Language of document : ECLI:EU:C:2024:51

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Retribuição financeira pelos dias de férias não gozados paga no termo da relação de emprego — Legislação nacional que impede o pagamento dessa retribuição em caso de demissão voluntária de um funcionário público — Contenção da despesa pública — Organização do empregador público»

No processo C‑218/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale di Lecce (Tribunal de Lecce, Itália), por Decisão de 22 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de março de 2022, no processo

BU

contra

Comune di Copertino,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: M. A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele (relatora), juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de BU, por A. Russo, avvocata,

–        em representação da Comune di Copertino, por L. Caccetta, avvocata,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por L. Fiandaca, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann e D. Recchia, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 8 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9), e do artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe BU, um antigo funcionário público da Comune di Copertino (Município de Copertino, Itália), a esta última a respeito da recusa em pagar a BU uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas não gozadas à data da cessação da relação de trabalho resultante da demissão voluntária de BU a fim de aceder à reforma antecipada.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 4 da Diretiva 2003/88 enuncia:

«A melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objetivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica.»

4        O artigo 7.o da Diretiva 2003/88, sob a epígrafe «Férias anuais», tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.      O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

 Direito italiano

5        O artigo 36.o, n.o 3, da Constituição italiana dispõe:

«O trabalhador tem direito a um período de descanso semanal e a férias anuais remuneradas, aos quais não pode renunciar.»

6        O artigo 2109.o do Codice civile (Código Civil), sob a epígrafe «Período de descanso», prevê, nos n.os 1 e 2:

«1.      O trabalhador tem direito a um dia de descanso semanal, normalmente coincidente com o domingo.

2.      Tem igualmente direito a um período anual de férias remuneradas, eventualmente contínuo, num momento determinado pela entidade patronal, tendo em conta as necessidades da empresa e os interesses do trabalhador. A duração deste período é fixada pela lei, pelas normas corporativas, pelos usos ou pela equidade.»

7        O artigo 5.o do decreto‑legge n.o 95‑ Disposizioni urgenti per la revisione della spesa pubblica con invarianza dei servizi ai cittadini nonché misure di rafforzamento patrimonial delle imprese del settore bancario (Decreto‑Lei n.o 95, que aprova Disposições Urgentes para a Revisão da Despesa Pública sem Alteração dos Serviços Prestados aos Cidadãos e Medidas de Reforço Patrimonial das Empresas do Setor Bancário), de 6 de julho de 2012 (suplemento ordinário da GURI n.o 156, de 6 de julho de 2012), convertido em lei, com alterações, pelo artigo 1.o, n.o 1, da Lei n.o 135, de 7 de agosto de 2012, na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto‑Lei n.o 95»), sob a epígrafe «Redução das Despesas da Administração Pública», prevê, no n.o 8:

«As férias, períodos de descanso e outras licenças atribuídas ao pessoal, incluindo de direção, da Administração Pública abrangida pela abrangidas pela conta económica consolidada da Administração Pública, conforme identificadas pelo [Istituto nazionale di statistica — ISTAT (Instituto Nacional de Estatística, Itália)], nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Lei n.o 196, de 31 de dezembro de 2009, bem como das autoridades independentes, incluindo [a Commissione nazionale per le società e la borsa — Consob (Comissão nacional das sociedades e da Bolsa, Itália)], devem ser gozados em conformidade com o disposto nos regulamentos respetivos dessas administrações, não podendo, em caso algum, dar lugar ao pagamento de retribuições compensatórias. Esta disposição aplica‑se igualmente no caso de a relação de trabalho cessar por motivo de mobilidade, demissão, despedimento, reforma e limite de idade. As eventuais disposições regulamentares e contratuais mais favoráveis deixam de ser aplicáveis a partir da entrada em vigor do presente decreto‑lei. A violação da presente disposição, além de implicar a recuperação dos montantes indevidamente pagos, é fonte de responsabilidade disciplinar e administrativa do dirigente responsável. O presente número não se aplica ao pessoal docente, administrativo, técnico ou auxiliar que tenha a qualidade de substituto temporário e ocasional ou de docente contratado até ao fim das aulas ou das atividades docentes, no limite da diferença entre os dias de férias devidos e os dias em que o pessoal em questão é autorizado a gozar férias.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        De 1 de fevereiro de 1992 a 1 de outubro de 2016, BU foi funcionário do Município de Copertino, onde exercia um cargo de Istruttore direttivo (gestor executivo).

