Language of document : ECLI:EU:T:2016:368

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

28 de junho de 2016 (*)

cia — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercados português e espanhol das telecomunicações — Cláusula de não concorrência no mercado ibérico inserida no contrato para a aquisição pela Telefónica da participação detida pela Portugal Telecom no operador brasileiro de telefonia móvel Vivo — Salvaguarda legal ‘na medida do permitido por lei’ — Dever de fundamentação — Infração por objeto — Restrição acessória — Concorrência potencial — Infração por efeitos — Cálculo do montante da coima — Requerimento de inquirição de testemunhas»

No processo T‑208/13,

Portugal Telecom, SGPS SA, com sede em Lisboa (Portugal), representada por N. Mimoso Ruiz e R. Bordalo Junqueiro, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por C. Giolito, C. Urraca Caviedes e T. Christoforou e, em seguida, por C. Giolito, C. Urraca Caviedes e P. Costa de Oliveira, na qualidade de agentes, assistidos por M. Marques Mendes, advogado,

recorrida,

que tem por objeto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão C(2013) 306 final da Comissão, de 23 de janeiro de 2013, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.° TFUE (processo COMP/39.839 — Telefónica/Portugal Telecom), e, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da coima,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: E. Martins Ribeiro (relatora), presidente, S. Gervasoni e L. Madise, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 22 de maio de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O presente litígio, que diz respeito à Decisão C(2013) 306 final da Comissão, de 23 de janeiro de 2013, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.° TFUE (processo COMP/39.839 — Telefónica/Portugal Telecom) (a seguir «decisão impugnada»), tem origem na disposição da cláusula 9.ª (a seguir «cláusula») do Acordo de Compra de Ações (a seguir «acordo»), assinado entre a Telefónica, SA (a seguir «Telefónica»), e a recorrente, a Portugal Telecom, SGPS SA (a seguir «PT»), em 28 de julho de 2010, que tem por objeto o controlo exclusivo, pela Telefónica, do operador brasileiro de rede móvel Vivo Participações, SA (a seguir «Vivo»). A cláusula tem a seguinte redação (considerando 1 da decisão impugnada):

«9.ª — Não concorrência

Na medida do permitido por lei, as partes abster‑se‑ão de participar ou investir, direta ou indiretamente através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, por um período com início na data [da conclusão definitiva da transação em 27 de setembro de 2010] e até 31 de dezembro de 2011.»

2        A Comissão Europeia considerou, de acordo com a sua conclusão preliminar da comunicação de objeções de 21 de outubro de 2011, que, à luz do conteúdo da cláusula e de outras circunstâncias (o contexto económico e jurídico em que se inseria e o comportamento efetivo das partes), a cláusula equivalia a um acordo de partilha de mercado com o objeto de restringir a concorrência no mercado interno, constituindo uma infração ao artigo 101.° TFUE (considerandos 2 e 434 da decisão impugnada).

A –  Apresentação da PT e da Telefónica

3        O grupo Portugal Telecom foi constituído em 1994, através da fusão de três empresas públicas, e privatizado em cinco fases, entre 1995 e 2000. Na sequência da quinta e última fase de privatização, em 2000, o Estado português reteve 500 ações de categoria A (a seguir «ações privilegiadas»), que lhe conferiam certos direitos especiais, entre os quais o direito de veto relativamente a alterações dos estatutos da empresa e outras decisões empresariais importantes. Em 12 de dezembro de 2000, a Portugal Telecom, SA, adotou a estrutura de sociedade gestora de participações sociais e alterou a sua denominação para Portugal Telecom, SGPS SA (considerandos 21, 22 e 23 da decisão impugnada).

4        A PT é o maior operador de telecomunicações em Portugal e tem uma presença estratégica noutros países, nomeadamente no Brasil e na África subsariana. No Brasil, o principal ativo da PT consistia na participação de 50% na empresa comum que controla a Vivo, até à respetiva aquisição pela Telefónica. Na sequência da venda da sua participação na Vivo, em 28 de julho de 2010, a PT celebrou um acordo de parceria estratégica com a Oi, um dos principais fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas no Brasil (considerandos 24 e 25 da decisão impugnada).

