Language of document : ECLI:EU:C:2023:906

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ANTHONY MICHAEL COLLINS

apresentadas em 23 de novembro de 2023(1)

Processo C221/22 P

Comissão Europeia


Contra


Deutsche Telekom AG

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Abuso de posição dominante — Acórdão que anula parcialmente uma decisão e que reduz o montante da coima — Obrigação de a Comissão pagar juros — Juros de mora — Artigos 266.° e 340.° TFUE — Artigo 90.° do Regulamento Delegado (UE) n.° 1268/2012»






 I.      Introdução

1.        Uma instituição da União adota uma decisão com base na qual uma empresa lhe paga provisoriamente uma quantia em dinheiro. O Tribunal de Justiça declara posteriormente a nulidade parcial ou total desta decisão. A empresa pede à instituição da União o reembolso desta quantia, acrescida do que qualifica de «juros de mora», calculados sobre a quantia que se declarou ter sido indevidamente paga, a contar da data em que pagou essa quantia até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça. O direito da União obriga a instituição da União a julgar este pedido procedente? Em suma, esta é a questão que a Comissão pede que o Tribunal de Justiça decida no âmbito do presente recurso.

2.        A resposta a esta questão implica o artigo 266.°, primeiro parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir «TFUE»). As medidas necessárias que uma instituição da União pode ser obrigada a adotar para executar um acórdão do Tribunal de Justiça incluem o pagamento dos «juros de mora» pedidos no âmbito do presente recurso? Esta apreciação deve ser efetuada no âmbito da jurisprudência que utiliza a expressão «juros de mora» para descrever conceitos jurídicos distintos que prosseguem vários objetivos. A discussão faz lembrar, por vezes, a famosa troca de palavras entre Humpty Dumpty e Alice, em Alice do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll (2).

 II.      Matéria de facto e tramitação processual

 A.      Contexto do presente recurso

3.        Em 15 de outubro de 2014, a Comissão Europeia adotou a Decisão C(2014) 7465 final, relativa a um processo nos termos do artigo 102.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do artigo 54.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) (Processo AT.39523 — Slovak Telekom) (a seguir «Decisão de 2014»). A Decisão de 2014 concluiu que a Deutsche Telekom AG e a Slovak Telekom a.s. tinham violado o artigo 102.° TFUE e o artigo 54.° do Acordo EEE. Aplicou solidariamente à Deutsche Telekom e à Slovak Telekom uma coima de 38 838 000 euros e uma coima distinta de 31 070 000 euros à Deutsche Telekom.

4.        Em 24 de dezembro de 2014, a Deutsche Telekom interpôs recurso de anulação da Decisão de 2014.

5.        Em 16 de janeiro de 2015, a Deutsche Telekom pagou, a título provisório, 31 070 000 euros à Comissão.

6.        Com o Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930; a seguir «Acórdão de 2018»), o Tribunal Geral reduziu o montante da coima, pelo pagamento da qual a Deutsche Telekom foi considerada a única responsável, em 12 039 019 euros. Em 19 de fevereiro de 2019, a Comissão reembolsou este montante à Deutsche Telekom.

7.        Em 21 de fevereiro de 2019, a Deutsche Telekom interpôs recurso do Acórdão de 2018 para o Tribunal de Justiça.

8.        Em 12 de março de 2019, a Deutsche Telekom pediu à Comissão o pagamento de juros de mora sobre o montante de 12 039 019 euros, para o período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019. Para fundamentar o seu pedido, a Deutsche Telekom baseou‑se no Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81).

9.        Por carta de 28 de junho de 2019 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão recusou pagar juros de mora à Deutsche Telekom, indicando que o Acórdão de 2018 exigia o reembolso do valor nominal da redução da coima. Aplicando o artigo 90.° do Regulamento Delegado (UE) n.° 1268/2012 da Comissão, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União (a seguir «Regulamento Delegado n.° 1268/2012») (3), a Comissão reembolsou o valor nominal sem juros, uma vez que esse montante teve um rendimento negativo durante o período em causa. A Comissão acrescentou que tinha interposto recurso do Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81).

10.      O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso da Comissão através do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39; a seguir «Acórdão Printeos»).

11.      Por Acórdão de 25 de março de 2021, Deutsche Telekom/Comissão (C‑152/19 P, EU:C:2021:238), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso interposto pela Deutsche Telekom do Acórdão de 2018, em virtude do qual a redução da coima aplicada se tornou definitiva.

 B.      Acórdão recorrido

12.      Em 9 de setembro de 2019, a Deutsche Telekom interpôs um recurso de anulação da decisão impugnada no Tribunal Geral. Pediu também que a Comissão fosse condenada a indemnizá‑la pelos danos sofridos devido à indisponibilidade do montante que tinha pagado indevidamente. A título subsidiário, pediu ao Tribunal Geral que condenasse a Comissão no pagamento de juros de mora sobre o montante indevidamente pago, a contar da data do pagamento provisório da coima até à data do seu reembolso. Estes juros de mora deviam ser calculados com base na taxa aplicada pelo Banco Central Europeu (a seguir «BCE») às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais ou, a título subsidiário, com base numa taxa que o Tribunal Geral considerasse adequada. Pediu também que o Tribunal Geral condenasse a Comissão no pagamento de juros de mora sobre o montante devido, a contar da prolação do acórdão a proferir no processo pendente nessa jurisdição até ao reembolso desse montante pela Comissão.

13.      No Acórdão de 19 de janeiro de 2022, Deutsche Telekom/Comissão (T‑610/19, EU:T:2022:15; a seguir «acórdão recorrido»), o Tribunal Geral julgou improcedente o pedido destinado à indemnização pelos danos sofridos devido à indisponibilidade do montante que tinha pagado indevidamente. Segundo o Tribunal Geral, a Deutsche Telekom não demonstrou que tinha sofrido lucros cessantes devido à impossibilidade de investir esse dinheiro na sua atividade ou que a indisponibilidade desse montante a tivesse levado a renunciar projetos específicos.

14.      Quanto ao pedido de indemnização devido à recusa da Comissão de pagar juros de mora sobre o montante indevidamente pago, a contar da data em que foi pago até ao seu reembolso, o Tribunal Geral concluiu que a Decisão de 2014 constituía uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, em consequência da qual a Deutsche Telekom sofreu danos. O Tribunal Geral declarou que o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE é uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares. A anulação de um ato pelo juiz da União opera ex tunc, eliminando‑o assim com efeitos retroativos. Quando uma quantia em dinheiro foi indevidamente paga a uma instituição da União, constitui‑se um direito ao reembolso dessa quantia, acrescida de juros de mora. O objetivo dos juros de mora é indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito e incentivar o devedor a executar, o mais brevemente possível, o acórdão. A concessão de juros de mora é, assim, um componente indispensável da obrigação de restabelecimento da situação do recorrente que, ao abrigo do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, impende sobre a Comissão na sequência da anulação de uma coima. A obrigação de pagar juros de mora prevê uma indemnização de quantia fixa por um atraso objetivo que resulta, primeiro, da duração do processo judicial; segundo, do direito à restituição da empresa que pagou a título provisório uma coima posteriormente anulada ou reduzida; e, terceiro, do efeito ex tunc das decisões das jurisdições da União. O Tribunal Geral admitiu que a obrigação de pagar «juros de mora» não pode incentivar a Comissão a reembolsar, antes da prolação de um acórdão de anulação total ou parcial de uma coima, um montante que recebeu indevidamente.

15.      O Tribunal Geral rejeitou o argumento da Comissão segundo o qual, por força do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, era obrigada a reembolsar apenas os «juros vencidos» pelo montante que tinha recebido indevidamente (4). A obrigação de pagar «juros de mora» existe, não obstante o pagamento de quaisquer quantias vencidas resultantes da aplicação do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012. Por conseguinte, o Tribunal Geral considerou que não tinha necessidade de se pronunciar sobre o fundamento invocado pela Deutsche Telekom relativo à ilegalidade do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012.

16.      O Tribunal Geral concluiu que a obrigação de a Comissão pagar juros de mora calculados a contar do pagamento provisório decorre da obrigação de executar, em conformidade com o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, o Acórdão de 2018. O montante máximo de um crédito de restituição devido pelo pagamento provisório de uma coima era certo ou determinável na data do referido pagamento em função de elementos objetivos. Os juros devidos são juros de mora e não estão em causa juros compensatórios. Em seguida, considerou que a recusa de pagamento de juros de mora preenchia os requisitos do artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE, lido em conjugação com o artigo 340.°, segundo parágrafo, do mesmo diploma, para invocar a responsabilidade extracontratual da União Europeia.

17.      Para determinar a taxa dos juros de mora, o Tribunal Geral aplicou, por analogia, o artigo 83.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, sob a epígrafe «Juros de mora». A Comissão estava obrigada a pagar a taxa aplicada pelo BCE às suas principais obrigações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais, concretamente 3,55 %, no período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, que ascendia a 1 750 522,83 euros.

18.      Por último, o Tribunal Geral acrescentou que, a contar da prolação do acórdão recorrido e até ao pagamento integral pela Comissão, o montante em dívida devia ser acrescido de juros de mora, calculados à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais.

 C.      Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

19.      A Comissão interpôs o presente recurso em 28 de março de 2022. Pediu a sua remessa à Grande Secção, para permitir ao Tribunal de Justiça reexaminar a abordagem que tinha adotado no Acórdão Printeos (5).

20.      A Comissão invoca dois fundamentos de recurso. Com o seu primeiro fundamento, alega que o acórdão recorrido contém um erro de direito ao declarar que o artigo 266.° TFUE impõe à Comissão uma obrigação incondicional de pagar juros de mora pelo período compreendido entre a data do pagamento provisório da coima e a data do reembolso de qualquer montante indevidamente pago. Com o seu segundo fundamento, alega que o acórdão recorrido cometeu um erro de direito ao ter considerado, por analogia com o artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, que a Comissão estava obrigada a pagar juros de mora à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais.

