Language of document : ECLI:EU:C:2024:57

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Transportes — Diretiva 2006/126/CE — Artigo 7.o, n.os 1 e 3 — Carta de condução — Emissão, validade e renovação — Aptidão física e mental para a condução — Exames médicos — Frequência — Documento que atesta a aptidão psicológica dos condutores»

No processo C‑227/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad — Gabrovo (Tribunal Administrativo de Gabrovo, Bulgária), por Decisão de 22 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de março de 2022, no processo

IL

contra

Regionalna direktsia «Avtomobilna administratsia» Pleven,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, N. Piçarra, N. Jääskinen (relator) e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretária: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de maio de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de IL, por M. Hristov, advokat,

–        em representação do Governo Búlgaro, por T. Mitova, S. Ruseva e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por P. Messina, N. Nikolova e N. Yerrell, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução (JO 2006, L 403, p. 18; retificação no JO 2009, L 19, p. 67).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe IL, cidadão búlgaro, à Regionalna direktsia «Avtomobilna administratsia» Pleven (Direção Regional da Administração de Veículos Automóveis de Pleven, Bulgária), a respeito de uma decisão que aplicou a IL uma sanção administrativa pelo facto de este não ter podido apresentar, quando de um controlo rodoviário, um certificado de aptidão psicológica válido, conforme exigido pelo direito nacional.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 8 e 9 da Diretiva 2006/126 enunciam:

«(8)      Por razões de segurança rodoviária, é necessário fixar as condições mínimas para a emissão de uma carta de condução. É necessário proceder à harmonização das normas relativas ao exame de condução e à emissão da carta de condução. Para tanto, é necessário definir os conhecimentos, as aptidões e os comportamentos associados à condução de veículos a motor, o exame de condução deve ser estruturado com base nesses conceitos e redefinir as normas mínimas relativas à aptidão física e mental para a condução de tais veículos.

(9)      Os condutores de veículos destinados ao transporte de pessoas ou mercadorias devem comprovar o cumprimento de normas mínimas de aptidão física e mental para a condução por ocasião da emissão da carta de condução e, em seguida, periodicamente. Esses controlos regulares em conformidade com regras nacionais de cumprimento de normas mínimas contribuirão para a livre circulação de pessoas, evitarão distorções da concorrência e terão melhor em conta a responsabilidade específica dos condutores desses veículos. Os Estados‑Membros devem poder impor a realização de exames médicos para garantir o respeito das normas mínimas de aptidão física e mental para conduzir outros veículos a motor. Por motivos de transparência, estes exames devem coincidir com uma renovação da carta de condução e, consequentemente, ser determinados em função do prazo de validade da carta.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Os Estados‑Membros devem criar uma carta de condução nacional de acordo com o modelo comunitário descrito no Anexo I, em conformidade com o disposto na presente diretiva. O sinal distintivo do Estado‑Membro que emite a carta figurará no emblema desenhado na página 1 do modelo comunitário de carta de condução.»

5        Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva:

«As cartas de condução emitidas pelos Estados‑Membros serão reciprocamente reconhecidas.»

6        O artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:

«A carta de condução prevista no artigo 1.o habilita a conduzir os veículos com motor de propulsão das categorias adiante definidas. Pode ser emitida a partir da idade mínima indicada para cada categoria. […]»

7        O artigo 7.o da Diretiva 2006/126, com a epígrafe «Emissão, validade e renovação», prevê:

«1.      As cartas de condução só serão emitidas aos candidatos:

a)      aprovados num exame de controlo de aptidão e de comportamento e num exame teórico de avaliação dos conhecimentos, e que satisfaçam as normas médicas, nos termos dos anexos II e III;

[…]

2.

[…]

b)      A partir de 19 de janeiro de 2013, as cartas de condução emitidas pelos Estados‑Membros para as categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E têm uma validade administrativa de 5 anos.