5        Em 2010, a PT vendeu a sua participação de 0,20% na Telefónica e não detém o controlo de nenhuma empresa espanhola. Fornece serviços de telecomunicações aos seus clientes multinacionais portugueses que desenvolvem atividades no mercado espanhol, utilizando as redes de outros operadores, em especial a rede da Telefónica (considerandos 27, 28 e 233 da decisão impugnada).

6        A Telefónica detinha o anterior monopólio de telecomunicações do Estado espanhol, que foi totalmente privatizado em 1997, e é o maior operador de telecomunicações em Espanha. A Telefónica desenvolveu uma presença internacional em diversos países da União Europeia, da América Latina e de África e é um dos maiores grupos europeus de telecomunicações (considerandos 12 e 16 da decisão impugnada).

7        À data da adoção da decisão objeto do presente litígio, a Telefónica detinha 2% do capital da PT. À data dos factos objeto da referida decisão, a Telefónica detinha uma participação minoritária na ZON Multimédia (a seguir «ZON»), uma sociedade concorrente da PT com atividades no setor das comunicações eletrónicas, resultante da cisão, realizada em novembro de 2007, da PT Multimédia da sua empresa‑mãe PT. Além das suas participações em sociedades portuguesas, a Telefónica começou a desenvolver uma presença direta em Portugal através de duas das suas filiais e da sucursal portuguesa de uma delas (considerandos 18 a 20 e 215 da decisão impugnada).

8        Além disso, a Telefónica designava, conforme a data, um ou dois membros do conselho de administração da PT. Na data da conclusão definitiva da transação de compra da Vivo, ou seja, 27 de setembro de 2010 (v. n.° 25, infra), existiam dois membros do conselho de administração da PT designados pela Telefónica (nota de rodapé n.° 67 da decisão impugnada).

B –  Negociações e assinatura do acordo

9        A Vivo é um dos principais operadores de telecomunicações móveis do Brasil. Na data da assinatura do acordo, em 28 de julho de 2010, a Vivo era conjuntamente controlada pela Telefónica e pela PT, através da Brasilcel NV (a seguir «Brasilcel»), uma sociedade de investimento registada nos Países Baixos (considerando 33 da decisão impugnada).

10      Em 6 de maio de 2010, a Telefónica lançou uma oferta pública de aquisição hostil no valor de 5 700 milhões de euros sobre a participação de 50% então detida pela PT na Brasilcel. A referida oferta continha, designadamente, uma disposição segundo a qual «a Telefónica não exige nenhum compromisso em matéria de não concorrência ou de não angariação de clientes por parte da Portugal Telecom». Esta primeira oferta foi rejeitada por unanimidade pelos membros do conselho de administração da PT (considerandos 35 e 36 da decisão impugnada).

11      Em 1 de junho de 2010, às 02h53, na sequência de uma reunião entre as partes, que ocorreu em 31 de maio de 2010, a PT enviou à Telefónica uma mensagem de correio eletrónico com um projeto de segunda oferta para a compra da sua participação na Vivo. A cláusula foi introduzida pela primeira vez no referido projeto (considerando 38 da decisão impugnada).

12      O primeiro projeto da cláusula tinha a seguinte redação (considerando 39 da decisão impugnada):

«Não concorrência

As partes abster‑se‑ão de participar ou investir, direta ou indiretamente, através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas e móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, por um período com início na data de aceitação da oferta, até uma das seguintes datas, consoante a que for posterior (i) 31 de dezembro de 2011 ou (ii) a data de realização da transferência da última parcela da variante B das Put Shares.»

13      Numa mensagem de correio eletrónico enviada à PT em 1 de junho de 2010, às 12h21, a Telefónica sugeriu uma alteração à cláusula para acrescentar o segmento de frase «excluindo qualquer investimento ou atividade detidos ou realizados à data do presente acordo», a fim de excluir do seu âmbito de aplicação as atividades então existentes das partes nos mercados nacionais uma da outra. Esta alteração foi incluída na segunda oferta, datada de 1 de junho de 2010 (considerando 40 da decisão impugnada).