21.      A Deutsche Telekom pede ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso inadmissível e, em todo o caso, improcedente.

22.      As alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral foram ouvidas na audiência de 12 de julho de 2023.

 III.      Apreciação

 A.      Quanto à admissibilidade

23.      Segundo a Deutsche Telekom, o recurso deve ser julgado inadmissível na sua totalidade, uma vez que tem por objeto, na realidade, o Acórdão Printeos, que se tornou definitivo. O Tribunal Geral aplicou fielmente esta jurisprudência e, por conseguinte, não pode ter cometido um erro de direito. Na opinião da Deutsche Telekom, a argumentação que a Comissão invoca para criticar o Acórdão Printeos é também inadmissível, uma vez que não foi invocada no Tribunal Geral.

24.      Além disso, a Deutsche Telekom sustenta que o primeiro fundamento é inadmissível, porque a Comissão não identificou uma única passagem do acórdão recorrido em que se considera que a obrigação da Comissão de pagar juros de mora tem caráter de sanção. A atribuição de juros de mora não é uma sanção, mas sim uma indemnização de quantia fixa pela privação de uma empresa da utilização dos seus fundos. A Deutsche Telekom alega também que a primeira parte do primeiro fundamento e o segundo fundamento de recurso se limitam a repetir os argumentos apresentados no Tribunal Geral e são, portanto, inadmissíveis. As segunda, terceira, quarta, quinta e sexta partes do primeiro fundamento são inadmissíveis, uma vez que o presente recurso introduz pela primeira vez estes argumentos no presente processo.

25.      A Comissão responde que o recurso tem por objeto o acórdão recorrido e não o Acórdão Printeos. Algumas das considerações expostas no acórdão recorrido não figuram no Acórdão Printeos. No que respeita ao primeiro fundamento, a Comissão contesta a conclusão de que é obrigada a pagar juros de mora, como o acórdão recorrido determinou. Além disso, a Comissão afirma que, mesmo que a primeira parte do primeiro fundamento e o segundo fundamento repitam argumentos que apresentou no Tribunal Geral, tem o direito de o fazer no contexto de uma contestação da interpretação e aplicação do direito da União pelo Tribunal Geral. As segunda, terceira, quarta, quinta e sexta partes do primeiro fundamento desenvolvem os argumentos invocados no Tribunal Geral e contestam diversas conclusões do acórdão recorrido.

26.      Nos termos do artigo 170.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, no recurso não pode ser alterado o objeto do litígio perante o Tribunal Geral. A impugnação da interpretação ou da aplicação do direito da União pelo Tribunal Geral em sede de recurso pode resultar numa reapreciação das questões de direito decididas em primeira instância (6). Se um recorrente não pudesse basear o recurso em fundamentos e argumentos que tivesse invocado em primeira instância, este recurso ficaria privado de parte do seu sentido (7). Impedir um recorrente de o fazer viola também a regra assente segundo a qual a competência do Tribunal de Justiça em matéria de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral se limita à solução jurídica que foi dada aos fundamentos debatidos em primeira instância (8). O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que um recorrente pode interpor recurso de uma decisão do Tribunal Geral invocando fundamentos decorrentes do acórdão recorrido e que se destinem a criticar a sua justeza em matéria de direito (9). A interpretação e a aplicação da jurisprudência das jurisdições da União, incluindo do Acórdão Printeos, suscitam no acórdão recorrido questões de direito suscetíveis de ser objeto de impugnação. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a exceção de inadmissibilidade arguida pela Deutsche Telekom do recurso na sua totalidade.

27.      O primeiro fundamento sustenta que, ao não ter examinado o carácter punitivo dos juros de mora, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao condenar a Comissão no pagamento destes juros. A Comissão não alega que o Tribunal Geral tenha cometido um erro positivo na sua apreciação, mas sim que a sua análise jurídica não teve em conta uma consideração relevante. Por conseguinte, não é surpreendente que a Comissão não tenha identificado os números do acórdão recorrido que consideravam que os juros de mora tinham caráter punitivo. A observação feita pela Comissão é claramente de carácter jurídico. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a exceção de inadmissibilidade do primeiro fundamento arguida pela Deutsche Telekom.

28.      Estas observações são, na minha opinião, suficientes para responder às exceções arguidas pela Deutsche Telekom (i) quanto à inadmissibilidade da primeira parte do primeiro fundamento e do segundo fundamento de recurso visto repetirem os argumentos invocados no Tribunal Geral, e (ii) quanto à admissibilidade das segunda, terceira, quarta, quinta e sexta partes do primeiro fundamento, uma vez que foram invocadas pela primeira vez em sede de recurso. Para que não subsistam dúvidas, considero que os diferentes argumentos que compõem as segunda, terceira, quarta, quinta e sexta partes do primeiro fundamento são questões de direito decorrentes do acórdão recorrido que a Comissão tem o direito de invocar no Tribunal de Justiça.

29.      Por conseguinte, sugiro que o Tribunal de Justiça julgue improcedente a exceção de inadmissibilidade do recurso da Deutsche Telekom e declare o recurso admissível na sua totalidade.

 B.      Quanto ao mérito

 1.      Erros de direito na determinação da obrigação de pagar juros de mora a contar da data da cobrança provisória da coima

–       Argumentos das partes

30.      O primeiro fundamento é composto por seis partes. Na primeira parte, a Comissão alega que o acórdão recorrido padece de um erro de direito visto tê‑la condenado no pagamento de juros de mora sobre o montante de 12 039 019 euros a contar da data da cobrança provisória da coima até à data da prolação do Acórdão de 2018. A Comissão reembolsou o montante principal devido à Deutsche Telekom na sequência do Acórdão de 2018. A aplicação do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, sobre cuja legalidade o Tribunal Geral não se pronunciou, ao montante da coima provisoriamente cobrada gerou juros negativos. A Comissão não fez repercutir esta perda na Deutsche Telekom.

31.      Com a segunda parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que o acórdão recorrido está em contradição com a jurisprudência anterior ao Acórdão Printeos. A jurisprudência relativa aos impostos indevidamente cobrados (10), à recuperação dos auxílios de Estado ilegais (11) e ao reembolso de direitos antidumping (12) indica que, em circunstâncias análogas às do presente recurso, a Comissão é obrigada a pagar juros compensatórios e não de mora, para evitar o enriquecimento sem causa. A jurisprudência relativa ao reembolso das coimas aplicadas por violação do direito da concorrência chega à mesma conclusão (13). Enquanto o Acórdão Guardian Europe (14) faz referência a «juros de mora», a Comissão reembolsou essa coima, juntamente com os juros vencidos, ao abrigo do artigo 90.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, pelo que não se colocou a questão relativa a juros de mora. O Acórdão IPK International (15) do Tribunal de Justiça tinha por objeto o pagamento de juros de mora a contar da data de um acórdão do Tribunal Geral que anulou uma decisão de anular a concessão de uma comparticipação financeira, restabelecendo assim a decisão de pagamento dessa comparticipação. Este processo não dizia respeito ao pagamento de juros de mora a contar da cobrança provisória de uma coima até à prolação de uma decisão de anulação total ou parcial da decisão de a aplicar.

32.      A Comissão admite que o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE a obriga a reembolsar a coima cobrada provisoriamente, juntamente com quaisquer juros resultantes da aplicação do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, para evitar o enriquecimento sem causa da União Europeia. O acórdão recorrido confunde os juros de mora, que têm caráter punitivo, com os juros compensatórios. A obrigação de a Comissão pagar juros de mora sobre as coimas cobradas a título provisório no contexto económico atual implica um enriquecimento sem causa das empresas em questão.

33.      Com a terceira parte do primeiro fundamento, a Comissão alega que o acórdão recorrido não tem em conta o artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012. Para não aplicar esta disposição, o Tribunal Geral devia ter decidido que a mesma era contrária ao artigo 266.° TFUE. O acórdão do Tribunal Geral tem por efeito tornar o artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 desprovido de objeto, uma vez que o montante dos juros que a sua aplicação poderia gerar nunca excederia, na prática, o resultante da aplicação de uma taxa de juros de mora.

34.      Em conformidade com a quarta parte do primeiro fundamento, os factos do processo em apreço não preenchem os requisitos da responsabilidade extracontratual da União Europeia. Visto o pagamento provisório da coima ser legal, a Comissão não tinha a obrigação de pagar juros de mora no momento em que recebeu esse montante. Por conseguinte, não pode ter cometido uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica. Uma vez que a duração do processo judicial provocou um determinado atraso e que a Comissão não tem nenhum controlo sobre este fator, esta não pode ser considerada responsável por uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica. Além disso, a Comissão alega que a Deutsche Telekom não demonstrou ter sofrido um prejuízo quantificável equivalente à taxa de juro aplicada pelo BCE às suas obrigações principais de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais.

35.      Com a quinta parte do primeiro fundamento, a Comissão sustenta que o acórdão recorrido padece de um erro de direito ao ter considerado que os efeitos ex tunc do Acórdão de 2018 a obrigavam a pagar juros de mora a partir da data da cobrança provisória da coima. Segundo jurisprudência assente, as decisões da Comissão gozam de presunção de legalidade até ser declarado o contrário (16). Uma vez que os recursos interpostos nas jurisdições da União não têm efeito suspensivo, a Decisão de 2014 era executória até à sua anulação pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, a obrigação de reembolsar a coima não poderia ter surgido antes da prolação do Acórdão de 2018. Além disso, anteriormente ao referido acórdão, qualquer montante eventualmente devido pela Comissão à Deutsche Telekom não era certo nem determinável com base em elementos objetivos. O facto de o montante máximo de um crédito poder ter sido determinado é irrelevante.