[…]

3.      A renovação da carta de condução por motivo de caducidade fica subordinada:

a)      à observância constante das normas mínimas de aptidão física e mental para a condução previstas no anexo III para as cartas de condução das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1, D1E; e

[…]

Os Estados‑Membros podem limitar o prazo de validade administrativa, fixado no n.o 2, das cartas de condução emitidas para novos condutores, seja qual for a sua categoria, para efeitos da aplicação de medidas específicas a esses condutores, a fim de aumentar a segurança rodoviária.

Os Estados‑Membros poderão limitar a três anos o prazo de validade administrativa da primeira carta de condução emitida a novos condutores para as categorias C e D, para poderem aplicar medidas específicas a tais condutores de forma a melhorar a sua segurança rodoviária.

Os Estados‑Membros podem limitar o prazo de validade administrativa, fixado no n.o 2, de uma carta de condução, seja qual for a sua categoria, caso se revele necessário aumentar a frequência dos exames médicos ou aplicar outras medidas específicas, tais como restrições para os infratores em matéria de tráfego.

[…]»

8        O anexo II, título I, desta diretiva, intitulado «Requisitos mínimos para os exames de condução», enuncia, no seu ponto 9:

«9.1      Relativamente a cada uma das situações de condução acima referidas, a avaliação incidirá sobre a facilidade com que o candidato manobra os diferentes comandos e sobre a capacidade demonstrada para se inserir com toda a segurança no trânsito, dominando o veículo. Ao longo da prova, o examinador deve colher uma impressão de segurança. […]

Os examinadores devem ser formados para avaliar corretamente a aptidão dos candidatos para conduzir com segurança. […]

9.2      Durante a avaliação, os examinadores devem prestar especial atenção à atitude do candidato na condução (defensiva e educada). Essa atitude deve refletir o estilo geral de condução, e o examinador deve tê‑la em conta na apreciação global do candidato. Inclui uma condução adaptada e determinada (segura), atenção às condições da estrada e da meteorologia, atenção ao restante tráfego, atenção aos interesses de outros utentes da estrada (sobretudo os mais vulneráveis) e antecipação.

[…]»

9        O anexo III da referida diretiva, intitulado «Normas mínimas relativas à aptidão física e mental para a condução de um veículo a motor», dispõe:

«Definições

1.      Para efeitos do disposto no presente anexo, os condutores são classificados em dois grupos:

[…]

1.2      Grupo 2:

condutores de veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E.

[…]

Exames médicos

[…]

4.      Grupo 2:

Os candidatos devem ser sujeitos a um exame médico antes da emissão da primeira carta de condução e, subsequentemente, a controlos, em conformidade com o sistema nacional vigente no Estado‑Membro de residência habitual, sempre que a carta de condução seja renovada.

5.      Os Estados‑Membros poderão, aquando da emissão ou de qualquer renovação ulterior da carta de condução, impor normas mais severas que as mencionadas no presente anexo.

[…]

Perturbações mentais

Grupo 1:

13.1      A carta de condução não deve ser emitida ou renovada a qualquer candidato ou condutor:

–        que sofra de problemas mentais graves, congénitos ou adquiridos por doença, traumatismo ou intervenções neurocirúrgicas,

–        que sofra de atraso mental grave,

–        que sofra de perturbações de comportamento graves devido à senescência ou de perturbações graves da capacidade de discernimento, de comportamento e de adaptação ligadas à personalidade,

exceto se o pedido for apoiado por um parecer médico abalizado e sob reserva, se for caso disso, de um controlo médico regular.

Grupo 2:

13.2      A autoridade médica competente tomará em devida conta os riscos ou perigos adicionais associados à condução dos veículos que entram na definição deste grupo.

[…]»

 Direito búlgaro

10      Nos termos do artigo 51.o, n.o 4, da Zakon za balgarskite lichni dokumenti (Lei relativa aos Documentos de Identificação Búlgaros):

«O período de validade da carta de condução para as categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1, D1E e T é de cinco anos.»

