Language of document : ECLI:EU:T:2022:774

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

7 de dezembro de 2022 (*)

«Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Necessidade de supervisão direta pelo BCE de uma instituição de crédito menos significativa — Pedido da autoridade nacional competente — Artigo 68.o, n.o 5, do Regulamento (UE) n.o 468/2014 — Decisão do BCE que classifica a PNB Banka como entidade significativa sujeita à sua supervisão prudencial direta — Dever de fundamentação — Proporcionalidade — Direitos de defesa — Acesso ao processo administrativo — Relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014 — Artigo 106.o do Regulamento de Processo — Pedido de audiência desprovido de fundamentação»

No processo T‑301/19,

PNB Banka AS, com sede em Riga (Letónia), representada por O. Behrends, advogado,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por C. Hernández Saseta, F. Bonnard e D. Segoin, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto, durante as deliberações, por: S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise, P. Nihoul, R. Frendo e J. Martín y Pérez de Nanclares, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, PNB Banka AS, pede a anulação da Decisão do Banco Central Europeu (a seguir «BCE»), notificada por carta de 1 de março de 2019, de a classificar como entidade significativa sujeita à sua supervisão prudencial direta (a seguir «decisão recorrida»).

I.      Quadro jurídico

2        O artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), dispõe o seguinte: «No que respeita às instituições de crédito [menos significativas], e no âmbito do n.o 7 [do referido artigo], quando necessário para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão, o BCE pode, a qualquer momento, por iniciativa própria e após consulta às autoridades nacionais competentes ou a pedido de uma autoridade nacional competente, decidir exercer diretamente todos os poderes relevantes em relação a uma ou mais das instituições de crédito [menos significativas], incluindo no caso em que tenha sido solicitada ou recebida indiretamente assistência financeira do [Fundo Europeu de Estabilidade (FEEF)] ou do [Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)]».

3        O artigo 67.o do Regulamento (UE) n.o 468/2014 do BCE, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (JO 2014, L 141, p. 1), com a epígrafe «Critérios para uma decisão do BCE nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento [n.o 1024/2013]» enumera, no seu n.o 2, diversos fatores que o BCE deve ter em conta, nomeadamente, antes de adotar a decisão de exercer diretamente a supervisão de uma entidade supervisionada menos significativa.

4        O artigo 68.o do Regulamento n.o 468/2014, com a epígrafe «Procedimento de elaboração de uma decisão do BCE nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento [n.o 1024/2013] a pedido de uma autoridade nacional competente», dispõe o seguinte:

«[…]

3.      O pedido da autoridade nacional competente será acompanhado de um relatório contendo o historial de supervisão e o perfil de risco da entidade supervisionada menos significativa ou do grupo supervisionado menos significativo relevantes.

[…]

5.      Se decidir que é necessária a supervisão direta pelo BCE da entidade supervisionada menos significativa ou do grupo supervisionado menos significativo para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão, o BCE adotará uma decisão nos termos do título 2 [da parte IV do referido regulamento].»

II.    Antecedentes do litígio

5        Na data da decisão recorrida, a recorrente era uma instituição de crédito menos significativa na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013 (a seguir «instituição de crédito menos significativa»), com sede na Letónia. Por conseguinte, encontrava‑se sob a supervisão prudencial direta da Finanšu un kapitāla tirgus komisija (Comissão dos Mercados Financeiros e de Capitais, Letónia, a seguir «CMFC»).

6        Na data da interposição do recurso, CR era o principal acionista da recorrente.

7        Em 25 de agosto de 2017, a recorrente, bem como CR e outros membros da família deste último, acionistas da recorrente, «notificaram», segundo a recorrente, à República da Letónia um litígio relativo à proteção dos seus investimentos, tendo invocado o caráter injustificado e não razoável dos requisitos prudenciais impostos pela CMFC à recorrente.

8        Segundo a recorrente, em agosto de 2017, CR apresentou uma queixa às autoridades do Reino Unido relativa a atos de corrupção alegadamente cometidos por A, governador do Latvijas Banka (Banco Central da Letónia). Os alegados atos de corrupção denunciados consistiam em tentativas deste último de obter, graças à sua influência sobre a CMFC, subornos de CR.

9        Em setembro de 2017, a recorrente foi classificada como «instituição menos significativa em crise», na aceção do quadro de cooperação de gestão de crise para as entidades menos significativas, o que teve por consequência uma supervisão específica da recorrente por um grupo de gestão de crise composto pela CMFC e pelo BCE.

10      Em 16 de novembro de 2017, a CMFC solicitou ao BCE que assumisse a supervisão prudencial direta da recorrente. Este pedido baseava‑se, particularmente, em três elementos: em primeiro lugar, nos resultados de uma inspeção no local realizada pela CMFC e no seu impacto no rácio de adequação dos fundos próprios da recorrente, em segundo lugar, na violação continuada do limite aos grandes riscos, cuja eliminação poderia ter um impacto negativo adicional sobre o rácio de adequação dos fundos próprios e, em terceiro lugar, na notificação pela recorrente e pelo seu principal acionista de um litígio relativo à proteção dos investimentos.

11      Depois de ter analisado o pedido referido no n.o 10, supra, durante uma reunião do Conselho de Supervisão Prudencial em 28 de novembro de 2017, o BCE indeferiu este pedido.

12      Em 12 de dezembro de 2017, a recorrente, bem como CR e outros membros da família deste último, acionistas da recorrente, instauraram um processo de arbitragem contra a República da Letónia no Centro Internacional para a Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (a seguir «CIRDI»), com fundamento no Tratado de 24 de janeiro de 1994 para a promoção e a proteção dos investimentos entre o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a República da Letónia (a seguir «processo de arbitragem»). Alegaram que, desde finais de 2015, a recorrente era objeto de uma supervisão prudencial excessiva e arbitrária por parte da CMFC, que se traduzia em aumentos dos fundos próprios regulamentares e em restrições às atividades. Referiram que esta supervisão prudencial excessiva e arbitrária se devia à influência que A exercia sobre a CMFC com o objetivo de obter subornos da parte da recorrente e de CR.

13      Segundo a recorrente, em dezembro de 2017, CR denunciou às autoridades letãs os atos de corrupção acima referidos no n.o 8.

14      Em 17 de fevereiro de 2018, A foi detido na sequência da abertura, em 15 de fevereiro de 2018, de um inquérito penal preliminar instaurado contra ele pelo Korupcijas novēršanas un apkarošanas birojs (Serviço de Prevenção e Combate à Corrupção, Letónia, a seguir «KNAB»). Este inquérito tinha por objeto acusações de corrupção relacionadas com o procedimento de supervisão prudencial de um banco letão diferente da recorrente. Por Decisão de 19 de fevereiro de 2018, aquando da libertação de A, o KNAB aplicou a este último diversas medidas de segurança, incluindo a proibição de exercício das suas funções de governador do Banco Central da Letónia.

15      Em 28 de junho de 2018, A foi acusado pela procuradora responsável pelo inquérito referido no n.o 14, supra. O despacho de acusação, proferido em 24 de maio de 2019, continha três fundamentos. O primeiro fundamento de acusação dizia respeito à aceitação, em 2010, de uma proposta de suborno apresentada pelo presidente do Conselho de Supervisão de um banco letão diferente da recorrente, e do próprio suborno, em contrapartida do qual A forneceu alegadamente conselhos com vista a ajudar o banco a subtrair‑se à supervisão da CMFC e se absteve de participar nas reuniões da CMFC nas quais as questões relativas à supervisão do referido banco foram abordadas. O segundo fundamento de acusação dizia respeito, por um lado, à aceitação, após 23 de agosto de 2012, de uma proposta de suborno apresentada pelo vice‑presidente do conselho de administração do mesmo banco, em troca de conselhos de A com o objetivo de obter o levantamento das restrições das atividades ordenadas pela CMFC e de prevenir outras restrições e, por outro lado, à aceitação por parte de A do pagamento de metade do referido suborno. O terceiro fundamento de acusação dizia respeito ao branqueamento de capitais destinado a camuflar a proveniência, as transferências e a titularidade dos fundos pagos a A correspondentes ao suborno referido no segundo fundamento de acusação.

16      Por cartas de 5 de julho e de 12 de setembro de 2018, a recorrente e CR informaram a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE de que o inquérito sobre os atos de corrupção referidos no n.o 8, supra, estava em curso. Indicaram que, após a sua detenção em fevereiro de 2018, A tinha prestado declarações públicas hostis e erróneas a seu respeito, afirmando que a aquisição da recorrente por CR tinha caráter fraudulento. Consideraram que os requisitos prudenciais da CMFC a respeito da recorrente eram excessivos e discriminatórios. Pediram ao BCE que interviesse conduzindo uma investigação e adotando medidas adequadas, tais como mudanças apropriadas do pessoal responsável pela supervisão prudencial da recorrente. Nessa ocasião, escreveram o seguinte: «Uma das ideias subjacentes do [Mecanismo Único de Supervisão (MUS)] era a de que podia ser garantida pelo BCE uma supervisão mais objetiva e imparcial do que pelos supervisores locais. A [recorrente] e [CR] estão ansiosos por cooperar com o BCE para este objetivo» (carta de 5 de julho de 2018, página 13).

17      Em 30 de setembro de 2018, o CIRDI emitiu medidas provisórias recomendando à República da Letónia que se abstivesse de adotar medidas tendo em vista a revogação da autorização da recorrente, fazendo referência a um alegado incumprimento de um dos requisitos regulamentares objeto do prazo final fixado numa decisão da CMFC de 27 de fevereiro de 2018 (a seguir «recomendação do CIRDI»).

18      Em 8 de outubro de 2018, a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE informou a recorrente e CR, em resposta às suas cartas de 5 de julho e de 12 de setembro de 2018, de que, no âmbito da sua atribuição de controlo do funcionamento do MUS, o BCE partilhava da opinião da CMFC de que a situação da recorrente em termos de capitais próprios exigia uma supervisão específica. Referiu que a recorrente tinha beneficiado de repetidas extensões de prazos para adotar medidas em matéria de capitais próprios e que, apesar da persistência dos problemas desta natureza, a recorrente não tinha sido objeto de medidas de supervisão rigorosas por parte da CMFC, para além dos pedidos de reforço dos capitais próprios, de medidas de recuperação e de provisões suplementares. A presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE considerou que a recorrente infringia há vários anos os limites aplicáveis aos grandes riscos em relação a terceiros e tinha beneficiado de repetidas extensões do prazo para sanar essas infrações. Considerou ainda que não tinha qualquer indicação de que as medidas de supervisão impostas à recorrente fossem excessivas ou desproporcionadas. Concluiu anunciando que tinha a intenção de exercer a sua missão de controlo prestando particular atenção às medidas adotadas pela recorrente para sanar as violações dos requisitos prudenciais.

