Language of document : ECLI:EU:C:2024:56

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Agricultura — Política Agrícola Comum (PAC) — Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) — Medidas de apoio ao desenvolvimento rural — Regulamento (CE) n.o 1974/2006 — Contrato de arrendamento ou de exploração — Contrato de arrendamento celebrado entre uma autoridade local e o beneficiário de um apoio — Vínculo de cinco anos — Rescisão do contrato na sequência de uma alteração legislativa — Obrigação de restituir uma parte ou a totalidade do apoio recebido — Impossibilidade de adaptar os compromissos a uma nova situação de exploração — Conceitos de “força maior” e de “circunstâncias excecionais” — Conceito de “expropriação da exploração”»

No processo C‑656/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por Decisão de 28 de setembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de outubro de 2022, no processo

Askos Properties EOOD

contra

Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie»

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: M. Safjan, exercendo funções de presidente de secção, N. Jääskinen e M. Gavalec (relator), juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie», por Y. Kancheva,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Koleva e A. Sauka, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 352/78 (CE) n.o 165/94 (CE) n.o 2799/98 (CE) n.o 814/2000 (CE) n.o 1290/2005 e (CE) n.o 485/2008 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 549), assim como do artigo 47.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 487).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Askos Properties EOOD, uma sociedade de direito búlgaro, ao Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie» (Diretor Executivo Adjunto do Fundo Nacional Agrícola, Bulgária), relativo a uma decisão que condena esta sociedade a restituir 50 % do montante de uma subvenção que recebeu ao abrigo da Medida 211 do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007–2013.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (CE) n.o 1698/2005

3        O Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2005, L 277, p. 1), foi revogado pelo Regulamento n.o 1305/2013. No entanto, por força do artigo 88.o do Regulamento n.o 1305/2013, o Regulamento n.o 1698/2005 continua a aplicar‑se às operações executadas no âmbito de programas aprovados pela Comissão Europeia ao abrigo deste regulamento antes de 1 de janeiro de 2014.

4        O artigo 36.o do Regulamento n.o 1698/2005, sob a epígrafe «Medidas», dispunha:

«O apoio ao abrigo da presente secção incide nas:

a)      Medidas destinadas à utilização sustentável das terras agrícolas através de:

i)      pagamentos aos agricultores para compensação de desvantagens naturais em zonas de montanha;

ii)      pagamentos aos agricultores para compensação de desvantagens noutras zonas que não as zonas de montanha;

[…]

[…]»

5        O artigo 37.o deste regulamento, sob a epígrafe, «Pagamentos para compensação de desvantagens naturais em zonas de montanha e pagamentos para compensação de desvantagens noutras zonas», previa:

«1.      Os pagamentos previstos nas subalíneas i) e ii) da alínea a) do artigo 36.o são concedidos anualmente por hectare de superfície agrícola utilizada (a seguir designada «SAU»), na aceção da Decisão 2000/115/CE da Comissão, de 24 de Novembro de 1999, relativa às definições das características, à lista dos produtos agrícolas, às exceções às definições e às regiões e circunscrições, tendo em vista os inquéritos sobre a estrutura das explorações agrícolas [(JO 2000, L 38, p. 1)].

Os pagamentos destinam‑se a compensar os custos adicionais e a perda de rendimentos dos agricultores resultantes das desvantagens para a produção agrícola na zona em questão.

2.      São concedidos pagamentos aos agricultores que se comprometam a prosseguir a sua atividade agrícola em zonas designadas nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 50.o durante um período mínimo de cinco anos a contar da data do primeiro pagamento.

[…]»

 Regulamento n.o 1974/2006

6        O Regulamento (CE) n.o 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2006, L 368, p. 15), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 434/2007 da Comissão, de 20 de abril de 2007 (JO 2007, L 104, p. 8) (a seguir «Regulamento n.o 1974/2006»), foi revogado pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 807/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que complementa o Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e que estabelece disposições transitórias (JO 2014, L 227, p. 1). No entanto, por força do artigo 19.o do Regulamento Delegado n.o 807/2014, o Regulamento n.o 1974/2006 mantém‑se em vigor para as operações executadas de acordo com os programas aprovados pela Comissão ao abrigo do Regulamento n.o 1698/2005 antes de 1 de janeiro de 2014.

7        O considerando 37 do Regulamento n.o 1974/2006 enunciava:

«Devem ser estabelecidas regras comuns para várias medidas, nomeadamente no que se refere à execução de operações integradas, investimentos, cedência de explorações durante o período relativamente ao qual tiver sido assumido um compromisso como condição para a concessão do apoio, aumento da superfície da exploração e definição de diferentes categorias de casos de força maior ou de circunstâncias excecionais.»

8        Este regulamento continha um capítulo III, intitulado «Medidas de desenvolvimento rural», cuja secção 2, intitulada «Disposições comuns a várias medidas», abrangia os artigos 42.o a 47.o

9        Nos termos do artigo 45.o, n.o 4, do regulamento:

«Sempre que o beneficiário não puder continuar a cumprir os compromissos assumidos devido ao facto de a sua exploração ser objeto de um emparcelamento ou de intervenções públicas de ordenamento fundiário decididas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração. Se essa adaptação se revelar impossível, o compromisso cessa sem ser exigido reembolso relativamente ao período em que o compromisso tiver sido efetivo.»