11      O artigo 8.o, n.os 1, 2 e 4, do naredba n° 36 za iziskvaniyata za psikhologicheska godnost i usloviyata i reda za provezhdane na psikhologicheskite izsledvaniya na kandidati za pridobivane na pravosposobnost za upravlenie na MPS, na vodachi na MPS i na predsedateli na izpitni komisii i za izdavane na udostovereniya za registratsiya za izvarshvane na psikhologicheski izsledvaniya (Regulamento n.o 36, relativo aos requisitos de aptidão psicológica e às condições e procedimentos de realização dos exames psicológicos para os candidatos à carta de condução, os condutores de veículos e os presidentes das comissões de exame e de emissão de certidões de registo da realização dos exames psicológicos), de 15 de maio de 2006 (a seguir «Regulamento n.o 36/2006»), tem a seguinte redação:

«1.      «Deve ser apresentado um certificado de aptidão psicológica para qualquer novo emprego e exercício de uma atividade de motorista de táxi ou de veículo de transporte público de pessoas ou mercadorias, ou de presidente de uma comissão de exame.

2.      O certificado de aptidão psicológica é válido por um período de três anos a contar da data da emissão.

[…]

4.      As pessoas referidas no n.o 1 devem ser submetidas a um exame psicológico de três em três anos a contar da data da emissão do último certificado de aptidão psicológica.»

12      O artigo 13.o, n.o 1, do naredba n° 1‑157 za usloviyata i reda za izdavane na svidetelstvo za upravlenie na motorni prevozni sredstva, otcheta na vodachite i tyahnata distsiplina (Regulamento n.o 1‑157, relativo às Condições e ao Procedimento de Emissão da Carta de Condução, ao Registo dos Condutores e à Respetiva Disciplina), de 1 de outubro de 2002, dispõe:

«A emissão inicial da carta de condução é efetuada com base no documento original de aprovação no exame de condução enviado pelo serviço regional competente da Darzhavna avtomobilna inspektsyia [(Inspeção Nacional dos Veículos Automóveis, Bulgária)], e a pessoa interessada deve apresentar:

1.      o formulário e os respetivos documentos anexos nos termos do Pravilnik za izdavane na balgarskite lichni dokumenti [(Regulamento relativo à Emissão de Documentos de Identificação Búlgaros)];

[…]

3.      um atestado de aptidão física do condutor/candidato à carta de condução emitido por um médico de clínica geral, pelas comissões regionais de peritos médicos em matéria de transportes (TOLEK) ou pela comissão central de peritos médicos em matéria de transportes (TTSLEK);

4.      uma cópia do certificado de aptidão psicológica para a emissão da carta de condução das categorias C1, C, D1, D e Ttm (elétrico);

5.      uma cópia do certificado de conclusão do curso de primeiros socorros em caso de acidente rodoviário para condutores de veículos;

6.      uma declaração de que não tem residência habitual noutro Estado‑Membro da União Europeia e não é titular de uma carta de condução válida emitida por um Estado‑Membro da União Europeia;

[…]»

13      Nos termos do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1‑157, de 1 de outubro de 2002:

«Para a substituição prevista no n.o 1, os condutores devem apresentar os documentos referidos no artigo 13.o, n.o 1, pontos 1, 3 e 6, bem como a antiga carta de condução.»

14      Em conformidade com o artigo 178.oc, n.o 5, da Zakon za Dvizhenieto po patishtata (Lei da Circulação Rodoviária), o motorista de táxi, de transportes por conta própria ou de transportes públicos de passageiros ou de mercadorias que não seja portador de um certificado de aptidão psicológica válido é punido com uma coima no montante de 500 levs búlgaros (BGN) (cerca de 255 euros).

15      Nos termos do n.o 35, ponto 3, das Dopalnitelnite razporedbi na Zakona za izmenenie i dopalnenie na Zakona za dvizhenieto po patishtata (Disposições complementares da Lei que altera e completa a Lei da Circulação Rodoviária), a Lei da Circulação Rodoviária dá aplicação às exigências da Diretiva 2006/126.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      IL é titular de uma carta de condução válida, nomeadamente, para veículos a motor das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1, D1E e TCT. A sua carta de condução é válida de 28 de novembro de 2019 a 28 de novembro de 2024.