9        A partir de 1 de outubro de 2016, BU, na sequência de demissão voluntária, cessou as suas funções a fim de aceder à reforma antecipada.

10      Considerando que tinha direito a uma retribuição financeira por 79 dias de férias anuais remuneradas adquiridos no período compreendido entre 2013 e 2016, BU apresentou no Tribunale di Lecce (Tribunal de Lecce, Itália), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um pedido de compensação financeira por esses dias de férias não gozados.

11      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, o Município de Copertino contestou o referido pedido invocando o artigo 5.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 95. Segundo este município, o facto de BU ter gozado férias no ano de 2016 demonstra que tinha conhecimento da sua obrigação de, por força dessa disposição, gozar os dias de férias que tinha adquirido antes da cessação da relação laboral. Além disso, não gozou as férias de que dispunha apesar de se ter demitido.

12      O órgão jurisdicional de reenvio expõe que os 79 dias de férias não gozados invocados por BU correspondem a dias de férias anuais remuneradas previstos pela Diretiva 2003/88, dos quais 55 são devidos relativamente aos anos anteriores a 2016 e o restante relativamente a este último ano de emprego. Esse órgão jurisdicional acrescenta que BU gozou férias em 2016, correspondentes a dias adquiridos em anos anteriores, que tinham sido reportados ao ano de 2013 e aos anos seguintes. Esta situação, no entanto, não implica nenhum comportamento abusivo por parte de BU, suscetível de corresponder aos referidos no n.o 48 do Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874).

13      O órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália), no Acórdão n.o 95/2016, declarou que o artigo 5.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 95, aplicável aos funcionários públicos e que prevê, sob reserva de determinadas exceções, que não pode ser paga nenhuma compensação financeira pelas férias remuneradas não gozadas, era conforme aos princípios consagrados pela Constituição italiana, não infringindo os princípios do direito da União e as normas de direito internacional. O referido órgão jurisdicional chegou a esta conclusão identificando diferentes exceções a essa regra, que não são pertinentes no caso em apreço.

14      A Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) teve simultaneamente em conta a necessidade de contenção da despesa pública e os constrangimentos organizacionais para o empregador público, salientando que esta regulamentação visava pôr termo ao recurso não controlado à «compensação financeira» das férias não gozadas e reafirmar a prevalência do gozo efetivo das férias. Segundo esta última, a proibição de pagar uma retribuição financeira está excluída quando as férias não foram gozadas por razões alheias à vontade do trabalhador, como a doença, mas não em caso de demissão voluntária.

15      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União do artigo 5.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 95, nomeadamente à luz do Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium (C‑233/20, EU:C:2021:960), tanto mais que o objetivo de contenção da despesa pública resulta da própria epígrafe do artigo 5.o do referido Decreto‑Lei e que o n.o 8 deste artigo se inscreve num conjunto de medidas destinadas a efetuar economias no setor da Administração Pública.

16      Foi nestas circunstâncias que o Tribunale di Lecce (Tribunal de Lecce) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 7.o da [Diretiva 2003/88] e o artigo 31.o, n.o 2, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal (concretamente, o artigo 5.o, n.o 8, do [Decreto‑Lei n.o 95], que, por razões de contenção da despesa pública e de organização do empregador público, prevê a proibição do pagamento de uma compensação económica pelas férias em caso de demissão voluntária do funcionário público?

2)      Em caso de resposta afirmativa [à primeira questão], devem o artigo 7.o da [Diretiva 2003/88] e o artigo 31.o, n.o 2, da [Carta] ser interpretados no sentido de que exigem que o funcionário público comprove a impossibilidade de gozar férias durante a relação de trabalho?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

17      A República Italiana sustenta que as questões prejudiciais são inadmissíveis, uma vez que a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante dos Acórdãos de 20 de julho de 2016, Maschek (C‑341/15, EU:C:2016:576), e de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874) indica de forma clara de que maneira deve ser interpretado o direito nacional para ser conforme ao direito da União, interpretação que a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) adotou. Além disso, alega que a segunda questão contém afirmações contraditórias.

18      A este respeito, importa recordar, antes de mais, que, à luz do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a circunstância de um órgão jurisdicional nacional não estar obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça ou de a resposta a um pedido de decisão prejudicial ser pretensamente evidente à luz do direito da União não tem incidência na admissibilidade desse pedido (Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 16).

19      Além disso, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 17 e jurisprudência referida).

20      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 18 e jurisprudência referida).

