Language of document : ECLI:EU:C:2019:504

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

18 de junho de 2019 (*)

«Incumprimento de Estado — Artigos 18.o, 34.o, 56.o e 92.o TFUE — Regulamentação de um Estado‑Membro que prevê uma taxa de utilização das infraestruturas para os veículos automóveis ligeiros de passageiros — Situação em que os proprietários de veículos registados nesse Estado‑Membro beneficiam de um desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis de um montante correspondente a essa taxa»

No processo C‑591/17,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 259.o TFUE, entrada em 12 de outubro de 2017,

República da Áustria, representada por G. Hesse, J. Schmoll e C. Drexel, na qualidade de agentes,

demandante,

apoiada por:

Reino dos Países Baixos, representado por J. Langer, J. M. Hoogveld e M. K. Bulterman, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

República Federal da Alemanha, representada por T. Henze e S. Eisenberg, na qualidade de agentes, assistidos por C. Hillgruber, Rechtsanwalt,

demandada,

apoiada por:

Reino da Dinamarca, representado por J. Nymann‑Lindegren e M. Wolff, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta (relatora), vice‑presidente, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, E. Regan e C. Lycourgos, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič, J. Malenovský, C. G. Fernlund, P. G. Xuereb, N. Piçarra e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: K. Malacek, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de dezembro de 2018,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de fevereiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a República da Áustria pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao introduzir a taxa de utilização das infraestruturas para os veículos automóveis ligeiros de passageiros através da Infrastrukturabgabegesetz (Lei da Taxa de Utilização das Infraestruturas), de 8 de junho de 2015 (BGBl. I, p. 904), na sua versão resultante do artigo 1.o da Lei de 18 de maio de 2017 (BGBl. I, p. 1218) (a seguir «InfrAG»), e ao prever um desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis correspondente, pelo menos, ao montante da referida taxa para os proprietários de veículos registados na Alemanha, introduzida na Kraftfahrzeugsteuergesetz (Lei do Imposto sobre os Veículos Automóveis), de 26 de setembro de 2002 (BGBl. I, p. 3818, a seguir «KraftStG»), pela Zweites Verkehrsteueränderungsgesetz (Segunda lei de alteração do Imposto de Circulação), de 8 de junho de 2015 (BGBl. I, p. 901), e alterada pela última vez pela Gesetz zur Änderung des Zweiten Verkehrsteueränderungsgesetzes (Lei que procede à alteração da Segunda lei de alteração do Imposto de Circulação), de 6 de junho de 2017 (BGBl. I, p. 1493) (a seguir, em conjunto, «medidas nacionais controvertidas»), a República Federal da Alemanha violou os artigos 18.o, 34.o, 56.o e 92.o TFUE.

 Quadro jurídico

 Direito da União

2        Nos termos do artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 1999, relativa à aplicação de imposições aos veículos pesados de mercadorias pela utilização de certas infraestruturas (JO 1999, L 187, p. 42), conforme alterada pela Diretiva 2011/76/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de setembro de 2011 (JO 2011, L 269, p. 1) (a seguir «Diretiva Eurovinhetas»), esta aplica‑se aos impostos sobre os veículos, às portagens e aos direitos de utilização aplicados aos veículos definidos no seu artigo 2.o O referido artigo 2.o, alínea d), define o conceito de «veículo» na aceção da Diretiva Eurovinhetas como «um veículo a motor ou um conjunto de veículos articulados utilizados no transporte rodoviário de mercadorias ou a ele destinados, com um peso bruto máximo autorizado igual ou superior a 3,5 toneladas».

3        O artigo 7.o da Diretiva Eurovinhetas dispõe:

«1.      Sem prejuízo do disposto no n.o 1‑A do artigo 9.o, os Estados‑Membros podem manter ou introduzir portagens e/ou direitos de utilização na rede rodoviária transeuropeia ou em determinados troços dessa rede, bem como em qualquer outro troço da sua rede de autoestradas que não faça parte da rede rodoviária transeuropeia, nas condições estabelecidas nos n.os 2, 3, 4 e 5 do presente artigo e nos artigos 7.o‑A a 7.o‑K. Tal situação não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem, nos termos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, portagens e/ou direitos de utilização noutras infraestruturas, desde que a sua imposição nessas infraestruturas não discrimine negativamente o tráfego internacional nem dela resultem distorções de concorrência entre operadores.

[…]

3.      As portagens e direitos de utilização devem ser aplicados sem discriminação, direta ou indireta, por razões associadas à nacionalidade do transportador, ao Estado‑Membro ou ao país terceiro de estabelecimento do transportador ou de registo do veículo, ou à origem ou destino da operação de transporte.

[…]»

4        O artigo 7.o‑K da referida diretiva prevê:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 107.o e 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a presente diretiva não prejudica o direito que assiste aos Estados‑Membros que introduzam um sistema de portagens e/ou direitos de utilização das infraestruturas de preverem uma compensação adequada desses custos.»

 Direito alemão

 InfrAG

5        O § 1 da InfrAG prevê o pagamento de uma taxa de utilização das estradas federais pelos veículos automóveis ligeiros de passageiros (a seguir «taxa de utilização das infraestruturas»), na aceção do artigo 1.o da Bundesfernstraßengesetz (Lei das Estradas Federais), na sua versão publicada em 28 de junho de 2007 (BGBl. I, p. 1206), incluindo as autoestradas.

6        Em conformidade com os §§ 3 e 7 da InfrAG, para os veículos registados na Alemanha, a taxa de utilização das infraestruturas deve ser paga, sob a forma de uma vinheta anual, pelo proprietário do veículo. Nos termos do § 5, n.o 1, da InfrAG, o montante da taxa é fixado por decisão da autoridade responsável pela referida taxa. A vinheta deve ser adquirida no momento do registo.

7        Para os veículos registados no estrangeiro, a obrigação de pagar a taxa, que só é devida em caso de utilização das autoestradas, recai sobre o proprietário ou sobre o condutor durante a referida utilização e tem origem, em conformidade com o § 5, n.o 4, da InfrAG, na primeira utilização de uma estrada sujeita a taxa, após a travessia de uma fronteira. A taxa deve ser paga através da compra de uma vinheta. A este respeito, pode optar‑se entre uma vinheta de dez dias, uma vinheta de dois meses ou uma vinheta anual.

8        O montante da taxa a pagar, que é objeto do n.o 1 do anexo ao § 8 da InfrAG, é calculado com base na cilindrada do motor, o meio de propulsão (ignição comandada/ignição por compressão) e na classe de emissão. Este número tem a seguinte redação:

«A taxa de utilização das infraestruturas ascende,

1.      no caso da vinheta de dez dias para os veículos relativamente aos quais, por uma vinheta anual nos termos do n.o 3, deve ser paga uma taxa de utilização das infraestruturas de

a)      menos de 20 euros, a 2,50 euros

b)      menos de 40 euros, a 4 euros

c)      menos de 70 euros, a 8 euros

d)      menos de 100 euros, a 14 euros

e)      menos de 130 euros, a 20 euros, e

f)      130 euros, a 25 euros.

2.      no caso da vinheta de dois meses para os veículos relativamente aos quais, por uma vinheta anual nos termos do n.o 3, deve ser paga uma taxa de utilização das infraestruturas de

a)      menos de 20 euros, a 7 euros

b)      menos de 40 euros, a 11 euros

c)      menos de 70 euros, a 18 euros

d)      menos de 100 euros, a 30 euros

e)      menos de 130 euros, a 40 euros, e

f)      130 euros, a 50 euros.

3.      no caso da vinheta anual para

a)      os veículos, na aceção do § 1, n.o 1, pontos 1 e 3, com motores de êmbolos de movimento alternado e motores de êmbolo rotativo por 100 cm3 de cilindrada ou uma parte deste volume quando

aa)      forem movidos por motores de ignição comandada e

aaa)      não preencherem os requisitos das classes de emissão referidas em bbb) e ccc) ou cujo respeito não tenha sido corretamente demonstrado, a 6,50 euros

bbb)      preencherem os requisitos da classe de emissão Euro 4 ou Euro 5, a 2 euros

ccc)      preencherem os requisitos da classe de emissão Euro 6, a 1,80 euros

bb)      forem movidos por um motor de ignição por compressão e

aaa)      não preencherem os requisitos das classes de emissão referidas em bbb) e ccc) ou cujo respeito não tenha sido corretamente demonstrado, a 9,50 euros

bbb)      preencherem os requisitos da classe de emissão Euro 4 ou Euro 5, a 5 euros

ccc)      preencherem os requisitos da classe de emissão Euro 6, a 4,80 euros

b)      os veículos, na aceção do § 1, n.o 1, ponto 2, por 200 kg do peso total admissível ou uma parte desse peso, a 16 euros

sem que, no entanto, no total, possa ser ultrapassado o montante de 130 euros.»

9        Se as estradas sujeitas à taxa forem utilizadas sem uma vinheta válida ou se a vinheta for calculada a um nível demasiado baixo, a taxa é cobrada a posteriori por decisão, em conformidade com o § 12 da InfrAG. A referida taxa deverá então ser paga até ao montante da vinheta anual ou da diferença entre o montante já pago e o montante da vinheta anual.