17      Em 4 de agosto de 2021, as autoridades de controlo procederam a um controlo quando IL conduzia uma composição rodoviária constituída por um trator e um semirreboque com o qual assegurava o transporte público de mercadorias. Este controlo revelou que IL não podia apresentar um certificado de aptidão psicológica válido. O seu último certificado de aptidão psicológica tinha sido emitido em 7 de outubro de 2017 e era válido até 7 de outubro de 2020.

18      As autoridades de controlo lavraram um auto de contraordenação por violação do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 36/2006, com o fundamento de que IL não tinha apresentado um certificado de aptidão psicológica válido. Com base no artigo 178.oc, n.o 5, da Lei da Circulação Rodoviária, o diretor da Direção Regional da Administração de Veículos Automóveis de Pleven adotou, em 24 de agosto de 2021, uma decisão que aplicou a IL uma coima de 500 BGN (cerca de 255 euros) pela infração a esse artigo 8.o, n.o 1, constatada.

19      IL contestou esta coima no Rayonen sad Sevlievo (Tribunal de Primeira Instância de Sevlievo, Bulgária), alegando, em substância, que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 36/2006 e a coima prevista no artigo 178.oc, n.o 5, da Lei da Circulação Rodoviária eram contrários às disposições da Diretiva 2006/126.

20      Esse órgão jurisdicional, referindo‑se ao ponto 4 do anexo III desta diretiva, considerou que um Estado‑Membro podia impor aos condutores exigências suplementares mais estritas no que respeita à frequência dos exames periódicos e, por Sentença de 10 de dezembro de 2021, confirmou a Decisão de 24 de agosto de 2021.

21      IL interpôs recurso de cassação no Administrativen sad — Gabrovo (Tribunal Administrativo de Gabrovo, Bulgária), órgão jurisdicional de reenvio, que entende que as disposições da Diretiva 2006/126 são ambíguas e, em certa medida, contraditórias.

22      Por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, em conformidade com o considerando 9 desta diretiva, a prova do cumprimento das normas mínimas relativas à aptidão física e mental dos condutores para a condução de veículos destinados ao transporte de pessoas ou mercadorias deve ser apresentada por ocasião da emissão da carta de condução e, em seguida, periodicamente. É expressamente recomendado que os exames médicos a este respeito coincidam com uma renovação da carta de condução e sejam, portanto, determinados em função do período de validade da mesma. Por outro lado, precisa que o ponto 4 do anexo III da Diretiva 2006/126 permite aos Estados‑Membros prever, na sua legislação nacional, a periodicidade dos exames médicos que considerem adequada para os condutores do grupo 2 (categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E) e que esta periodicidade pode diferir do período de validade da carta de condução.

23      Tendo em conta o que precede, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em conformidade com as disposições da Diretiva 2006/126, os Estados‑Membros estão autorizados a impor aos condutores do grupo 2 que se submetam a exames médicos para determinar, em intervalos mais curtos do que o período de validade da carta de condução, a sua aptidão psíquica e mental e a exigir um documento distinto, além da carta de condução, que comprove esta aptidão, ou se a posse de uma carta de condução válida para essas categorias é suficiente para comprovar a referida aptidão, uma vez que esta já foi determinada quando da emissão ou da renovação da carta de condução.

24      Por Despacho de 27 de maio de 2022, registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de maio de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu apresentar uma adenda ao seu pedido de decisão prejudicial, na qual indica que também se lhe colocou a questão de saber se a sanção prevista pela legislação búlgara para um condutor com carta de condução válida das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1, D1E e TCT, mas que não pode apresentar um certificado de aptidão psicológica às autoridades de controlo porque este expirou, é contrária ao período de validade administrativa sincronizado das cartas de condução e dos exames médicos de aptidão física e mental previsto na Diretiva 2006/126, ou se a aplicação das regras nacionais pela autoridade sancionatória implica uma violação do direito da União.