10      O artigo 47.o do Regulamento n.o 1974/2006 tinha a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros podem reconhecer, nomeadamente, as seguintes categorias de força maior ou de circunstâncias excecionais e, em consequência, não exigir o reembolso de uma parte ou da totalidade da ajuda recebida pelo beneficiário:

a)      Morte do beneficiário;

b)      Incapacidade profissional de longa duração do beneficiário;

c)      Expropriação de uma parte importante da exploração agrícola, se essa expropriação não era previsível na data em que o compromisso foi assumido;

d)      Catástrofe natural grave que afete de modo significativo as terras da exploração;

e)      Destruição acidental das instalações da exploração destinadas aos animais;

f)      Epizootia que afete a totalidade ou parte dos efetivos do agricultor.

2.      Os casos de força maior ou de circunstâncias excecionais e as respetivas provas, que devem constituir prova suficiente perante a autoridade competente, serão comunicados por escrito pelo beneficiário ou pelo seu mandatário a essa autoridade no prazo de dez dias úteis a contar da data em que o beneficiário ou o mandatário estiver em condições de o fazer».

 Regulamento n.o 1305/2013

11      O considerando 36 do Regulamento n.o 1305/2013 dispõe:

«Determinadas medidas, relacionadas com a superfície, no âmbito do presente regulamento exigem que os beneficiários assumam compromissos durante, pelo menos, cinco anos. Durante esse período, podem ocorrer alterações em relação à situação da exploração ou do beneficiário. Por conseguinte, importa estabelecer regras para determinar o procedimento a seguir nesses casos.»

12      O artigo 47.o deste regulamento, sob a epígrafe «Regras relativas aos pagamentos por superfície», prevê, nos seus n.os 3 e 4:

«3.      Quando o beneficiário não puder continuar a cumprir os compromissos assumidos pelo facto de a sua exploração ou parte da mesma ser objeto de emparcelamento ou de intervenções de ordenamento fundiário públicas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes, os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para adaptar os compromissos à nova situação da exploração. Se essa adaptação se revelar impossível, o compromisso cessa, não sendo exigido o reembolso relativamente ao período em que o compromisso era aplicável.

4.      O reembolso da ajuda recebida não é exigido em casos de força maior e nas circunstâncias excecionais referidas no artigo 2.o do Regulamento (UE) n.o 1306/2013.»

 Regulamento n.o 1306/2013

13      O considerando 5 do Regulamento n.o 1306/2013 enuncia:

«A fim de assegurar coerência entre as práticas dos Estados‑Membros e a aplicação harmonizada da cláusula de força maior pelos Estados‑Membros, o presente regulamento deverá prever isenções em casos de força maior e circunstâncias excecionais, bem como uma lista não exaustiva de possíveis casos de força maior e circunstâncias excecionais a reconhecer pelas autoridades nacionais competentes. Essas autoridades deverão tomar decisões sobre a força maior ou as circunstâncias excecionais numa base de caso a caso, com base em provas pertinentes e mediante a aplicação do conceito de força maior à luz do direito agrícola da União, nomeadamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça.»

14      O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Termos utilizados no presente regulamento», dispõe, no seu n.o 2:

«Para efeitos do financiamento, da gestão e do acompanhamento da [Política Agrícola Comum (PAC)], os “casos de força maior” e as “circunstâncias excecionais” podem ser reconhecidos, nomeadamente, em caso de:

a)      Morte do beneficiário;

b)      Incapacidade profissional de longa duração do beneficiário;

c)      Catástrofe natural grave que afete de modo significativo a exploração;

d)      Destruição acidental das instalações da exploração destinadas aos animais;

e)      Epizootias ou doenças das plantas que afetem parte ou a totalidade do gado ou das colheitas do beneficiário, respetivamente;

f)      Expropriação de toda a exploração, ou uma parte importante da mesma, no caso de a expropriação não ser previsível no dia da apresentação do pedido.»

15      Nos termos do artigo 121.o do Regulamento n.o1306/2013:

«1. O presente regulamento entra em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

O presente regulamento é aplicável com efeitos desde 1 de janeiro de 2014.

2.      Todavia, as disposições a seguir indicadas são aplicáveis nos termos seguintes:

a)      Artigos 7.o, 8.o, 16.o, 25.o, 26.o e 43.o, desde 16 de outubro de 2013;

b)      Artigos 18.o e 40.o, no que diz respeito às despesas efetuadas, desde 16 de outubro de 2013;

c)      Artigo 52.o, a partir de 1 de janeiro de 2015.»

 Direito búlgaro

 ZSPZZ

16      O artigo 37.o‑i da zakon za sobstvenostta i polzvaneto na zemedelskite zemi (Lei Relativa à Propriedade e à Exploração de Terras Agrícolas) (DV n.o 17, de 1 de março de 1991, a seguir «ZSPZZ») tem a seguinte redação:

«(1)      Os prados, as áreas verdes e as pastagens que integram a estrutura fundiária estatal e municipal são arrendados ou dados à exploração, em conformidade com o artigo 24.o‑a, n.o 2, aos proprietários ou utilizadores de explorações pecuárias que possuam animais de pastoreio registados no sistema integrado de informação da Balgarska agentsia po bezopasnost na hranite [Agência Búlgara para a Segurança Alimentar], em função do número e do tipo de animais registados, a um determinado preço mediante um mecanismo de mercado. Os prados, as áreas verdes e as pastagens que integram a estrutura fundiária estatal e municipal são arrendados ou dados à exploração a pessoas que não tenham dívidas fiscais, dívidas ao Fundo Nacional Agrícola, ao fundo de propriedade do Estado nem ao fundo de propriedade municipal, nem obrigações relativas a terrenos na aceção do artigo 37.o‑c, n.o 3, ponto 2.

