53.o — Prestações relativas ao acesso a manifestações recreativas — Lugar das prestações de serviços — Difusão de sessões de vídeo interativas em streaming — Disponibilização de um local e do material necessário à captura em vídeo de espetáculos, bem como realização de um acompanhamento com vista à apresentação de espetáculos de qualidade»

No processo C‑532/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), por Decisão de 3 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de agosto de 2022, no processo

Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice ClujNapoca,

Administraţia Judeţeană a Finanţelor Publice Cluj

contra

SC Westside Unicat SRL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente da Quinta Secção, exercendo funções de presidente de secção, I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

advogada‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da SC Westside Unicat SRL, por L. M. Roman, avocată,

–        em representação do Governo Romeno, por E. Gane e O.‑C. Ichim, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e T. Isacu de Groot, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 53.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva 2006/112»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a SC Westside Unicat SRL (a seguir «Westside Cat») à Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Cluj‑Napoca (Direção‑Geral Regional das Finanças Públicas de Cluj‑Napoca, Roménia) e à Administrația Județeană a Finanțelor Publice Cluj (Administração Distrital das Finanças Públicas de Cluj, Roménia) (a seguir, em conjunto, «Autoridade Tributária») a respeito da decisão desta autoridade de considerar os serviços prestados por aquela sociedade sujeitos a imposto sobre o valor acrescentado (IVA) na Roménia.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2006/112

3        A Diretiva 2006/112 inclui, no seu título V, sob a epígrafe «Lugar das operações tributáveis», um capítulo 3, intitulado «Lugar das prestações de serviços». Este capítulo 3 contém uma secção 2, intitulada «Disposições gerais», que inclui os artigos 44.o e 45.o

4        O artigo 44.o desta diretiva dispõe:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»

5        Nos termos do artigo 45.o da referida diretiva:

«O lugar das prestações de serviços efetuadas a uma pessoa que não seja sujeito passivo é o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a partir de um estabelecimento estável do prestador situado num lugar diferente daquele onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o prestador tem domicílio ou residência habitual.»

6        O capítulo 3 do título V da mesma diretiva contém também uma secção 3, intitulada «Disposições específicas», que inclui os artigos 46.o a 59.o‑A da Diretiva 2006/112.

7        O artigo 53.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«O lugar das prestações de serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou eventos similares, tais como feiras e exposições, e de serviços acessórios relacionados com o acesso, efetuadas a sujeitos passivos, é o lugar onde essas manifestações se realizam efetivamente.»

8        O artigo 54.o da referida diretiva prevê:

«1.      O lugar das prestações de serviços e das prestações de serviços acessórios, relativos a atividades culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, tais como feiras e exposições, incluindo as prestações de serviços dos organizadores dessas atividades, efetuadas a pessoas que não sejam sujeitos passivos, é o lugar onde essas atividades se realizam efetivamente.

2.      O lugar das prestações dos serviços a seguir enumerados a pessoas que não sejam sujeitos passivos é o lugar onde essas prestações são materialmente executadas:

a)      Atividades acessórias dos transportes, tais como carga, descarga, manutenção e atividades similares;

b)      Peritagens e trabalhos relativos a bens móveis corpóreos.»

 Diretiva 2008/8

9        O considerando 6 da Diretiva 2008/8 enuncia:

«Em determinadas circunstâncias, não se aplicam as regras gerais relativas ao lugar das prestações de serviços tanto a sujeitos passivos como a pessoas que não sejam sujeitos passivos e estes casos deverão ser objeto de disposições específicas. Tais disposições deverão basear‑se, essencialmente, em critérios já definidos e refletir o princípio da tributação no lugar do consumo, não impondo encargos administrativos desproporcionados a determinados operadores comerciais.»

10      O artigo 3.o desta diretiva introduziu, nomeadamente, a partir de 1 de janeiro de 2011, os artigos 53.o e 54.o da Diretiva 2006/112 na versão que figura nos n.os 7 e 8 do presente acórdão.

 Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011

11      O artigo 32.o, n.os 1 e 2, do Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2011, L 77, p. 1), dispõe:

«1.      Os serviços respeitantes ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, a que se refere o artigo 53.o da Diretiva 2006/112/CE, incluem a prestação de serviços cujas características essenciais consistem na concessão do direito de acesso a uma manifestação em troca de um bilhete ou remuneração, incluindo uma remuneração sob a forma de assinatura, bilhete de época ou quotização periódica.

2.      O disposto no n.o 1 é designadamente aplicável ao:

a)      Direito de acesso a espetáculos, representações teatrais, espetáculos de circo, feiras, parques de atrações, concertos, exposições e outras manifestações culturais similares;

[…]»

12      Nos termos do artigo 33.o deste regulamento de execução:

«Os serviços acessórios a que se refere o artigo 53.o da Diretiva 2006/112/CE incluem os serviços que estejam diretamente relacionados com o acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, prestados separadamente a título oneroso à pessoa que assiste a uma manifestação.

Os serviços acessórios em causa incluem, nomeadamente, a utilização de vestiários ou instalações sanitárias, mas não incluem os meros serviços de intermediação respeitantes à venda de bilhetes.»

13      O artigo 33.o‑A do referido regulamento de execução, que foi aditado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013 (JO 2013, L 284, p. 1), prevê:

«A distribuição de bilhetes de acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas e similares por um intermediário agindo em seu nome, mas por conta do organizador ou por um sujeito passivo, que não seja o organizador, agindo por sua própria conta, é abrangida pelo artigo 53.o e pelo artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112/CE.»

 Regulamento de Execução n.o 1042/2013

14      O considerando 15 do Regulamento de Execução n.o 1042/2013 dispõe:

«Nos termos da Diretiva 2006/112/CE, o acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares continua a ser tributado no lugar onde essas manifestações se realizam efetivamente. Deverá clarificar‑se que o mesmo se aplica se os bilhetes para essas manifestações não forem vendidos diretamente pelo organizador mas sim distribuídos através de intermediários.»

 Diretiva (UE) 2022/542

15      Nos termos do considerando 18 da Diretiva (UE) 2022/542 do Conselho, de 5 de abril de 2022, que altera as Diretivas 2006/112/CE e (UE) 2020/285 no que diz respeito às taxas do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2022, L 107, p. 1):

«A fim de assegurar a tributação no Estado‑Membro de consumo, é necessário que todos os serviços que possam ser prestados a um cliente por via eletrónica sejam tributáveis no lugar em que o cliente está estabelecido ou onde tem domicílio ou residência habitual. Por conseguinte, é necessário alterar as regras que regem o lugar de prestação dos serviços relacionados com essas atividades.»

16      O artigo 1.o da Diretiva 2022/542 alterou o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 para lhe aditar o seguinte parágrafo:

«O presente artigo não se aplica ao acesso às manifestações a que se refere o primeiro parágrafo caso a participação seja virtual.»

 Direito romeno

 Código Tributário

17      O artigo 278.o da Legea nr. 227/2015 privind Codul fiscal (Lei n.o 227/2015, que aprova o Código Tributário), de 8 de setembro de 2015 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.o 688, de 10 de setembro de 2015) (a seguir «Código Tributário»), sob a epígrafe «Lugar das prestações de serviços», dispõe, nomeadamente:

«2.      O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse destinatário dos serviços tem a sede da sua atividade económica. […]

[…]

6.      Por exceção ao disposto no n.o 2, considera‑se que o lugar das prestações de serviços a seguir indicadas é:

[…]

b)      o lugar onde as manifestações se realizam efetivamente, no que se refere às prestações de serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou eventos similares, tais como feiras e exposições, e de serviços acessórios relacionados com este acesso, efetuadas a sujeitos passivos. […]»

 Normas Metodológicas de Execução do Código Tributário

18      O ponto 22, n.os 4, 5, 7 e 8, da Hotărârea Guvernului nr. 1 din 6 ianuarie 2016 pentru aprobarea Normelor metodologice de aplicare a Legii nr. 227/2015 privind Codul fiscal (Decisão do Governo n.o 1, de 6 de janeiro de 2016, que aprova as Normas Metodológicas de Execução da Lei n.o 227/2015, que aprova o Código Tributário) (Monitorul Oficial al României, parte I, no 22, de 13 de janeiro de 2016) prevê:

«(4)      Os serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, a que se refere o artigo 278.o, n.o 6, alínea b), do Código Tributário, incluem a prestação de serviços cujas características essenciais consistem na concessão do direito de acesso a uma manifestação em troca de um bilhete ou remuneração, incluindo uma remuneração sob a forma de assinatura, bilhete de época ou quotização periódica.