19      Em 21 de dezembro de 2018, a CMFC pediu novamente ao BCE que assumisse a supervisão prudencial direta da recorrente, tendo reiterado o seu pedido anterior de 16 de novembro de 2017 e feito referência à recomendação do CIRDI. Referiu que poderiam decorrer vários meses até que o CIRDI se pronunciasse sobre as medidas provisórias, o que significava que o CMFC ficasse impedido de executar as suas atribuições de supervisão durante um período indeterminado. Segundo a CMFC, a assunção da supervisão prudencial direta pelo BCE impediria a recorrente de utilizar o conflito de interesses como argumento contra as atividades de supervisão prudencial e permitiria evitar uma situação em que um banco viola constantemente as suas obrigações e em que o regulador está impedido de adotar as medidas adequadas para pôr fim a tais atuações. A CMFC considerou que as informações de que o BCE já dispunha facilitariam a transferência das atribuições de supervisão. Precisou que a sua Decisão de 27 de fevereiro de 2018 não tinha sido executada, ou seja, que a situação da recorrente continuava a ser contrária aos requisitos de capitais próprios e aos limites aos grandes riscos e que não se previa qualquer solução viável e credível num futuro próximo. Referiu que, após a instauração do processo de arbitragem, a reação da recorrente a quase todas as interações de supervisão não revelava vontade de implementar uma cooperação efetiva. Mais indicou que, segundo a recorrente, qualquer pedido da CMFC era objeto do processo de arbitragem e constituía uma prova adicional de uma abordagem arbitrária, tendo acrescentado que CR afirmava que só executaria os pedidos da CMFC, a saber o reforço dos fundos próprios da recorrente, se tais pedidos fossem verificados por um terceiro independente. Concluiu que estava privada da possibilidade de exercer uma supervisão de nível elevado em relação à recorrente.

20      Em 11 de fevereiro de 2019, o BCE comunicou à recorrente, para suas observações, um projeto de decisão tendente à assunção pelo BCE da sua supervisão prudencial direta.

21      Em 22 de fevereiro de 2019, a recorrente respondeu que rejeitava a alegação de que não tinha demonstrado a sua vontade de implementar uma cooperação efetiva. Referiu que, pelo contrário, até àquela data, nem a CMFC nem o BCE tinham respondido de forma adequada às suas múltiplas tentativas, bem como às dos seus acionistas, de procurar uma cooperação construtiva, nomeadamente, no que diz respeito aos atos de corrupção que eram do conhecimento do BCE. A recorrente concluiu que se opunha ao referido projeto de decisão.

22      Pelo Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, Rimšēvičs e BCE/Letónia (C‑202/18 e C‑238/18, EU:C:2019:139), o Tribunal de Justiça revogou a Decisão do KNAB de 19 de fevereiro de 2018, na parte em que proibia A de exercer as funções de governador do Banco Central da Letónia. O Tribunal de Justiça considerou que a República da Letónia não tinha demonstrado que a demissão de A das suas funções de governador do Banco Central da Letónia assentava na existência de indícios suficientes de que este tinha cometido uma falta grave, na aceção do artigo 14.o, n.o 2, segundo parágrafo, dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE.

23      Em 1 de março de 2019, o secretário do Conselho do BCE notificou à recorrente a decisão recorrida, adotada com base numa proposta do Conselho de Supervisão nos termos do artigo 26.o, n.o 8, do Regulamento n.o 1024/2013, em aplicação das disposições conjugadas do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), deste regulamento e do artigo 39.o, n.o 5, do Regulamento n.o 468/2014.

24      O secretário do Conselho do BCE referiu que o BCE, enquanto autoridade competente, seria responsável pela supervisão direta da recorrente. Afirmou que a decisão recorrida tinha sido adotada em conformidade com os artigos 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 e com a parte IV do Regulamento n.o 468/2014. Acrescentou que a recorrente seria incluída na lista das entidades sujeitas à sua supervisão direta, que era publicada e atualizada pelo BCE nos termos do artigo 49.o, n.o 1, do Regulamento n.o 468/2014.

25      Quanto aos factos nos quais se baseia a decisão recorrida (parte 1 desta decisão), o secretário do Conselho do BCE referiu que a recorrente não preenchia os critérios previstos no artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013 e estava, portanto, atualmente classificada como entidade menos significativa sujeita à supervisão direta da CMFC. Recordou a composição acionista da recorrente, bem como a estrutura do grupo. Mencionou a instauração do processo de arbitragem, bem como a recomendação do CIRDI. Mencionou igualmente as fases do procedimento administrativo que precederam a decisão recorrida.

26      Quanto à apreciação dos factos (parte 2 da decisão recorrida), o secretário do Conselho do BCE referiu que o BCE tinha considerado que a assunção da supervisão prudencial direta da recorrente era necessária para garantir a aplicação coerente da supervisão prudencial de nível elevado. Esta conclusão baseou‑se nas seguintes considerações. A CMFC sublinhou no seu pedido que, após a instauração do processo de arbitragem, a reação da recorrente a quase todas as interações de supervisão continuava a não demonstrar qualquer vontade de implementar uma cooperação efetiva. A CMFC considerava‑se, ela própria, totalmente privada da capacidade de exercer uma supervisão de nível elevando em relação à recorrente de acordo com as normas da União e do MUS. A CMFC entendia que a assunção da supervisão prudencial pelo BCE era a melhor opção para garantir uma supervisão adequada da recorrente. O secretário do Conselho do BCE concluiu que, segundo o BCE, a assunção da supervisão direta era necessária na aceção do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, tendo precisado que esta conclusão não era prejudicada pelas observações da recorrente no âmbito do procedimento administrativo que precedeu a decisão recorrida, uma vez que esta não forneceu nenhum argumento ou informação que não tivesse já sido tomado em consideração pelo BCE.

27      Por último, o secretário do Conselho do BCE esclareceu que podia ser interposto recurso na Comissão Administrativa de Reexame do BCE e que podia ser interposto recurso judicial no Tribunal de Justiça da União Europeia.

28      A decisão recorrida entrou em vigor em 4 de abril de 2019.

29      Por carta de 18 de abril de 2019, o BCE comunicou à recorrente, em resposta a um pedido por esta apresentado em 27 de novembro de 2018, a lista dos documentos na posse do BCE relativos à sua supervisão prudencial, tendo especificado que o direito de acesso ao processo administrativo não era extensível a informações confidenciais e que, por conseguinte, a lista incluía, para cada documento, uma classificação consoante o documento fosse acessível ou confidencial.

30      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de maio de 2019, a recorrente, CR e CT interpuseram o presente recurso.

III. Factos posteriores à interposição do recurso

31      Em 15 de agosto de 2019, o BCE concluiu que a recorrente se encontrava em situação ou em risco de insolvência, na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1). Na mesma data, o Conselho Único de Resolução (CUR) decidiu não adotar um programa de resolução na aceção do artigo 18.o, n.o 1, deste regulamento, em relação à recorrente.

32      Em 22 de agosto de 2019, a CMFC requereu ao Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal da Comarca de Vidzeme da cidade de Riga, Letónia) que declarasse a recorrente insolvente.

33      Em 12 de setembro de 2019, o Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal da Comarca de Vidzeme da cidade de Riga, Letónia) declarou a recorrente insolvente, tendo nomeado um administrador judicial responsável pelo processo de insolvência (a seguir «administrador judicial») e tendo transferido para o mesmo o conjunto dos poderes da recorrente e do seu conselho de administração. O tribunal indeferiu o pedido do conselho de administração da recorrente de manter os seus direitos de representação desta última no âmbito do recurso contra a avaliação do BCE, de 15 de agosto de 2019, que declarou que a recorrente se encontrava em situação ou em risco de insolvência, contra a decisão do CUR, da mesma data, de não adotar um programa de resolução a respeito da mesma e contra a decisão da CMFC de instaurar um processo de insolvência. Este tribunal acrescentou que isso não excluía a possibilidade de o conselho de administração da recorrente apresentar um pedido em separado ao administrador judicial no que diz respeito aos direitos de representação nas missões específicas.

34      Igualmente em 12 de setembro de 2019, a CMFC requereu ao BCE que revogasse a autorização da recorrente.

35      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de outubro de 2019 (processo T‑732/19), a recorrente, bem como outros acionistas ou potenciais acionistas da recorrente, pediram a anulação da Decisão do CUR de 15 de agosto de 2019 de não adotar um programa de resolução em relação à recorrente.

36      Em 21 de dezembro de 2019, A cessou as suas funções de governador do Banco Central da Letónia.

37      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de janeiro de 2020 (processo T‑50/20), a recorrente pediu a anulação da Decisão do BCE de 19 de novembro de 2019 que recusou ordenar que ao administrador judicial da recorrente que concedesse ao advogado mandatado pelo seu conselho de administração o acesso às suas instalações, às informações em seu poder, bem como ao seu pessoal e aos seus recursos.

38      Em 17 de fevereiro de 2020, o BCE revogou a autorização da recorrente. Esta revogação produziu efeitos no dia seguinte.

39      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de abril de 2020 (processo T‑230/20), a recorrente interpôs recurso desta decisão.

IV.    Tramitação processual e pedidos das partes

40      Em 31 de julho de 2019, o BCE apresentou a sua contestação na Secretaria do Tribunal Geral.

41      Em 28 de abril de 2020, o presidente da Quarta Secção decidiu, nos termos do artigo 69.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, suspender o processo até que o Tribunal Geral proferisse uma decisão no processo T‑50/20. Por Despacho de 12 de março de 2021, PNB Banka/BCE (T‑50/20, EU:T:2021:141), o Tribunal Geral proferiu a sua decisão neste processo e o presente processo foi retomado na mesma data.

42      Em 27 de abril de 2021 e, subsequentemente, em 28 de junho de 2021, a recorrente, CR e CT requereram a suspensão do processo até que o Tribunal de Justiça proferisse uma decisão no processo C‑321/21 P, relativo ao recurso interposto contra o Despacho de 12 de março de 2021, PNB Banka/BCE (T‑50/20, EU:T:2021:141). Em 20 de maio de 2021, e, subsequentemente, em 6 de agosto de 2021, o presidente da Quarta Secção, depois de ouvir o BCE, decidiu não suspender o processo.

43      Por carta de 8 de julho de 2021, o representante da recorrente informou o Tribunal Geral de que já não representava CR e CT. Por Despacho de 21 de dezembro de 2021, o Tribunal Geral (Quarta Secção), com fundamento no artigo 131.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, declarou que já não era necessário proferir uma decisão no presente recurso na parte em que tinha sido interposto por CR e CT.

44      O prazo para apresentação da réplica foi fixado pela última vez em 30 de setembro de 2021. A recorrente não apresentou a réplica dentro do prazo previsto.

45      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o BCE nas despesas.

46      O BCE concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

V.      Questão de direito

A.      Quanto à existência de um mandato do representante que interpôs o recurso em nome da recorrente

47      Nos termos do artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, os advogados devem, quando a parte que representam seja uma pessoa coletiva de direito privado, apresentar na Secretaria do Tribunal Geral um mandato outorgado pela referida parte.

48      Encontra‑se nos autos um mandato outorgado pelo presidente do conselho de administração da recorrente em 5 de março de 2019 (anexo A.2).

49      A recorrente alega que o administrador judicial recusou que o advogado por ela nomeado para a representar tivesse acesso aos seus documentos, às suas instalações, ao seu pessoal e aos seus recursos. Apresentou, no âmbito da sua resposta de 13 de março de 2020 a uma pergunta do Tribunal Geral, uma carta do administrador judicial de 16 de setembro de 2019 que referia que o seu advogado devia, em primeiro lugar, «submeter ao administrador [judicial] um relatório escrito sobre o estado de desenvolvimento do acordo [relativo à prestação de serviços jurídicos], indicando detalhadamente as instruções recebidas [da recorrente], as tarefas efetuadas pelo [advogado] e se existem efetivamente trabalhos em curso», em segundo lugar, «informar o administrador [judicial] sobre os pagamentos […]», em terceiro lugar, «abster‑se de qualquer atividade em nome [da recorrente] sem consultar previamente o administrador [judicial], em particular, de deixar de prestar os serviços faturáveis [à recorrente]».