[…]

(4)      Os prados, as áreas verdes e as pastagens são repartidos entre os beneficiários que tenham explorações registadas na respetiva zona fundiária, em função do número e do tipo de animais de pastoreio registados, consoante os prados, as áreas verdes e as pastagens estejam em situação de posse ou de utilização legal, mas até ao limite de 15 [mil metros quadrados] por cabeça de gado nas propriedades da primeira à sétima categorias e/ou de 30 [mil metros quadrados] por cabeça de gado nas propriedades da oitava à décima categorias. As pessoas elegíveis que criem bovinos de carne e animais de raças autóctones recebem até 20 [mil metros quadrados] por animal nas propriedades da primeira à sétima categorias e até 40 [mil metros quadrados] por animal nas propriedades das oitava à décima categorias. Aos beneficiários que criem bovinos de leite ou de carne, ovinos e/ou caprinos elegíveis para apoio no âmbito das submedidas “Pagamentos para a conversão em agricultura biológica” e “Pagamentos para a manutenção da agricultura biológica” englobados na componente “pecuária biológica” são atribuídos terrenos até 0,15 cabeças de gado por hectare, independentemente da categoria do prédio rústico».

 Lei que altera a ZSPZZ

17      O n.o 15 das disposições transitórias e finais da Lei que altera a ZSPZZ dispõe:

«(1)      Os beneficiários que tenham celebrado, antes de 24 de fevereiro de 2015, contratos de arrendamento ou de exploração de prado, áreas verdes e pastagens que integram a estrutura fundiária estatal e municipal são obrigados a adaptar os contratos às exigências previstas no artigo 37.o, n.os 1 e 4, antes de 1 de fevereiro de 2016.

(2)      Os beneficiários elegíveis no âmbito da componente referida no artigo 3.o, n.o 3, do Decreto n.o 4, de 24 de fevereiro de 2015, relativo à execução da medida 11 “Agricultura biológica” do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2014‑2020 […] que tenham celebrado, antes de 24 de fevereiro de 2015, contratos de arrendamento ou de exploração de prados, áreas verdes e pastagens que integram a estrutura fundiária estatal e municipal e cujos animais de pastoreio e pastagens sejam elegíveis para o apoio, devem, antes de 1 de fevereiro de 2016, adaptar os respetivos contratos às exigências previstas no artigo 37.o, n.o 1, respeitando a relação de, pelo menos, 0,15 animais por hectare, independentemente da categoria.

(3)      Os contratos de arrendamento ou de exploração de prados, áreas verdes e pastagens que integram a estrutura fundiária estatal e municipal, que não sejam adaptados no prazo previsto nos n.os 1 ou 2, são objeto de rescisão pelo presidente da câmara ou pelo diretor da Direção Regional “Agricultura”».

 Decreto n.o 11/2008

18      O naredba n.o 11 za usloviata i reda za prilagane na myarka 211 «Plashtania na zemedelski stopani za prirodni ogranichenia v planinskite rayoni» i myarka 212 «Plashtania na zemedelski stopani v rayoni s ogranichenia, razlichni ot planinskite rayoni» ot Programata za razvitie na selskite rayoni za perioda 2007–2013 (Decreto n.o 11 relativo às Condições e às Modalidades de Execução da Medida 211 «Pagamentos a Agricultores em Zonas de Montanha sujeitas a Condicionantes Naturais» e da Medida 212 «Pagamentos a Agricultores em Zonas que não as de Montanha Desfavorecidas» ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013), de 3 de abril de 2008 (DV n.o 40, de 18 de abril de 2008, a seguir «Decreto n.o 11/2008»), adotado pelo Ministro da Agricultura e da Alimentação, prevê no seu artigo 1.o, n.o 1:

«O presente decreto regula as condições e as modalidades de execução das seguintes medidas do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013, financiado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural:

1.      “Pagamentos aos agricultores para compensação de desvantagens naturais em zonas de montanha”;

2.      “Pagamentos para compensação de desvantagens naturais noutras zonas”»

19      Nos termos do artigo 2.o deste decreto, os agricultores que tenham apresentado um pedido de apoio para uma das medidas referidas no seu artigo 1.o, n.o 1, exercem uma atividade agrícola nas zonas de montanha ou noutras zonas que apresentam desvantagens, durante toda a vigência do apoio.

