Language of document : ECLI:EU:C:2024:58

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Artigo 3.o, n.o 1 — Artigo 6.o, n.o 1 — Artigo 7.o, n.o 1 — Artigo 8.o — Título executivo com força de caso julgado — Poder do juiz de examinar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula no âmbito da fiscalização de um processo de execução — Registo nacional das cláusulas de condições gerais declaradas ilícitas — Cláusulas diferentes das que figuram nesse registo devido à sua redação, mas que têm o mesmo alcance e produzem os mesmos efeitos»

No processo C‑531/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Rejonowy dla Warszawy Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Polónia), por Decisão de 5 de julho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de agosto de 2022, no processo

Getin Noble Bank S.A.,

TF,

C2,

PI

contra

TL,

sendo intervenientes:

EOS,

Zakład Ubezpieczeń Społecznych,

MG,

Komornik Sądowy AC,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, S. Rodin (relator) e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos e após a audiência de 13 de setembro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Getin Noble Bank S.A., por Ł. Hejmej, M. Przygodzka, A. Szczęśniak, J. Szewczak, Ł. Żak, adwokaci, e M. Pugowski, aplikant radcowski,

–        em representação de TF, por M. Czugan, M. Jaroch‑Konwent, W. Kołosz, A. Pakos e K. Zawadzanko, radcowie prawni,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, M. Kozak e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por U. Małecka e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 1, do artigo 6.o, n.o 1, do artigo 7.o, n.os 1 e 2, e do artigo 8.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos princípios da segurança jurídica, da efetividade, da proporcionalidade e da autoridade do caso julgado, bem como do direito de ser ouvido.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo de execução que opõe a Getin Noble Bank S.A., TF, C2 e PI, quatro credores, a TL, seu devedor, a respeito de uma injunção de pagamento decretada em relação a este.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

4        O artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva prevê:

«Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.»

5        O artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva enuncia:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

6        Nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva:

«1.      Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

2.      Os meios a que se refere o n.o 1 incluirão disposições que habilitem as pessoas ou organizações que, segundo a legislação nacional, têm um interesse legítimo na defesa do consumidor, a recorrer, segundo o direito nacional, aos tribunais ou aos órgãos administrativos competentes para decidir se determinadas cláusulas contratuais, redigidas com vista a uma utilização generalizada, têm ou não um caráter abusivo, e para aplicar os meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização dessas cláusulas.»

7        O artigo 8.o da Diretiva 93/13 dispõe:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

 Direito polaco

8        O artigo 189.o da ustawa — Kodeks postępowania cywilnego (Lei que aprova o Código de Processo Civil), de 17 de novembro de 1964 (Dz. U. n.o 43, posição 296), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), enuncia:

«O demandante pode pedir ao tribunal que declare a existência ou a inexistência de uma relação jurídica ou de um direito, desde que tenha um interesse legítimo em agir.»

9        O artigo 50532.°, n.o 1, do Código de Processo Civil prevê:

«No seu pedido, o demandante deve indicar as provas que fundamentam as suas pretensões. As provas não são juntas à petição.»

10      O artigo 758.o do Código de Processo Civil dispõe:

«Os tribunais de primeira instância, bem como os oficiais de justiça afetos a esses tribunais têm competência em matéria executiva.»

11      O artigo 804.o, n.o 1, do Código de Processo Civil prevê:

«A autoridade de execução não pode examinar o mérito e o caráter executório da obrigação que é objeto de um título plenamente executivo.»

12      Nos termos do artigo 840.o, n.o 1, do Código de Processo Civil:

«O devedor pode pedir, através de recurso, a anulação total ou parcial ou a limitação do efeito executório do título executivo quando:

1.      contestar os factos que justificaram a aposição da fórmula executória, nomeadamente quando contesta a existência da obrigação declarada por título executivo simples diferente de uma decisão judicial ou quando contestar a transmissão de uma obrigação apesar da existência de um documento formal que a comprova;

2.      depois da emissão de um título executivo simples tiver ocorrido um facto que implique a extinção da obrigação ou a impossibilidade de a executar; se o título for uma decisão judicial, o devedor pode também basear o seu recurso em factos ocorridos após o encerramento dos debates contraditórios, na exceção de execução da prestação, quando a invocação dessa exceção no processo em questão for inadmissível ex lege, bem como na exceção de compensação.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em 9 de janeiro de 2006, TL, consumidor, celebrou um contrato de crédito com o Getin Noble Bank, para o período compreendido entre 9 de janeiro de 2009 e 16 de janeiro de 2016, expresso em zlótis polacos (PLN), indexado ao franco suíço (CHF) e correspondente ao equivalente em zlótis polacos de 15 645,27 CHF (cerca de 16 270 euros). Nos termos desse contrato de crédito, o montante do crédito concedido pelo Getin Noble Bank foi convertido, à data da celebração do referido contrato de crédito, com base na taxa de compra da divisa de indexação em questão, inscrita na tabela de câmbio das divisas estrangeiras desse banco, e o reembolso de qualquer dívida devia, assim, ser efetuado em zlótis polacos após conversão dessa dívida expressa nessa divisa de indexação, com base na taxa de venda desta aplicável à data do pagamento ao referido banco.

