Language of document : ECLI:EU:C:2011:559

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 8 de setembro de 2011 (1)

Processo C‑282/10

Maribel Dominguez

contra

Centre informatique du Centre Ouest Atlantique

contra

Préfet de la région Centre

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França)]

«Artigo 31.°, n.° 2, da Carta — Direitos fundamentais sociais — Princípios gerais de direito — Efeito horizontal das diretivas — Artigo 7.° da Diretiva 2003/88/CE — Condições de trabalho — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Constituição do direito a férias independentemente da natureza da ausência do trabalhador e da sua duração — Legislação nacional que faz depender a concessão de férias de um período de trabalho mínimo efetivo durante o ano de referência — Obrigação que incumbe ao órgão jurisdicional nacional de não aplicar disposições nacionais contrárias ao direito da União»






Índice


I —   Introdução

II — Quadro jurídico

A —   Direito da União 

1.     Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

2.     Diretiva 2003/88/CE

B —   Direito nacional

III — Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

V —   Principais argumentos das partes

A —   Quanto à primeira questão prejudicial

B —   Quanto à segunda questão prejudicial

C —   Quanto à terceira questão prejudicial

VI — Apreciação jurídica

A —   Quanto à primeira questão prejudicial

B —   Quanto à segunda questão prejudicial

1.     Questões gerais

a)     Aspetos jurídicos essenciais

b)     Existência de um litígio entre particulares

2.     O papel do juiz nacional num litígio entre particulares

a)     Os limites em matéria de direito da União da aplicabilidade das diretivas

b)     Possíveis abordagens alternativas

i)     Aplicabilidade direta do direito fundamental consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta

—       Aplicabilidade da Carta

—       Natureza de direito fundamental

—       Falta de produção de efeitos em relação a terceiros

—       Conclusão

ii)   Aplicabilidade direta de um eventual princípio geral de direito

—       Categoria do direito a férias anuais na ordem jurídica da União

—       Disposições do direito da União

—       Disposições de direito internacional

—       Ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros

—       Conclusões

—       Aplicabilidade do princípio geral de direito entre particulares

—       Concessão de um direito subjetivo

—       Conteúdo incondicional e suficientemente preciso

—       Conclusão

iii) Aplicação do princípio geral de direito tal como é concretizado pela Diretiva 2003/88

—       A abordagem do Tribunal de Justiça no acórdão Kücükdeveci

—       Transponibilidade desta abordagem para o direito a férias anuais

—       Risco de confusão das fontes jurídicas

—       Falta de concretização definitiva por parte da diretiva

—       Falta de segurança jurídica para os particulares

—       Risco de uma apreciação contraditória em relação às disposições da Carta

—       Conclusão

c)     Conclusão definitiva

3.     Responsabilidade subsidiária do Estado‑Membro por violação do direito da União

4.     Conclusão

C —   Quanto à terceira questão prejudicial

VII — Conclusão


I —    Introdução

1.        No presente processo de reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, a Cour de cassation francesa (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») submeteu ao Tribunal de Justiça três questões respeitantes à interpretação do artigo 7.° da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (2).

2.        O presente pedido de decisão prejudicial tem origem no litígio entre Maribel Dominguez (a seguir «recorrente no processo principal») e o seu empregador, o Centre informatique du Centre Ouest Atlantique (a seguir «recorrido no processo principal»), relativo à questão de saber se e, em caso de resposta afirmativa, em que medida este último está obrigado ao pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais que a recorrente não pôde gozar devido a um acidente. Para o órgão jurisdicional de reenvio é essencial esclarecer, neste âmbito, de que forma deve ser calculada a duração das referidas férias, precisando‑se que o presente caso possui a particularidade de o direito nacional pertinente, por um lado, fazer depender a constituição do direito a férias anuais do facto de o trabalhador ter exercido a atividade durante um número mínimo de dias e, por outro, do facto de nem todo o tipo de ausência do local de trabalho por motivo de acidente ser contabilizado como período de trabalho.

3.        Não é, no entanto, possível afirmar a existência de um direito a férias e, sendo caso disso, do seu alcance preciso, enquanto não for esclarecido se as regulamentações nacionais suprarreferidas podem ser consideradas compatíveis com o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 e se a recorrente pode invocar diretamente a referida diretiva contra o recorrido. O presente processo levanta, por um lado, questões jurídicas a que o Tribunal de Justiça já respondeu inequivocamente, pelo que, em princípio, bastará apenas remeter para os acórdãos pertinentes. Por outro lado, pede‑se que o Tribunal de Justiça adote uma posição quanto à questão de saber qual o lugar ocupado pelo direito a férias anuais remuneradas na hierarquia das normas jurídicas da ordem jurídica da União e se o trabalhador também pode eventualmente invocá‑lo diretamente contra o seu empregador.

4.        Para este efeito, é necessário analisar quatro abordagens diferentes que visam ajudar o trabalhador a exercer os seus direitos perante o empregador. Antes de mais, importa analisar a possibilidade de um efeito horizontal das diretivas. De seguida, deve ser examinada a hipótese da aplicabilidade direta do artigo 31.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tendo em consideração o facto de a mesma ter entretanto adquirido efeito vinculativo. Deve também ser verificada, como outra alternativa, a aplicabilidade direta de um eventual princípio jurídico geral, que confere um direito do trabalhador a férias anuais. Por fim, irei analisar em que medida pode ser aplicada a abordagem desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kücükdeveci (3). Para tal, apreciarei pormenorizadamente as vantagens e as desvantagens desta abordagem. O presente processo permite ao Tribunal de Justiça tratar a referida abordagem em termos dogmáticos, de forma a aperfeiçoá‑la, caso necessário.

II — Quadro jurídico

A —    Direito da União (4)

1.      Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

5.        O título IV («Solidariedade») da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») enuncia, no artigo 31.°, o direito de todos os trabalhadores a «condições de trabalho justas e equitativas». O artigo 31.°, n.° 2, dispõe o seguinte:

«Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.»

6.        O título VII («Disposições gerais») define, no artigo 51.°, o âmbito de aplicação da Carta. O artigo 51.°, n.° 1, dispõe o seguinte:

«As disposições da presente Carta têm por destinatários as instituições órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências.»

2.      Diretiva 2003/88/CE

7.        O artigo 1.° da Diretiva 2003/88 enuncia o seguinte:

«Objetivo e âmbito de aplicação

1.     A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.     A presente diretiva aplica‑se:

a)      Aos períodos mínimos de descanso [...] anual [...]

[...]»

8.        O artigo 7.° da presente diretiva dispõe o seguinte:

«Férias anuais

1.     Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.     O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

9.        Nos termos do artigo 17.° da Diretiva 2003/88, os Estados‑Membros podem estabelecer derrogações a determinadas disposições da presente diretiva. No que respeita ao seu artigo 7.°, não é permitida qualquer derrogação.

B —    Direito nacional

10.      O artigo L. 223‑2, primeiro parágrafo, do code du travail (Código do Trabalho francês), aplicável no processo principal, dispõe o seguinte:

«O trabalhador que, durante o ano de referência, comprove que trabalhou para o mesmo empregador durante um período equivalente ao mínimo de um mês de trabalho efetivo, tem direito a férias cuja duração é determinada à razão de dois dias e meio úteis por cada mês de trabalho não podendo a duração total do período de férias exceder trinta dias úteis.»

11.      O artigo L. 3141‑3 do novo code du travail, na redação que resulta da Lei de 20 de agosto de 2008, dispõe o seguinte:

«O trabalhador que comprove que trabalhou para o mesmo empregador durante um tempo equivalente a um mínimo de dez dias de trabalho efetivo tem direito, no mínimo, a dois dias e meio úteis de férias por cada mês de trabalho. O período total de férias exigíveis não pode exceder trinta dias úteis.»

12.      O artigo L. 223‑4 do code du travail então aplicável, enuncia o seguinte:

«Para efeitos da determinação da duração das férias, são equiparáveis a um mês de trabalho efetivo os períodos equivalentes a quatro semanas ou vinte e quatro dias de trabalho. Os períodos de férias remuneradas, os descansos compensatórios previstos no artigo L. 212‑5‑1 do presente código e no artigo L. 713‑9 do code rural (Código Rural), os períodos de licença por maternidade previstos nos artigos L. 122‑25 a L. 122‑30, os dias de descanso ao abrigo da redução do tempo de trabalho e os períodos limitados a uma duração ininterrupta de um ano durante os quais a execução do contrato de trabalho está suspensa devido a acidente de trabalho ou doença profissional, são considerados períodos de trabalho efetivo. (São igualmente considerados períodos de trabalho efetivo para efeitos da determinação do período de férias, os períodos durante os quais um trabalhador ou um aprendiz esteja ou seja novamente chamado a cumprir o serviço nacional [serviço nacional obrigatório no âmbito militar e civil], seja a que título for.)»

13.      O atual artigo L. 3141‑5 do code du travail dispõe que:

«São considerados períodos de trabalho efetivo para efeitos da determinação da duração das férias:

1.      Os períodos de férias remuneradas;

2.      Os períodos de licença por maternidade, paternidade, adoção e para educação de filhos;

3.      Os descansos compensatórios obrigatórios previstos no artigo L. 3121‑26 do presente código e o artigo L. 713‑9 do code rural;

4.      Os dias de descanso adquiridos a título da redução do tempo de trabalho;

5.      Os períodos, dentro dos limites de duração ininterrupta de um ano, durante os quais a execução do contrato de trabalho esteja suspensa devido a acidente de trabalho ou doença profissional;

6.      Os períodos durante os quais um trabalhador esteja ou seja novamente chamado a cumprir o serviço nacional, seja a que título for.»

14.      O artigo XIV do regulamento‑tipo anexado à convenção coletiva nacional de trabalho do pessoal dos organismos da Segurança Social prevê, no quarto parágrafo, que o direito a férias anuais não pode ser gozado num ano que é caracterizado por ausências por doença ou por doença prolongada que tenham dado origem a uma interrupção de trabalho igual ou superior a doze meses consecutivos, por ausências por serviço militar obrigatório, por férias não remuneradas previstas nos artigos 410, 44 e 46 da convenção coletiva. Esse direito pode ser gozado novamente a partir da data em que se retome o trabalho, sendo a duração das férias fixada de modo proporcional ao tempo de trabalho efetivo que ainda não tenha dado lugar à atribuição de férias anuais.

III — Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

15.      A recorrente no processo principal é, desde 10 de janeiro de 1987, empregada do recorrido no processo principal que está abrangido pela convenção coletiva do pessoal dos organismos da Segurança Social.

16.      Em 3 de novembro de 2005, sofreu um acidente in itinere entre o seu domicílio e o seu local de trabalho. Devido a este acidente, esteve de baixa médica entre 3 de novembro de 2005 e 7 de janeiro de 2007.

17.      Em 8 de janeiro de 2007, voltou a exercer a sua atividade, a meio tempo, e a partir de 8 de fevereiro de 2007, a tempo inteiro. Após o seu regresso, o recorrido no processo principal comunicou‑lhe o número de dias de férias a que, de acordo com o seu cálculo, tinha direito durante o período da sua ausência. A recorrente no processo principal reclamou desta decisão e exigiu ao seu empregador 22,5 dias de férias remuneradas relativos a este período ou, subsidiariamente, o pagamento de uma indemnização compensatória no valor de 1 971,39 euros.

18.      A recorrente no processo principal começou por interpor um recurso para o conseil de prud’hommes de Limoges, que, por decisão de 15 de janeiro de 2008, julgou improcedentes os seus pedidos. A seguir interpôs recurso desta decisão para a cour d’appel de Limoges. No entanto, foi negado provimento ao seu recurso por acórdão de 16 de setembro de 2008, tendo a cour d’appel considerado, entre outros pontos, que o recorrido no processo principal tinha aplicado corretamente, como empregador, as disposições pertinentes em matéria de direito do trabalho, e negado com razão a constituição de um direito a férias, na medida em que, na sequência do seu acidente in itinere, a recorrente no processo principal esteve ausente do trabalho durante mais de doze meses e não prestou qualquer trabalho efetivo durante este período. A cour d’appel concluiu ainda que a recorrente no processo principal não podia invocar as disposições em matéria de trabalho aplicáveis em caso de acidente de trabalho.

19.      Através do seu recurso para a Cour de cassation, a recorrente no processo principal impugna o referido acórdão, alegando, por um lado, que um acidente in itinere deve ser equiparado a um acidente de trabalho, pelo que deveria beneficiar da mesma regulamentação. Por outro, alega que o período de suspensão do seu contrato de trabalho, que se seguiu ao acidente in itinere, deve ser equiparado a tempo de trabalho efetivo para efeitos de cálculo das férias remuneradas.

20.      Atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça, que é amplamente citada, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas tanto em relação à compatibilidade das disposições nacionais pertinentes em matéria de trabalho como também em relação à obrigação do órgão jurisdicional nacional de não aplicar disposições nacionais contrárias ao direito da União.

21.      Face ao exposto, a Cour de cassation suspendeu a instância e submeteu as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1.      O artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88/CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que fazem depender o direito a férias anuais remuneradas de um período de trabalho efetivo mínimo de dez dias (ou de um mês) durante o período de referência?

2.      Em caso de resposta afirmativa, o artigo 7.° da Diretiva 2003/88/CE, que cria uma obrigação específica para o empregador, na medida em que confere um direito a férias anuais remuneradas ao trabalhador ausente por razões de saúde durante um período igual ou superior a um ano, obriga o juiz nacional, que conhece de um litígio entre particulares, a afastar uma disposição nacional contrária [que] submete[…], nesse caso, o direito a férias anuais remuneradas a um período de trabalho efetivo de pelo menos dez dias durante o ano de referência?

3.      Na medida em que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88/CE não estabelece nenhuma distinção entre os trabalhadores consoante a ausência destes do trabalho durante o período de referência tenha sido causada por um acidente de trabalho, uma doença profissional, um acidente in itinere ou uma doença não profissional, os trabalhadores têm, por força dessa norma, direito a férias remuneradas de duração idêntica seja qual for a origem da sua ausência por razões de saúde, ou este preceito deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a duração das férias remuneradas possa ser diferente consoante a causa da ausência do trabalhador, uma vez que a lei nacional prevê, em certas condições, uma duração de férias anuais remuneradas superior à duração mínima de quatro semanas prevista na diretiva?»

IV — Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

22.      A decisão de reenvio, com data de 2 de junho de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2010.

23.      Dentro do prazo referido no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas pelas partes no processo principal, pelos Governos francês, dinamarquês e neerlandês e pela Comissão Europeia.

24.      Na audiência de 17 de maio de 2011, compareceram, para apresentarem as suas alegações, os mandatários das partes no processo principal, dos Governos francês, dinamarquês e neerlandês e da Comissão.

V —    Principais argumentos das partes

A —    Quanto à primeira questão prejudicial

25.      Todas as partes intervenientes estão de acordo quanto ao facto de a resposta à primeira questão prejudicial pode ser deduzida da jurisprudência do Tribunal de Justiça, sobretudo dos acórdãos BECTU (5) e Schultz‑Hoff e o. (6). Neste sentido, propõem que se responda à presente questão prejudicial que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que fazem depender o direito a férias anuais remuneradas de um período de trabalho efetivo mínimo de dez dias (ou de um mês) durante o período de referência.

B —    Quanto à segunda questão prejudicial

26.      Tanto as linhas de argumentação como também as respostas propostas pelas partes a esta questão prejudicial diferem substancialmente umas das outras.

27.      A recorrente no processo principal remete para os acórdãos Simmenthal (7) e Melki e Abdeli (8), esclarecendo que a aplicabilidade direta do artigo 7.° da Diretiva 2003/88 não é afetada pelas declarações do Tribunal de Justiça no acórdão BECTU. No seu entender, para o juiz nacional a situação apresenta‑se simplificada, na medida em que este é obrigado a não aplicar as disposições nacionais que fazem depender o exercício do direito a férias anuais remuneradas do cumprimento de uma condição incompatível com o direito da União.

28.      O recorrido no processo principal invoca a jurisprudência referida pelo órgão jurisdicional de reenvio e chega à conclusão oposta. No seu entender, os princípios desenvolvidos na referida jurisprudência implicam que o juiz nacional não pode deixar de aplicar uma disposição nacional num litígio entre particulares com a justificação de que esta é incompatível com uma diretiva. Com efeito, um procedimento deste tipo corresponderia a uma interpretação contra legem. Atendendo à própria definição de diretiva, que impõe exigências aos Estados‑Membros e não fundamenta quaisquer obrigações diretas dos cidadãos, não existe qualquer motivo para rever a referida jurisprudência constante, porquanto, em caso contrário, tal equivaleria a uma supressão da diferença entre diretivas e regulamentos.

29.      Na sua análise da jurisprudência, os Governos francês e neerlandês vão ainda mais longe.

30.      O Governo francês relembra, a título de exemplo, não apenas a jurisprudência referida pela Cour de cassation, mas também os acórdãos Mangold (9) e Kücükdeveci (10). Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça continuou a desenvolver a sua jurisprudência relativa à posição do juiz nacional em caso de existência de disposições nacionais contrárias ao direito da União. Resulta destes acórdãos que, em caso de conflito entre uma disposição nacional e um princípio geral de direito da União, o juiz nacional deve necessariamente deixar de aplicar a disposição nacional. Neste contexto, o Governo francês remete para o facto de, nos termos da jurisprudência constante, o direito a férias anuais remuneradas dever ser considerado «um princípio do direito social da União que reveste particular importância», não tendo, no entanto, sido ainda reconhecido pelo Tribunal de Justiça como um princípio geral de direito da União, como sucede, por exemplo, com a proibição de discriminação em razão da idade. Por conseguinte, a jurisprudência acima referida não pode ser alargada ao direito a férias anuais remuneradas.

31.      Neste sentido, o Governo francês propõe que se responda à segunda questão prejudicial no sentido de que, na medida em que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 se oponha a uma disposição nacional que condiciona o direito a férias anuais a um período de trabalho mínimo de dez dias (ou de um mês) durante o período de referência, a referida disposição da diretiva não permite ao juiz nacional, que conhece de um litígio entre particulares, não aplicar a disposição nacional.

32.      O Governo neerlandês limita as suas observações a esta questão prejudicial. Entende que, nos termos da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça referida pela Cour de cassation, o juiz nacional que julga um litígio entre particulares não está obrigado a não aplicar uma disposição nacional que contraria uma disposição de uma diretiva. Pelo contrário, o juiz nacional deve interpretar e aplicar o direito nacional em conformidade com a diretiva.

33.      O Governo neerlandês entende que o acórdão Kücükdeveci e o facto de o direito a férias anuais remuneradas ter sido considerado «um princípio do direito social da União que reveste particular importância» não permitem outra conclusão, tanto mais que este princípio não constitui um princípio geral de direito.

34.      Enquanto os Governos francês e neerlandês concluem que as considerações do Tribunal de Justiça no acórdão Kücükdeveci não se aplicam ao presente caso, a Comissão entende que não há qualquer justificação para excluir uma aplicação análoga no processo principal.

35.      De acordo com a Comissão, deve‑se responder à segunda questão prejudicial que incumbe ao juiz nacional, no âmbito da sua competência, garantir a proteção jurídica dos particulares e a plena eficácia do direito da União, podendo este, caso necessário, deixar de aplicar qualquer disposição nacional que não esteja em conformidade com o direito a férias anuais remuneradas.

C —    Quanto à terceira questão prejudicial

36.      A recorrente no processo principal propõe como resposta a esta questão prejudicial que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 deva ser interpretado no sentido de que se opõe a uma duração diferenciada das férias remuneradas consoante a causa que esteja na origem da ausência do trabalhador. A referida disposição da diretiva prescreve, pelo contrário, que os trabalhadores têm direito a férias remuneradas com a mesma duração, independentemente do motivo da ausência do trabalhador.

37.      O recorrido no processo principal defende a tese contrária, considerando que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 não se opõe ao facto de as regulamentações que definem a duração das férias anuais remuneradas serem, no que respeita à equiparação do período de ausência ao período de serviço efetivo, mais favoráveis para os trabalhadores que estão ausentes por motivos de doença ou devido a um acidente de trabalho do que para aqueles trabalhadores que não estão ausentes devido a um acidente de trabalho.

38.      O Governo francês deduz da jurisprudência acima referida que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que a duração das férias anuais remuneradas pode ser diferente consoante o motivo que está na origem da ausência do trabalhador, dado que na referida disposição da diretiva se garante o período mínimo de férias de quatro semanas.

39.      A Comissão remete para o facto de não resultar inequivocamente da decisão de reenvio a situação do direito nacional em que se baseia esta questão prejudicial, propondo, no entanto, que a mesma seja respondida no mesmo sentido sugerido pelo Governo francês.

VI — Apreciação jurídica

A —    Quanto à primeira questão prejudicial

40.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende que se esclareça se o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 permite a um Estado‑Membro condicionar o exercício do direito a férias anuais remuneradas a um período mínimo de trabalho, definido de forma mais pormenorizada no direito nacional, tendo o referido período mínimo de trabalho, nos termos do direito francês, originariamente a duração de um mês e perfazendo atualmente dez dias, na sequência de uma alteração legislativa.

41.      A resposta a esta questão prejudicial resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, particularmente dos acórdãos BECTU e Schultz‑Hoff e o. Por este motivo, é recomendável voltar a relembrar as respetivas conclusões relevantes do Tribunal de Justiça e analisá‑las posteriormente no que respeita à sua aplicabilidade ao processo principal.