10      O § 11 da InfrAG prevê inspeções aleatórias para verificação do cumprimento da obrigação de pagamento da taxa. Em conformidade com o § 11, n.o 7, da InfrAG, no local da inspeção, as autoridades podem cobrar a taxa até ao montante da vinheta anual e uma caução de montante equivalente ao da coima a estabelecer nos termos do § 14 da InfrAG, para além do pagamento de despesas processuais. Além disso, o condutor pode ser proibido de prosseguir a sua viagem quando a taxa não for paga no local da inspeção, apesar do pedido formulado nesse sentido, e se existirem dúvidas razoáveis quanto à sua capacidade para a pagar mais tarde ou se os documentos necessários para a inspeção não forem apresentados, as informações solicitadas não forem prestadas ou uma caução obrigatória não for paga no todo ou em parte.

11      Segundo o § 14 da InfrAG, o não pagamento ou o pagamento incompleto da taxa, a falta de prestação ou a prestação de informações incorretas e a inobservância de uma ordem para parar o veículo no contexto de uma inspeção do cumprimento da obrigação de pagar a taxa são contraordenações puníveis com coima.

 KraftStG

12      O § 9, n.o 6, da KraftStG dispõe o seguinte:

«No que respeita aos veículos nacionais, o imposto anual [sobre os veículos automóveis] é reduzido (desagravamento), no caso

1)      dos veículos ligeiros de passageiros, por 100 cm3 de cilindrada ou para uma parte deste volume,

a)      quando respeitem os valores limite obrigatórios do quadro 2 do Anexo I do Regulamento (CE) n.o 715/2007 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2007, relativo à homologação dos veículos a motor no que respeita às emissões dos veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos (JO 2007, L 171, p. 1),] e forem movidos por

aa)      motores de ignição comandada, em 2,32 euros,

bb)      motores de ignição por compressão, em 5,32 euros,

b)      quando respeitem os valores limite obrigatórios do quadro 1 do Anexo I do Regulamento [n.o 715/2007] ou da linha B da classe de veículos M dos quadros constantes do ponto 5.3.1.4 do anexo I da Diretiva 70/220/CEE [do Conselho, de 20 de março de 1970, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes às medidas a tomar contra a poluição do ar pelos gases provenientes dos motores de ignição comandada que equipam os veículos a motor (JO 1970, L 76, p. 1; EE 13 F1 p. 195),] na versão válida até 1 de janeiro de 2013 e forem movidos por

aa)      motores de ignição comandada, em 2 euros,

bb)      motores de ignição por compressão, em 5 euros,

c)      se não respeitarem as exigências previstas nas alíneas a) e b) e são movidos por

aa)      motores de ignição comandada, em 6,50 euros,

bb)      motores de ignição por compressão, em 9,50 euros

no entanto, não mais de 130 euros no total;

2)      das autocaravanas, por 200 kg de peso total autorizado ou uma parte desse peso, para 16 euros, no entanto, não mais de 130 euros no total;

3)      dos veículos ligeiros de passageiros e as autocaravanas com

a)      um número de matrícula concedido aos veículos de coleção, em 130 euros,

b)      um número de matrícula sazonal concedido a cada dia do período de exploração, na parte do montante anual, de acordo com os pontos 1 a 3, alínea a).

O montante do desagravamento nos termos da primeira frase limita‑se ao imposto anual ao abrigo do n.o 1, pontos 2 e 2a, e do n.o 4, ponto 2, no caso das matrículas sazonais à parte do montante anual de acordo com o período de exploração.»

13      Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, da Segunda lei de alteração do Imposto de Circulação, a entrada em vigor desta regulamentação depende do início da cobrança da taxa de utilização das infraestruturas, em conformidade com a InfrAG.

 Procedimento précontencioso e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

14      Na notificação para cumprir de 18 de junho de 2015, a Comissão Europeia deu início a um processo por incumprimento contra a República Federal da Alemanha, pondo em causa, por um lado, os efeitos combinados das medidas nacionais controvertidas e, por outro, os preços das vinhetas de curta duração. Na notificação para cumprir, completada por uma segunda notificação para cumprir de 10 de dezembro de 2015, chamava‑se a atenção das autoridades alemãs para uma possível violação, pelas referidas medidas, dos artigos 18.o, 34.o, 45.o, 56.o e 92.o TFUE. Após uma troca de opiniões com as autoridades alemãs e depois de ter emitido um parecer fundamentado em 28 de abril de 2016, a Comissão decidiu, em 29 de setembro de 2016, remeter a questão para o Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 258.o TFUE.

15      No entanto, na sequência de alterações às disposições da legislação alemã que eram criticadas pela Comissão, esta decidiu, em 17 de maio de 2017, encerrar o processo por incumprimento.

16      Por carta de 7 de julho de 2017, a República da Áustria submeteu a questão à apreciação da Comissão, em aplicação do artigo 259.o TFUE, a respeito de uma eventual violação, pela República Federal da Alemanha, dos artigos 18.o, 34.o, 56.o e 92.o TFUE, como consequência dos efeitos combinados da taxa de utilização das infraestruturas e do desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis a favor dos titulares de veículos registados na Alemanha.

17      Por carta de 14 de julho de 2017, a Comissão acusou a receção da carta da República da Áustria.

18      Por carta de 11 de agosto de 2017, a República Federal da Alemanha rejeitou a argumentação da República da Áustria e justificou as medidas nacionais controvertidas essencialmente com a alteração do sistema, que passou do financiamento através do imposto para o financiamento pelos utilizadores, bem como com a legalidade das medidas compensatórias com base na Diretiva Eurovinhetas.

19      Em 31 de agosto de 2017, realizou‑se uma audição na sede da Comissão, durante a qual a República da Áustria e a República Federal da Alemanha apresentaram os respetivos argumentos.

20      A Comissão não formulou um parecer fundamentado no prazo de três meses previsto no artigo 259.o TFUE.

21      Em 12 de outubro de 2017, a República da Áustria intentou a presente ação.

22      Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 15 de janeiro e de 14 de fevereiro de 2018, foi admitida a intervenção do Reino dos Países Baixos e do Reino da Dinamarca, em apoio dos pedidos da República da Áustria e da República Federal da Alemanha, respetivamente.

 Quanto à ação

23      Em apoio da sua ação, a República da Áustria apresenta quatro argumentos relativos à legislação nacional em causa, precisando‑se que esta, embora aprovada, ainda não entrou em vigor. O primeiro e segundo argumentos são relativos à violação do artigo 18.o TFUE resultante, por um lado, do efeito combinado da taxa de utilização das infraestruturas e do desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis para os veículos registados na Alemanha, bem como, por outro, do ajustamento e da aplicação da taxa de utilização das infraestruturas. O terceiro argumento é relativo à violação dos artigos 34.o e 56.o TFUE por todas as medidas criticadas a título do primeiro e segundo argumentos. O quarto argumento é relativo à violação do artigo 92.o TFUE pelo efeito combinado da taxa de utilização das infraestruturas e do desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis registados na Alemanha.

 Quanto ao primeiro argumento, relativo à violação do artigo 18.o TFUE resultante do efeito combinado das medidas nacionais controvertidas

 Argumentos das partes

24      A República da Áustria sustenta que o efeito combinado da taxa de utilização das infraestruturas e do desagravamento concomitante do imposto sobre os veículos automóveis, num montante pelo menos equivalente ao dessa taxa, de que beneficiam os proprietários de veículos registados na Alemanha, leva a que, de facto, a referida taxa só recaia sobre os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, que são, na esmagadora maioria, nacionais desses Estados. Esta circunstância comporta, assim, uma discriminação indireta em razão da nacionalidade, contrária ao artigo 18.o TFUE.

25      Tal discriminação decorre da ligação absoluta e indissolúvel do ponto de vista material e temporal entre a taxa de utilização das infraestruturas e o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis para os veículos registados na Alemanha, ligação essa que implica que as medidas nacionais controvertidas devem ser consideradas e apreciadas em conjunto na perspetiva do direito da União.

26      A República da Áustria salienta, além disso, que as medidas nacionais controvertidas têm por objetivo executar uma promessa eleitoral feita durante a campanha para as eleições para o Bundestag (Parlamento Federal alemão) durante o ano de 2013 na Alemanha, destinada a associar os condutores de veículos automóveis estrangeiros aos custos de financiamento das infraestruturas alemãs sem impor encargos adicionais aos proprietários de veículos alemães.

27      Por último, a República da Áustria remete para o n.o 23 do Acórdão de 19 de maio de 1992, Comissão/Alemanha (C‑195/90, EU:C:1992:219), para sustentar a existência da discriminação indireta invocada.

28      A República Federal da Alemanha, depois de ter reconhecido que as medidas nacionais controvertidas constituem uma unidade tanto de acordo com o seu fim subjetivo como de acordo com o seu conteúdo objetivo, contesta a existência de uma discriminação resultante da introdução da taxa de utilização das infraestruturas, mesmo considerada em conjugação com o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis.

29      Em primeiro lugar, a República Federal da Alemanha observa, a este respeito, que, embora a introdução da taxa de utilização das infraestruturas altere o statu quo em detrimento dos proprietários e dos condutores de veículos registados no estrangeiro, não contém um tratamento desfavorável que penalize esses proprietários e os condutores em relação aos proprietários de veículos registados na Alemanha. Pelo contrário, os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha seriam colocados, no que se refere à contribuição para o financiamento das infraestruturas de transporte federais, numa situação mais favorável do que a dos proprietários de veículos registados na Alemanha, uma vez que os primeiros só devem pagar a taxa de utilização das infraestruturas quando utilizam as autoestradas alemãs, ao passo que os segundos estão, de qualquer modo, sujeitos a essa taxa e devem, além disso, suportar o imposto sobre os veículos automóveis, mesmo que este último possa ser objeto de uma redução. Além disso, o encargo que recai sobre os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, a título da taxa de utilização das infraestruturas corresponde, no máximo, ao que recai a esse título, em qualquer caso, sobre os proprietários de veículos registados na Alemanha.