(5)      O n.o 4 inclui, nomeadamente, a concessão: a) do direito de acesso a espetáculos, representações teatrais, espetáculos de circo, feiras, parques de atracões, concertos, exposições e outras manifestações culturais similares; […]

[…]

(7)      Os serviços acessórios a que se refere o artigo 278.o, n.o 6, alínea b), do Código Tributário incluem os serviços que estejam diretamente relacionados com o acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, prestados separadamente, a título oneroso, à pessoa que assiste a uma manifestação. Os serviços acessórios em causa incluem, nomeadamente, a utilização de vestiários ou instalações sanitárias, mas não incluem os meros serviços de intermediação respeitantes à venda de bilhetes.

(8)      A distribuição de bilhetes de acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas e similares por um intermediário agindo em seu nome, mas por conta do organizador, ou por um sujeito passivo que não seja o organizador, agindo por sua própria conta, é abrangida pelo artigo 278.o, n.o 5, alínea f), e n.o 6.o, alínea b), do Código Tributário.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      A Westside Unicat é uma sociedade com sede na Roménia que explora um estúdio de gravação de vídeo. A sua principal atividade económica consiste em comercializar junto da StreamRay USA Inc. (a seguir «StreamRay») conteúdos digitais de natureza erótica, nomeadamente na forma de sessões de comunicação visual em linha e presenciais (a seguir «videochats»), efetuadas com modelos.

20      A StreamRay é uma pessoa coletiva registada nos Estados Unidos que difunde em direto no seu sítio Internet os vídeos dessas sessões e disponibiliza aos seus clientes, pessoas singulares, a interface necessária para interagir com os modelos.

21      Os modelos que utilizam os serviços da Westside Unicat celebram com esta sociedade um contrato, denominado «Contrato de colaboração» na decisão de reenvio. Assinam também uma declaração na qual atestam perante a StreamRay que designam o estúdio, a saber, a Westside Unicat, para «cobrar e receber todos os montantes» que lhes são devidos a título dos espetáculos realizados no âmbito destes videochats e que aceitam expressamente que esses montantes lhes sejam pagos pelo estúdio.

22      A StreamRay, que presta serviços em seu próprio nome, estabelece as condições comerciais aplicáveis para que os seus clientes tenham acesso aos espetáculos em causa e interajam com os modelos. Esta sociedade fixa e recebe, nomeadamente, o preço pago pelos seus clientes para este efeito. Uma percentagem do preço assim cobrado é transferida para a Westside Unicat que, por sua vez, transfere uma parte para os modelos.

23      Na sequência de uma fiscalização tributária relativa à determinação do IVA a pagar relativamente ao período compreendido entre 1 de setembro de 2019 e 30 de junho de 2020, a Autoridade Tributária emitiu, em 13 de novembro de 2020, um aviso de liquidação nos termos do qual a Westside Unicat foi considerada devedora de um montante adicional de IVA de 640 433 leus romenos.

24      Esta decisão baseou‑se no facto de, contrariamente ao que a Westside Unicat tinha considerado aquando da emissão das faturas enviadas à StreamRay, o lugar das prestações de serviços efetuadas a esta última dever ser considerado a Roménia, em conformidade com o artigo 278.o, n.o 6, alínea b), do Código Tributário. Com efeito, a Westside Unicat é o organizador dos espetáculos interativos em causa, como resulta dos contratos assinados com a StreamRay. Ora, estes espetáculos constituem manifestações recreativas, na aceção do artigo 53.o da Diretiva 2006/112, pelo que há que aplicar a solução adotada no Acórdão de 8 de maio de 2019, Geelen (C‑568/17, EU:C:2019:38), segundo a qual se deve considerar que o lugar de uma prestação de serviços que consiste em propor sessões de vídeo interativas de natureza erótica filmadas e transmitidas em direto pela Internet é o lugar onde o prestador estabeleceu a sede das suas atividades económicas.