36.      Contrariamente ao que alega a Deutsche Telekom, quando uma empresa não presta uma garantia bancária nos termos do artigo 78.° e seguintes do Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho (a seguir «Regulamento Financeiro») (17), a Comissão é obrigada a executar a decisão através da cobrança provisória da coima. Se não o fizer, a Comissão corre o risco de não poder cobrar a coima depois de esgotadas todas as vias de recurso, por exemplo, no caso de uma empresa se encontrar entretanto numa situação de falência, não protegendo assim os interesses financeiros da União.

37.      A Comissão salienta que as empresas podem optar entre constituir uma garantia bancária e conservar os montantes devidos durante o processo ou pagar a coima a título provisório. Neste último caso, a empresa recebe os juros resultantes da aplicação do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, cujo pagamento se destina a compensar adequadamente a indisponibilidade do montante indevidamente pago e a eventual depreciação monetária. Uma empresa que alega ter sofrido um prejuízo suplementar devido ao seu pagamento indevido pode também intentar uma ação de indemnização ao abrigo do artigo 340.° TFUE.

38.      A Comissão alega que o acórdão recorrido conduz a resultados absurdos. Primeiro, no exercício da sua competência de plena jurisdição para fixar o montante de uma coima, as jurisdições da União substituem a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação. Uma vez que é impossível saber antecipadamente se as jurisdições da União irão exercer essa competência e, sendo caso disso, o montante que irão fixar a título de coima, a Comissão não pode ser obrigada a pagar juros de mora relativos a períodos anteriores ao exercício dessa competência. Segundo, quando a Comissão adota uma nova decisão de aplicar uma coima idêntica depois de as jurisdições da União terem anulado a decisão inicial devido a erros de cálculo, a obrigação de a Comissão pagar juros de mora equivale a uma redução dessa coima. Terceiro, os processos em que o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça chegam a conclusões diferentes quanto à legalidade das coimas criam uma incerteza considerável quanto à sua quantificação (18). Estas considerações demonstram que, antes da prolação do acórdão que põe termo à instância, é impossível determinar o montante que a Comissão poderá, em última análise, ser obrigada a reembolsar a uma empresa que pagou uma coima a título provisório.

39.      No âmbito da sexta parte do primeiro fundamento, a Comissão sustenta que o facto de a condenar no pagamento de juros de mora a contar da data da cobrança provisória de uma coima prejudica o seu efeito dissuasor. Quando fixa as coimas, a Comissão não está em condições de antecipar nem a duração nem o resultado do processo. A aplicação do princípio resultante do Acórdão Printeos e do acórdão recorrido pode, por conseguinte, ter consequências desproporcionadas e indesejáveis, como ilustra o processo Intel (19).

40.      A Deutsche Telekom pede ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o primeiro fundamento.

41.      No que respeita à primeira parte do primeiro fundamento, a Deutsche Telekom alega que a jurisprudência não exige que seja provado qualquer atraso no pagamento de uma dívida existente para exigir a uma instituição da União o pagamento de juros de mora. A Comissão recusou‑se a pagar juros quando reembolsou a parte da coima que tinha sido anulada.

42.      A Deutsche Telekom considera que a jurisprudência referida em apoio da segunda parte do primeiro fundamento diz respeito a situações diferentes das examinadas no caso em apreço e que, por conseguinte, não existe nenhuma contradição entre essa jurisprudência e o Acórdão Printeos. A jurisprudência não fundamenta a posição da Comissão segundo a qual se pode abster de pagar juros quando uma coima cobrada a título provisório não produz juros.

43.      A terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente porque o artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 não afeta a obrigação de pagar juros de mora nos termos do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE. A Deutsche Telekom sugere que a Comissão é obrigada a pagar juros de mora ou os juros gerados pela aplicação do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, consoante os que forem mais elevados. Na hipótese de o Tribunal de Justiça interpretar esta disposição no sentido de que exclui a obrigação de pagamento de juros prevista no artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, a Deutsche Telekom invoca a exceção de ilegalidade que tinha arguido em primeira instância.

44.      Em resposta à quarta parte do primeiro fundamento, a Deutsche Telekom alega que a recusa de pagamento de juros constitui uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, que lhe causou um prejuízo. Por conseguinte, a Deutsche Telekom era obrigada a intentar uma ação de indemnização nos termos do artigo 266.°, segundo parágrafo, e do artigo 340.° do TFUE, se pretendesse obter a reparação desse prejuízo.

45.      A quinta parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente, porque, embora as suas decisões gozem de uma presunção de validade e sejam executórias, a Comissão não é obrigada a cobrar coimas a título provisório. A exigência do Regulamento Financeiro de que a Comissão proceda à cobrança dos créditos não se aplica às coimas. Além disso, os riscos associados aos litígios em matéria de direito da concorrência não devem ser suportados exclusivamente pelas empresas. Da apreciação dos fundamentos de um recurso de anulação de uma decisão de aplicação de uma coima, é possível determinar o montante máximo que a Comissão pode ser obrigada a pagar. Assim, o acórdão recorrido considerou corretamente que os efeitos ex tunc da anulação parcial obrigavam a Comissão a pagar juros de mora sobre o montante indevidamente pago a partir da data da cobrança provisória da coima.

46.      Embora a Deutsche Telekom reconheça que o efeito dissuasor das coimas por infração às regras da concorrência é um objetivo legítimo, no que respeita à sexta parte do primeiro fundamento de recurso, reitera que a Comissão não tem a obrigação de cobrar provisoriamente as coimas. A obrigação de pagar juros de mora a contar da data da cobrança provisória da coima é uma consequência da decisão de a Comissão cobrar a coima antes de esgotadas todas as vias de recurso. Se a Comissão adiar a cobrança da coima até essa altura, o efeito dissuasor da coima será preservado, na medida em que a empresa em causa terá de manter reservas financeiras suficientes durante qualquer processo que tenha iniciado. Por último, as consequências para o processo Intel dos princípios enunciados no acórdão recorrido são irrelevantes.

–       Análise jurídica

47.      O artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE impõe à instituição da União da qual emana o ato anulado que tome todas as medidas necessárias à execução do acórdão que anula o ato. Tenho três observações a formular sobre esta disposição. Em primeiro lugar, observo que a obrigação de tomar tais medidas está subordinada à existência de um acórdão. É essencial distinguir a existência de um acórdão dos seus efeitos. De direito e de facto, um acórdão que declare a anulação de um ato passa a existir desde a sua prolação. A partir desse momento, o acórdão faz desaparecer esse ato da ordem jurídica da União, com efeitos a partir da data em que essa medida entrou em vigor (20). É evidente que é impossível executar um acórdão antes de ser proferido. Além disso, uma instituição da União não pode começar a compreender as medidas que pode ser obrigada a tomar para efeitos de execução antes de saber o que tem de executar. A Decisão de 2014 era legal no momento da sua adoção. Pouco tempo depois, e no cumprimento da mesma, a Deutsche Telekom pagou, a título provisório, a totalidade da coima à Comissão. Na sequência da prolação do Acórdão de 2018, verificou‑se que a Deutsche Telekom tinha pagado indevidamente uma parte desse montante, cujo valor não podia ter sido estimado antes da ocorrência deste evento.

48.      Embora a existência de um acórdão seja um requisito prévio à exigência de tomar as medidas necessárias à sua execução, daqui resulta que a Comissão não podia ter agido em violação do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE antes da prolação do Acórdão de 2018. Por conseguinte, a conclusão que figura no n.° 111 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão violou o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE antes da prolação do Acórdão de 2018, por força do qual estava obrigada a pagar juros de mora à Deutsche Telekom, é desprovida de fundamento jurídico e lógico.

49.      Em segundo lugar, observo que o artigo 266.°, primeiro parágrafo, do TFUE não define as medidas necessárias para a execução de uma decisão judicial, o que cabe, antes do mais, à instituição em causa identificar e, em caso de litígio, às jurisdições da União determinarem (21). Esta obrigação pode ser cumprida de diversas formas, entre as quais a adoção de uma nova medida, a abstenção de adotar uma nova medida ou, como no caso em apreço, o pagamento ou o reembolso de dinheiro (22). Quando, antes da sua anulação total ou parcial, um ato tenha sido executado, mesmo a título provisório, as medidas necessárias previstas no artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE comportam uma obrigação de reposição, na medida do possível, do recorrente na situação em que se encontrava antes da adoção do ato anulado (23). Estas medidas devem logicamente incluir a obrigação de a Comissão garantir que uma parte que tenha pagado dinheiro indevidamente receba o mesmo valor monetário aquando da sua restituição. Esta obrigação existe independentemente de qualquer pedido de indemnização de danos, cuja existência é expressamente reconhecida pelo artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE. A obrigação prevista no artigo 266.°, primeiro parágrafo, do TFUE distingue‑se também da obrigação de restituir um enriquecimento sem causa que possa advir para uma instituição da União pelo facto de esta estar na posse de montantes indevidamente pagos. Por conseguinte, concordo com a alegação da Deutsche Telekom de que o dever de efetuar uma restituição integral é independente e não depende da aplicação do mecanismo previsto no artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, que, além disso, parece ter sido concebido para ter em conta qualquer enriquecimento sem causa das instituições da União (24).

50.      Em terceiro lugar, observo que o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE impõe às instituições da União uma obrigação direta de dar pleno efeito aos acórdãos das jurisdições da União. Não tem por objetivo penalizá‑las. O artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE não constitui uma base jurídica para medidas que obriguem uma instituição da União a pagar taxas de juro excessivas ou punitivas. O segundo parágrafo do artigo 266.° TFUE corrobora esta observação, uma vez que preserva expressamente o direito de uma empresa invocar a responsabilidade extracontratual da União Europeia, independentemente da extensão do cumprimento do primeiro parágrafo deste mesmo artigo por parte de uma instituição da União. Os Tratados estabelecem assim uma distinção clara entre o direito de exigir que as instituições da União tomem as medidas necessárias à execução de um acórdão das jurisdições da União e o direito à indemnização pelos danos causados pelo comportamento ilegal dessas instituições (25).