30      Em segundo lugar, a República Federal da Alemanha salienta que o facto de o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis só favorecer os proprietários de veículos registados na Alemanha assenta no direito da União, designadamente na Diretiva 83/182/CEE do Conselho, de 28 de março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis na Comunidade em matéria de importação temporária de certos meios de transporte (JO 1983, L 105, p. 59; EE 09 F1 p. 156), que fixa, ela própria, a repartição dos direitos de tributação dos veículos de acordo com o local do registo e, assim, de acordo com o lugar da residência habitual. A delimitação dos poderes nacionais de tributação dos veículos automóveis efetuada por esta diretiva, que visa eliminar uma dupla tributação dos operadores de mercado e dos cidadãos da União tendo em conta a falta de harmonização neste domínio, significa que, para cada veículo, só é determinante o imposto sobre os veículos do Estado‑Membro em que o referido veículo está registado. O montante do imposto alemão sobre os veículos automóveis, que só incide sobre os proprietários de veículos registados na Alemanha, é, assim, irrelevante para os proprietários de veículos registados nos outros Estados‑Membros.

31      Em terceiro lugar, a República Federal da Alemanha alega que a introdução de uma taxa de utilização das infraestruturas cuja receita reverte a favor do orçamento dos transportes e é inteiramente utilizada em conformidade com a sua afetação, para a melhoria das infraestruturas de transporte federais, responde ao objetivo de reforçar o financiamento dessas infraestruturas pelos utilizadores. O referido objetivo levou este Estado‑Membro a uma alteração de sistema, devendo este passar de um financiamento através do imposto para um financiamento pelos utilizadores. Neste contexto, a República Federal da Alemanha, no exercício da sua competência para regular os impostos diretos, decidiu adaptar o imposto sobre os veículos automóveis, mediante a introdução de um desagravamento de uma parte desse imposto, a fim de manter a pressão financeira global sobre os proprietários de veículos registados nesse Estado‑Membro no nível anterior e prevenir uma dupla tributação desproporcionada.

32      Em quarto lugar, a possibilidade de uma compensação da taxa de utilização das infraestruturas através de uma redução do imposto sobre os veículos automóveis resulta da génese do artigo 7.o, n.o 3, e do artigo 7.o‑K da Diretiva Eurovinhetas, que serviria de modelo no que respeita às regras sobre as taxas de utilização da rede rodoviária para os veículos automóveis ligeiros de passageiros. A prática recente de alguns Estados‑Membros, como o Reino Unido ou o Reino da Bélgica, que, no que respeita aos veículos pesados de mercadorias, usam essa possibilidade, sustenta a conformidade das medidas nacionais controvertidas com o direito da União.

33      Por último, em quinto lugar, a República Federal da Alemanha sublinha que as declarações efetuadas numa campanha eleitoral não têm influência na constatação de uma eventual diferença de tratamento constitutiva de uma discriminação.

34      A título subsidiário, a República Federal da Alemanha invoca, como motivos que justificam a eventual discriminação indireta resultante da combinação das medidas nacionais controvertidas, considerações ligadas à proteção do ambiente, à repartição dos encargos entre os utilizadores das infraestruturas nacionais e estrangeiros, bem como à alteração do sistema de financiamento das infraestruturas de transporte federais.

35      Em substância, o Reino dos Países Baixos partilha da tese defendida pela República da Áustria e salienta a comparabilidade, no caso em apreço, da situação dos proprietários de veículos registados na Alemanha com a dos proprietários e condutores de veículos registados num Estado‑Membro diferente da Alemanha, que utilizam as autoestradas alemãs.

36      Em contrapartida, o Reino da Dinamarca concorda com a República Federal da Alemanha quanto ao facto de as medidas nacionais controvertidas não serem discriminatórias e sublinha, nomeadamente, a competência dos Estados‑Membros para estabelecer, alterar e revogar impostos diretos e taxas nacionais não harmonizadas a nível da União.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

37      A República da Áustria sustenta, em substância, no âmbito do seu primeiro argumento, que a taxa de utilização das infraestruturas e o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis para os veículos registados na Alemanha, apesar de não assentar formalmente numa distinção em função da nacionalidade, conduzem, pelo seu efeito combinado, a que seja concedido aos nacionais alemães um tratamento mais favorável do que o reservado aos nacionais de outros Estados‑Membros e violam assim o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE.

38      Esta disposição prevê que, no âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

39      Neste contexto, em primeiro lugar, importa salientar que, segundo jurisprudência constante, o artigo 18.o TFUE, que consagra o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, só se destina a ser aplicado autonomamente em situações reguladas pelo direito da União em relação às quais o Tratado FUE não preveja regras específicas de não discriminação (Acórdão de 18 de julho de 2017, Erzberger, C‑566/15, EU:C:2017:562, n.o 25 e jurisprudência referida).

40      Ora, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade é aplicado, nomeadamente, no âmbito da livre circulação de mercadorias, no artigo 34.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 36.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 8 de junho de 2017, Medisanus, C‑296/15, EU:C:2017:431, n.o 65), no da livre circulação dos trabalhadores, no artigo 45.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2017, Bechtel, C‑20/16, EU:C:2017:488, n.o 32 e jurisprudência referida) e, no da livre prestação de serviços, nos artigos 56.o a 62.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2014, Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor, C‑53/13 e C‑80/13, EU:C:2014:2011, n.o 32 e jurisprudência referida).

41      Daqui resulta que, no presente processo, as medidas nacionais controvertidas só podem ser analisadas à luz do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE na medida em que se apliquem a situações que não são abrangidas por essas regras específicas de não discriminação previstas pelo Tratado FUE.

42      Em seguida, importa recordar que o princípio geral da não discriminação em razão da nacionalidade, consagrado no artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, proíbe não apenas as discriminações diretas, baseadas na nacionalidade, mas ainda todas as formas indiretas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (v., neste sentido, Acórdão de 13 de abril de 2010, Bressol e o., C‑73/08, EU:C:2010:181, n.o 40 e jurisprudência referida).

43      Para apreciar a procedência do primeiro argumento da República da Áustria, importa, em primeiro lugar, verificar se as medidas nacionais controvertidas apresentam entre si uma ligação que justifique que sejam objeto de uma apreciação conjunta à luz do direito da União.

44      A este respeito, em primeiro lugar, há que observar que, como resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, a taxa de utilização das infraestruturas e o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis foram introduzidos no mesmo dia, ou seja, em 8 de junho de 2015, foram depois alterados em datas próximas, ou seja, respetivamente, em 18 de maio de 2017 e 6 de junho de 2017, e que a aplicação desse desagravamento foi subordinada ao início da cobrança da referida taxa. Por outro lado, o montante do desagravamento de que beneficiam os proprietários de veículos registados na Alemanha corresponde ao montante da taxa de utilização das infraestruturas que estes proprietários tiveram de pagar previamente, salvo no que respeita aos veículos da classe de emissão Euro 6, cujos proprietários beneficiam de um desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis de um montante superior ao da taxa que tiveram de pagar. Daqui resulta que o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis tem, em todos os casos, por efeito, pelo menos, compensar os proprietários de veículos registados na Alemanha, pelo novo encargo que constitui a taxa de utilização das infraestruturas.

45      Em seguida, quanto à cobrança da taxa de utilização das infraestruturas aos proprietários de veículos registados na Alemanha, a República Federal da Alemanha previu que essa taxa fosse devida, tal como o imposto sobre os veículos automóveis, no momento do registo do veículo.

46      Assim, há que constatar que, tanto do ponto de vista temporal como do ponto de vista material, existe uma ligação tão estreita entre as medidas nacionais controvertidas que se justifica apreciá‑las conjuntamente à luz do direito da União, em especial do artigo 18.o TFUE. A existência dessa ligação é, além disso, reconhecida pela República Federal da Alemanha, como resulta do n.o 28 do presente acórdão.

47      Em segundo lugar, há que verificar se as medidas nacionais controvertidas, apreciadas conjuntamente, instituem uma diferença de tratamento em razão da nacionalidade.

48      A este respeito, é pacífico que, em aplicação destas medidas, todos os utilizadores das autoestradas alemãs estão sujeitos à taxa de utilização das infraestruturas, independentemente do local do registo dos seus veículos. Todavia, os proprietários dos veículos registados na Alemanha beneficiam de um desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa que tiveram de pagar, pelo que o encargo económico dessa taxa só recai, de facto, sobre os proprietários e os condutores dos veículos registados num Estado‑Membro diferente da Alemanha.

49      Afigura‑se assim que, em virtude da combinação das medidas nacionais controvertidas, os proprietários e os condutores de veículos registados num Estado‑Membro diferente da Alemanha, que utilizam as autoestradas alemãs, são tratados de forma menos favorável que os proprietários de veículos registados na Alemanha, no que respeita à utilização dessas autoestradas, mesmo que se encontrem em situações comparáveis relativamente a essa utilização.

50      Tal desigualdade de tratamento é particularmente manifesta no caso de veículos da classe de emissão Euro 6. Com efeito, enquanto os proprietários deste tipo de veículos registados na Alemanha recebem uma sobrecompensação da taxa de utilização das infraestruturas, os proprietários e os condutores de veículos da classe Euro 6 registados num Estado‑Membro diferente da Alemanha, que utilizam as autoestradas alemãs, devem, em todo o caso, suportar a referida taxa. Assim, estes últimos são tratados de forma menos favorável não só relativamente aos proprietários de veículos da classe de emissão Euro 6 registados na Alemanha mas também em relação aos proprietários de veículos mais poluentes registados nesse Estado‑Membro.