25      Após uma reclamação administrativa infrutífera contra aquele aviso de liquidação, a Westside Unicat interpôs recurso para o Tribunalul Maramureș (Tribunal Regional de Maramureș, Roménia), que deu provimento parcial ao recurso por Acórdão de 19 de outubro de 2021. Com efeito, o referido órgão jurisdicional considerou que a StreamRay era a organizadora das manifestações recreativas em causa, uma vez que permitia aos seus clientes aceder às sessões de vídeo interativas de natureza erótica.

26      A Autoridade Tributária interpôs recurso desta decisão na Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Em apoio deste recurso, alega, em substância, que se considera que tanto o organizador da manifestação recreativa como todos os operadores que contribuem para tornar possível o acesso do público a esta manifestação, que atuam em nome próprio, concedem este acesso. Ora, no processo submetido a esse órgão jurisdicional, tal como o recorrente no processo principal que deu origem ao Acórdão de 8 de maio de 2019, Geelen (C‑568/17, EU:C:2019:388), deve considerar‑se que a Westside Unicat, enquanto organizadora das sessões de vídeos interativas de natureza erótica em causa, concede acesso às mesmas.

27      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se os serviços prestados pela Westside Unicat estão abrangidos pelo conceito de prestações de serviços relativos ao acesso a manifestações recreativas, na aceção do artigo 53.o da Diretiva 2006/112, bem como, se for caso disso, sobre o modo de aplicar esta disposição.

28      Nestas condições, a Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia) decidiu suspender a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 53.o da [Diretiva 2006/112] ser interpretado no sentido de que é igualmente aplicável a serviços como os que estão em causa no presente processo, ou seja, serviços prestados pelo estúdio de videochat ao gestor do sítio web, que consistem em sessões interativas de natureza erótica, filmadas e transmitidas em [tempo] real, através da Internet (streaming em direto de conteúdo[s] digita[is])?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão 1, para efeitos da interpretação da expressão “lugar onde essas manifestações se realizam efetivamente” do artigo 53.o da [Diretiva 2006/112], é relevante o lugar onde os modelos surgem perante a webcam, o lugar onde o organizador das sessões está estabelecido, o lugar onde os clientes visualizam as imagens, ou há que tomar em consideração um lugar diferente dos indicados?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

29      Como resulta claramente do pedido de decisão prejudicial, as prestações de serviços em causa no processo principal consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeo interativas de natureza erótica filmadas por um estúdio de gravação para os colocar à disposição do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet para efeitos da sua difusão por este gestor nessa plataforma.

30      Por conseguinte, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que entender a primeira questão como tendo por objeto a questão de saber se o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a serviços prestados por um estúdio de gravação de videochats a favor do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet e que consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeos interativas de natureza erótica filmadas por este estúdio para os colocar à disposição desse gestor para efeitos da sua difusão por este último na referida plataforma.

31      A este respeito, importa recordar que, por um lado, os artigos 44.o e 45.o da Diretiva 2006/112 contêm uma regra geral para determinar o lugar de conexão fiscal das prestações de serviços, ao passo que os artigos 46.o a 59.o‑A desta diretiva preveem uma série de conexões específicas (Acórdão de 13 de março de 2019, Srf konsulterna, C‑647/17, EU:C:2019:195, n.o 20).

32      Como decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não existe nenhum primado dos artigos 44.o e 45.o da Diretiva 2006/112 sobre os artigos 46.o a 59.o‑A da mesma. Importa, em cada situação concreta, perguntar se esta última corresponde a algum dos casos mencionados nos artigos 46.o a 59.o‑A. Senão, será abrangida pelos artigos 44.o e 45.o desta diretiva (Acórdão de 13 de março de 2019, Srf konsulterna, C‑647/17, EU:C:2019:195, n.o 21).