51.      O Tribunal Geral julgou improcedente a ação de indemnização da Deutsche Telekom pelo prejuízo que esta sofreu por ter sido privada da utilização dos montantes que tinha pagado a título provisório. Esta conclusão não é objeto de um recurso subordinado. Tanto por esta razão como pelas contidas nos n.os 47 e 48 das presentes conclusões, na ausência de violação do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE pela Comissão antes da prolação do Acórdão de 2018, não se coloca a questão da indemnização nos termos do artigo 266.°, segundo parágrafo, do TFUE, lido em conjugação com o artigo 340.°, segundo parágrafo, do mesmo diploma.

52.      Resta saber se o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE pode obrigar a Comissão a pagar juros de mora sobre um montante indevidamente pago desde o momento desse pagamento até à prolação de um acórdão que tenha por efeito suprimir a justificação jurídica que serviu de base ao pagamento deste montante.

53.      Os Tratados não mencionam os juros de mora. Visto a regulamentação da União fazer referência ao conceito que figura na epígrafe do artigo 83.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, a expressão «default interest» no texto em língua inglesa traduz‑se em «Intérêts moratoires» na versão em língua francesa, «Intereses moratorios» na tradução em espanhol, «Juros de mora» na versão em língua portuguesa e «Interessi di mora» na versão em italiano. Estas expressões derivam da palavra latina mora, que significa «atraso». Em direito romano, a mora debitoris aplica‑se quando um devedor não cumpriu uma obrigação claramente estabelecida num determinado prazo: por outras palavras, foi concebido como um incentivo ao cumprimento atempado das obrigações e, por conseguinte, como uma sanção em caso de incumprimento de uma injunção de pagamento de uma quantia em dinheiro determinável no momento em que essa injunção foi apresentada.

54.      O artigo 83.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 reflete estas origens. O artigo 83.°, n.° 1, prevê que «[...] qualquer crédito não reembolsado no prazo referido no artigo 80.°, n.° 3, alínea b), produz juros calculados em conformidade com os n.os 2 e 3 do presente artigo». Ao abrigo do artigo 80.°, n.° 3, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, uma nota de débito informa o devedor de que a União estabeleceu um crédito e de que não serão devidos juros de mora se o pagamento dessa dívida for efetuado antes de um prazo específico. Além disso, a nota de débito informa o devedor de que, na falta de reembolso no prazo fixado, a dívida vencerá juros à taxa referida no artigo 83.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, designadamente a que é aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais. Daqui resulta que são devidos juros de mora quando uma instituição da União concedeu a um devedor um prazo para pagar um montante que lhe é devido e este devedor não o fez dentro desse prazo. O pagamento de um montante indicado numa nota de débito antes do termo desse prazo não dá lugar a juros de mora.

55.      Estas disposições estão em conformidade com uma interpretação literal do conceito «juros de mora», segundo a qual esses juros são devidos quando um devedor não cumpre a obrigação de pagar uma quantia num prazo específico. Uma vez que a Comissão não faltou à obrigação de reembolsar o montante indevidamente pago à Deutsche Telekom, o pagamento destes juros não parece constituir uma medida necessária à execução de um acórdão das jurisdições da União para efeitos do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE.

56.      Sustentou‑se com propriedade que não existe um princípio geral nos Estados‑Membros segundo o qual os juros de mora devem ser contados a partir da data em que o dano ocorreu (26). O direito dos Estados‑Membros exige o pagamento de juros de mora em circunstâncias em que, na sequência de uma decisão judicial, um montante ou parte de um montante foi indevidamente pago a uma administração nacional? Considero que, em circunstâncias análogas às do presente recurso, esta questão não se coloca ao abrigo do direito alemão, irlandês, austríaco e finlandês, uma vez que as coimas por violação do direito da concorrência não se aplicam enquanto não estiverem esgotadas todas as vias de recurso. Onze Estados‑Membros (27) parecem impor à administração a obrigação de pagar, a partir da data de cobrança, juros sobre os montantes legalmente cobrados, mas posteriormente considerados indevidamente pagos. Esta obrigação visa compensar a indisponibilidade destes fundos e/ou prevenir o enriquecimento sem causa. Não se refere a nenhum atraso na concessão de um reembolso (28). Estes juros não são, por conseguinte, juros de mora na aceção habitual deste conceito. No caso de uma autoridade pública atrasar o reembolso de montantes indevidamente pagos, quatro Estados‑Membros parecem impor uma obrigação específica de pagamento de juros de mora (29).

57.      Passo agora a analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria.

58.      A jurisprudência inicial distinguia entre os juros ligados a um atraso no pagamento de uma dívida, posteriormente designados juros de mora, que exigiam a notificação da data de vencimento da dívida, e os juros compensatórios devidos em consequência dos danos resultantes de um ato ilícito, que não exigiam essa notificação (30). A jurisprudência posterior confirmou que só eram devidos juros de mora por um atraso no cumprimento de uma obrigação de pagamento ou de reembolso de uma quantia em dinheiro (31). Assim, os juros de mora são contados a partir da data de um acórdão que declara a existência de uma dívida de uma instituição da União (32). No caso de a Comissão ter reembolsado fundos posteriormente declarados como indevidamente pagos, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a taxa de juro aplicada pela Comissão prosseguia um objetivo diferente do dos juros de mora, destinando‑se o primeiro a impedir o enriquecimento sem causa da Comunidade, enquanto o segundo visava limitar um atraso indevido na restituição destes montantes (33).

59.      O Acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo Corus marcou uma inversão desta jurisprudência em termos formais, mas não em termos materiais. A Comissão recusou pagar juros sobre um montante que tinha reembolsado à Corus devido à anulação parcial de uma coima por violação do direito da concorrência (34). A Corus intentou uma ação de indemnização no Tribunal de Primeira Instância com vista, nomeadamente, a obter juros a título de compensação pela privação do gozo dos montantes que tinha pagado a título provisório à Comissão (35). Ao qualificar este pedido de «juros de mora», o Tribunal de Primeira Instância admitiu‑o devido à necessidade de compensar a depreciação monetária e de evitar o enriquecimento sem causa da União (36). O Tribunal de Primeira Instância concedeu à Corus um montante correspondente aos juros que a Comissão considerou que o montante da coima indevidamente paga teria vencido entre a data da sua cobrança provisória e a do seu reembolso (37). A utilização do conceito de «juros de mora» ocultou, assim, o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter concedido juros com base nos conceitos de restituição e de enriquecimento sem causa, que são pertinentes para as medidas tomadas em execução de um acórdão das jurisdições da União. No âmbito de um outro pedido, o Tribunal de Primeira Instância atribuiu juros de mora calculados a partir da data em que a Comissão reembolsou o montante principal da coima e até à data em que proferiu o Acórdão Corus (38).

60.      O processo IPK International teve origem num recurso, que foi julgado procedente, de uma decisão da Comissão de anular uma comparticipação financeira que esta tinha inicialmente concedido à IPK. Na sequência da anulação desta decisão, a Comissão pagou à recorrente tanto os montantes que tinha recuperado desta como os que não lhe tinha pago, acrescidos de juros compensatórios (39). A IPK interpôs um novo recurso de anulação da decisão da Comissão que recusa o pagamento de juros de mora. O Tribunal Geral concluiu que, «independentemente da sua denominação precisa» os juros devem ser calculados como se se tratasse de juros de mora, a saber, por referência à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de dois pontos percentuais (40). O Tribunal Geral condenou a Comissão no pagamento de juros de mora a contar da data do acórdão que anula a recusa de pagamento desses juros (41). Como no Acórdão Corus, quando se trata de ordenar o pagamento de juros relativos a montantes atribuídos no seu acórdão, o Tribunal Geral distingue entre os juros que se absteve de qualificar e os juros de mora, como a jurisprudência do Tribunal de Justiça os designava até então.

61.      A Comissão interpôs recurso do acórdão do Tribunal Geral. Nas suas Conclusões, o advogado‑geral Y. Bot distinguiu entre juros compensatórios e juros de mora no âmbito de ações de indemnização e admitiu que uma obrigação de pagamento de juros de mora não podia nascer antes da prolação de um acórdão que declarasse a obrigação de reparar os danos. Não aplicou esta abordagem aos pedidos de reembolso de montantes indevidamente pagos (42). Ao fazê‑lo, interpretou o Acórdão Corus (43) no sentido de que o Tribunal de Primeira Instância ordenou o pagamento de juros de mora, quando, como se explica no n.° 59 das presentes conclusões, tinha efetivamente ordenado o pagamento de juros que, segundo qualquer apreciação objetiva, são juros destinados a restituir e a impedir o enriquecimento sem causa. Na parte denominada «Ensinamentos da jurisprudência», o advogado‑geral Y. Bot declarou que os juros compensatórios e de mora «do ponto de vista funcional, parece [terem] sempre a mesma função, que consiste em compensar a perda sofrida pelo credor que é privado do gozo do seu crédito» (44). Acrescentou que «os juros compensatórios [...] compensam o decorrer do tempo até à avaliação judiciária do montante do prejuízo, independentemente de qualquer atraso imputável ao devedor, ao passo que os juros de mora indemnizam de modo forfetário [o atraso] no pagamento do crédito pecuniário, permitindo ao credor receber aproximadamente o que obteria se tivesse aplicado os fundos» (45). O advogado‑geral Y. Bot considerou que o direito a esses juros de mora decorria do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE (46). No entanto, deduziu da jurisprudência que, em caso de anulação, a maior preocupação das jurisdições da União «deve ser aplicar tão estritamente quanto possível o princípio da restitutio in integrum que implica o regresso ao statu quo ante, velando por que cada um regresse à sua situação inicial, sem perdas nem benefícios» (47). É esta última observação que baseia as obrigações ao abrigo do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE no conceito de restituição, e não na necessidade de respeitar rapidamente as obrigações financeiras. O advogado‑geral Y. Bot chegou mesmo a criticar o referido acórdão por ter feito a distinção entre juros compensatórios e juros de mora (48).