42.      Tal como o Tribunal de Justiça referiu em sede de jurisprudência constante, o direito de cada trabalhador a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste uma importância particular, que não pode ser derrogado e cuja concretização pelas autoridades nacionais competentes só pode ser efetuada dentro dos limites expressamente estabelecidos pela própria Diretiva 2003/88 (11). Com a consagração legal do direito a férias anuais remuneradas no plano do direito derivado, o legislador da União pretendeu assegurar que os trabalhadores de todos os Estados‑Membros pudessem beneficiar de um período de descanso efetivo, «para proteção eficaz da sua segurança e saúde» (12). Tal como o Tribunal de Justiça referiu na sua jurisprudência, a finalidade do direito a férias anuais remuneradas é permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontração e lazer (13).

43.      Foi desde logo devido à importância primordial que o ordenamento jurídico da União atribui ao referido princípio que o Tribunal de Justiça concluiu, no n.° 52 do já referido acórdão BECTU, que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO L 307, p. 18), cujo teor é idêntico ao da posterior disposição constante do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 — «obsta a que os Estados‑Membros limitem unilateralmente o direito a férias anuais remuneradas conferido a todos os trabalhadores, aplicando uma condição de concessão do referido direito que tem por efeito excluir certos trabalhadores da possibilidade de beneficiarem deste último».

44.      No n.° 53 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou ainda que os Estados‑Membros têm a possibilidade de definir, «na respetiva legislação interna, as condições do exercício e da execução do direito a férias anuais remuneradas, indicando as circunstâncias concretas em que os trabalhadores podem fazer uso do referido direito, de que beneficiam por força da integralidade dos períodos de trabalho cumpridos, sem, no entanto, sujeitar a qualquer condição a própria constituição do direito, que resulta diretamente da Diretiva 93/104».

45.      No n.° 55 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça esclareceu ainda que as medidas que os Estados‑Membros adotaram para a transposição das prescrições podem comportar algumas divergências quanto às condições de exercício do direito a férias anuais remuneradas, na medida em que a diretiva se limita a definir prescrições mínimas de harmonização a nível comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho e confia aos Estados‑Membros a adoção das regras de execução e de aplicação necessárias. Neste âmbito, o Tribunal de Justiça sublinhou que «esta diretiva não autoriza os Estados‑Membros a afastar a própria constituição de um direito expressamente concedido a todos os trabalhadores».

46.      A jurisprudência acima reproduzida deve ser entendida no sentido de que o Tribunal de Justiça reconhece, em princípio, a competência dos Estados‑Membros para a adoção das denominadas regras de execução, através das quais estes podem regular pormenorizadamente determinados aspetos do exercício do direito a férias anuais remuneradas, como, por exemplo, o modo como os trabalhadores podem tirar as férias a que têm direito pelas primeiras semanas da sua atividade. A competência regulamentar dos Estados‑Membros está, no entanto, limitada quando a regulamentação escolhida afeta a efetividade do direito a férias anuais remuneradas, na medida em que a concretização do objetivo do direito a férias já não está garantida. Tal sucede, nomeadamente, no caso de uma regulamentação nacional que não decide sobre «a forma» de exercer o referido direito, mas sim sobre a questão de saber «se» este direito pode ou não ser exercido.

47.      É incontestável que no processo principal está em causa uma regulamentação deste tipo, tal como também foi admitido pelo Governo francês, tanto mais que a própria constituição do direito está ligada à condição de o trabalhador ter cumprido um período de trabalho mínimo de um mês (no caso do artigo L. 223‑2, primeiro parágrafo, do code du travail, entretanto alterado) ou de dez dias (no caso do atual artigo L. 3141‑3 do code du travail). Tal como o Governo francês fundamentou detalhadamente nas suas observações escritas, a definição de um período de trabalho mínimo de dez dias é explicada pelas modalidades de cálculo da duração das férias remuneradas. Esta corresponde a uma determinada quantidade de dias úteis, sendo que, nos termos deste método de cálculo, um dia de férias corresponde a dez dias úteis.

48.      A remissão para a necessidade do cálculo exato das férias anuais no caso concreto, como o Governo francês também admitiu, não altera o facto de a jurisprudência do Tribunal de Justiça não prever quaisquer derrogações à regra de que a concretização do direito a férias anuais remuneradas não pode ser frustrada por medidas nacionais individuais aquando da sua transposição ao nível nacional. Neste contexto, é conveniente assinalar que o acórdão BECTU apresenta uma matéria de facto semelhante à do processo principal, pelo que os princípios jurisprudenciais aí desenvolvidos podem ser diretamente transpostos para o processo principal. No referido processo, o Tribunal de Justiça foi chamado a decidir sobre a questão de saber se o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/104 permitia a um Estado‑Membro adotar uma regulamentação nacional por força da qual um trabalhador apenas adquiria o direito a férias anuais remuneradas na condição de ter cumprido um período mínimo de treze semanas consecutivas de trabalho para a mesma entidade patronal. Dado que o Tribunal de Justiça respondeu negativamente a esta questão, de forma inequívoca, parece‑me lógico que a regulamentação francesa controvertida não pode ser considerada compatível com a Diretiva 2003/88.

49.      Uma outra questão jurídica que foi levantada no âmbito do processo principal — para a qual recorrido no processo principal remeteu corretamente nas suas observações escritas (14) — e que também necessita de ser clarificada para efeito do presente processo prejudicial diz, designadamente, respeito ao facto de saber se o direito a férias anuais remuneradas também se pode constituir durante um período em que o trabalhar esteve ausente por motivo de doença. A necessidade de clarificação desta questão jurídica explica‑se pelo facto de dela depender a questão de saber se a recorrente no processo principal tem efetivamente direito a férias durante este período ou se lhe pode ser oposta a sua ausência do local de trabalho.

50.      A jurisprudência também fornece indicações úteis para a resposta a esta questão. O acórdão Schultz‑Hoff e o. revela‑se particularmente útil, tendo o Tribunal de Justiça concluído no seu n.° 39 que o artigo 7.°, n.° 1, da diretiva se aplica, quanto ao direito a férias remuneradas, a «todos os trabalhadores». Também as restantes considerações do Tribunal de Justiça no n.° 40 do referido acórdão se revestem de importância, tendo este concluído que «quanto [ao] direito [a férias remuneradas], a Diretiva 2003/88 não faz qualquer distinção entre os trabalhadores ausentes do trabalho por se encontrarem de baixa por doença, de curta ou de longa duração, durante o período de referência e os que efetivamente trabalharam nesse período».

51.      Com base nesta apreciação, o Tribunal de Justiça retirou, no n.° 41 do acórdão, uma conclusão que considero igualmente importante para os objetivos do presente reenvio prejudicial, tendo considerado que «quanto a trabalhadores que se encontrem de baixa por doença devidamente certificada, um Estado‑Membro não pode fazer depender o direito a férias anuais remuneradas conferido pela própria Diretiva 2003/88 a todos os trabalhadores da obrigação de terem trabalhado efetivamente durante o período de referência instituído por esse Estado».

52.      Por conseguinte, a jurisprudência acima referida deve ser entendida no sentido de que uma ausência por motivo de doença de um trabalhador no respetivo ano de referência não se opõe à constituição do seu direito a férias anuais remuneradas, desde que se encontre de baixa por doença devidamente certificada. De um ponto de vista jurídico, tal significa que as faltas ao trabalho por motivos independentes da vontade da pessoa empregada interessada, tais como as faltas por motivo de doença devem ser contadas no período de serviço. O mesmo é declarado no artigo 5.°, n.° 4, da Convenção n.° 132 da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de junho de 1970, relativa às férias anuais remuneradas (revista), na qual o Tribunal de Justiça se baseou ao analisar a relação entre as férias anuais e as férias por motivo de doença.

53.      Em resumo, é de concluir que a regulamentação controvertida não está em conformidade com a Diretiva 2003/88. Esta conclusão é também partilhada pelo Governo francês, que anunciou nas suas observações escritas que irá envidar esforços para alterar o artigo L. 3141‑3 do code du travail (15). Por conseguinte, deve responder‑se à primeira questão prejudicial que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que fazem depender o direito a férias anuais remuneradas de um período de trabalho efetivo mínimo de dez dias (ou de um mês) durante o período de referência.

B —    Quanto à segunda questão prejudicial

1.      Questões gerais

a)      Aspetos jurídicos essenciais

54.      A segunda questão prejudicial apenas foi expressamente submetida para o caso de se concluir que a disposição nacional controvertida é incompatível com o direito da União — como se verificou supra. Tal como é possível deduzir das considerações da decisão de reenvio que dizem especificamente respeito a esta questão prejudicial (16), o órgão jurisdicional de reenvio pretende essencialmente saber se o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 lhe impõe eventualmente a obrigação decorrente do direito da União de deixar de aplicar a disposição nacional controvertida num litígio entre particulares.

55.      A resposta a esta questão necessita de alguns esclarecimentos quanto a dois aspetos jurídicos relevantes que estão interligados. Por um lado, está em causa o papel dos órgãos jurisdicionais nacionais na aplicação do direito da União, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por outro, está em causa a importância que a ordem jurídica da União atribui ao direito a férias anuais, bem como ao seu exercício.

b)      Existência de um litígio entre particulares

56.      Antes de iniciar a análise destes aspetos centrais da questão prejudicial, importa referir, por uma questão de exaustividade, que o facto de o processo principal opor dois particulares, a meu ver, não levanta dúvidas.

57.      Antes de mais, importa relembrar que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais de reenvio definir o objeto das questões que entende submeter. Com efeito, compete unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais chamados a conhecer do litígio, e aos quais cabe a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar, tendo em conta as particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sentença como a pertinência das questões submetidas ao Tribunal de Justiça (17).

58.      Neste sentido, caso o órgão jurisdicional de reenvio parta, na sua decisão de reenvio, inequivocamente do princípio da existência de um litígio entre particulares e não analisar, pelo menos explicitamente, a questão de saber se o recorrido no processo principal se integra no Estado francês como parte da administração pública, também o Tribunal de Justiça está vinculado a esta apreciação.

59.      Em casos excecionais, o Tribunal de Justiça pode, no entanto, proceder a uma apreciação dos fundamentos que estiveram na origem da submissão de uma determinada questão por parte do órgão jurisdicional nacional. Tal sucede, nos termos da jurisprudência, quando for manifesto que o pedido de decisão prejudicial visa, na realidade, levá‑lo a pronunciar‑se pela via de um litígio artificial ou a emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio, ou ainda que o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são submetidas (18).

60.      No presente caso não se verificam, no entanto, os pressupostos necessários para tal. De acordo com as observações esclarecedoras das partes na audiência, o processo principal diz respeito a um litígio que resulta de um contrato em matéria de direito do trabalho, no qual o recorrido no processo principal atuou, em relação à recorrente no processo principal, como um particular e nunca como uma autoridade que goza de prerrogativas de poder público. As referidas observações confirmam, por conseguinte, a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio.

2.      O papel do juiz nacional num litígio entre particulares

a)      Os limites em matéria de direito da União da aplicabilidade das diretivas

61.      No que se refere à missão do juiz nacional chamado a pronunciar‑se num litígio entre particulares, no âmbito do qual a legislação nacional em causa parece ser contrária ao direito da União — tal como sucede no processo principal —, o Tribunal de Justiça já declarou que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar a proteção jurídica que para as pessoas decorre das disposições do direito da União e garantir a plena eficácia destas (19). No que respeita aos litígios entre particulares verifica‑se, no entanto, uma limitação importante, na medida em que, nos termos da jurisprudência, uma diretiva não pode, por si mesma, criar obrigações para um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele (20).

62.      Daqui resulta, no entender do Tribunal de Justiça, que nem mesmo uma disposição clara, precisa e incondicional de uma diretiva que tenha por objeto conferir direitos ou impor obrigações aos particulares pode ser aplicada enquanto tal no âmbito de um litígio que oponha exclusivamente particulares. O Tribunal de Justiça fundamenta o seu entendimento com o argumento de que, em caso contrário, tal equivaleria a reconhecer à União o poder de criar, com efeito imediato, deveres na esfera jurídica dos particulares quando ela só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos (21). Esta posição respeita a natureza específica das diretivas que, por definição, só impõem obrigações diretamente aos Estados‑Membros que são destinatários destas, nos termos do artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE, e apenas podem impor obrigações aos particulares por intermédio das medidas nacionais de transposição.

63.      Concordo com a referida jurisprudência. Por conseguinte, também deve ser negada a diferenciação entre um efeito direto positivo das diretivas e um negativo, tal como foi proposto em várias ocasiões (22) a respeito das relações horizontais. Nos termos deste entendimento, as diretivas não transpostas não devem poder fundamentar diretamente obrigações dos particulares em relação a outros sujeitos de direito privado, devendo, no entanto, deixar de aplicar‑se o direito nacional contrário às diretivas também no caso de litígios entre particulares — através do recurso ao princípio da preferência da aplicação do direito da União. A este entendimento é, no entanto, oposto com razão que esta linha interpretativa poderia afetar a segurança jurídica (23). Com efeito, dependendo do contexto normativo da disposição contrária à diretiva no direito nacional, o facto de não ser aplicada pode levar a um alargamento das obrigações dos sujeitos de direito privado; a questão de saber se tal caso depende de fatores relativamente fortuitos — do ponto de vista do direito da União —, como, por exemplo, do facto de existir no direito nacional uma outra disposição (que fundamenta uma obrigação) passível de ser aplicada em caso de suspensão do direito contrário à diretiva.

64.      Por conseguinte, nos termos da referida jurisprudência a recorrente no processo principal não poderia invocar o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 para exigir perante o órgão jurisdicional de reenvio a inaplicabilidade da regulamentação nacional contrária ao direito da União.

65.      Como compensação pela falta de um efeito direto horizontal das diretivas, o Tribunal de Justiça remeteu ainda para soluções alternativas que podem satisfazer o particular que se sinta lesado pela inexistência ou pela transposição incorreta de uma diretiva. Estas consistem, por um lado, na possibilidade de uma interpretação conforme com a diretiva do direito nacional e, por outro, na aplicação dos princípios da responsabilidade do Estado‑Membro em matéria de direito da União por violação do mesmo.

66.      O Tribunal de Justiça fundamentou o método da interpretação conforme com a diretiva na obrigação imposta a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades jurisdicionais de alcançarem o resultado previsto numa diretiva bem como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação (24). Esta implica que na aplicação do direito nacional, este, através da utilização de todos os métodos interpretativos disponíveis, deve ser interpretado, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE (25). No acórdão Pfeiffer e o. (26) o Tribunal de Justiça esclareceu de que forma o órgão jurisdicional nacional deve atuar num litígio entre particulares. Se o direito nacional, mediante a aplicação dos métodos de interpretação por si reconhecidos, permite, em determinadas circunstâncias, interpretar uma disposição da ordem jurídica interna de forma a evitar um conflito com outra norma de direito interno ou, para esse efeito, reduzir o seu alcance, aplicando‑a somente na medida em que seja compatível com a referida norma, o órgão jurisdicional nacional tem a obrigação de utilizar os mesmos métodos com vista a atingir o resultado pretendido pela diretiva.

67.      Tal como o Tribunal de Justiça esclareceu repetidamente, a obrigação de interpretação conforme é limitada pelos princípios gerais de direito, designadamente o da segurança jurídica, na medida em que não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (27).

68.      Da decisão de reenvio não é possível deduzir explicitamente se é possível recorrer a uma interpretação do direito nacional conforme com a diretiva. No entanto, pode ser concluído, com base numa apreciação global do pedido de decisão prejudicial, que aparentemente a única opção do órgão jurisdicional de reenvio para obter uma interpretação conforme com a diretiva consistiria em deixar de aplicar a regulamentação controvertida. Atendendo ao facto de que o órgão jurisdicional de reenvio reproduziu, na sua decisão de reenvio, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos limites deste método de interpretação, pode partir‑se do princípio de que não é possível recorrer a uma interpretação conforme com a diretiva no processo principal sem interpretar contra legem o direito nacional.

b)      Possíveis abordagens alternativas

69.      Importa, por conseguinte, analisar a questão de saber se, sob certas condições, ao órgão jurisdicional nacional ainda seria permitido deixar de aplicar a regulamentação controvertida numa relação entre particulares. Na minha opinião, devem ser consideradas três abordagens, que irei explicar detalhadamente e depois analisar quanto à sua exequibilidade.

70.      Antes de mais, importa examinar se é possível considerar a aplicabilidade direta do direito fundamental consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta (28). De seguida, é necessário proceder a uma análise da questão de saber se o direito a férias anuais remuneradas pode ser qualificado como um princípio geral de direito da União e aplicado diretamente numa relação entre particulares (29). Por fim, impõe‑se uma análise crítica da tese do Tribunal de Justiça no acórdão Kücükdeveci a fim de apreciar a transposição desta tese para o presente processo (30).

i)      Aplicabilidade direta do direito fundamental consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta

71.      Tal como já foi indicado, uma primeira abordagem poderia consistir na aplicabilidade direta do direito fundamental a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta.

—       Aplicabilidade da Carta

72.      Se originariamente, a Carta possuía, a este respeito, sobretudo um valor declaratório, sendo na altura entendida como expressão do compromisso da União com o respeito dos direitos fundamentais, este texto adquiriu entretanto definitivamente o estatuto de direito primário no ordenamento jurídico da União, de acordo com o disposto no artigo 6.°, n.° 1, TUE, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009 (31). As consequências disto é que os atos jurídicos que os órgãos da União adotam no domínio da organização do tempo de trabalho devem ser, em virtude da vinculação aos direitos fundamentais imposta no artigo 51.°, n.° 1, da Carta, avaliados de acordo com os critérios definidos na referida disposição. Também os Estados‑Membros estão a partir de agora a isso vinculados quando aplicam o direito da União (32).

73.      Atendendo a que os factos que estiveram na origem do processo principal ocorreram nos anos de 2005 e 2007 e, por conseguinte, num período em que a Carta ainda não tinha entrado em vigor, a sua aplicabilidade ratione temporis à matéria de facto que está na base do presente processo deveria ser em rigor negada. Neste caso, não se estaria, no entanto, a tomar em consideração que, muito antes da sua incorporação formal no ordenamento jurídico da União, os órgãos jurisdicionais da União já lhe tinham atribuído uma importância decisiva na interpretação do direito da União (33). Não merece qualquer reparo o facto de a Carta ser utilizada como apoio na interpretação, tendo em consideração que reforça aqueles direitos que estão consagrados numa diversidade de instrumentos jurídicos e resultam das tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros, pelo que, em última instância, pode ser encarada como expressão da ordem de valores europeus.

74.      Após ter entrado entretanto em vigor, o seu caráter vinculativo quanto à interpretação é atualmente incontestado, o que é particularmente reforçado pelo facto de o Tribunal de Justiça a ter incluído, apesar da sua manifesta inaplicabilidade ratione temporis, na sua apreciação jurídica no n.° 22 do acórdão Kücükdeveci (34). Por conseguinte, parece consequente que também no presente processo se recorra às respetivas disposições relevantes da Carta como ponto de partida para a interpretação de todas as outras normas do direito da União, entre as quais se incluem os princípios gerais de direito e o direito derivado. Importa sobretudo evitar qualquer interpretação das referidas normas que poderia possivelmente estar em contradição com os valores da Carta.

—       Natureza de direito fundamental

75.      A classificação como direito social fundamental do direito dos trabalhadores a férias anuais pagas, garantida no artigo 31.°, n.° 2, da Carta, não levanta, a meu ver, dificuldades particulares. Tal como expus nas minhas conclusões no processo Schultz‑Hoff e o. (35), o facto de esse direito ter sido incluído na Carta constitui uma confirmação de que possui natureza de direito fundamental. A este respeito, aderi ao entendimento do advogado‑geral A. Tizzano, que já tinha expresso esta constatação nas suas conclusões no processo BECTU (36). Tal como consigo depreender, uma parte não negligenciável da doutrina defende igualmente este entendimento (37), apresentando, neste âmbito, argumentos semelhantes. Estes baseiam‑se, essencialmente, no teor bem como na construção jurídica desta norma que consagra um direito fundamental.

76.      Efetivamente, o teor da referida disposição permite desde logo concluir que o direito a férias anuais pagas foi concebido como um «direito fundamental», pelo que pode desde logo ser excluída uma classificação nos «princípios fundamentais» referidos no artigo 51.°, n.° 1, da Carta, que não fundamentam quaisquer direitos subjetivos diretos, necessitando, pelo contrário de uma concretização pelos destinatários no âmbito das suas competências. O artigo 31.°, n.° 2 dispõe designadamente que «todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas». Nesta disposição, é claramente expressa a natureza de direito humano da garantia, tanto mais que neste artigo é dada primazia à dignidade do ser humano na vida profissional (38). Deste modo, distingue‑se claramente de outras disposições do título IV («Solidariedade») da Carta, que estão sobretudo formulados na aceção de uma garantia em termos jurídico‑objetivos, considerando que os direitos aí conferidos são «reconhecidos» ou «respeitados». Estas diferenças na formulação permitem reconhecer uma intensidade escalonada da proteção, consoante o bem jurídico em causa (39).

77.      De acordo com este sistema de proteção escalonado, as disposições que apenas contêm «princípios» e, por conseguinte, nos termos do artigo 52.°, n.° 5, primeiro período, da Carta, apenas vinculam, em primeira linha, o legislador aquando da transposição, definem igualmente com frequência que a proteção apenas é concedida «em conformidade com o direito da União ou das legislações e práticas nacionais» (40). Uma característica essencial dos princípios é designadamente o facto de a sua aplicação pressupor muitas vezes a adoção de medidas de execução que, aliás, apenas pode ser realizada em conformidade com a repartição de competências estabelecida nos Tratados e respeitando o princípio da subsidiariedade (41). O facto de os princípios, para produzirem efeitos, necessitarem da adoção de medidas legislativas, organizacionais e práticas da União e dos seus Estados‑Membros, é expresso na passagem «promover a sua aplicação» constante do artigo 51.°, n.° 1, segunda frase, da Carta, também aplicável aos mesmos.