14      Em 13 de maio de 2008, TL celebrou outro contrato de crédito com o mesmo banco em zlótis polacos indexado ao franco suíço e correspondente ao equivalente em zlótis polacos de 36 299,30 CHF (cerca de 37 740 euros) por um período de 120 meses. Este contrato de crédito retomava essencialmente as cláusulas do contrato de crédito mencionado no número anterior.

15      Tendo invocado faltas de pagamento de TL, o Getin Noble Bank rescindiu esses dois contratos de crédito e intentou no Sąd Rejonowy Lublin‑Zachód w Lublinie (Tribunal de Primeira Instância de Lublin‑Oeste, Polónia), respetivamente, em 28 de dezembro e 3 de junho de 2016, através do processo de injunção de pagamento eletrónico, duas ações contra TL, nas quais pediu o pagamento por este último das quantias devidas a título dos referidos contratos de crédito, acrescidas de juros e de encargos.

16      Em apoio dos seus pedidos, o Getin Noble Bank fez referência aos contratos de crédito que tinha celebrado com TL, sem poder juntá‑los a essas duas ações, tendo em conta as disposições processuais que regem os processos de injunção de pagamento eletrónicos, que figuram no artigo 50532.°, n.o 1, do Código de Processo Civil, e as características técnicas do sistema de gestão desses processos, que não permitem a junção das provas. Assim, o Sąd Rejonowy Lublin‑Zachód w Lublinie (Tribunal de Primeira Instância de Lublin‑Oeste) também não tinha competência nem mesmo a possibilidade técnica de exigir ao Getin Noble Bank a apresentação desses contratos de crédito.

17      O Sąd Rejonowy Lublin‑Zachód w Lublinie (Tribunal de Primeira Instância de Lublin‑Oeste) proferiu duas injunções de pagamento que não foram contestadas por TL e, por conseguinte, tornaram‑se definitivas antes de lhes ser aposta a fórmula executória. Isto permitiu dar início ao processo de execução relativo ao bem imóvel de TL, conduzido por um oficial de justiça sob a supervisão do Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

18      No âmbito deste processo de execução, o órgão jurisdicional de reenvio foi, portanto, o primeiro órgão jurisdicional nacional no qual foram apresentados os contratos de crédito em causa no processo principal.

19      Após o exame do conteúdo desses contratos de crédito, o órgão jurisdicional de reenvio manifestou dúvidas quanto à validade dos referidos contratos, tendo em conta o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais de conversão que figuram nos referidos contratos de crédito, sem as quais estes não podem ser executados e devem ser considerados nulos.

20      O órgão jurisdicional de reenvio entende que o processo principal suscita a questão da fiscalização oficiosa do caráter eventualmente abusivo das cláusulas dos contratos celebrados com consumidores com base nas quais é instaurado um processo de execução, a saber, uma questão análoga à que foi suscitada no âmbito dos processos que deram origem aos Acórdãos de 17 de maio de 2022, SPV Project 1503 e o. (C‑693/19 e C‑831/19, EU:C:2022:395), e de 17 de maio de 2022, Ibercaja Banco (C‑600/19, EU:C:2022:394).

21      Esse órgão jurisdicional salienta que TL não deduziu oposição às injunções de pagamento referidas no n.o 17 do presente acórdão e, por conseguinte, já não dispõe de nenhuma via jurídica que lhe permita, na prática, contestar as obrigações que decorrem dessas injunções de pagamento. Por um lado, uma ação de oposição contra um título executivo constituído por uma decisão judicial não pode validamente permitir, nos termos do artigo 840.o, n.o 1, ponto 1, do Código de Processo Civil, contestar o mérito da obrigação que é objeto desse título. Por outro lado, a propositura por um devedor de uma ação destinada a obter a declaração de nulidade de um contrato ou a declaração da inoponibilidade das cláusulas abusivas desse contrato em nada altera, na prática, a sua situação, uma vez que essa ação não pode conduzir, nos termos do artigo 189.o do Código de Processo Civil, à anulação de uma injunção de pagamento definitiva. Com efeito, por força do artigo 365.o, n.o 1, do Código de Processo Civil, uma decisão judicial definitiva, incluindo uma decisão judicial que decrete uma injunção de pagamento no âmbito de um processo de injunção de pagamento eletrónico, é vinculativa para todos os órgãos jurisdicionais.