62.      O Tribunal de Justiça adotou uma fundamentação mais sucinta no seu Acórdão IPK International (49). Declarou que «o pagamento de juros de mora constitui uma medida de execução do acórdão de anulação [...] que se destina a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito e a incitar o devedor a executar, o mais brevemente possível, o acórdão de anulação» (50). Por conseguinte, considerou que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter declarado que a Comissão era devedora de juros compensatórios quando a execução de um acórdão, em conformidade com o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, exige a atribuição de juros de mora (51).

63.      Tanto quanto sei, foi no Acórdão IPK International do Tribunal de Justiça que pela primeira vez este declarou que os juros de mora se destinam a compensar, a uma taxa normal, a privação do gozo de um crédito. O acórdão não contém nem fundamento nem explicação para chegar a esta conclusão. A sua origem pode ser encontrada no n.° 77 das conclusões do advogado‑geral Y. Bot, que também não faz referência a nenhum fundamento nem fornece uma justificação para apoiar esta conclusão. Embora o Tribunal de Justiça tenha acrescentado que os juros de mora têm também por objetivo incitar o devedor a cumprir o acórdão de anulação o mais rapidamente possível, decidiu pela primeira vez que podem ser devidos juros relativos a um período anterior à prolação do acórdão a executar. Não é imediatamente óbvio de que modo o objetivo legítimo de encorajar o cumprimento dos pedidos de pagamento é alcançado através da criação de uma obrigação de pagar juros de mora para um período que precede a prolação do acórdão, em oposição a uma obrigação de pagar juros de mora a contar da data do acórdão (52). Como salientam os n.os 48 e 49 das presentes conclusões, nada no artigo 266.° TFUE permite sustentar esta conclusão.

64.      No Acórdão Wortmann, o Tribunal de Justiça absteve‑se de subscrever um argumento segundo o qual, na sequência da anulação de um regulamento pelas jurisdições da União, as autoridades nacionais são obrigadas a pagar juros de mora sobre os direitos antidumping que tinham indevidamente cobrado por força desse regulamento (53). Em contrapartida, considerou que «o montante destes mesmos direitos reembolsados à empresa em causa pela autoridade nacional competente deve ser acrescido dos juros correspondentes» (54). O advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona considerou também que a leitura do Acórdão IPK International deve ser feita em função das características presentes no âmbito daquele litígio, pelo que não se pode deduzir daí que o Tribunal de Justiça tenha pretendido alterar a sua jurisprudência relativa à definição dos juros de mora (55). Este prossegue indicando que, embora a jurisprudência tenha consagrado um princípio do direito da União segundo o qual os montantes indevidamente pagos em violação do direito da União devem ser restituídos com juros a contar da data desse pagamento indevido, daí não resulta que sejam devidos juros de mora a partir dessa data (56).

65.      O acórdão recorrido faz também referência ao Acórdão Guardian Europe. Em novembro de 2014, a Guardian Europe obteve ganho de causa no seu recurso destinado à redução de uma coima que a Comissão lhe tinha aplicado em 2007 (57). Em dezembro de 2014, a Comissão reembolsou a parte da coima que tinha sido anulada, juntamente com os juros sobre esse montante, no valor de 988 620 euros, nos termos da aplicação do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 (58). A Guardian Europe intentou então uma ação contra a União Europeia com vista a obter a reparação do prejuízo pretensamente sofrido devido à duração do processo judicial. Esta ação de indemnização foi julgada admissível uma vez que não impugnava a decisão de dezembro de 2014, que se tornou definitiva (59). O Tribunal Geral indemnizou o prejuízo material no montante de 654 523,43 euros, acrescido do que qualificou de «juros compensatórios» à taxa de inflação anual no Estado‑Membro de estabelecimento da Guardian Europe, até à data da prolação do seu acórdão. Concedeu também juros de mora sobre esse montante a contar da data da prolação do referido acórdão até à receção do pagamento (60).

66.      No âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a União Europeia alegou que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao ter julgado improcedentes os seus fundamentos de inadmissibilidade do recurso. Embora tenha confirmado a conclusão do Tribunal Geral sobre este ponto (61), o Tribunal de Justiça parece ter interpretado mal o acórdão do Tribunal Geral, uma vez que declarou que o montante de 988 620 euros correspondia a «juros de mora» (62) quando, na realidade, correspondia aos «juros vencidos» pagos pela Comissão em conformidade com o artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 (63). O Tribunal de Justiça concluiu finalmente que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao conceder uma indemnização à Guardian Europe e julgou improcedente a ação de indemnização (64).

67.      O Acórdão Printeos, no qual se baseia o acórdão recorrido, parece ser a última evolução significativa da jurisprudência. A Comissão aplicou uma coima à Printeos por violação das regras da concorrência, que esta empresa pagou provisoriamente (65). Na sequência da anulação desta decisão, a Comissão reembolsou a totalidade do montante da coima sem juros porque o fundo em que tinha investido a coima (66) tinha gerado um rendimento negativo (67). A Printeos intentou uma ação de indemnização ao abrigo do artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 340.°, segundo parágrafo, do mesmo diploma (68). Na audiência, a Printeos alegou que o seu pedido de pagamento de juros compensatórios devia ser entendido como um pedido de juros de mora. Não obstante outra indicação de que não pretendia sustentar que a violação do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE constituía o fundamento jurídico principal do seu pedido de indemnização (69), o Tribunal Geral baseou a sua análise nesta disposição (70). Com base no acórdão do Tribunal de Justiça e nas conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo IPK International (71), o Tribunal Geral concluiu que o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE obrigava a Comissão a reembolsar o montante principal da coima, acrescido de juros de mora para indemnizar em quantia fixa a privação do gozo desse montante a contar da data da cobrança provisória da coima até à data do reembolso do montante principal (72).

68.      O Acórdão Printeos considerou que, em conformidade com o princípio iura novit curia, o Tribunal Geral podia qualificar os juros pedidos como juros de mora e não como juros compensatórios, como no pedido inicial da recorrente (73). Quanto ao mérito, o Tribunal de Justiça distinguiu os juros de mora dos juros compensatórios. Os juros de mora destinam‑se a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito e a incentivar o devedor a cumprir, o mais brevemente possível, a sua obrigação de pagar este crédito (74), ao passo que os juros compensatórios visam compensar o decurso do tempo até à avaliação jurisdicional do montante do dano, independentemente de qualquer atraso imputável ao devedor (75). O Tribunal de Justiça concluiu que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao ter condenado a Comissão no pagamento de juros de mora (76). Uma vez que o processo dizia respeito ao reembolso de um montante fixo, designadamente a coima aplicada à Printeos que tinha sido anulada, não se colocava a questão de juros compensatórios (77).

69.      O Acórdão Printeos suscita‑me as seguintes quatro observações.

70.      Primeiro, a conceitualização pelo Tribunal de Justiça dos juros compensatórios por referência ao artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 340.°, segundo parágrafo, do mesmo diploma, como limitados à indemnização pela perda de lucros devido ao decurso do tempo, é excessivamente restrita. São vários os motivos que podem justificar a atribuição de uma indemnização por pagamento indevido, incluindo a perda de uma oportunidade comercial específica devido à indisponibilidade desses fundos, argumento que a Deutsche Telekom não conseguiu provar nos factos apresentados ao Tribunal Geral (78).

71.      Segundo, o Tribunal de Justiça remeteu para o Acórdão IPK International (79) para sustentar que os juros de mora se destinam a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito. Como se observa no n.° 63 das presentes conclusões, esta afirmação parece ter origem nas conclusões do advogado‑geral Y. Bot no referido processo (80), que não faz referência a nenhum fundamento nem dá explicações que a sustentem. A doutrina critica esta jurisprudência por ter esbatido a distinção entre juros de mora e juros compensatórios ao ter alterado a definição de juros de mora (81). Do mesmo modo, foi igualmente afirmado que esta jurisprudência confunde a distinção entre juros de mora e juros compensatórios (82). Enquanto os juros de mora constituem um incentivo para liquidar rapidamente uma dívida e são calculados a partir da data do acórdão que fixa o montante da indemnização até ao seu pagamento, os juros compensatórios têm em conta o período anterior à data do acórdão, uma vez que têm por objetivo compensar o prejuízo causado pela privação do gozo do crédito (83). Considero que estas observações explicam de forma convincente a existência de uma distinção entre juros de mora e juros compensatórios, que está completamente ausente da jurisprudência visada por estas críticas.

72.      Terceiro, em resposta à crítica segundo a qual a obrigação de pagar juros de mora não constitui um incentivo à execução de um acórdão, uma vez que estes juros são calculados a partir da data do pagamento provisório da coima, o Tribunal de Justiça precisou que este incentivo é apenas um dos dois objetivos que o pagamento de juros de mora prossegue, sendo o outro a indemnização de valor fixo pela privação do gozo do seu capital (84). Esta resposta limita‑se mais uma vez a confundir os conceitos de juros compensatórios e de juros de mora sem apresentar nenhum fundamento ou explicações a este respeito (85). O objetivo dos juros compensatórios é indemnizar. O objetivo dos juros de mora é assegurar o pagamento rápido das dívidas vencidas. Não é possível suprimir a diferença que existe entre estes dois conceitos.

73.      Quarto, o Tribunal de Justiça acrescentou que a obrigação de pagar juros de mora a contar da data do pagamento provisório da coima «constitui um incentivo para a instituição em causa prestar especial atenção quando da adoção dessas decisões» (86). Esta resposta ignora a crítica segundo a qual a obrigação de pagar juros de mora relativos a um período anterior à prolação de um acórdão não pode constituir um incentivo à sua execução o mais rapidamente possível, sendo esta a característica essencial dos juros de mora. O Tribunal de Justiça sugere que a exposição ao risco de ser obrigado a pagar juros de mora deve levar a Comissão a estar particularmente atenta, para evitar atuar ilegalmente quando aplica coimas. As instituições da União, incluindo o Tribunal de Justiça, têm uma obrigação geral de não cometer ilegalidades. Quando tal acontece, os Tratados preveem que as vias de recurso adequadas são a restituição, nos termos da aplicação do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, e a indemnização pelos danos sofridos, nos termos do artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 340.°, segundo parágrafo, do mesmo diploma.

