Language of document : ECLI:EU:C:2024:62

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

TAMARA ĆAPETA

apresentadas em 18 de janeiro de 2024(1)

Processo C601/22

Umweltverband WWF Österreich,

ÖKOBÜRO — Allianz der Umweltbewegung,

Naturschutzbund Österreich,

Umweltdachverband,

Wiener Tierschutzverein

contra

Tiroler Landesregierung

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional do Tirol, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 92/43/CEE — Conservação da fauna selvagem — Caça ao lobo — Validade — Artigo 12.°, n.° 1, e anexo IV — Sistema de proteção rigorosa de determinadas espécies animais — Artigo 16.° — Isenção — Igualdade de tratamento entre os Estados‑Membros — Impacto da resposta do Tribunal de Justiça no litígio no processo principal — Admissibilidade desta questão — Interpretação — Artigo 16.°, n.° 1 — Condições para uma derrogação ao sistema de proteção rigorosa — Âmbito de aplicação territorial da declaração do “estado de conservação” — Artigo 16.°, n.° 1, alínea b) — Conceito de “prejuízos sérios” — Artigo 16.°, n.° 1 — Conceito de “outra solução satisfatória” — Considerações económicas»






I.      Introdução

1.        Os lobos são personagens frequentes nas histórias (2). O lobo da nossa história dá pelo nome de 158MATK. É considerado responsável pela morte de um número significativo de ovinos criados nas pastagens alpinas do Tirol, na Áustria.

2.        Por este motivo, o Tiroler Landesregierung (Governo do Land do Tirol, Áustria) adotou um despacho que permite o abate deste lobo. Várias organizações de proteção dos animais e do ambiente interpuseram um recurso de anulação deste despacho no órgão jurisdicional de reenvio, o Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional do Tirol, Áustria).

3.        O lobo (canis lupus) é uma espécie que necessita de proteção rigorosa em conformidade com a Diretiva Habitats (3). Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que esclarecesse várias questões decorrentes dessa diretiva. Tal deverá habilitá‑lo a decidir se o despacho do Governo do Land do Tirol pode ser mantido.

II.    Antecedentes do litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

4.        No relatório de 25 de julho de 2022 (a seguir «relatório de peritos»), o Conselho de Curadores especializados «Lobo‑Urso‑Lince» (Tirol, Áustria) (4)      concluiu que o lobo 158MATK é responsável pelas mortes de cerca de 20 ovinos, num território geográfico limitado, no período entre 10 de junho de 2022 e 2 de julho de 2022. Além disso, o mesmo lobo foi provavelmente responsável pelas mortes de outros 17 ovinos no período entre 22 e 24 de julho de 2022.

5.        O mesmo relatório verificou que atualmente não é possível proteger a criação de gado na zona em causa. Concluiu, portanto, que o lobo 158MATK representa um significativo perigo imediato para os animais de pastagem.

6.        Por Regulamento de 26 de julho de 2022 (a seguir «regulamento 158MATK»), o Governo do Land do Tirol declarou que o lobo com a designação 158MATK representava um significativo perigo imediato para os animais de pastagem, as culturas e as instalações agrícolas. O regulamento entrou em vigor em 29 de julho de 2022, sendo aplicável por tempo indeterminado.

7.        No mesmo dia, o Governo do Land do Tirol adotou um despacho (a seguir «despacho recorrido») que exclui o lobo 158MATK da proibição de caçar lobos durante todo o ano (5). Explicou que esta medida é necessária para evitar prejuízos sérios para as culturas e a criação de gado em zonas de caça especificadas nas quais o lobo 158MATK foi detetado. A derrogação aplicável ao lobo 158MATK era válida até 31 de outubro de 2022 (o final da época de pastagem de montanha) ou caducaria antes dessa data se as técnicas de deteção biomoleculares detetassem claramente o lobo 158MATK várias vezes fora da zona abrangida pela medida.

8.        A fundamentação do despacho recorrido baseou‑se nas conclusões do Conselho de Curadores especializados «Lobo‑Urso‑Lince» e, mais precisamente, nas respostas dadas por diferentes peritos dos setores da caça, da agricultura, da veterinária, da biologia da fauna selvagem e da gestão cinegética.

9.        O despacho recorrido justificou que o abate do lobo 158MATK era necessário para evitar não só prejuízos sérios, que consistem em prejuízos económicos e não económicos diretos resultantes de ataques concretos, mas também prejuízos a longo prazo para a economia.

10.      Foi ainda explicado que não existem outras medidas satisfatórias em alternativa ao abate deste espécime, uma vez que os rebanhos das pastagens de montanha da região alpina são pequenos e a sua proteção não é possível. O relatório de peritos demonstrou que 61 pastagens de montanha situadas no território onde foi detetado o lobo em causa deviam ser classificadas como insuscetíveis de proteção ou cuja proteção não é razoável nem proporcional. Por outro lado, a captura do lobo 158MATK na natureza e a sua manutenção em permanente cativeiro não foi considerada uma opção adequada, uma vez que os lobos habituados a viver em liberdade não se conseguem adaptar à vida em cativeiro, porém o cativeiro causa‑lhes um sofrimento significativo.

11.      Segundo um dos peritos consultados, a captura de um lobo não prejudicaria o estado de conservação favorável da subpopulação alpina de lobos em geral. Na Áustria, ainda não foi, contudo, atingido o estado de conservação favorável dos lobos. No entanto, o relatório concluiu que, ainda que se considerasse isoladamente a Áustria, não era de esperar uma deterioração do estado de conservação ou um impedimento à reposição do estado de conservação favorável.

12.      Cinco organizações ambientais, a saber, a Umweltverband WWF Österreich, a ÖKOBÜRO — Allianz der Umweltbewegung, a Naturschutzbund Österreich, a Umweltdachverband e a Wiener Tierschutzverein (a seguir «as ONG recorrentes») interpuseram recurso deste despacho para o Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional do Tirol), o órgão jurisdicional de reenvio no presente processo. Em substância, alegam que o despacho de 29 de julho de 2022 não preenche os critérios do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats.

13.      A parte pertinente do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats tem a seguinte redação:

«Desde que não exista outra solução satisfatória e que a derrogação não prejudique a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável, os Estados‑Membros poderão derrogar o disposto nos artigos 12.°, 13.° e 14.° e nas alíneas a) e b) do artigo 15.°:

[...]

b) Para evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca e às águas e a outras formas de propriedade;»

14.      Para além das questões suscitadas pelas partes perante o órgão jurisdicional de reenvio, que dizem respeito à interpretação do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, o órgão jurisdicional de reenvio suscita uma questão adicional. Parece considerar que o artigo 12.° da Diretiva Habitats, o fundamento jurídico para a proteção rigorosa dos lobos, em conjugação com o anexo IV da mesma diretiva, é inválido. O motivo apresentado para essa invalidade é a desigualdade de tratamento da Áustria, em violação do artigo 4.°, n.° 2, TUE, em comparação com os Estados‑Membros que, por força do anexo IV, beneficiam de isenções à proteção rigorosa dos lobos na totalidade ou em parte do seu território, tratamento de que a Áustria não beneficia.

15.      Nestas circunstâncias, o Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional do Tirol) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 12.° [da Diretiva Habitats], em conjugação com o anexo IV [da mesma diretiva] [...], segundo o qual o lobo está sujeito a um sistema de proteção rigorosa, mas que exclui do mesmo populações em vários Estados‑Membros, não tendo esta exceção sido prevista para a Áustria, viola o “princípio da igualdade de tratamento dos Estados‑Membros” consagrado no artigo 4.°, n.° 2, TUE?

2)      Deve o artigo 16.°, n.° 1, da [Diretiva Habitats] [...], segundo o qual a derrogação do sistema de proteção rigorosa do lobo só é permitida, designadamente, se a derrogação não prejudicar a manutenção das populações da espécie em causa na sua “área de repartição natural”, num “estado de conservação favorável”, ser interpretado no sentido de que o estado de conservação favorável deve ser mantido ou reposto, não em relação ao território de um Estado‑Membro, mas à área de repartição natural de uma população que pode abranger uma região biogeográfica significativamente maior, de nível transfronteiriço?

