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Processos T‑211/04 e T‑215/04

Government of Gibraltar e Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Auxílios de Estado – Regime de auxílios notificado pelo Reino Unido relativamente à reforma do imposto sobre as sociedades do Governo de Gibraltar – Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado comum – Selectividade regional – Selectividade material»

Sumário do acórdão

1.      Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Carácter selectivo da medida – Medida fiscal adoptada por uma entidade infra‑estatal

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

2.      Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Carácter selectivo da medida – Derrogação ao regime fiscal comum ou «normal»

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

1.      O artigo 87.°, n.° 1, CE impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objectivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável. Tal análise impõe‑se igualmente em relação a uma medida adoptada não pelo legislador nacional mas por uma autoridade infra‑estatal, uma vez que uma medida adoptada por uma colectividade territorial, e não pelo poder central, é susceptível de constituir um auxílio se preencher os requisitos impostos por aquela disposição. A determinação do quadro de referência reveste importância acrescida no caso das medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem só pode ser afirmada em relação a uma imposição dita «normal». A taxa de imposto normal é a taxa em vigor na zona geográfica que constitui o quadro de referência.

Assim, para apreciar a selectividade de uma medida adoptada por uma entidade infra‑estatal, numa parte apenas do território de um Estado‑Membro, há que examinar, primeiro, se a referida medida foi concebida por uma autoridade regional ou local dotada, no plano constitucional, de um estatuto político e administrativo distinto do do governo central, segundo, se foi concebida sem que o governo central pudesse intervir directamente no seu conteúdo e, terceiro, se as consequências financeiras da adopção da referida medida pela entidade infra‑estatal não são compensadas por contribuições ou subvenções provenientes das outras regiões ou do governo central do Estado‑Membro em causa.

(cf. n.os 78‑80, 86)

2.      O artigo 87.°, n.° 1, CE impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, uma medida estatal é susceptível de favorecer «certas empresas ou certas produções» relativamente a outras que, à luz do objectivo prosseguido pelo referido regime, se encontrem numa situação factual e jurídica comparável. A qualificação pela Comissão de uma medida fiscal como selectiva supõe necessariamente, num primeiro tempo, que ela identifique e examine previamente o regime comum ou «normal» do sistema fiscal aplicável na zona geográfica que constitui o quadro de referência pertinente. É em relação a este regime fiscal comum ou «normal» que a Comissão deve, num segundo tempo, apreciar e estabelecer o eventual carácter selectivo da vantagem concedida pela medida fiscal em causa, demonstrando que esta medida derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objectivo prosseguido pelo sistema fiscal do Estado‑Membro em causa, numa situação factual e jurídica comparável.

No caso de a Comissão ter examinado e demonstrado, no âmbito dessas duas primeiras etapas a existência de derrogações do regime fiscal comum ou «normal», tendo por consequência uma diferenciação entre empresas, esta diferenciação só é, contudo, selectiva se resultar da natureza e da economia do sistema de encargos em que se inscreve. Com efeito, nesta hipótese, a Comissão deve verificar, num terceiro tempo, se a medida estatal em questão não reveste carácter selectivo, embora ofereça uma vantagem às empresas que dela podem beneficiar. A este respeito, atendendo ao carácter derrogatório e selectivo, a priori, das diferenciações previstas em relação ao regime fiscal comum ou «normal», incumbe ao Estado‑Membro demonstrar que estas diferenciações são justificadas pela natureza e pela economia geral do sistema fiscal na medida em que resultam directamente dos princípios fundadores ou directores do referido sistema. Neste contexto, deve fazer‑se uma distinção entre, por um lado, os objectivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objectivos.

No caso de não ter efectuado a primeira e segunda etapas do controlo do carácter selectivo de uma medida, a Comissão não pode iniciar a terceira e última etapa da sua apreciação, sob pena de ultrapassar os limites deste controlo. Com efeito, esta posição seria susceptível de, por um lado, permitir à Comissão substituir‑se ao Estado‑Membro no que diz respeito à determinação do seu sistema fiscal e do seu regime comum ou «normal», incluindo no tocante aos seus objectivos, aos mecanismos inerentes para os atingir e à sua matéria colectável, e de, por outro, colocar, assim, o Estado‑Membro na impossibilidade de justificar as diferenciações em causa pela natureza ou pela economia do sistema fiscal notificado, dado que a Comissão não identificou previamente o seu regime comum ou «normal» nem demonstrou o carácter derrogatório das referidas diferenciações.

(cf. n.os 141,143‑145)