78.      Tal não sucede, no entanto, no caso do artigo 31.°, n.° 2, da Carta, que nesta medida se baseia numa exigência individual. O facto de o artigo 31.°, n.° 1, da Carta, em que se remete para o «direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas», estar redigido de uma forma relativamente abstrata e necessitar de uma concretização através do n.° 2 não pode ser apresentado como argumento a favor da classificação desta disposição, no seu todo, como um «princípio» na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, sobretudo porque as normas que consagram direitos fundamentais por princípio podem ser formuladas de uma forma relativamente abstrata, em especial para poderem ter em consideração alterações políticas e sociais (42). Esta situação aplica‑se por maioria de razão aos direitos sociais, que muitas vezes necessitam de ser concretizados, em grande medida também devido aos custos associados, que podem acabar por fazer depender uma concretização destes direitos das possibilidades económicas reais do Estado (43).

79.      Recorrendo a uma interpretação sistemática não se chega a uma conclusão diferente. Os artigos 28.° e 29.° da Carta também se referem ao facto de os respetivos titulares dos direitos fundamentais possuírem um «direito», pelo que ambas as disposições conferem direitos subjetivos (44). Dada a proximidade das disposições com o artigo 31.° da Carta, a sua relação em termos de conteúdo e a sua identidade em termos de estrutura, importa também no caso do artigo 31.° da Carta partir de um direito subjetivo.

—       Falta de produção de efeitos em relação a terceiros

O regime de proteção dos direitos fundamentais nos termos da Carta

80.      A formulação do artigo 31.° da Carta poderia, à primeira vista, levar a supor que a norma produzisse efeitos em relação a terceiros (45) e a aplicá‑la diretamente à relação entre trabalhador e empregador. Deste modo, em teoria os particulares também estariam vinculados à garantia de condições de trabalho justas e equitativas. No entanto, nos termos do disposto no artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta, as disposições da presente Carta apenas têm por destinatários «as instituições, órgãos e organismos da União, [...] bem como os Estados‑‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União». Para além disso, o artigo 52.°, n.° 2, dispõe que «os direitos reconhecidos pela presente Carta, que se regem por disposições constantes dos Tratados, são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos». A meu ver, estas disposições apontam para uma restrição intencional do círculo de destinatários dos direitos fundamentais, que, por seu lado, permite clarificar o tipo de proteção dos direitos fundamentais visado pelo legislador da União.

81.      Nestes termos, apenas podem existir ingerências no domínio da garantia do artigo 31.° da Carta quando a União ou os Estados‑Membros não concedem condições de trabalho justas e equitativas aos seus funcionários ou caso não adotem quaisquer regulamentações para assegurar os direitos referidos no artigo 31.° da Carta, apesar de disporem das respetivas competências (46). Por conseguinte, esta disposição confere ao particular um direito subjetivo que, em primeira linha, consiste num dever de proteção em relação a este, que incumbe à União e aos seus Estados‑Membros.

82.      Atendendo à clara redação do artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta, uma ofensa ao direito fundamental na sequência da atuação dos Estados‑Membros apenas poderia ser tida em consideração no âmbito da execução do direito da União, designadamente na transposição de diretivas para o direito nacional (47). A referida disposição confirma em última instância a vinculação dos Estados‑Membros aos direitos fundamentais no âmbito da execução do direito da União, reconhecida na jurisprudência do Tribunal de Justiça (48). A este respeito, importa, contudo, ter em mente que os sujeitos vinculados aos direitos fundamentais dispõem de uma ampla margem de manobra na transposição, na medida em que o artigo 31.° da Carta, como direito fundamental de proteção, pressupõe precisamente a adoção de regras de concretização (49).

83.      Tendo em consideração o facto de, em primeiro lugar, o artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta, determinar inequivocamente o círculo dos sujeitos vinculados aos direitos fundamentais e, em segundo lugar, a função do direito fundamental consagrado no artigo 31.° da Carta, que deve ser apreciada atendendo à sua finalidade, se esgotar na constituição de uma obrigação de proteção da União e dos Estados‑Membros, é de partir do pressuposto de que os particulares não estão diretamente vinculados pelo referido direito fundamental (50). Como argumento suplementar contra um efeito direto em relação a terceiros dos direitos fundamentais em geral é ainda possível invocar o facto de os particulares também não conseguirem cumprir a reserva de lei prevista no artigo 52.°, n.° 1, da Carta («Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei»). Esta exigência do Estado de direito em relação a ingerências nos direitos fundamentais apenas pode, por natureza, ser dirigida à União e aos seus Estados‑Membros como detentores do poder público. Por conseguinte, os particulares apenas podem, quanto muito, ser vinculados indiretamente através de regulamentações relativas à transposição do dever de proteção (51). Para além disso, a interpretação conforme com os direitos fundamentais também se aplica em relação a disposições de direito privado. No entanto, este aspeto não assume particular relevância para efeitos do presente processo. Relevante é, pelo contrário, a constatação de que o direito fundamental a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta não se aplica diretamente entre particulares.

O regime da proteção dos direitos fundamentais nos termos da CEDH

84.      O facto de não ser obrigatoriamente necessária uma vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais para garantir uma proteção adequada dos direitos fundamentais nas denominadas relações horizontais, sendo suficiente que o particular possa invocar um dever de proteção do legislador para impedir ofensas aos direitos fundamentais por particulares, é demonstrado pelo sistema de proteção dos direitos fundamentais previsto na Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»).

85.      Apesar de a CEDH não prever qualquer direito a férias anuais equiparável ao consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta, é importante recordar que, de acordo com o disposto no artigo 52.°, n.° 3, e no artigo 53.° da Carta, o nível de proteção dos direitos fundamentais constante da CEDH é determinante para a ordem jurídica do direito da União. Estas disposições devem ser entendidas, de acordo com o seu sentido e a sua finalidade, no sentido de que o nível de proteção dos direitos fundamentais garantido na Carta não pode ser menor do que os padrões mínimos da CEDH (52). Por este motivo, mas também tendo em consideração uma adesão futura da União à CEDH, tal como está previsto no artigo 6.°, n.° 2, primeiro período, TUE, parece imprescindível ter em consideração os princípios de solução apresentados por este sistema de proteção dos direitos fundamentais de âmbito europeu.

86.      A este respeito, importa constatar que em nenhuma garantia dos direitos fundamentais da CEDH é possível encontrar quaisquer indícios favoráveis a um efeito em relação a terceiros, apesar de existirem disposições que parecem apontar nesse sentido (53). A produção de efeitos em relação a terceiros também enfrentaria dificuldades de difícil resolução por motivos processuais, na medida em que as queixas por violações das garantias da CEDH apresentadas por particulares são, desde logo, inadmissíveis ratione personae nos termos do artigo 35.° da CEDH (54). A proteção dos direitos humanos nas relações entre particulares concretiza‑se, em vez disso, pela imposição ao Estado de um dever de proteção que este deve cumprir através da adoção de medidas positivas (as denominadas «obligations positives»). De acordo com este raciocínio, incumbe ao Estado prevenir os ataques de particulares (perturbadores) às posições jurídicas dos titulares dos direitos fundamentais (vítimas) (55), dispondo neste âmbito de uma determinada margem de manobra ao escolher os meios adequados. No âmbito da proteção de um direito fundamental, a CEDH apenas exige proibições legais sujeitas a pena em situações particulares, nomeadamente quando está em causa o domínio da proteção da vida, nos termos do artigo 2.° da CEDH, em relação a ofensas por parte de particulares. O Estado cumpre o seu dever de proteção por via de leis e através da execução das mesmas, por exemplo, ao velar, no âmbito do direito privado, por uma ponderação dos interesses correspondente à da CEDH, ao proteger suficientemente em matéria de direito penal os titulares de direitos fundamentais de violações por parte de particulares e ao regular interesses em matéria de relações de vizinhança no direito administrativo (56). A violação do referido dever de proteção é declarada de forma vinculativa pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por via de uma condenação do respetivo Estado (57). Em razão da inexistência de legitimidade passiva dos particulares, uma condenação deste tipo não está, no entanto, ligada a uma corresponsabilidade do perturbador, a quem se deve, em última análise, a ofensa ao direito fundamental.

87.      Esta amostra resumida demonstra desde logo que a dogmática em matéria de dever de proteção, na qual se baseia o regime de proteção dos direitos fundamentais nos termos da CEDH, parece tornar supérflua a vinculação aos direitos fundamentais de particulares, na medida em que fornece soluções adequadas para as questões jurídicas que são discutidas no âmbito do efeito em relação a terceiros (58). Não se pode, por conseguinte, concluir que o nível de proteção dos direitos fundamentais no âmbito da União seja mais reduzido do que o nível da CEDH caso seja negado um efeito direto dos direitos fundamentais da Carta nas relações horizontais.

—       Conclusão

88.      Neste sentido, o órgão jurisdicional de reenvio não se pode basear no artigo 31.°, n.° 2, da Carta para deixar de aplicar, num litígio entre particulares, direito nacional contrário ao direito da União que não permite uma interpretação conforme com a diretiva.

ii)    Aplicabilidade direta de um eventual princípio geral de direito

89.      Uma outra abordagem possível consistiria em aplicar numa relação entre particulares um eventual princípio geral de direito da União, que eventualmente previsse um direito do trabalhador a férias anuais remuneradas.

90.      Esta abordagem pressuporia, no entanto, o esclarecimento de duas questões essenciais. Por um lado, dever‑se‑ia analisar a questão de saber se o direito a férias anuais remuneradas possui efetivamente a categoria de princípio geral de direito na ordem jurídica da União. Por outro lado, importaria esclarecer se este princípio geral de direito também seria eventualmente aplicável numa relação entre particulares.

—       Categoria do direito a férias anuais na ordem jurídica da União

Conceito de princípio geral de direito

91.      Como introdução à análise da primeira questão é necessário apresentar resumidamente tanto o conceito como também a função dos princípios gerais de direito no direito da União.

92.      Os princípios gerais de direito no direito da União assumem uma posição especial na jurisprudência do Tribunal de Justiça, mas, apesar disso, o conceito dos princípios gerais de direito é, até hoje, controvertido (59). A própria terminologia é divergente, tanto na doutrina como na jurisprudência. Em parte, a diferença reduz‑se às palavras escolhidas, como sucede quando o Tribunal de Justiça ou os advogados‑gerais se referem a uma norma jurídica geralmente reconhecida (60), a um princípio jurídico geralmente reconhecido (61), a princípios jurídicos elementares (62), a um princípio fundamental (63), a um simples princípio (64), a uma norma jurídica (65) ou ao princípio geral da igualdade, que faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário (66).

93.      Em todo o caso, existe unanimidade quanto ao facto de os princípios gerais de direito assumirem grande importância na jurisprudência, ao nível da integração de lacunas e como auxiliares de interpretação (67). Isto resulta, em grande medida, do facto de a ordem jurídica da União constituir uma ordem jurídica em desenvolvimento que, atenta a sua abertura ao desenvolvimento da integração, tem necessariamente de apresentar lacunas e de carecer de interpretação. Será por causa do reconhecimento desta situação que também o Tribunal de Justiça prescindiu de classificar com exatidão os princípios gerais de direito, salvaguardando assim a flexibilidade de que necessita para poder decidir as várias questões substantivas que lhe são colocadas independentemente das diferenças terminológicas (68). Para além disso, os princípios gerais de direito assumem importância na sua função como critério para a apreciação da legalidade e validade de atos jurídicos (69) da União, e como base para o desenvolvimento do direito pela via jurisprudencial (70).

94.      Segundo uma definição doutrinária, fazem parte dos princípios gerais de direito as normas fundamentais do direito primário da União não positivado que são inerentes à própria ordem jurídica da União Europeia ou que são comuns às ordens jurídicas dos Estados‑Membros (71). Por regra, é possível distinguir entre os princípios gerais de direito da União em sentido estrito, que são aqueles que são desenvolvidos exclusivamente a partir do espírito e do próprio sistema do Tratado CE e que têm por objeto problemas específicos do direito da União, e os princípios gerais de direito que são comuns aos ordenamentos jurídico‑constitucionais dos Estados‑Membros (72). Enquanto o primeiro grupo de princípios gerais resulta diretamente do direito primário da União, o segundo grupo é definido pelo Tribunal de Justiça, essencialmente, através de uma análise crítico‑valorativa de direito comparado (73), no âmbito da qual não é, porém, aplicado o método do mínimo denominador comum. Também não se considera necessário que os princípios assim desenvolvidos, na sua formulação concreta ao nível da União, coexistam sempre em simultâneo em todas as ordens jurídicas comparadas (74).

95.      Os princípios gerais de direito caracterizam‑se pelo facto de representarem princípios fundamentais da União e dos seus Estados‑Membros, o que explica o facto de terem a categoria de normas de direito primário na hierarquia de normas da ordem jurídica da União (75). Neste contexto, têm especial relevância, por um lado, a proteção dos direitos fundamentais em sentido estrito, desenvolvida e garantida pelo sistema judicial da União ao abrigo daquela designação genérica, e, por outro lado, o desenvolvimento dos direitos processuais equiparáveis aos direitos fundamentais, que foram elevados, enquanto princípios gerais do Estado de direito, à categoria de direito constitucional da União (76). Assim, contam‑se também entre os princípios gerais de direito os princípios que têm uma relação estreita com os princípios estruturantes da União Europeia, tais como a liberdade, a democracia, o respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, e o Estado de direito, na aceção do artigo 2.° TUE, ou que derivam dos mesmos. A sua violação por um Estado‑Membro pode despoletar o mecanismo sancionatório especial previsto no artigo 7.° TUE.

96.      Foram reconhecidos como princípios gerais de direito da União, por exemplo, princípios importantes do Estado de direito, como a ideia de proporcionalidade (77), a certeza jurídica (78) ou o direito de cada indivíduo a uma tutela jurisdicional efetiva (79). O mesmo sucedeu também com vários princípios gerais da boa administração, como sucede com o princípio da tutela da confiança legítima (80), o princípio ne bis in idem (81), o princípio da audição dos interessados (82) — também sob a forma da possibilidade de apresentação de defesa num processo suscetível de culminar num ato que afete os interesses dos particulares (83) —, o dever de fundamentação dos atos jurídicos (84) ou o princípio do inquisitório (85). Também pertence a este grupo a invocação de um «caso de força maior» (86). E também é possível encontrar princípios que não são alheios ao direito dos contratos, como é o caso do princípio geral do direito pacta sunt servanda (87) e também do princípio rebus sic stantibus (88).

97.      Na direção do Estado social, apontam, por um lado, o reconhecimento do princípio da solidariedade (89) e o dever de assistência das autoridades em relação aos seus agentes (90). No contexto do reconhecimento de vínculos federais no seio da União Europeia, são frequentemente realçados o princípio da cooperação entre os Estados‑Membros e o seu dever de colaboração para com a União. Neste sentido, o Tribunal de Justiça, invocando o artigo 10.° CE, desenvolveu o princípio da lealdade comunitária recíproca (91). Além disso, o Tribunal de Justiça declarou‑se a favor do princípio da democracia, por exemplo, ao referir a necessidade da participação efetiva do Parlamento no processo legislativo da União, de acordo com os procedimentos previstos no Tratado (92).

98.      Entre os direitos fundamentais da União, que o Tribunal de Justiça reconheceu quer através da já referida análise valorativa de direito comparado quer tomando em consideração as convenções internacionais e europeias em matéria de direitos do Homem, contam‑se os direitos fundamentais e do Homem que caracterizam as sociedades liberais e democráticas, tais como a liberdade de expressão (93) e a liberdade de associação (94). Também se incluem nesses direitos os princípios fundamentais que resultam diretamente do Tratado CE, tal como o da proibição de discriminação em razão da nacionalidade (95) e o da proibição da discriminação em razão do sexo (96).

Quanto ao direito a férias anuais remuneradas na União Europeia

99.      É discutível se o direito a férias anuais remuneradas satisfaz as exigências impostas pela jurisprudência em relação a um princípio geral de direito. Para tal, um direito deste tipo deveria assumir uma tal importância fundamental no domínio do direito do trabalho da União, à semelhança dos exemplos acima referidos, que tenha sido expresso em diversas normas do direito primário ou em diversas normas do direito derivado da União.

100. Como fonte suplementar de informação devem ainda ser tidos em consideração os vários acordos internacionais relativos à proteção dos direitos do Homem, bem como dos direitos dos trabalhadores, aos quais os Estados‑Membros da União aderiram.

101. Por fim, importa ainda analisar o próprio direito dos Estados‑Membros. O recurso ao critério do direito comparado, frequentemente utilizado pelo Tribunal de Justiça, poderia esclarecer se nos termos das tradições constitucionais (97) ou pelo menos das disposições essenciais do direito do trabalho nacional o referido direito assume um estatuto decisivo no âmbito das ordens jurídicas nacionais.

Disposições do direito da União

102. No que respeita às disposições relevantes do direito da União, é possível remeter a seguir para as considerações precedentes quanto à qualificação do direito a férias anuais remuneradas como direito fundamental. Tal como já foi referido, a sua codificação no artigo 31.°, n.° 1, da Carta constitui uma confirmação de que o referido direito tem uma posição destacada no âmbito do ordenamento jurídico da União. Neste contexto, importa recordar que a Carta, tal como dispõe no quinto considerando do seu Preâmbulo, «reafirma os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados‑Membros, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem». Por outras palavras, a Carta reproduz nada mais que o acervo atual em matéria de direitos fundamentais na União Europeia.

103. Apesar de ser possível reconhecer que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 93/104 — a disposição precedente do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 — serviu de modelo à redação do artigo 31.°, n.° 1, da Carta, não se deve daqui inferir que o direito a férias anuais mínimas remuneradas apenas foi estabelecido com a diretiva sobre o tempo de trabalho, na medida em que, pelo contrário, este direito há muito que é considerado, independentemente da duração do período de férias garantido, como um dos direitos sociais fundamentais reconhecidos pelo direito internacional.

Disposições de direito internacional

104. No plano internacional, este direito fundamental é referido, nomeadamente, no artigo 24.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem (98), que concede a toda a pessoa «o direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas». É também consagrado no artigo 2.°, ponto 3, da Carta Social do Conselho da Europa (99), bem como no artigo 7.°, alínea d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (100), como expressão do direito de cada pessoa a condições de trabalho justas. Também o ponto 8 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais dos Trabalhadores estipula o direito de todos os trabalhadores a férias anuais pagas (101). Este é sobretudo relevante devido ao facto de esta Carta possuir na prática jurisprudencial do Tribunal de Justiça uma importância essencial como fonte de interpretação. Com efeito, espelha as posições e tradições comuns dos Estados‑Membros e é considerada uma declaração de princípios fundamentais que a União e os Estados‑Membros pretendem respeitar (102). No âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como organismo especializado das Nações Unidas, o direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas foi, até à data, objeto de duas convenções multilaterais, sendo que a Convenção n.° 132 (103), em vigor desde 30 de junho de 1973, alterou a Convenção n.° 52 (104) até então aplicável. Estas convenções contêm disposições imperativas para os Estados contratantes a respeito da concretização deste direito social fundamental no âmbito das suas ordens jurídicas nacionais.

105. No entanto, estes múltiplos atos internacionais diferenciam‑se tanto em termos do seu conteúdo como ao nível do seu alcance normativo, uma vez que, em alguns casos, estão em causa tratados internacionais, enquanto noutros se trata simplesmente de declarações solenes sem efeitos vinculativos (105). O âmbito de aplicação pessoal varia igualmente, pelo que o círculo dos beneficiários não é, em caso algum, idêntico. Além disso, normalmente, é concedida aos Estados signatários, na qualidade de destinatários destes atos, uma grande margem de manobra quanto à sua execução, pelo que os indivíduos beneficiários não podem invocar diretamente o direito aqui em causa (106). No entanto, é significativo que, em todos esses atos internacionais, o direito a férias remuneradas seja reconhecido em termos inequívocos entre os direitos fundamentais dos trabalhadores.

Ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros

106. No plano do direito constitucional, os direitos sociais apresentam configurações muito diversas. Neste sentido, vários textos constitucionais, mas não todos, contêm garantias relativas às condições de trabalho que abrangem o direito dos trabalhadores ao repouso.

107. A título exemplificativo, o artigo 11.°, n.° 5, da Constituição luxemburguesa, e o artigo 40.°, n.° 2, da Constituição espanhola impõem ao Estado o dever de criar condições de trabalho saudáveis e de assegurar o repouso dos trabalhadores, e/ou de velar por isso (107). Uma regulamentação muito mais pormenorizada, que corresponde de forma mais aproximada à formulação do artigo 31.° da Carta, encontra‑se no artigo 36.° da Constituição italiana, que prevê, designadamente, um direito a um dia de descanso semanal e a férias anuais remuneradas. A Constituição portuguesa parece ter sido um dos modelos das disposições da Carta, uma vez que o seu artigo 59.°, n.° 1, alínea d), estabelece o direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas (108). No entanto, deve ser constatado que os direitos sociais fundamentais formulados de forma pormenorizada e subjetiva nos referidos textos constitucionais em geral apenas são entendidos como funções do Estado e não como direitos diretamente invocáveis (109).

108. Em contrapartida, na maioria dos antigos Estados‑Membros da União Europeia, o direito a um período mínimo de férias anuais remuneradas tem por base leis ordinárias que reproduzem as disposições relevantes de direito derivado previstas nas diretivas, no que diz respeito aos domínios de aplicação do direito comunitário. Isto aplica‑se, designadamente, ao direito alemão que, apesar de reconhecer o «princípio do Estado social», do qual derivam várias prescrições sociais mínimas, como objetivo do Estado no artigo 20.°, n.° 1, da sua Constituição, confia ao legislador a regulamentação das férias anuais (110). Independentemente deste facto, as constituições dos Länders alemães contêm um grande número de garantias e princípios sociais que, entre outros pontos, também prescrevem o dever do legislador do respetivo Land de definir um período de férias adequado e remunerado (111).