20      O artigo 4.o do referido decreto enuncia, no seu n.o 1:

«[…] Os requerentes de apoio ao abrigo do presente decreto devem:

[…]

3.      apresentar anualmente, após a concessão do primeiro subsídio, um pedido de apoio, no qual devem declarar os terrenos sitos na zona desfavorecida em causa;

[…]»

21      Nos termos do artigo 14.o do Decreto n.o 11/2008:

«(1)      Os agricultores que não apresentem um pedido de apoio financeiro durante o período de vinculação de cinco anos estão impedidos de beneficiar do apoio ao abrigo do presente decreto e são obrigados a restituir os montantes recebidos a título de subsídios para as zonas que apresentam desvantagens até então, ou parte dos montantes, em função do ano em que tenham deixado de beneficiar das medidas, do seguinte modo:

1.      após o primeiro ano, a 100 %;

2.      após o segundo ano, a 75 %;

3.      após o terceiro ano, a 50 %;

4.      após o quarto ano, a 25 %.

[…]

(3)      Os montantes referidos no n.o 1 são restituídos, acrescido dos juros legais a contar da notificação ao agricultor da obrigação de restituir o montante até à data do reembolso efetivo ou da dedução efetiva do montante».

22      O artigo 15.o deste decreto tem a seguinte redação:

«(1)      Em casos de força maior ou de circunstâncias excecionais, o artigo 14.o não é aplicável, o vínculo é extinto e não é exigida a restituição parcial nem total do apoio recebido pelo agricultor.

(2)      Os casos de força maior ou de circunstâncias excecionais, bem como as provas relevantes (documentos emitidos pela autoridade administrativa competente) devem ser notificados por escrito ao Fundo Nacional Agrícola — Organismo pagador pelo agricultor, por qualquer outra pessoa por ele mandatada ou pelos seus herdeiros, no prazo de 10 dias úteis a contar da data em que o agricultor, o seu mandatário ou os seus herdeiros estão em condições de o fazer».

23      Nos termos das disposições complementares, na aceção do referido decreto, entende‑se por «força maior» ou «circunstâncias excecionais»:

«a)      Morte do beneficiário;

b)      Incapacidade profissional de longa duração do beneficiário;

c)      Expropriação de uma parte importante da exploração agrícola, se essa expropriação não era previsível na data em que o compromisso foi assumido;

d)      Catástrofe natural grave que afete de modo significativo as terras da exploração;

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

24      Entre 2013 e 2015, a Askos Properties apresentou vários pedidos de apoio financeiro ao Fundo Nacional Agrícola ao abrigo da Medida 211 do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013.

25      Neste contexto, comprometeu‑se a manter os terrenos agrícolas municipais, arrendados em 2012 através de contratos de arrendamento celebrados por cinco anos com dois municípios búlgaros, em boas condições agrícolas e ambientais, assim como a exercer uma atividade agrícola na zona desfavorecida em causa durante um período de, pelo menos, cinco anos consecutivos.

26      A Askos Properties não recebeu subvenções relativas a 2013. Os montantes que lhe foram atribuídos para 2014 e 2015 foram, respetivamente, de 15 866 leus búlgaros (a seguir «BGN») (cerca de 8 112 euros) e de 21 796 BGN (cerca de 11 144 euros).

27      Em 2015, foi adotada uma alteração ao artigo 37.o‑i, n.os 1 e 4, da ZSPZZ, para que os prados, as áreas verdes e as pastagens que integram a estrutura fundiária estatal ou municipal fossem arrendados ou distribuídos exclusivamente aos proprietários ou utilizadores de explorações com animais herbívoros, em função do número e do tipo de animais registados.

28      Foi concedido um prazo até 1 de fevereiro de 2016 aos utilizadores de terrenos que tivessem celebrado, antes de 24 de fevereiro de 2015, um contrato de arrendamento para os prados, as áreas verdes e as pastagens integrantes da estrutura fundiária estatal ou municipal para adaptarem o contrato em causa às novas exigências em vigor previstas na referida alteração.

29      Uma vez que a Askos Properties não cumpriu estas exigências, os dois municípios em causa rescindiram, em 2016, os contratos de arrendamento de terrenos agrícolas celebrados com esta sociedade.

30      Em 23 de janeiro de 2020, o Diretor Executivo Adjunto do Fundo Nacional Agrícola emitiu uma declaração que atestava a existência de uma dívida da Askos Properties ao Estado, no montante de 18 831 BGN (cerca de 9 628 euros), correspondente a 50 % do montante total que lhe tinha sido pago a título da Medida 211 para as campanhas de desenvolvimento rural de 2013 a 2015.

31      Tendo o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da Cidade de Sófia, Bulgária) negado provimento ao recurso desta decisão, a Askos Properties interpôs recurso de cassação da sentença em causa para o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

32      No seu recurso, a Askos Properties alega que a rescisão dos contratos de arrendamento pelos municípios em causa consubstancia um caso de «força maior» e/ou uma «circunstância excecional», na aceção do artigo 15.o do Decreto n.o 11/2008, pelo que não está obrigada a restituir a subvenção recebida.

33      O órgão jurisdicional de reenvio pretende, por um lado, saber se as rescisões dos contratos de arrendamento, ocorridas na sequência de uma alteração da legislação nacional, que o beneficiário não podia prever na data em que assumiu o compromisso, são suscetíveis de ser qualificadas de «força maior» ou de «circunstâncias excecionais», ou mesmo de «expropriação», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1306/2013.

34      Por outro lado, questiona se estas rescisões dos contratos de arrendamento estão abrangidas pelo disposto no artigo 47.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1305/2013.