74.      Com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça posterior ao Acórdão Printeos, afigura‑se que os denominados «juros de mora», cobrados a partir da data de um pagamento indevido até ao seu reembolso, se destinam simultaneamente (a) a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito; (b) a constituir um incentivo à execução de um acórdão; e (c) a incentivar as instituições da União a prestar especial atenção na tomada de decisões. As presentes conclusões sublinham que os «juros de mora» não são nem os juros restitutivos devidos ao abrigo do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE, nem os juros compensatórios previstos no artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE (87). Os Tratados não contêm nenhuma base jurídica para exigir o pagamento dos juros que o Acórdão Printeos parece contemplar. Com exceção dos casos em que são cobrados em relação a um período posterior à prolação de um acórdão, estes «juros de mora» não podem constituir um incentivo à execução de um acórdão antes de este ter sido proferido, o que constitui, aliás, um requisito de aplicação do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE. A afirmação segundo a qual esses «juros de mora» constituem um incentivo ao cumprimento da lei não só introduz o conceito peculiar de que o Tribunal de Justiça exerce uma espécie de função disciplinar para recordar às instituições da União que devem cumprir os seus deveres, como também introduz um elemento punitivo para o qual o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE não tem base jurídica. Por último, os Tratados não preveem a obrigação de pagar juros a uma quantia fixa. Uma obrigação de pagar juros deve ser apreciada por referência a uma ou mais, consoante as circunstâncias, das quatro obrigações legais que uma parte pode invocar para o efeito: restituir, pagar uma indemnização, compensar um enriquecimento sem causa e pagar prontamente esses montantes.

75.      No recente Acórdão Gräfendorfer, o Tribunal de Justiça declarou que qualquer administrado a quem uma autoridade nacional tenha imposto o pagamento de uma taxa, de um imposto ou de outra imposição em violação do direito da União tem, por força deste último, o direito de obter do Estado‑Membro em causa o reembolso do montante correspondente, acrescido de juros destinados a compensar a indisponibilidade desse montante (88). Resulta desse acórdão que os prejuízos resultantes da indisponibilidade dos montantes indevidamente pagos podem ser recuperados por referência à obrigação de restituição e/ou de indemnização. Nada nesse acórdão apoia a ideia de que o direito da União exige que as autoridades nacionais paguem juros de mora sobre o montante pago em violação do direito da União, calculados por referência à data em que foi pago. Em consequência da abordagem do Tribunal de Justiça no Acórdão Gräfendorfer, parece que estamos perante uma situação bastante invulgar em que uma instituição da União que tenha recebido dinheiro indevidamente deve pagar juros de mora calculados a partir da data do seu recebimento até à data da sua devolução, ao passo que uma autoridade nacional que tenha recebido dinheiro em circunstâncias semelhantes é simplesmente obrigada a compensar a indisponibilidade dos montantes indevidamente pagos. Esta diferença de tratamento não foi fundamentada e não é claro como esta poderia ser justificada.

76.      A existência de divergências legítimas de opinião sobre a interpretação e a aplicação do direito da União é uma característica habitual do processo de recurso no Tribunal de Justiça (89). Impor à Comissão a obrigação de pagar juros de mora na ausência de um atraso na execução de um acórdão afigura‑se particularmente inadequado quando o contencioso nas jurisdições da União se prolonga durante um período considerável, circunstância sobre a qual a Comissão não tem nenhum controlo (90). Por uma questão de completude, acrescento que, contrariamente ao que sustenta a Deutsche Telekom, a Comissão não pode, ao abrigo do direito existente, adiar a cobrança da coima até à conclusão de um eventual litígio perante as jurisdições da União (91). Ao abrigo do artigo 78.°, n.° 2, do Regulamento Financeiro, os recursos próprios postos à disposição da Comissão, bem como qualquer crédito «são» objeto de uma ordem de cobrança. Além disso, o artigo 90.°, n.° 1, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 prevê que, sempre que for instaurada uma ação junto do Tribunal de Justiça contra uma decisão da Comissão que aplique uma multa, o devedor deposita provisoriamente os montantes em questão ou presta uma garantia bancária. Nada nestas disposições autoriza a Comissão a adiar a cobrança de uma coima enquanto se aguarda a resolução de um litígio.

77.      Em resumo, sempre que se verifique que uma empresa pagou indevidamente a uma instituição da União, o montante que esta instituição é obrigada por lei a reembolsar à empresa deve ser calculado tendo em conta os quatro requisitos seguintes:

–        assegurar que a empresa recebe exatamente o mesmo valor monetário do que o montante que pagou (restitutio in integrum), em conformidade com o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE;

–        indemnizar a empresa pelo prejuízo que esta sofreu devido à indisponibilidade dos seus fundos, nos termos do artigo 266.°, segundo parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 340.°, segundo parágrafo, do mesmo diploma;

–        compensar um enriquecimento sem causa de que uma instituição da União possa ter beneficiado, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012;

–        uma vez apurados esses montantes, reembolsá‑los sem demora, para evitar o incumprimento das suas obrigações por força do artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE.

78.      Tendo em conta estas conclusões, passo a apreciar o primeiro fundamento do recurso.

–       Apreciação do presente recurso

79.      O objetivo dos juros de mora é incentivar o devedor a executar rapidamente um acórdão das jurisdições da União. Em fevereiro de 2019, a Comissão executou o Acórdão de 2018, reembolsando a parte da coima anulada. Por conseguinte, os únicos juros de mora que a Comissão pode ser obrigada a pagar dizem respeito ao período compreendido entre essas duas datas. Na medida em que o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, estabeleceu uma obrigação de pagamento de juros de mora relativamente a um período anterior à data da prolação do Acórdão de 2018, cometeu um erro de direito. Esta conclusão não prejudica a obrigação de a Comissão respeitar o princípio restitutio in integrum, que inclui a obrigação de reembolsar um montante que tenha em conta a depreciação monetária (92), nem o direito da Deutsche Telekom de pedir uma indemnização pelo prejuízo que possa ter sofrido em consequência da cobrança provisória da coima (direito que exerceu), nem nenhum argumento baseado no enriquecimento sem causa da Comissão. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente a primeira parte do primeiro fundamento.

80.      No que respeita ao argumento de que o acórdão recorrido é contrário à jurisprudência anterior ao Acórdão Printeos, saliento que esta jurisprudência distinguiu claramente os juros de mora dos juros compensatórios. O Acórdão Corus marcou o início de um processo em que o conceito de «juros de mora» foi utilizado para descrever algo a que não correspondia antes de o Acórdão IPK International ter esbatido a distinção entre juros de mora e juros compensatórios a ponto de a fazer desaparecer. Importa acrescentar, como observa corretamente a Comissão, que o Acórdão Guardian Europe não corrobora a tese de que a Comissão é obrigada a pagar juros de mora, uma vez que, nesse processo, pagou juros em conformidade com o artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, facto pelo qual o Tribunal não criticou a Comissão. Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente a segunda parte do primeiro fundamento.

81.      A Comissão alega que o acórdão recorrido deveria ter examinado a exceção de ilegalidade arguida pela Deutsche Telekom em relação ao artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, uma vez que esta disposição se destina a satisfazer as circunstâncias do presente processo (93). O artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 não afeta as obrigações que o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE impõe à Comissão visto a primeira disposição não se destinar a assegurar o cumprimento dessa disposição do Tratado e pode, de facto, não o fazer. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente a terceira parte do primeiro fundamento.

82.      Pelas razões expostas nos n.os 47 a 50 e 69 a 74 das presentes conclusões, o recebimento pela Comissão do pagamento provisório da coima não constitui uma violação do direito, de carácter suficientemente grave, ou não, suscetível de ser verificada antes da prolação do Acórdão de 2018. Por conseguinte, não estava obrigada a pagar juros de mora à Deutsche Telekom relativamente ao período anterior à ocorrência deste facto. Apenas nesta base, e sem necessidade de examinar os outros argumentos apresentados pela Comissão, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente a quarta parte do primeiro fundamento.

83.      Na quinta parte do primeiro fundamento, alega‑se que os efeitos ex tunc do Acórdão de 2018 não obrigam a Comissão a pagar juros de mora a partir da data da cobrança provisória da coima. Nos termos do artigo 299.° TFUE, as decisões da Comissão que imponham uma obrigação pecuniária às empresas constituem imediatamente título executivo. Os efeitos ex tunc do Acórdão de 2018 para reduzir o montante da coima obrigaram a Comissão a reembolsar à Deutsche Telekom o montante que foi considerado ilegalmente cobrado. Para efetuar este reembolso, o artigo 266.°, primeiro parágrafo, TFUE impunha à Comissão que tivesse em conta a depreciação monetária devido ao decurso do tempo entre a data da cobrança provisória e a data da prolação do Acórdão de 2018. Esta obrigação não imponha à Comissão que pagasse à Deutsche Telekom juros de mora calculados a partir da data do pagamento provisório até à data da prolação do Acórdão de 2018. Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedente a quinta parte do primeiro fundamento.

84.      A jurisprudência estabeleceu que a Comissão pode adotar uma política para garantir que as sanções impostas pelas violações do direito da concorrência da União tenham um efeito dissuasor (94). Esta política não é suscetível de influenciar a obrigação de a Comissão pagar juros de mora nos casos em que não executa prontamente um acórdão. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente a sexta parte do primeiro fundamento.

85.      Proponho ao Tribunal de Justiça que julgue procedentes as primeira, segunda, quarta e quinta partes do primeiro fundamento e que julgue improcedentes as restantes partes do referido fundamento.