109. Em contrapartida, os novos Estados‑Membros, com exceção do Chipre, apresentam uma codificação muito pormenorizada deste direito. Isto é válido, nomeadamente, para o artigo 36.°, alínea f), da Constituição eslovaca, o artigo 66.°, n.° 2, da Constituição polaca, o artigo 70.°/B, n.° 4, da Constituição húngara, o artigo 107.° da Constituição letã, o artigo 41.°, n.° 2, da Constituição romena, o artigo 48.°, n.° 5, da Constituição búlgara, o artigo 13.°, n.° 2, da Constituição maltesa e o artigo 49.°, n.° 1, da Constituição lituana, que garantem expressamente um período mínimo de férias anuais remuneradas. As Constituições da Eslovénia (artigo 66.°), da República Checa (artigo 28.°) e da Estónia (artigo 29.°, n.° 4) fazem referência às condições de trabalho em geral (112).

—       Conclusões

110. Há muito que o significado do direito a férias remuneradas é reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Nos termos da jurisprudência constante, este direito deve ser considerado «um princípio do direito social da União que reveste particular importância» que não pode ser derrogado e cuja concretização pelas autoridades nacionais competentes só pode ser efetuada dentro dos limites expressamente estabelecidos pela própria Diretiva 2003/88. No entanto, até ao momento o Tribunal de Justiça ainda não resolveu, de forma incontestável, a questão de saber se o referido direito constitui um princípio geral de direito da União. O facto de não ser utilizada uma terminologia comum na jurisprudência para designar estes princípios gerais de direito (113) dificulta ainda mais uma qualificação unívoca.

111. A análise de direito comparado precedente demonstra, no entanto, que a ideia de que deve ser conferido aos trabalhadores um direito a repouso regular encontra‑se subjacente nas ordens jurídicas da União e dos seus Estados‑Membros. O facto de este princípio ter estatuto constitucional tanto a nível da União (114) como também em diversos Estados‑Membros (115) constitui, desde logo, um indício de que o referido direito assume uma posição destacada, sugerindo assim a sua qualificação como princípio geral de direito da União.

112. Neste âmbito, é irrelevante o facto de nem todos os Estados‑Membros lhe conferirem estatuto constitucional nos seus ordenamentos jurídicos (116), na medida em que é, pelo menos, considerado um elemento central do direito nacional, independentemente do facto de estarem em causa relações de trabalho de direito privado ou de direito público, o que, aliás, é também reconhecido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (117). Ao não se limitar a uma determinada área do direito, sendo, pelo contrário, intersectorial, isto é, aplicando‑se a uma variedade de áreas profissionais, tanto no domínio do direito do trabalho como também do direito da função pública, o direito a férias anuais reivindica um alcance geral que os princípios gerais de direito tipicamente possuem e que os diferencia das regras jurídicas específicas (118). O mesmo sucede no âmbito da legislação da União, na medida em que, tal como tive oportunidade de demonstrar nas minhas conclusões no processo Williams e o. (C‑155/10) (119), aquelas diretivas relativas à organização do tempo de trabalho que, em virtude das particularidades de domínios profissionais concretos, contêm regulamentações específicas de cada setor (120), que, nesta medida, podem ser consideradas lex specialis em relação às regras constantes da Diretiva 2003/88, também preveem disposições próprias relativas ao direito a férias.

113. Para além disso, o conteúdo do direito a férias anuais remuneradas apresenta um nível mínimo de precisão normativa, o que, em regra, é considerado um pressuposto para o reconhecimento como princípio geral de direito (121). Isso é confirmado, por um lado, por uma comparação com alguns princípios jurídicos reconhecidos na jurisprudência, como por exemplo o já referido «princípio da democracia» ou da «solidariedade», que se caracterizam pelo seu caráter abstrato, e, por outro, pelo grau de clareza da finalidade do direito. Independentemente da necessária configuração pelo legislador, o direito a férias anuais visa, no essencial, dispensar temporariamente o trabalhador do dever de trabalho contratual. Na medida em que o referido direito satisfaz as exigências mínimas no que respeita à precisão do seu conteúdo, cumpre também os pressupostos para ainda poder ser considerado um princípio geral de direito.

114. Tendo em consideração o acima exposto, pode concluir‑se que existem vários argumentos favoráveis à concessão ao direito a férias anuais do estatuto de princípio geral de direito na ordem jurídica da União.

—       Aplicabilidade do princípio geral de direito entre particulares

115. Importa ainda esclarecer se o referido princípio geral de direito também seria eventualmente aplicável numa relação entre particulares.

Possibilidade de princípio de uma aplicação direta

116. É reconhecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça que um particular pode invocar os princípios gerais de direito nas relações com o Estado (122). Ao invés, no que respeita à questão de princípio de saber se os direitos fundamentais são diretamente aplicáveis, como princípios gerais de direito, nas relações entre particulares, o Tribunal de Justiça até ao momento ainda não adotou uma posição expressa.

117. Esta questão merece uma atenção especial, sobretudo tendo em consideração o significado da proteção dos direitos fundamentais individuais. Com efeito, na medida em que, por um lado, seria possível argumentar, remetendo para a origem e a finalidade dos princípios gerais de direito, que estes visam, antes de mais, proteger o particular contra intervenções do poder público, o que levaria à negação de uma aplicação direta entre particulares. Por outro lado, seria possível defender o entendimento de que a oposição tradicional entre «público e privado» se afigura ultrapassada num Estado moderno. Efetivamente, é possível conceber situações em que a proteção de direitos fundamentais perante organismos privados é tão necessária como perante autoridades públicas, com a consequência de que o facto de não ser concedida proteção aos direitos fundamentais equivaleria a uma violação destes (123).

118. Esta situação verificar‑se‑ia, por exemplo, no caso de relações de trabalho como a do processo em apreço, tendo em consideração que uma relação de trabalho — independentemente da sua natureza de direito privado ou direito público — em regra se caracteriza por uma relação de poder assimétrica entre o empregador e o trabalhador (124). Na medida em que muitas vezes depende do acaso se o empregador é um sujeito de direito privado ou o poder público (125), seria difícil de justificar por que razão se deveria estabelecer uma diferença na proteção dos direitos fundamentais de acordo com a respetiva situação.

119. A favor da vinculação de particulares aos direitos fundamentais podem ser apresentados como princípios gerais de direito o princípio do efeito útil (effet utile) no direito da União e a unidade do sistema jurídico da União. Através da produção de efeitos em relação a terceiros dos direitos fundamentais poderia alcançar‑se uma maior eficácia do direito da União em determinadas áreas. Enquanto os Estados‑Membros, devido à sua vinculação aos direitos fundamentais, apenas podem interpretar o direito da União em conformidade com os direitos fundamentais, os particulares poderiam colocar em risco o efeito útil do direito da União no âmbito das suas relações jurídicas caso pudessem violar direitos fundamentais em áreas definidas pelo direito da União, residindo aí uma ameaça à unidade do direito da União (126).

120. Uma análise da jurisprudência anterior evidencia indícios neste sentido na argumentação do Tribunal de Justiça.

121. Do acórdão Defrenne, por exemplo, é possível retirar indícios no sentido de uma aplicabilidade direta de princípios gerais de direito nas relações entre particulares (127), tendo o Tribunal de Justiça concluído neste acórdão que o princípio consagrado no artigo 119.° do Tratado CEE (atual artigo 157.° TFUE) fundamenta um direito à igualdade de remuneração entre as trabalhadoras e os trabalhadores que os afetados poderiam invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais e isso de forma idêntica na relação com empregadores públicos ou privados.

122. Além disso, é possível retirar indícios favoráveis da jurisprudência relativa à aplicação das liberdades fundamentais em relação a particulares, nomeadamente do acórdão Walrave e Koch (128), no qual, o Tribunal de Justiça concluiu que a proibição da discriminação em razão da nacionalidade constante dos artigos 7.°, 48.° e 59.° do Tratado CEE (atuais artigos 18.°, 45.° e 56.° TFUE) não se aplica apenas a atos das autoridades públicas, abrangendo também todas as restantes medidas — no caso concreto de uma federação desportiva — destinadas a disciplinar, de forma coletiva, o trabalho assalariado e as prestações de serviços. O Tribunal de Justiça justificou a sua decisão com o facto de a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e à livre prestação de serviços poder ser comprometida caso os efeitos da supressão das barreiras de origem estatal pudessem ser neutralizados pelo facto de as associações ou os organismos de direito privado, por via do exercício da sua autonomia jurídica, imporem este tipo de obstáculos. Na medida em que, de resto, as condições de trabalho estão sujeitas, de acordo com cada Estado‑Membro, a uma regulamentação por lei e por regulamentos ou com base em contratos e outros negócios jurídicos que são celebrados e realizados por particulares, no caso de uma restrição a medidas estatais correr‑se‑ia o risco de a proibição em causa não ser aplicada uniformemente (129). Posteriormente, o Tribunal de Justiça concluiu, no acórdão Bosman (130), que as disposições de direito primário relativas à livre circulação dos trabalhadores também se aplicam às regras de transferência das federações internacionais de futebol FIFA («Fédération Internationale de Football Association») e UEFA («Fédération Européenne des Associations de Football»).

123. Por outro lado, é questionável que se possa, sem mais, retirar dos acórdãos Walrave e Koch, e Bosman, conclusões quanto a uma aplicação direta geral de direitos fundamentais sob forma de princípios gerais de direito na relação entre particulares, tendo em consideração que em ambos os processos estava em causa a aplicação das liberdades fundamentais a organizações privadas que, de certo modo, possuíam uma competência regulamentar e, por conseguinte, disponham de um estatuto de direito quase público. Neste sentido, seria defensável partir do princípio de que a decisão do Tribunal de Justiça foi justificada pelas circunstâncias particulares nos referidos processos. Caso se siga este entendimento, não seria possível estabelecer quaisquer paralelismos com o presente processo, tendo em consideração que a recorrente no processo principal não representa uma organização privada deste tipo dotada de competências regulamentares.

124. Como outro indício favorável a uma aplicação direta dos princípios gerais de direito na relação entre particulares poder‑se‑ia apresentar o acórdão no processo Angonese, que dizia respeito ao acesso ao emprego num banco privado, e em que o Tribunal de Justiça defendeu a posição de que «a proibição da discriminação em razão da nacionalidade, enunciada [no artigo 45.° TFUE], se aplica [...] às pessoas privadas» (131).

125. Neste contexto, não se pode deixar de referir o acórdão Kücükdeveci (132), em que o Tribunal de Justiça aplicou numa relação de trabalho entre particulares a proibição da discriminação em razão da idade, cujo estatuto como princípio geral de direito da União na ordem jurídica da União foi pela primeira vez reconhecido no acórdão Mangold (133). A este respeito, importa referir que, ao fundamentar a aplicabilidade direta do princípio geral de direito, o Tribunal de Justiça recorreu a uma abordagem própria, a qual, desde logo devido à sua natureza inovadora, necessita de uma análise mais pormenorizada em termos dogmáticos. Por conseguinte, deve, desde já, remeter‑se para as minhas posteriores apreciações (134) a respeito desta abordagem, que irei analisar de forma específica e pormenorizada.

126. Em resumo, importa constatar que, nos termos da referida jurisprudência, não se pode, por princípio, excluir uma aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sob forma de princípios gerais de direito nas relações entre particulares (135).

Risco de uma apreciação contraditória em relação às disposições da Carta

127. Com a entrada em vigor da Carta, o direito a férias anuais remuneradas passa a ter a sua base jurídica no artigo 31.°, n.° 2, da mesma. Um princípio geral de direito a desenvolver pelo Tribunal de Justiça, possivelmente com base nas considerações precedentes, que previsse no essencial o mesmo direito poderia, no entanto, continuar a subsistir de forma autónoma, na medida em que o artigo 6.° TUE apresenta expressamente, e lado a lado, a Carta e os direitos fundamentais enquanto princípios gerais de direito nos n.os 1 e 3 (136). No que respeita à relação dos direitos constantes da Carta com os direitos resultantes dos princípios gerais de direito é possível deduzir das referidas disposições que possuem igual valor (137). Por conseguinte, também podem ser aplicados cumulativamente, de modo a que o particular não seja impedido de invocar a garantia mais abrangente. Em termos de conteúdo, acabam por ser em grande medida idênticos, na medida em que, por um lado, tal como resulta do seu preâmbulo, a Carta visa reafirmar os direitos que decorrem das fontes de interpretação jurídica a que o Tribunal de Justiça recorre, e, por outro, a Carta fornece indícios quanto ao conteúdo das tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros. No entanto, não se pode excluir que os direitos fundamentais derivados e desenvolvidos com base nos princípios gerais de direito apresentem um âmbito de proteção mais amplo do que os da Carta (138).

128. Caso se parta seguidamente do princípio de uma aplicação paralela dos direitos fundamentais resultantes da Carta e dos princípios gerais de direito na ordem jurídica da União importa recordar que a aplicação direta de um princípio geral de direito que prevê um direito a férias anuais comporta, pelo menos num litígio entre particulares, o risco de uma apreciação contraditória. Tal como já foi exposto, o artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta deve ser interpretado no sentido de que o direito fundamental a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 31.°, n.° 2, da Carta não se aplica diretamente entre particulares. Caso se permitisse aos particulares invocar em simultâneo o princípio geral de direito, estar‑se‑ia a contornar a restrição do círculo de sujeitos vinculados aos direitos fundamentais definido pelo legislador da União na Carta.

129. No entanto, a exigência de uma proteção coerente dos direitos fundamentais exige que ambos os direitos fundamentais sejam interpretados de forma o mais possível concertada (139). Na medida em que os direitos fundamentais resultantes dos princípios gerais de direito e sobretudo a jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito devem ser integrados na interpretação dos direitos fundamentais constantes da Carta, de acordo com o disposto no quinto considerando do preâmbulo da Carta, não pode existir qualquer contradição em termos de conteúdo entre as duas categorias de direitos fundamentais. Pelo contrário, é necessária uma interpretação harmonizadora, sempre que o direito fundamental resultante da Carta o permitir (140).

130. No presente processo, em caso de aplicação direta do princípio geral de direito na relação entre trabalhadores e empregadores não seria possível recorrer a uma interpretação harmonizadora. A decisão do legislador da União de apenas garantir indiretamente a proteção dos direitos fundamentais — no processo principal por via do artigo 31.°, n.° 2, da Carta — através da imposição de um dever de proteção da União e dos seus Estados‑Membros poderia ser comprometida caso fosse, por via dos princípios gerais de direito não escritos, possível produzir efeitos em relação a terceiros, incluindo o direito de exigir do juiz nacional que não aplique direito nacional contrário ao direito da União também nas relações entre particulares. De forma a evitar uma apreciação contraditória, ter‑se‑ia de negar uma aplicação direta do princípio geral de direito (141).

131. Importa igualmente sublinhar que estas considerações apenas são válidas na medida em que o direito fundamental resultante do artigo 31.°, n.° 2, da Carta e o princípio geral de direito constituam o mesmo direito fundamental ou direitos fundamentais com o mesmo âmbito de proteção. Tal como foi exposto previamente, não é, contudo, de excluir que os direitos fundamentais decorrentes dos princípios gerais de direito e que se continuam a desenvolver confiram uma proteção mais abrangente do que os direitos fundamentais da Carta. Num caso destes, a contradição em relação ao artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta, tornar‑se‑ia, em determinadas circunstâncias, obsoleta.

132. As seguintes considerações apenas são válidas para o caso de o Tribunal de Justiça não considerar que a aplicação de um princípio geral de direito orientado para a concessão de férias anuais remuneradas nas relações entre particulares representa uma contradição em relação ao artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta.

—       Aplicabilidade ao direito a férias anuais remuneradas

133. Na medida em que não pode ser excluída, por princípio, uma aplicação direta de direitos fundamentais enquanto princípios gerais de direito nas relações entre particulares, importa agora analisar se estão preenchidos os requisitos para tal.

Concessão de um direito subjetivo

134. Neste sentido, o direito a férias anuais remuneradas em causa no presente processo deveria começar por visar a concessão de direitos subjetivos. Tal como já foi exposto, o princípio geral de direito confere um direito subjetivo ao fundamentar um direito do trabalhador em relação ao empregador, que consiste, no essencial, na dispensa temporária do trabalhador do dever de trabalho contratual de forma a obter um período adequado para o repouso. Neste sentido, satisfaz o primeiro requisito relativo a uma aplicação direta.

Conteúdo incondicional e suficientemente preciso

135. Para além disso, o princípio geral de direito deveria ser, atento o seu conteúdo, incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado em relação ao empregador como pessoa privada. Uma disposição revela‑se, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicional quando é aplicável sem reservas e sem qualquer condição e não necessita de quaisquer outras medidas por parte das instituições dos Estados‑Membros ou da União (142). Uma disposição é suficientemente precisa quando enuncia uma obrigação em termos inequívocos (143), ou seja, deve ser juridicamente completa por si própria e, como tal, passível de ser aplicada perante qualquer órgão jurisdicional (144).

136. É questionável se estes requisitos estão cumpridos no caso do direito a férias anuais remuneradas, na medida em que ainda está por esclarecer o alcance efetivo do âmbito de proteção do princípio geral de direito. Na medida em que o seu alcance não está, desde logo, precisado de forma clara e definitiva, seria necessário analisar em cada caso concreto se o âmbito de proteção eventualmente é afetado por uma medida da União e/ou dos seus Estados‑Membros. Uma função deste tipo competiria ao Tribunal de Justiça chamado a interpretar os princípios gerais de direito da União (145).

137. Para ser suficientemente preciso, o princípio geral de direito deveria abranger vários aspetos do direito a férias anuais remuneradas, os quais deveriam, no entanto, apenas ser regulados pelo próprio legislador para ter suficientemente em consideração as exigências do tempo de forma adequada e flexível. Apenas para enumerar uns quantos exemplos, os aspetos que devem ser regulamentados dizem respeito, por um lado, ao número de dias de férias a conceder, colocando‑se neste âmbito a questão de saber se está em causa um número de dias fixado de forma precisa ou, pelo contrário, um número mínimo de dias. Para além disso, para ser diretamente aplicável em relação ao empregador o princípio geral de direito deveria determinar de que forma os dias de férias devem ser distribuídos durante o ano para que as férias anuais possam cumprir a sua função de repouso. O princípio geral de direito deveria ainda ter em consideração as especificidades de cada setor económico, incluindo, caso necessário, regulamentações específicas de cada setor para determinadas áreas de atividade.

138. O facto de tal não ser possível torna‑se evidente, porque, por um lado, não é possível que exista um princípio geral de direito de tal forma abrangente sem que, em simultâneo, se colocasse em causa a delimitação do conceito em relação às regras jurídicas específicas (146). Por outro lado, importa recordar que a regulamentação destas especificidades se inclui na competência primordial do legislador. Também por este motivo as constituições daqueles Estados‑Membros que reconhecem expressamente como direito fundamental o direito a férias anuais remuneradas deixam ao critério do legislador nacional a definição das modalidades de execução. O mesmo sucede ao nível da União na relação entre o artigo 31.° da Carta e a Diretiva 2003/88.

139. Em conformidade com os Tratados, a competência legislativa da União é exercida conjuntamente pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. As prerrogativas de regulamentação de que como legislador dispõem no domínio do direito a férias como parte do direito social da União deve ser preservada em todo o caso, o que é imposto não apenas pelas razões práticas acima expostas, mas também pelo equilíbrio institucional no seio da União. Este equilíbrio institucional não assenta no princípio da separação de poderes, na aceção do direito constitucional, mas sim no princípio da separação de competências, segundo o qual as competências da União devem ser exercidas pelos órgãos que, nos termos do Tratado, dispõem das melhores condições para o efeito. Ao contrário do princípio da separação de poderes, que tem designadamente como objetivo a proteção do indivíduo através da moderação do poder público, o princípio da separação de competências visa alcançar em termos efetivos os objetivos da União (147).

140. Tal como expus nas minhas conclusões no processo Audiolux (C‑101/08), o Tribunal de Justiça, enquanto instituição da União na aceção do artigo 12.°, n.° 1, UE, é, também ele, parte deste equilíbrio institucional (148). Esta circunstância implica que, na sua qualidade de órgão jurisdicional da União que é chamado a assegurar, no âmbito das suas competências, o respeito do direito na interpretação e aplicação do Tratado, respeite as competências do Conselho e do Parlamento no domínio legislativo (149). Isto pressupõe necessariamente que, por um lado, mantenha intocada a competência do legislador da União, que lhe foi atribuída pelo Tratado, de legislar em matéria de organização do tempo de trabalho e que, por outro lado, continue a atuar com as cautelas necessárias em matéria de desenvolvimento de princípios gerais de direito da União, que possam em certos casos contrariar os objetivos do legislador.

141. Neste sentido, a aplicação direta de um princípio geral de direito com o conteúdo de um direito do trabalhador a férias anuais remuneradas em relação ao empregador pressuporia, antes de mais, que o Tribunal de Justiça lhe confira, por via interpretativa, um conteúdo normativo suficientemente preciso, o que faria com que este, tendo em consideração as muitas regulamentações necessárias, acabasse por assumir competências que, por tradição, estão reservadas ao legislador da União. Na medida em que tal não é permitido, pelas razões acima enunciadas, é de partir do pressuposto de que o presente princípio geral de direito, pelo menos na sua forma pura, não pode ser considerado incondicional no seu conteúdo, necessitando, pelo contrário, de uma configuração legal por parte do legislador.

142. Por conseguinte, o princípio geral de direito não cumpre as condições para poder ser diretamente aplicável nas relações entre particulares.