3)      Deve o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da [Diretiva Habitats] [...], ser interpretado no sentido de que, além dos prejuízos diretos causados por um determinado lobo, também devem ser incluídos nos “prejuízos sérios” os (futuros) prejuízos “macroeconómicos” indiretos, não imputáveis a um determinado lobo?

4)      Deve o artigo 16.°, n.° 1, da [Diretiva Habitats] [...], ser interpretado no sentido de que, devido às estruturas topográficas, de pastagem de alta montanha e de exploração dominantes no Estado federado do Tirol, as “outras soluções satisfatórias” apenas devem ser analisadas com base na viabilidade efetiva ou também com base em critérios económicos?»

16.      A Umweltdachverband, a ÖKOBÜRO — Allianz der Umweltbewegung, a Umweltverband WWF Österreich, o Governo do Land do Tirol), os Governos Austríaco e Dinamarquês, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça.

17.      Foi realizada uma audiência em 25 de outubro de 2023, na qual a Umweltverband WWF Österreich, a ÖKÖBURO — Allianz der Umweltbewegung e a Umweltdachverbrand, a Wiener Tierschutzverein, o Governo do Land do Tirol, os Governos Austríaco, Francês, Finlandês e Sueco, o Conselho e a Comissão apresentaram alegações orais.

III. Análise

A.      Quanto à admissibilidade

18.      Antes de entrar na análise, há que abordar a questão da admissibilidade do presente pedido de decisão prejudicial.

19.      O despacho recorrido caducou entretanto. Este despacho só permitiu o abate do lobo 158MATK até 30 de outubro de 2022, pelo que as questões relativas à sua validade podem parecer hipotéticas.

20.      No entanto, e tal foi claramente explicado na decisão de reenvio, esse despacho baseou‑se no regulamento 158MATK, que declarou o lobo em causa uma ameaça para os animais de pastagem sem qualquer data‑limite. Por conseguinte, com base nesse regulamento, pode ser adotado a qualquer momento outro despacho que permita o abate desse lobo específico.

21.      Considero, assim que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

B.      Observações preliminares e estrutura das Conclusões

22.      A Diretiva Habitats visa salvaguardar a biodiversidade (6). Um dos meios a que recorre para alcançar este objetivo consiste em submeter certas espécies vegetais e animais a um regime de proteção rigorosa. As espécies animais que necessitam de uma proteção rigorosa, ao abrigo do seu artigo 12.°, são enumeradas no anexo IV da diretiva. Este regime de proteção rigorosa exige, designadamente, que os Estados‑Membros proíbam, na totalidade dos seus territórios, todas as formas de captura ou abate intencionais de espécimes dessas espécies capturados no meio natural, conforme enumeradas no anexo IV (7).

23.      Os lobos, enquanto espécie (canis lupus), constam da lista do anexo IV da Diretiva Habitats (8). Contudo, alguns Estados‑Membros (ou parte dos seus territórios) estão eximidos da obrigação de conceder uma proteção rigorosa dos lobos, por estarem expressamente excluídos do anexo IV (9). A Áustria não figura entre eles.

24.      Os Estados‑Membros podem excecionalmente derrogar as exigências de proteção rigorosa previstas no artigo 12.° da Diretiva Habitats, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, desta diretiva.

25.      Na Áustria, existem lobos em duas regiões biogeográficas: continental e alpina.

26.      Como salientado pelas organizações ambientais que participam no presente processo, para evitar confusões, é necessário explicar que a região biogeográfica alpina é diferente da região dos Alpes povoada pela subpopulação de lobos a que pertence o lobo 158MATK. Por um lado, a região dos Alpes abrange a cadeia montanhosa que cobre o sudeste de França, o Mónaco, o norte de Itália, a Suíça, o Liechtenstein, o sul da Alemanha, a Áustria e a Eslovénia. Por outro lado, a região biogeográfica alpina é uma das regiões biogeográficas europeias da rede Natura 2000 (10), que é maior do que os próprios Alpes e abrange diferentes cadeias montanhosas da União, e não apenas os Alpes (11).

27.      O lobo em causa, o lobo 158MATK, é membro de uma subpopulação de lobos cuja área de repartição natural se situa dentro da área dos Alpes. De acordo com os dados apresentados pelo Governo Austríaco no presente processo (12), em 2022, foram avistados, no total, 57 lobos em toda a Áustria. Na parte austríaca da região dos Alpes, existem apenas duas alcateias, quando se estima que, para a sustentabilidade da subpopulação de lobos dos Alpes, deveriam existir pelo menos 39 alcateias na Áustria (13). Por conseguinte, o estado de conservação dos lobos na Áustria não pode atualmente ser considerado favorável.

28.      O presente processo suscita questões relativas à proteção rigorosa de um espécime de lobo que tem de ser protegido pela Áustria por força do artigo 12.° da Diretiva Habitats e à possibilidade de derrogar essa proteção rigorosa ao abrigo do artigo 16.° desta diretiva.

29.      O órgão jurisdicional de reenvio submeteu ao Tribunal de Justiça dois tipos de questões. Com a sua primeira questão, duvida da validade da proteção rigorosa exigida para os lobos enquanto espécie, com base na conjugação do artigo 12.° e do anexo IV da Diretiva Habitats. A possível causa de invalidade invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio é a desigualdade de tratamento entre os Estados‑Membros, em violação do artigo 4.°, n.° 2, TUE. Com as suas outras questões, o órgão jurisdicional de reenvio solicita a interpretação das condições gerais de aplicação do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats ou do artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da mesma diretiva.

30.      Nas presentes conclusões, debruçar‑me‑ei em primeiro lugar sobre a questão da validade (Secção C).

31.      Abordarei, em seguida, as questões relativas à interpretação do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats (Secção D). Em primeiro lugar, irei propor a resposta à questão de saber se a situação dos lobos noutros países pode ou deve ser tomada em consideração por um organismo que aprecia o cumprimento dos requisitos para a concessão de uma derrogação ao abrigo do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats (Subsecção 1). Em seguida, interpretarei o conceito de «prejuízos sérios» que justifica a derrogação da proteção rigorosa, estabelecido no artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats, a fim de responder que tipos de prejuízos podem ser tomados em consideração para apreciar se um determinado prejuízo é sério (Subsecção 2). Por último, irei analisar a forma como deve ser apreciada a existência de outra solução satisfatória em alternativa à medida derrogatória proposta e se nessa apreciação podem ser tidas em conta considerações económicas (Subsecção 3).

C.      Validade do artigo 12.°, em conjugação com o anexo IV da Diretiva Habitats (primeira questão)

32.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, em conjugação com o anexo IV da mesma diretiva, deve ser considerado inválido por violar o princípio da igualdade entre os Estados‑Membros, consagrado no artigo 4.°, n.° 2, TUE. A desigualdade, segundo se sugere, existe porque o anexo IV exclui certas populações de lobos situadas no território de outros Estados‑Membros do sistema de proteção rigorosa estabelecido pelo artigo 12.° da referida diretiva, mas não exclui a população de lobos da Áustria.

33.      Nove Estados‑Membros estão eximidos da obrigação de conceder uma proteção rigorosa aos lobos. A Espanha e a Grécia foram parcialmente excluídas do anexo IV da Diretiva Habitats aquando da adoção desta diretiva (14). Sete outros Estados‑Membros negociaram as suas isenções no momento da sua adesão à União Europeia (15). Desde o alargamento de 2007, o anexo IV da Diretiva Habitats não foi alterado no que diz respeito aos lobos (16).

34.      A Áustria, que não está eximida do cumprimento do anexo IV, está, por conseguinte, sujeita à proteção rigorosa dos lobos em todo o seu território.

35.      Quando a Áustria aderiu à União Europeia, não solicitou a exclusão do anexo IV no que respeita aos lobos. Este facto não é surpreendente, uma vez que, nessa altura, como foi referido pelo Governo do Land do Tirol e pelo Governo Austríaco, não existiam lobos no Tirol nem na Áustria. No entanto, os lobos começaram a regressar, o que, como demonstra o presente processo, colide por vezes com os interesses e os hábitos das populações agrícolas que criam gado nos Alpes.