 2.      Erro de direito na determinação da taxa dos juros de mora devidos

–       Argumentos das partes

86.      A Comissão invoca quatro argumentos para sustentar o seu segundo fundamento, segundo os quais o acórdão recorrido está viciado por um erro de direito, devido ao Tribunal Geral ter aplicado por analogia o artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, quando decidiu que os juros de mora devidos devem ser calculados por referência à taxa aplicada pelo BCE às suas obrigações principais de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais.

87.      Primeiro, o artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 regula o pagamento de juros de mora pelos devedores em caso de atraso no pagamento à Comissão, com base numa nota de débito que deve conter determinadas informações. A natureza dos juros de mora é tal, que estes não podem ser cobrados enquanto não existir a obrigação de pagar o montante principal.

88.      Segundo, a referência aos juros de mora no Acórdão Guardian Europe (95) é errada, uma vez que se trata do pagamento de «juros vencidos» calculados em conformidade com o artigo 90.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, procedimento que o Tribunal de Justiça validou.

89.      Terceiro, o acórdão recorrido interpreta erradamente o Acórdão Printeos, no qual, a pedido da Printeos, o Tribunal de Justiça concedeu juros à taxa aplicada pelo BCE às suas obrigações principais de refinanciamento, acrescida de dois pontos percentuais. Nem o Tribunal Geral nem o Tribunal de Justiça concederam juros de mora à taxa estabelecida no artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 a partir da data da cobrança provisória da coima.

90.      Quarto, o n.° 135 do acórdão recorrido cometeu um erro de direito ao estabelecer uma analogia entre a situação em que a Deutsche Telekom se encontraria se não tivesse pago a coima e a situação em que se encontra a Comissão após a prolação do Acórdão de 2018. Estas situações não são comparáveis. Embora a Deutsche Telekom estivesse obrigada a pagar uma coima por força da Decisão de 2014, que se presumia válida até à sua anulação parcial pelo Acórdão de 2018, a Comissão não era obrigada a reembolsar uma parte da coima provisoriamente cobrada antes da prolação desse acórdão.

91.      No caso de o Tribunal rejeitar estes argumentos, a Comissão alega que os juros de mora devem ser calculados por referência à taxa aplicada pelo BCE às suas principais obrigações de refinanciamento, acrescida de um ponto e meio percentual, nos termos do artigo 83.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, que se aplica quando um devedor não apresenta uma garantia bancária dentro do prazo relevante. A título ainda mais subsidiário, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que determine a taxa de juro adequada, a fixar abaixo da taxa dos juros de mora, uma vez que a segunda tem caráter punitivo.

92.      A Deutsche Telekom alega que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente, uma vez que o Acórdão Printeos estabelece inequivocamente que a Comissão deve pagar juros de mora à taxa aplicada pelo BCE às suas obrigações principais de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais, em conformidade com o artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012. Por conseguinte, o Tribunal Geral não dispunha de margem de apreciação quando proferiu o acórdão recorrido. O Acórdão Guardian Europe faz referência aos «juros de mora» e não aos «juros vencidos» em aplicação do artigo 90.° do Regulamento Delegado n.° 1268/2012.

93.      A Deutsche Telekom também alega que a taxa de juros de mora prevista no artigo 83.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 não pode ser aplicada por analogia devido ao facto de a prestação de uma garantia bancária não ser comparável à responsabilidade pelo pagamento de juros de mora sobre dinheiro que foi pago indevidamente. Isto porque uma empresa que presta uma garantia bancária em vez de pagar provisoriamente a coima suporta custos conexos significativos que não pode recuperar junto da Comissão, mesmo que as jurisdições da União anulem ou reduzam posteriormente a coima.

–       Apreciação

94.      Se o Tribunal de Justiça julgar procedente o primeiro fundamento de recurso, considero que o segundo fundamento de recurso também deve ser julgado procedente porque os juros de mora não podem ser aplicados no caso em apreço pelas razões expostas nos n.os 47 a 50 e 69 a 74 das presentes conclusões. Em todo o caso, embora o artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 preveja uma taxa de juros de mora, foi concebido para ser aplicado num conjunto de circunstâncias que não se verificam no caso em apreço. Resulta claramente do artigo 83.°, n.° 1, do Regulamento Delegado n.° 1268/2012, lido em conjugação com o artigo 80.°, n.° 3, alíneas b) e c), do mesmo diploma, que os juros de mora só são devidos após o termo de um prazo fixado pela Comissão para o pagamento de uma dívida. Tal não se pode aplicar por analogia ao cálculo dos juros sobre as quantias devidas antes de um acórdão das jurisdições da União que tenha determinado tanto a existência como o montante de uma dívida. A taxa de juro de mora prevista no artigo 83.°, n.° 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.° 1268/2012 é, por conseguinte, irrelevante para a taxa de juro que pode ser cobrada sobre esse montante.

95.      Proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o segundo fundamento do recurso, e, por conseguinte, que anule o acórdão recorrido.

 IV. Quanto ao recurso no Tribunal Geral

96.      Em conformidade com o disposto no artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

97.      À luz das considerações expostas nos n.os 79 a 85 e 94 e 95 das presentes conclusões, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o pedido de anulação da decisão impugnada no acórdão recorrido e que conceda uma indemnização sob a forma de juros de mora sobre o montante da coima posteriormente anulada, calculados a partir da data da cobrança provisória.

 V.      Quanto às despesas

98.      Em conformidade com o disposto no artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

99.      Por força do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do disposto no artigo 184.°, n.° 1, do referido regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

100. Nos termos do artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal Geral pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

101. As questões suscitadas pela Comissão no âmbito do presente recurso estão presentes em vários processos pendentes tanto no Tribunal Geral (96) como no Tribunal de Justiça (97), e o acórdão que o Tribunal de Justiça proferirá no presente recurso é suscetível de as resolver. Por conseguinte, é de uma maneira fortuita que a Deutsche Telekom foi chamada a assumir o papel de legitimus contradictor, tarefa que os seus representantes desempenharam com êxito. Nestas circunstâncias, considero que seria desproporcionado atribuir a uma única empresa a responsabilidade pela totalidade dos custos incorridos no que poderá vir a ser um processo‑piloto. Tendo em conta que o estado atual do direito parece ter tornado desnecessariamente complexas as questões a decidir nestes processos conexos, considero que foi razoável que a Deutsche Telekom tivesse interposto um recurso de anulação da decisão impugnada e que a Comissão tivesse interposto recurso do acórdão do Tribunal Geral que deu provimento a esse recurso, no Tribunal de Justiça. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que condene cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas em todo o processo.

 VI.      Conclusão

102. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que:

(1)      anule o Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de janeiro de 2022, Deutsche Telekom/Comissão (T‑610/19, EU:T:2022:15);

(2)      negue provimento ao recurso interposto no processo T‑610/19, Deutsche Telekom/Comissão;

(3)      condene a Deutsche Telekom e a Comissão Europeia a suportar as próprias despesas no processo T‑610/19, Deutsche Telekom/Comissão, e no processo C‑221/22 P, Comissão/Deutsche Telekom.


1      Língua original: inglês.


2      «— Quando uso uma palavra — disse Humpty Dumpty com desdém —, ela significa exactamente o que quero que signifique — nem mais nem menos.


      — A questão — disse Alice — é se tu podes fazer com que as palavras tenham significados tão diferentes!». L. Carroll, Alice do Outro Lado do Espelho, Lisboa, Editorial Estampa, 1987, p. 81.


3      JO 2012, L 362, p. 1.


4      O artigo 90.º, n.º 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.º 1268/2012 prevê que, «[u]ma vez esgotadas todas as vias de recurso e anulada ou reduzida a multa ou sanção [...] os montantes indevidamente recebidos, bem como os juros vencidos, são reembolsados ao terceiro em causa. Quando a remuneração global gerada para o período em causa tiver sido negativa, é reembolsado o valor nominal dos montantes indevidamente cobrados».


5      A Comissão observou que este acórdão foi proferido por uma secção de cinco juízes, sem beneficiar de uma audiência nem de conclusões de um advogado‑geral.


6      Acórdão de 22 de junho de 2023, Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia‑Kosakowo/Comissão (C‑163/22 P, EU:C:2023:515, n.º 77 e jurisprudência referida).


7      Acórdão de 15 de julho de 2021, DK/SEAE (C‑851/19 P, EU:C:2021:607, n.° 33 e jurisprudência referida).


8      Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona (C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.° 47 e jurisprudência referida). A Deutsche Telekom faz esta mesma observação ao arguir a sua exceção de inadmissibilidade das segunda, terceira, quarta, quinta e sexta partes do primeiro fundamento.


9      Acórdão de 26 de fevereiro de 2020, SEAE/Alba Aguilera e o. (C‑427/18 P, EU:C:2020:109, n.° 54 e jurisprudência referida).


10       V. Acórdão de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o. (C‑113/10, C‑147/10 e C‑234/10, EU:C:2012:591).


11      Acórdãos de 5 de março de 2019, Eesti Pagar (C‑349/17, EU:C:2019:172), e de 8 de junho de 1995, Siemens/Comissão (T‑459/93, EU:T:1995:100).


12      Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19).


13      Acórdão de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão (T‑171/99, EU:T:2001:249; a seguir «Acórdão Corus»).


14      Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672; a seguir «Acórdão Guardian Europe).


15      Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2015:83; a seguir «Acórdão IPK International»).


16      Acórdão de 27 de março de 2019, Comissão/Alemanha (C‑620/16, EU:C:2019:256, n.º 85 e jurisprudência referida).


17      JO 2012, L 298, p. 1.


18      V., por exemplo, o litígio Intel (Acórdão de 12 de junho de 2014, Intel/Comissão, T‑286/09, EU:T:2014:547; em sede de recurso, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632; na sequência de remessa ao Tribunal de Justiça, Acórdão de 26 de janeiro de 2022, Intel Corporation/Comissão, T‑286/09 RENV, EU:T:2022:19).


19      Segundo a Comissão, os juros de mora devidos no processo Intel ultrapassam metade do montante da coima inicial.


20      Acórdão de 26 de abril de 1988, Asteris e o./Comissão (97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, EU:C:1988:199, n.º 30).