51      Por último, embora a diferença de tratamento constatada não seja diretamente baseada na nacionalidade, não deixa de ser verdade que a grande maioria dos proprietários e dos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha não são nacionais alemães, ao passo que a grande maioria dos proprietários de veículos registados na Alemanha o são, pelo que essa diferença conduz, de facto, ao mesmo resultado que uma diferença de tratamento baseada na nacionalidade.

52      A circunstância de, por um lado, os proprietários de veículos registados na Alemanha estarem sujeitos à taxa de utilização das infraestruturas e estarem, além disso, sujeitos ao imposto sobre os veículos automóveis, e de, por outro, o montante a pagar pelos proprietários e condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, a título dessa taxa, corresponder, no máximo, àquele que deve ser pago pelos proprietários de veículos registados na Alemanha, a título da mesma taxa, em nada altera, contrariamente ao que alega a República Federal da Alemanha, a constatação que figura no n.o 49 do presente acórdão. Assim, a desigualdade de tratamento constatada em detrimento dos proprietários e dos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha resulta do facto de, devido ao desagravamento de que beneficiam os proprietários de veículos registados na Alemanha, estes últimos não estarem, de facto, sujeitos ao encargo económico que representa a taxa de utilização das infraestruturas.

53      Esta conclusão também não pode ser invalidada pelos argumentos apresentados pela República Federal da Alemanha, resumidos nos n.os 30 a 32 do presente acórdão.

54      Em primeiro lugar, quanto ao argumento segundo o qual é conforme com o direito da União que o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis só beneficie os proprietários de veículos registados na Alemanha, o Tribunal de Justiça declarou, na verdade, que, na falta de harmonização da tributação dos veículos automóveis, os Estados‑Membros são livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, surgindo o registo como o corolário natural do exercício desta competência (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2002, Cura Anlagen, C‑451/99, EU:C:2002:195, n.os 40 e 41). Essa circunstância explica que o imposto sobre os veículos automóveis só incide sobre os proprietários de veículos registados na Alemanha, de modo que apenas estes últimos podem beneficiar do desagravamento deste imposto.

55      Todavia, esta circunstância não significa, no entanto, que o montante do referido imposto não seja relevante para apreciar a existência de uma discriminação que afete os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha.

56      Com efeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, os Estados‑Membros devem exercer a sua competência em matéria de fiscalidade direta com observância do Direito da União e, nomeadamente, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE (Acórdãos de 21 de março de 2002, Cura Anlagen, C‑451/99, EU:C:2002:195, n.o 40, e de 25 de julho de 2018, TTL, C‑553/16, EU:C:2018:604, n.o 44 e jurisprudência referida).

57      Daqui resulta que, ao instituir impostos sobre os veículos automóveis, os Estados‑Membros devem respeitar, nomeadamente, o princípio da igualdade de tratamento, de modo que as modalidades de aplicação desses impostos não constituam uma forma de discriminação.

58      Ora, no caso em apreço, o desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha tem por efeito compensar integralmente a taxa de utilização das infraestruturas por eles paga, pelo que, como foi referido no n.o 48 do presente acórdão, o encargo económico da referida taxa recai, de facto, apenas sobre os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, o que constitui uma medida discriminatória em detrimento destes últimos.

59      Assim, o montante do imposto sobre os veículos automóveis é relevante para os proprietários e para os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha na medida em que as regras aplicáveis para a sua fixação conduzem, na realidade, a uma diferença de tratamento em seu detrimento.

60      Em segundo lugar, como sustenta a República Federal da Alemanha, é permitido aos Estados‑Membros alterar o sistema de financiamento das suas infraestruturas rodoviárias, substituindo um sistema de financiamento através do imposto por um sistema de financiamento por todos os utilizadores, incluindo os proprietários e os condutores de veículos registados noutros Estados‑Membros que utilizam essas infraestruturas, para que todos esses utilizadores contribuam de forma equitativa e proporcionada para o referido financiamento, desde que essa alteração respeite o direito da União, incluindo o princípio da não discriminação consagrado no artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE. Tal alteração provém da livre escolha de qualquer Estado‑Membro de definir as modalidades de financiamento das suas infraestruturas públicas, no respeito do direito da União.

61      No caso em apreço, resulta dos articulados da República Federal da Alemanha que esse Estado‑Membro decidiu, quanto às suas infraestruturas de transporte federais, passar parcialmente de um sistema de financiamento através do imposto para um sistema de financiamento baseado nos princípios do «utilizador‑pagador» e do «poluidor‑pagador».

62      Esta mudança de sistema assenta na introdução da taxa de utilização das infraestruturas a que estão sujeitos todos os utilizadores das autoestradas alemãs, quer o seu veículo esteja ou não registado na Alemanha, e cujas receitas se destinam inteiramente ao financiamento das infraestruturas rodoviárias, uma vez que a República Federal da Alemanha adaptou as tarifas dessa taxa em função da classe de emissão dos veículos em causa.

63      No entanto, há que constatar que as medidas nacionais controvertidas não se afiguram coerentes com o objetivo prosseguido pela República Federal da Alemanha quando esta introduziu a taxa de utilização das infraestruturas, recordado no n.o 61 do presente acórdão.

64      A este respeito, a República Federal da Alemanha, paralelamente à introdução dessa taxa, concebeu um mecanismo de compensação individual desta, a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha, através de um desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis num montante pelo menos equivalente ao pago a título dessa taxa.

65      Ora, a posição desse Estado‑Membro não pode ser acolhida quando sustenta que este desagravamento reflete a passagem para um sistema de financiamento das infraestruturas rodoviárias por todos os utilizadores, em aplicação dos princípios do «utilizador‑pagador» e do «poluidor‑pagador».

66      Com efeito, a própria República Federal da Alemanha admitiu nos seus articulados que, devido ao desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis de que beneficiam, os proprietários de veículos registados na Alemanha, apesar de estarem sujeitos ao pagamento da taxa de utilização das infraestruturas, não estão, na realidade, sujeitos a qualquer encargo suplementar desde a introdução da referida taxa.

67      É certo que esse Estado‑Membro alega que os referidos proprietários já contribuíam para o financiamento das infraestruturas rodoviárias antes da introdução dessa taxa, através do imposto sobre os veículos automóveis, e que o mecanismo de compensação se destina a evitar uma carga fiscal desproporcionada. Todavia, para além do facto de a própria República Federal da Alemanha sublinhar, em termos gerais, que as infraestruturas federais são financiadas pelo imposto, não fez qualquer precisão quanto ao alcance dessa contribuição e não demonstrou, portanto, de forma alguma, que a compensação concedida a esses proprietários, sob a forma de um desagravamento do referido imposto num montante pelo menos equivalente ao da taxa de utilização das infraestruturas, não excede a referida contribuição e tem assim um caráter adequado.

68      Além disso, quanto aos proprietários de veículos registados na Alemanha, há que observar que a taxa de utilização das infraestruturas está concebida de tal modo que não depende de forma alguma da utilização efetiva por estes das estradas federais. Assim, por um lado, essa taxa é devida mesmo por esse proprietário que nunca percorre essas estradas. Por outro lado, o proprietário de um veículo registado na Alemanha está automaticamente sujeito à taxa anual e, por conseguinte, não pode optar por uma vinheta de mais curta duração se esta corresponder melhor à frequência com que utiliza as referidas estradas. Tais elementos, associados à circunstância de os referidos proprietários beneficiarem, além disso, de um desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis num montante pelo menos equivalente ao pago a título dessa taxa, demonstram que a passagem para um sistema de financiamento baseado nos princípios do «utilizador‑pagador» e do «poluidor‑pagador» visa, na realidade, exclusivamente os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, ao passo que o princípio de um financiamento através do imposto continua a ser aplicável aos proprietários de veículos registados nesse Estado‑Membro.

69      Nestas circunstâncias, há que concluir que o mecanismo de compensação em causa no caso em apreço é discriminatório em relação aos proprietários e aos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, uma vez que a República Federal da Alemanha não conseguiu demonstrar que o referido mecanismo corresponde ao objetivo, anunciado por esse Estado‑Membro, de passar de um sistema de financiamento das infraestruturas através do imposto para um sistema de financiamento por todos os utilizadores, tendo, de facto, a redução do imposto sobre os veículos automóveis introduzida por esse Estado‑Membro como consequência a isenção da taxa de utilização das infraestruturas a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha.

70      Em terceiro lugar, a combinação das medidas nacionais controvertidas não pode, em qualquer caso, ter fundamento, mesmo por analogia, na Diretiva Eurovinhetas.

71      A este respeito, basta salientar que nenhuma disposição desta diretiva autoriza, no âmbito da tributação dos veículos pesados de mercadorias pela utilização das infraestruturas, um mecanismo de compensação da taxa de utilização das infraestruturas como o que está em causa no caso vertente. Com efeito, além de o artigo 7.o‑K da referida diretiva visar apenas uma «compensação adequada», esta compensação deve, em qualquer caso, respeitar o direito da União.

72      Por outro lado, a suposta existência noutros Estados‑Membros, no âmbito da Diretiva Eurovinhetas, de modelos de compensação do imposto sobre os veículos automóveis semelhantes ao modelo em causa no presente caso também não pode fundamentar a conformidade da combinação das medidas nacionais controvertidas com o artigo 18.o TFUE.