36.      Nestas circunstâncias, encontra‑se a Áustria numa situação de desigualdade em relação aos Estados‑Membros que beneficiam da isenção do anexo IV?

1.      Quanto à admissibilidade

37.      Antes de me debruçar sobre o mérito do pedido, há que abordar primeiro brevemente a questão da admissibilidade da primeira questão, que foi debatida na audiência.

38.      As ONG recorrentes consideram que a resposta à primeira questão não teria impacto no litígio no processo principal. O Conselho também considera a questão inadmissível. Na sua opinião, o litígio no processo principal diz respeito ao artigo 16.° da Diretiva Habitats e não ao artigo 12.° da mesma diretiva, pelo que esta última disposição não é aplicável ao litígio no processo principal.

39.      Pelo contrário, o Governo do Land do Tirol, os Governos Austríaco, Finlandês e Sueco, bem como a Comissão, pronunciaram‑se a favor da admissibilidade da primeira questão.

40.      Em especial, o Governo Austríaco alegou que uma eventual conclusão do Tribunal de Justiça de que o artigo 12.°, em conjugação com o anexo IV da Diretiva Habitats, é inválido teria certamente um impacto no litígio perante o órgão jurisdicional nacional, uma vez que essa disposição não seria então aplicável.

41.      Estou de acordo com o Governo Austríaco relativamente a este aspeto. A primeira questão é, por conseguinte, admissível.

2.      Argumentos relativos à violação da igualdade

42.      O artigo 4.°, n.° 2, TUE dispõe que «a União respeita a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados [...]».

43.      A jurisprudência relativa à exigência de igualdade quando aplicada aos Estados‑Membros é escassa (17).

44.      Na minha opinião, a igualdade dos Estados‑Membros ao abrigo do direito da União deve ser entendida como a expressão específica do princípio geral da igualdade, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado (18).

45.      No domínio da política ambiental, o artigo 191.°, n.° 3, TFUE exige, como salientou a Comissão, que a União Europeia tenha em consideração os diferentes aspetos do ambiente nas diversas regiões da União Europeia. Por conseguinte, a realização dos objetivos da política ambiental da União exige um tratamento de cada Estado‑Membro adequado à sua situação específica (19).

46.      Contudo, o facto de dois Estados‑Membros se encontrarem numa situação semelhante, mas serem tratados de modo diferente, resultaria na violação do princípio da igualdade (20).

47.      As exclusões previstas no anexo IV da Diretiva Habitats refletem a situação específica de cada um dos Estados‑Membros isentos (21). Além disso, na maioria dos casos, como se explica no n.° 33 das presentes conclusões, as isenções resultam das negociações de adesão (22).

48.      A constatação de uma desigualdade de tratamento exige que um Estado‑Membro se encontre numa situação comparável à de outro Estado‑Membro, mas seja tratado de forma diferente.

49.      Todavia, nem o Governo Austríaco nem o Governo do Land do Tirol apresentaram nenhuma prova quanto ao motivo pelo qual o Tribunal de Justiça deve considerar que a Áustria se encontra numa situação comparável à de outro Estado‑Membro isento do anexo IV. O único argumento que expuseram é que os lobos começaram a regressar à Áustria, o que, aliás, era um dos objetivos da Diretiva Habitats.

50.      Por conseguinte, não considero que, no caso em apreço, se tenha verificado qualquer desigualdade de tratamento da Áustria em relação a outros Estados‑Membros.

3.      Argumentos relativos à violação do artigo 19 da Diretiva Habitats

51.      Foi invocado outro argumento de invalidade relacionado com a proteção rigorosa dos lobos na Áustria, baseado no artigo 19.° da Diretiva Habitats e não na violação do princípio da igualdade, pelo que deve ser abordado nas presentes conclusões.

52.      Por força do artigo 19.° da Diretiva Habitats, o Conselho, sob proposta da Comissão, deve adaptar os anexos desta diretiva em função do progresso técnico e científico. A falta de abertura deste processo e de adaptação do anexo IV à situação atual na Áustria, segundo o Governo Austríaco e o Governo do Land do Tirol, conduzem à invalidade deste anexo, que o Tribunal de Justiça deve declarar no presente processo.

53.      É verdade que, graças à Diretiva Habitats (23), os lobos estão efetivamente a regressar à Áustria. Hoje em dia, esse facto causa problemas à criação de gado nos Alpes, onde, segundo se alega, é difícil, se não mesmo impossível, tomar medidas eficazes de proteção dos ovinos e de outro gado contra o ataque de lobos. Nestas circunstâncias, a Comissão, como o Governo Austríaco alega, tem o dever de dar início a um procedimento ao abrigo do artigo 19.° da Diretiva Habitats para isentar a Áustria do anexo IV?

54.      Este argumento não me convence.

55.      Se uma espécie pudesse ser eliminada dos anexos de proteção, o seu estado de conservação teria de ser favorável. Além disso, para respeitar o princípio da precaução, a eliminação de uma espécie do anexo de proteção poderá ocorrer quando o seu estado de conservação favorável for certo (ou seja, quando não se trate de uma flutuação de curto prazo) e houver provas razoáveis de que os fatores que causaram o seu estado desfavorável já não existem (24). Pelo contrário, como anteriormente referido, o estado de conservação dos lobos na Áustria está longe de ser favorável (v. n.° 27 das conclusões). Nestas circunstâncias, a Comissão poderia, portanto, ter simplesmente considerado que não existiam motivos justificados para dar início ao procedimento estabelecido no artigo 19.° da Diretiva Habitats e eliminar a Áustria do seu anexo IV.

56.      Além disso, como sustentam a Comissão e o Conselho, nem a União Europeia nem a Áustria emitiram, em relação aos lobos na Áustria, uma reserva ao anexo II da Convenção de Berna (25), ao abrigo da qual os lobos estão sujeitos a uma proteção rigorosa. Tendo em conta que a União Europeia é parte desta convenção (26), isentar a Áustria do anexo IV da Diretiva Habitats resultaria numa violação das obrigações da União por força do direito internacional.

57.      Por conseguinte, considero que, nas atuais circunstâncias, a Áustria, ou parte do seu território, não pode ser excluída do anexo IV da Diretiva Habitats.

58.      No entanto, se um Estado‑Membro considerar que a Comissão tinha o dever de dar início a um procedimento de alteração do anexo IV da Diretiva Habitats, mas não o fez, dispõe de uma via de recurso prevista no Tratado ‑ uma ação por omissão, estabelecida no artigo 265.° TFUE. No entanto, a Áustria não deu início a esse procedimento.

59.      A jurisprudência já explicou que um órgão jurisdicional nacional não pode solicitar ao Tribunal de Justiça a declaração, a título prejudicial, da omissão de uma instituição (27).

60.      Por conseguinte, a eventual omissão da Comissão em dar início à alteração do anexo IV da Diretiva Habitats relativamente à Áustria, com base no artigo 19.° desta diretiva, não pode constituir um motivo para declarar a invalidade do referido anexo no âmbito do processo prejudicial.

61.      Poderá haver razões para repensar as modalidades de coabitação entre as pessoas e os grandes carnívoros (28). No entanto, o Tribunal de Justiça não é a instância adequada para o efeito. Este tipo de questão deve ser abordado no âmbito de um processo legislativo e a Comissão parece ter dado o primeiro passo nesse sentido (29).

62.      A opção legislativa expressa na Diretiva Habitats, conforme está em vigor neste momento, impõe à Áustria o cumprimento das obrigações que exigem a proteção rigorosa da população de lobos em todo o seu território. O Tribunal de Justiça não dispõe de competência para reformular as disposições legais, incluindo os anexos, como os que fazem parte da Diretiva Habitats, nem para contornar os procedimentos existentes, como o previsto no artigo 19.°

63.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão da seguinte forma: isentar alguns Estados‑Membros do anexo IV da Diretiva Habitats não equivale, por si só, a uma desigualdade de tratamento de um Estado‑Membro que não tenha beneficiado dessa isenção. O presente processo não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, em conjugação com o anexo IV da mesma diretiva, por violação do artigo 4.°, n.° 2, TUE.