22      Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio ser obrigado, por força do direito da União, a fiscalizar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes dos contratos de crédito em questão, interroga‑se sobre se o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 e os princípios da efetividade, da proporcionalidade e da segurança jurídica devem ser interpretados no sentido de que permitem alargar, nomeadamente quando o consumidor em questão não invocar os seus direitos decorrentes desta diretiva, os efeitos da inscrição de uma cláusula contratual no registo nacional das cláusulas contratuais gerais declaradas ilícitas (a seguir «registo nacional das cláusulas ilícitas») a um profissional que não foi parte no processo que conduziu a essa inscrição.

23      A comparação do conteúdo das cláusulas contratuais em causa no processo principal com o conteúdo das cláusulas contratuais de outros bancos que não o Getin Noble Bank, que estão inscritas no registo nacional das cláusulas ilícitas, permite concluir que existem semelhanças significativas entre essas cláusulas, pelo que têm um alcance equivalente e têm as mesmas consequências para os consumidores.

24      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, segundo a jurisprudência resultante do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Biuro podróży «Partner» (C‑119/15, EU:C:2016:987), nada se opõe a que os efeitos da inscrição de uma determinada cláusula contratual no registo nacional das cláusulas ilícitas sejam aplicáveis, por um lado, a todos os profissionais que aplicam essa cláusula contratual, e não apenas ao profissional que foi parte no processo destinado a obter a declaração do caráter abusivo da referida cláusula e a inscrevê‑la nesse registo e, por outro, a qualquer cláusula que seja em substância idêntica a essa mesma cláusula, sem necessariamente o ser do ponto de vista da sua redação. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se tal interpretação do direito da União se aplica aos processos em que uma das partes é um consumidor que celebrou um contrato com o profissional em questão e não apenas aos procedimentos administrativos que têm por objeto sancionar os profissionais que utilizam cláusulas inscritas no registo nacional das cláusulas ilícitas, como era o caso no processo que deu origem a esse acórdão.

25      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em contrapartida, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) proferiu, em 20 de novembro de 2015, a Resolução III CZP 175/15, segundo a qual a inscrição no registo nacional das cláusulas ilícitas não produz efeitos em relação a outros profissionais diferentes daquele em questão no processo de inscrição nesse registo, para que o direito de ser ouvido desses outros profissionais possa ser respeitado.

26      Nestas condições, o Sąd Rejonowy dla Warszawy‑Śródmieścia w Warszawie (Tribunal de Primeira Instância de Varsóvia — Centro) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Devem os artigos 6.o, n.o 1, e 7.o, n.o 1, da Diretiva [93/13] e os princípios da segurança jurídica, da irrefutabilidade das decisões judiciais finais, da efetividade e da proporcionalidade, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que prevê que o órgão jurisdicional nacional não pode fiscalizar oficiosamente as cláusulas abusivas contidas num contrato, e daí retirar consequências, numa situação em que fiscaliza o processo de execução conduzido por um agente de execução com base numa injunção de pagamento transitada em julgado e executória, adotada num processo em que não são recolhidas provas?

2)      Devem os artigos 3.o, n.o 1, 6.o, n.o 1, 7.o, n.os 1 e 2, e 8.o da Diretiva [93/13], o artigo 47.o da [Carta], e os princípios da segurança jurídica, da efetividade, da proporcionalidade e do direito de ser ouvido, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação jurisprudencial das disposições do direito nacional segundo a qual a inscrição de uma cláusula abusiva no registo [nacional das cláusulas ilícitas] leva a que essa cláusula seja considerada abusiva em qualquer processo que envolva um consumidor, incluindo:

–        quando se trata de um profissional diferente daquele contra o qual foi instaurado o processo de inscrição da cláusula abusiva no registo [nacional das cláusulas ilícitas],

–        quanto a uma disposição cuja redação não é idêntica em termos linguísticos, mas tem o mesmo sentido e produz os mesmos efeitos para o consumidor?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

27      No pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pediu que o reenvio prejudicial na origem do presente acórdão fosse submetido à aplicação da tramitação acelerada prevista no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio do seu pedido de aplicação de uma tramitação acelerada, o órgão jurisdicional de reenvio alegou que o oficial de justiça encarregado do processo de execução em causa no processo principal tinha penhorado o bem imóvel objeto desse processo e que devia ser efetuada uma venda em hasta pública desse bem imóvel na sequência dos pedidos apresentados pelos credores, venda essa que pode levar a que, por um lado, TL seja desapossado do referido bem imóvel e, por outro, que os credores recebam quantias que não lhes são devidas. Ora, embora TL possa, se for caso disso, exercer posteriormente os seus direitos através de uma ação de indemnização, isso não lhe assegura a plena proteção dos seus direitos.