35      Nestas circunstâncias, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Como deve ser interpretado o artigo 2.o, n.o 2, alínea f), do Regulamento [n.o 1306/2013], nos termos do qual, para efeitos do financiamento, da gestão e do acompanhamento da PAC, pode ser reconhecido como caso de “força maior” e de “circunstâncias excecionais”, nomeadamente, a expropriação de toda a exploração, ou de uma parte importante da mesma, no caso de a expropriação não ser previsível no dia da apresentação do pedido? Em especial, a rescisão de um contrato celebrado entre uma autoridade local e um beneficiário para a utilização de terrenos agrícolas municipais (prados, áreas verdes e pastagens) ao abrigo da medida 211 “Pagamentos a agricultores em zonas de montanha sujeitas a condicionantes naturais”, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013, quando essa rescisão foi efetuada para implementar uma alteração da legislação búlgara que o beneficiário não poderia ter previsto no dia da apresentação do pedido, constitui um caso de força maior ou circunstâncias excecionais ou ainda a expropriação de toda a exploração ou de uma parte importante desta?

2.      Verifica‑se a situação prevista no artigo 47.o, n.o 3, do Regulamento [n.o 1305/2013] quando um contrato de arrendamento relativo a terrenos municipais arrendados pelo beneficiário ao abrigo da medida 21[1] “Pagamentos a agricultores em zonas de montanha sujeitas a condicionantes naturais” é rescindido, se essa rescisão tiver ocorrido na sequência de uma alteração da legislação nacional, de acordo com a qual a [ZSPZZ] foi alterada e complementada no sentido de passarem a constituir novos requisitos para o arrendamento de terrenos municipais nos termos do artigo [37.o‑i], n.o 4, da [ZSPZZ] a propriedade de uma exploração pecuária e a declaração de um determinado número de animais de criação à Autoridade Búlgara de Segurança Alimentar por parte do agricultor, sendo que esta alteração não poderia ter sido prevista pelo beneficiário nem pela autoridade administrativa no dia da apresentação do pedido?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

36      Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 7 de setembro de 2023, Groenland Poultry, C‑169/22, EU:C:2023:638, n.o 47 e jurisprudência referida).

37      Resulta do pedido de decisão prejudicial que a aplicação do Decreto n.o 11/2008 ao litígio pendente no órgão jurisdicional de reenvio não é contestada. Importa recordar que, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, este decreto regula as condições e as modalidades de execução, designadamente, da Medida 211 do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013, financiado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (a seguir «FEADER»).

38      Ora, por força do artigo 88.o do Regulamento n.o 1305/2013, que revogou o Regulamento n.o 1698/2005, este último regulamento continua a aplicar‑se às operações executadas em aplicação dos programas aprovados pela Comissão nos termos do referido regulamento antes de 1 de janeiro de 2014. No mesmo sentido, em conformidade com o artigo 19.o do Regulamento Delegado n.o 807/2014, que revogou o Regulamento n.o 1974/2006, este último regulamento mantém‑se em vigor para as operações executadas de acordo com os programas aprovados pela Comissão ao abrigo do Regulamento n.o 1698/2005 antes de 1 de janeiro de 2014.

39      Dado que a Medida 211 do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013 constitui uma operação daquele tipo e que o processo principal diz respeito a obrigações de manutenção de terrenos agrícolas e de exercício de uma atividade agrícola numa zona desfavorecida durante, pelo menos, cinco anos consecutivos, as circunstâncias relacionadas com o incumprimento destas obrigações devem ser apreciadas à luz das disposições do Regulamento n.o 1698/2005 e do Regulamento n.o 1974/2006 (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Järvelaev, C‑580/17, EU:C:2019:391, n.os 37, 38 e 42).

40      Importa acrescentar que, quando a recuperação das quantias indevidamente pagas no âmbito de um programa de apoio, aprovado e cofinanciado pelo FEADER a título do período de programação 2007‑2013, ocorre após o fim do período de programação, a saber, após 1 de janeiro de 2014, a recuperação deve basear‑se nas disposições do Regulamento n.o 1306/2013 (v., a este respeito, Acórdão de 8 de maio de 2019, Järvelaev, C‑580/17, EU:C:2019:391, n.o 42). Contudo, o pedido de decisão prejudicial não diz respeito às modalidades de recuperação dos montantes atribuídos à Askos Properties nas campanhas de 2014 e 2015.

41      Neste contexto, há que considerar que as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça no presente processo dizem respeito às disposições do Regulamento n.o 1974/2006.

 Quanto à primeira questão

42      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que a rescisão, por uma autoridade local, de um contrato de arrendamento ou de exploração de um terreno agrícola celebrado por cinco anos com o beneficiário de um apoio agrícola, que foi concedido no âmbito de programas de desenvolvimento rural de um Estado‑Membro para os quais o FEADER contribuiu, ocorrida na sequência de uma alteração da legislação nacional que introduz novas exigências que condicionam a manutenção deste tipo de contratos, está abrangida pelo conceito de «força maior» ou de «circunstâncias excecionais», na aceção deste artigo 47.o, n.o 1, e, nomeadamente, se constitui um caso de «expropriação da exploração», na aceção deste artigo 47.o, n.o 1, alínea c).

43      O artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 dispõe que os Estados‑Membros podem reconhecer, nomeadamente, as categorias que figuram neste n.o 1, alíneas a) a f), como casos de força maior ou de circunstâncias excecionais, em relação às quais não é exigido o reembolso de uma parte ou da totalidade da ajuda recebida pelo beneficiário.