D.      Interpretação do artigo 16.° da Diretiva Habitats

64.      Com a sua segunda, terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio solicita uma clarificação do artigo 16.° da Diretiva Habitats.

65.      Esta disposição estabelece as condições em que os Estados‑Membros podem derrogar a proteção rigorosa dos lobos exigida pelo artigo 12.° da referida diretiva (30).

66.      O artigo 16.° da Diretiva Habitats constitui uma exceção ao sistema de proteção estabelecido por este ato. Por conseguinte, deve ser interpretado de forma restritiva. O Tribunal de Justiça considerou também que a prova do preenchimento das condições desta disposição incumbe à autoridade nacional que autoriza essa derrogação (31).

67.      Apreciarei as restantes questões do órgão jurisdicional de reenvio à luz do anteriormente exposto.

1.      Âmbito territorial da avaliação do estado de conservação de uma espécie numa área de repartição natural ao abrigo do artigo 16, n.° 1, da Diretiva Habitats (segunda questão)

68.      A segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio exige uma interpretação da condição geral estabelecida pelo artigo 16.° da Diretiva Habitats para permitir uma derrogação, segundo a qual as medidas derrogatórias só são possíveis se não prejudicarem a manutenção da população de lobos na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável. O órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se, ao apreciar o preenchimento desta condição, deve tomar em consideração apenas o território do Estado‑Membro em causa ou a região maior, de nível transfronteiriço em que vive a população de lobos em causa, neste caso a região dos Alpes (v. n.° 26 das presentes conclusões).

69.      No processo LSL Tapiola, o Tribunal de Justiça explicou que a autoridade nacional que concede uma derrogação deve efetuar uma apreciação em dois momentos (32). O primeiro momento consiste em determinar o estado de conservação de uma espécie e o segundo em avaliar a forma como a derrogação afetará o estado de conservação dessa espécie (33).

70.      Em princípio, a derrogação só pode ser autorizada se o estado de conservação de uma espécie (no primeiro momento) for favorável (34). No entanto, o Tribunal de Justiça reconheceu igualmente que, a título excecional, a derrogação pode ser concedida mesmo que o estado de conservação de uma espécie não seja favorável, quando estiver devidamente demonstrado que não é suscetível de agravar o estado de conservação não favorável de uma espécie ou de impedir o seu restabelecimento, num estado de conservação favorável (35). Assim, excecionalmente, a autoridade competente pode avançar para o segundo momento mesmo que, no primeiro momento, não tenha concluído que o estado de conservação de uma espécie é favorável.

71.      A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto ao território que deve ser tomado em consideração para apreciar a possibilidade de medidas derrogatórias parece‑me pertinente para cada um dos dois momentos separadamente.

72.      Em relação ao primeiro momento, o Governo do Land do Tirol e os Governos Austríaco e Finlandês argumentam que os territórios de países terceiros, como a Suíça e o Liechtenstein, devem ser tidos em conta para determinar o estado de conservação dos lobos na região dos Alpes. Tendo em conta toda a área de repartição natural da subpopulação de lobos em causa, que inclui a população destes dois países, o estado de conservação desta subpopulação seria favorável. Esta observação levaria a concluir que é indiferente o facto de, na Áustria, considerada isoladamente, essa condição não ser favorável.

73.      No Acórdão LSL Tapiola, o Tribunal de Justiça explicou, em meu entender, que mesmo que um território transfronteiriço também deva, de preferência, ser tido em conta, a conclusão relativa ao estado favorável não pode ser alcançada sem que esse estado seja determinado no território nacional (36). Por outras palavras, o estado favorável tem de existir primeiro e inevitavelmente a nível nacional. Se existir um estado favorável a nível nacional, um estado desfavorável no plano transfronteiriço mais amplo pode ainda pôr em causa a possibilidade de adotar uma medida derrogatória. Porém, inversamente, o estado nacional desfavorável não pode ser sanado através de um estado favorável no plano transfronteiriço.

74.      A leitura que faço deste acórdão não é, portanto, a de que o Tribunal de Justiça tenha pretendido dizer, como entendeu o órgão jurisdicional de reenvio, que, se existir um estado favorável da espécie quando for avaliado em toda a sua área de repartição natural, que abrange vários países, é indiferente que o estado de conservação continue a ser desfavorável na Áustria. A meu ver, o Tribunal de Justiça nunca quis dizer que o estado desfavorável da população de lobos na Áustria pode ser sanado por um estado de conservação favorável quando seja tida em conta a região mais ampla dos Alpes (37).

75.      Uma interpretação diferente poderia ter um impacto negativo nos esforços envidados pelos Estados‑Membros no sentido de adotarem medidas adequadas para melhorar o estado de conservação de uma espécie no seu território. Poderia ter por efeito ocultar um estado desfavorável num Estado‑Membro e dar a falsa impressão de que está assegurada a preservação de uma espécie.

76.      Além disso, como a Comissão salientou na audiência, o nível nacional é o único nível em que os Estados‑Membros dispõem de dados fiáveis (38). A Comissão admitiu que, numa situação ideal, o estado de conservação de uma espécie teria de ser avaliado na sua área de repartição natural geográfica, contudo, tal não parece ainda ser possível. Esta é a razão adicional pela qual o estado favorável deve verificar‑se, em primeiro lugar, a nível local e nacional, antes de se avaliar a situação num plano mais alargado.

77.      Assim, só depois de um estado de conservação favorável ter resultado da dimensão nacional da avaliação é que a perspetiva da avaliação pode ser alargada.

78.      A tomada em consideração do estado de conservação num plano transfronteiriço visa evitar que um Estado‑Membro adote uma derrogação mesmo que o estado de uma espécie seja favorável no seu território. A este respeito, o facto de um país terceiro ser ou não parte da Convenção de Berna não deve ter relevância. O interesse da Diretiva Habitats é preservar a biodiversidade, o que também depende do estado da natureza em países terceiros e do facto de estes estarem ou não empenhados num elevado nível de proteção da natureza. Por conseguinte, o estado desfavorável de uma espécie num país terceiro pode influenciar uma decisão de (não) adotar a medida de derrogação, apesar de existir um estado de conservação nacional favorável. Nessa circunstância, não vejo por que razão os dados da Suíça e do Liechtenstein não seriam tidos em conta para esse efeito, se as autoridades nacionais tivessem acesso aos mesmos.

79.      Visto que os dados apresentados ao Tribunal de Justiça não sugerem que a conservação dos lobos na Áustria se encontra num nível favorável (v. n.° 27 das presentes conclusões), só é possível avançar para o segundo momento ao abrigo da exceção introduzida no processo Comissão/Finlândia e reiterada no Acórdão LSL Tapiola (v. n.° 69 das presentes conclusões). Esta exceção permite a um Estado‑Membro derrogar da proteção rigorosa dos lobos ainda que o estado de conservação dos lobos nesse Estado seja desfavorável, se essa medida não for suscetível de alterar o estado de conservação, ou seja, se a medida for neutra em relação à população de lobos.

80.      Ao aplicar esta exceção, há que responder, no segundo momento, qual o território que deve ser tomado em consideração para concluir se o impacto da derrogação não agravaria um estado já desfavorável ou se impediria o restabelecimento de uma espécie num estado de conservação favorável no futuro.

81.      O Tribunal de Justiça já deu algumas orientações sobre esta questão no Acórdão LSL Tapiola. Baseando‑se as conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe (39), o Tribunal de Justiça explicou que a avaliação do impacto de uma derrogação a nível do território de uma população local é geralmente necessária para determinar o seu efeito no estado de conservação da população em causa em maior escala (40).

82.      Por conseguinte, mais uma vez, é necessário, em primeiro lugar, avaliar o impacto do abate de um único lobo na população alpina local do Tirol. Adotar uma medida de derrogação só é possível se se concluir que essa medida é neutra relativamente ao estado da população de lobos dos Alpes austríacos.

83.      Será isso suficiente? Ou será ainda necessário avaliar, na medida do possível, o impacto que tal medida teria na subpopulação a que pertence o lobo em toda a sua área de repartição natural transfronteiriça? Com efeito, as derrogações numa jurisdição podem prejudicar a mesma espécie numa jurisdição vizinha (41).