21      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, com base no artigo 5.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 95, não pode ser concedido a BU o pagamento de uma retribuição financeira que ele reclama, pelos dias de férias anuais remuneradas não gozados à data da cessação da relação de trabalho, pelo facto de este ter cessado voluntariamente essa relação. Neste contexto, com as suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade desta disposição com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta.

22      Assim, as questões submetidas têm por objeto a interpretação do direito da União e não é manifesto que a interpretação dessas disposições solicitada por esse órgão jurisdicional não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio nem que o problema seja hipotético. Além disso, o Tribunal de Justiça dispõe dos elementos necessários para responder utilmente a essas questões.

23      Daqui decorre que as questões prejudiciais são admissíveis.

 Quanto ao mérito

24      Com as suas duas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por razões de contenção da despesa pública e de organização do empregador público, prevê a proibição de pagar ao trabalhador uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas adquiridos tanto no último ano de emprego como nos anos anteriores, que não foram gozados até à data da cessação da relação laboral, quando este põe voluntariamente termo a essa relação e não demonstrou que não gozou as férias durante a referida relação laboral por razões alheias à sua vontade.

25      A título preliminar, importa recordar, que, nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito a férias anuais remuneradas de cada trabalhador deve ser considerado um princípio do direito social da União Europeia que reveste particular importância, que não pode ser derrogado e cuja concretização pelas autoridades nacionais competentes só pode ser efetuada dentro dos limites expressamente previstos na Diretiva 2003/88 (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 19 e jurisprudência referida).

26      Assim, o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, que dispõe que os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais, reflete e concretiza o direito fundamental a um período anual de férias remuneradas, consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 25 e jurisprudência referida).

27      A este respeito, resulta dos próprios termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que cabe aos Estados‑Membros definir, na sua legislação interna, as condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, precisando em que circunstâncias concretas os trabalhadores podem fazer uso desse direito [Acórdão de 22 de setembro de 2022, LB (Prescrição do direito a férias anuais remuneradas), C‑120/21, EU:C:2022:718, n.o 24 e jurisprudência referida].

28      Todavia, estes últimos devem abster‑se de sujeitar a qualquer requisito a própria constituição do referido direito, que resulta diretamente desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 27 e jurisprudência referida).

29      Importa acrescentar que o direito a férias anuais é apenas um dos dois componentes do direito a férias anuais remuneradas enquanto princípio fundamental do direito social da União. Este direito fundamental compreende igualmente o direito à obtenção de um pagamento e, enquanto direito inerente a esse direito a férias anuais «remuneradas», o direito a uma compensação financeira a título das férias anuais não gozadas no momento da cessação da relação de trabalho (Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.o 29 e jurisprudência referida).

30      A este respeito, importa recordar que, no momento da cessação da relação de trabalho, deixa de ser possível o gozo efetivo das férias anuais remuneradas a que o trabalhador tinha direito. Para evitar que, devido a esta impossibilidade, qualquer gozo deste direito pelo trabalhador, mesmo que sob a forma pecuniária, seja excluído, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 prevê que, em caso de cessação da relação de trabalho, o trabalhador tem direito a uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais renumeradas não gozados (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 22 e jurisprudência referida).

31      Como o Tribunal de Justiça já declarou, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 não estabelece nenhum requisito para a aquisição do direito à retribuição financeira além, por um lado, da cessação da relação de trabalho e, por outro, de que o trabalhador não tenha gozado a totalidade das férias anuais a que tinha direito na data em que ocorreu a cessação (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 23 e jurisprudência referida). Este direito é conferido diretamente pela referida diretiva e não pode estar dependente de outros requisitos que não os que aí estão expressamente previstos (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Kreuziger, C‑619/16, EU:C:2018:872, n.o 22 e jurisprudência referida).

32      Daqui decorre que, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, um trabalhador que não tenha podido gozar a totalidade das suas férias anuais remuneradas antes de terminar a sua relação de trabalho tem direito a uma compensação pecuniária pelas férias anuais remuneradas não pagas, sendo irrelevante o motivo de cessação da relação de trabalho. Assim, o facto de um trabalhador cessar, por sua iniciativa, a sua relação de trabalho não tem impacto no seu direito de receber uma compensação pecuniária pelas férias anuais não pagas que não gozou antes do fim da sua relação de trabalho (Acórdãos de 20 de julho de 2016, Maschek, C‑341/15, EU:C:2016:576, n.os 28 e 29, e de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.os 32 e 34).