14      Além do primeiro projeto da cláusula, a segunda oferta previa um aumento do preço no valor total de 6 500 milhões de euros, uma opção de compra a favor da PT, nos termos da qual esta podia readquirir as suas ações detidas pela Telefónica, e um compromisso por parte da Telefónica no sentido de comprar as ações que a PT detinha na sociedade Dedic SA, um operador brasileiro de centros de chamadas. Além disso, a segunda oferta incluía ainda o compromisso, por parte da Telefónica, de que não exigiria «nenhum compromisso em matéria de não concorrência ou de não angariação de clientes por parte da Portugal Telecom» (considerandos 41 e 42 da decisão impugnada).

15      Na noite de 1 de junho de 2010, o conselho de administração da PT anunciou que considerava que a segunda oferta da Telefónica não refletia o valor real da Vivo. No entanto, decidiu apresentar a sua decisão à assembleia‑geral da empresa de 30 de junho de 2010 (considerando 45 da decisão impugnada).

16      A segunda oferta foi tornada pública pelas partes através da sua publicação nos respetivos sítios da Internet e da sua comunicação às autoridades reguladoras da bolsa de valores espanhola e portuguesa. Além disso, o conteúdo da cláusula incluída na segunda oferta foi também disponibilizado ao público através de uma brochura distribuída, em 9 de junho de 2010, pelo conselho de administração da PT aos seus acionistas, com vista à preparação da assembleia‑geral de acionistas prevista para 30 de junho de 2010 (considerandos 128 e 129 da decisão impugnada).

17      Em 29 de junho de 2010, a Telefónica apresentou uma terceira oferta no montante de 7 150 milhões de euros, sujeita, quanto ao restante, aos mesmos termos e condições da segunda oferta (considerando 46 da decisão impugnada).

18      Em 30 de junho de 2010, a assembleia‑geral da PT aprovou a terceira oferta apresentada pela Telefónica. No entanto, o Governo português exerceu o direito inerente às ações privilegiadas que detinha na PT (v. n.° 3, supra) para bloquear a transação, e a Telefónica prorrogou a terceira oferta até 16 de julho de 2010 (considerandos 47 e 48 da decisão impugnada).

19      No seu acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal (C‑171/08, Colet., EU:C:2010:412), o Tribunal de Justiça considerou que, ao manter na PT direitos especiais como os previstos nos estatutos da referida sociedade a favor do Estado e de outras entidades públicas, atribuídos em conexão com ações privilegiadas do Estado na PT, a República Portuguesa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 56.° CE (considerando 50 da decisão impugnada).

20      Em 16 de julho de 2010, a PT solicitou à Telefónica que prorrogasse a sua oferta até 28 de julho de 2010, mas, como a Telefónica recusou, a oferta caducou (considerando 51 da decisão impugnada).

21      Em 27 de julho de 2010, teve lugar uma nova reunião entre a PT e a Telefónica, e a Telefónica propôs à PT, por um lado, a introdução da expressão «na medida do permitido por lei», no início da cláusula, e, por outro, a fixação da duração da cláusula «com início na data [da conclusão definitiva da transação em 27 de setembro de 2010] e até 31 de dezembro de 2011» (considerandos 52 e 53 da decisão impugnada).

22      Em 28 de julho de 2010, a Telefónica e a PT celebraram o acordo, que conferiu à Telefónica o controlo exclusivo da Vivo, através da aquisição de 50% do capital da Brasilcel, pelo montante de 7 500 milhões de euros (considerando 54 da decisão impugnada).

23      O acordo incluía, enquanto cláusula 9.ª, a seguinte disposição (considerando 55 da decisão impugnada):

«9.ª — Não concorrência

Na medida do permitido por lei, as partes abster‑se‑ão de participar ou investir, direta ou indiretamente através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento ou atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, por um período com início na data de [conclusão definitiva da transação em 27 de setembro de 2010] e até 31 de dezembro de 2011.»

24      Contrariamente à segunda oferta (n.° 14, supra), o acordo já não previa a opção de compra a favor da PT, nos termos da qual esta podia readquirir as suas ações detidas pela Telefónica. Em contrapartida, o acordo previa, designadamente, em primeiro lugar, a demissão dos membros do conselho de administração da PT designados pela Telefónica (cláusula 3.ª, n.° 6, do acordo), em segundo lugar, um programa de parceria industrial entre as duas empresas (cláusula 6.ª do acordo), sob reserva de estas não concorrerem no Brasil (cláusula 7.ª do acordo), e, em terceiro lugar, a possível aquisição, por parte da Telefónica, da empresa brasileira Dedic, especializada na prestação de serviços de centros de chamadas (cláusula 10.ª do acordo) (considerandos 56 a 61 da decisão impugnada).

