Language of document : ECLI:EU:C:2024:52

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acórdão objeto de recurso de oposição no Tribunal Geral — Inadmissibilidade»

No processo C‑785/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 27 de dezembro de 2022,

Eulex Kosovo, com sede em Pristina (Kosovo), representada por L.‑G. Wigemark, na qualidade de agente, assistido por E. Raoult, avocate,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

SC, representada por A. Kunst, Rechtsanwältin,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot (relator), S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Eulex Kosovo pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 19 de outubro de 2022, SC/Eulex Kosovo (T‑242/17 RENV, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:637), pelo qual o Tribunal Geral, decidindo à revelia, condenou a Eulex Kosovo a indemnizar os danos materiais e morais causados a SC.

 Quadro jurídico

 Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia

2        O artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia dispõe:

«Pode ser interposto recurso para o Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal Geral que ponham termo à instância, bem como das decisões que apenas conheçam parcialmente do mérito da causa ou que ponham termo a um incidente processual relativo a uma exceção de incompetência ou a uma questão prévia de inadmissibilidade.

[…]»

 Regulamento de Processo do Tribunal Geral

3        O artigo 60.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, sob a epígrafe «Prazo de dilação em razão da distância», enuncia:

«Os prazos processuais são acrescidos de um prazo de dilação em razão da distância único de dez dias.»

4        Segundo o artigo 123.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, sob a epígrafe «Acórdãos à revelia»:

«1.      Quando o Tribunal constatar que o demandado, devidamente citado, não respondeu à petição na forma e no prazo estabelecidos no artigo 81.o, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 45.o, segundo parágrafo, do Estatuto [do Tribunal de Justiça da União Europeia], o demandante pode, num prazo fixado pelo presidente, pedir ao Tribunal que julgue procedentes os seus pedidos.

2.      O demandado revel não intervém no processo à revelia e nenhum ato processual lhe é notificado, com exceção da decisão que põe termo à instância.

3.      No acórdão à revelia, o Tribunal julga procedentes os pedidos do demandante, a menos que seja manifestamente incompetente para conhecer da ação ou recurso ou que essa ação ou recurso seja manifestamente inadmissível ou manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

4.      O acórdão proferido à revelia tem força executória. No entanto, o Tribunal pode suspender a sua execução até se pronunciar sobre a oposição deduzida nos termos do artigo 166.o, ou subordinar essa execução à constituição de caução, cujo montante e modalidades são fixados tendo em conta as circunstâncias. Esta caução é liberada se não for deduzida oposição ou se esta última for julgada improcedente.»

5        O artigo 166.o deste Regulamento de Processo, sob a epígrafe «Oposição a um acórdão à revelia», prevê:

«1.      Em conformidade com o artigo 41.o do Estatuto [do Tribunal de Justiça da União Europeia], o acórdão proferido à revelia é suscetível de oposição.

2.      A oposição deve ser deduzida pelo demandado revel, no prazo de um mês a contar da notificação do acórdão à revelia. Deve ser apresentada nas formas previstas nos artigos 76.o a 78.o.

3.      Após a notificação da oposição, o presidente fixa à outra parte um prazo para a apresentação de observações escritas.

4.      A tramitação do processo prossegue em conformidade com o disposto no título III ou no título IV, consoante o caso.

5.      O Tribunal decide por acórdão não suscetível de oposição.

6.      O original do acórdão é anexado ao original do acórdão proferido à revelia. É feita menção do acórdão proferido sobre a oposição à margem do original do acórdão proferido à revelia.»

 Antecedentes do litígio e acórdão recorrido

6        Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 2 a 17 do acórdão recorrido. Podem ser resumidos da seguinte forma.

7        SC desempenhou a função de procuradora junto da Missão «Estado de Direito» Eulex Kosovo, conduzida pela União Europeia no Kosovo, com o estatuto de pessoal contratual internacional com base em contratos a termo sucessivos, durante o período compreendido entre 4 de janeiro de 2014 e 14 de novembro de 2016.

8        Em abril de 2014, a interessada foi objeto de um relatório de avaliação desfavorável por parte da sua superior hierárquica, contra o qual apresentou uma reclamação, contestando as apreciações que aí figuravam e relativas a irregularidades no processo de avaliação.

9        Em 12 de agosto de 2014, o chefe da Missão Eulex Kosovo adotou uma decisão de anulação desse relatório devido ao incumprimento de diferentes exigências formais pela superior hierárquica de SC.

10      Durante o verão de 2014, SC participou num concurso interno organizado pela Eulex Kosovo para o recrutamento de procuradores, no qual não teve sucesso, como a informou a sua superiora hierárquica em 19 de agosto de 2014. SC contestou esse resultado, alegando que a composição do júri era irregular, uma vez que dois dos seus membros eram da mesma nacionalidade, mas também porque a presença da sua superiora hierárquica era suscetível de suscitar dúvidas quanto à imparcialidade do processo.