33      A referida disposição opõe‑se a legislações ou práticas nacionais segundo as quais, no momento da cessação da relação de trabalho, não é paga uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas ao trabalhador que não tenha podido gozar a totalidade das férias anuais a que tinha direito antes da cessação dessa relação de trabalho, nomeadamente porque se encontrava de baixa por doença durante todo ou parte do período de referência e/ou de um período de reporte (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 24 e jurisprudência referida).

34      De resto, ao prever que o período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por uma retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 visa, designadamente, garantir que o trabalhador possa beneficiar de um descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 33).

35      Assim, o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que fixa as modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas expressamente conferido por essa diretiva, incluindo mesmo a perda do direito no final de um período de referência ou de um período de reporte, desde que, contudo, o trabalhador que perdeu o direito a férias anuais remuneradas tenha tido efetivamente a possibilidade de exercer o direito que a diretiva lhe confere (Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 35 e jurisprudência referida).

36      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio, por um lado, que o trabalhador adquiriu dias de férias anuais remuneradas em vários períodos de referência que parecem ter sido acumulados, uma parte dos quais, adquiridos tanto desde 2013 como em 2016, ainda não tinha sido gozada quando a relação laboral terminou em 1 de outubro de 2016. Por outro lado, afigura‑se que, por força do artigo 5.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 95, este trabalhador não tem direito à retribuição financeira relativa a todos esses dias de férias não gozados pela simples razão de ter cessado voluntariamente a relação de trabalho através de uma reforma antecipada, o que teria podido prever antecipadamente.

37      A este respeito, resulta das indicações constantes do pedido de decisão prejudicial que, segundo a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), esta disposição visa pôr termo ao recurso não controlado à «compensação financeira» das férias não gozadas. Assim, paralelamente a medidas de contenção da despesa pública, a regra que esta disposição institui tem por objetivo reafirmar a prevalência do gozo efetivo das férias em relação ao pagamento de uma retribuição financeira.

38      Este último objetivo corresponde ao prosseguido pela Diretiva 2003/88, nomeadamente no seu artigo 7.o, n.o 2, que, como recordado no n.o 34 do presente acórdão, visa nomeadamente garantir que o trabalhador possa beneficiar de um descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde.

39      Tendo em conta esse objetivo, e uma vez que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 não se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que prevê modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas expressamente conferido por esta diretiva, incluindo mesmo a perda do referido direito no final de um período de referência ou de um período de reporte, esta diretiva não pode, por princípio, proibir uma disposição nacional que preveja que, no final desse período, os dias de férias anuais remuneradas não gozados deixam de poder ser substituídos por uma retribuição financeira, mesmo em caso de cessação da relação de trabalho posteriormente, uma vez que o trabalhador teve a possibilidade de exercer o direito que a referida diretiva lhe confere.

40      Ora, o motivo de cessação da relação de trabalho não é pertinente para efeitos do direito de receber a retribuição financeira prevista no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88. (v., neste sentido, Acórdão de 25 de novembro de 2021, job‑medium, C‑233/20, EU:C:2021:960, n.os 32 e 34).

41      Resulta das considerações precedentes que a legislação nacional em causa no processo principal, conforme interpretada pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), que prevê a proibição de pagar ao trabalhador uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas não gozados à data da cessação da relação de trabalho com o fundamento de que este último cessou voluntariamente a relação de trabalho que o vincula ao seu empregador, institui um requisito que vai além dos expressamente previstos no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, conforme recordados no n.o 31 do presente acórdão. Além disso, esta proibição abrange, especialmente, o último ano de emprego e o período de referência durante o qual a relação de trabalho cessou. Por conseguinte, esta legislação nacional limita o direito a uma retribuição financeira pelas férias anuais não gozadas no momento da cessação da relação de trabalho que constitui um dos elementos do direito a férias anuais remuneradas, como resulta da jurisprudência referida no n.o 29 do presente acórdão.

42      A este respeito, importa recordar que podem ser introduzidas restrições ao direito a férias anuais remuneradas caso respeitem os requisitos previstos no artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a saber, que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desse direito e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União [Acórdão de 22 de setembro de 2022, LB (Prescrição do direito a férias anuais remuneradas), C‑120/21, EU:C:2022:718, n.o 36 e jurisprudência referida].

43      No caso em apreço, a restrição em causa no processo principal ao exercício do direito fundamental consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta está prevista pela lei, mais especificamente pelo artigo 5.o, n.o 8, do Decreto‑Lei n.o 95.