25      Nestas condições, o Administrativen sad — Gabrovo (Tribunal Administrativo de Gabrovo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As disposições da Diretiva 2006/126 permitem aos Estados‑Membros exigir aos condutores de veículos das categorias С, CE, C1, C1E, D, DE, D1, D1E que se submetam a exames médicos para determinar a sua aptidão psíquica e mental em intervalos mais curtos do que o período de validade da carta de condução e, nesse contexto, exigir um documento distinto (além da carta de condução) que comprove a sua aptidão? Ou a posse de uma carta de condução válida para as categorias mencionadas comprova também a aptidão psíquica e mental do condutor, uma vez que essa aptidão foi já constatada quando a carta foi emitida ou renovada?

2)      O artigo 7.o, n.o 1, e os considerandos 8 e 9 da Diretiva [2006/126] permitem um regime jurídico nacional que, como o controvertido no presente processo, estabelece condições suplementares, além das normas mínimas sobre o exame de condução (anexo II da Diretiva [2006/126]) e das normas mínimas relativas à aptidão física e mental (anexo III da Diretiva [2006/126], com vista a determinar a aptidão psicológica dos condutores de veículos destinados ao transporte de pessoas e/ou mercadorias?

3)      Em caso de resposta afirmativa à [segunda] questão, essas condições devem ser submetidas ao regime previsto na Diretiva 2006/126 (em particular no seu considerando 9, quarto período, e no seu artigo 7.o, n.o 3) em matéria de sincronização do período de validade administrativa das cartas de condução e dos exames médicos no contexto da aplicação das normas mínimas relativas à aptidão física e mental?»

 Quanto às questões prejudiciais

26      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2006/126 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro imponha aos titulares de uma carta de condução para os veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E emitida em conformidade com esta diretiva, cuja aptidão física e mental para a condução foi controlada quando da emissão dessa carta de condução e que pretendem exercer a profissão de condutor de um veículo a motor destinado ao transporte de pessoas ou de mercadorias, que possuam, além da sua carta de condução, um certificado de aptidão psicológica, cujo período de validade é inferior ao da referida carta.

27      A este respeito, importa recordar que a Diretiva 2006/126 procede, como resulta do seu considerando 8, a uma harmonização mínima das condições em que a carta de condução prevista no seu artigo 1.o é emitida. Estas condições estão definidas, nomeadamente, nos artigos 4.o e 7.o desta diretiva e dizem respeito, entre outros, à idade mínima exigida, à aptidão para conduzir, às provas a realizar pelo candidato e à sua residência no território do Estado‑Membro de emissão. Esta harmonização dos requisitos para obter a carta de condução visa, nomeadamente, estabelecer as condições prévias necessárias ao reconhecimento mútuo da referida carta e prossegue igualmente o objetivo da referida diretiva de contribuir para melhorar a segurança rodoviária (v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2017, I, C‑195/16, EU:C:2017:815, n.os 43, 44 e 51).

28      Por força do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/126, as cartas de condução só serão emitidas aos candidatos aprovados num exame de controlo de aptidão e de comportamento e num exame teórico de avaliação dos conhecimentos, e que satisfaçam as normas mínimas relativas à aptidão física e mental, nos termos dos anexos II e III desta diretiva. Além disso, o artigo 7.o, n.o 3, alínea a), da referida diretiva exige que a renovação da carta de condução fique subordinada à observância dessas normas mínimas de aptidão física e mental para os titulares de carta de condução de veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E.

29      Por conseguinte, resulta destas disposições da Diretiva 2006/126 que a aptidão mental dos titulares de cartas de condução dos veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E, incluindo as pessoas que trabalham como condutores profissionais, já é avaliada e certificada no momento da emissão e da renovação dessas cartas, e isto para responder, nomeadamente, ao imperativo da segurança rodoviária.

30      Neste contexto, há que salientar, no que respeita à aptidão física e mental para a condução, por um lado, que, em conformidade com o ponto 5 do anexo III da Diretiva 2006/126, um Estado‑Membro pode exigir, para qualquer emissão de uma carta de condução ou para a sua posterior renovação, um exame médico mais rigoroso do que os mencionados no referido anexo. (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2012, Akyüz, C‑467/10, EU:C:2012:112, n.o 54).