28      O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode decidir, ouvidos o juiz relator e o advogado‑geral, submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos.

29      Importa recordar que tal tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 37 e jurisprudência referida).

30      No caso em apreço, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, em 15 de setembro de 2022, ouvidos o juiz‑relator e a advogada‑geral, que não havia que deferir o pedido referido no n.o 27 do presente acórdão.

31      Com efeito, por um lado, a simples circunstância de o processo principal constituir um processo de execução que necessita de uma solução rápida não demonstra, por si só, a urgência exigida pelo artigo 105.o do Regulamento de Processo (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2018, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2018:825, n.o 12).

32      Por outro lado, é certo que o presidente do Tribunal de Justiça tomou em consideração, no âmbito de um processo em que os recorrentes no processo principal deduziram oposição a uma execução hipotecária relativa ao seu bem imóvel, o facto de, tendo em conta as modalidades do processo civil nacional em questão, a prossecução do processo de execução os expor ao risco de perderem a sua casa de habitação principal. Assim, deferiu o pedido de aplicação de tramitação acelerada, salientando que, nessa situação, o direito nacional em questão apenas conferia ao devedor lesado uma proteção puramente indemnizatória e não permitia a reposição da situação anterior em que tinha a qualidade de proprietário da sua casa de habitação (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2018, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2018:825, n.o 13).

33      Todavia, no caso em apreço, não resulta de modo algum do pedido de aplicação de uma tramitação acelerada nem do pedido de decisão prejudicial que TL corra desde já um risco iminente de perder a sua habitação principal no âmbito do processo de execução em causa no processo principal. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não indicou ao Tribunal de Justiça que o bem imóvel em causa no processo principal seria a habitação principal de TL, parecendo este, aliás, residir numa morada diferente da desse bem imóvel (v., neste sentido, Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2018, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2018:825, n.o 14).

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

34      Em primeiro lugar, o Getin Noble Bank alega, em substância, que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial, uma vez que as questões prejudiciais submetidas são relativas a um processo de execução nacional, que não é abrangido pelo direito da União.

35      A este respeito, recorde‑se que resulta do artigo 19.o, n.o 3, alínea b), TUE e do artigo 267.o, primeiro parágrafo, TFUE que o Tribunal de Justiça tem competência para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições da União.

36      Ora, resulta da própria redação das questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que, contrariamente ao que alega o Getin Noble Bank, estas questões dizem respeito à interpretação de disposições da Diretiva 93/13 e da Carta, bem como de princípios gerais do direito da União, e não à interpretação de disposições do direito polaco. O Tribunal de Justiça é, portanto, competente para decidir sobre o presente pedido de decisão prejudicial.

37      Em segundo lugar, o Getin Noble Bank sustenta, em substância, que o pedido de decisão prejudicial é, em todo o caso, inadmissível.

38      Com efeito, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio não está habilitado a decidir um litígio entre as partes através de uma decisão que constitui uma «decisão judicial», na aceção do artigo 267.o TFUE, e deve ser considerada um «órgão administrativo» quando intervém no âmbito da fiscalização de um processo de execução. Por outro lado, as questões prejudiciais submetidas seriam imprecisas, demasiado genéricas e de natureza hipotética. A primeira questão não precisa nem a medida de fiscalização sobre a qual incide nem as modalidades de aplicação das eventuais respostas do Tribunal de Justiça. Além disso, as partes no procedimento de fiscalização não dispõem de nenhuma base jurídica que permita obter uma decisão quanto ao mérito. A segunda questão não tem em conta o facto de que, embora seja obrigatório obter a posição do consumidor em questão sobre a manutenção das cláusulas que o órgão jurisdicional de reenvio considera abusivas, este não é competente para analisar a vontade desse consumidor a este respeito, o qual, aliás, não tomou nenhuma iniciativa no caso em apreço.

39      Por conseguinte, o Getin Noble Bank contesta, em substância, que o órgão jurisdicional de reenvio disponha, nos termos do direito polaco, da competência para fiscalizar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes dos contratos de crédito em causa no processo principal. Uma vez que esta argumentação apresenta um elemento que diz respeito a aspetos de fundo, não é de modo algum suscetível de pôr em causa a admissibilidade do pedido de decisão prejudicial (v., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2021, An tAire Talmhaíochta Bia agus Mara e o., C‑64/20, EU:C:2021:207, n.o 27 e jurisprudência referida).

40      Tendo em conta todas as considerações precedentes, o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre o pedido de decisão prejudicial e este é admissível.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

41      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que um órgão jurisdicional nacional não pode analisar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes do contrato celebrado com um consumidor e daí retirar consequências quando fiscaliza um processo de execução que assenta numa decisão que decreta uma injunção de pagamento definitiva revestida da autoridade de caso julgado.