11      Considerando que a composição do seu júri tinha sido irregular, o chefe da missão Eulex Kosovo decidiu anular os resultados desse concurso.

12      Durante o ano de 2014, a Eulex Kosovo pediu por diversas vezes a SC para se submeter a um exame de condução automóvel, no qual reprovou três vezes. Durante esse período, SC transmitiu à missão atestados comprovativos de que sofria de uma deficiência na mão direita.

13      Em 2016, SC participou num novo concurso interno para o recrutamento de procuradores, organizado na sequência da adoção de uma decisão de redução de lugares da missão, só podendo ter o seu contrato renovado as pessoas que obtivessem resultados suficientes nesse concurso. Em 30 de setembro de 2016, SC foi informada do seu insucesso nesse concurso interno e de que, consequentemente, o seu contrato não seria renovado. A interessada apresentou uma reclamação contra essa decisão, alegando que o presidente do júri, neste caso a sua superiora hierárquica, se encontrava em situação de «conflito de interesses», tornando irregular o procedimento do concurso. O Chefe de Missão indeferiu essa reclamação, bem como o pedido de arbitragem apresentado posteriormente por SC.

14      Em 25 de abril de 2017, SC interpôs recurso no Tribunal Geral, com fundamento nos artigos 272.o e 340.o TFUE, no qual pedia, em substância, a anulação dos resultados do concurso interno de 2016 e da decisão de não renovar o seu contrato, bem como a reparação dos danos materiais e morais que considerava ter sofrido devido às deficiências da Eulex Kosovo nas suas obrigações contratuais.

15      Por requerimento separado, de 24 de agosto de 2017, a Eulex Kosovo arguiu contra este recurso uma exceção de incompetência e de inadmissibilidade com fundamento no artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

16      Por Despacho de 19 de setembro de 2018, SC/Eulex Kosovo (T‑242/17, EU:T:2018:586), o Tribunal Geral, sem conhecer da exceção de incompetência e de inadmissibilidade suscitada pela Eulex Kosovo, negou provimento, em aplicação do artigo 126.o do seu Regulamento de Processo, ao recurso interposto pela recorrente, com o fundamento de este ser em parte manifestamente inadmissível e em parte manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

17      No seu Acórdão de 25 de junho de 2020, SC/Eulex Kosovo (C‑730/18 P, EU:C:2020:505), o Tribunal de Justiça anulou o Despacho de 19 de setembro de 2018, referido no número anterior, com o fundamento de que o Tribunal Geral tinha descrito de forma incompleta o quadro jurídico que rege a adoção da decisão relativa ao concurso interno de 2016, o que o tinha levado a não ter em conta as normas que regulam as modalidades de organização desse concurso, e remeteu o processo ao Tribunal Geral.

18      Na sequência desta remessa, a Eulex Kosovo, por requerimento separado de 30 de outubro de 2020, reiterou a exceção de inadmissibilidade que tinha inicialmente suscitado. Em contrapartida, não apresentou contestação no prazo que lhe tinha sido fixado para o efeito. Em 24 de setembro de 2021, o Tribunal Geral convidou SC a apresentar as suas observações sobre o seguimento a dar ao processo. Em 12 de novembro de 2021, SC pediu a este último que julgasse procedentes os seus pedidos, nos termos do artigo 123.o do seu Regulamento de Processo.

19      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral, após ter examinado, em conformidade com o artigo 123.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo, se não era manifestamente incompetente para conhecer do recurso ou se esse recurso não era manifestamente inadmissível ou manifestamente desprovido de fundamento jurídico, declarou que os fundamentos de SC não eram manisfestamente desprovidos de qualquer fundamento jurídico e condenou a Eulex Kosovo a indemnizar os danos materiais e morais alegados por SC.

20      Em 28 de novembro de 2022, a Eulex Kosovo deduziu oposição contra esse acórdão, com fundamento no artigo 166.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

21      Seguidamente, em 27 de dezembro de 2022, a Eulex Kosovo interpôs o presente recurso.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

22      Com o presente recurso, a Eulex Kosovo pede que o Tribunal de Justiça:

–        anule o acórdão recorrido e

–        julgue integralmente improcedente o pedido apresentado no Tribunal Geral;

–        condene SC nas despesas relativas aos processos registados sob os números T‑242/17, C‑730/18 e T‑242/17 RENV, incluindo as relativas ao presente recurso.

23      SC pede que o Tribunal de Justiça:

–        confirme o acórdão recorrido;

–        dê provimento ao recurso para o Tribunal Geral e, consequentemente, negue provimento ao presente recurso;

–        condene a Eulex Kosovo nas despesas dos recursos no processo C‑785/22 P e de todos os outros processos no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça, incluindo nos processos C‑785/22 P‑R, T‑242/17, C‑730/18 P, T‑242/17 RENV e T‑242/17 RENV‑OP.