31      Por outro lado, no que diz respeito aos condutores do grupo 2, a saber, os condutores de veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E, como IL, o ponto 13.2 desse anexo III permite às autoridades médicas competentes dos Estados‑Membros tomar em conta os riscos e perigos adicionais associados à condução dos veículos que entram na definição deste grupo. Assim, quando estes Estados‑Membros determinam os exames médicos a que se devem submeter os condutores do grupo 2, os referidos Estados‑Membros podem introduzir exigências mais estritas para estes condutores do que para os condutores do grupo 1, com vista a detetar eventuais «perturbações mentais», conforme referidas no ponto 13.2 do anexo III da Diretiva 2006/126.

32      Além disso, há que observar que a Diretiva 2006/126 precisa, nos pontos 13.1 e 13.2 do seu anexo III, as perturbações mentais a ter em conta. Entre estas, o ponto 13.1 faz referência aos «problemas mentais graves […] adquiridos por […] traumatismo […]», podendo o termo «traumatismo» abranger, nomeadamente, um conjunto de perturbações psíquicas provocadas acidentalmente por um agente exterior. Esta disposição evoca igualmente as «perturbações graves da capacidade de discernimento, de comportamento e de adaptação ligadas à personalidade».

33      A este respeito, o Governo Búlgaro indicou, nas suas observações escritas, que a regulamentação em causa no processo principal tinha por objetivo estabelecer a aptidão psicológica para conduzir veículos a motor sem risco de cometer acidentes de circulação à luz de qualidades psicológicas pertinentes no plano profissional. Seria assim possível obter, na sequência do exame de aptidão psicológica previsto por esta regulamentação, designadamente um prognóstico do comportamento futuro da pessoa em causa na estrada e do risco de cometer acidentes, com base em critérios puramente psicológicos e não médicos.

34      Nestas circunstâncias, se o órgão jurisdicional de reenvio confirmar que o teste de aptidão psicológica previsto na referida regulamentação se distingue, pelo seu alcance e pelos seus objetivos, do exame de aptidão mental previsto na Diretiva 2006/126, um teste psicológico que não se baseia nas exigências desta diretiva e que não constitui, assim, um exame médico na aceção do anexo III da mesma não pode ser considerado conforme com o direito da União. Poria em causa o bom funcionamento do sistema estabelecido pela referida diretiva, a qual visa permitir às pessoas que preenchem as condições que enuncia atestar as aptidões necessárias para a condução dos veículos da categoria em causa. Com efeito, como decorre das observações do Governo Búlgaro, os condutores profissionais têm necessariamente de possuir uma carta de condução válida, o que pressupõe que respeitam as normas de aptidão física e mental, conforme previstas no anexo III da Diretiva 2006/126, bem como as normas relativas às aptidões e aos comportamentos ligados à condução de um veículo a motor da categoria em causa, enunciadas no anexo II da mesma diretiva. Ora, estas normas impõem uma apreciação global do perfil do candidato tendo em conta, nomeadamente, o seu comportamento e a sua capacidade para conduzir com toda a segurança.

35      Em contrapartida, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que o teste de aptidão psicológica em causa no processo principal visa inscrever‑se na margem de apreciação deixada aos Estados‑Membros quanto aos exames médicos mais estritos, evocada nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma harmonização mínima não impede os Estados‑Membros de manterem ou adotarem medidas mais estritas, desde que, todavia, estas não sejam suscetíveis de comprometer seriamente o resultado prescrito pela diretiva em causa e sejam conformes com o Tratado FUE. A este propósito, o Tribunal de Justiça indicou que, apesar do seu efeito restritivo, tais medidas podem ser justificadas se responderem a uma razão imperiosa de interesse geral, forem adequadas para garantir a realização do objetivo que prosseguem e não forem além do necessário para o alcançar (v. Acórdão de 7 de julho de 2016, Muladi, C‑447/15, EU:C:2016:533, n.os 43 e 44 e jurisprudência referida).