50      Apesar da referida carta do administrador judicial de 16 de setembro de 2019, não resulta dos documentos dos autos e não é alegado pela recorrente nem pelo BCE que o administrador judicial tenha revogado o mandato outorgado ao presidente do conselho de administração da recorrente em 5 de março de 2019. A referida carta não refere essa revogação, embora mencione que o advogado nomeado pelo presidente do conselho de administração deve abster‑se de qualquer atividade em nome da recorrente sem consultar previamente o administrador judicial.

51      Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu que a recorrente apresentou um mandato que habilita o seu advogado a interpor um recurso, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

B.      Quanto aos pedidos de suspensão do processo apresentados em 27 de abril de 2021 e, subsequentemente, em 28 de junho de 2021

52      Em 27 de abril de 2021 e, subsequentemente, em 28 de junho de 2021, a recorrente requereu a suspensão do processo. Em apoio dos seus pedidos de suspensão, alegou que necessitava de aceder às suas instalações, aos seus processos e aos seus recursos financeiros e que o administrador judicial não cooperava no sentido de garantir a sua representação efetiva, em detrimento do Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923).

53      O Tribunal Geral, embora não esteja obrigado a expor os motivos pelos quais decide suspender ou não um processo, em aplicação do artigo 69.o, alíneas c) ou d), do Regulamento de Processo, considera útil, a título excecional, referir o seguinte.

54      A decisão de suspender ou não um processo com base no artigo 69.o, alíneas c) ou d), do Regulamento de Processo é da competência discricionária do Tribunal Geral (v., neste sentido, Despachos de 20 de outubro de 2011, DTL/IHMI, C‑67/11 P, não publicado, EU:C:2011:683, n.os 32 e 33; de 15 de outubro de 2012, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑554/11 P, não publicado, EU:C:2012:629, n.o 37, e de 17 de janeiro de 2018, Josel/EUIPO, C‑536/17 P, não publicado, EU:C:2018:14, n.o 5).

55      No caso em apreço, o processo foi suspenso em 28 de abril de 2020 até ser proferida decisão do Tribunal Geral no processo T‑50/20, no qual a recorrente tinha pedido a anulação da Decisão do BCE de 19 de novembro de 2019 que recusou ordenar ao administrador judicial da recorrente que concedesse ao advogado mandatado pelo seu conselho de administração o acesso às respetivas instalações, às informações em seu poder, bem como ao seu pessoal e aos seus recursos.

56      Por Despacho de 12 de março de 2021, PNB Banka/BCE (T‑50/20, EU:T:2021:141), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso da recorrente, tendo considerado, particularmente, que o BCE era manifestamente incompetente para deferir o pedido do conselho de administração da recorrente com vista a ordenar que o administrador judicial da recorrente concedesse ao advogado mandatado pela mesma o acesso às respetivas instalações, às informações, ao pessoal e aos recursos da recorrente (n.o 73). O Tribunal Geral declarou igualmente que as decisões tomadas pelas autoridades nacionais no contexto do processo de insolvência, como o que está a correr contra a recorrente, em resposta a um eventual pedido de acesso aos documentos, às instalações, ao pessoal ou aos recursos da instituição de crédito em causa, estão, em princípio, sujeitas à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, os quais podem, se for o caso, submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais ao abrigo do artigo 267.o TFUE no caso de se depararem com dificuldades na interpretação ou na aplicação do direito da União (n.o 72).

57      Importa igualmente referir que, apesar nomeadamente da suspensão do processo entre 28 de abril de 2020 e 12 de março de 2021, a recorrente não demonstrou nem alegou, incluindo no seu pedido de suspensão do processo de 28 de junho de 2021, ter instaurado um processo judicial contra o administrador judicial, o qual, porém, acusa, perante o Tribunal Geral, de impedir o advogado mandatado pelo seu conselho de administração de aceder às suas instalações, às suas informações, ao seu pessoal e aos seus recursos, desde finais de 2019.

58      Após ter feito prova de uma troca de correspondência e de mensagens de correio eletrónico com o administrador judicial que teve lugar em 12 e 16 de setembro de 2019, bem como durante o mês de novembro de 2019, a recorrente limitou‑se a alegar, no seu pedido de suspensão do processo apresentado na secretaria do Tribunal Geral em 27 de abril de 2021, que «reforçava os seus esforços» perante o administrador judicial e os órgãos jurisdicionais letões, sem fornecer quaisquer precisões sobre a natureza de tais esforços.

59      Além disso, não resulta da Decisão de 12 de setembro de 2019 do Rīgas pilsētas Vidzemes priekšpilsētas tiesa (Tribunal da Comarca de Vidzeme da cidade de Riga), referida no n.o 33, supra, que a recorrente estivesse impedida de submeter aos órgãos jurisdicionais letões um eventual litígio contra o administrador judicial. Não só esta decisão menciona que a possibilidade de o conselho de administração da recorrente apresentar um pedido em separado ao administrador da insolvência no que respeita aos direitos de representação em missões específicas, não está excluída, como o Acórdão de 5 de novembro de 2019, BCE e o./Trasta Komercbanka e o. (C‑663/17 P, C‑665/17 P e C‑669/17 P, EU:C:2019:923), invocado pela recorrente para sustentar que o administrador judicial não coopera de forma satisfatória com vista a assegurar a sua representação efetiva, é posterior à referida decisão, de modo que a recorrente podia a priori invocar o referido acórdão como elemento novo perante o órgão jurisdicional nacional.

60      Por conseguinte, o Tribunal Geral não considera necessário suspender novamente o processo.

C.      Quanto à fase oral do processo

61      Nos termos do artigo 106.o do Regulamento de Processo:

«O processo no Tribunal comporta, na sua fase oral, uma audiência de alegações organizada oficiosamente ou a pedido de uma parte principal.

2. O pedido de audiência de alegações de uma parte principal deve indicar os motivos pelos quais esta pretende ser ouvida. […]

3. Na falta do pedido referido no n.o 2, o Tribunal pode, caso se considere suficientemente esclarecido pelas peças dos autos do processo, decidir julgar o recurso sem fase oral. […]».

62      Resulta, assim, da redação do artigo 106.o do Regulamento de Processo que, na falta de um pedido de audiência de alegações que indique os motivos pelos quais uma parte principal pretende ser ouvida, o Tribunal Geral pode, se se considerar suficientemente esclarecido, decidir julgar o recurso sem fase oral.

63      A exposição de motivos do projeto de regulamento de processo de 14 de março de 2014, acessível ao público na página Internet do Tribunal de Justiça da União Europeia, confirma aliás que, tendo em conta, particularmente, as exigências da boa administração da justiça e da economia do processo, «o Tribunal Geral considera poder dispensar a organização de uma audiência se não a considerar necessária, a menos que uma das partes principais apresente um pedido indicando os motivos pelos quais pretende ser ouvida».

64      As Disposições Práticas de Execução do Regulamento de Processo (a seguir «DPE») dispõem, no n.o 142, que a parte principal que pretenda ser ouvida numa audiência de alegações deve apresentar um pedido fundamentado nesse sentido, no prazo de três semanas a contar da notificação às partes do encerramento da fase escrita do processo, especificando que essa fundamentação deve resultar de uma apreciação concreta da utilidade de uma audiência de alegações para a parte em causa e indicar os elementos dos autos do processo «ou» da argumentação que essa parte considere necessário desenvolver «ou» refutar mais amplamente numa audiência de alegações. Indica ainda que para uma melhor orientação dos debates na audiência, é «desejável» que a fundamentação não tenha caráter geral, limitando‑se, por exemplo, a fazer referência à importância do processo. O n.o 143 das DPE prevê que se uma parte principal não apresentar um pedido fundamentado no prazo fixado, o Tribunal Geral pode decidir conhecer do recurso sem fase oral.

65      Resulta, assim, do artigo 106.o do Regulamento de Processo, bem como dos n.os 142 e 143 das DPE que na falta de um pedido de audiência de alegações ou perante um pedido de audiência de alegações sem fundamentação, o Tribunal Geral pode decidir conhecer do recurso sem fase oral, se se considerar suficientemente esclarecido pelas peças processuais.

66      No presente caso, a recorrente, por carta de 29 de novembro de 2021, tomou posição sobre a realização de uma audiência, nos seguintes termos:

«1. Confirmo que, pelas razões já explicadas em detalhe, não existe atualmente uma representação efetiva [da recorrente]. Com o único objetivo de cumprir o prazo aplicável, venho por este meio solicitar uma audiência. No entanto, seria necessário que a representação efetiva [da recorrente] fosse previamente restabelecida.

2. Não é possível preparar nem assistir a uma audiência nas presentes circunstâncias».

67      Resulta da referida carta de 29 de novembro de 2021 que o pedido de audiência apresentado pela recorrente não contém qualquer fundamentação. Este pedido não indica, com efeito, nenhum motivo pelo qual a recorrente pretende ser ouvida.

68      Além disso, na sua carta de 25 de outubro de 2021, na qual informa as partes principais do encerramento da fase escrita do processo, o secretário do Tribunal Geral recordou as disposições do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, bem como as do n.o 142 das DPE e chamou a atenção das partes principais para o facto de, no contexto da crise sanitária, a fundamentação ter de respeitar as exigências do referido número das DPE.

69      É certo que a recorrente alegou, no seu pedido de audiência, que se considerava privada de representação efetiva.

70      Ainda que se entenda que, deste modo, a recorrente tenta justificar implicitamente a falta de fundamentação do seu pedido de audiência, o que, no entanto, não resulta do referido pedido, há que considerar que a sua argumentação relativa à falta de representação efetiva não pode ser considerada uma justificação da falta de fundamentação deste pedido. Particularmente, a circunstância de a recorrente estar privada de representação efetiva, no sentido que expõe, em nada a impedia de apresentar elementos circunstanciados em apoio de um pedido de audiência.

71      Por conseguinte, uma vez que a recorrente não apresentou qualquer fundamentação no seu pedido de audiência e tendo, além disso, sido expressamente recordada pelo secretário do Tribunal Geral da sua obrigação de fundamentar tal pedido, há que considerar que o referido pedido de audiência não respeita o artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

72      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelas peças processuais, decide conhecer do recurso sem fase oral do processo, em conformidade com o artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

D.      Quanto ao mérito

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, na medida em que esta disposição não prevê uma decisão de classificação da entidade em causa como significativa

73      A recorrente alega que a decisão recorrida, na medida em que a classifica como entidade significativa, viola o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013. Com efeito, este artigo não prevê uma decisão de classificação, mas uma decisão do BCE de exercer diretamente todos os poderes relevantes de uma autoridade nacional competente em relação a uma ou mais instituições de crédito, quando necessário para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão.

74      A recorrente afirma que o artigo 39.o, n.o 5, segundo período, do Regulamento n.o 468/2014 não deve ser interpretado de maneira incompatível com o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013. A título subsidiário, invoca a ilegalidade do artigo 39.o, n.o 5, segundo período, do Regulamento n.o 468/2014, se este artigo tiver de ser interpretado no sentido de que altera a natureza da decisão baseada no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

75      A recorrente esclarece que a decisão adotada nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 não corresponde a uma alteração do estatuto de uma instituição de crédito. Trata‑se de uma intervenção do BCE motivada por uma preocupação quanto à qualidade da supervisão realizada pela autoridade nacional competente e não por uma preocupação relativa ao nível de conformidade da instituição de crédito em causa. Esta última deve manter o direito ao mesmo tratamento que as instituições menos significativas e não deve ser objeto de uma supervisão que só seja adequada às instituições «verdadeiramente» significativas. A recorrente refere que a harmonização da supervisão no âmbito do MUS é um processo progressivo e que ainda existem diferenças no que respeita à supervisão bancária nos diferentes Estados‑Membros. Acrescenta ainda que o artigo 47.o, n.o 4, do Regulamento n.o 468/2014, que regula a situação inversa em causa, confirma que não é necessária uma decisão de reclassificação.