25      A transação foi finalizada em 27 de setembro de 2010, através da assinatura de uma «escritura de transferência de ações» e de uma «escritura de confirmação» (considerando 63 da decisão impugnada).

26      Na data da assinatura do acordo, em 28 de julho de 2010, a PT anunciou que tinha celebrado, na mesma data, um memorando de entendimento que estabelecia os princípios para o desenvolvimento de uma parceria estratégica com a Oi (v. n.° 4, supra) e que esperava adquirir uma participação de 22,38% no grupo Oi, de modo a desempenhar um papel importante na sua gestão (considerando 62 da decisão impugnada).

27      A transação da Vivo foi notificada, em 29 de julho e 18 de agosto de 2010, à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e ao Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE), e, num artigo publicado na imprensa em 23 de agosto de 2010, a Telefónica confirmou que o acordo incluía uma cláusula de não concorrência (considerandos 103, 130 e 491 da decisão impugnada).

C –  Factos supervenientes à celebração do acordo

28      Em 26 e 29 de outubro de 2010, realizaram‑se duas conferências telefónicas entre a Telefónica e a PT (considerandos 113 e 124 da decisão impugnada).

29      Em 4 de fevereiro de 2011, na sequência do início do procedimento pela Comissão em 19 de janeiro de 2011 (v. n.° 31, infra), a Telefónica e a PT assinaram um acordo com vista a suprimir a cláusula (considerando 125 da decisão impugnada), com a seguinte redação:

«Considerandos:

Considerando que a [PT] e a Telefónica concluíram um acordo (o ‘Acordo’), em 28 de julho de 2010 relativo à venda, pela [PT] à Telefónica, de 50% (cinquenta por cento) do capital social remanescente da empresa [neerlandesa] [Brasilcel] (‘Brasilcel’ ou a ‘empresa’).

Considerando que a cláusula 9.ª do Acordo incluía uma cláusula de não concorrência segundo a qual, na medida do permitido por lei, as partes se absteriam de entrar em concorrência uma com a outra no mercado ibérico, desde a Conclusão (tal como definida no Acordo), até 31 de dezembro de 2011.

Considerando que a cláusula 9.ª do Acordo foi inicialmente discutida entre as partes no contexto do direito da PT de comprar as participações da Telefónica na PT, tendo sido conservada no Acordo final apesar de o referido direito ter sido abandonado, sem prejuízo da sua conformidade com a lei.

Considerando que as partes desejam confirmar por escrito o seu entendimento de que a cláusula 9.ª não pode ser executada, e não foi, em momento algum, executada e, por conseguinte, não afetou as respetivas decisões comerciais.

Considerando que a Telefónica e a PT foram notificadas em 24 e 21 de janeiro de 2011, respetivamente, quanto ao início, pela Comissão Europeia, de um processo formal nos que se refere à referida cláusula 9.ª

À luz do que precede, as partes acordam o seguinte:

Primeiro. Alteração do acordo e retirada de direitos

O acordo é alterado mediante supressão integral da cláusula 9.ª, que será considerada como desprovida de conteúdo em qualquer momento.

As partes confirmam de forma irrevogável e a título definitivo que a cláusula 9.ª não conferiu e não pode ter conferido quaisquer direitos nem impôs nem pode ter imposto quaisquer obrigações a qualquer delas nem a qualquer terceiro.

Segundo. Direito aplicável

O presente Acordo e qualquer questão ou litígio com ele relacionados, ou relacionados com a sua execução ou com as consequências do seu incumprimento serão regidos e interpretados em conformidade com o direito português.»

D –  Procedimento na Comissão

30      A cláusula foi detetada em setembro de 2010 pela Autoridade de Concorrência espanhola, que informou a Autoridade da Concorrência portuguesa e a Comissão da sua existência, tendo sido decidido confiar a investigação a esta última (considerando 3 da decisão impugnada).

31      Em 19 de janeiro de 2011, a Comissão deu início a um procedimento contra a Telefónica e a PT, nos termos do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), e do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18) (considerando 5 da decisão impugnada).