42      Importa começar por recordar que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de desequilíbrio entre um consumidor e um profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, exterior às partes no contrato, estando o juiz nacional obrigado a apreciar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito [Acórdão de 22 de setembro de 2022, Vicente (Ação para pagamento de honorários de advogado), C‑335/21, EU:C:2022:720, n.o 52].

43      Embora o Tribunal já tenha especificado, sob vários aspetos e tendo em conta as exigências do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, a maneira como o juiz nacional deve garantir a proteção dos direitos que decorrem para os consumidores desta diretiva, não deixa de ser certo que, em princípio, o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis à análise do caráter pretensamente abusivo de uma cláusula contratual e que, consequentemente, estes são organizados pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros. É o que acontece no processo principal em relação às regras processuais do direito polaco que regulam o processo para pagamento de honorários de advogado que, não havendo harmonização, são organizados pela ordem jurídica do Estado‑Membro em questão [v., por analogia, Acórdão de 22 de setembro de 2022, Vicente (Ação para pagamento de honorários de advogado), C‑335/21, EU:C:2022:720, n.o 53].

44      Todavia, em conformidade com o princípio da cooperação leal atualmente consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) [Acórdão de 22 de setembro de 2022, Vicente (Ação para pagamento de honorários de advogado), C‑335/21, EU:C:2022:720, n.o 54].

45      No que se refere ao princípio da efetividade, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a análise de cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve tomar em consideração o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, a tramitação deste e as suas particularidades, bem como, sendo caso disso, os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a boa tramitação do processo. Nesta perspetiva, o Tribunal de Justiça considerou que o respeito pelo princípio da efetividade não pode implicar o suprimento integral da passividade total do consumidor em causa (Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 28).

46      Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que a obrigação de os Estados‑Membros garantirem a efetividade dos direitos conferidos que o direito da União atribui às partes implica, designadamente para os direitos decorrentes da Diretiva 93/13, uma exigência de tutela jurisdicional efetiva, reiterada no artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva e também consagrada no artigo 47.o da Carta, que se aplica, entre outros, no que respeita à definição das normas processuais relativas às ações judiciais baseadas nesses direitos (Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 29).

47      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, não havendo uma análise eficaz do caráter potencialmente abusivo das cláusulas do contrato em causa, o respeito dos direitos conferidos pela Diretiva 93/13 não pode ser garantido (Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 30).

48      Daqui resulta que as condições fixadas pelos direitos nacionais, às quais o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 se refere, não podem prejudicar a substância do direito conferido aos consumidores por esta disposição de não estarem vinculados por uma cláusula considerada abusiva (Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 31).

49      O órgão jurisdicional de reenvio observa que injunções de pagamento, como as que estão em causa no processo principal, são emitidas, depois de terem sido pedidas pelo credor em questão no âmbito de um processo de injunção de pagamento eletrónico, por órgãos jurisdicionais polacos, sem que estes tenham a possibilidade jurídica e técnica de consultar os contratos com base nos quais essas injunções são emitidas e, por conseguinte, de fiscalizar oficiosamente se esses contratos incluem cláusulas de caráter abusivo. No caso de as referidas injunções de pagamento não serem contestadas pelo devedor em questão no prazo de duas semanas após a sua notificação, é‑lhes aposta a fórmula executória e passam a revestir‑se da autoridade de caso julgado, o que tem por efeito que o órgão jurisdicional sob cuja alçada o oficial de justiça em questão conduz o processo de execução não está habilitado a efetuar oficiosamente essa análise.

50      A este respeito, importa recordar que uma proteção efetiva dos direitos que a Diretiva 93/13 confere ao consumidor só pode ser garantida se o sistema processual nacional permitir, no âmbito do procedimento de injunção de pagamento ou do processo de execução dessa injunção, uma análise oficiosa da natureza potencialmente abusiva das cláusulas constantes do contrato em causa (Acórdão de 17 de maio de 2022, Impuls Leasing România, C‑725/19, EU:C:2022:396, n.o 49).

51      O Tribunal de Justiça considerou que, na hipótese de não estar prevista nenhuma análise oficiosa, por parte de um juiz, do caráter eventualmente abusivo das cláusulas que constam do contrato em causa na fase de execução da injunção de pagamento, deve considerar‑se a legislação nacional suscetível de violar o caráter efetivo da proteção pretendida pela Diretiva 93/13, se a mesma não previr essa análise na fase da emissão da injunção de pagamento ou, nos casos em que essa análise apenas estiver prevista na fase de dedução da oposição contra a injunção de pagamento, se existir um risco não negligenciável de o consumidor em causa não deduzir a oposição exigida quer devido ao prazo particularmente curto previsto para o efeito, quer atendendo aos custos que uma ação judicial implica relativamente ao montante da dívida impugnada, quer porque a legislação nacional não prevê a obrigação de comunicar ao consumidor todas as informações necessárias que lhe permitam determinar o alcance dos seus direitos (Acórdão de 17 de maio de 2022, Impuls Leasing România, C‑725/19, EU:C:2022:396, n.o 50).