76      O BCE contesta esta argumentação.

77      O artigo 39.o, n.o 5, do Regulamento n.o 468/2014 prevê o seguinte: «O BCE deve também supervisionar diretamente uma entidade supervisionada menos significativa ou um grupo supervisionado menos significativo ao abrigo de uma decisão do BCE adotada nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento [n.o 1024/2013] que lhe atribua o exercício direto de todos os poderes pertinentes referidos no artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento [n.o 1024/2013]. Para efeitos do MUS, a entidade supervisionada menos significativa ou o grupo supervisionado menos significativo em causa serão classificados como significativos».

78      Além disso, nos termos do artigo 68.o, n.o 5, do Regulamento n.o 468/2014, se decidir que é necessária a supervisão direta pelo BCE da entidade supervisionada menos significativa ou do grupo supervisionado menos significativo para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão, o BCE adotará uma decisão nos termos do título 2, da parte IV, deste regulamento.

79      Uma «decisão do BCE nos termos do título 2 [da parte IV, do Regulamento n.o 468/2014]», tal como referida no artigo 68.o, n.o 5, deste regulamento, corresponde a uma decisão de classificação de uma entidade supervisionada como significativa, tal como indica a epígrafe do referido título 2, a saber «Procedimento para a classificação das entidades supervisionadas como entidades supervisionadas significativas».

80      Por conseguinte, resulta dos termos inequívocos do artigo 39.o, n.o 5, do Regulamento n.o 468/2014, corroborados pelos do artigo 68.o, n.o 5, do mesmo regulamento que, quando o BCE decide exercer a supervisão prudencial direta em relação a uma instituição de crédito menos significativa com base no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, deve adotar uma decisão de classificação desta instituição como significativa.

81      No entanto, a recorrente alega que o artigo 39.o, n.o 5, segundo período, do Regulamento n.o 468/2014 é contrário ao artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, uma vez que altera a natureza da decisão prevista neste último artigo.

82      No entanto, embora o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 não mencione que o BCE, quando decide exercer, por si próprio, todos os poderes pertinentes em relação a uma instituição de crédito menos significativa, deve adotar uma decisão que classifique essa instituição como menos significativa, também não o exclui.

83      Do mesmo modo, embora seja certo que o artigo 47.o, n.o 4, do Regulamento n.o 468/2014, que diz respeito à situação inversa, em que o BCE decide cessar a supervisão prudencial direta no caso de uma entidade supervisionada por força de uma decisão anterior do BCE adotada em conformidade com o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, não especifica que, nessa situação, o BCE deve adotar uma decisão que classifique a entidade em causa como menos significativa, mas também não o exclui. A este respeito, importa sublinhar que o referido artigo 47.o está igualmente incluído no título 2, da parte IV do Regulamento n.o 468/2014, com a epígrafe «Procedimento para a classificação das entidades supervisionadas como entidades supervisionadas significativas» e que este artigo se intitula «Motivos para a cessação da supervisão direta pelo BCE», ou seja, que, em princípio, tem por objeto expor esses motivos e não precisar se uma decisão que ponha termo à supervisão prudencial direta implica que o BCE adote uma decisão que classifique a entidade em causa como menos significativa.

84      Por outro lado, o artigo 39.o, n.o 5, segundo período, do Regulamento n.o 468/2014, ao prever a classificação de uma entidade como significativa, não põe em causa a natureza da decisão adotada com fundamento no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, que é uma decisão relativa à repartição das atribuições em matéria de supervisão prudencial entre o BCE e as autoridades nacionais competentes.

85      De facto, a decisão de classificar uma entidade como significativa tem por único efeito a assunção por parte do BCE da supervisão prudencial direta desta entidade, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

86      O facto de classificar uma entidade como significativa quando o BCE decide exercer a supervisão prudencial direta dessa entidade, nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, não é contrário ao princípio da igualdade de tratamento, como parece sustentar a recorrente.

87      A este respeito, importa notar que essa decisão, que diz apenas respeito à determinação da autoridade competente, não altera nem as regras prudenciais aplicáveis à referida entidade nem os poderes de supervisão de que dispõe a autoridade competente a respeito desta entidade para efeitos das funções de supervisão conferidas ao BCE pelo MUS.

88      Por conseguinte, o artigo 39.o, n.o 5, segundo período, do Regulamento n.o 468/2014 não é contrário ao artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

89      Resulta do acima exposto que a decisão recorrida, na medida em que prevê a classificação da recorrente como entidade significativa, não é contrária ao artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

90      Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais

91      No caso em apreço, há que analisar em seguida o quarto fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais, antes dos outros fundamentos, relativos ao mérito da decisão recorrida.

92      Com o quarto fundamento, a recorrente alega que a decisão recorrida padece de diversas violações de formalidades essenciais.

93      Em primeiro lugar, a recorrente afirma que não foi elaborado o relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014.

94      A recorrente alega que, no âmbito do processo de arbitragem, a República da Letónia admitiu que não existia um relatório, invocando as boas relações de trabalho existentes entre a CMFC e o BCE. Ora, estas alegadas boas relações de trabalho não justificam a não apresentação do referido relatório, uma vez que este último constitui um elemento essencial do processo, é obrigatório e destina‑se a proteger os interesses da recorrente num processo transparente sujeito a fiscalização jurisdicional.

95      Além disso, a recorrente refere que o litígio entre a República da Letónia e o BCE no que diz respeito a A, sugere que as relações de trabalho existentes entre o BCE e a CMFC não estavam isentas de dificuldades. Com efeito, A deveria ter sido demitido das suas funções se as acusações contra ele formuladas tivessem sido sustentadas por meios de prova que, segundo a República da Letónia, existiam mas não foram transmitidos ao Tribunal de Justiça no âmbito do processo C‑238/18, que a opõe ao BCE. A recorrente deparou‑se com problemas de corrupção não resolvidos e com uma perda de confiança no processo regulamentar em razão de uma falta de cooperação entre o BCE e as autoridades letãs, nomeadamente a CMFC. Além disso, a afirmação da existência de boas relações de trabalho entre o BCE e a CMFC contraria uma decisão adotada nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, na medida em que tal decisão pressupõe uma situação em o BCE não se encontra satisfeito com a supervisão exercida pela autoridade nacional competente e considera que as instruções gerais e as recomendações nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 1024/2013 não são suficientes para resolver esta situação.

96      Em segundo lugar, a recorrente alega que o BCE não lhe comunicou o pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018. Este pedido corresponde a uma fase processual prevista no artigo 68.o do Regulamento n.o 468/2014 e a decisão recorrida baseia‑se no seu conteúdo. Por conseguinte, o projeto de decisão que foi comunicado à recorrente antes da adoção da decisão recorrida não estava completo, de modo que esta decisão também lhe foi comunicada de forma incompleta. A não comunicação deste pedido à recorrente e o facto de esta última não ter podido apresentar os seus comentários sobre a mesma violam dos seus direitos de defesa, o seu direito a ser ouvida e o seu direito de acesso ao processo administrativo.

97      Em terceiro lugar, a recorrente alega que o BCE não lhe comunicou o primeiro pedido da CMFC de assumir a supervisão prudencial direta da recorrente, de 16 de novembro de 2017. A recorrente só tomou conhecimento da existência deste pedido por uma carta de 20 de março de 2019 do mandatário da República da Letónia que interveio no contexto do processo de arbitragem. A apresentação deste pedido pelo referido mandatário confirma que se tratou de uma reação à instauração do processo de arbitragem. O facto de o mesmo pedido não ter sido comunicado à recorrente viola os seus direitos de defesa, o seu direito a ser ouvida e o seu direito de acesso ao processo administrativo.

98      Em quarto lugar, a recorrente afirma que o BCE não adotou qualquer decisão sobre o referido pedido da CMFC de 16 de novembro de 2017, em violação do artigo 68.o do Regulamento n.o 468/2014.

99      Em quinto lugar, a recorrente alega que o seu direito a ser ouvida não foi respeitado, uma vez que este direito implica a possibilidade de formulação de observações sobre as afirmações concretas feitas em apoio do fundamento da decisão recorrida segundo o qual ela não demonstrou vontade suficiente de cooperar na sequência da instauração do processo de arbitragem.

100    Em sexto e último lugar, a recorrente defende que a decisão recorrida não está suficientemente fundamentada. Com efeito, esta decisão não explica os motivos pelos quais o BCE considerou necessário assumir a supervisão direta da recorrente.

101    O BCE contesta estes argumentos.

102    Importa analisar, antes de mais, a argumentação da recorrente na parte em que considera que o BCE violou o seu dever de fundamentação, em seguida, na parte em que defende que o BCE violou os seus direitos de defesa, o seu direito a ser ouvida e o seu direito de acesso ao processo administrativo, subsequentemente, na parte em que invoca uma irregularidade decorrente da inexistência do relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014 e, por último, na parte em que alega que o BCE não adotou qualquer decisão sobre o pedido da CMFC de 16 de novembro de 2017.

a)      Quanto ao fundamento relativo à violação do dever de fundamentação

103    A fundamentação exigida nomeadamente pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e mostrar, de maneira clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de modo que permita aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 85 e jurisprudência referida).

104    A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas por este direta e individualmente afetadas possam ter em receber explicações. Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 87 e jurisprudência referida).

105    A obrigação de fundamentar os atos das instituições da União, prevista no artigo 296.o, TFUE, é uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do mérito da fundamentação, uma vez que este tem que ver com a legalidade substancial do ato controvertido (v. Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 181 e jurisprudência referida).

106    No que respeita à fundamentação de uma decisão de classificação como significativa de uma entidade supervisionada numa base individual, o artigo 39.o, n.o 1, do Regulamento n.o 468/2014 prevê que «[u]ma entidade supervisionada deve ser considerada entidade supervisionada significativa se o BCE assim o determinar numa decisão do BCE tendo por destinatária a entidade supervisionada em causa, nos termos dos artigos 43.o a 49.o, [deste regulamento] que explique as razões subjacentes à referida decisão».

107    Por outro lado, o artigo 33.o do Regulamento n.o 468/2014, com a epígrafe «Fundamentação das decisões de supervisão do BCE» prevê no seu n.o 2 que a fundamentação de uma decisão de supervisão prudencial do BCE conterá os factos materiais e as razões jurídicas nos quais o BCE baseou esta decisão.

108    No caso em apreço, contrariamente ao que a recorrente alega de forma resumida no âmbito do quarto fundamento, a decisão recorrida, cujos fundamentos foram resumidos nos n.os 23 a 27, supra, refere os motivos pelos quais o BCE considerou necessário assumir a supervisão prudencial direta da recorrente. A mesma faz referência, clara e inequívoca, ao fundamento jurídico da decisão, aos factos nos quais a mesma se baseia, em particular, à recomendação do CIRDI e à apreciação do BCE. Resulta desta apreciação que o BCE decidiu assumir a supervisão prudencial direta da recorrente pelo facto de, segundo a CMFC, desde a instauração do processo de arbitragem, a reação da recorrente a quase todas as interações de supervisão continuar a não refletir nenhuma vontade de pôr em prática uma cooperação efetiva e de a CMFC se considerar totalmente privada da capacidade de exercer uma supervisão de nível elevado em relação à recorrente, nos termos das normas da União e do MUS.