33      Daqui resulta que o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 não deve ser considerado uma exceção a uma regra geral que deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 13 de março de 2019, Srf konsulterna, C‑647/17, EU:C:2019:195, n.o 22).

34      Por outro lado, no que respeita às sessões de vídeo interativas de natureza erótica filmadas e transmitidas em tempo real através da Internet, é certo que o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão de 8 de maio de 2019, Geelen (C‑568/17, EU:C:2019:388, n.os 36 a 42), que tais sessões constituem atividades recreativas, uma vez que têm por objetivo proporcionar aos seus destinatários uma fonte de recreação e que o conceito de atividades recreativas não se limita às prestações de serviços efetuadas na presença física dos destinatários desta atividade.

35      Todavia, embora, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça tenha, em seguida, deduzido destas considerações que tais prestações de serviços estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação da regra de conexão específica então prevista no artigo 9.o, n.o 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2002/38/CE do Conselho, de 7 de maio de 2002 (JO 2002, L 128, p. 41), bem como pelo artigo 52.o, alínea a), da Diretiva 2006/112, na versão em vigor à data dos factos do processo que deu origem a esse acórdão, deve concluir‑se que a questão submetida no presente processo não tem por objeto a interpretação desta regra de conexão específica, mas de outra regra de conexão específica que, tendo sido introduzida pela Diretiva 2008/8, ainda não estava em vigor e não tinha sido transposta para o direito dos Estados‑Membros na data dos factos do processo que deu origem ao referido acórdão.

36      Ora, enquanto a regra de conexão específica enunciada no artigo 9.o, n.o 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Diretiva 77/388 e no artigo 52.o, alínea a), da Diretiva 2006/112, tais como estas disposições estavam em vigor à data dos factos do processo que deu origem ao Acórdão de 8 de maio de 2019, Geelen (C‑568/17, EU:C:2019:388), se referia, de maneira geral, às atividades culturais, artísticas, desportivas, científicas, docentes, recreativas ou similares, bem como eventualmente, às prestações de serviços acessórias das referidas atividades, a regra de conexão específica que figura no artigo 53.o da Diretiva 2006/112 tem por objeto específico as prestações de serviços relativos ao acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou eventos similares, tais como feiras e exposições, e de serviços acessórios relacionados com o acesso, efetuadas a sujeitos passivos.

37      Por conseguinte, a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no Acórdão de 8 de maio de 2019, Geelen (C‑568/17, EU:C:2019:388), a respeito do alcance da regra de conexão específica então enunciada no artigo 9.o, n.o 2, alínea c), primeiro travessão, da Sexta Diretiva 77/388 e no artigo 52.o, alínea a), da Diretiva 2006/112 não pode ser transposta para a regra de conexão específica enunciada no artigo 53.o da Diretiva 2006/112, que era aplicável na data dos factos em causa no processo principal.

38      Em contrapartida, no que respeita ao alcance desta segunda regra, importa salientar que, segundo o seu sentido habitual, o termo «manifestação» designa uma apresentação ao público. Por conseguinte, pode deduzir‑se daí, na falta de uma definição específica constante da Diretiva 2006/112, que o conceito de «prestações […] relativas ao acesso a manifestações», conforme utilizado no artigo 53.o desta diretiva, deve ser entendido no sentido de que designa prestações de serviços que intervêm a jusante da organização do que é objeto desta apresentação e que visam conceder o acesso do público a esta última.

39      Esta conclusão é corroborada, antes de mais, pelo artigo 33.o do Regulamento de Execução n.o 282/2011, que precisa que os serviços acessórios a que se refere o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 incluem os serviços que estejam diretamente relacionados com o acesso a manifestações culturais, artísticas, desportivas, científicas, educativas, recreativas ou similares, prestados separadamente a título oneroso à pessoa que assiste a uma manifestação. Com efeito, dado que os serviços acessórios são os prestados separadamente à pessoa que assiste a uma manifestação, deve considerar‑se que o serviço principal é o prestado a esta mesma pessoa para efeitos de lhe conceder o direito de acesso à referida manifestação.