73      Por último, em terceiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, uma discriminação indireta em razão da nacionalidade só pode estar justificada se se basear em considerações objetivas independentes da nacionalidade das pessoas em causa e proporcionadas ao objetivo legitimamente prosseguido pelo direito nacional (Acórdão de 4 de outubro de 2012, Comissão/Áustria, C‑75/11, EU:C:2012:605, n.o 52 e jurisprudência referida).

74      Neste contexto, a República Federal da Alemanha invoca, para justificar a discriminação indireta resultante da combinação das medidas nacionais controvertidas, considerações ligadas à proteção do ambiente, à repartição dos encargos entre os utilizadores alemães e os utilizadores estrangeiros a fim de preservar a coerência do regime fiscal, bem como à alteração do sistema de financiamento das infraestruturas.

75      No que respeita, antes de mais, às considerações ambientais, embora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a proteção do ambiente constitua um objetivo legítimo para justificar uma diferença de tratamento em razão da nacionalidade (v., por analogia, quanto à justificação de restrições às liberdades fundamentais, Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Espanha, C‑428/12, não publicado, EU:C:2014:218, n.o 36 e jurisprudência referida), a República Federal da Alemanha não demonstra, porém, em que medida a introdução de uma taxa de utilização das infraestruturas que, de facto, apenas atinge os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha é adequada para garantir esse objetivo.

76      Em seguida, no que se refere ao objetivo que consiste em passar de um sistema de financiamento das infraestruturas através do imposto para um sistema de financiamento pelos utilizadores, mesmo admitindo que esse objetivo possa justificar uma diferença de tratamento, resulta dos n.os 64 a 69 do presente acórdão que a combinação das medidas nacionais controvertidas não é, todavia, adequada para atingir o referido objetivo.

77      Por último, não pode ser tido em conta o argumento da República Federal da Alemanha relativo à exigência de garantir a coerência do regime fiscal através da repartição equitativa do encargo que representa a taxa de utilização das infraestruturas. Com efeito, como foi constatado no n.o 69 do presente acórdão, a combinação das medidas nacionais controvertidas conduz, de facto, a isentar da referida taxa os proprietários de veículos registados na Alemanha e, portanto, a limitar o encargo que representa essa taxa aos proprietários e condutores de veículos que não estão registados nesse Estado‑Membro.

78      Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar procedente o primeiro argumento e declarar que, ao introduzir a taxa de utilização das infraestruturas e ao prever, simultaneamente, a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha, um desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa paga, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 18.o TFUE.

 Quanto ao segundo argumento, relativo à violação do artigo 18.o TFUE, resultante do ajustamento e da aplicação da taxa de utilização das infraestruturas

 Argumentos das partes

79      A República da Áustria sustenta que o ajustamento da taxa de utilização das infraestruturas é em si mesmo discriminatório e, portanto, contrário ao artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE. A este respeito, a República da Áustria salienta que a InfrAG distingue, em muitos aspetos, os veículos registados na Alemanha dos veículos registados no estrangeiro.

80      Em especial, os poderes de intervenção previstos nos §§ 11, 12 e 14 da InfrAG, a saber, as inspeções aleatórias, a cobrança de uma caução e a proibição de prosseguir viagem, bem como a cobrança a posteriori da taxa de utilização das infraestruturas até ao montante da vinheta anual ou da diferença entre o montante já pago e o da vinheta anual, por força do § 12 da InfrAG, são aplicáveis apenas aos veículos registados no estrangeiro.

81      A aplicação de coimas em conformidade com o § 14 da InfrAG também abrange na sua grande maioria os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha. O facto de os elementos constitutivos de certas infrações, como o «pagamento incompleto da taxa», só poderem ser constatados por parte desses proprietários e desses condutores sustenta esta afirmação.

82      O Acórdão de 19 de março de 2002, Comissão/Itália (C‑224/00, EU:C:2002:185, n.os 16 a 19), confirma a existência da diferença de tratamento imputada à República Federal da Alemanha.

83      A República da Áustria reconhece que o objetivo que consiste em garantir o pagamento da taxa devida de utilização das infraestruturas pelos proprietários e pelos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha poderia eventualmente justificar a diferença de tratamento invocada, no que respeita aos poderes de intervenção e à aplicação de coimas. Em contrapartida, este objetivo não justifica tal diferença no que respeita à cobrança a posteriori da taxa de utilização das infraestruturas, na aceção do § 12 da InfrAG. A propósito deste último ponto, a República da Áustria remete igualmente para o Acórdão de 19 de março de 2002, Comissão/Itália (C‑224/00, EU:C:2002:185, n.o 26).

84      Em qualquer caso, as modalidades concretas do pagamento da taxa de utilização das infraestruturas são desproporcionadas.

85      Com efeito, no que se refere, nomeadamente, ao pagamento de uma caução, a República da Áustria recorda que, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 43 do Acórdão de 26 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha (C‑514/03, EU:C:2006:63), desde que exista a possibilidade de impor as coimas com fundamento em disposições do direito da União ou em tratados internacionais, a entrega de uma caução vai além do necessário para garantir o pagamento da coima. A este respeito, a República da Áustria refere‑se ao Tratado de Cooperação Judiciária em Matéria Administrativa entre a República da Áustria e a República Federal da Alemanha.

86      A República Federal da Alemanha precisa que as regras relativas à execução e ao controlo do pagamento da taxa de utilização das infraestruturas se aplicam indistintamente aos proprietários de veículos registados na Alemanha e aos proprietários e condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha.

87      Embora seja verdade que a cobrança de uma caução, prevista no § 11, n.o 7, da InfrAG, apenas diz respeito aos proprietários e condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, tal cobrança é justificada porque o devedor estrangeiro da taxa de utilização das infraestruturas escapa ao poder tanto da autoridade administrativa competente para a referida taxa como da autoridade administrativa de controlo, quando abandona o território alemão. Por outro lado, a cobrança de uma caução não é obrigatória e o seu montante não é, além disso, desproporcionado.

88      No que respeita ao Acórdão de 26 de janeiro de 2006, Comissão/Espanha (C‑514/03, EU:C:2006:63), evocado pela República da Áustria, a República Federal da Alemanha sublinha que, neste, o Tribunal de Justiça não considerou de forma geral que a exigência de uma caução seria desproporcionada relativamente ao estado atual de desenvolvimento da cooperação transfronteiriça no domínio da justiça, mas exigiu antes, por razões de proporcionalidade, que fosse tida em conta a constituição de uma caução já paga no Estado‑Membro de origem, o que não ocorreu no caso em apreço.

89      A República Federal da Alemanha sustenta que a cobrança a posteriori da taxa de utilização das infraestruturas até ao montante da vinheta anual ou da diferença entre o montante já pago e o montante da vinheta anual visa garantir que a taxa devida será efetivamente paga, e é proporcionada à luz desse objetivo. Neste contexto, a República Federal da Alemanha observa que os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha não são tratados de modo diferente dos proprietários de veículos registados na Alemanha que, em qualquer caso, devem pagar o preço de uma vinheta anual.

90      Por último, quanto à coima prevista em caso de não cumprimento das obrigações relativas à taxa de utilização das infraestruturas, tal coima não é discriminatória nem desproporcionada. A este respeito, a República Federal da Alemanha salienta que a aplicação dessa coima não tem caráter automático e fica sujeita ao princípio da proibição de tomar medidas excessivas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

91      Há que verificar se as disposições da InfrAG sobre as inspeções aleatórias, a proibição de prosseguir viagem com o veículo em causa, a cobrança a posteriori da taxa de utilização das infraestruturas, a eventual imposição de uma coima e o pagamento de uma caução criam uma discriminação em detrimento dos proprietários e dos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha e, em caso afirmativo, se esta pode ser justificada.

92      A este respeito, no que se refere, em primeiro lugar, às disposições da InfrAG relativas às inspeções aleatórias, à proibição de prosseguir viagem e à eventual aplicação de uma coima em caso de violação da obrigação de pagar a taxa devida de utilização das infraestruturas, há que constatar, como salientou o advogado‑geral nos n.os 80 e 81 das suas conclusões, que nada nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça permite deduzir que essas disposições são aplicáveis unicamente aos proprietários e aos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha.

93      Pelo contrário, resulta da redação das referidas disposições que tanto os proprietários de veículos registados na Alemanha como os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha podem ser objeto de inspeções aleatórias, destinadas a verificar se respeitaram a obrigação de pagar a taxa devida de utilização das infraestruturas e, se tal não for o caso, a proibi‑los de prosseguir a sua viagem com o veículo em causa e a aplicar‑lhes uma coima, tal como a República Federal da Alemanha alegou nas suas observações.

94      Além disso, a República da Áustria não demonstrou que as disposições da InfrAG sobre este ponto, embora redigidas de forma neutra, prejudicariam particularmente os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha.

95      Quanto a este último aspeto, no que respeita às disposições relativas à aplicação de coimas, há que salientar, por um lado, que, contrariamente ao que sustenta a República da Áustria, a circunstância de os elementos constitutivos de certas infrações, como o pagamento incompleto da taxa ou o fornecimento incorreto de informações, só se poderem verificar relativamente aos proprietários e condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha não fundamenta a afirmação de que essas disposições visam maioritariamente estes últimos.

96      Com efeito, tal circunstância é uma consequência inevitável das diferenças objetivas que existem entre os proprietários de veículos registados na Alemanha e os proprietários e condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, tanto no que diz respeito à fixação do montante da taxa de utilização das infraestruturas como ao seu pagamento. A este respeito, enquanto os proprietários de veículos registados na Alemanha são obrigados a pagar antecipadamente a taxa, sob a forma de uma vinheta anual adquirida no momento do registo dos veículos, num montante fixado oficiosamente pela autoridade competente, os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha só devem pagar essa taxa quando utilizarem as autoestradas alemãs, após a travessia de uma fronteira, sob a forma de uma vinheta de duração variável, consoante a escolha do utilizador em causa, e num montante fixado de acordo com as informações fornecidas por este.