44      Esta disposição consagra uma exceção facultativa ao princípio do reembolso do apoio pelo beneficiário em caso de incumprimento do compromisso assumido por este como condição para a concessão do apoio durante a vigência do compromisso.

45      No caso em apreço, as informações que figuram na decisão de reenvio não permitem clarificar se, em conformidade com o disposto no artigo 15.o, n.o 1, do Decreto n.o 11/2008, a exceção prevista no artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 é aplicada, no direito búlgaro, de modo que abranja todos os casos de força maior ou de circunstâncias excecionais, na aceção deste artigo 47.o, n.o 1, ou se o alcance desta exceção está limitado apenas aos casos previstos nas disposições complementares deste decreto, entre os quais figura o conceito de «expropriação da exploração».

46      De qualquer modo, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que responder à questão tanto à luz do conceito de «força maior» ou do conceito de «circunstâncias excecionais», na aceção do artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006, como da categoria específica de «expropriação da exploração», que figura na alínea c) desta disposição, tendo presente que caberá a este órgão jurisdicional verificar o alcance concreto da aplicação do referido artigo 47.o, n.o 1, no contexto do seu direito nacional.

47      No que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se a rescisão dos contratos de arrendamento em causa no processo principal pode constituir um «caso de força maior» ou uma «circunstância excecional», na aceção do artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006, importa recordar que, no contexto do FEADER, o Tribunal de Justiça já declarou que constitui um caso de força maior qualquer acontecimento devido a circunstâncias alheias ao operador, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não poderiam ter sido evitadas, apesar de todos os esforços desenvolvidos por este último (Acórdãos de 17 de dezembro de 2015, Szemerey, C‑330/14, EU:C:2015:826, n.o 58; de 16 de fevereiro de 2023, Zamestnik Izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie», C‑343/21, EU:C:2023:111, n.o 58, e de 7 de setembro de 2023, Groenland Poultry, C‑169/22, EU:C:2023:638, n.o 39).

48      Decorre do considerando 37 e do artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 que a lista referida nesta última disposição não é exaustiva e que o conceito de «força maior» ou de «circunstâncias excecionais», na aceção da referida disposição, é, como tal, suscetível de abranger os casos que não figuram nesta lista. Assim, no âmbito do litígio no processo principal, os comportamentos das autoridades públicas podem também constituir um caso de «força maior» ou de «circunstâncias excecionais» (v., neste sentido, Acórdão de 7 de dezembro de 1993, Huygen e o., C‑12/92, EU:C:1993:914, n.o 31).

49      Importa salientar que, se a referida lista contiver apenas factos objetivos, o interessado que invoca a existência de um caso de «força maior» ou de «circunstâncias excecionais» deve também estar em condições de demonstrar que se precaveu contra as consequências de um acontecimento anormal, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 47 do presente acórdão, adotando medidas adequadas sem se sujeitar a sacrifícios excessivos (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2019, RF/Comissão, C‑660/17 P, EU:C:2019:509, n.o 37 e jurisprudência referida).

50      Daqui resulta que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, por um lado, se a alteração da legislação nacional que introduz novas exigências no artigo 37.o‑i da ZSPZZ, cujo cumprimento é uma condição para a manutenção dos contratos de arrendamento como os que estão em causa no processo principal, bem como a rescisão, pelos dois municípios em causa, dos contratos de arrendamento celebrados com a Askos Properties constituem, na perspetiva desta última, acontecimentos alheios, anormais e imprevisíveis, e, por outro, se a Askos Properties adotou todas as medidas que lhe era possível adotar, sem se se sujeitar a sacrifícios excessivos, para adaptar estes contratos às referidas novas exigências.

51      Neste contexto, há que apreciar, designadamente, se o prazo previsto para a adaptação às novas exigências introduzidas pela alteração ao artigo 37.o‑i da ZSPZZ foi suficientemente longo. Importa também analisar se, para cumprir estas novas exigências, a Askos Properties tinha efetivamente a possibilidade de adquirir uma exploração pecuária e de registar o número de animais exigido junto das autoridades competentes. O mesmo se aplica à questão de saber se, para cumprir o seu compromisso, a Askos Properties tinha a possibilidade de utilizar terrenos diferentes dos terrenos colocados à sua disposição pelos municípios em causa no processo principal e se pôde dispor de terrenos elegíveis para a Medida 211 do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007‑2013 por intermédio de pessoas singulares e de pessoas coletivas de direito privado.

52      No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se a rescisão de um contrato como os que estão em causa no processo principal pode ser abrangida pelo conceito de «expropriação da exploração», na aceção do artigo 47.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1974/2006, há que salientar que este conceito não está definido neste regulamento, nem indiretamente, por remissão para os direitos nacionais dos Estados‑Membros. Por conseguinte, deve ser considerado um conceito autónomo do direito da União, que deve ser interpretado de modo uniforme no seu território, tendo em conta não só os termos da referida disposição mas também o contexto em que se insere e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro), C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 42 e jurisprudência referida].