44      Quanto aos objetivos prosseguidos pelo legislador nacional sobre os quais o órgão jurisdicional de reenvio especialmente se interroga, resulta da redação da primeira questão que estes, conforme decorrem da epígrafe do artigo 5.o do Decreto‑Lei n.o 95 e conforme interpretados pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), são, por um lado, a contenção da despesa pública e, por outro, a organização do empregador público, incluindo a planificação racional do período de férias e o incentivo à adoção de comportamentos virtuosos pelas partes na relação de trabalho.

45      Primeiro, no que respeita ao objetivo de contenção da despesa pública, basta recordar que resulta do considerando 4 da Diretiva 2003/88 que a proteção eficaz da segurança e da saúde dos trabalhadores não pode estar subordinada a considerações puramente económicas (Acórdão de 14 de maio de 2019, CCOO, C‑55/18, EU:C:2019:402, n.o 66 e jurisprudência referida).

46      Segundo, quanto ao objetivo relacionado com a organização do empregador público, há que salientar que visa, em especial, o planeamento racional do período de férias e o incentivo à adoção de comportamentos virtuosos pelas partes na relação de trabalho, pelo que pode ser entendido no sentido de que visa incentivar os trabalhadores a gozar as suas férias, como resulta do n.o 38 do presente acórdão.

47      Além disso, importa recordar que os Estados‑Membros não podem derrogar o princípio decorrente do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, analisado à luz do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, segundo o qual um direito adquirido a férias anuais remuneradas não se pode extinguir no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional, quando o trabalhador não teve condições de gozar as suas férias (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 54).

48      Em contrapartida, quando o trabalhador não tenha gozado as suas férias anuais remuneradas deliberadamente e com pleno conhecimento de causa das consequências suscetíveis de daí resultarem, após ter sido posto em condições de exercer plenamente o seu direito às mesmas, o artigo 31.o, n.o 2, da Carta não se opõe à perda deste direito nem, em caso de cessação da relação de trabalho, à correlativa inexistência de uma retribuição financeira pelas férias anuais remuneradas não gozadas, não sendo a entidade patronal obrigada a impor a esse trabalhador que exerça efetivamente o referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften (C‑684/16, EU:C:2018:874, n.o 56).

49      A este respeito, a entidade patronal deve, nomeadamente, tendo em conta o caráter imperativo do direito a férias anuais remuneradas e a fim de garantir o efeito útil do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, garantir de forma concreta e com total transparência que o trabalhador esteja efetivamente em condições de gozar as suas férias anuais remuneradas, incentivando‑o, se necessário formalmente, a fazê‑lo, e informando‑o, de forma precisa e em tempo útil para garantir que as referidas férias sejam adequadas para assegurar ao interessado o repouso e descontração que devem permitir, de que, se não as gozar, serão perdidas no termo do período de referência ou de um período de reporte autorizado, ou não poderão ser substituídas por uma retribuição financeira. O ónus da prova incumbe à entidade patronal (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.os 45 e 46).

50      Daqui resulta que, caso a entidade patronal não esteja em posição de provar que demonstrou toda a diligência exigida para que o trabalhador estivesse efetivamente em posição de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, há que considerar que a extinção do direito às referidas férias no termo do período de referência ou do período de reporte autorizado e, em caso de cessação da relação de trabalho, o não pagamento correlativo de uma retribuição financeira pelas férias anuais não gozadas infringem, respetivamente, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, bem como o artigo 31.o, n.o 2, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C‑684/16, EU:C:2018:874, n.os 46 e 55).

51      Em qualquer caso, resulta das indicações constantes do pedido de decisão prejudicial que a proibição de pagar uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas não gozadas abrange os que tenham sido adquiridos no último ano de emprego em curso.

52      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por razões de contenção da despesa pública e de organização do empregador público, prevê a proibição de pagar ao trabalhador uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas adquiridos, tanto no último ano de emprego como nos anos anteriores, que não foram gozados até à data da cessação da relação laboral, quando este põe voluntariamente termo a essa relação e não demonstrou que não gozou as férias durante a referida relação laboral por razões alheias à sua vontade.

 Quanto às despesas

53      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, por razões de contenção da despesa pública e de organização do empregador público, prevê a proibição de pagar ao trabalhador uma retribuição financeira pelos dias de férias anuais remuneradas adquiridos, tanto no último ano de emprego como nos anos anteriores, que não foram gozados até à data da cessação da relação laboral, quando este põe voluntariamente termo a essa relação e não demonstrou que não gozou as férias durante a referida relação laboral por razões alheias à sua vontade.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.