—       Conclusão

143. Das considerações precedentes resulta que o órgão jurisdicional de reenvio não se pode basear num princípio geral de direito para não aplicar, num litígio entre particulares, direito nacional contrário ao direito da União, que não permite uma interpretação conforme com a diretiva.

iii) Aplicação do princípio geral de direito tal como é concretizado pela Diretiva 2003/88

144. Uma outra abordagem possível consistiria em aplicar o princípio geral de direito acima referido tal como é concretizado pela Diretiva 2003/88 (150).

—       A abordagem do Tribunal de Justiça no acórdão Kücükdeveci

145. No acórdão Kücükdeveci, para o qual algumas partes remeteram nas suas observações, o Tribunal de Justiça recorreu a uma abordagem semelhante e confirmou a obrigação de cada órgão jurisdicional nacional de fazer cumprir o princípio da não discriminação em razão da idade, como concretizado pela Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (151), devendo não aplicar, quando necessário, todas as disposições do direito nacional contrárias a este princípio (152).

146. Com a referida declaração, o Tribunal de Justiça alargou o princípio do primado do direito da União em relação ao direito nacional às denominadas relações horizontais (153), estando esta abordagem em conformidade com a jurisprudência atual em relação à inexistência de efeito direto horizontal das diretivas (154), na medida em que o Tribunal de Justiça não decidiu, nomeadamente, que a Diretiva 2000/78 deve ser aplicada numa relação entre particulares, mas sim apenas a proibição da não discriminação em razão da idade nela concretizada, que — tal como já foi declarado no acórdão Mangold (155) — enquanto aplicação específica do princípio geral da igualdade de tratamento representa um princípio geral de direito da União (156). A abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kücükdeveci assenta, no essencial, na consideração de que, atendendo aos interesses da proteção jurídica individual, bem como à eficácia do direito da União, um princípio geral de direito como o princípio da não discriminação em razão da idade também deve ser imposto de forma consequente ao nível nacional (157). De um ponto de vista dogmático, esta abordagem representa um desenvolvimento da jurisprudência Mangold.

147. De acordo com as considerações do Tribunal de Justiça, uma aplicação direta da proibição de discriminação em razão da idade, tal como é concretizada pela Diretiva 2000/78, numa relação entre particulares apenas é manifestamente tida em conta caso sejam cumpridos determinados requisitos. Em primeiro lugar, o processo principal deve dizer respeito a uma desigualdade de tratamento em razão da idade não objetivamente justificada, o que deve ser averiguado com base nos pressupostos factuais da Diretiva 2000/78 (158). Em segundo lugar, a respetiva regulamentação nacional deve abranger um domínio regulado pela diretiva (159).

—       Transponibilidade desta abordagem para o direito a férias anuais

Requisitos de aplicação

148. Uma aplicação analógica desta abordagem ao processo principal, de forma a conceder ao órgão jurisdicional nacional o poder de deixar inaplicado, caso necessário, direito nacional contrário ao direito da União, pressuporia, entre outros pontos, que o direito a férias anuais remuneradas possuísse, para além da sua codificação em matéria de direito derivado no artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88, o estatuto de um princípio geral de direito na ordem jurídica da União, a favor do qual se apresentam os argumentos já referidos (160).

149. Um outro requisito diz respeito à existência de uma relação de trabalho, que se verifica manifestamente no processo principal. Para além disso, deveria existir um direito a férias de acordo com os pressupostos da diretiva, que garantiria que o princípio geral de direito não se aplicasse sem restrições, mas apenas na medida em que a regulamentação nacional em causa se inclua no âmbito de aplicação da Diretiva 2003/88. Também este requisito está cumprido no processo principal, na medida em que o objeto das regulamentações controvertidas é constituído por uma condição para o gozo de férias anuais definida pelo legislador nacional (161).

150. Para que o princípio geral de direito seja ativado e possa ser oposto ao direito nacional, seria ainda necessário que existisse uma violação do direito a férias consagrado na diretiva, o que já foi confirmado no âmbito das minhas apreciações em relação à primeira questão prejudicial (162).

151. Considerados de um ponto de vista formal, os requisitos para uma aplicação direta do direito a férias anuais enquanto princípio geral de direito, tal como é concretizado pela Diretiva 2003/88, estão na verdade cumpridos. No entanto, parece pertinente refletir sobre as vantagens e as desvantagens de uma abordagem deste tipo, antes de sequer se considerar uma aplicação de tal abordagem no presente litígio (163).

Vantagens e desvantagens de uma abordagem deste tipo

152. A presente abordagem apresenta a vantagem de eliminar as referidas insuficiências de uma aplicação direta do princípio geral de direito na sua forma pura (164), o que se aplica sobretudo quanto à necessidade de «suficiente precisão». Na medida em que a diretiva concretiza o princípio geral de direito, este alcança a precisão suficiente em termos de conteúdo considerada necessária para uma aplicação direta.

153. No entanto, no que respeita à correção dogmática desta abordagem importa referir determinadas dúvidas que irei esclarecer de seguida.

Risco de confusão das fontes jurídicas

154. As minhas dúvidas prendem‑se, antes de mais, com o facto de não poder ser excluída a existência de um risco de confusão inadmissível das fontes jurídicas de hierarquias diferentes no seio da ordem jurídica da União, que resulta de uma aplicação combinada do princípio geral de direito e da diretiva.

155. Considerada de forma objetiva, esta abordagem baseia‑se, no essencial, no pressuposto de que o conteúdo do princípio geral de direito terá sido consagrado no conteúdo da diretiva e de que, por conseguinte, se torna desnecessária uma determinação autónoma deste conteúdo por via de uma interpretação. Neste sentido, presume‑se que o âmbito de proteção do princípio geral de direito é, em grande medida, idêntico ao da disposição da diretiva que o concretiza (165).

156. A presente abordagem apresenta, no entanto, a desvantagem de deixar integralmente em aberto o alcance efetivo do âmbito de proteção do respetivo princípio geral de direito e a questão de saber se a diretiva possivelmente contém regulamentações mais amplas que não estão abrangidas pelo âmbito de proteção (166). O pressuposto no qual esta abordagem se baseia é ilusória, dado não apenas não ser, de forma alguma, obrigatório um paralelismo entre o conteúdo da diretiva e o do direito primário, constituindo este, pelo contrário, uma exceção, na medida em que o direito derivado em regra irá conter regulamentações mais amplas (167). Isso afigura‑se problemático, na medida em que, num caso deste tipo, não se poderia considerar um recurso a esta abordagem. Caso a presente abordagem vise efetivamente a aplicação do princípio geral de direito, tal como é postulado pelo Tribunal de Justiça, seria correto do ponto de vista dogmático começar por proceder a uma determinação autónoma do seu conteúdo em vez de partir das disposições da diretiva para o conteúdo do princípio geral de direito (168).

157. Na medida em que, de acordo com a presente abordagem, se acaba por recorrer à diretiva e não ao próprio princípio geral de direito como ponto de partida para a determinação do âmbito de proteção da norma (169), esta opção apresenta o risco de um número crescente de conteúdos normativos da diretiva serem considerados como parte integrante do princípio geral do direito. Por outras palavras, teoricamente a diretiva poderia desenvolver‑se numa fonte inesgotável de interpretação jurídica para o enriquecimento do âmbito de proteção do princípio geral de direito, o que, a longo prazo, levaria a uma fusão das fontes jurídicas de diferentes hierarquias (170). Este procedimento acabaria por provocar uma «paralisação» irreversível dos conteúdos normativos em causa. Com efeito, através da incorporação de um número crescente de conteúdos normativos da diretiva no âmbito de proteção do princípio geral de direito seria retirada ao legislador a possibilidade de aplicar alterações à diretiva, tendo em consideração que este tipo de conteúdos normativos obteria o estatuto do direito primário, sobre o qual este não pode atuar.

158. Tendo em consideração que o direito a férias anuais remuneradas constitui um direito social fundamental que — de acordo com a sua natureza — necessita em grande medida de uma concretização e, para além disso, frequentemente apenas pode ser concedido na dependência da correspondente realidade económica e social (171), esta abordagem poderia ter efeitos difíceis de prever para a União e os seus Estados‑Membros. Importa referir que a concretização de um princípio geral de direito deste tipo exige uma certa flexibilidade por parte do legislador, na medida em que o entendimento na sociedade sobre o que deve ser considerado «social» ou «socialmente justo» se pode, por um lado, alterar no decurso do tempo e, por outro, frequentemente se irá basear em compromissos (172). Para além disso, não se pode deixar de referir que a concretização da ideia de Estado social dependerá da respetiva situação económica na União e nos seus Estados‑Membros. Por conseguinte, é importante evitar uma cristalização dos padrões sociais sem ter em consideração a realidade económica e social.

159. Tal não pode, no entanto, ser entendido no sentido de que a União não tenha considerado a dimensão social da integração. A promoção da coesão social na aceção da ideia de «solidariedade» é e continua a ser um objetivo importante da integração europeia, tal como é possível depreender inequivocamente do artigo 2.° TUE (a «solidariedade» como valor da União) e do artigo 3.°, n.° 3, TUE («combate à exclusão social»; «justiça social»; «proteção social»; «igualdade entre homens e mulheres»; «solidariedade entre as gerações»; «proteção dos direitos da criança»), bem como do artigo 9.° TFUE («promoção de um nível elevado de emprego»; «garantia de uma proteção social adequada»; «luta contra a exclusão social»). Importa pelo contrário, respeitar a margem de manobra de que goza o legislador da União no exercício do seu dever de proteção decorrente dos direitos fundamentais.

Falta de concretização definitiva por parte da diretiva

160. Mesmo que o Tribunal de Justiça não partilhasse destas dúvidas, seria questionável que a abordagem utilizada no acórdão Kücükdeveci pudesse ser transposta para o processo principal, tendo em consideração que a Diretiva 2003/88 não concretiza de forma suficiente o princípio geral de direito de forma a permitir a sua aplicação direta nas relações entre particulares.

161. A Diretiva 2003/88 não prevê apenas uma série de regulamentações especiais, ao permitir designadamente no seu artigo 15.° a introdução de disposições dos Estados‑Membros mais favoráveis ou no artigo 17.° derrogações e exceções de algumas disposições centrais das diretivas (173), conferindo, para além disso, uma ampla margem de manobra aos Estados‑Membros. O artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 prevê expressamente que os Estados‑Membros devem tomar «as medidas necessárias» para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas, «de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais». As respostas concretas a questões essenciais do direito a férias, como por exemplo quanto tempo de férias deverá ser concedido, não resultam diretamente nem da diretiva nem do teor do artigo 31.°, n.° 2, da Carta (174), que, no que respeita às garantias do direito fundamental a férias anuais, ainda é mais sucinto do que a regulamentação de transposição relevante do artigo 7.° da Diretiva 2003/88.

162. Este ponto revela uma diferença essencial em relação às proibições de discriminação, em relação às quais foi desenvolvida a abordagem aplicada no acórdão Kücükdeveci. As proibições de discriminação apresentam a particularidade de o seu conteúdo decisivo ser, no essencial, idêntico tanto ao nível do direito primário como do direito derivado. A questão de saber o que é uma discriminação também pode ser analisada através de uma interpretação das proibições de discriminação de direito primário. Neste sentido, as regras das diretivas não são mais do que uma formulação mais detalhada dos princípios de direito primário. Apenas ao regular o âmbito de aplicação pessoal e material, bem como as consequências jurídicas e os processos, as diretivas lidam com regulamentações que, em termos de conteúdo, não podem, sem mais, ser diretamente deduzidas do direito primário. A questão afigura‑se diferente no caso dos direitos fundamentais dos trabalhadores constantes dos artigos 27.° e seguintes da Carta, na medida em que estes visam, desde logo, uma concretização por parte do legislador (175).

163. Tendo em consideração o facto de a Diretiva 2003/88 não regular de forma definitiva o direito a férias anuais, remetendo em grande medida para o direito nacional, levanta‑se a questão de saber se na concretização do princípio geral de direito se pode igualmente recorrer ao direito de transposição nacional. Na minha opinião, esta abordagem enfrentaria, no entanto, vários obstáculos, na medida em que, tendo em consideração a diversidade de regulamentações nacionais no domínio do direito a férias não seria apenas a praticabilidade de uma abordagem deste tipo a levantar dúvidas. Para além disso, não seria assegurada a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados‑Membros.

Falta de segurança jurídica para os particulares

164. Por outro lado, levantam‑se dúvidas no que respeita à compatibilidade desta abordagem com o princípio da segurança jurídica, que representa igualmente um princípio geral de direito da União (176). Tal como Tribunal de Justiça já esclareceu repetidamente, o princípio da segurança jurídica exige que uma regulamentação que acarrete consequências desfavoráveis para os particulares seja clara e precisa e a sua aplicação previsível para os sujeitos de direito (177). Na medida em que um particular nunca poderá, no entanto, ter a certeza quando um princípio geral de direito não escrito, na sua concretização pela respetiva diretiva, prevalecerá sobre o direito nacional escrito, da sua perspetiva existiria uma insegurança semelhante no que respeita à validade do direito nacional como no caso de uma aplicação direta da diretiva numa relação entre particulares, que o Tribunal de Justiça, tal como é frequentemente recordado na sua jurisprudência (178), pretende precisamente evitar (179). Sobretudo no âmbito do direito do trabalho, que regula as especificidades de um número de relações de trabalho difícil de calcular, as consequências serão bastante consideráveis.

165. Isto porque existe o risco, que não pode ser excluído, de os órgãos jurisdicionais nacionais se poderem considerar obrigados, em virtude desta abordagem, a afastar direito nacional que de alguma forma está coberto pelo âmbito regulamentar de uma diretiva mas que foi adotado sem qualquer relação com a diretiva, com a justificação de que as disposições da diretiva em causa concretizam princípios gerais de direito da União ou representam bens jurídicos com um estatuto de direito primário (180), independentemente do facto de disporem, nos termos do direito nacional, de uma competência correspondente para recusar essa aplicação. Este risco ainda se torna mais premente se considerarmos que do acórdão Kücükdeveci resulta expressamente que numa situação deste tipo o juiz nacional não está obrigado a submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial (181).

166. Caso esta abordagem se consiga impor na jurisprudência do Tribunal de Justiça, seria conferida uma posição às diretivas que não lhes compete nos termos da conceção do direito primário. Transformar‑se‑iam numa via de entrada para o direito primário, indo muito além do domínio que os órgãos da União lhes tinham concedido e pretendido conceder. Em combinação com a consequência em matéria de direito primário da não aplicação da norma nacional e com a competência dos órgãos jurisdicionais de qualquer instância para não aplicar a norma sem uma submissão prévia de uma decisão prejudicial, aceite pelo Tribunal de Justiça, esta situação provocaria uma erosão considerável das disposições nacionais, tendo em consideração que um grande número de matérias jurídicas é, de alguma forma, influenciado por diretivas.

167. Por conseguinte, levanta muitas dúvidas que esta situação seja compatível com o sistema legislativo e de aplicação do direito criado pelos Tratados.

Risco de uma apreciação contraditória em relação às disposições da Carta

168. A minha objeção apresentada quanto ao risco de uma apreciação contraditória em relação ao artigo 51.° da Carta (182) no contexto de uma aplicação direta do princípio geral de direito aplica‑se de forma correspondente ao caso do recurso a esta abordagem. Neste sentido, remeto para as minhas considerações relativas a esta problemática. A restrição do círculo de vinculados ao direito fundamental definida no artigo 51.°, n.° 1, da Carta também se opõe, por conseguinte, a uma aplicação do princípio geral de direito tal como é concretizado pela Diretiva 2003/88.

—       Conclusão

169. Face ao exposto, chego à conclusão de que uma aplicação direta do princípio geral de direito, tal como sucedeu no acórdão Kücükdeveci, para afastar direito nacional contrário ao direito da União não seria possível no processo principal.

c)      Conclusão definitiva

170. Em resumo, concluo que o direito da União não confere ao órgão jurisdicional nacional qualquer possibilidade de não aplicar a regulamentação controvertida numa relação entre particulares. Na medida em que a questão prejudicial está formulada no sentido de pedir, no fundo, esclarecimentos quanto à questão de saber se existe uma obrigação do juiz nacional neste sentido, imposta pelo direito da União, deverá responder‑se à questão que, na falta de exigências em matéria de direito da União, o juiz nacional não está a isso obrigado.

3.      Responsabilidade subsidiária do Estado‑Membro por violação do direito da União

171. Caso seja constatado — tal como sucede no processo principal — que existe uma violação do direito da União devido a uma transposição incorreta do artigo 7.° da Diretiva 2003/88, não sendo, no entanto, possível que o juiz nacional declare a inaplicabilidade da regulamentação nacional contrária ao direito da União, tal não significa que a recorrente no processo principal esteja desprovida de qualquer direito.

172. Tal como já foi sugerido previamente (183), a recorrente no processo principal tem a possibilidade de intentar contra o Estado‑Membro que violou o Tratado uma ação fundada em responsabilidade de forma a obter a aplicação do seu direito a férias anuais decorrente do direito da União. O instituto jurídico da responsabilidade do Estado, consagrado no direito da União, permite compensar os cidadãos num caso deste tipo, ao impor ao Estado‑Membro a obrigação de reparar os danos sofridos pelas violações estatais do direito da União.

173. O direito da União reconhece um direito a indemnização caso estejam cumpridas três condições: a regra de direito violada tem por objeto conferir direitos aos particulares, a violação é suficientemente caracterizada e existe um nexo de causalidade direta entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e os danos sofridos pelos lesados (184). No acórdão Dillenkofer e o. (185), tendo sobretudo em vista situações em que faltavam medidas de transposição de uma diretiva, o Tribunal de Justiça formulou, a título complementar, a primeira condição de modo ligeiramente diferente — ou seja, que o resultado prescrito pela diretiva deve abranger a concessão de direitos aos particulares, cujo conteúdo possa ser identificado com base em disposições da diretiva — realçando, no entanto, que ambas as formulações eram, no essencial, idênticas (186).

174. No que respeita à repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais da União e os órgãos jurisdicionais nacionais, importa referir que, em princípio, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se estão reunidas as condições no caso concreto para que se verifique a responsabilidade do Estado‑Membro por violação do direito da União (187). A questão da existência e do âmbito da responsabilidade de um Estado, por danos decorrentes de uma violação deste tipo, por seu lado, tem a ver com a interpretação do Tratado, que, enquanto tal, é da competência do Tribunal de Justiça (188).

4.      Conclusão

175. Tendo em consideração o acima exposto, deve responder‑se à segunda questão prejudicial que o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 não obriga o juiz nacional que conhece de um litígio entre particulares a não aplicar uma disposição nacional que submete o direito a férias anuais remuneradas a um período mínimo de trabalho efetivo de pelo menos dez dias durante o ano de referência e que não permite uma interpretação conforme com a diretiva.

C —    Quanto à terceira questão prejudicial

176. Ao formular a sua terceira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio parte aparentemente de um determinado enquadramento jurídico nacional que prevê um direito a férias anuais de duração diversa, em função da causa da ausência por razões de saúde do trabalhador, sendo de referir que se distingue manifestamente entre as origens acidente de trabalho, doença profissional, acidente in itinere ou doença não profissional. Da decisão de reenvio não resulta qual a respetiva duração das férias. Apenas se estabelece que o referido enquadramento jurídico em determinadas circunstâncias prevê uma maior duração das férias anuais, superior à duração mínima de quatro semanas prevista pela diretiva.

177. Já no âmbito das minhas considerações em relação à primeira questão prejudicial tinha exposto que o direito a férias anuais remuneradas garantido no artigo 7.° da Diretiva 2003/88 se constitui independentemente do facto de o trabalhador ter estado ausente por motivo de doença no período pertinente, desde que estivesse devidamente de baixa de trabalho (189). Tal como o órgão jurisdicional de reenvio refere corretamente na sua decisão de reenvio, o artigo 7.° da Diretiva 2003/88 não estabelece uma distinção entre a origem da ausência por motivo de doença. Pelo contrário, no que respeita ao direito a férias anuais remuneradas esta disposição aplica‑se a «todos os trabalhadores». Por conseguinte, de acordo com o disposto no artigo 7.°, n.° 1, todos os trabalhadores, incluindo aqueles que estão de baixa de trabalho pelos motivos acima enunciados, dispõem de férias anuais mínimas de quatro semanas.

178. Isto não significa, no entanto, que os Estados‑Membros estejam impedidos de definir, nas suas disposições nacionais, férias anuais cuja duração ultrapassasse o período determinado pelo direito da União, na medida em que este apenas representa um período mínimo, tal como é desde logo revelado pelo teor da disposição. Esta disposição deve ser interpretada em conjugação com o objetivo geral da Diretiva 2003/88, que, de acordo com o disposto no artigo 1.°, n.° 1, consiste em estabelecer «prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho» e, para além disso, de acordo com o artigo 15.°, não impede os Estados‑Membros de «aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou de promoverem ou permitirem a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores». Daqui é possível deduzir o poder dos Estados‑Membros de introduzirem regulamentações em matéria de direito a férias anuais remuneradas mais favoráveis do que o previsto no direito da União.

179. A Diretiva 2003/88 também não impede os Estados‑Membros de fazer depender as regulamentações que preveem um tratamento mais favorável de determinadas condições, desde que não se afete a proteção mínima garantida na diretiva. Neste contexto, importa recordar o acórdão Merino Gómez (190), em que o Tribunal de Justiça esclareceu que o artigo 7.°, n.° 1, da diretiva, segundo o qual os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias «de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais», deve ser entendido no sentido de que significa que «as modalidades de aplicação nacionais devem, de qualquer forma, respeitar o direito a férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas» (191). No que respeita à problemática do processo principal, isto significa que, por princípio, um Estado‑Membro tem a liberdade de tratar de forma diferente os trabalhadores no que respeita ao período mínimo de férias anuais de acordo com a origem da sua ausência por motivo de doença, desde que o período determinado não seja inferior à duração mínima de quatro semanas prescrita pelo artigo 7.°, n.° 1, da diretiva.