21      Acórdão de 14 de junho de 2016, Comissão/McBride e o. (C‑361/14 P, EU:C:2016:434, n.os 52 e 53).


22      Uma instituição é obrigada a proceder ao pagamento ou ao reembolso em causa quando a medida anulada consiste numa recusa de pagamento de uma quantia em dinheiro a alguém (por exemplo, uma subvenção) ou na imposição de uma obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro (por exemplo, uma coima, um imposto ou um encargo).


23      Acórdão de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão (T‑171/99 P, EU:T:2001:249, n.° 50 e jurisprudência referida).


24      Com efeito, quando o valor do dinheiro se mantiver constante e, por conseguinte, não houver necessidade de acrescentar um montante suplementar no momento do seu reembolso, o detentor desse dinheiro pode, no entanto, ficar indevidamente enriquecido devido à posse dessa quantia.


25      Acórdãos de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho (C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.º 32), e de 28 de outubro de 2021, Vialto Consulting/Comissão (C‑650/19 P, EU:C:2021:879, n.º 138 e jurisprudência referida).


26      Conclusões do advogado‑geral F. Mancini no processo Pauls Agriculture/Conselho e Comissão (256/81, EU:C:1983:91, n.º 8).


27      Bélgica, Bulgária, Irlanda (exceto coimas em matéria de concorrência), Espanha, França, Grécia, Itália, Hungria, Países Baixos, Roménia e Finlândia.


28      A exceção é a Hungria, onde a administração paga o mesmo montante de juros sobre o montante indevidamente pago, independentemente de o reembolsar, ou não, atempadamente.


29      Bélgica, Espanha, Itália e Áustria (em domínios que não o direito da concorrência).


30      V., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 1960, Campolongo/Alta Autoridade (27/59 e 39/59, EU:C:1960:35, p. 407).


31      V. Acórdão de 8 de junho de 1995, Siemens/Comissão (T‑459/93, EU:T:1995:100, n.º 101), no qual o Tribunal Geral declarou que a obrigação de recuperação dos auxílios incompatíveis inclui juros compensatórios equivalentes à vantagem financeira obtida pela empresa decorrente da disponibilização dos fundos, mas não inclui juros de mora, que são uma consequência da obrigação de reembolsar imediatamente os auxílios ilegais.


32      V., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho (64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, EU:C:1979:223, n.º 25), e Conclusões do advogado‑geral F. Mancini no processo Pauls Agriculture/Conselho e Comissão (256/81, EU:C:1983:91, n.º 8), às quais se seguiu o Acórdão de 18 de maio de 1983, Pauls Agriculture/Conselho e Comissão (256/81, EU:C:1983:138, n.º 17). V. também, neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão (C‑152/88, EU:C:1990:259, n.° 32).


33      V., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 1960, Campolongo/Alta Autoridade (27/59 e 39/59, EU:C:1960:35, p. 407); de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, EU:T:2005:220, n.º 414); e de 8 de outubro de 2008, SGL Carbon/Comissão (T‑68/04, EU:T:2008:414, n.º 152). Nestes últimos acórdãos, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou as tentativas dos recorrentes de invocar o conceito de juros compensatórios para contestar a cobrança de juros de mora devido ao atraso no pagamento das coimas.


34      No seu Acórdão de 11 de março de 1999, British Steel/Comissão (T‑151/94, EU:T:1999:52).


35      Acórdão de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão (T‑171/99, EU:T:2001:249, n.os 16 a 18).


36      Ibidem, n.os 53 a 55.


37      Ibidem, n.os 60 a 62.


38      Ibidem, n.º 64. O Tribunal de Primeira Instância fixou esses juros à taxa de 5,75 % ao ano, correspondente à taxa de juro aplicada pelo BCE às operações de refinanciamento de capitais, acrescida de dois pontos percentuais.


39      Acórdão de 10 de abril de 2013, IPK International/Comissão (T‑671/11, EU:T:2013:163, n.os 3 e 10). Foram aplicados juros compensatórios ao montante principal devido desde a data em que os fundos foram disponibilizados à IPK até à data em que a Comissão pagou o montante principal acrescido de juros.


40      Ibidem, n.os 36 e 37.


41      Ibidem, n.º 41. No que respeita a esta questão, o Acórdão do Tribunal Geral parece estar correto.


42      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2014:2170, n.os 42 a 77).


43      Acórdão de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão (T‑171/99, EU:T:2001:249).


44      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2014:2170, n.º 77).


45      Ibidem.


46      Ibidem, n.º 78.


47      Ibidem, n.º 79.


48      Ibidem, n.º 90.


49      Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2015:83).


50      Ibidem, n.º 30.


51      Ibidem, n.º 38. O acórdão recorrido em questão referia formalmente que a Comissão devia pagar juros compensatórios a contar da data do acórdão de anulação até à data do reembolso, embora tenha aplicado uma taxa idêntica à dos juros de mora: v. n.º 60 das presentes conclusões.


52      Por uma questão de completude, acrescentarei que o mesmo se aplicaria no âmbito de uma ação de indemnização. Embora não seja lógico estabelecer uma obrigação de pagamento de juros de mora antes de as jurisdições da União determinarem a existência de um dano, pode ser razoável impor essa obrigação quando um acórdão assim o determine e uma instituição da União não pague prontamente a indemnização.


53      Acórdão de 18 de janeiro de 2017, Wortmann (C‑365/15, EU:C:2017:19, n.os 14, 15 e 35).


54      Ibidem, n.º 38.


55      Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Wortmann (C‑365/15, EU:C:2016:663, n.os 71 e 72).


56      Ibidem n.os 59 e 74.


57      Acórdão de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão (C‑580/12 P, EU:C:2014:2363).


58      Acórdão de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia (T‑673/15, EU:T:2017:377, n.os 51, 54 e 55).


59      Ibidem, n.os 64 e 65.


60      Ibidem, n.os 168 a 172.


61      Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.º 65).


62      Ibidem, n.º 57.


63      V. Acórdão de 7 de junho de 2017, Guardian Europe/União Europeia (T‑673/15, EU:T:2017:377, n.os 51, 54 e 55).


64      Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.º 149).


65      Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81, n.os 1 e 15).


66      Ao abrigo do artigo 90.°, n.° 4, do Regulamento Delegado n.º 1268/2012.


67      Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81, n.os 18, 23 e 26). Durante o período de referência, a taxa de inflação no Estado‑Membro de estabelecimento da Printeos foi de 0 % (Ibidem, n.º 44).


68      Ibidem, n.os 36 e 37.


69      Ibidem, n.º 32.


70      Ibidem, n.os 53 e seguintes.


71      Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2015:83), e Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2014:2170).


72      Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81, n.os 33, 56 e 67). Deve observar‑se que foi a Printeos que determinou esse período de referência.


73      Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.º 54).


74      Ibidem, n.º 55.


75      Ibidem, n.º 56.


76      Ibidem, n.os 68, 69 e 104.


77      Ibidem, n.os 78 e 79.


78      Acórdão de 19 de janeiro de 2022, Deutsche Telekom/Comissão (T‑610/19, EU:T:2022:15, n.os 39 a 52).


79      Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2015:83, n.º 30).


80      Conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2014:2170, n.º 77).


81      Cano Gámiz, P., «The EC’s obligation to pay default interest following Printeos and Deutsche Telekom», European Competition Law Review, 2022, Vol. 43(10), pp. 480 a 484. Buytaert, T., «Obligation for EU institutions to pay default interest on repaid fines: Case C301/19 P Printeos», Journal of European Competition Law & Practice, 2022, Vol. 13(5), p. 353.


82      Banha Coelho, G., «Printeos: Obligation to pay default interest when repaying a fine after annulment», Journal of European Competition Law & Practice, 2019, Vol. 10(9), pp. 552 a 554.


83      Ibid. Do mesmo modo, segundo Miguet, o pagamento de juros de mora está necessariamente ligado ao atraso do devedor na regularização da sua dívida (v. Miguet, J., «Intérêts moratoires», Juris Classeur Procédure civile, 2022, Fasc. 800‑90). Observações de natureza semelhante surgem em van Casteren, A., «Article 215(2) EC and the Question of Interest», em Heukels, T. e McDonnell, A., The Action for Damages in Community Law, Kluwer Law International, The Hague, 1997, p. 207.


84      Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.os 84 e 85).


85      V. n.os 60 a 63 das presentes conclusões.


86      Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.º 86).


87      V. n.os 47 a 50 e 77 das presentes conclusões.


88      Acórdão de 28 de abril de 2022, Gräfendorfer Geflügel‑ und Tiefkühlfeinkost Produktions e o. (C‑415/20, C‑419/20 e C‑427/20, EU:C:2022:306, n.os 51 e 52).


89      Não é invulgar que o Tribunal Geral considere que um ato adotado pelas instituições da União está ferido de ilegalidade e que o Tribunal de Justiça chegue à conclusão inversa.


90      Este argumento impõe‑se, por maioria de razão, quando o Tribunal de Justiça decide remeter um processo ao Tribunal Geral, o que pode prolongar consideravelmente a duração do processo.


91      V. artigo 78.º e seguintes do Regulamento Financeiro e artigo 90.º do Regulamento Delegado n.º 1268/2012.


92      Embora a taxa de inflação seja geralmente positiva, pode por vezes ser igual a zero [como no caso do período de referência no Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39)] e, excecionalmente, negativa.


93       V. n.° 105 do acórdão recorrido.


94      V., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, EU:C:1983:158, n.º 106).


95      Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia (C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.º 56).


96      Creio que estão pendentes no Tribunal Geral pelo menos oito petições relativas às mesmas questões jurídicas que as suscitadas no presente recurso.


97      Segundo julgo saber, está pendente no Tribunal de Justiça pelo menos um recurso que envolve as mesmas questões jurídicas que as suscitadas no presente recurso.