36      Ora, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio a este respeito, não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a regulamentação em causa no processo principal visa responder aos riscos e aos perigos adicionais e específicos para a segurança rodoviária ligados à capacidade mental exigida para os condutores do grupo 2. Com efeito, as explicações do Governo Búlgaro não permitem concluir, à partida, que o teste de aptidão psicológica em causa no processo principal visa detetar, com mais exatidão ou mais aprofundadamente, eventuais perturbações mentais, como as referidas nos pontos 13.1 e 13.2 do anexo III da Diretiva 2006/126, para esse grupo de condutores, que poderiam comprometer a segurança rodoviária. Consequentemente, afigura‑se que esta regulamentação vai além do necessário para garantir o objetivo da segurança rodoviária e, na medida em que impõe aos condutores a posse de um certificado de aptidão psicológica, além de uma carta de condução válida, pode comprometer seriamente o resultado prescrito pela Diretiva 2006/126.

37      Com efeito, nestas circunstâncias, o facto de impor aos titulares de uma carta de condução válida que sejam, além disso, titulares de um certificado de aptidão psicológica distinto constituiria uma restrição suplementar inadmissível, na medida em que se deve considerar que a carta de condução, emitida por um Estado‑Membro em conformidade com o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2006/126, constitui a prova de que, no dia em que a referida carta lhe foi emitida, o titular dessa carta satisfazia os requisitos de emissão previstos por esta diretiva [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de abril de 2012, Hofmann, C‑419/10, EU:C:2012:240, n.o 46, e de 29 de abril de 2021, Stadt Karlsruhe (Reconhecimento de uma carta de condução renovada), C‑47/20, EU:C:2021:332, n.o 28 e jurisprudência referida], e possui, portanto, o valor probatório necessário para atestar a aptidão mental para conduzir um veículo a motor pertencente à categoria pertinente.

38      Ora, embora a Diretiva 2006/126 apenas preveja uma harmonização mínima das disposições nacionais relativas aos requisitos para uma carta de condução poder ser emitida, esta diretiva realiza, em contrapartida, uma harmonização exaustiva dos documentos que provam a existência de um direito de conduzir que devem ser reconhecidos pelos Estados‑Membros em conformidade com o seu artigo 2.o, n.o 1 [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de outubro de 2017, I, C‑195/16, EU:C:2017:815, n.o 57, e de 29 de abril de 2021, Stadt Pforzheim (Referências na carta de condução), C‑56/20, EU:C:2021:333, n.o 42]. Como salientou o advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, a coexistência da carta de condução emitida em conformidade com a Diretiva 2006/126 com qualquer outro documento nacional que preencha, no essencial, a mesma função está, por conseguinte, excluída.

39      Da mesma forma, os Estados‑Membros não têm a faculdade de exigir a prova de uma aptidão mental para conduzir em intervalos mais curtos do que o período de validade de uma carta de condução.

40      Com efeito, em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2006/126, as cartas emitidas pelos Estados‑Membros para as categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E têm uma validade administrativa de cinco anos e o artigo 7.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva exige que a renovação da carta de condução fique subordinada à observância das normas mínimas de aptidão física e mental previstas no anexo III da referida diretiva para os titulares de cartas dessas categorias.

41      Em segundo lugar, embora seja exato, por um lado, que o ponto 4 do anexo III da Diretiva 2006/126 prevê, na sua versão em língua francesa, que «[l]es candidats doivent faire l’objet d’un examen médical avant la délivrance initiale d’un permis et [que], par la suite, les conducteurs sont contrôlés conformément au système national en vigueur dans l’État membre de résidence normale où a lieu le renouvellement de leur permis de conduire» (na versão em língua portuguesa, «[o]s candidatos devem ser sujeitos a um exame médico antes da emissão da primeira carta de condução e, subsequentemente, a controlos, em conformidade com o sistema nacional vigente no Estado‑Membro de residência habitual, sempre que a carta de condução seja renovada») e, por outro lado, que este último membro de frase não existe na versão em língua búlgara, a tomada em conta das diversas versões linguísticas desta última disposição permite concluir, como resulta dos n.os 49 e 50 das conclusões do advogado‑geral, que esta deve ser interpretada no sentido de que o exame em causa deve ser realizado quando da renovação da carta de condução.