84.      A resposta a esta questão deve ter em conta a realidade atual, em que ainda não é possível obter informações fiáveis sobre a situação dos lobos noutros países. Nestas circunstâncias, sou de opinião que só pode ser imposta às autoridades nacionais a obrigação de avaliar o impacto da medida derrogatória na população local/nacional.

85.      No entanto, se essas autoridades dispuserem de dados que lhes permitam concluir que a medida proposta pode contribuir para deteriorar o estado de conservação da subpopulação noutro país ou em geral, mesmo que seja neutra para o estado de conservação local, não podem ignorar esses dados, mas devem tê‑los em consideração e rejeitar a medida derrogatória.

86.      No caso em apreço, se os dados disponíveis revelassem que o abate do lobo 158MATK não teria nenhum impacto na população da Áustria (porque esse lobo estava, por exemplo, apenas de passagem), mas poderia ter um impacto negativo numa alcateia que vive além‑fronteiras, esse conhecimento deveria impedir a adoção da medida derrogatória.

87.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda que o artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats deve ser interpretado no sentido de que exige que a avaliação para determinar se uma espécie se encontra num estado de conservação favorável e se as medidas de derrogação têm um impacto negativo na possibilidade de alcançar ou manter um estado de conservação favorável tem de ser efetuada com base num território local e nacional, mesmo que a área de repartição natural da população em causa abranja uma região biogeográfica maior, de nível transfronteiriço. No entanto, se essas autoridades dispuserem de dados que lhes permitam concluir que a medida proposta pode deteriorar o estado de conservação da subpopulação noutro país ou em geral, mesmo que seja neutra para o estado de conservação local, não podem ignorar esses dados, mas devem tomá‑los em consideração e rejeitar a medida derrogatória.

2.      Os prejuízos sérios incluem também os prejuízos indiretos para a economia? (terceira questão)

88.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de prejuízos sérios que figura no artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats inclui prejuízos futuros não imputáveis ao espécime que é objeto de uma derrogação.

89.      Convém recordar, desde já, que uma medida derrogatória só pode ser adotada para cumprir um ou mais objetivos previstos no artigo 16.°, n.° 1, alíneas a) a e). A medida em causa no presente processo foi adotada para evitar prejuízos sérios, conforme previsto na alínea b).

90.      O artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats permite derrogações para «evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca e às águas e a outras formas de propriedade».

91.      É, por conseguinte, no contexto deste objetivo que deve ser respondida a questão de saber se os prejuízos sérios abrangem também os prejuízos futuros não imputáveis a um determinado espécime.

92.      A jurisprudência já explicou que os prejuízos, na aceção da alínea b), podem ser prejuízos futuros, uma vez que esta disposição visa evitar prejuízos (42). Esses prejuízos futuros não podem, contudo, ser puramente hipotéticos. Assim, concordo com a Comissão que a simples possibilidade de ocorrência de prejuízos não basta. Pelo contrário, a probabilidade da ocorrência de prejuízos deve ser elevada (43). Por conseguinte, o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats inclui prejuízos futuros, cuja ocorrência seja altamente provável.

93.      No caso em apreço, em que foi determinado que o lobo 158MATK já atacou e matou ou feriu ovinos nas pastagens de montanha da região alpina em duas ocasiões distintas, pode aceitar‑se que é altamente provável que tal volte a acontecer (44). O regulamento 158MATK, que prevê que este espécime constitui uma significativa ameaça imediata para os animais de pastagem, parece adotar tal posição.

94.      Apenas os prejuízos futuros altamente prováveis podem ser tomados em consideração para apreciar se os prejuízos em causa são sérios. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o tipo de prejuízos futuros que podem ser tidos em conta para concluir pela existência de prejuízos sérios. Este órgão jurisdicional mencionou três tipos de prejuízos distintos na decisão de reenvio. Em primeiro lugar, os prejuízos patrimoniais diretos ou indiretos causados pela depredação de um determinado lobo (perda de ovinos, custo da organização da descida prematura das pastagens de montanha ou aumento do custo da alimentação dos animais após a descida). Não há dúvida de que esses prejuízos devem ser tomados em consideração.

95.      O segundo tipo de prejuízos mencionados são os prejuízos não patrimoniais imputáveis aos ataques de um determinado lobo, sofridos pelos criadores que deixam de ter prazer na criação de ovinos ou sofrem stress psicológico. Como salienta a Comissão, a redação da disposição da alínea b) permite a inclusão desses prejuízos. O principal objetivo desta disposição é evitar prejuízos sérios. Os danos à criação ou à propriedade que constam do restante período são meramente exemplificativos. A prevenção de outros tipos de prejuízos, como os danos não patrimoniais, não está, portanto, excluída. No entanto, estes prejuízos têm de ser uma consequência dos ataques de um determinado lobo que seja objeto de medidas de derrogação em causa.

96.      O órgão jurisdicional de reenvio parece preocupar‑se sobretudo com o terceiro tipo de prejuízos, a saber, os prejuízos indiretos futuros para a economia. Refere desenvolvimentos macroeconómicos a longo prazo resultantes do eventual desaparecimento da pastagem alpina, que pode ter consequências para as atividades recreativas ou para o turismo.

97.      Como assinalou a Comissão, essas consequências não podem ser consideradas altamente prováveis (não é de todo certo que a pastagem alpina seja abandonada se existirem lobos e atacarem ocasionalmente os ovinos (45)      ou que o turismo diminua em vez de aumentar se houver lobos nas montanhas (46)).

98.      Se essas consequências ocorrerem, serão muito provavelmente o resultado de múltiplas causas e de vários fatores. É‑me difícil conceber que o destino da pastagem alpina austríaca esteja nas patas do lobo 158MATK.

99.      Estes desenvolvimentos macroeconómicos indiretos a longo prazo, não imputáveis a um determinado lobo, não podem, por conseguinte, ser tomados em consideração no conceito de «prejuízos sérios» previsto no artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats para justificar a decisão de abater um espécime de lobo.

100. Estas preocupações devem ser abordadas nas medidas e nos planos sistémicos que os Estados‑Membros devem adotar para dar cumprimento ao artigo 12.° da Diretiva Habitats (47).

101. Em resposta à terceira questão, proponho que o Tribunal de Justiça interprete o conceito de «prejuízos sérios» na aceção do artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats, no sentido de que não abrange os (futuros) prejuízos económicos indiretos que não possam ser imputáveis a um único lobo.

3.      Considerações económicas na tomada de decisão sobre a disponibilidade de outra solução satisfatória (quarta questão)

102. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a existência de «outras soluções satisfatórias», na aceção do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, deve ser analisada apenas com base na viabilidade efetiva de uma medida ou se os critérios económicos são igualmente relevantes.

103. Qualquer avaliação da existência de outra solução satisfatória tem de começar por determinar as possibilidades disponíveis para atingir o objetivo da derrogação. Quando a autoridade decisora escolhe uma destas possibilidades, tem de explicar essa escolha, incluindo as razões pelas quais foram excluídas outras opções.

104. No caso em apreço, o objetivo de uma derrogação é evitar prejuízos sérios, cuja ocorrência é altamente provável devido a depredações repetidas do lobo 158MATK. O Governo do Land do Tirol decidiu que a medida adequada consiste em permitir o abate desse espécime, ao passo que as outras medidas disponíveis não são satisfatórias. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os custos económicos podem constituir uma razão para excluir outras opções tecnicamente possíveis.

105. Na minha opinião, os custos económicos da medida tecnicamente disponível podem ser tidos em conta como um dos elementos para apreciar se essa medida constitui outra solução satisfatória. É o que se pode concluir da redação e da sistemática da Diretiva Habitats. Por exemplo, o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), desta diretiva, em causa no presente processo, permite tomar em consideração as preocupações económicas, uma vez que admite derrogações para evitar prejuízos sérios. O artigo 2.°, n.° 3, da Diretiva Habitats também estabelece que «[a]s medidas tomadas ao abrigo da presente diretiva devem ter em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais» (48).

106. Contudo, mesmo que as preocupações económicas possam ser tomadas em consideração, as medidas alternativas não podem ser rejeitadas logo à partida com o argumento de que seriam demasiado dispendiosas (49).