53      No que se refere, primeiro, aos termos deste artigo 47.o, n.o 1, alínea c), estes limitam‑se a indicar que a «expropriação de uma parte importante da exploração», quando esta «não era previsível na data em que o compromisso foi assumido», é, nomeadamente, suscetível de ser reconhecida pelos Estados‑Membros como uma categoria de casos de força maior ou de circunstâncias excecionais em relação aos quais não é exigido o reembolso de uma parte ou da totalidade dos apoios recebidos pelo beneficiário. A redação deste artigo 47.o, n.o 1, alínea c), não fornece, como tal, nenhum elemento útil para definir o conceito de «expropriação da exploração», na aceção deste artigo.

54      Segundo, quanto ao contexto em que se insere o artigo 47.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1974/2006, cumpre realçar, antes de mais, que nenhuma disposição deste regulamento define o conceito de «expropriação da exploração», na aceção do mesmo. Em seguida, a especificação de que a «expropriação de uma parte importante da exploração» não deve ser «previsível na data em que o compromisso foi assumido» permite determinar os casos em que não existe reembolso do apoio e não esclarecer o sentido deste conceito. Por último, as restantes categorias que figuram no artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 não contêm elementos que permitam definir o conceito.

55      Terceiro, quanto ao objetivo prosseguido por este regulamento, são estabelecidas, como resulta do seu título, as normas de execução do Regulamento n.o 1698/2005 relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo FEADER. Ora, nos termos do artigo 37.o deste último regulamento, os pagamentos para compensação de desvantagens naturais em zonas de montanha e os pagamentos para compensação de vantagens noutras zonas são, em princípio, concedidos aos agricultores que se comprometam a prosseguir a sua atividade agrícola nas zonas em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data do primeiro pagamento. Assim, a concretização deste objetivo pressupõe que os agricultores que celebraram contratos de arrendamento por um período de, pelo menos, cinco anos para disporem dos terrenos que se encontram nestas zonas para exercerem a sua atividade agrícola e receberem os seus frutos possam utilizar os terrenos durante este período.

56      A este título, é possível retirar da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «expropriação», na aceção do artigo 47.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1974/2006, abrange as medidas privativas de propriedade e as medidas equiparáveis a estas (v., por analogia, Acórdão de 12 de dezembro de 1990, van der Laan‑Velzeboer, C‑285/89, EU:C:1990:460, n.os 14 e 15).

57      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que constitui uma privação de propriedade, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), a extinção, de maneira forçada, integral e definitiva, de um direito de usufruto, visto que este direito constitui um desmembramento do direito de propriedade, ao conferir ao seu titular dois atributos essenciais deste último direito, a saber, o direito de utilizar o bem em causa e o direito de receber os seus frutos [v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas), C‑235/17, EU:C:2019:432, n.os 81 e 82].

58      Assim, quando uma regulamentação nacional, pelo seu conteúdo ou devido à sua aplicação por uma autoridade nacional, extingue de maneira forçada, integral e definitiva os direitos de um agricultor de utilizar os terrenos em causa e de receber os seus frutos, que celebrou um contrato de arrendamento para dispor dos terrenos durante o período plurianual exigido para ser elegível para um financiamento pelo FEADER, há que considerar que tal regulamentação estabelece uma privação do direito de propriedade, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Carta, e constitui, por este motivo, uma «expropriação da exploração», na aceção do artigo 47.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1974/2006.

59      Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o n.o 15 das disposições transitórias e finais da Lei que altera a ZSPZZ só impõe a rescisão dos contratos de arrendamento ou de exploração se estes não tiverem sido adaptados às novas exigências previstas no artigo 37.o‑i da ZSPZZ no prazo fixado para o efeito. Sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, a rescisão de um contrato de arrendamento com base nesta lei não implica, como tal, a extinção, de maneira forçada, integral e definitiva, dos direitos de que goza o locatário ao abrigo do contrato.

60      No entanto, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para verificar se existe uma privação de propriedade, na aceção do artigo 17.o, n.o 1, da Carta, é necessário não só examinar se houve uma expropriação formal mas também averiguar se a situação controvertida equivale a uma expropriação de facto (v., neste sentido, Acórdão de 5 de maio de 2022, BPC Lux 2 e o., C‑83/20, EU:C:2022:346, n.o 44).

61      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que não fornece indicações quanto à questão de saber se a Askos Properties tinha a possibilidade de adotar medidas para cumprir as novas exigências impostas pelo artigo 37.o‑i da ZSPZZ e se tomou medidas a este respeito, examinar os efeitos concretos e as consequências efetivas da introdução destas exigências para a Askos Properties, bem como todos os elementos pertinentes para determinar se houve, no processo principal, uma privação do direito de propriedade. Neste contexto, incumbe a este órgão jurisdicional efetuar, entre outras, as apreciações mencionadas no n.o 51 do presente acórdão.

62      Atendendo aos motivos expostos, há que responder à primeira questão que o artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que a rescisão, por uma autoridade local, de um contrato de arrendamento ou de exploração de um terreno agrícola celebrado por cinco anos com o beneficiário de um apoio agrícola, que foi concedido no âmbito de programas de desenvolvimento rural de um Estado‑Membro para os quais o FEADER contribuiu, ocorrida na sequência de uma alteração da legislação nacional que introduz novas exigências que condicionam a manutenção deste tipo de contratos, pode constituir

–        um caso de «força maior» ou uma «circunstância excecional», na aceção deste artigo 47.o, n.o 1, quando a rescisão consubstancia um acontecimento alheio, anormal e imprevisível para o referido beneficiário e este adotou todas as medidas que podia adotar, sem se sujeitar a sacrifícios excessivos, para adaptar o contrato de arrendamento em causa às novas exigências introduzidas,

–        um caso de «expropriação da exploração», na aceção do referido artigo 47.o, n.o 1, alínea c), quando a referida rescisão constitui uma medida privativa da propriedade que priva o referido beneficiário do direito de utilizar os terrenos agrícolas arrendados e de receber os seus frutos.