40      Em seguida, o artigo 32.o do referido regulamento de execução refere que os serviços respeitantes ao acesso às manifestações recreativas a que se refere o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 incluem a prestação de serviços cujas características essenciais consistem na concessão do direito de acesso a uma manifestação em troca de um bilhete ou remuneração, o que significa que os serviços assim referidos são apenas os relativos à comercialização, junto dos clientes, do direito de acesso à manifestação em causa.

41      Por último, resulta do artigo 33.o‑A do referido regulamento de execução, lido à luz do considerando 15 do Regulamento de Execução n.o 1042/2013, que o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 se aplica quando os bilhetes de acesso às manifestações não são vendidos diretamente pelo organizador, mas são distribuídos por intermediários agindo em nome próprio, o que implica, mais uma vez, que as prestações referidas no artigo 53.o da Diretiva 2006/112 estejam relacionadas com a comercialização, junto dos clientes, do direito de acesso à manifestação em causa.

42      Daqui resulta que a regra de conexão específica, prevista no artigo 53.o da Diretiva 2006/112, deve ser entendida no sentido de que se aplica não aos serviços prestados para realizar uma atividade que dá lugar a uma manifestação, mas apenas às prestações relativas à comercialização, junto dos clientes, do direito de acesso a tal manifestação.

43      Por conseguinte, há que constatar que as prestações de serviços efetuadas por um estúdio de gravação de videochats a favor do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet e que consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeo interativas de natureza erótica filmadas por este estúdio para os colocar à disposição deste gestor para efeitos da sua difusão na referida plataforma não estão abrangidas pelo artigo 53.o da Diretiva 2006/112. Com efeito, tais prestações não constituem prestações que têm por objeto conceder aos clientes o direito de acesso a esses conteúdos nem prestações acessórias destas últimas, antes constituindo prestações necessárias à difusão dos referidos conteúdos por esse gestor junto dos seus próprios clientes.

44      É certo que o estúdio de gravação de videochats possui os equipamentos utilizados para captar e gravar o espetáculo erótico que será depois difundido, mas tal circunstância não é suficiente para considerar que este estúdio concede acesso às sessões de vídeo interativas que daí resultam, uma vez que nem a posse dos referidos equipamentos nem mesmo a sua manipulação implicam, por si só, que estas sessões sejam apresentadas ao público.

45      Tal consideração corresponde, aliás, à abordagem adotada pelo Comité do IVA, que é um comité consultivo instituído pelo artigo 398.o da Diretiva 2006/112. Com efeito, resulta das orientações deste comité resultantes da sua reunião de 19 de abril de 2021 [Documento B ‑ taxud.c.1 (2021) 6378389‑1016] que este acordou quase por unanimidade que, quando os serviços consistentes em sessões interativas filmadas e difundidas em tempo real através da Internet (videochat, por exemplo) são prestados por um sujeito passivo, que é proprietário do conteúdo digital, a um cliente final, a saber, um espetador, quando o referido conteúdo foi fornecido a este sujeito passivo por outro sujeito passivo, o fornecimento do conteúdo digital por este último não consiste em dar acesso a uma manifestação recreativa, na aceção do artigo 53.o da Diretiva 2006/112.

46      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica a serviços prestados por um estúdio de gravação de videochats a favor do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet e que consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeos interativas de natureza erótica filmadas por este estúdio para os colocar à disposição desse gestor para efeitos da sua difusão por este último na referida plataforma.

 Quanto à segunda questão

47      Antes de mais, importa salientar que a segunda questão só foi submetida para o caso de resultar da resposta dada à primeira questão que o artigo 53.o da Diretiva 2006/112 é aplicável a serviços como os que estão em causa no processo principal.

48      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 53.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se aplica a serviços prestados por um estúdio de gravação de videochats a favor do gestor de uma plataforma de difusão através da Internet e que consistem em realizar conteúdos digitais na forma de sessões de vídeos interativas de natureza erótica filmadas por este estúdio para os colocar à disposição desse gestor para efeitos da sua difusão por este último na referida plataforma.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.