180. Das disposições que regulam o direito à baixa por doença e as modalidades do seu exercício também não é possível deduzir eventuais exigências que pudessem conduzir a uma apreciação diferente, na medida em que o referido direito, tal como o Tribunal de Justiça concluiu corretamente no acórdão Schultz‑Hoff e o. «não é, no atual estado do direito da União, regido por este último» (192), estando este direito sujeito à competência regulamentar dos Estados‑Membros. Por conseguinte, estes têm a liberdade de adotar regulamentações que eventualmente também tenham por efeito a redução da duração das férias anuais, desde que seja sempre cumprida a condição do respeito da duração mínima de quatro semanas das férias anuais definida pela Diretiva 2003/88.

181. A impossibilidade de contabilizar o período de ausência por motivo de doença para efeitos de período de serviço em virtude das exigências do direito nacional, tal como sucede no caso do acidente in itinere ou da doença não profissional, não pode incidir negativamente sobre as férias anuais mínimas de quatro semanas. É de concordar com o Governo francês (193) que esta situação, caso necessário, deve ser evitada através da concessão ao trabalhador da possibilidade de gozar a posteriori as suas férias durante um período de acumulação adequadamente longo que tem em consideração o objetivo de repouso da Diretiva 2003/88. Tal como o Tribunal de Justiça concluiu no acórdão Federatie Nederlandse Vakbeweging (194), para que produzam plenamente o efeito positivo para a segurança e saúde do trabalhador, as férias anuais devem, por princípio, ser gozadas no ano previsto para o efeito, isto é, o ano em curso. Contudo, este tempo de repouso não perde o seu interesse quanto a este aspeto se for gozado num período subsequente, nomeadamente durante o período de acumulação.

182. Tendo em consideração o acima exposto, concluo que o artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a legislações e/ou práticas nacionais que preveem uma duração diferente das férias anuais remuneradas em função da causa da ausência do trabalhador, desde que seja sempre garantida a duração mínima de quatro semanas prevista na referida disposição da diretiva.

VII — Conclusão

183. Tendo em conta as observações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às questões colocadas pela Cour de cassation:

«1.      O artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais que fazem depender o direito a férias anuais remuneradas de um período de trabalho efetivo mínimo de dez dias (ou de um mês) durante o período de referência.

2.      O artigo 7.° da Diretiva 2003/88 não obriga o juiz nacional que conhece de um litígio entre particulares a não aplicar uma disposição nacional que submete o direito a férias anuais remuneradas a um período mínimo de trabalho efetivo de pelo menos dez dias durante o ano de referência e que não permite uma interpretação conforme com a diretiva.

3.      O artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a legislações e/ou práticas nacionais que preveem uma duração diferente das férias anuais remuneradas em função da causa da ausência do trabalhador, desde que seja sempre garantida a duração mínima de quatro semanas prevista na referida disposição da diretiva.»


1 —      Língua original: alemão.


2 —      JO L 299, p. 9.


3 —      Acórdão de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C‑555/07, Colet., p. I‑365).


4 —      Por analogia com as designações utilizadas no TUE e no TFUE, o conceito de «direito da União» é utilizado para designar o conjunto do direito comunitário e do direito da União. Na sequência das presentes conclusões, sempre que estiverem em causa disposições isoladas de direito primário, serão indicadas as disposições aplicáveis ratione temporis.


5 —      Acórdão de 26 de junho de 2001, BECTU (C‑173/99, Colet., p. I‑4881).


6 —      Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, Colet., p. I‑179).


7 —      Acórdão de 9 de março de 1978, Simmenthal (106/77, Colet., p. I‑243).


8 —      Acórdão 22 de junho de 2010, Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, Colet., p. I‑5667).


9 —      Acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, Colet., p. I‑9981).


10 —      Acórdão Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra).


11 —      V. acórdãos BECTU (já referido na nota 5, supra, n.° 43); de 18 de março de 2004, Merino Gómez (C‑342/01, Colet., p. I‑2605, n.° 29); e de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o. (C‑131/04 e C‑257/04, Colet., p. I‑2531, n.° 48); quanto à Diretiva 2003/88, v. acórdãos Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 6, supra, n.° 22); de 10 de setembro de 2009, Vicente Pereda (C‑277/08, Colet., p. I‑8405, n.° 18); e de 22 de abril de 2010, Zentralbetriebsrat der Landeskrankenhäuser Tirols (C‑486/08, Colet., p. I‑3527, n.° 28). V. a síntese da jurisprudência da autoria de Schrammel, W./Winkler, G. – Europäisches Arbeits‑ und Sozialrecht, Viena, 2010, pp. 179 e segs.


12 —      V. acórdãos BECTU (já referido na nota 5, supra, n.° 44); Merino Gómez (já referido na nota 11, supra, n.° 30); Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 6, supra, n.° 23); e Vicente Pereda (já referido na nota 11, supra, n.° 21).


13 —      V. acórdãos Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 6, supra, n.° 25); e Zentralbetriebsrat der Landeskrankenhäuser Tirols (já referido na nota 11, supra, n.° 30).


14 —      V. p. 8 do articulado do recorrido no processo principal.


15 —      V. p. 29 do articulado do Governo francês.


16 —      V. p. 5 da decisão de reenvio, que reproduz de forma mais esclarecedora o objeto da segunda questão prejudicial.


17 —      V. acórdãos de 30 de novembro de 2006, Brünsteiner e Autohaus Hilgert (C‑376/05 e C‑377/05, Colet., p. I‑11383, n.° 26); e de 5 de maio de 2011, MSD Sharp & Dohme (C‑316/09, Colet., p. II‑3249, n.° 21).


18 —      V., designadamente, acórdãos de 16 de dezembro de 1981, Foglia/Novello (244/80, Recueil, p. 3045, n.° 18); de 15 de junho de 1995, Zabala Erasun e o. (C‑422/93 a C‑424/93, Colet., p. I‑1567, n.° 29); de 15 de dezembro de 1995, Bosman (C‑415/93, Colet., p. I‑4921, n.° 61); de 12 de março de 1998, Djabali (C‑314/96, Colet., p. I‑1149, n.° 19); de 13 de março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, Colet., p. I‑2099, n.° 39); de 5 de fevereiro de 2004, Schneider (C‑380/01, Colet., p. I‑1389, n.° 22); de 1 de abril de 2008, Gouvernement de la Communauté française e Gouvernement wallon (C‑212/06, Colet., p. I‑1683, n.° 29); e de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB (C‑261/07 e C‑299/07, Colet., p. I‑2949, n.° 33).


19 —      V. acórdãos Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 45); de 15 de abril de 2008, Impact (C‑268/06, Colet., p. I‑2483, n.° 42); e de 5 de outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colet., p. I‑8835, n.° 111).


20 —      V. acórdãos Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 46); Pfeiffer e o. (já referido na nota 19, supra, n.° 108); de 14 de julho de 1994, Faccini Dori (C‑91/92, Colet., p. I‑3325, n.° 20); de 11 de junho de 1987, Pretore di Salò (14/86, Colet., p. 2545, n.° 19); e de 26 de fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colet., p. 723, n.° 48). V., quanto ao efeito horizontal das diretivas, Vcelouch, P. – Kommentar zu EU‑ und EG‑Vertrag (ed. de H. Mayer), Viena, 2004, artigo 249.° CE, p. 23, n.° 72; Knes, R. – «Uporaba in učinkovanje direktiv s področja varstva okolja v upravnih in sodnih postopkih», Varstvo narave, 2008, pp. 14, 15, e, especialmente no que diz respeito ao direito do trabalho, Thüsing, G. – Europäisches Arbeitsrecht, Munique, 2008, p. 14, n.os 29 e 30.


21 —      Acórdão Faccini Dori (já referido na nota 20, supra, n.° 24).


22 —      V., designadamente, as conclusões do advogado‑geral S. Alber, de 18 de janeiro de 2000, no processo Collino e Chiappero (acórdão de 14 de setembro de 2000, C‑343/98, Colet., p. I‑6659, n.os 29 a 31); as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, de 6 de maio de 2003, Pfeiffer e o. (já referido na nota 19, supra, n.° 58); baseando‑se nas particularidades do direito antidiscriminação: v. as conclusões do advogado‑geral Y. Bot, de 7 de julho de 2009, Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 70).


23 —      V. Herresthal, C. – Rechtsfortbildung im europarechtlichen Bezugsrahmen — Methoden, Kompetenzen, Grenzen dargestellt am Beispiel des Privatrechts, Munique, 2006, pp. 81 e segs.; e Danwitz, T. – «Rechtswirkung von Richtlinien in der neueren Rechtsprechung des EuGH», Juristenzeitung, 2007, pp. 697, 703.


24 —      V. acórdãos Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 47); de 10 de abril de 1984, von Colson e Kamann (14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26); de 13 de novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, Colet., p. I‑4135, n.° 8); Faccini Dori (já referido na nota 20, supra, n.° 26); de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, Colet., p. I‑7411, n.° 40); Pfeiffer e o. (já referido na nota 19, supra, n.° 110); bem como de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o. (C‑378/07 a C‑380/07, Colet., p. I‑3071, n.° 106).


25 —      V. acórdãos Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 48); e von Colson e Kamann (já referido na nota 24, supra, n.° 26).


26 —      Acórdão Pfeiffer e o. (já referido na nota 19, supra, n.° 116).


27 —      V., neste sentido, acórdãos de 8 de outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen (80/86, Colet., p. 3969, n.° 13); de 4 julho de 2006, Adeneler e o. (C‑212/04, Colet., p. I‑6057, n.° 110); Impact (já referido na nota 19, supra, n.° 100); Angelidaki e o. (já referido na nota 24, supra, n.° 199); e de 16 de julho de 2009, Mono Car Styling (C‑12/08, Colet., p. I‑6653, n.° 61).


28 —      V. n.os 71 a 88 das presentes conclusões.


29 —      V. n.os 89 a 143 das presentes conclusões.


30 —      V. n.os 144 a 169 das presentes conclusões.


31 —      V. acórdãos Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 22) e de 22 de dezembro de 2010, DEB (C‑279/09, Colet., p. I‑13849, n.° 30).


32 —      V. Jarass, H. D. – Charta der Grundrechte der Europäischen Union — Kommentar, Munique, 2010, artigo 31.°, n.° 3, p. 277, e artigo 51.°, n.° 6, p. 413.


33 —      Situação para a qual remetem corretamente Lenaerts, K./Van Nuffel, P. – European Union Law, Londres 2011, p. 832, n.os 22‑022. V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho (C‑540/06, Colet., p. I‑5769, n.os 38 e 58); de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, Colet., p. I‑2271, n.° 37); de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union (C‑438/05, Colet., p. I‑10779, n.os 90 e 91); de 29 de janeiro de 2008, Promusicae (C‑275/06, Colet., p. I‑271, n.os 61 a 65); de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colet., p. I‑6351, n.° 335); Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 22); e de 9 de novembro de 2010, Eifert/Land Hessen (C‑92/09 e C‑93/09, Colet., p. I‑11063, n.os 45 e segs.). V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo de 3 de Maio de 2002, Jégo‑Quéré/Comissão (T‑177/01, Colet., p. II‑2365). Para além disso, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem invocou a Carta nos acórdãos Goodwin c. Reino Unido de 11 de julho de 2002 (processo n.° 28957/95, n.° 100), e Bosphorus c. Irlanda de 30 de junho de 2005 (processo n.° 45036/98, n.° 159).


34 —      Tal como observa corretamente Fischinger, P. – «Normverwerfungskompetenz nationaler Gerichte bei Verstößen gegen primärrechtliche Diskriminierungsverbote ohne vorherige Anrufung des EuGH», Zeitschrift für Europäisches Privatrecht, 2011, p. 206, o artigo 21.° da Carta, não poderia ser aplicável aos factos subjacentes ao acórdão Kükükdeveci, na medida em que a Carta apenas entrou em vigor muito depois da produção de efeitos da rescisão.


35 —      Conclusões de 24 de janeiro de 2008, Schultz‑Hoff (acórdão já referido na nota 6, supra, n.° 38).


36 —      Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano de 8 de fevereiro de 2001, BECTU (acórdão já referido na nota 5, supra, n.° 28).


37 —      Lenaerts, K. – «La solidarité ou le chapitre IV de la Charte des droits fondamentaux de l’Union européenne», Revue trimestrielle des droits de l’homme, 2010, n.° 28, pp. 217 e segs.; Jarass, H., loc. cit. (nota 32), n.° 2; Picod, F. – Traité établissant une Constitution pour l’Europe, partie II — La Charte des droits fondamentaux de l’Union, vol. 2, Bruxelas, 2005, artigo II‑91, pp. 424, 653; Frenz, W. – Handbuch Europarecht, vol. 4 (Direitos Fundamentais Europeus), p. 1078, n.os 3597, bem como p. 1164, n.° 3881; Riedel, E. – Charta der Grundrechte de Europäischen Union, 3ª. ed., Baden‑Baden, 2011, artigo 31.°, p. 442, n.° 12; Seifert, A. – «Mangold und kein Ende — die Entscheidung der Großen Kammer des EuGH vom 19.1.2010 in der Rechtssache Kücükdeveci», Europarecht, 2010, p. 808, refere‑se a um direito fundamental em relação ao artigo 31.°, n.° 2, da Carta.


38 —      Riedel, E., loc. cit. (nota 37), artigo 31.°, p. 442, n.° 12.


39 —      Schwarze, J. – «Der Grundrechtsschutz für Unternehmen in der Europäischen Grundrechtecharta», Europäische Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, 2001, p. 519.


40 —      Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 134, n.° 444.


41 —      V. Borowsky, M. – Charta der Grundrechte der Europäischen Union, 3.ª ed., Baden‑Baden, 2011, artigo 51.°, p. 660, n.° 34.


42 —      Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1164, n.° 3882.


43 —      Ibidem, p. 135, n.° 444.


44 —      Lenaerts, K., loc. cit. (nota 37); Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1165, n.° 3884.


45 —      O problema da «produção de efeitos em relação a terceiros» diz respeito à questão de saber se os direitos fundamentais apenas assumem importância nas relações entre os particulares e o Estado (ou seja, se são orientadas para o Estado) ou se também se aplicam no domínio das relações entre os cidadãos. Neste âmbito, é tanto defendida uma teoria do «efeito direto em relação a terceiros» dos direitos fundamentais como também uma teoria do «efeito indireto em relação a terceiros». O «efeito direto em relação a terceiros» é entendido como a aplicação direta dos direitos fundamentais também nos atos jurídicos entre particulares. Nos termos deste entendimento, os negócios jurídicos não seriam, assim, válidos quando contrariam um direito fundamental. A teoria do «efeito indireto em relação a terceiros», pelo contrário, considera as cláusulas gerais como «pontos de invasão» dos direitos fundamentais no direito privado; ao interpretar as referidas cláusulas gerais é necessário ter em consideração o sistema de valores consagrado no ordenamento em matéria de direitos fundamentais. Apenas no caso do efeito indireto em relação a terceiros poderiam ser ponderados os pontos de vista essenciais (por exemplo os direitos fundamentais e a liberdade contratual) (v., a este respeito, Walter, R./Mayer, H. – Grundriss des österreichischen Bundesverfassungsrechts, 9.ª ed., Viena, 2000, pp. 548 e segs., e as minhas conclusões de 29 de março de 2007, Carp, C 80/06, acórdão de 7 de junho de 2007, Colet., p. I 4473, n.° 69).


      Uma análise de direito comparado da produção de efeitos em relação a terceiros dos direitos fundamentais nos Estados‑Membros (v. Rengeling, H. W./Szczekalla, P. – Grundrechte in der Europäischen Union — Charta der Grundrechte und Allgemeine Rechtsgrundsätze, Colónia, 2004, p. 179 e segs., n.os 338 e segs.) mostra que esta é, em todo o caso, conhecida e analisada na maioria dos Estados‑Membros, embora as questões concretas ainda estejam parcialmente por resolver e se encontrem em discussão. Em Itália, reconhece‑se tanto a vinculação indireta quanto a relações de direito privado entre iguais, como a vinculação indireta de particulares em relações jurídicas nas quais um contraente pode exercer mais poder do que o outro. Na Bélgica, discute‑se a produção de efeitos em relação a terceiros dos direitos fundamentais e na jurisprudência há uma tendência para o reconhecimento de um efeito indireto em relação a terceiros. Este assunto suscita ainda parcialmente uma controvérsia na Áustria. Do mesmo modo, a questão ainda não está decidida na Grécia. Em todo o caso, a produção de efeitos em relação a terceiros de direitos fundamentais individuais é reconhecida em França, na Irlanda, nos Países Baixos, em Portugal, em Espanha e na Eslovénia. A doutrina eslovena sublinha que alguns direitos fundamentais consagrados na constituição eslovena permitem a produção de efeitos (diretos) em relação a terceiros [v. Krivic, M. – «Ustavno sodišče, pristojnosti in postopek», em Pavčnik/Mavčič (ed.), Ustavno sodstvo, Cankarjeva Založba, 2000, p. 69]. Até à data não foi reconhecida a produção de efeitos em relação a terceiros de disposições que preveem direitos fundamentais por exemplo na Dinamarca e no Luxemburgo. No Reino Unido, em razão da falta de uma constituição escrita sob a forma de um documento abrangente, os direitos fundamentais devem resultar das leis e da Common law (v. Soziale Grundrechte in Europa, Europäisches Parlament — Generaldirektion Wissenschaft, Arbeitsdokument SOCI 104 DE, p. 26 e segs.). No entanto, a jurisprudência aplicável relativa à CEDH, em particular após o «Human Rights Act» de 1998, bem como já aconteceu anteriormente através do direito da União, vai ganhando cada vez mais importância. Na Finlândia, os direitos fundamentais não vinculam os particulares de forma direta; contudo, o Estado está obrigado a proibir a sua violação pelos particulares.


46 —      Jarass, H., loc. cit. (nota 32), n.° 9; Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1171, n.° 3909.


47 —      Jarass, H., loc. cit. (nota 32), artigo 51.°, p. 419, n.° 21.


48 —      Neste sentido, Geiger, R. – EUV/AEUV‑Kommentar (ed. de Rudolf Geiger/Daniel‑Erasmus Khan/Markus Kotzur), 5.ª ed., Munique, 2010, artigo 51.°, p. 1016. V. acórdãos de 12 de dezembro de 1996, processo penal contra X (C‑74/95 e C‑129/95, Colet., p. I‑6609, n.° 25); de 13 de abril de 2000, Karlsson e o. (C‑292/97, Colet., p. I‑2737, n.° 37); de 6 de novembro de 2003, Lindqvist (C‑101/01, Colet., p. I‑12971, n.° 87); de 26 de junho de 2007, Ordre des barreaux francophones et germanophone e o. (C‑305/05, Colet., p. I‑5305, n.° 28); e Promusicae (já referido na nota 33, supra, n.° 68).


49 —      Jarass, H. D., loc. cit. (nota 32), artigo 31.°, p. 279, n.° 9, bem como artigo 51.°, p. 419, n.° 21; Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1172, n.° 3910.


50 —      Contra a produção de efeitos diretos em relação a terceiros: Jarass, H. D., loc. cit. (nota 32), artigo 31.°, p. 277, n.° 3, bem como artigo 51.°, p. 421, n.° 24; idem, EU‑Grundrechte, Munique 2005, § 4, p. 42; De Mol, M. – «Kücükdeveci: Mangold Revisited — Horizontal Direct Effect of a General Principle of EU Law», European Constitutional Law Review, 2010, n.° 6, p. 302; Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1172, n.° 3910; Schiek, D. – «Constitutional Principles and Horizontal Effect: Kücükdeveci Revisited», European Labour Law Journal, 2010, n.° 3, p. 373; Hatje, A. – EU‑Kommentar (ed. de Jürgen Schwarze), 2.ª ed., Baden‑Baden, 2009, artigo 51.°, p. 2324, n.° 20); Kingreen, T. – EUV/EGV – Kommentar, 3.ª ed., Munique, 2007, artigo 51.° GRCh, p. 2713, n.° 18, que remete para o facto de embora alguns direitos fundamentais da carta poderem ser entendidos como produzindo efeitos em relação a terceiros em caso de leitura menos atenta, defende, contudo, que os direitos fundamentais aí enumerados não produzem quaisquer efeitos em relação a terceiros, na medida em que o artigo 51.°, n.° 1, primeiro período apenas vincula a União e os Estados‑Membros. No entender do autor, as ofensas aos direitos fundamentais podem ser impedidas através do exercício do dever de proteção soberano em relação a abusos por parte de terceiros não estatais. Também Riesenhuber, K. – Europäisches Arbeitsrecht, Hamburgo, 2009, § 2, p. 45, n.° 25, defende um entendimento semelhante, considerando que os direitos fundamentais da Carta não vinculam diretamente os particulares, mas apenas indiretamente através dos deveres de proteção do legislador. Kokott, J./Sobotta, C. – «The Charter of fundamental rights of the European Union after Lisbon», EUI Working Papers (2010/6) — Academy of European Law, p. 14, também defendem que o artigo 51.° da Carta se opõe a um efeito direto de direitos fundamentais nas relações entre particulares.


      A favor da produção de efeitos diretos em relação a terceiros: Dauses, M. – Der Schutz der Grundrechte in der Rechtsordnung der Europäischen Union, Frankfurt am Main 2010, p. 99, que, ao fundamentar o seu entendimento jurídico, remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual, em determinadas condições, também os particulares podem ser obrigados a respeitar as garantias em matéria de direitos fundamentais, por exemplo no caso de discriminações em razão da nacionalidade ou no domínio da igualdade de tratamento dos sexos.