107. A apreciação da proporcionalidade efetuada para justificar a solução escolhida deve corresponder a um equilíbrio stricto sensu (50), que exige uma ponderação de todos os interesses relevantes em causa: os dos criadores de gado e os expressos na Diretiva Habitats para preservar a diversidade, nomeadamente através da proteção rigorosa de determinadas espécies.

108. Nesse sentido, há que recordar que, por força da Diretiva Habitats, e mais especificamente do artigo 12.°, os Estados‑Membros têm a obrigação de desenvolver programas preventivos que permitam às espécies protegidas alcançar um estado de conservação favorável (v. n.° 100 das presentes conclusões). Se os custos económicos da criação de cães de guarda para o gado (a seguir «CGG») ou da educação dos pastores forem avaliados no contexto de cada decisão individual relacionada com o perigo que um único espécime representa, serão sempre considerados demasiado onerosos (51). Pelo contrário, se fizerem parte de um plano nacional preventivo, a conclusão poderá ser diferente. Por conseguinte, os custos económicos, enquanto parte da avaliação da disponibilidade de outra solução satisfatória, devem ser inseridos no contexto das obrigações dos Estados‑Membros de executarem medidas e planos necessários para uma proteção rigorosa dos lobos.

109. O relatório de peritos em que se baseia o despacho recorrido concluiu que as três alternativas consideradas construção de vedações, utilização de CGG ou pastores a acompanhar os rebanhos não são razoáveis nem proporcionais (52). Chegou‑se a esta conclusão com base nas regras de prática geral (53)      que determinaram antecipadamente quais os tipos de pastagens que não podiam ser razoavelmente protegidos, não só porque tal era tecnicamente impossível, mas também porque foi considerado demasiado dispendioso (54). O relatório de peritos examinou 61 pastagens em que se considerou que o lobo 158MATK representava um perigo para o gado e verificou que todas elas apresentam pelo menos um critério que justifica que não era razoável utilizar essas medidas de proteção dos rebanhos. Ao mesmo tempo, o despacho recorrido não inseriu esta conclusão no contexto de nenhuns planos, quer do Governo do Land do Tirol, quer do Governo Austríaco, que tenham sido adotados para resolver o problema da proteção do gado nas pastagens de montanha da região alpina contra os ataques de lobos.

110. A falta de planos de gestão da nova situação resultante do regresso dos lobos, juntamente com os critérios gerais previamente estabelecidos para as pastagens que não podem beneficiar das medidas de proteção do gado, conduz à possibilidade de defender cada decisão que permita o abate de um lobo solitário em resultado da inexistência de uma alternativa economicamente razoável. Trata‑se de uma autorização geral para abater qualquer lobo que apareça na área antes de ter sido declarado exceção ao regime de proteção rigorosa aplicável aos lobos em geral.

111. Não era essa a intenção do artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva Habitats. As derrogações previstas são medidas excecionais e não devem tornar‑se num instrumento para impedir a presença de lobos em determinadas áreas. A coabitação com lobos exige alguns ajustamentos e os custos conexos devem ser também suportados pelos criadores alpinos (55). Estes custos inevitáveis não podem ser ignorados na avaliação da proporcionalidade das medidas alternativas.

112. O Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva Habitats não permite que as autoridades derroguem as proibições estabelecidas no artigo 12.° desta diretiva com o fundamento exclusivo de que o cumprimento dessas proibições implica uma alteração das atividades agrícolas, de exploração florestal ou piscícolas (56). Estas alterações não são isentas de custos. Por conseguinte, alguns custos incorridos para permitir o regresso dos lobos têm de ser aceites como sendo intrínsecos aos objetivos da Diretiva Habitats. Fazem parte daquilo a que o Governo Austríaco chamou, na audiência, um processo de reaprendizagem da convivência com os lobos.

113. No caso em apreço, por exemplo, o custo da descida dos rebanhos mais cedo num único ano pode não ser suficiente para concluir que essa não é outra medida satisfatória. Organizar a proteção, erigindo cercas sempre que possível ou treinando CGG e, eventualmente, utilizando‑os em conjunto para mais rebanhos (57), leva tempo e pode não estar disponível no ano em que um lobo solitário passa por certas pastagens de montanha da região alpina. No entanto, essas medidas poderiam estar implementadas para o próximo ano de pastagem de montanha na região alpina, se existissem planos para a sua introdução. Os custos de tais medidas podem mesmo ser atenuados através de diferentes fontes de financiamento público, incluindo a nível da União Europeia (58).

114. Assim, o custo económico das medidas disponíveis não pode ser avaliado isoladamente dos planos preventivos necessários para permitir uma proteção rigorosa ao abrigo do artigo 12.° da Diretiva Habitats. A autoridade que autoriza a derrogação deve explicar claramente de que forma os fatores económicos influenciaram a decisão segundo a qual outras medidas não constituem outra solução satisfatória, inserindo a sua decisão num contexto mais amplo das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força da Diretiva Habitats.

115. No Acórdão Comissão/Finlândia, o Tribunal de Justiça considerou que «essas decisões, que [...] não contêm uma fundamentação precisa e adequada quanto à inexistência de outra solução satisfatória, são contrárias ao artigo 16.°, n.° 1, da diretiva habitats» (59). Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se o despacho recorrido explicou claramente de que forma os fatores económicos influenciaram a sua conclusão relativa à inexistência de outra solução satisfatória diferente do abate de um lobo.

116. Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à quarta questão do seguinte modo: na avaliação da disponibilidade de outra solução satisfatória, podem ser tomados em consideração os custos económicos das outras medidas alternativas. Na apreciação do impacto dos custos económicos das medidas disponíveis, deve proceder‑se a um equilíbrio de todos os interesses em jogo. A apreciação da influência dos fatores económicos na conclusão de que não existe outra solução satisfatória deve tomar em consideração o facto de que alguns custos e ajustamentos são inevitáveis para que os objetivos da referida diretiva sejam alcançados. A avaliação deve ser efetuada caso a caso e não pode basear‑se em critérios estabelecidos de forma geral e antecipada, devendo ser inserida no contexto mais amplo das medidas e planos de um Estado‑Membro para permitir a proteção rigorosa dos lobos.

IV.    Conclusão

117. Tendo em conta o anteriormente exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Landesverwaltungsgericht Tirol (Tribunal Administrativo Regional do Tirol, Áustria) do seguinte modo:

1)      Isentar alguns Estados‑Membros do anexo IV da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, não equivale, por si só, a uma desigualdade de tratamento de um Estado‑Membro que não tenha beneficiado dessa isenção. O presente processo não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade do artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva Habitats, em conjugação com o anexo IV da mesma diretiva, por violação do artigo 4.°, n.° 2, TUE.

2)      O artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 92/43 deve ser interpretado no sentido de que exige que a avaliação para determinar se uma espécie se encontra num estado de conservação favorável e se as medidas de derrogação têm um impacto negativo na possibilidade de alcançar ou manter um estado de conservação favorável tem de ser efetuada com base num território local e nacional, mesmo que a área de repartição natural da população em causa abranja uma região biogeográfica maior, de nível transfronteiriço. No entanto, se essas autoridades dispuserem de dados que lhes permitam concluir que a medida proposta pode deteriorar o estado de conservação da subpopulação noutro país ou em geral, mesmo que seja neutra para o estado de conservação local, não podem ignorar esses dados, mas devem tomá‑los em consideração e rejeitar a medida derrogatória.

3)      O conceito de «prejuízos sérios», conforme referido no artigo 16.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 92/43, deve ser interpretado no sentido de que não abrange os (futuros) prejuízos económicos indiretos que não possam ser imputáveis a um único lobo.

4)      Na avaliação da disponibilidade de outra solução satisfatória, exigida pelo artigo 16.°, n.° 1, da Diretiva 92/43, podem ser tomados em consideração os custos económicos das medidas alternativas. Na apreciação do impacto dos custos económicos das medidas disponíveis, deve proceder‑se a um equilíbrio de todos os interesses em jogo. A apreciação da influência dos fatores económicos com base na conclusão de que não existe outra solução satisfatória deve tomar em consideração o facto de que alguns custos e ajustamentos são inevitáveis para que os objetivos da referida diretiva sejam alcançados. A avaliação deve ser efetuada caso a caso e não pode basear‑se em critérios estabelecidos de forma geral e antecipada, devendo ser inserida no contexto mais amplo das medidas e planos de um Estado‑Membro para permitir a proteção rigorosa dos lobos.