97      Por outro lado, a República da Áustria não forneceu nenhuma indicação quanto ao montante das eventuais coimas que podem ser aplicadas por infrações que só podem ser cometidas pelos proprietários e pelos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, pelo que nenhum elemento dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça permite concluir que esse montante é desproporcionado em relação à gravidade das infrações.

98      No que se refere, em segundo lugar, à cobrança a posteriori, prevista no § 12 da InfrAG, da taxa de utilização das infraestruturas não paga, até ao montante da vinheta anual, em caso de utilização das autoestradas alemãs sem vinheta válida, ou da diferença entre o montante já pago e o da vinheta anual, em caso de utilização das autoestradas alemãs com uma vinheta de validade demasiado curta, tal disposição não se afigura discriminatória, uma vez que os proprietários de veículos registados na Alemanha devem igualmente pagar o montante correspondente a uma vinheta anual.

99      Além disso, mesmo admitindo que esta disposição cria uma diferença de tratamento em detrimento dos proprietários e dos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha, a mesma seria justificada pelo objetivo de garantir o pagamento efetivo da taxa devida de utilização das infraestruturas. Com efeito, além de tal disposição permitir atingir este objetivo, a obrigação imposta aos proprietários e aos condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da República Federal da Alemanha de pagar, em caso de infração, a taxa de utilização das infraestruturas até ao montante da vinheta anual ou da diferença entre o montante da vinheta anual e o montante já pago não se afigura desproporcionada, tendo em conta o facto de as autoridades alemãs que constatam, aquando de uma inspeção aleatória, uma violação da obrigação de adquirir uma vinheta para utilizar as autoestradas alemãs geralmente não poderem saber há quanto tempo o infrator circula nessas estradas sem dispor da vinheta exigida.

100    Em terceiro lugar, quanto à possibilidade, prevista no § 11, n.o 7, da InfrAG, de as autoridades que constatam, numa inspeção aleatória, a violação da obrigação de pagar a taxa devida de utilização das infraestruturas cobrarem uma quantia a título de caução de um montante equivalente à coima aplicada e às despesas com o procedimento administrativo, é verdade que, como confirmou a República Federal da Alemanha nas suas observações, esta possibilidade existe apenas em relação aos infratores que utilizam um veículo registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha. Por conseguinte, a referida disposição cria uma diferença de tratamento em detrimento destes últimos.

101    A República Federal da Alemanha alega, porém, que essa diferença se justifica pela necessidade de garantir o pagamento das coimas aplicadas aos infratores que utilizem um veículo registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha, tendo em conta a dificuldade de cobrar esses créditos quando esses infratores tiverem saído do território alemão.

102    A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a ausência de convenções que permitam assegurar a execução de uma condenação num Estado‑Membro que não aquele em que foi proferida justifica objetivamente uma diferença de tratamento entre infratores residentes e não residentes e que a obrigação de pagamento de uma quantia a título de caução, imposta só aos infratores não residentes, é uma medida apta a impedir que estes possam subtrair‑se a uma sanção efetiva, declarando simplesmente que não estão de acordo com a cobrança imediata da coima (Acórdão de 19 de março de 2002, Comissão/Itália, C‑224/00, EU:C:2002:185, n.o 21).

103    Tendo em conta esta jurisprudência, há que constatar que o objetivo de garantir o pagamento das coimas aplicadas aos infratores que utilizem um veículo registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha, que é prosseguido pela possibilidade de lhes exigir o pagamento de uma caução, justifica a diferença de tratamento que daí resulta entre esses infratores e os infratores que utilizam um veículo registado na Alemanha.

104    A existência de um acordo bilateral sobre a cooperação judicial e administrativa entre a República da Áustria e a República Federal da Alemanha não tem qualquer incidência a este respeito, uma vez que, como salientou o advogado‑geral no n.o 97 das suas conclusões, esta última não tem acordos semelhantes em vigor com todos os outros Estados‑Membros.

105    Dado que a possibilidade de exigir o pagamento de um montante a título de caução permite atingir o objetivo prosseguido, resta verificar se tal exigência vai além do que é necessário para atingir esse objetivo.

106    A este respeito, importa assinalar que, por um lado, como resulta da redação do § 11, n.o 7, da InfrAG, e como a República Federal da Alemanha salientou nas suas observações, em caso de verificação, por ocasião de uma inspeção aleatória, de uma infração às disposições nacionais respeitantes à taxa de utilização das infraestruturas, as autoridades alemãs podem, mas não estão obrigadas, exigir dos infratores que utilizem um veículo registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha e que recusem o pagamento imediato da coima aplicada o pagamento de uma caução para garantir o pagamento dessa coima.

107    Na medida em que o pagamento de uma caução não é exigido de forma automática a todos os infratores, é razoável presumir que as autoridades competentes só façam esta exigência quando, atendendo às circunstâncias individuais, houver um risco de a coima aplicada não poder ser cobrada ou de só muito dificilmente o poder ser. Em todo o caso, a República da Áustria não forneceu nenhum elemento suscetível de pôr em causa esta presunção.

108    Por outro lado, há que salientar que o montante fixado para esta caução é limitado à coima aplicada e às despesas do procedimento administrativo.

109    Nestas condições, não se afigura que a diferença de tratamento que resulta da possibilidade de exigir o pagamento de uma caução aos infratores que utilizem um veículo registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha, com vista a assegurar o pagamento da coima aplicada, seja desproporcionada à luz do objetivo prosseguido.

110    Atendendo às considerações precedentes, há que julgar improcedente o segundo argumento.

 Quanto ao terceiro argumento, relativo à violação dos artigos 34.o e 56.o TFUE

 Argumentos das partes

111    A República da Áustria alega que as medidas nacionais controvertidas são suscetíveis de ter efeitos nas entregas transfronteiriças de mercadorias efetuadas por veículos automóveis ligeiros de passageiros até 3,5 toneladas de peso total sujeitos à taxa de utilização das infraestruturas e nas prestações de serviços asseguradas por não residentes, ou mesmo nas prestações de serviços asseguradas a não residentes, de modo que as referidas medidas violam os princípios da livre circulação de mercadorias e da livre prestação de serviços.

112    Remetendo para a sua argumentação, desenvolvida no âmbito do primeiro e segundo argumentos, a República da Áustria sublinha que as medidas nacionais controvertidas são discriminatórias e constituem igualmente restrições ilícitas às liberdades fundamentais mencionadas no número anterior.

113    A República Federal da Alemanha sustenta que a taxa de utilização das infraestruturas afeta o canal de distribuição dos produtos a vender e constitui, portanto, uma modalidade de venda, na aceção do Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905), que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 34.o TFUE, uma vez que não é manifestamente ou de forma dissimulada discriminatória.

114    Além disso, o desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis não tem uma característica transfronteiriça, uma vez que apenas diz respeito aos cidadãos nacionais e não é, portanto, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação.

115    Em todo o caso, a ligação entre a introdução de uma taxa de utilização das infraestruturas para os veículos automóveis ligeiros de passageiros e de eventuais entraves ao acesso ao mercado das mercadorias transportadas nesses veículos é, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente com o Acórdão de 13 de outubro de 1993, CMC Motorradcenter (C‑93/92, EU:C:1993:838), demasiado aleatória e indireta para que seja declarada a existência de um entrave à livre circulação de mercadorias, na aceção do artigo 34.o TFUE.

116    Por outro lado, a República Federal da Alemanha sustenta que a taxa de utilização das infraestruturas também não viola a livre prestação de serviços, na aceção do artigo 56.o TFUE. Com efeito, não existe nenhuma restrição efetiva do acesso dos prestadores e dos destinatários de serviços provenientes de outros Estados‑Membros da União ao mercado alemão, uma vez que o impacto das medidas controvertidas no custo dos serviços em causa é marginal.

117    A República Federal da Alemanha recorda que as medidas cujo único efeito é o de gerar custos suplementares para a prestação em causa e que afetam da mesma maneira a prestação de serviços entre Estados‑Membros e a prestação de serviços interna de um Estado‑Membro não são abrangidas pelo artigo 56.o TFUE (Acórdão de 8 de setembro de 2005, Mobistar e Belgacom Mobile, C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518, n.o 31). A este respeito, a República Federal da Alemanha sublinha que os prestadores e os destinatários de serviços provenientes de outros Estados‑Membros não sofrem, devido à introdução da taxa de utilização das infraestruturas e ao desagravamento em matéria de imposto sobre os veículos automóveis, nenhuma discriminação indireta em relação aos prestadores e aos destinatários alemães dos mesmos serviços.

118    Por último, o Reino da Dinamarca observa que o artigo 7.o‑K da Diretiva Eurovinhetas pressupõe necessariamente que a introdução de direitos de utilização que incide sobre os veículos pesados de mercadorias, com uma compensação concomitante para as empresas de transporte nacionais suscetível de afetar indiretamente a livre circulação de bens e a livre prestação de serviços, não viola os artigos 34.o e 56.o TFUE. Ora, seria fundamentalmente contrário aos princípios em que assenta o referido artigo 7.o‑K que não pudesse ser instituído nenhum regime de compensação desta natureza fora do seu âmbito de aplicação.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de mercadorias

119    Importa recordar que a livre circulação de mercadorias entre Estados‑Membros é um princípio fundamental do Tratado FUE que encontra expressão na proibição, enunciada no artigo 34.o TFUE, das restrições quantitativas à importação entre os Estados‑Membros, bem como de quaisquer medidas de efeito equivalente (Acórdão de 27 de abril de 2017, Noria Distribution, C‑672/15, EU:C:2017:310, n.o 17 e jurisprudência referida).