      Streinz,R. – EUV/EGV — Kommentar, Munique, 2003, artigo 51.°, p. 2652, n.° 10, por seu lado, não defende uma posição definida, explicando que a questão de um efeito direto ou indireto em relação a terceiros dos direitos da Carta, tal como a questão dos deveres de proteção em matéria de direitos fundamentais, foi evitada e antes confiada à jurisprudência e à doutrina.


51 —      V. Jarass, H. D., loc. cit. (nota 32), artigo 31.°, p. 277, n.° 3; Knecht, M. – EU‑Kommentar (edição de Jürgen Schwarze), 2.ª ed., Baden‑Baden, 2009, artigo 31.°, p. 2276, n.° 4; Kingreen, T., loc. cit. (nota 50); Kühling, J. – Europäisches Verfassungsrecht (ed. de Armin von Bogdandy), Heidelberg, 2003, p. 603, parte do princípio de que os direitos fundamentais podem fundamentar deveres de proteção por parte dos poderes públicos em relação à atividade de particulares, pelo que seria necessária a construção problemática de uma vinculação de particulares aos direitos fundamentais.


52 —      V. Becker, U. – EU‑Kommentar (ed. de Jürgen Schwarze), 2.ª ed., Baden‑Baden, 2009, artigo 53.°, p. 2333, n.° 1), que considera que o artigo 53.° da Carta visa excluir colisões entre diferentes fontes de atribuição de direitos fundamentais. A disposição conduz a um tratamento mais favorável: caso o outro direito fundamental (por exemplo aquele que resulta da CEDH) seja mais amplo do que os direitos consagrados na Carta, estes últimos não podem ser entendidos no sentido de proibirem uma proteção mais abrangente. Caso a Carta, pelo contrário, confira efeitos jurídicos mais amplos do que os outros direitos fundamentais, estes não são, desde logo, restringidos.


53 —      Neste sentido, Grabenwarter, C. – Europäische Menschenrechtskonvention, 4.ª ed., Viena 2009, p. 130, n.° 14.


54 —      V. Rengeling, H. W./Szczekalla, P., loc. cit. (nota 45), p. 180, n.° 339. V. as decisões da Comissão Europeia dos Direitos do Homem de 11 de outubro de 1988, Ian Nimmo e Reino Unido (n.° de processo: 12327/86), e de 7 de abril de 1997, Scientology Kirche Deutschland e.V. c. Alemanha (n.° de processo: 34614/97).


55 — V. Reid, K. – A practitioner’s Guide to the European Convention on Human Rights, 2.ª ed., Londres, 2004, p. 46, n.° I‑064; Grabenwarter, C., loc.cit. (nota 53), p. 127, n.° 7; Jarass, H. D. – EU‑Grundrechte, Munique, 2005, p. 52, n.° 12; Rengeling, H. W./Szczekalla, P., loc. cit. (nota 45), p. 180, n.° 339, que recusam o efeito em relação a particulares das várias garantias constantes da CEDH. Ao invés, consideram estar apenas em causa a interpretação conforme com a convenção do direito dos Estados contratantes e os denominados deveres positivos (deveres de proteção) dos mesmos, sobretudo para proteger os direitos constantes da convenção através da legislação nacional. O mesmo vale para outros acordos internacionais para a proteção dos direitos do Homem, em particular em relação ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.


56 —      Grabenwarter, C., loc. cit. (nota 53), p. 131, n.° 15.


57 —      V. TEDH, acórdãos Khurshid Mustafa e Tarzibachi c. Suécia de 16 de dezembro de 2008 (n.° de processo: 23883/06), n.° 50 [direito à informação], Von Hannover c. Alemanha de 24 de junho de 2004 (n.° de processo: 59320/00), n.° 57 [direito ao respeito pela vida privada e familiar], Moreno Gómez c. Espanha de 16 de novembro de 2004 (n.° de processo: 4143/02), n.° 55 [direito ao respeito pela vida privada e familiar], e Öneryildiz c. Turquia de 30 de novembro de 2004 (n.° de processo: 48939/99), n.° 135 [direito de propriedade].


58 —      V. Grabenwarter, C., loc. cit. (nota 53), p. 131, n.° 15, que considera que os problemas dos efeitos em relação a terceiros são absorvidos na dogmática do dever de proteção.


59 —      V. Schwarze, J. – European Administrative Law, Luxemburgo, 2006, p. 65; e Sariyiannidou, E. – Institutional balance and democratic legitimacy in the decision‑making process of the EU, Bristol, 2006, p. 145.


60 —      Acórdão de 29 de novembro de 1956, Fédération Charbonnière de Belgique/Alta Autoridade (8/55, Colet.,1954‑1961, p. 90).


61 — Acórdão de 21 de junho de 1958, Wirtschaftsvereinigung Eisen‑ und Stahlindustrie/Alta Autoridade (13/57, Recueil, p. 261, Colet.,1954‑1961, p. 265).


62 —      Acórdão de 22 de março de 1961, SNUPAT/Alta Autoridade (42/59 e 49/59, Recueil, p. 103, Colet.,1954‑1961, p. 597).


63 —      Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colet., p. 217, em especial p. 224).


64 —      Acórdão de 15 de julho de 1960, von Lachmüller e o./Comissão (43/59, 45/59 e 48/59, Recueil, p. 933, Colet.,1954‑1961, p. 531).


65 —      Acórdão de 12 de julho de 1962, Hoogovens/Alta Autoridade (14/61, Recueil, p. 485, Colet.,1962‑1964, p. 123).


66 —      Acórdão de 19 de outubro de 1977, Ruckdeschel/HZA Hamburg‑St. Annen (117/76 e 16/77, Recueil, p. 1753, em especial p. 1769, Colet., p. 619).


67 —      Tridimas, T. – The General Principles of EU Law, 2.ª ed., Londres, 2006, pp. 17 e segs. e 29 e segs., chama a atenção, por um lado, para a função que os princípios gerais do direito desempenham na integração de lacunas no direito comunitário, a qual resulta da circunstância de a ordem jurídica comunitária ser uma ordem jurídica recente e jovem e que carece de ser desenvolvida. Além disso, o Tratado CE constitui um tratado‑quadro que contém múltiplas disposições redigidas em termos genéricos e múltiplos conceitos indeterminados, que conferem ao Tribunal de Justiça amplos poderes para o desenvolvimento do direito. Por outro lado, o autor realça a função dos princípios gerais do direito como auxiliares de interpretação do direito derivado. Lenaerts, K./Van Nuffel, P. – Constitutional Law of the European Union, 2.ª ed., Londres, 2005, n.° 17‑066, p. 711, fazem notar que, no âmbito da interpretação do direito comunitário, em especial no caso de menor clareza da legislação a interpretar ou de lacunas legislativas, a administração recorre frequentemente aos princípios gerais do direito. Toriello, F. – I principi generali del diritto comunitario — Il ruolo della comparazione, Milão, 2000, p. 141, remete tanto para a função na integração de lacunas como também para a função como auxiliares de interpretação, enumerando ainda outras funções.


68 —      Neste sentido, Schwarze, J., loc. cit. (nota 59), p. 65.


69 —      V. Lenaerts, K./Gutiérrez‑Fons, J. A. – «The constitutional allocation of powers and general principles of law», Common Market Law Review, 2010, p. 1629; Toriello, F., loc. cit. (nota 67), p. 141.


70 — V. Toriello, F., loc. cit. (nota 67), p. 141.


71 —      V. Schweitzer, M./Hummer, W./Obwexer, W. – Europarecht, p. 65, n.os 240 e 241.


72 —      Neste sentido, Lengauer, A. M. – Kommentar zu EU‑ und EG‑Vertrag (ed. de Heinz Mayer), Viena, 2004, artigo 220.°, n.° 27, p. 65. Toriello, F., loc. cit. (nota 67), pp. 315 a 318.


73 — Neste sentido, Schweitzer, M./Hummer, W./Obwexer, W., loc. cit (nota 71), n.° 244, p. 66; e Oppermann, T. – Europarecht, 3.ª ed., Munique, 2005, n.° 21, p. 144. Toriello, F., loc. cit. (nota 67, p. 140).


74 —      V. Tridimas, T., loc. cit. (nota 67), p. 6.


75 —      Constitui entendimento generalizado que os princípios gerais do direito têm a categoria de normas de direito primário [v. Schroeder, W. – EUV/EGV — Kommentar (ed. de Rudolf Streinz), artigo 249.°, p. 2159, n.° 15]. O Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes que os atos normativos das instituições comunitárias devem ser apreciados à luz dos princípios gerais do direito. V. acórdãos de 12 de novembro de 1969, Stauder (29/69, Colet.,1969‑1970, p. 157, n.° 7), e de 13 de dezembro de 1979, Hauer (44/79, Recueil, p. 3727, n.os 14 e segs.).


76 —      Neste sentido, Wegener, B. – in Calliess/Ruffert (ed.), Kommentar zu EUV/EGV, 3.ª ed., Munique, 2007, artigo 220.°, n.° 37, p. 1956, e Tridimas, T., loc. cit. (nota 67), pp. 2 e segs.


77 —      V. acórdão de 9 de agosto de 1994, Alemanha/Conselho (C‑359/92, Colet., p. I‑3681). Já antes da consagração expressa desta ideia no artigo 5.°, terceiro parágrafo, CE (artigo 5.°, n.° 4, TUE), era pacífico na jurisprudência e na doutrina que a ação da Comunidade devia respeitar o princípio da proporcionalidade [v. Lienbacher, G. – EU‑Kommentar (ed. de Jürgen Schwarze), 1.ª edição, Baden‑Baden, 2000, artigo 5.° CE, n.° 36, p. 270].


78 —      V. acórdão de 10 de julho de 1980, Comissão/Reino Unido (32/79, Recueil, p. 2403).


79 —      V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de março de 2001, Dunnett e o./BEI (T‑192/99, Colet., p. II‑813). V., em particular, quanto ao direito de aceder de forma efetiva a um tribunal os acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de maio de 1986, Johnston (222/84, Colet., p. 1651, n.os 18 e 19); de 15 de outubro de 1987, Heylens e o. (222/86, Colet., p. 4097, n.° 14); de 27 de novembro de 2001, Comissão/Áustria (C‑424/99, Colet., p. I‑9285, n.° 45); de 25 de julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colet., p. I‑6677, n.° 39); de 19 de junho de 2003, Eribrand (C‑467/01, Colet., p. I‑6471, n.° 61); Unibet (já referido na nota 31, supra, n.° 37); e DEB (já referido na nota 31, supra, n.° 29).


80 —      V. acórdão de 6 de julho de 2000, Agricola Tabacchi Bonavicina (C‑402/98, Colet., p. I‑5501).


81 —      V. acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Walt Wilhelm (14/68, Colet.,1969‑1970, p. 1).


82 —      V. acórdão de 4 de julho de 1963, Alvis (32/62, Recueil, p. 101, Colet.,1962‑1964, p. 247).


83 —      V. acórdãos de 14 de julho de 1972, Cassella Farbwerke Mainkur/Comissão (55/69, Recueil, p. 859, Colet., p. 311); de 28 de maio de 1980, Kuhner/Comissão (33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677); de 29 de junho de 1994, Fiskano/Comissão (C‑135/92, Colet., p. I‑2885); de 24 de outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o. (C‑32/95 P, Colet., p. I‑5373, n.° 21); de 21 de setembro de 2000, Mediocurso/Comissão (C‑462/98 P, Colet., p. I‑7183, n.° 36); de 12 de dezembro de 2002, Cipriani (C‑395/00, Colet., p. I‑11877, n.° 51); de 13 de setembro de 2007, Land Oberösterreich e Áustria/Comissão (C‑439/05 P e C‑454/05 P, Colet., p. I‑7141); e de 18 de dezembro de 2008, Sopropré (C‑349/07, Colet., p. I‑10369, n.os 36 e 37).


84 —      V. acórdão de 25 de outubro de 1978, Koninklijke Scholten‑Honig (125/77, Recueil, p. 1991, Colet., p. 681).


85 —      V. acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, Colet., p. 5469).


86 —      V. acórdão de 14 de fevereiro de 1978, IFG/Comissão (68/77, Recueil, p. 353, Colet., p. 161).


87 —      V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de maio de 2004, Distilleria Palma/Comissão (T‑154/01, Colet., p. II‑1493, n.° 45).


88 —      V. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de setembro de 2005, Ali Yusuf e Al Barakaat International Foundation/Conselho (T‑306/01, Colet., p. II‑3533, n.° 277).


89 —      V. acórdão de 18 de março de 1980, Ferriera Valsabbia/Comissão (154/78, 205/78, 206/78, 226/78 a 228/78, 263/78, 264/78, 39/79, 31/79, 83/79 e 85/79, Recueil, p. 907).


90 —      V. acórdão de 28 de maio de 1980, Kuhner/Comissão (33/79 e 75/79, Recueil, p. 1677).


91 —      V. acórdão de 5 de maio de 1981, Comissão/Reino Unido (804/79, Recueil, p. 1045).


92 —      V. acórdão de 30 de março de 1995, Parlamento/Conselho (C‑65/93, Colet., p. I‑643, n.° 21).


93 —      V. acórdão de 17 de janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão (43/82 e 63/82, Recueil, p. 19).


94 —      V. acórdão Bosman (já referido na nota 18, supra).


95 —      V. acórdão de 12 de julho de 1984, Prodest (237/83, Recueil, p. 3153).


96 —      V. acórdão de 15 de junho de 1978, Defrenne (149/77, Colet., p. 463).


97 —      V. acórdãos de 3 de maio de 2005, Berlusconi e o. (C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, Colet., p. I‑3565, n.os 67 a 69); de 11 de março de 2008, Jager (C‑420/06, Colet., p. I‑1315, n.° 59); e de 28 de abril de 2011, El Dridi (C‑61/11 PPU, Colet., p. I‑3015, n.° 61).


98 —      Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas.


99 —      Carta Social Europeia, aberta à assinatura pelos Estados‑Membros do Conselho da Europa em Turim, em 18 de outubro de 1961, e com entrada em vigor em 26 de fevereiro de 1965. O seu artigo 2.°, ponto 3, dispõe que, com vista a assegurar o exercício efetivo do direito a condições de trabalho justas, as partes contratantes comprometem‑se a assegurar um período anual de férias pagas de duas semanas, pelo menos.


100 —      O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais foi aprovado por unanimidade, em 19 de dezembro de 1966, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O seu artigo 7.°, alínea d), dispõe que «[o]s Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis que assegurem, em especial[,] [r]epouso, lazer e limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas pagas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos».


101 —      A Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 9 de dezembro de 1989, prevê, no seu ponto 8, que «[t]odos os trabalhadores da Comunidade Europeia têm direito ao repouso semanal e a férias anuais pagas, cuja duração deve ser aproximada no progresso, de acordo com as práticas nacionais».


102 —      V. Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1059, n.° 3539.


103 —      Convenção n.° 132, sobre as férias anuais remuneradas (revista em 1970), adotada no quadro da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em 24 de junho 1970, e que entrou em vigor em 30 de junho de 1973.


104 —      Convenção n.° 52, sobre as férias anuais pagas, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional de Trabalho, em 24 de junho de 1936, e que entrou em vigor em 22 de setembro de 1939. Esta Convenção foi revista pela Convenção n.° 132, permanecendo, porém, aberta para ratificação.


105 —      Zuleeg, M. – «Der Schutz sozialer Rechte in der Rechtsordnung der Europäischen Gemeinschaft», Europäische Grundrechte‑Zeitschrift, 1992, fasc. 15/16, p. 331, sublinha que os atos não vinculativos, como a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores se destinam, essencialmente, a ser uma orientação programática. Só adquirem relevância jurídica quando os órgãos jurisdicionais os consultam para interpretação ou desenvolvimento do direito. Balze, W. – «Überblick zum sozialen Arbeitsschutz in der EU», Europäisches Arbeits‑ und Sozialrecht, 38.° suplemento de 1998, n.° 4, observa corretamente que, apesar de a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores não ter, em si mesma, enquanto declaração solene, efeitos vinculativos, foi essencial para desencadear o programa de ação da Comissão adotado no final de 1989 e destinado a aplicar a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 28 de novembro de 1989. O programa de ação previa um total de 23 propostas concretas de diretivas, designadamente em matéria de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, que foram, no essencial, transpostas até 1993. Daqui decorre que também as declarações solenes, como fonte de inspiração para a atividade legislativa, podem, em última instância, adquirir importância na concretização dos direitos sociais fundamentais nelas proclamados.


106 —      V. Frenz, W., loc. cit (nota 37), p. 1060, n.° 3542.


107 —      V. González Ortega, S. – «El disfrute efectivo de las vacaciones anuales retribuidas: una cuestión de derecho y de libertad personal, de seguridad en el trabajo y de igualdad», Revista española de derecho europeo, n.° 11 [2004], pp. 423 e segs.


108 —      V. Vieira de Andrade, J. C. – «La protection des droits sociaux fondamentaux dans l’ordre juridique du Portugal», La protection des droits sociaux fondamentaux dans les États membres de l’Union européenne — Étude de droit comparé, Atenas/Bruxelas/Baden‑Baden, 2000, p. 677.


109 —      V. Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1062, n.° 3542.


110 —      Ibidem, p. 1062, n.° 3548.


111 —      A título de exemplo, o artigo 24.°, n.° 3, da Constituição do Land da Renânia do Norte‑Vestefália prevê que o direito a férias suficientes e remuneradas deve ser definido por lei.


112 —      V. Riedel, E. – Charta der Grundrechte der Europäischen Union (ed. de Jürgen Meyer), 2.ª ed., Baden‑Baden, 2006, artigo 31.°, n.os 3 e 4.


113 —      V. n.° 92 das presentes conclusões.


114 —      V. Nielsen, R. – «Free movement and fundamental rights», European Labour Law Journal, 2010, n.° 1, p. 258, que remete para o significado potencial da Carta no desenvolvimento de direitos sociais fundamentais por via da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa aos princípios gerais de direito. No entender da autora, ao assumir esta função o Tribunal de Justiça dever‑se‑ia basear progressivamente na Carta, que — ao contrário da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais — define vários critérios sociais, como, por exemplo, a proibição de discriminação, a proibição do trabalho infantil, bem como a proibição da escravatura e dos trabalhos forçados, a liberdade de reunião, o direito a convenções coletivas e o direito à greve dos trabalhadores.


115 —      V. Lenaerts, K./Gutiérrez‑Fons, J. A., loc. cit. (nota 69), p. 1633, que remetem para o facto de o Tribunal de Justiça tenderá mais para aceitar um determinado tipo de regulamentação quanto maior for a convergência entre as ordens jurídicas. Caso a convergência não seja integral, mas uma determinada abordagem se tiver imposto na larga maioria dos Estados‑Membros, o Tribunal de Justiça irá, em regra, seguir a referida abordagem, adaptando‑a à ordem jurídica da União.


116 —      V. Tridimas, T., loc. cit. (nota 67), p. 6, remete para o facto de, em determinadas circunstâncias, o Tribunal de Justiça poder reconhecer um princípio geral de direito como tal, apesar de este não ser conhecido nos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros.


117 —      V. despacho de 7 de abril de 2011, May (C‑519/09, Colet., p. I‑2761, n.os 26 e 27), em que o Tribunal de Justiça esclareceu que uma pessoa que exerce a sua atividade num organismo de direito público, independentemente do seu estatuto como funcionário público, é um «trabalhador» na aceção do artigo 7.° da Diretiva 2003/88.


118 —      V. Tridimas, T., loc. cit. (nota 67), p. 1, suscita a questão do modo de distinção entre um princípio geral do direito e uma regra específica. Na sua opinião, são decisivas, por um lado, a aplicabilidade geral do princípio, sendo que «geral» significa que o mesmo deve revelar um certo grau de abstração, e, por outro lado, a relevância do princípio na ordem jurídica em causa.


119 —      V. n.os 39 a 42 das minhas conclusões de 16 de junho de 2011 no processo pendente no Tribunal de Justiça Williams e o. (C‑155/10), que dizia respeito ao direito a férias anuais remuneradas de pilotos de uma companhia aérea, tendo sido interpretada a cláusula 3 do acordo europeu sobre a organização do tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, celebrado pela Associação das Companhias Aéreas Europeias (AEA), a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF), a Associação Europeia do Pessoal Navegante (ECA), a Associação das Companhias Aéreas das Regiões da Europa (ERA) e a Associação Internacional de Chárteres Aéreos (AICA), tal como foi aplicado pela Diretiva 2000/79/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000 (JO L 302, p. 57). A referida cláusula contém disposições próprias relativas às férias do pessoal móvel da aviação civil.


120 —      Também as disposições em matéria de tempo de trabalho aplicáveis aos marítimos podem ser apresentadas como um exemplo paradigmático. Com efeito, nos termos do décimo segundo considerando da Diretiva 2003/88, esta não se aplica a esta categoria profissional. Em contrapartida, remete‑se para a Diretiva 1999/63/CE do Conselho, de 21 de junho de 1999, respeitante ao Acordo relativo à Organização do Tempo de Trabalho dos Marítimos celebrado pela Associação de Armadores da Comunidade Europeia (ECSA) e pela Federação dos Sindicatos dos Transportes da União Europeia (FST) (JO L 167, p. 33). No seu parágrafo 16, o referido acordo contém regras especiais em matéria de férias dos marítimos que se assemelham às regras do artigo 7.° da Diretiva 2003/88.


121 —      Tridimas, T., loc. cit. (nota 67), p. 26, entende que um princípio geral de direito deve apresentar um mínimo constatável de conteúdo vinculativo.