1      Língua original: inglês.


2      Todos nós crescemos com a história do Capuchinho Vermelho e do lobo mau que comeu a sua avó. No entanto, os lobos nem sempre são vilões nos livros infantis. Por exemplo, no conto de Baruzzi, A., Der Wolf hat Hunger (Minedition, 2020), um lobo está a pensar em converter‑se ao vegetarianismo depois de comer um ouriço. No conto de Ramos, M., Le loup qui voulait devenir un mouton (Pastel, 2008), um lobo gostaria de experimentar como seria a sua vida se fosse uma ovelha. Segundo a antiga lenda de Rómulo e Remo, os fundadores de Roma, estes foram criados por lobos, tal como Mogly, a personagem principal de Kipling, R., The Jungle Book (Macmillan, 1894).


3      Anexo IV, alínea a), da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinadas diretivas no domínio do ambiente, devido à adesão da República da Croácia (JO 2013, L 158, p. 193) (a seguir «Diretiva Habitats»).


4      O § 52a, n.º 1, da Tiroler Jagdgesetz (Lei da Caça de 2004, do Land do Tirol; a seguir «TJG 2004») estabelece que «[d]eve ser criado um Conselho de Curadores especializado “Lobo‑Urso‑Lince” junto do Gabinete do Governo do Land do Tirol.»


5      A proibição geral de caçar lobos é estabelecida no § 36, n.°2 da TJG 2004 («Períodos de caça e de defeso»).


6      Artigo 2.°, n.º 1, da Diretiva Habitats.


7      Artigo 12.°, n.º 1, alínea a), da Diretiva Habitats.


8      É de notar que os lobos estão igualmente enumerados no anexo II da Diretiva Habitats, como animais de interesse comunitário cuja conservação exige, ao abrigo do artigo 4.° da mesma diretiva, a designação de zonas especiais de conservação («ZEC»), como parte da rede Natura 2000. Para manter ou alcançar o estado de conservação favorável dos lobos que se encontram nas ZEC, os Estados‑Membros devem adotar medidas de conservação específicas (artigo 6.° da Diretiva Habitats). Para uma descrição mais pormenorizada da rede Natura 2000 e das exigências que a Diretiva Habitats impõe aos Estados‑Membros em relação às ZEC, v. minhas Conclusões no processo Comissão/Irlanda (Proteção de zonas especiais de conservação) (C‑444/21, EU:C:2023:90). No entanto, a obrigação dos Estados‑Membros de incluir os lobos no âmbito de aplicação das regras relativas à proteção rigorosa previstas no artigo 12.° da Diretiva Habitats não está limitada às ZEC, mas aplica‑se à totalidade dos seus territórios.


9      Trata‑se das populações gregas a norte do paralelo 39; das populações estónias; das populações espanholas a norte do Douro; das populações búlgaras, letãs, lituanas, polacas, eslovacas e das populações finlandesas no interior da área de exploração da rena, conforme definido no § 2 da Lei finlandesa n.º 848/90, de 14 de setembro de 1990, relativa à exploração da rena. Os Estados‑Membros (ou parte dos territórios dos Estados‑Membros) que estão excecionados, em relação aos lobos, do anexo IV da Diretiva Habitats estão incluídos no anexo V da mesma diretiva. Os animais enumerados nesse anexo beneficiam de um nível de proteção menos rigoroso ao abrigo do artigo 14.° da Diretiva Habitats.


10      V. https://www.eea.europa.eu/data‑and‑maps/figures/biogeographical‑regions‑in‑europe‑2.


11      Esta região biogeográfica inclui os Apeninos (espinha dorsal de Itália), os Pirenéus (fronteira entre Espanha e França), as montanhas escandinavas (que abrangem a Suécia, a Finlândia e a Noruega), os Cárpatos (da Eslováquia à Roménia), as montanhas dos Balcãs, as montanhas Ródope (Bulgária) e os Alpes Dináricos (incluindo partes da Eslovénia e da Croácia).


12      A Áustria não apresentou dados sobre o estado de conservação dos lobos no seu território, no último período de elaboração de relatórios entre 2013 e 2018, com base no artigo 17.° da Diretiva Habitats.


13      V., a este respeito, Large Carnivore Initiative for Europe, Assessment of the conservation status of the Wolf (Canis lupus) in Europe, Conselho da Europa, 2022, p. 17, que o Governo Austríaco citou nas suas observações.


14      A Espanha está isenta em relação à sua população de lobos a norte do Douro e a Grécia em relação à sua população a norte do paralelo 39.


15      Trata‑se da totalidade das populações de lobos búlgara, estónia, letã, lituana, polaca e eslovaca de lobos e da população finlandesa no interior da área de exploração da rena.


16      V., a este respeito, Diretiva 2013/17/UE do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinadas diretivas no domínio do ambiente, devido à adesão da República da Croácia (JO L 158 de 10.6.2013, p. 193).


17      No recente Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o. (C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.º 249), o Tribunal de Justiça explicou que o respeito do primado do direito da União é importante para garantir a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, tal como exigido pelo artigo 4.°, n.º 2, TUE. No entanto, este processo não é pertinente para a situação objeto do presente processo. Noutros dois processos recentes em que a Hungria e a Polónia contestaram a validade do Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2020, relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (JO 2020, L 433I, p. 1, e retificação JO 2021, L 373, p. 94)], a possibilidade de as instituições da União tomarem em consideração a situação específica de cada Estado‑Membro ao decidirem sobre o desbloqueamento do financiamento da União não foi considerada problemática no que diz respeito à igualdade dos Estados‑Membros (Acórdãos de 16 de fevereiro de 2022, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑157/21, EU:C:2022:98, n.ºs 280 a 310), e de 16 de fevereiro de 2022, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑156/21, EU:C:2022:97, n.ºs 310 a 318).


18      V., por analogia, Acórdão de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte do Mediterrâneo) (C‑611/17, EU:C:2019:332, n.º 129 e jurisprudência referida).


19      O Tribunal de Justiça adotou, desde muito cedo, uma abordagem semelhante no domínio do mercado interno. V., por exemplo, Acórdão de 17 de julho de 1963, Itália/Comissão (13/63, EU:C:1963:20, n.º 4).


20      V., neste sentido, Acórdão de 17 de março de 2011, AJD Tuna (C‑221/09, EU:C:2011:153, n.º 108).


21      A este respeito, não posso concordar com a alegação do Governo Austríaco de que a concessão de uma exclusão do anexo IV a alguns Estados no momento da sua adesão à União Europeia foi permitida para os colocar numa situação igual àquela de que gozam a Espanha e a Grécia, às quais foi concedida essa isenção quando a Diretiva Habitats foi adotada. Pelo contrário, estes Estados negociaram as suas isenções pelas razões específicas de cada um deles.


22      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que as disposições da União que resultam de um ato de adesão não constituem um ato de uma instituição, mas disposições de direito primário, e não são, por isso, suscetíveis de um controlo de legalidade. V., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 1988, LAISA e CPC España/Conselho (31/86 e 35/86, EU:C:1988:211, n.ºs 12 e 17) e de 5 de outubro de 2016, F. Hoffmann‑La Roche (C‑572/15, EU:C:2016:739, n.ºs 30 e 31).


23      Chapon, G., Epstein, Y., Ouro‑Ortmark, M., Helmius, L., Ramirez Loza, J. P., Bétaille, J., López‑Bao, J. V., «European Commission may gut the wolf protection», Science, 20 de outubro de 2023, vol. 382, p. 275 e referências mencionadas.


24      Milieu, IEEP e ICF, Evaluation Study to support the Fitness Check of the Birds and Habitats Directives, 2016, p. 334.


25      Convenção de Berna relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, adotada em 19 de setembro de 1979 e que entrou em vigor em 6 de junho de 1982. Esta reserva pode ser emitida com base no artigo 22.° da referida convenção.