109    Importa acrescentar, por uma questão de exaustividade, que a decisão recorrida foi adotada num contexto conhecido da recorrente. Esta última estava regularmente em contacto com a CMFC, a qual monitorizava de perto os riscos aos quais a recorrente estava exposta. Estava igualmente em contacto direto com o BCE, uma vez que lhe escreveu em 5 de julho e em 12 de setembro de 2018 para lhe pedir que interviesse na sua supervisão prudencial e que a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE lhe respondeu, por carta de 8 de outubro de 2018, que partilhava da opinião da CMFC de que a situação da recorrente necessitava de uma supervisão prudencial específica. Por último, conhecia todos os aspetos do processo de arbitragem, o qual a própria tinha instaurado.

110    Os fundamentos da decisão recorrida eram, pois, suficientes para permitir à recorrente conhecer as justificações desta decisão a fim de apreciar a sua motivação e ao Tribunal Geral, exercer a sua fiscalização.

111    Por conseguinte, a recorrente não pode alegar que o BCE violou o dever de fundamentação previsto, nomeadamente, no artigo 296.o TFUE e pelo Regulamento n.o 468/2014.

b)      Quanto aos fundamentos relativos à violação dos direitos de defesa, do direito a ser ouvido e do direito de acesso ao processo administrativo

112    O artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê que o direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente e o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial.

113    Em particular, o direito de ser ouvido, que faz parte integrante do princípio geral do respeito dos direitos de defesa, garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 87 e jurisprudência referida).

114    Em aplicação do artigo 44.o, n.o 1, do Regulamento n.o 468/2014, ao tomar decisões quanto à classificação de uma entidade ou grupo supervisionados como significativos ao abrigo do título 2, da parte IV, e salvo disposição em contrário, o BCE aplicará as regras processuais constantes da parte III, título 2, do referido regulamento. Nos termos do n.o 4, do mesmo artigo, o BCE dará a cada entidade supervisionada relevante a oportunidade de se pronunciar por escrito antes da adoção de uma decisão do BCE nos termos do n.o 1.

115    Em conformidade com o artigo 31.o, n.o 1, do Regulamento n.o 468/2014, antes de adotar uma decisão de supervisão do BCE dirigida a uma parte, suscetível de afetar adversamente os direitos dessa parte, o BCE concederá à referida parte a oportunidade de apresentar por escrito ao BCE comentários sobre os factos, objeções e fundamentos jurídicos relevantes para a decisão de supervisão do BCE. Se o BCE entender apropriado, poderá conceder às partes a oportunidade de comentar, numa reunião, os factos, objeções e fundamentos jurídicos relevantes para a decisão de supervisão do BCE. A notificação pela qual o BCE concede a uma parte a oportunidade de apresentar os seus comentários mencionará o conteúdo material da proposta de decisão de supervisão do BCE, assim como os factos, objeções e fundamentos jurídicos relevantes nos quais o BCE tenciona basear a sua decisão.

116    O artigo 32.o do Regulamento n.o 468/2014, com a epígrafe «Consulta de processos num procedimento de supervisão do BCE» estabelece, no seu n.o 1, que os direitos de defesa das partes interessadas serão plenamente respeitados nos procedimentos de supervisão do BCE. Para este efeito, e após abertura do procedimento de supervisão do BCE, as partes têm o direito de consultar o processo em poder do BCE, sob reserva do interesse legítimo na proteção dos seus segredos comerciais por parte de pessoas singulares ou coletivas que não a parte em causa. O direito de consulta do processo não é extensível a informações confidenciais. As autoridades nacionais competentes devem enviar ao BCE, sem demora injustificada, qualquer pedido que recebam para consulta de processos relacionados com procedimentos de supervisão do BCE.

117    A título preliminar, uma vez que a recorrente apresentou uma argumentação baseada na violação do princípio do respeito dos direitos de defesa, do direito a ser ouvido e do direito de acesso ao processo administrativo, importa apreciar esta argumentação, sem que seja necessário analisar se os referidos direitos constituem, enquanto tais, formalidades essenciais na aceção do artigo 263.o TFUE.

118    No caso em apreço, o BCE apresentou à recorrente um projeto de decisão a fim de esta formular as suas observações.

119    Importa notar, desde logo, que a recorrente não alega que a decisão recorrida se baseia em elementos de facto e de direito que não foram mencionados no projeto de decisão que lhe foi comunicado.

120    Em seguida, na medida em que a recorrente alega que o BCE não a notificou do pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018 no sentido de o BCE exercer a supervisão prudencial direta da recorrente, importa referir que este pedido constituiu a primeira fase do processo administrativo, mas era um ato distinto da decisão recorrida e não vinculava o BCE, podendo este último decidir assumir a supervisão prudencial direta da recorrente por outras razões que não as constantes do referido pedido, ou até por sua própria iniciativa.

121    Além disso, nenhuma disposição do Regulamento n.o 468/2014 prevê que o BCE deve comunicar oficiosamente esse pedido da autoridade nacional competente à entidade menos significativa objeto daquele pedido. Este último faz parte do processo administrativo e a recorrente podia tê‑lo consultado, nos termos do artigo 32.o do mesmo regulamento, no respeito dos interesses legítimos da proteção da confidencialidade e dos seus segredos profissionais e comerciais, se tivesse apresentado um pedido de acesso ao processo.

122    Por outro lado, embora o BCE se tenha baseado, na decisão recorrida, em determinadas considerações contidas no pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018, indicou com detalhe suficiente, no projeto de decisão, que comunicou as referidas considerações à recorrente e na própria decisão recorrida, não sendo, por conseguinte, necessário fazer referência ao pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018 para apreciar as justificações da decisão recorrida.

123    Na medida em que a recorrente alega que o BCE não lhe comunicou o pedido da CMFC de 16 de novembro de 2017, mediante o qual esta última tinha previamente solicitado ao BCE que assumisse a supervisão prudencial direta da recorrente, importa constatar que este pedido não constituía uma das fases do procedimento administrativo que conduziu à decisão recorrida e que os motivos que constituem o fundamento da decisão recorrida não constam deste pedido anterior. Por conseguinte, este fundamento não é eficaz para sustentar os pedidos dirigidos contra a decisão recorrida.

124    Por último, na medida em que a recorrente alega que não lhe foi dada a oportunidade de apresentar observações sobre as afirmações concretas feitas em apoio do fundamento da decisão recorrida segundo o qual, no entender da CMFC, a recorrente não tinha demonstrado uma vontade suficiente de cooperar na sequência da instauração do processo de arbitragem, importa notar que foi dada à recorrente a oportunidade de apresentar observações sobre o referido fundamento, o qual constava do projeto de decisão que lhe foi comunicado e não estava acompanhado de outras afirmações.

125    Assim, ao comunicar à recorrente o projeto de decisão sem lhe transmitir oficiosamente outros documentos ou elementos, tais como o pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018, o BCE deu à recorrente, no caso em apreço, a oportunidade de fazer valer o seu ponto de vista, de forma útil e eficaz, no decurso do procedimento administrativo.

126    No que diz respeito ao direito de uma parte interessada de consultar os processos num procedimento de supervisão prudencial, o artigo 32.o do Regulamento n.o 468/2014, cujas disposições foram recordadas no n.o 116, supra, prevê que as autoridades competentes nacionais devem enviar ao BCE, sem demora injustificada, qualquer pedido que recebam para consulta de processos. Resulta desta disposição que a consulta do processo pressupõe a apresentação de um pedido pela parte interessada.

127    A este respeito, resulta da jurisprudência que, quando sejam comunicadas informações suficientemente precisas que permitam ao interessado dar a conhecer, em tempo útil, a sua posição sobre a medida prevista, o princípio do respeito dos direitos de defesa não implica a obrigação do BCE facultar espontaneamente o acesso a todos os documentos constantes do seu processo. É apenas a pedido do interessado que o BCE está obrigado a dar acesso a todos os documentos administrativos não confidenciais referentes à medida em causa (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 31 de janeiro de 2019, Islamic Republic of Iran Shipping Lines e o./Conselho, C‑225/17 P, EU:C:2019:82, n.o 89 e jurisprudência referida).

128    Ora, no caso em apreço, por um lado, tal como acima exposto no n.o 125, a recorrente recebeu informações suficientes que lhe permitiram dar a conhecer de forma útil e efetiva o seu ponto de vista no procedimento administrativo. Por outro lado, não ficou assente nem foi alegado que a recorrente tenha solicitado a comunicação dos pedidos da CMFC de 16 de novembro de 2017 e de 21 de dezembro de 2018 nem, em todo o caso, que o BCE lhe tenha recusado, indevidamente, o acesso a estes documentos. Por conseguinte, a recorrente não pode invocar a violação do seu direito de acesso ao processo que lhe diz respeito.

129    A título complementar, uma violação dos direitos de defesa, em particular do direito a ser ouvido, só implica a anulação de uma decisão adotada no termo de um procedimento se, não tendo existido essa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (v. Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 76 e jurisprudência referida).

130    Ora, no caso em apreço, não resulta dos documentos do processo que, se os pedidos da CMFC de 16 de novembro de 2017 e de 21 de dezembro de 2018 tivessem sido comunicados à recorrente, o procedimento teria tido um desfecho diferente. Aliás, a recorrente não o alega.

131    Por conseguinte, não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que o BCE violou o princípio do respeito dos direitos de defesa, o seu direito a ser ouvida e o seu direito de acesso ao processo administrativo.

c)      Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014, dada a inexistência do relatório previsto nesta disposição

132    Nos termos do artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014, o pedido da autoridade nacional competente para que o BCE exerça a supervisão prudencial direta no que respeita a uma entidade supervisionada menos significativa ou a um grupo supervisionado menos significativo será acompanhado de um relatório contendo o historial de supervisão e o perfil de risco da referida entidade ou do referido grupo.

133    No caso em apreço, é pacífico que o pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018 não foi acompanhado do relatório referido no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014 contendo o historial de supervisão e o perfil de risco da recorrente.

134    O relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014 permite ao BCE, tal como o mesmo afirma, avaliar o pedido de assunção da supervisão prudencial apresentado pela autoridade nacional competente e contribui para garantir, caso o BCE defira tal pedido, uma transição harmoniosa das competências associadas a esta supervisão.

135    O papel do referido relatório na cooperação entre o BCE e a autoridade nacional competente, a fim de garantir uma transição harmoniosa das competências de supervisão, também é mencionado no artigo 43.o, n.o 6, do Regulamento n.o 468/2014.

136    Assim, o relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014, mesmo sendo obrigatório, tem, nomeadamente, por objetivo garantir a devida transmissão de informações entre a autoridade nacional competente e o BCE e não constitui, tal como este último salienta com razão, uma garantia processual destinada a proteger os interesses da instituição de crédito em causa nem, a fortiori, uma formalidade essencial na aceção do artigo 263.o TFUE.

137    Esta consideração é corroborada pelo facto de, quanto o BCE decide exercer oficiosamente a supervisão prudencial direta de uma entidade menos significativa, o pedido de apresentação desse relatório pela autoridade nacional competente mais não ser do que uma possibilidade oferecida ao BCE, nos termos do artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 468/2014.