52      Daqui resulta, por um lado, que a legislação polaca que regula a emissão de uma injunção de pagamento e o processo de execução não é conforme com o princípio da efetividade na hipótese de não prever nenhuma análise oficiosa, por um juiz, do caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes do contrato em questão.

53      Por outro lado, embora o direito polaco só preveja essa análise quando o consumidor em questão contesta uma injunção de pagamento, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se existe um risco não negligenciável de o consumidor em causa não deduzir a oposição exigida, quer devido ao prazo particularmente curto previsto para o efeito, quer atendendo aos custos que uma ação judicial implica relativamente ao montante da dívida contestada, quer porque este direito não prevê a obrigação de que sejam comunicadas ao referido consumidor todas as informações necessárias que lhe permitam determinar o alcance dos seus direitos.

54      No que diz respeito ao prazo de duas semanas para deduzir essa oposição previsto na legislação nacional em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça declarou que semelhante prazo gera o risco referido no número anterior (v., neste sentido, Despacho de 6 de novembro de 2019, BNP Paribas Personal Finance SA Paris Sucursala Bucureşti et Secapital, C‑75/19, EU:C:2019:950, n.os 31 e 33).

55      Ainda que uma parte não fosse obrigada a fundamentar a sua oposição à injunção de pagamento nos termos do direito polaco, como o Getin Noble Bank alega, este prazo de duas semanas afigura‑se, porém, particularmente curto para que o consumidor em questão possa analisar as consequências jurídicas decorrentes da sua decisão de se opor ou não a essa injunção.

56      Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que existe um risco não negligenciável de que não seja deduzida oposição às injunções de pagamento em causa no processo principal devido às circunstâncias referidas no n.o 53 do presente acórdão, há que recordar, no que respeita ao facto de essas injunções se revestirem da autoridade de caso julgado, que, para garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para esses recursos já não possam ser postas em causa (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 32).

57      Por outro lado, a proteção do consumidor em questão não é absoluta. Em especial, o direito da União não obriga um órgão jurisdicional nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, ainda que isso permita sanar uma violação de uma disposição, seja de que natureza for, constante da Diretiva 93/13, sob reserva, todavia, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 44 do presente acórdão, do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade (Acórdão de 17 de maio de 2022, Unicaja Banco, C‑869/19, EU:C:2022:397, n.o 33).

58      Numa situação em que se considera ter havido uma análise oficiosa do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais e que se encontra revestida de autoridade de caso julgado, sem que, todavia, essa análise tenha sido fundamentada, o Tribunal de Justiça declarou que a exigência de uma tutela jurisdicional efetiva impõe que o juiz de execução possa fiscalizar, incluindo pela primeira vez, o caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais que serviram de fundamento a uma injunção de pagamento emitida por um juiz a pedido de um credor e contra a qual o devedor não deduziu oposição (v., neste sentido, Acórdão de 17 de maio de 2022, SPV Project 1503 e o., C‑693/19 e C‑831/19, EU:C:2022:395, n.os 65 e 66).

59      Sucede o mesmo, a fortiori, quando se considere não ter havido nenhuma análise oficiosa do caráter eventualmente abusivo das cláusulas contratuais constantes do contrato em questão, como parece suceder no caso em apreço.

60      O facto de TL ter tido uma atitude de passividade no decurso dos processos instaurados nos órgãos jurisdicionais polacos não isenta o órgão jurisdicional de reenvio da obrigação que lhe incumbe de proceder a essa análise oficiosa se este demonstrar que TL não deduziu oposição às injunções de pagamento em causa no processo principal devido às circunstâncias referidas no n.o 53 do presente acórdão, uma vez que essa oposição era a única via processual de que TL dispunha para contestar o caráter abusivo das cláusulas dos contratos em causa no processo principal.

61      À luz de tudo o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê que um órgão jurisdicional nacional não pode proceder oficiosamente a uma análise do caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes de um contrato e daí retirar as consequências, quando fiscaliza um processo de execução que assenta numa decisão que decreta uma injunção de pagamento definitiva revestida da autoridade de caso julgado:

–        se essa legislação não previr essa análise na fase da emissão da injunção de pagamento, ou

–        quando essa análise só esteja prevista na fase da oposição deduzida contra a injunção de pagamento em questão, se existir um risco não negligenciável de o consumidor em causa não deduzir a oposição exigida porque devido ao prazo particularmente curto previsto para o efeito, porque à luz das custas que uma ação judicial implica em relação ao montante da dívida contestada ou porque a legislação nacional não prevê a obrigação de comunicar a este consumidor todas as informações necessárias para lhe permitir determinar o âmbito dos seus direitos.