 Quanto à segunda questão

63      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos casos em que a impossibilidade de o beneficiário de um apoio agrícola continuar a cumprir os compromissos assumidos resulta da rescisão, por uma autoridade local, do contrato de arrendamento ou de exploração de terrenos agrícolas celebrado por cinco anos com este beneficiário, ocorrida na sequência de uma alteração da legislação nacional que introduz novas exigências, segundo as quais o referido beneficiário é obrigado a dispor de uma exploração pecuária e a registar um determinado número de animais de criação junto das autoridades nacionais competentes, cujo cumprimento é uma condição para a manutenção do contrato.

64      Para responder a esta questão, há que recordar que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 abrange o caso do beneficiário que está impossibilitado de continuar a cumprir os compromissos assumidos pelo facto de a sua exploração ser objeto de um emparcelamento ou de intervenções públicas de ordenamento fundiário decididas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes.

65      O Tribunal de Justiça já declarou que pode estar abrangida pelos conceitos de «emparcelamento» ou de «intervenções públicas de ordenamento fundiário» decididas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes qualquer operação que vise a reconfiguração e a redistribuição de parcelas agrícolas, para constituir explorações agrícolas mais racionais na utilização dos solos e que seja decidida ou aprovada pelas autoridades públicas competentes (Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Zamestnik Izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie», C‑343/21, EU:C:2023:111, n.o 39).

66      Esta disposição não se aplica quando a impossibilidade de continuar a cumprir os compromissos assumidos pelo beneficiário de um apoio agrário, que não cumpre as novas exigências que o obrigam a dispor de uma exploração pecuária e a registar um determinado número de animais de criação junto das autoridades nacionais competentes, resulta do facto de a autoridade local ser obrigada, por força do direito nacional, a rescindir o contrato de arrendamento, celebrado por cinco anos com o beneficiário, relativo aos terrenos necessários à sua exploração.

67      Com efeito, neste caso, a impossibilidade de o beneficiário em causa continuar a cumprir os seus compromissos devido à perda do direito de utilizar os terrenos necessários à sua exploração durante a vigência dos referidos compromissos não resulta de uma medida de reestruturação dos solos, resultando antes de uma alteração dos requisitos de concessão do apoio agrário.

68      Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que não se aplica aos casos em que a impossibilidade de o beneficiário de um apoio agrícola continuar a cumprir os compromissos assumidos resulta da rescisão, por uma autoridade local, do contrato de arrendamento ou de exploração relativo a terrenos agrícolas celebrado por cinco anos com este beneficiário, ocorrida na sequência de uma alteração da legislação nacional que introduz novas exigências, segundo as quais o referido beneficiário é obrigado a dispor de uma exploração pecuária e a registar determinado número de animais de criação junto das autoridades nacionais competentes, cujo cumprimento é uma condição para a manutenção do contrato.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

1)      O artigo 47.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 434/2007 da Comissão, de 20 de abril de 2007,

deve ser interpretado no sentido de que:

a rescisão, por uma autoridade local, de um contrato de arrendamento ou de exploração de terrenos agrícolas celebrado por cinco anos com o beneficiário de um apoio agrícola, que foi concedido no âmbito de programas de desenvolvimento rural de um EstadoMembro para os quais o FEADER contribuiu, ocorrida na sequência de uma alteração da legislação nacional que introduz novas exigências que condicionam a manutenção deste tipo de contratos, pode constituir

–        um caso de «força maior» ou uma «circunstância excecional», na aceção deste artigo 47.o, n.o 1, quando a rescisão consubstancia um acontecimento alheio, anormal e imprevisível para o referido beneficiário e este adotou todas as medidas que podia adotar, sem se sujeitar a sacrifícios excessivos, para adaptar o contrato de arrendamento em causa às novas exigências introduzidas,

–        um caso de «expropriação da exploração», na aceção do referido artigo 47.o, n.o 1, alínea c), quando a referida rescisão constitui uma medida privativa da propriedade que priva o referido beneficiário do direito de utilizar os terrenos agrícolas arrendados e de receber os seus frutos.

2)      O artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, conforme alterado pelo Regulamento n.o 434/2007,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se aplica aos casos em que a impossibilidade de o beneficiário de um apoio agrícola continuar a cumprir os compromissos assumidos resulta da rescisão, por uma autoridade local, do contrato de arrendamento ou de exploração relativo a terrenos agrícolas celebrado por cinco anos com este beneficiário, ocorrida na sequência de uma alteração da legislação nacional que introduz novas exigências, segundo as quais o referido beneficiário é obrigado a dispor de uma exploração pecuária e a registar determinado número de animais de criação junto das autoridades nacionais competentes, cujo cumprimento é uma condição para a manutenção do contrato.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.