24      Por decisão de 23 de janeiro de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu que não havia que deferir o pedido de suspensão da instância no presente recurso até decisão do recurso de oposição interposto no Tribunal Geral.

25      Por Despacho de 28 de março de 2023 (C‑785/22 P‑R, EU:C:2023:262), o vice‑presidente do Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de medidas provisórias apresentado pela Eulex Kosovo, destinado à suspensão da execução do acórdão recorrido até que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o presente recurso, com o fundamento de que o requisito de urgência não estava preenchido.

26      Por decisão de 21 de abril de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu que o pedido de tramitação acelerada apresentado pela Eulex Kosovo devia ser indeferido com o fundamento de que, não tendo sido apresentado em tempo útil, violava o disposto no artigo 133.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e referiu que a aplicação oficiosa da tramitação acelerada não tinha interesse nesta fase, uma vez que já tinha havido uma primeira troca de articulados. No entanto, decidiu que o processo seria tratado prioritariamente, nos termos do artigo 53.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Quanto à admissibilidade do recurso

27      SC considera, a título principal, que o presente recurso é inadmissível, por causa do recurso de oposição interposto pela Eulex Kosovo contra o acórdão recorrido, atualmente pendente no Tribunal Geral. Entende ainda que a Eulex Kosovo se limita a reproduzir no presente recurso os fundamentos e argumentos apresentados no seu recurso de oposição.

28      Nos termos do artigo 56.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, só pode ser interposto recurso para o Tribunal de Justiça das decisões do Tribunal Geral que ponham termo à instância, bem como das que apenas conheçam parcialmente do mérito da causa ou que ponham termo a um incidente processual relativo a uma exceção de incompetência ou a uma questão prévia de inadmissibilidade. O recurso deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da notificação da decisão recorrida.

29      Resulta desta disposição que só é admissível recurso de segunda instância contra uma decisão definitiva relativamente à qual não exista nenhuma outra via de recurso.

30      Nos termos do artigo 166.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o demandado revel tem a possibilidade de oposição contra os acórdãos proferidos à revelia. Esse recurso deve ser interposto no prazo de um mês a contar da notificação do acórdão proferido à revelia, não sendo o próprio acórdão proferido sobre oposição suscetível de ser objeto de um recurso de oposição.

31      Uma vez que a interposição desse recurso tem por efeito reabrir a instância no Tribunal Geral, não se pode considerar que o acórdão proferido à revelia contra o qual foi interposto um recurso de oposição pôs termo à instância, na aceção do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

32      Daí resulta que é inadmissível o recurso de segunda instância interposto de um acórdão proferido à revelia que é objeto de um recurso de oposição.

33      Por outro lado, há que precisar que, embora o recurso de segunda instância interposto antes do termo do prazo previsto no artigo 166.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral para deduzir oposição seja inadmissível por não ter sido interposto, na data da sua interposição, contra uma decisão que pôs termo à instância nesse órgão jurisdicional, esse recurso de segunda instância pode ser regularizado pelo termo desse prazo se essa via de recurso não tiver sido exercida. Em contrapartida, não é esse o caso quando é interposto um recurso de oposição.

34      No caso, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Eulex Kosovo, recorrida em primeira instância, devia ser considerada revel por não ter apresentado contestação. Com base no artigo 123.o do seu Regulamento de Processo, considerou que os fundamentos de SC não eram manifestamente desprovidos de qualquer fundamento jurídico e condenou a Eulex Kosovo, à revelia, a reparar os danos materiais e morais alegados por SC. Resulta dos autos que, antes do termo do prazo previsto no artigo 166.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Eulex Kosovo deduziu, nesse tribunal, oposição ao acórdão recorrido.

35      Tendo a via do recurso de oposição exercida pela Eulex Kosovo provocado a reabertura da instância no Tribunal Geral, o presente recurso de segunda instância é inadmissível, por não ter sido interposto de uma decisão que pôs termo à instância, na aceção do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

36      Caberá às partes no processo no Tribunal Geral, se julgarem ter fundamento para isso, interpor recurso de segunda instância do acórdão que recair sobre a oposição, no prazo de dois meses a contar da notificação desse acórdão.

37      Resulta do exposto que deve ser negado provimento ao presente recurso, sem que seja necessário conhecer dos fundamentos invocados pela Eulex Kosovo.

 Quanto às despesas

38      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, desse regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo SC pedido a condenação da Eulex Kosovo nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas, apenas na parte em que digam respeito ao processo de recurso de segunda instância.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Eulex Kosovo é condenada nas despesas relativas ao presente processo em segunda instância.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.