 Quanto à segunda questão

62      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.os 1 e 2, e o artigo 8.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual a inscrição de uma cláusula de um contrato no registo nacional das cláusulas ilícitas tem por efeito que essa cláusula seja considerada abusiva em qualquer processo que envolva um consumidor, incluindo em relação a um profissional diferente daquele contra o qual foi iniciado o processo de inscrição da referida cláusula nesse registo nacional e quando a cláusula em questão não apresente uma redação idêntica à da cláusula registada, mas tenha o mesmo alcance e produza os mesmos efeitos para o consumidor em questão.

63      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade em relação ao profissional no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas), C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 34].

64      Por conseguinte, antes de mais, por força do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem, em detrimento do consumidor em questão, a um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes desse contrato, sendo que, por força do artigo 6.o, n.o 1, da referida diretiva, tal cláusula abusiva não vincula o referido consumidor. Esta última disposição destina‑se a substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real que possa restabelecer a igualdade entre eles [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas), C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 35 e jurisprudência referida].

65      Além disso, tendo em conta a natureza e a importância do interesse público correspondente à proteção dos consumidores que se encontram nessa situação de inferioridade, o artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva, lido em conjugação com o seu vigésimo quarto considerando, impõe que os Estados‑Membros prevejam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas), C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 36].

66      Como resulta do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, os meios acima referidos incluem a possibilidade de as pessoas ou as organizações que tenham um interesse legítimo em proteger os consumidores recorrerem aos tribunais para que estes determinem se as cláusulas redigidas com vista a uma utilização generalizada têm caráter abusivo e, se necessário, obterem a sua proibição [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas), C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 37].

67      Todavia, uma vez que o litígio no processo principal não diz respeito a essas pessoas e organizações, não há que responder à segunda questão em relação ao artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 93/13.

68      Por último, de acordo com o décimo segundo considerando desta diretiva, esta apenas procede a uma harmonização parcial e mínima das legislações nacionais relativas às cláusulas abusivas, deixando aos Estados‑Membros a possibilidade de, no respeito pelo Tratado FUE, assegurarem um nível de proteção mais elevado do consumidor em questão através de disposições nacionais mais rigorosas do que as da referida diretiva. Além disso, ao abrigo do artigo 8.o da mesma diretiva, os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio por ela regido, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado desse consumidor [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas) C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 39 e jurisprudência referida].

69      Ora, no que respeita ao registo nacional das cláusulas ilícitas, o Tribunal de Justiça declarou que um mecanismo como esse registo, que consiste em estabelecer uma lista de cláusulas que devem ser consideradas abusivas, está abrangido pelas disposições mais rigorosas que os Estados‑Membros podem adotar ou manter ao abrigo do artigo 8.o da Diretiva 93/13 e que esse registo serve o interesse da proteção dos consumidores [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas) C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 40 e jurisprudência referida].

70      Uma vez que a criação desse registo não é exigida pela Diretiva 93/13, a escolha dos meios utilizados para alcançar os objetivos específicos deste registo e, assim, a determinação dos efeitos jurídicos que uma inscrição nesse registo de cláusulas declaradas abusivas é suscetível de produzir são da competência dos Estados‑Membros.

71      Desde que o registo nacional das cláusulas ilícitas seja gerido de forma transparente, não só no interesse dos consumidores mas também dos profissionais, e esteja atualizado, no respeito pelo princípio da segurança jurídica, a sua criação é compatível com o direito da União [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas) C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 43 e jurisprudência referida].

72      Além disso, a aplicação do mecanismo do registo de cláusulas ilícitas pressupõe que o órgão jurisdicional nacional competente aprecie a equivalência entre a cláusula contratual contestada e uma cláusula contratual geral declarada ilícita e que figura nesse registo, sendo que o profissional em questão pode contestar essa equivalência perante um órgão jurisdicional nacional, para determinar se, tendo em conta as circunstâncias relevantes próprias de cada caso concreto, essa cláusula contratual é materialmente idêntica à inscrita no referido registo, atendendo nomeadamente aos efeitos que produz [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas) C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 44 e jurisprudência referida]. Tal regime nacional não viola, portanto, os direitos de defesa do profissional em questão (v., por analogia, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Biuro podróży «Partner», C‑119/15, EU:C:2016:987, n.o 43).