138    Acresce que, no caso apreço, resulta do pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018 que esta última referiu, neste pedido, elementos relativos ao historial de supervisão da recorrente e remeteu para outros elementos identificados que já se encontravam na posse do BCE, nomeadamente, informações trocadas no âmbito do grupo de gestão de crise constituído em setembro de 2017, no qual o BCE e a CMFC trocaram regularmente os seus pontos de vista sobre a situação prudencial da recorrente e às eventuais medidas prudenciais a adotar.

139    Nestas circunstâncias, embora o pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018 não fosse formalmente acompanhado do relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014, deve considerar‑se que o mesmo continha as informações que deviam ser incluídas naquele relatório ou, pelo menos, que remetia para as referidas informações já na posse do BCE.

140    No que respeita à argumentação da recorrente no sentido de pôr em causa os argumentos apresentados pela República da Letónia no âmbito do processo de arbitragem, segundo a qual existia uma boa relação de trabalho entre o BCE e a CMFC, há que considerar que a referida argumentação não é suscetível de demonstrar que o BCE não estava na posse de todas as informações relevantes que deviam constar do relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014, antes de decidir o pedido da CMFC para que o BCE exercesse a supervisão prudencial direta em relação à recorrente.

141    Por conseguinte, a inexistência do relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014 não é, no caso em apreço, suscetível de viciar de ilegalidade a decisão recorrida.

142    Além disso, ainda que a inexistência do relatório constitua uma irregularidade processual, tal irregularidade processual só implica a anulação total ou parcial de uma decisão se se provar que, na falta dessa irregularidade, a decisão impugnada poderia ter tido um conteúdo diferente (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Autostrada Wielkopolska/Comissão e Polónia, C‑933/19 P, EU:C:2021:905, n.o 67 e jurisprudência referida).

143    No caso em apreço, não resulta dos documentos do processo que se tivesse sido elaborado um relatório como o previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014, a decisão recorrida poderia ter tido um conteúdo diferente. O Tribunal Geral salienta que a recorrente não o alega.

144    Consequentemente, o fundamento invocado pela recorrente relativo à inexistência do relatório previsto no artigo 68.o, n.o 3, do Regulamento n.o 468/2014 deve ser julgado improcedente.

d)      Quanto ao fundamento relativo à inexistência de decisão do BCE em relação ao pedido da CMFC de 16 de novembro de 2017

145    No que diz respeito ao fundamento da recorrente segundo o qual o BCE não adotou uma decisão sobre o pedido da CMFC de 16 de novembro de 2017, mediante o qual esta última tinha solicitado previamente ao BCE que exercesse a supervisão prudencial direta em relação à recorrente, basta constatar que o facto de o BCE não ter proferido uma decisão sobre este pedido anterior não implica a anulação da decisão recorrida, a qual diz respeito a um procedimento diferente iniciado pelo pedido da CMFC de 21 de dezembro de 2018.

146    Por conseguinte, o referido fundamento, que aliás não diz respeito a uma formalidade essencial na aceção do artigo 263.o TFUE deve ser julgado inoperante.

147    Acresce que se deve considerar que o referido fundamento carece de base factual, uma vez que, por um lado, o BCE refere sem ser contestado que indeferiu o pedido da CMFC de 16 de novembro de 2017 durante a reunião do Conselho de Supervisão Prudencial de 28 de novembro de 2017 e, por outro, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 5, do Regulamento n.o 468/2014, é quanto decide exercer a supervisão prudencial direta em relação a uma entidade menos significativa que o BCE adota uma decisão em conformidade com o título 2, da parte IV, do mesmo regulamento, ou seja, uma decisão de classificação notificada à entidade em causa, e não quando decide não deferir o pedido apresentado pela autoridade nacional competente.

148    Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à interpretação incorreta do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 no que diz respeito às condições e ao objeto desta disposição

149    A recorrente alega que a decisão recorrida se baseou numa interpretação incorreta do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 em três aspetos, relativos às condições de aplicação e ao objeto deste artigo.

150    Em primeiro lugar, a recorrente afirma que o BCE não teve em conta que uma decisão adotada em aplicação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 se destina a resolver problemas de qualidade da supervisão, exercida no caso em apreço pela CMFC, e não os incumprimentos da regulamentação pela instituição em causa. Alega que o BCE interpretou erradamente a menção relativa aos «elevados padrões de supervisão» que figura nesta disposição como sendo uma referência a «elevados padrões de conformidade». Esta interpretação errada é análoga à requalificação errada da natureza da decisão recorrida invocada no primeiro fundamento. A prática do BCE confirma a existência de um erro de interpretação, uma vez que, até à data, o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 foi apenas utilizado num único caso, que não se baseava em alegados incumprimentos por parte da instituição de crédito em causa. O BCE não assumiu a supervisão prudencial, mesmo nos casos em que os incumprimentos da instituição de crédito foram tão relevantes que deram origem a uma decisão de revogação da autorização.

151    Em segundo lugar, a recorrente refere que o BCE não teve em conta o facto de o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 se referir especificamente à aplicação «coerente» de elevados padrões de supervisão. A única decisão anterior de aplicação desta disposição ilustra este objetivo, uma vez que a decisão se destinava a garantir a coerência da supervisão de um grupo de entidades supervisionadas em diversos Estados‑Membros. Este aspeto de coerência da supervisão não foi abordado na decisão recorrida.

152    Em terceiro e último lugar, a recorrente afirma que a decisão recorrida não reconhece o caráter excecional de uma decisão adotada em aplicação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013. O BCE presumiu, incorretamente, que a assunção da supervisão direta da recorrente era uma decisão de rotina para o BCE.

153    O BCE defende que não incorreu nos erros de direito de que a recorrente o acusa.

154    Pelo seu segundo fundamento, a recorrente alega que o BCE violou o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 em três aspetos que importa analisar sucessivamente.

155    Tal como resulta da própria redação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, o objetivo desta disposição consiste em garantir uma aplicação coerente de elevados padrões de supervisão.

156    Conforme resulta do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento n.o 468/2014, vários fatores são suscetíveis de justificar a adoção de uma decisão baseada no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

157    Em primeiro lugar, a recorrente alega que o BCE interpretou incorretamente o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 no sentido de que se destina a resolver problemas de incumprimento da regulamentação prudencial por parte da entidade em causa e não problemas de qualidade da supervisão prudencial assegurada pela autoridade nacional competente.

158    No entanto, importa constatar que o BCE não adotou a decisão recorrida em virtude de a recorrente não ter respeitado a regulamentação prudencial. Aliás, a recorrente não menciona nenhum fundamento da decisão para sustentar a sua argumentação.

159    Em particular, o BCE sublinhou, na decisão recorrida, que a CMFC tinha salientado no seu pedido para que o BCE exercesse a supervisão direta da recorrente que, desde a instauração do processo de arbitragem, a reação da recorrente a quase todas as interações de supervisão continuava a não revelar nenhuma vontade de pôr em prática uma cooperação efetiva e que a CMFC se considerava totalmente privada da capacidade de exercer uma supervisão de nível elevado em relação à recorrente.

160    Portanto, foi mesmo por motivos baseados no facto de a CMFC estar totalmente privada da capacidade de exercer uma supervisão de nível elevado em relação à recorrente, constatação que aliás esta última não contesta, que o BCE adotou a decisão recorrida.

161    Por conseguinte, o BCE não incorreu no erro de direito de que é acusado pela recorrente.

162    Em segundo lugar, a recorrente considera que o BCE não teve em conta o facto de o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 visar especificamente a aplicação «coerente» de elevados padrões de supervisão.

163    No entanto, uma vez mais, a recorrente não menciona nenhum ponto da decisão recorrida para sustentar a sua linha de argumentação. Além disso, resulta expressamente do ponto 2.1 desta decisão que, segundo o BCE, a assunção por este último da supervisão prudencial direta da recorrente era necessária para garantir a aplicação «coerente» de elevados padrões de supervisão, em conformidade com o objetivo estabelecido no artigo 6.o, n.o 5.o, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

164    O segundo fundamento da recorrente deve, portanto, ser julgado improcedente.

165    Em terceiro lugar, a recorrente afirma que a decisão recorrida não reconhece o caráter excecional de uma decisão adotada em aplicação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

166    A este respeito, importa constatar que não resulta nem do disposto no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 nem, aliás, das disposições do Regulamento n.o 468/2014, que a decisão do BCE de exercer, por si só, diretamente todos os poderes relevantes em relação a uma ou mais instituições de crédito menos significativas deve revestir caráter excecional.

167    A recorrente alega que a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial do BCE mencionou, numa carta de 23 de abril de 2018 dirigida a um membro do Parlamento Europeu que a questionou sobre a frequência com que o poder previsto no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 tinha sido exercido, que este poder tinha caráter excecional.

168    No entanto, a carta referida no n.o 167, supra, não pode acrescentar um critério ao artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 que não sujeita o exercício do respetivo poder à existência de circunstâncias excecionais.

169    Acresce que, tendo em conta a recomendação do CIRDI, a recorrente encontrava‑se manifestamente numa situação rara do ponto de vista da supervisão prudencial das instituições de crédito.

170    Por conseguinte, ao não mencionar a existência de circunstâncias excecionais na decisão recorrida, o BCE não violou o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

171    Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

4.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao incumprimento do dever de analisar com cuidado e imparcialidade todos os elementos do caso em apreço a fim de estabelecer a necessidade de uma decisão nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013

172    A recorrente alega que o BCE não procedeu a uma análise imparcial dos factos. Afirma que o BCE se baseou em acusações vagas relativas à conduta da recorrente na sequência da instauração do processo de arbitragem e não num caso concreto de falta de cooperação. Não abordou a questão de saber se as acusações invocadas pela CMFC em relação à recorrente eram fundadas. Esta abordagem não é aceitável em razão da natureza pouco habitual da decisão recorrida, a qual se justifica por circunstâncias pouco habituais. Além disso, o BCE baseou‑se excessivamente nas apreciações da CMFC, sem expressar o seu próprio ponto de vista, o que é paradoxal quando se trata de uma decisão desta natureza. Com efeito, uma decisão deste tipo pressupõe que o BCE já não se possa limitar apenas à supervisão assegurada pela autoridade nacional competente.

173    O BCE contesta esta argumentação.

174    Para sustentar o seu terceiro fundamento, a recorrente alega, em substância, que para adotar a decisão recorrida, o BCE se baseou em acusações vagas formuladas pela CMFC relativas à sua conduta na sequência da instauração do processo de arbitragem, em vez de fazer referência a um caso concreto de falta de cooperação e não expressou o seu próprio ponto de vista relativamente às apreciações da CMFC.

175    Contudo, o BCE não incorreu em erro de direito ao não apreciar se a consideração da CMFC e que a conduta da recorrente não tinha revelado qualquer vontade de cooperação efetiva era ou não fundada.

176    Com efeito, uma vez que o objetivo de uma decisão adotada com base no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 consiste em garantir uma aplicação coerente de elevados padrões de supervisão e não em um incumprimento da regulamentação prudencial praticado por uma entidade supervisionada, o BCE pode decidir exercer uma supervisão prudencial direta em relação a uma instituição menos significativa sem se basear nesse incumprimento.

177    No caso em apreço, na sequência da instauração do processo de arbitragem e das medidas provisórias adotadas pelo CIRDI, a CMFC considerou que a recorrente não tinha revelado uma vontade de cooperação efetiva. Também se considerou totalmente privada da capacidade de exercer uma supervisão de elevado nível em relação à recorrente em conformidade com as normas da União e do MUS.