26      Decisão 82/72/CEE do Conselho, de 3 de dezembro de 1981, respeitante à conclusão da Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, 82/72/CEE (JO 1982, L 38, p. 1 a 2).


27      Acórdão de 26 de novembro de 1996, T. Port  (C‑68/95, EU:C:1996:452, n.º 53).


28      A propósito da coabitação e da questão que ela suscita, v. Nochy, A., La bête qui mangeait le monde, 2018, (Arthaud, Paris); De Witte, F. «Where the Wild Things Are: Animal Autonomy in EU Law», CMLR, 2023, 391 a 430.


29       Comunicado de imprensa da Comissão Europeia, de 4 de setembro de 2023, «Lobos na Europa: Comissão insta as autoridades locais a fazerem pleno uso das derrogações existentes e a recolherem dados para a revisão do estado de conservação», Bruxelas. V. também https://www.politico.eu/article/ursula‑von‑der‑leyen‑wolf‑attack‑protection‑conservation‑farming‑livestock‑animal‑welfare‑germany/ (última consulta em 11 de outubro de 2023). Este facto levou algumas ONG a manifestarem uma profunda preocupação com a informação enganosa que esta comunicação difunde sobre os lobos na Europa, disponível em: https://www.wwf.eu/?11704941/Open‑letter‑to‑Commission‑President‑von‑der‑Leyen‑on‑protection‑status‑of‑wolves (último acesso em 21 de novembro de 2023).


30      O artigo 16º da Diretiva Habitats regula igualmente as derrogações ao regime de proteção menos rigorosa previsto no seu artigo 14.°.


31      V. Acórdãos de 10 de outubro de 2019, Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:851, a seguir «LSL Tapiola», n.º 30); e de 11 de junho de 2020, Alianța pentru combaterea abuzurilor (C‑88/19, EU:C:2020:458, n.º 25).


32      LSL Tapiola, n.º 61.


33      Este critério em dois momentos é proposto também pela Comissão, Documento de orientação sobre a proteção rigorosa de espécies animais de interesse comunitário ao abrigo da Diretiva Habitats, C/2021/7301 final (a seguir «documento de orientação»), n.os  3 a 63.


34      No Acórdão LSL Tapiola, n.º 55, o Tribunal de Justiça declarou: «Com efeito, o estado de conservação favorável dessas populações na sua área de repartição natural é uma condição necessária e prévia à concessão das derrogações previstas no referido artigo 16.°, n.º 1».


35      Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Finlândia (C‑342/05, EU:C:2007:341, n.º 29). V. igualmente n.º 68 do Acórdão LSL Tapiola.


36      LSL Tapiola, n.ºs 58 e 61.


37      A este respeito, há que observar igualmente que não foram apresentados ao Tribunal de Justiça dados que demonstrem o estado favorável dos lobos nos Alpes.


38      Pode acontecer que nem seja esse o caso. As ONG que participam no processo sustentaram que a comunicação de dados entre os Länder da Áustria pode ser problemática.


39      Conclusões no processo Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:394, n.º 83).


40      LSL Tapiola, n.º 59.


41      V. Linell, J. D. C., Boitani, L., «Building biological realism into wolf management policy: the development of the population approach in Europe», Hystrix, Ital J Mammal, 2012, pp. 80 a 91, e os exemplos fornecidos entre a Polónia e a Ucrânia, bem como a Suécia e a Noruega.


42      V., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Finlândia (C‑342/05, EU:C:2007:341, n.º 40).


43      V. documento de orientação, pp. 3 a 24.


44      De acordo com um estudo, o risco de reincidência da predação é cerca de 55 vezes superior nas explorações onde um lobo já atacou, em comparação com qualquer outra exploração da mesma área. V. Karlsson, J., e Johansson, Ö., «Predictability of repeated carnivore attacks on livestock favours reactive use of mitigation measures», Journal of Applied Ecology, 2010, vol. 47, pp. 166 a 171.


45      V., a este respeito, Mink, S., Loginova, D., Mann, S., «Wolves' contribution to structural change in grazing systems among Swiss alpine summer farms: The evidence from causal random forest», Journal of Agricultural Economics, 2023, 1 a 17, («o facto de os agricultores abandonarem a atividade de pastagem está fracamente correlacionado, entre outros fatores, com o ónus causado pelos lobos.», p. 3).


46      Martin, J.‑L., Chamaillé‑Jammes, S., e Waller, D.M., «Deer, wolves, and people: costs, benefits and challenges of living together», Biol Rev, 2020, p. 782 a 801. pp. 792.


47      V., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, Alianța pentru combaterea abuzurilor (C‑88/19, EU:C:2020:458, n.º 23 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça explicou nesse acórdão que, para dar cumprimento ao artigo 12.° da Diretiva Habitats, os Estados‑Membros devem adotar um quadro legislativo completo e executar medidas concretas e específicas de proteção. Têm igualmente de prever medidas coerentes e coordenadas de caráter preventivo.


48      O sublinhado é meu.


49      A este respeito, v. documento de orientação, pp. 3 a 56.


50      Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Finlândia (C‑342/05, EU:C:2006:752, n.os 24 e 27).


51      V. Grupo de Trabalho sobre os Grandes Carnívoros, os Ungulados Selvagens e a Sociedade (WISO) da Convenção Alpina e o projeto Life Wolfalps EU, Prevention of damages caused by large carnivores in the Alps, 2020, p. 20 (que descreve que não existe um programa oficial relativo à criação de CGG na Áustria, e que são os próprios agricultores que têm de os encontrar; que indica que «muitos pastores não sabem como lidar com CGG»).


52      Pode ainda acrescentar‑se que outras medidas possíveis mencionadas pelas demandantes no processo principal, como os abrigos noturnos para os ovinos ou os emissores colocados no lobo, não foram objeto de discussão.


53      A este respeito, parece que o despacho recorrido se baseia nas Recomendações do Grupo de Trabalho 2021 para as Províncias Federais relativas ao momento em que as medidas de proteção dos rebanhos para a proteção contra os grandes carnívoros, como os lobos, são satisfatórias. Contém um conjunto de critérios para a «Designação das áreas de proteção das pastagens de montanha da região alpina» (relativos ao declive das pastagens, à presença de estradas ou cursos de água, à geometria do terreno, ao número de cabeças de gado, etc.). Se apenas uma das pastagens da área visitada pelo lobo em causa não satisfizer os critérios de proteção assim determinados, considera‑se automaticamente que não existe outra solução satisfatória para proteger os rebanhos.


54      Por exemplo, um dos critérios invocados foi o de que o pastoreio do gado em causa com CGG não é razoável nem proporcional se o rebanho for composto por menos de 500 ovinos ou caprinos.


55      Quanto a esta necessidade de adaptação, no âmbito da Diretiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO 1979, L 103, p. 1), revogada pela Diretiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativa à conservação das aves selvagens (versão codificada) (JO 2010, L 20, p. 7, a seguir «Diretiva Aves»), que inclui, no seu artigo 9.°, n.º 1, uma norma de «não existir outra solução satisfatória» análoga à de que «não exista outra solução satisfatória» do artigo 16.°, n.º 1, da Diretiva Habitats, v. Acórdão de 17 de março de 2021, One Voice e Ligue pour la protection des oiseaux (C‑900/19, EU:C:2021:211, n.º 43 e jurisprudência referida).


56      V., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Comissão/Polónia (C‑46/11, não publicado, EU:C:2012:146, n.os  31, 42 e 49).


57      A este respeito, alguns projetos concretos na região do Tirol já permitiram a comunhão de recursos para permitir a proteção do gado. Em 2021, 850 ovinos de 35 agricultores foram agrupados a partir de várias comunidades. O rebanho de ovinos é continuamente guardado por dois pastores, com três CGG também de serviço. https://tirol.orf.at/stories/3111539/


58      Como o Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) ou o Life Wolfalps EU, mais informações disponíveis em: https://www.lifewolfalps.eu/


59      Acórdão de 14 de junho de 2007, Comissão/Finlândia (C‑342/05, EU:C:2007:341, n.º 31). V. Também Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no processo Luonnonsuojeluyhdistys Tapiola (C‑674/17, EU:C:2019:394, n.º 70).