122 – Assim, por exemplo, o Tribunal de Justiça decidiu que diversas medidas nacionais eram excluídas pelo direito comunitário pelo facto de serem incompatíveis com o princípio geral da igualdade de tratamento [v., por exemplo, acórdãos de 25 de novembro de 1986, Klensch e o. (201/85 e 202/85, Colet., p. I‑3477)], e de 13 de julho de 1989, Wachauf (5/88, Colet., p. I‑2609)] ou com manifestações específicas desse princípio, tais como a proibição de discriminação em razão da nacionalidade em diferentes contextos [v., por exemplo, acórdãos de 13 de fevereiro de 1985, Gravier (293/83, Recueil, p. 593) (acesso à formação profissional); de 2 de fevereiro de 1988, Blaizot (24/86, Colet., p. 379) (acesso à educação universitária); de 27 de setembro de 1988, Comissão/Bélgica (42/87, Colet., p. 5445) (subsídios de educação); de 20 de outubro de 1993, Phil Collins e o. (C‑92/92 e C‑326/92, Colet., p. I‑5145) (direitos de propriedade intelectual); e de 26 de setembro de 1996, Data Delecta (C‑43/95, Colet., p. I‑4661) (processo judicial)]; o respeito dos direitos fundamentais [v., por exemplo, acórdãos Johnston (já referido na nota 79, supra) (fiscalização jurisdicional efetiva no contexto dos «requisitos para o exercício da atividade profissional» como justificação de uma diferença de tratamento entre homens e mulheres); Wachauf (suprarreferido) (direitos de propriedade no contexto da organização comum de mercado no setor do leite e dos produtos lácteos); e de 11 de julho de 2002, Carpenter (C‑60/00, Colet., p. I‑6279) (direito ao respeito da vida familiar no contexto de uma potencial restrição à livre prestação de serviços)]; o princípio da proteção da confiança legítima [v., por exemplo, acórdão de 11 de julho de 2002, Marks & Spencer (C‑62/00, Colet., p. I‑6325 (confiança legítima no contexto de um novo prazo de prescrição nacional durante o qual pode ser pedido o reembolso de quantias pagas em violação do direito comunitário)]; e o princípio da proporcionalidade [v., por exemplo, acórdãos de 19 de junho de 1980, Testa e o. (41/79, 121/79 e 796/79, Recueil, p. 1979) (poder discricionário do Estado‑Membro de alargamento do período do direito às prestações de desemprego, nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98); e de 18 de dezembro de 1997, Molenheide e o. (C‑286/94, C‑340/95, C‑401/95 e C‑47/96, Colet., p. I‑7281)].


123 —      Neste sentido Tridimas, T., loc. cit. (nota 67), p. 47. De forma semelhante, Walter, R./Mayer, H., loc. cit. (nota 45), p. 549, n.° 1330, em cujo entender a aplicação dos direitos fundamentais pode ser sobretudo desejável no caso da superioridade de um dos parceiros contratuais (por exemplo, um monopolista) em relação ao outro.


124 —      Por este motivo, o trabalhador é muitas vezes considerado na jurisprudência do Tribunal de Justiça como a parte contratante social e economicamente mais fraca, necessitando, por conseguinte, de proteção. V., por exemplo, acórdão de 15 de março de 2011, Koelzsch (C‑29/10, Colet., p. I‑1595, n.° 40) no contexto da interpretação do artigo 6.° da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de junho de 1980 (JO L 266, p. 1; EE 01 F3 p. 36).


125 —      V. Preis, U./Temming, F. – «Der EuGH, das BVerfG und der Gesetzgeber», Neue Zeitschrift für Arbeitsrecht — Lehren aus Mangold II, 2010, p. 190. Thüsing, G., loc. cit. (nota 20), p. 15, n.° 34, que remete corretamente para o facto de os limites em que o Estado começa e em que acaba por serem muito ténues.


126 —      V. Rengeling, H. W./Szczekalla, P., loc. cit. (nota 45), p. 182, n.° 341.


127 —      Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, Colet., p. 193).


128 —      Acórdão de 12 de dezembro de 1974, Walrave (36/74, Colet., p. 595).


129 —      Ibidem, n.os 16 a 19).


130 —      Acórdão Bosman (já referido na nota 18, supra).


131 —      Acórdão de 6 de junho de 2000, Angonese (C‑281/98, Colet., p. I‑4139, n.° 36).


132 —      Acórdão Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra).


133 —      Acórdão Mangold (já referido na nota 9, supra, n.° 75).


134 —      V. n.os 144 e segs. das presentes conclusões.


135 —      Neste sentido, também a advogada‑geral E. Sharpston nas suas conclusões de 22 de maio de 2008 no processo Bartsch (acórdão de 23 de setembro de 2008, C‑427/06, Colet., p. I‑7245, n.° 85).


136 —      V. Jarass, H. D. – «Bedeutung der EU‑Rechtsschutzgewährleistung für nationale und EU‑Gerichte», Neue Juristische Wochenschrift, 2011, p. 1394.


137 — Lenaerts, K./Gutiérrez‑Fons, J. A., loc. cit. (nota 69), p. 1656, também parecem partir da aplicação paralela dos direitos decorrentes dos princípios gerais de direito e dos direitos constantes da Carta, na medida em que atribuem à Carta um significado como fonte de interpretação para a descoberta de novos princípios gerais do direito. De forma semelhante, também Preis, U./Temming, T., loc. cit. (nota 125), p. 190, que defendem que o Tribunal de Justiça, com base nas suas competências resultantes do artigo 6.°, n.° 3, TUE, deduz um direito fundamental da União, subsidiário e não escrito, de liberdade geral de conduta, o que permitiria aos particulares opor‑se, em geral, a violações contra disposições corretas das diretivas.


138 — V. Geiger, R., loc. cit. (nota 48), artigo 6.°, p. 45, n.° 27; Jarass, H. D., loc. cit. (nota 55), p. 19, n.° 15.


139 —      Neste sentido, Jarass, H., loc. cit. (nota 136), p. 1394.


140 —      V. Jarass, H., loc. cit. (nota 55), p. 19, n.° 15.


141 —      Neste sentido, De Mol, M., loc. cit. (nota 50), n.° 6, p. 302, que, remetendo para a vinculação exclusiva da União e dos seus Estados‑Membros aos direitos fundamentais, prevista no artigo 51.°, n.° 1, primeiro período, da Carta, nega um efeito horizontal dos princípios gerais do direito.


142 —      V. acórdãos de 4 de dezembro de 1974, Van Duyn (41/74, Colet., p. 567, n.os 13 e 14); de 12 de maio de 1987, Traen (372/85 a 374/85, Colet., p. 2141, n.° 25); de 20 de setembro de 1988, Beentjes (31/87, Colet., p. 4635, n.° 43); de 23 de fevereiro de 1994, Comitato di coordinamento per la difesa della Cava/Regione Lombardia (C‑236/92, Colet., p. I‑483, n.° 9).


143 —      V. acórdãos de 22 de setembro de 1983, Auer (271/82, Recueil, p. 2727, n.° 16); de 15 de dezembro de 1983, Rienks (5/83, Recueil, p. 4233, n.° 8); Marshall (já referido na nota 20, supra, n.° 52); de 4 de dezembro de 1986, Federatie Nederlandse Vakbeweging (71/85, Colet., p. 3855, n.° 18); e Comitato di coordinamento per la difesa della Cava/Regione Lombardia (já referido na nota 142, supra, n.° 10).


144 —      V. acórdãos de 27 de junho de 1989, Kühne (50/88, Colet., p. 1925, n.° 26); e de 22 de maio de 1980, Santillo (131/79, Colet., p. 1585, n.° 13).


145 —      V. Fischinger, P., loc.cit. (nota 34), que esclarece, com base no caso da proibição de discriminação em razão da idade, que ao analisar a existência de uma violação de um princípio geral do direito, importa começar por determinar o conteúdo do referido princípio geral do direito de forma autónoma (ou seja, sem recurso a uma norma de direito derivado).


146 —      V. De Mol, M., loc. cit. (nota 50), p. 301, que considera digno de nota o reconhecimento do efeito horizontal de um princípio geral do direito no acórdão Kücükdeveci, na medida em que, no seu entender, os princípios gerais do direito se caracterizam pelo facto de, em primeiro lugar, protegerem em regra o cidadão na relação com o Estado e, em segundo lugar, serem «abstratos na medida em que apenas apontam para uma determinada direção, sem fixar uma regra jurídica concreta».


147 —      Neste sentido, Schweitzer, M./Hummer, W./Obwexer, W. – Europarecht, p. 178, n.° 653; Sariyiannidou, E., loc. cit. (nota 59), p. 122, refere‑se também a uma «separação de competências». Segundo Oppermann, T., loc. cit. (nota 73), § 5, n.° 5, p. 80, a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial, que existe nos Estados, transfigurou‑se, na Comunidade Europeia, em prol de um equilíbrio institucional específico entre as instituições comunitárias. As competências encontram‑se distribuídas, em especial entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão, em termos diferentes das competências a nível estatal. Na Comunidade Europeia também existe um controlo recíproco e um equilíbrio de poderes («checks and balances»). O equilíbrio institucional entre as instituições espelha um princípio basilar do Estado de direito. Esse equilíbrio impõe que cada instituição exerça os respetivos poderes com respeito pelos poderes das outras instituições e que as eventuais violações das esferas de competência possam ser sancionadas pelo Tribunal de Justiça.


148 —      V. as minhas conclusões de 30 de junho de 2009, Audiolux (C‑101/08, Colet., p. I‑9823, n.° 107).


149 —      Sariyiannidou, E., loc. cit. (nota 59), p. 137, considera que o artigo 220.° CE acaba por atribuir ao Tribunal de Justiça a competência para determinar o que é «direito», por sinal sem que existam claras limitações a essa competência. Segundo refere, o Tribunal de Justiça, no desenvolvimento dos princípios gerais do direito, tem feito largo uso da sua competência de desenvolvimento do direito. A autora manifesta o receio de que este facto possa esbater as fronteiras entre a atividade judicial e a atividade política.


150 —      A mesma opinião é também defendida por Seifert, A., loc. cit. (nota 37), que considera possível uma aplicação analógica dos princípios gerais do direito desenvolvidos no acórdão Kücükdeveci a outros domínios protegidos em matéria de direitos fundamentais. Neste âmbito, remete para o direito fundamental a férias anuais remuneradas no artigo 31.°, n.° 2, que é sobretudo concretizado pela diretiva sobre o tempo de trabalho.


151 —      JO L 303, p. 16.


152 —      Acórdão Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 53).


153 —      V. Simon, D. – «L’invocabilité des directives dans les litiges horizontaux: confirmation ou infléchissement», Europe: actualité du droit communautaire, 2010, n.° 3, p. 7, n.° 19.


154 —      V. Seifert, A., loc. cit. (nota 37), p. 806, que considera que o recurso a um princípio geral de direito constitui um meio utilizado pelo Tribunal de Justiça para não entrar em contradição com a própria jurisprudência relativa à inexistência de um efeito horizontal direto das diretivas nas relações entre particulares.


155 —      Acórdão Mangold (já referido na nota 9, supra, n.° 75).


156 —      Acórdão Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 50).


157 —      Ibidem (n.° 51).


158 —      Ibidem (n.os 28 a 43).


159 —      Ibidem (n.os 25 e 26).


160 —      V. n.os 110 a 114 das presentes conclusões.


161 —      V. n.° 47 das presentes conclusões.


162 —      V. n.° 53 das presentes conclusões.


163 —      V., neste contexto, as conclusões da advogada‑geral J. Kokott de 6 de maio de 2010, Roca Álvarez (acórdão de 30 de setembro de 2010, C‑104/09, Colet., p. I‑8661, n.° 55), em que remeteu para os acórdãos Mangold e Kücükdeveci e também colocou a questão de saber se o Tribunal de Justiça irá estender o efeito direto horizontal a outros princípios gerais de direito como a proibição da discriminação em razão do sexo. No entender da advogada‑geral, antes de uma evolução desta natureza seria necessário analisar os fundamentos dogmáticos deste controverso efeito direto horizontal e os seus limites. V., também, Thüsing, G./Horler, S., «Besprechung des Urteils Kücükdeveci» – Common Market Law Review, 2010, p. 1171, defendem uma fundamentação dogmática mais pormenorizada desta abordagem.


164 —      V. n.° 136 das presentes conclusões.


165 —      V. De Mol, M., loc. cit. (nota 50), p. 305, que parte corretamente do pressuposto de que na sua abordagem o Tribunal de Justiça equipara, em grande medida, o princípio geral do direito à diretiva.


166 —      O que também é criticado por Simon, D., loc. cit. (nota 153), n.° 3, p. 4, n.° 7. O autor entende que esta abordagem não define de forma clara nem o alcance do princípio geral do direito da proibição da discriminação em razão da idade, nem a sua concretização nem a da diretiva.


167 —      Neste sentido, Fischinger, P., loc. cit. (nota 34), p. 207.


168 —      V. Fischinger, P., loc. cit. (nota 34), p. 207, que entende que a abordagem no acórdão Kücükdeveci a nível nacional equivaleria à tentativa de deduzir o âmbito de proteção de um direito fundamental garantido constitucionalmente com base no conteúdo de uma lei.


169 —      V. Mörsdorf, O. – «Diskriminierung jüngerer Arbeitnehmer — Unanwendbarkeit von §622 II2 BGB wegen Verstoßes gegen das Unionsrecht», Neue Juristische Wochenschrift, 2010, p. 1048, que sublinha que no acórdão Kücükdeveci o Tribunal de Justiça (apesar das afirmações contrárias) não recorreu à norma jurídica abstrata de direito primário (ou seja, ao princípio geral do direito), mas sim à diretiva, que contém regulamentações mais pormenorizadas, como critério de avaliação da conformidade do direito nacional com o direito da União. De acordo com Fischinger, P., loc. cit. (nota 34), p. 206, na abordagem aplicada no acórdão Kücükdeveci a matéria de facto é retirada da diretiva, mas a consequência jurídica do direito primário.


170 —      Fischinger, P., loc. cit. (nota 34), p. 207, presume que no acórdão Kücükdeveci o Tribunal de Justiça manteve em aberto a possibilidade de se basear também no futuro nos conteúdos das diretivas para determinar o conteúdo do novo direito primário.


171 —      Neste sentido Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 137, n.° 453, que faz depender a concretização dos direitos sociais também das possibilidades financeiras. V. Riesenhuber, K., loc. cit. (nota 50), pp. 49 e segs., n.° 34, que remete para a génese histórica do capítulo IV («Solidariedade») e refere, neste âmbito, que a inclusão de direitos sociais fundamentais na Carta foi particularmente controvertida na Convenção, na medida em que se temia que o reconhecimento de direitos sociais pudesse criar encargos financeiros excessivos para a União e os Estados‑Membros. A favor da sua consideração foi, no entanto, apresentada a indivisibilidade de direitos políticos e sociais, tal como o facto de a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais ter sido tida em conta no artigo 136.°, n.° 1, e artigo 151.° TFUE. O resultado consistiu num compromisso, na medida em que, apesar de terem sido incluídos direitos sociais, estes foram configurados de forma fraca e não como verdadeiros direitos a prestações. Em muitos casos a Carta não contém quaisquer garantias autónomas, remetendo antes, no que respeita ao «se» e ao «como» da proteção, para o direito da União e o direito nacional.


172 —      V. Frenz, W., loc. cit. (nota 37), p. 1059, n.° 3540, que tenta esclarecer por que razão a Carta é incompleta precisamente no domínio dos direitos sociais. No seu entender, é difícil que os direitos sociais consigam ser completos. Por um lado, as noções da sociedade em relação àquilo que deve ser considerado «social» evoluem e, por outro, a determinação de direitos sociais irá sempre basear‑se em compromissos. Rengeling, H. W./Szczekalla, P., loc. cit. (nota 45), p. 793, n.° 793, remetem corretamente para o facto de o conceito de «social» na Carta se manter relativamente aberto. Para além disso, não é claro o que se pretende exatamente transmitir com o título «Solidariedade» no capítulo IV da Carta.


173 —      V., quanto às derrogações e às exceções em concreto, Blanpain, R. – European Labour Law, 11.ª ed., Alphen aan den Rijn, 2008, pp. 586 e segs.


174 —      V. Bauer, J. H./von Medem, A. – «Kücükdeveci = Mangold hoch zwei? Europäische Grundrechte verdrängen deutsches Arbeitsrecht», Zeitschrift für Wirtschaftsrecht, fascículo 11, 2010, p. 452.


175 —      V., designadamente, Bauer, J. H./von Medem, A., loc. cit. (nota 174), que entendem que a abordagem no acórdão Kücükdeveci não deve ser aplicada no caso dos direitos fundamentais dos trabalhadores constantes dos artigos 27.° e segs. da Carta devido às diferenças entre este tipo de direitos fundamentais e as proibições de discriminação. Remetem, também, para o facto de existirem diretivas relativas a vários domínios referidos no título IV («Solidariedade») que, nos termos de uma leitura convencional, não permitem afastar direito nacional contrário em litígios entre particulares. Neste âmbito, os autores invocam expressamente a diretiva sobre o tempo de trabalho que, a título de exemplo, concretiza o direito a férias anuais remuneradas constante do artigo 31.°, n.° 2, da Carta.


176 —      V., no contexto dos princípios do Estado de direito no direito da União, o n.° 96 das presentes conclusões. V. acórdãos de 16 de junho de 1993, França/Comissão (C‑325/91, Colet., p. I‑3288, n.° 26); e de 16 de outubro de 1997, Banque Indosuez e o. (C‑177/96, Colet., p. I‑5659, n.os 26 a 31).


177 —      V. acórdãos de 7 de junho de 2005, VEMW e o. (C‑17/03, Colet., p. I‑4983, n.° 80); e de 14 de janeiro de 2010, Stadt Papenburg (C‑226/08, Colet., p. I‑131, n.° 45).


178 —      V. n.os 61 a 63 das presentes conclusões.


179 —      V. Avbelj, M. – «Temeljna načela prava EU padajo na glavo», Pravna praksa, 2010, n.° 7, p. 34, que critica o acórdão Kücükdeveci por considerar que este poderia virar do avesso a atual jurisprudência relativa à inexistência de efeito horizontal das diretivas. De Mol, M., loc. cit. (nota 50), p. 307, levanta dúvidas em relação à compatibilidade desta abordagem, que diz respeito à aplicação de um princípio geral do direito (proibição da discriminação em razão da idade), com o princípio da segurança jurídica, que também é um princípio geral do direito. De acordo com a autora, os particulares já não poderiam confiar no direito nacional (escrito), devendo, pelo contrário, ter em consideração os possíveis efeitos do princípio geral do direito (não escrito).


180 —      V., designadamente, Thüsing, G./Horler, S., loc. cit. (nota 163); Seifert, A., loc. cit. (nota 37).


181 —      Acórdão Kücükdeveci (já referido na nota 3, supra, n.° 53).


182 —      V. n.° 127 das presentes conclusões.


183 —      V. n.° 65 das presentes conclusões.


184 —      Goffin, L. – «À propos des principes régissant la responsabilité non contractuelle des États membres en cas de violation du droit communautaire», Cahiers de droit européen, n.° 5‑6 (1997), pp. 537 e segs.; Lenaerts, K./Arts, D./Maselis, I. – Procedural Law of the European Union, 2.ª ed., Londres, 2006, n.° 3‑042, p. 109; Knez, R. – «Varstvo pravic posameznika, ki jih vsebuje pravo skupnosti», Revizor, n.° 4/5 (2003), 14.° ano, p. 105; Ossenbühl, F. – Staatshaftungsrecht, 5.ª ed., Munique, 1998, p. 505, e Guichot, E. – La responsabilidad extracontractual de los poderes públicos según el Derecho Comunitario, Valência, 2007, pp. 473, 474, partem de três condições: 1) a regra de direito violada tem por objeto conferir direitos aos particulares; 2) a violação é suficientemente caracterizada; e 3) existe um nexo de causalidade direta entre a violação e os danos sofridos. V., entre outros, acórdãos de 5 de março de 1996, Brasserie du Pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, Colet., p. I‑1029, n.° 51); de 23 de maio de 1996, Hedley Lomas (C‑5/94, Colet., p. I‑2553, n.° 25); de 4 de julho de 2000, Haim (C‑424/97, Colet., p. I‑5123, n.° 36); de 4 de dezembro de 2003, Evans (C‑63/01, Colet., p. I‑14447, n.° 83); e de 25 de janeiro de 2007, Robins e o. (C‑278/05, Colet., p. I‑1053, n.° 69).


185 —      Acórdão de 8 de outubro de 1996, Dillenkofer e o. (C‑178/94, C‑179/94 e C‑188/94 a C‑190/94, Colet., p. I‑4845, n.° 23).


186 —      Neste sentido, também, o advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões de 26 de setembro de 2000, Lindöpark (C‑150/99, Colet., p. I‑493, n.° 51).


187 —      Acórdãos Brasserie du Pêcheur e Factortame (já referido na nota 184, supra, n.° 22); de 26 de março de 1996, British Telecommunications (C‑392/93, Colet., p. I‑1631, n.° 41); e Lindöpark (já referido na nota 186, supra, n.° 38).


188 —      Acórdão Brasserie du Pêcheur e Factortame (já referido na nota 184, supra, n.° 25).


189 —      V. n.° 52 das presentes conclusões.


190 —      Acórdão Merino Gómez (já referido na nota 11, supra).


191 —      Ibidem (n.° 31).


192 —      Acórdão Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 6, supra, n.° 27).


193 —      V. n.° 53 do articulado do Governo francês.


194 —      V. acórdãos de 6 de abril de 2006, Federatie Nederlandse Vakbeweging (C‑124/05, Colet., p. I‑3243, n.° 30); e Schultz‑Hoff e o. (já referido na nota 6, supra, n.° 30).