120    Segundo jurisprudência constante, a proibição de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação, estabelecida no artigo 34.o TFUE, visa qualquer medida dos Estados‑Membros suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio na União (Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Espanha, C‑428/12, não publicado, EU:C:2014:218, n.o 26 e jurisprudência referida).

121    Além disso, o conceito de «medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas», na aceção do artigo 34.o TFUE, engloba igualmente uma medida, mesmo que não tenha por objeto nem por efeito tratar de forma menos favorável os produtos provenientes de outros Estados‑Membros, ainda que esta crie obstáculos ao acesso ao mercado de um Estado‑Membro de produtos originários de outros Estados‑Membros (Acórdão de 3 de abril de 2014, Comissão/Espanha, C‑428/12, não publicado, EU:C:2014:218, n.o 29 e jurisprudência referida).

122    Por último, resulta de jurisprudência constante que uma regulamentação nacional que constitui uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas pode ser justificada por uma das razões de interesse geral enumeradas no artigo 36.o TFUE ou por exigências imperativas. Em ambos os casos, a disposição nacional deve ser adequada para garantir a realização do objetivo prosseguido e não ir além do que é necessário para que ele seja atingido (Acórdãos de 6 de setembro de 2012, Comissão/Bélgica, C‑150/11, EU:C:2012:539, n.o 53 e jurisprudência referida, e de 12 de novembro de 2015, Visnapuu, C‑198/14, EU:C:2015:751, n.o 110).

123    É à luz desta jurisprudência que há que verificar se as medidas nacionais controvertidas prejudicam a livre circulação de mercadorias.

124    Para efeitos desta verificação, importa recordar que, como foi salientado no n.o 46 do presente acórdão, a ligação existente entre essas medidas justifica a sua apreciação conjunta à luz do direito da União e, por conseguinte, do artigo 34.o TFUE.

125    A este respeito, há que salientar, antes de mais, que, mesmo que a taxa de utilização das infraestruturas não seja cobrada sobre os produtos transportados enquanto tal, é, no entanto, suscetível de afetar as mercadorias entregues em veículos automóveis ligeiros de passageiros até 3,5 toneladas registados num Estado‑Membro diferente da Alemanha, aquando da travessia da fronteira, e deve, portanto, ser analisada, em conjugação com o desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis, à luz das disposições aplicáveis em matéria de livre circulação de mercadorias.

126    Em seguida, as considerações evocadas nos n.os 48 e 49 do presente acórdão permitem concluir que, embora a taxa de utilização das infraestruturas se aplique formalmente tanto em relação às mercadorias entregues em veículos registados na Alemanha como às mercadorias entregues em veículos registados num Estado‑Membro diferente da Alemanha, verifica‑se que, devido ao desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis, aplicável à primeira categoria de mercadorias, a referida taxa só é suscetível de afetar, de facto, a segunda categoria de mercadorias. Por conseguinte, por força da aplicação conjugada das medidas nacionais controvertidas, estas últimas mercadorias são tratadas de forma menos favorável do que as mercadorias entregues em veículos registados na Alemanha.

127    Resulta do que precede que as medidas nacionais controvertidas são suscetíveis de criar obstáculos ao acesso ao mercado alemão dos produtos provenientes de outros Estados‑Membros. Com efeito, a taxa de utilização das infraestruturas a que estão, de facto, apenas sujeitos os veículos que transportam esses produtos é suscetível de aumentar os custos de transporte e, consequentemente, o preço dos referidos produtos, afetando assim a sua competitividade.

128    O argumento da República Federal da Alemanha segundo o qual a taxa de utilização das infraestruturas constitui apenas uma modalidade de venda, na aceção do Acórdão de 24 de novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, EU:C:1993:905), não pode ser tido em consideração.

129    Com efeito, uma vez que, como salientou o advogado‑geral no n.o 118 das suas conclusões, o conceito de «modalidades de venda» abrange apenas as disposições nacionais que regulam a forma como podem ser comercializados os produtos, as normas que digam respeito à forma como as mercadorias podem ser transportadas não são abrangidas por este conceito.

130    Também não pode considerar‑se procedente o argumento da República Federal da Alemanha segundo o qual os eventuais efeitos restritivos da taxa de utilização das infraestruturas são demasiado aleatórios e indiretos para violarem o artigo 34.o TFUE, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente com o Acórdão de 13 de outubro de 1993, CMC Motorradcenter (C‑93/92, EU:C:1993:838).

131    A este respeito, basta constatar que, à luz das consequências das medidas nacionais controvertidas descritas no n.o 127 do presente acórdão, não pode ser razoavelmente sustentado que os efeitos restritivos destas medidas são demasiado aleatórios e indiretos para violarem o artigo 34.o TFUE.

132    Nestas condições, há que concluir que as medidas nacionais controvertidas constituem uma restrição à livre circulação de mercadorias, contrária ao artigo 34.o TFUE, a não ser que seja objetivamente justificada.

133    Ora, a este respeito, a República Federal da Alemanha não invocou nenhum argumento suscetível de justificar essa restrição. Em todo o caso, as considerações invocadas por este Estado‑Membro, em resposta ao primeiro argumento, para justificar a diferença de tratamento entre os proprietários de veículos registados na Alemanha e os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha não podem ser relevantes para justificar a referida restrição, pelas mesmas razões que as expostas nos n.os 75 a 77 do presente acórdão.

134    Por conseguinte, as medidas nacionais controvertidas constituem uma restrição à livre circulação de mercadorias, contrária ao artigo 34.o TFUE.

–       Quanto à existência de uma restrição à livre prestação de serviços

135    Há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 56.o TFUE opõe‑se à aplicação de qualquer legislação nacional que tenha como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados‑Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado‑Membro (Acórdão de 28 de abril de 1998, Kohll, C‑158/96, EU:C:1998:171, n.o 33 e jurisprudência referida).

136    Constituem restrições à livre prestação de serviços as medidas nacionais que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade (Acórdão de 25 de julho de 2018, TTL, C‑553/16, EU:C:2018:604, n.o 46 e jurisprudência referida).

137    Pelo contrário, o artigo 56.o TFUE não tem por objeto medidas cujo único efeito é o de gerar custos suplementares para a prestação em causa e que afetam da mesma maneira a prestação de serviços entre Estados‑Membros e a prestação de serviços interna de um Estado‑Membro (Acórdão de 8 de setembro de 2005, Mobistar e Belgacom Mobile, C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518, n.o 31 e jurisprudência referida).

138    Há igualmente que recordar que, como resulta de uma jurisprudência assente, a liberdade de prestação de serviços compreende não só a liberdade de prestação de serviços ativa no âmbito da qual o prestador se desloca até ao destinatário dos serviços mas também a liberdade de prestação de serviços passiva, ou seja, a liberdade de os destinatários dos serviços se deslocarem a outro Estado‑Membro onde o prestador se encontra, para aí beneficiarem desses serviços (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de fevereiro de 1989, Cowan, 186/87, EU:C:1989:47, n.o 15, e de 11 de setembro de 2007, Schwarz e Gootjes‑Schwarz, C‑76/05, EU:C:2007:492, n.o 36 e jurisprudência referida).

139    Por último, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma restrição à livre prestação de serviços só pode ser admitida se prosseguir um objetivo legítimo compatível com o Tratado FUE e se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, desde que, nesse caso, seja adequada a garantir a realização do objetivo prosseguido e não vá além do que é necessário para o alcançar (Acórdão de 25 de julho de 2018, TTL, C‑553/16, EU:C:2018:604, n.o 52 e jurisprudência referida).

140    É à luz desta jurisprudência que há que verificar se as medidas nacionais controvertidas, apreciadas conjuntamente, prejudicam a livre prestação de serviços.

141    A este respeito, é pacífico que os prestadores de serviços que se deslocam à Alemanha para aí prestarem os seus serviços, num veículo até 3,5 toneladas registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha, estão sujeitos à taxa de utilização das infraestruturas, e que esses prestadores estão maioritariamente estabelecidos num Estado‑Membro diferente da Alemanha, enquanto os prestadores de serviços na Alemanha que, para efeitos dessa prestação, se deslocam num veículo registado nesse Estado‑Membro estão maioritariamente estabelecidos na Alemanha.

142    Também é pacífico que os destinatários de serviços que, com um veículo registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha, se dirigem à Alemanha para aí beneficiarem dos serviços em causa estão sujeitos à referida taxa e que esses destinatários provêm maioritariamente de um Estado‑Membro diferente da Alemanha, ao passo que os destinatários de serviços prestados na Alemanha que, para beneficiarem dos referidos serviços, se deslocam num veículo registado na Alemanha provêm normalmente desse Estado‑Membro.

143    Além disso, as considerações evocadas nos n.os 48 e 49 do presente acórdão permitem concluir que, devido ao desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de que beneficiam os prestadores e os destinatários de serviços estabelecidos na Alemanha, a taxa de utilização das infraestruturas apenas incide, de facto, sobre os prestadores e os destinatários de serviços provenientes de outro Estado‑Membro.