73      Por outro lado, embora, em conformidade com o artigo 8.o da Diretiva 93/13, os Estados‑Membros continuem a ter a liberdade de prever, no seu direito interno, uma análise oficiosa mais ampla do que aquela que deve ser efetuada pelos seus órgãos jurisdicionais ao abrigo desta diretiva, ou até procedimentos simplificados de apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual, como o que está em causa no processo principal, regra geral, o juiz nacional continua todavia obrigado a informar as partes no litígio dessa apreciação e a convidá‑las a discutir a mesma num debate contraditório que assuma a forma prevista para o efeito pelas regras processuais nacionais [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas) C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 45].

74      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o direito polaco pode ser interpretado no sentido de que a inscrição de uma cláusula contratual no registo nacional das cláusulas ilícitas tem por efeito que essa cláusula deve ser considerada abusiva em qualquer processo que envolva um consumidor, incluindo em relação a um profissional diferente daquele contra o qual foi iniciado o processo de inscrição da referida cláusula nesse registo nacional e quando a cláusula em questão não tenha uma redação idêntica à da cláusula que foi registada, mas tenha o mesmo alcance e produza os mesmos efeitos para o consumidor em questão.

75      A este respeito, há que recordar que a declaração do caráter abusivo de uma cláusula contratual controvertida com base numa comparação do seu conteúdo com o de uma cláusula inscrita no registo nacional das cláusulas ilícitas pode rapidamente contribuir para que as cláusulas abusivas que são utilizadas num grande número de contratos deixem de produzir efeitos em relação aos consumidores que são partes nesses contratos [Acórdão de 21 de setembro de 2023, mBank (Registo polaco das cláusulas ilícitas) C‑139/22, EU:C:2023:692, n.o 41].

76      Por outro lado, num processo relativo a um procedimento administrativo instaurado contra um profissional, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o da Diretiva 93/13, lidos em conjugação com os artigos 1.o e 2.o da Diretiva 2009/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores (JO 2009, L 110, p. 30), bem como à luz do artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que se considere que constitui um comportamento ilícito a utilização de cláusulas de condições gerais, cujo conteúdo é equivalente ao de cláusulas declaradas ilícitas por uma decisão judicial transitada em julgado e inscritas num registo nacional das cláusulas de condições gerais declaradas ilícitas, relativamente a um profissional que não foi parte no processo que conduziu à inscrição dessas cláusulas no referido registo (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Biuro podróży «Partner», C‑119/15, EU:C:2016:987, n.o 47).

77      Sucede o mesmo, a fortiori, num litígio entre profissionais e um consumidor, como o que está em causa no processo principal, em cujo âmbito os termos de uma cláusula contratual eventualmente abusiva devem ser executados.

78      À luz de todas as considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o da Diretiva 93/13, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual a inscrição de uma cláusula de um contrato no registo nacional das cláusulas ilícitas tem por efeito que essa cláusula seja considerada abusiva em qualquer processo que envolva um consumidor, incluindo em relação a um profissional diferente daquele contra o qual foi iniciado o processo de inscrição da referida cláusula nesse registo nacional e quando essa mesma cláusula não apresente uma redação idêntica à da cláusula registada, mas tenha o mesmo alcance e produza os mesmos efeitos para o consumidor em questão.

 Quanto às despesas

79      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma legislação nacional que prevê que um órgão jurisdicional nacional não pode proceder oficiosamente a uma análise do caráter eventualmente abusivo das cláusulas constantes de um contrato e daí retirar as consequências, quando fiscaliza um processo de execução que assenta numa decisão que decreta uma injunção de pagamento definitiva revestida da autoridade de caso julgado:

–        se essa legislação não previr essa análise na fase da emissão da injunção de pagamento, ou

–        quando essa análise só esteja prevista na fase da oposição deduzida contra a injunção de pagamento em questão, se existir um risco não negligenciável de o consumidor em causa não deduzir a oposição exigida porque devido ao prazo particularmente curto previsto para o efeito, porque à luz das custas que uma ação judicial implica em relação ao montante da dívida contestada ou porque a legislação nacional não prevê a obrigação de comunicar a este consumidor todas as informações necessárias para lhe permitir determinar o âmbito dos seus direitos.

2)      O artigo 3.o, n.o 1, o artigo 6.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 8.o da Diretiva 93/13,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma jurisprudência nacional segundo a qual a inscrição de uma cláusula de um contrato no registo nacional das cláusulas ilícitas tem por efeito que essa cláusula seja considerada abusiva em qualquer processo que envolva um consumidor, incluindo em relação a um profissional diferente daquele contra o qual foi iniciado o processo de inscrição da referida cláusula nesse registo nacional e quando essa mesma cláusula não apresente uma redação idêntica à da cláusula registada, mas tenha o mesmo alcance e produza os mesmos efeitos para o consumidor em questão.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.