178    A este respeito, importa referir que a apreciação da CMFC relativamente à sua incapacidade total para exercer uma supervisão de nível elevado, a qual é devidamente sustentada pela recomendação do CIRDI e não foi de modo algum contestada pela recorrente no procedimento administrativo ou no Tribunal Geral, era, por si só, suscetível de suscitar sérias dúvidas quanto à capacidade da CMFC para garantir o respeito pelos elevados padrões de supervisão relativamente à recorrente e de justificar a necessidade da assunção da supervisão prudencial pelo BCE.

179    Por conseguinte, o BCE podia decidir exercer a supervisão prudencial direta da recorrente, com o objetivo de garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão, sem examinar se a falta de vontade de cooperação efetiva da recorrente, invocada pela CMFC, estava estabelecida nem estar, a fortiori, obrigado a basear‑se num caso concreto de falta de cooperação.

180    Além disso, embora o BCE tivesse efetivamente tomado devidamente em consideração as apreciações do CMFC no que diz respeito à supervisão prudencial da recorrente, não se considerou vinculado por essas apreciações, mas procedeu à sua própria apreciação da necessidade de exercer uma supervisão prudencial direta da recorrente, conforme resulta expressamente dos pontos 2.1 e 2.5 da decisão recorrida, nos quais o BCE conclui claramente por tal necessidade.

181    Em particular, o facto de o BCE também não ter fundamentado a decisão recorrida quanto à questão de saber se a CMFC estava totalmente privada da capacidade para exercer uma supervisão de nível elevado em relação à recorrente não permite concluir que não avaliou com cuidado e imparcialidade todos os elementos do caso em apreço, uma vez que a recorrente não contestou a apreciação da CMFC a este respeito.

182    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

5.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 na medida em que o BCE não exerceu o seu poder discricionário em conformidade com esta disposição

183    A recorrente alega que o BCE não teve em consideração, na decisão recorrida, a natureza discricionária dos poderes que detém na matéria (invocando, a este respeito, o uso do termo «pode» no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013). O BCE não podia afirmar que exerceu o seu poder discricionário se isso não constar da decisão recorrida e se, pelo contrário, esta decisão se basear no princípio de que a sua adoção é uma consequência necessária do facto de as condições previstas no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 estarem reunidas.

184    O BCE contesta esta argumentação.

185    As partes concordam que o BCE dispõe de uma ampla margem de apreciação ao adotar, como no caso em apreço, um ato relativo à supervisão prudencial de uma instituição de crédito (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 86).

186    Esta conclusão é confirmada pelos próprios termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.o 61).

187    No entanto, quando a administração dispõe de uma ampla margem de apreciação para adotar uma decisão, nem a obrigação de fundamentação imposta pelo artigo 296.o TFUE nem nenhuma outra norma a obriga a mencionar tal facto na decisão em causa.

188    No caso em apreço, não resulta de nenhum documento dos autos do processo que o BCE tenha entendido, erradamente, que não dispunha dessa margem de apreciação.

189    Em particular, a mera circunstância de se ter concluído, no ponto 2.5 da decisão recorrida, que as condições da assunção pelo BCE da supervisão direta da recorrente estavam reunidas não significa que o BCE tenha considerado, erradamente, estar numa situação de competência vinculada e que não tenha feito uso da sua ampla margem de apreciação para chegar a esta conclusão ou ainda que tenha incorrido em erro de direito ao aplicar o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

190    O quinto fundamento deve, pois, ser julgado improcedente.

6.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

191    A recorrente alega que a decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade. O BCE não podia afirmar que realizou uma análise da proporcionalidade se tal não resulta da decisão recorrida e se, pelo contrário, esta última dá a entender o inverso, ou seja, que a mesma se baseou no princípio de que o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 é suficiente.

192    A recorrente refere que não foi reconhecido na decisão recorrida que uma decisão desta natureza deve ser reservada aos casos em que a supervisão direta pelo BCE é uma resposta adequada a um problema regulamentar específico e é suscetível de atingir um objetivo prudencial específico, quando nenhuma outra solução menos intrusiva for equacionável e quando o ónus imposto à instituição em causa for adequado à luz do problema subjacente e do objetivo prosseguido. A decisão recorrida não descreve especificamente o problema subjacente. O motivo pelo qual a supervisão direta pelo BCE é um meio adequado para resolver o problema é igualmente ambíguo. Além disso, o BCE não analisou as outras medidas possíveis, nomeadamente um esforço da sua parte para restabelecer a confiança na supervisão regulamentar através do exame dos problemas de corrupção.

193    A recorrente afirma que a presidente do Conselho de Supervisão Prudencial sublinhou a importância do princípio da proporcionalidade, numa carta ao Parlamento Europeu de 23 de abril de 2018. Conforme foi exposto no âmbito dos primeiro e segundo fundamentos, uma vez que o BCE não teve em conta o facto de uma decisão de exercer a supervisão direta ser principalmente destinada a resolver problemas relativos à supervisão (e não incumprimentos da instituição de crédito em causa), o mesmo não equacionou métodos alternativos que permitissem uma supervisão mais adequada pela autoridade nacional competente, por exemplo, a prestação de conselhos adequados. Nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, o nível continuamente elevado de supervisão deve ser garantido, em primeira linha, pela regulamentação, orientações ou instruções gerais dirigidas às autoridades nacionais competentes. O BCE deve apreciar em que a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão pode ser garantida através de instruções gerais adequadas.

194    O BCE nega ter infringido o princípio da proporcionalidade.

195    O princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando existe uma escolha entre várias medidas adequadas, há que recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desmedidos face aos objetivos (Acórdãos de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.o 50, e de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 206).

196    A apreciação da proporcionalidade de uma medida deve ser conciliada com o respeito da margem de apreciação eventualmente reconhecida às instituições da União quando da sua adoção (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.o 53 e jurisprudência referida).

197    No caso em apreço, a decisão recorrida era adequada a realizar o objetivo de garantir uma aplicação coerente de elevados padrões de supervisão.

198    Com efeito, a decisão recorrida era suscetível de solucionar as preocupações prudenciais da CMFC, garantindo que a recorrente passaria a ser supervisionada diretamente por uma autoridade que estava em condições de fazer uso de todos os seus poderes de supervisão.

199    A este respeito, importa sublinhar que, conforme alega o BCE, este último estava, tendo em conta a recomendação do CIRDI, mais bem posicionado do que a CMFC para garantir a supervisão prudencial direta da recorrente.

200    Por outro lado, as medidas alternativas sugeridas pela recorrente, nomeadamente, por um lado, que o BCE examinasse os problemas de corrupção e, por outro lado, que o BCE fornecesse conselhos ou emitisse regulamentos, orientações ou instruções gerais à CMFC, não constituíam medidas menos restritivas adequadas à luz do objetivo prosseguido.

201    De facto, o BCE tem toda a razão em alegar que não tem competência para proceder, ele próprio, a uma investigação dos atos de corrupção e que coopera nesse sentido com as autoridades nacionais competentes. Do mesmo modo, o BCE não tem competência para dirigir orientações individuais a uma autoridade nacional (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.o 61).

202    Em todo o caso, as medidas alternativas sugeridas pela recorrente não teriam permitido dar resposta às preocupações do CMFC que justificaram a decisão recorrida. Uma vez que a supervisão prudencial direta da recorrente teria permanecido na esfera de competência da CMFC, esta última ter‑se‑ia sempre considerado privada de exercer os mesmos poderes de supervisão que os reconhecidos a todas as outras autoridades de supervisão no âmbito do MUS.

203    Além disso, não resulta dos documentos dos autos do processo que a decisão recorrida tenha causado inconvenientes à recorrente, de modo que as medidas alternativas sugeridas por esta não podiam ser consideradas menos restritivas do que a medida implementada pela decisão recorrida.

204    Com efeito, a decisão recorrida, que se limita a alterar as atribuições respetivas do BCE e da CMFC, não alterou nem as regras prudenciais aplicáveis nem os poderes de supervisão de que dispunha a autoridade competente relativamente à recorrente para efeitos das atribuições de supervisão confiadas ao BCE pelo MUS.

205    Por último, a alegação da recorrente quanto a um «ónus imposto à instituição em causa» não foi nem fundamentada nem demonstrada.

206    Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

7.      Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do adágio nemo auditur propriam turpitudinem allegans

207    A recorrente alega que a decisão recorrida viola o adágio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, uma vez que nem a CMFC nem o BCE tiveram em conta a sua própria responsabilidade na perda de credibilidade do processo de supervisão, a qual é o resultado da sua recusa ou da sua incapacidade para tratar com eficácia os problemas de corrupção, conforme é testemunhado pelo litígio no Tribunal de Justiça que opôs a República da Letónia ao BCE.

208    O BCE contesta esta argumentação.

209    De acordo com o adágio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, ninguém pode aproveitar‑se da sua própria torpeza.

210    Para se invocar o adágio nemo auditur propriam turpitudinem allegans é necessário demonstrar que existiu um comportamento culposo imputável ao BCE (v., por analogia, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 170).

211    Ora, a recorrente não refere o ato específico de que acusa o BCE, fazendo referência à recusa ou à incapacidade do BCE e da CMFC para tratar eficazmente os problemas de corrupção. Aliás, no que diz respeito à natureza dos atos de corrupção em causa, importa constatar que, por um lado, o inquérito penal que deu origem à condenação de A não diz respeito à recorrente, mas a um banco letão terceiro e, por outro, no que respeita aos atos de corrupção denunciados por CR, a recorrente refere que as autoridades letãs não investigaram devidamente e não lograram levar a julgamento A e os seus associados.

212    Admitindo que a recorrente considera que o BCE tinha a obrigação de conduzir uma investigação sobre os atos de corrupção denunciados por CR, o que não resulta da sua argumentação desenvolvida em apoio deste fundamento, o BCE tem todo o direito de alegar que não tem competência para proceder, ele próprio, a uma investigação de tais atos e que coopera a esse respeito com as autoridades nacionais competentes.

213    Além disso, admitindo que o BCE tenha cometido um erro ao não conduzir uma investigação sobre os atos de corrupção denunciados por CR, não ficou demonstrado que esse erro fosse suscetível de ferir de ilegalidade a decisão recorrida, a qual não se baseia na incapacidade sistémica da CMFC para exercer as suas funções, mas na incapacidade da mesma para exercer uma supervisão prudencial de nível elevado em relação à recorrente em razão da recomendação do CIRDI.

214    A interposição pelo BCE de um recurso judicial contra a Decisão de 19 de fevereiro de 2018 pela qual o KNAB proibiu provisoriamente A de exercer as funções de governador do Banco Central da Letónia (processo C‑238/18), invocada pela recorrente, não pode ser um elemento suscetível de demonstrar que o BCE cometeu um erro.

215    Acresce que a recorrente não precisa de que maneira se deve considerar que o BCE se tenta aproveitar da sua própria torpeza no âmbito do presente processo.

216    Consequentemente, não ficou demonstrada a violação do adágio nemo auditur propriam turpitudinem allegans.

217    O sétimo fundamento deve, pois, ser julgado improcedente.

8.      Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

218    A recorrente alega que a decisão recorrida viola o princípio da igualdade de tratamento. Afirma que esta decisão lhe aplica um tratamento diferente do reservado às outras instituições de crédito menos significativas. Embora tenham sido suscitadas sérias dúvidas sobre a supervisão pela CMFC, a razão pela qual a recorrente foi a única a sofrer um tratamento especial por parte da CMFC e do BCE não é clara. O facto de a recorrente e os seus acionistas terem recusado uma cooperação baseada em atos de corrupção não constitui um fundamento legítimo para a imposição de encargos especiais à recorrente. Esta invoca casos em que o BCE não assumiu a supervisão direta apesar de a autorização dos bancos em causa dever ser revogada e apesar de o BCE ter enumerado faltas de cooperação concretas na sua decisão de revogação da autorização.