144    Resulta do exposto que as medidas nacionais controvertidas são suscetíveis de criar obstáculos ao acesso ao mercado alemão por parte dos prestadores e dos destinatários de serviços provenientes de um Estado‑Membro diferente da Alemanha. Com efeito, a taxa de utilização de infraestruturas pode, devido ao desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis que faz parte das medidas nacionais controvertidas, ou aumentar o custo dos serviços prestados na Alemanha por esses prestadores ou aumentar o custo que representa para os referidos destinatários a deslocação a esse Estado‑Membro para aí beneficiarem de um serviço.

145    A República Federal da Alemanha não se pode basear validamente na jurisprudência referida no n.o 117 do presente acórdão para afastar a existência de um entrave no caso em apreço.

146    Com efeito, tal jurisprudência só é aplicável quando as medidas nacionais em causa afetam da mesma forma a prestação de serviços entre Estados‑Membros e a prestação de serviços interna de um Estado‑Membro, o que não acontece no caso vertente.

147    Nestas condições, há que concluir que as medidas nacionais controvertidas constituem uma restrição à livre prestação de serviços, contrária ao artigo 56.o TFUE, a não ser que seja objetivamente justificada.

148    Ora, a este respeito, a República Federal da Alemanha não invocou nenhum argumento suscetível de justificar essa restrição. Em todo o caso, as considerações invocadas por este Estado‑Membro, em resposta ao primeiro argumento, para justificar a diferença de tratamento entre os proprietários de veículos registados na Alemanha e os proprietários e os condutores de veículos registados em Estados‑Membros diferentes da Alemanha não são relevantes para justificar a referida restrição, pelas mesmas razões que as expostas nos n.os 75 a 77 do presente acórdão.

149    Por conseguinte, as medidas nacionais controvertidas constituem uma restrição à livre prestação de serviços, contrária ao artigo 56.o TFUE.

150    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar procedente o terceiro argumento e declarar que, ao introduzir a taxa de utilização das infraestruturas e ao prever, simultaneamente, a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha, um desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa paga, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 34.o e 56.o TFUE.

 Quanto ao quarto argumento, relativo à violação do artigo 92.o TFUE

 Argumentos das partes

151    A República da Áustria sustenta que a regulamentação alemã viola o artigo 92.o TFUE, que proíbe qualquer discriminação no domínio dos transportes, que exclui qualquer possibilidade de justificação e cujo âmbito de aplicação abrange os transportes comerciais por autocarro ou os transportes de mercadorias por veículos automóveis ligeiros de passageiros até 3,5 toneladas.

152    A República da Áustria salienta que a condição necessária para que o artigo 92.o TFUE não seja aplicável é a circunstância de terem sido adotadas disposições de direito derivado. Ora, não existe um regime de direito derivado vinculativo para os veículos automóveis ligeiros de passageiros até 3,5 toneladas.

153    A República da Áustria considera, portanto, que o princípio jurídico que resulta do n.o 23 do Acórdão de 19 de maio de 1992, Comissão/Alemanha (C‑195/90, EU:C:1992:219), pode ser transposto para a situação em apreço.

154    A República Federal da Alemanha alega, em primeiro lugar, que o âmbito de aplicação do artigo 92.o TFUE não abrange a taxa de utilização das infraestruturas, mesmo em conjugação com o desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis, uma vez que, tendo em conta a limitação da taxa a certas categorias de veículos, o transporte comercial é em grande parte subtraído à obrigação de pagar a taxa.

155    Em segundo lugar, contrariamente à interpretação do artigo 92.o TFUE como uma cláusula de standstill, adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de maio de 1992, Comissão/Alemanha (C‑195/90, EU:C:1992:219), a República Federal da Alemanha considera que a proibição de regressão prevista no artigo 92.o TFUE não impede a proteção do statu quo no que respeita à situação concorrencial, mas proíbe apenas uma discriminação direta ou indireta das empresas de transporte estrangeiras, proibição essa que não foi violada no caso em apreço.

156    Em terceiro lugar, mesmo admitindo que o artigo 92.o TFUE deva ser interpretado como uma garantia do statu quo, a República Federal da Alemanha considera que esta disposição já não é aplicável uma vez que a Diretiva Eurovinhetas contém critérios para as regulamentações nacionais que podem igualmente ser aplicáveis aos veículos até 3,5 toneladas aquando da cobrança de direitos de utilização da estrada. Designadamente, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 7.o‑K desta diretiva autorizam medidas nacionais como as que estão em causa no caso em apreço.

157    O Reino da Dinamarca precisa que o Acórdão de 19 de maio de 1992, Comissão/Alemanha (C‑195/90, EU:C:1992:219), no qual a República da Áustria se baseia, tinha exclusiva e especificamente como objeto a cláusula de standstill que figura atualmente no artigo 92.o TFUE, tendo em conta o contexto jurídico anterior à adoção da regulamentação específica da União relativa à aplicação de taxas sobre os veículos pesados de mercadorias, que figura hoje na Diretiva Eurovinhetas, diretiva da qual resulta que as medidas nacionais controvertidas, instituídas concomitantemente, estão em conformidade com o artigo 92.o TFUE.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

158    De acordo com o artigo 92.o TFUE, enquanto não forem adotadas as disposições referidas no n.o 1 do artigo 91.o TFUE, e salvo adoção pelo Conselho, por unanimidade, de uma medida que conceda uma derrogação, nenhum dos Estados‑Membros pode alterar as diversas disposições que regulem a matéria em 1 de janeiro de 1958, ou quanto aos Estados aderentes, à data da respetiva adesão, de tal modo que produzam efeitos que, direta ou indiretamente, desfavoreçam os transportadores dos restantes Estados‑Membros em relação aos transportadores nacionais desse Estado.

159    No caso vertente, por um lado, é pacífico que a atividade de transporte sujeita à taxa de utilização das infraestruturas pode ser efetuada em veículos até 3,5 toneladas. Neste caso, a atividade é geralmente conhecida sob a denominação de «transporte ligeiro».

160    Por outro lado, embora o setor dos transportes rodoviários esteja amplamente abrangido pela legislação da União, não deixa de ser verdade que o transporte ligeiro não foi objeto de nenhuma regulamentação ao nível do direito da União. Em especial, não foi estabelecida nenhuma regulamentação relativa à tributação da utilização das estradas pelos veículos até 3,5 toneladas, em conformidade com o artigo 91.o TFUE. Resulta, assim, do artigo 1.o da Diretiva Eurovinhetas, conjugado com o artigo 2.o, alínea d), desta diretiva, que a aproximação das legislações dos Estados‑Membros levada a cabo por esta diz unicamente respeito aos veículos com mais de 3,5 toneladas.

161    Por último, tendo em conta as considerações evocadas nos n.os 141 e 143 do presente acórdão, há que constatar que, devido à combinação das medidas nacionais controvertidas, só os transportadores que utilizam um veículo até 3,5 toneladas registado num Estado‑Membro diferente da Alemanha (a seguir «transportadores estrangeiros») são, de facto, afetados pela taxa de utilização das infraestruturas, uma vez que os transportadores que utilizam um veículo com menos de 3,5 toneladas registado na Alemanha (a seguir «transportadores alemães») beneficiam de uma compensação dessa taxa.

162    Por conseguinte, é forçoso constatar que, ao compensar integralmente o novo encargo que é a taxa de utilização das infraestruturas, a que estão sujeitos todos os transportadores, através de um desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa paga, do qual apenas beneficiam os transportadores alemães e são excluídos os transportadores estrangeiros, as medidas nacionais controvertidas têm por efeito alterar, num sentido que lhes é desfavorável, a situação dos transportadores estrangeiros relativamente à dos transportadores alemães (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 1992, Comissão/Alemanha, C‑195/90, EU:C:1992:219, n.o 23).

163    Por consequência, há que julgar procedente o quarto argumento e constatar que, ao introduzir a taxa de utilização das infraestruturas e ao prever, simultaneamente, a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha, um desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa paga, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 92.o TFUE.

164    Decorre de tudo o que precede que, ao introduzir a taxa de utilização das infraestruturas para os veículos automóveis ligeiros de passageiros e ao prever, simultaneamente, a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha, um desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa paga, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.o, 34.o, 56.o e 92.o TFUE.

 Quanto às despesas

165    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, deste Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma suportará as suas próprias despesas, a menos que, tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal decida que, além das suas próprias despesas, uma parte suportará uma parte das despesas da outra parte.

166    No caso em apreço, tanto a República da Áustria como a República Federal da Alemanha pediram a condenação da outra parte nas despesas. Além disso, a República Federal da Alemanha foi vencida no que respeita ao primeiro, terceiro e quarto argumentos invocados pela República da Áustria, e esta no que respeita ao seu segundo argumento.

167    Tendo em conta o exposto, há que condenar a República Federal da Alemanha em três quartos das despesas efetuadas pela República da Áustria e decidir que, quanto ao restante, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

168    Em aplicação do artigo 140.o, n.o 1, do mesmo Regulamento de Processo, segundo o qual os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, o Reino dos Países Baixos e o Reino da Dinamarca suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      Ao introduzir a taxa de utilização das infraestruturas para os veículos automóveis ligeiros de passageiros e ao prever, simultaneamente, a favor dos proprietários de veículos registados na Alemanha, um desagravamento do imposto sobre os veículos automóveis de um montante pelo menos equivalente ao da taxa paga, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 18.o, 34.o, 56.o e 92.o TFUE.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A República Federal da Alemanha é condenada em três quartos das despesas efetuadas pela República da Áustria e suportará as suas próprias despesas.

4)      A República da Áustria suportará um quarto das suas próprias despesas.

5)      O Reino dos Países Baixos e o Reino da Dinamarca suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.