42      O facto de as versões em língua búlgara e em língua francesa do ponto 4 do anexo III da Diretiva 2006/126 não corresponderem inteiramente às outras versões linguísticas da Diretiva 2006/126 não pode conduzir a uma interpretação diferente desta disposição.

43      Com efeito, em conformidade com jurisprudência constante, a necessidade de uma aplicação e, por conseguinte, de uma interpretação uniformes de um ato da União exclui que esse ato seja considerado isoladamente numa das suas versões, antes exigindo que seja interpretado em função tanto da vontade real do seu autor como do fim por ele prosseguido, à luz, nomeadamente, das versões em todas as línguas (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de novembro de 1969, Stauder, 29/69, EU:C:1969:57, n.os 2 e 3; de 12 de dezembro de 2013, X, C‑486/12, EU:C:2013:836, n.o 19; e de 15 de maio de 2014, Timmel, C‑359/12, EU:C:2014:325, n.o 63).

44      Ora, resulta claramente das outras versões linguísticas da Diretiva 2006/126 que o legislador da União procurou fazer coincidir os exames médicos com a renovação da carta de condução, sem que as disposições em causa evoquem a possibilidade de os Estados‑Membros fixarem períodos mais curtos entre os exames médicos para os condutores do grupo 2. Como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, esta interpretação é corroborada pelo considerando 9, quarto período, desta diretiva, que enuncia expressamente que estes exames devem coincidir com uma renovação da carta de condução e, consequentemente, ser determinados em função do prazo de validade da carta.

45      Além disso, embora o artigo 7.o, n.o 3, parágrafo quinto, da Diretiva 2006/126 autorize excecionalmente os Estados‑Membros a limitar o prazo de validade administrativa da carta de condução, seja qual for a sua categoria, «caso se revele necessário aumentar a frequência dos exames médicos» para garantir a segurança rodoviária, esta disposição confirma o facto de que os exames médicos devem coincidir com a renovação da carta de condução e, portanto, que a sua periodicidade deve ser determinada pelo período de validade desta carta.

46      Por último, importa igualmente salientar que, como alegou a Comissão Europeia, o direito da União já continha, à época dos factos do processo principal, regulamentação no domínio do reconhecimento das qualificações profissionais para ter em conta as exigências de segurança relacionadas com o transporte de mercadorias e de passageiros, a saber, a Diretiva 2003/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2003, relativa à qualificação inicial e à formação contínua dos motoristas de determinados veículos rodoviários afetos ao transporte de mercadorias e de passageiros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 3820/85 do Conselho e a Diretiva 91/439/CEE do Conselho e que revoga a Diretiva 76/914/CEE do Conselho (JO 2003, L 226, p. 4), que não continha nenhuma exigência específica ou suplementar relativamente às exigências impostas pela Diretiva 2006/126, para a avaliação da aptidão mental dos motoristas profissionais.

47      Tendo em conta todas as razões precedentes, importa responder às questões que o artigo 7.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2006/126 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro imponha aos titulares de uma carta de condução para os veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E emitida em conformidade com esta diretiva, cuja aptidão física e mental para a condução foi controlada quando da emissão dessa carta de condução e que pretendem exercer a profissão de condutor de um veículo a motor destinado ao transporte de pessoas ou de mercadorias, que possuam, além da sua carta de condução, um certificado de aptidão psicológica, cujo período de validade é inferior ao da referida carta.

 Quanto às despesas

48      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 7.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2006/126/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativa à carta de condução,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que um EstadoMembro imponha aos titulares de uma carta de condução para os veículos das categorias C, CE, C1, C1E, D, DE, D1 e D1E emitida em conformidade com esta diretiva, cuja aptidão física e mental para a condução foi controlada quando da emissão dessa carta de condução e que pretendem exercer a profissão de condutor de um veículo a motor destinado ao transporte de pessoas ou de mercadorias, que possuam, além da sua carta de condução, um certificado de aptidão psicológica, cujo período de validade é inferior ao da referida carta.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.