219    O BCE contesta a argumentação da recorrente.

220    O princípio geral da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. Acórdão de 6 de junho de 2019, P. M. e o., C‑264/18, EU:C:2019:472, n.o 28 e jurisprudência referida).

221    A violação do princípio da igualdade de tratamento através de um tratamento diferenciado pressupõe que as situações em causa sejam comparáveis no que respeita a todos os elementos que as caracterizam (Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 25).

222    Importa constatar que embora a recorrente invoque uma violação do princípio da igualdade de tratamento por comparação com outras instituições de crédito menos significativas que não foram objeto de uma decisão de assunção da supervisão prudencial direta pelo BCE, não ficou assente que estas instituições se encontrassem numa situação comparável à da recorrente.

223    A este respeito, na medida em que a recorrente alega que o BCE não assumiu a supervisão prudencial direta de instituições de crédito cuja autorização devia ter sido revogada tendo em conta casos concretos de falta de cooperação, importa notar que a situação destas instituições não é comparável à da recorrente, uma vez que as mesmas não tinham sido objeto de uma medida como a recomendação do CIRDI.

224    Por outro lado, ao garantir que a recorrente esteja atualmente diretamente supervisionada, como todas as outras instituições de crédito sujeitas à supervisão prudencial no âmbito do MUS, por uma autoridade de supervisão capaz de utilizar todos os seus poderes de supervisão, a decisão recorrida concorre para garantir a aplicação do princípio da igualdade de tratamento.

225    Além disso, tendo em conta o exposto nos n.os 204 e 205, supra, não ficou demonstrado que as instituições de crédito sujeitas à supervisão prudencial direta do BCE sejam objeto de um tratamento diferente das instituições de crédito sujeitas à supervisão direta da CMFC nem, por maioria de razão, que lhes seja imposto um encargo particular.

226    Por conseguinte, o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

9.      Quanto ao nono fundamento, relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica

227    A recorrente alega que a decisão recorrida viola os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica.

228    Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a decisão recorrida não é clara e cria uma incerteza injustificada. Entende que uma decisão de assunção da supervisão prudencial direta deve referir em que medida os requisitos prudenciais irão mudar e durante quanto tempo o BCE será a principal autoridade de supervisão prudencial. Ora, a decisão recorrida não faz qualquer referência a estas questões, porque não identifica nenhum problema concreto a resolver. Deixa vagamente a entender que a recorrente deve ser sancionada porque a CMFC considera que ela não demonstrou a sua vontade em cooperar na sequência da abertura da instauração do processo de arbitragem. Uma leitura literal da decisão recorrida levaria a crer que a supervisão direta pelo BCE cessaria quando este ficasse convencido que a recorrente tinha demonstrado a sua vontade de cooperar. O que se exige concretamente para este efeito não é claro, uma vez que a decisão recorrida não refere um único exemplo de falta de cooperação da recorrente para com a CMFC. Isto poderia significar que o processo de arbitragem deveria ser interrompido para que a recorrente fosse libertada da supervisão direta do BCE e que a recorrente deveria abster‑se de utilizar qualquer outra via legal, o que constituiria um objetivo ilegal.

229    Por outro lado, a recorrente alega que, uma vez que a decisão recorrida não descreve o problema subjacente que ela deve resolver, é impossível prever as alterações substantivas que os requisitos de supervisão sofrerão em resultado da intervenção do BCE. A experiência inicial da recorrente com o BCE, em particular quando da inspeção no local decidida pelo mesmo, sugere que este último adota uma nova abordagem e não se considera vinculado a uma apreciação anterior da CMFC, tal como a relativa à avaliação dos ativos. Tal criaria uma incerteza jurídica excessiva para a recorrente que nenhum objetivo prudencial legítimo justifica.

230    Em segundo lugar, a recorrente considera que a decisão recorrida é contrária ao respeito da confiança legítima baseada nas suas interações anteriores com a CMFC e o BCE. Com efeito, embora o princípio da proteção da confiança legítima revista importância crucial no contexto da supervisão bancária, nenhuma das interações entre a recorrente e a CMFC ou o BCE sugere que uma decisão nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 pudesse ser adotada. O acordo provisório celebrado no âmbito do processo de arbitragem sugere o contrário, assim como o facto de o BCE não ter dado uma resposta substancial às inúmeras tentativas de diálogo construtivo por parte da recorrente.

231    O BCE alega que não infringiu os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica.

232    O princípio da segurança jurídica exige, nomeadamente, que as normas de direito sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em particular quando podem ter consequências desfavoráveis sobre os indivíduos e sobre as empresas [v. Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte do Mediterrâneo), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 111 e jurisprudência referida].

233    Corolário do princípio da segurança jurídica, o direito de exigir a proteção da confiança legítima estende‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a Administração da União fez nascer na sua esfera jurídica esperanças fundadas. Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais expectativas, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio quando a Administração não tenha fornecido garantias precisas [Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte do Mediterrâneo), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 112].

234    Em primeiro lugar, há que notar que a decisão recorrida não é ambígua.

235    Em particular, contrariamente ao que defende a recorrente, uma decisão adotada nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 não tem de mencionar em que medida os requisitos prudenciais irão mudar, uma vez que tal decisão não tem, precisamente, em si mesma, qualquer incidência sobre as regras prudenciais aplicáveis. A este respeito, o argumento da recorrente de que a sua experiência com o BCE, em particular por ocasião da inspeção no local decidida por este último, «sugere» que o BCE adota uma nova abordagem, é irrelevante, dado que não está relacionado com a clareza da decisão recorrida em si mesma. Acresce que esta alegação é infundada, dada a inexistência de elementos suscetíveis de demonstrar a realidade da alegada nova abordagem.

236    Uma decisão adotada em aplicação do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013 também não tem de referir quanto tempo o BCE será responsável pela supervisão prudencial direta da instituição em causa, dado que, em conformidade com o artigo 47.o, n.o 4, do Regulamento n.o 468/2014, o BCE adotará uma decisão que cesse a sua supervisão direta se, em seu livre e razoável entender, a supervisão direta tiver deixado de ser necessária para garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão.

237    Em segundo lugar, e em todo o caso, resulta dos elementos dos autos do processo que a recorrente não recebeu garantias precisas de que o BCE não assumiria a sua supervisão prudencial direta.

238    A este respeito, a recorrente faz referência à recomendação do CIRDI, mas não expõe de que maneira estas medidas, que não emanam do BCE, poderiam ter constituído tais garantias precisas.

239    No que diz respeito à troca de correspondência da recorrente com o BCE, importa referir que não só o BCE não se comprometeu, nesta troca de correspondência, a não adotar uma decisão nos termos do artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013, como a própria recorrente solicitou, por carta de 5 de julho de 2018, que o BCE interviesse na sua supervisão prudencial.

240    Por conseguinte, a recorrente não pode alegar que o BCE violou os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

241    O nono fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

10.    Quanto ao décimo fundamento, relativo à violação do artigo 19.o e do considerando 75 do Regulamento n.o 1024/2013, bem como a um desvio de poder

242    A recorrente alega que o BCE violou o artigo 19.o e o considerando 75 do Regulamento n.o 1024/2013, que exigem que o BCE exerça as atribuições que lhe são conferidas com plena independência de influências políticas indevidas, exigência esta que o BCE terá desrespeitado ao adotar uma decisão que constitui, acima de tudo, uma resposta à abertura do processo de arbitragem. Este último corresponde à utilização legítima de uma via legal e é uma forma de resolução de conflitos construtiva e não um ato hostil. Além disso, a decisão recorrida é motivada pelo desejo de minar o efeito útil do processo de arbitragem e, em particular, do acordo provisório celebrado no âmbito deste processo. A existência de um pedido anterior não divulgado da CMFC no sentido de que o BCE assuma a supervisão da recorrente confirma o mesmo. Uma vez que a arbitragem é uma forma de resolução de conflitos e, por conseguinte, de cooperação, é a CMFC e não a recorrente que se recusa a cooperar.

243    O BCE contesta esta argumentação.

244    Nos termos do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, no exercício das atribuições que lhe são conferidas por este regulamento, o BCE e as autoridades nacionais competentes que compõem o MUS devem agir de forma independente e os membros do Conselho de Supervisão e o comité diretor agem de forma independente e objetiva, no interesse da União no seu conjunto, e não devem procurar obter nem receber instruções das instituições ou órgãos da União, do Governo de qualquer Estado‑Membro ou de qualquer outro organismo público ou privado.

245    O considerando 75 deste regulamento refere que a fim de exercer de modo eficaz as suas atribuições de supervisão, o BCE deverá exercer as atribuições de supervisão que lhe são conferidas com plena independência, em especial, de influências políticas indevidas e de interferências do setor bancário que afetariam a sua independência operacional.

246    Um ato só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi adotado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante com fins diversos daqueles para os quais o poder em causa foi conferido, ou com a finalidade de eludir um processo especialmente previsto no Tratado FUE para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (Acórdãos de 14 de dezembro de 2004, Swedish Match, C‑210/03, EU:C:2004:802, n.o 75, e de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑620/18, EU:C:2020:1001, n.o 82).

247    No caso em apreço, não resulta dos elementos dos autos do processo que a decisão recorrida tenha sido adotada com outra finalidade que não o objetivo de garantir a aplicação coerente de elevados padrões de supervisão em relação à recorrente, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 1024/2013.

248    Em particular, embora a decisão recorrida tenha em conta a recomendação do CIRDI, não resulta dos elementos dos autos do processo que a mesma tenha por objetivo impedir a recorrente de conduzir um processo de arbitragem contra a República da Letónia.

249    Aliás, a recorrente não alega que a recomendação do CIRDI deve ser interpretada no sentido de que tem por efeito útil limitar o exercício pelo BCE dos seus poderes de supervisão prudencial em relação à recorrente ou de a subtrair a uma supervisão prudencial por uma autoridade que não a CMFC que disponha de todos os seus poderes de supervisão. Conforme acima exposto, a própria recorrente tinha solicitado a intervenção do BCE na sua supervisão prudencial por carta de 5 de julho de 2018.

250    Quanto ao primeiro pedido da CMFC de que o BCE assumisse a supervisão prudencial direta da recorrente, de 16 de novembro de 2017, embora o BCE não conteste que a recorrente não foi informada do mesmo quando este foi apresentado ao BCE, tal facto não é, por si só, suscetível de demonstrar que a decisão recorrida prosseguia um objetivo diferente do objetivo prudencial. Conforme acima exposto no n.o 121, nenhuma disposição do Regulamento n.o 468/2014 prevê que um pedido desta natureza seja oficiosamente comunicado à entidade em causa. Além disso, este pedido consta do processo e foi dada à recorrente a oportunidade de apresentar eventuais observações sobre o referido pedido.

251    O décimo fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

252    Resulta de todo o exposto que deve ser negado provimento ao recurso.

VI.    Quanto às despesas

253    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as despesas apresentadas pelo BCE, em conformidade com o pedido deste.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A PNB Banka AS suportará as suas próprias despesas bem como as despesas apresentadas pelo Banco Central Europeu (BCE).

Gervasoni

Madise

Nihoul

Frendo

 

      Martín y Pérez de Nanclares

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de dezembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.