32      No âmbito da investigação, a Comissão enviou pedidos de informações às partes, nos termos do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, em 5 de janeiro, 1 de abril, 25 de maio, 10 de junho e 24 de junho de 2011, bem como em 5 de setembro de 2012, e a alguns dos seus clientes multinacionais, em 20 de abril de 2011. Além disso, foram realizadas reuniões com a PT, em 17 de março e 8 de setembro de 2011 e em 27 de setembro de 2012, e com a Telefónica, em 21 de março e 7 de setembro de 2011 e em 27 de setembro de 2012 (considerando 6 da decisão impugnada).

33      Em 21 de outubro de 2011, a Comissão adotou uma comunicação de objeções; em 4 de novembro de 2011, foi concedido às partes acesso à documentação do procedimento; e, em 7 de novembro de 2011, as partes receberam os documentos correspondentes. Em 13 de janeiro de 2012, a Telefónica e a PT apresentaram as suas respostas à comunicação de objeções, mas não solicitaram a realização de uma audição oral (considerandos 7, 8 e 9 da decisão impugnada).

34      Em 23 de janeiro de 2013, a Comissão adotou a decisão impugnada.

 Decisão impugnada

35      A Comissão informou que o processo na origem da decisão impugnada dizia respeito à cláusula que figurava no acordo (n.os 1, 22 e 23, supra) (considerando 1 da decisão impugnada).

36      A Comissão explicou que tinha concluído, na comunicação de objeções, que, à luz do conteúdo da cláusula e de outras circunstâncias (o contexto económico e jurídico em que aquela se inseria e o comportamento efetivo das partes), a cláusula equivalia a um acordo de partilha de mercado com o objeto de restringir a concorrência no mercado interno, constituindo uma infração ao artigo 101.° TFUE, e que confirmava essa conclusão na decisão impugnada (considerando 2 da decisão impugnada).

37      Em primeiro lugar, a Comissão analisou os antecedentes de facto das negociações entre as partes que levaram à introdução da cláusula na versão final do acordo, os factos posteriores à assinatura do mesmo (v. n.os 10 a 29, supra) e os argumentos apresentados pelas partes relativamente aos referidos antecedentes e factos (considerandos 29 a 130 da decisão impugnada).

38      Em segundo lugar, a Comissão considerou, com respeito ao âmbito de aplicação da cláusula e aos mercados relevantes, que, atendendo à redação da cláusula (n.os 1 e 23, supra), esta abrangia qualquer projeto relativo a serviços de comunicações eletrónicas, desde que a outra parte prestasse ou pudesse prestar esse serviço. Consequentemente, como decorre da sua redação, a cláusula dizia respeito aos serviços de comunicações fixas e móveis, de acesso à Internet e de televisão, bem como aos serviços de radiodifusão que são considerados serviços de comunicações, apesar de não se encontrarem referidos na cláusula. Em contrapartida, a Comissão precisou que, nos termos da redação da cláusula, qualquer investimento ou atividade detidos ou realizados anteriormente à data de assinatura do acordo, a saber, 28 de julho de 2010, ficavam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula (considerandos 132 a 136 e 185 da decisão impugnada).

39      A respeito deste último ponto, a Comissão observou que os serviços globais de telecomunicações e os serviços grossistas de transporte internacional estavam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula, devido à presença de ambas as partes nos mercados dos referidos serviços na Península Ibérica à data da assinatura do acordo (considerandos 173, 174, 184 e 185 da decisão impugnada).

40      Relativamente ao âmbito geográfico da cláusula, a Comissão interpretou a expressão «mercado ibérico» como fazendo referência aos mercados espanhol e português. Tendo em conta as atividades comerciais das partes, que consistiam numa presença na maioria dos mercados das comunicações eletrónicas nos seus países de origem e numa presença reduzida ou mesmo inexistente no país de origem da outra parte (n.os 3 a 7, supra), a Comissão considerou que o âmbito de aplicação geográfico da cláusula correspondia a Portugal, para a Telefónica, e a Espanha, para a PT (considerandos 137 a 140 da decisão impugnada).

41      Por conseguinte, a Comissão concluiu que a cláusula abrangia todos os mercados de serviços de comunicações eletrónicas e de televisão em Espanha e Portugal, excetuando os mercados de serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional (considerando 185 da decisão impugnada).

42      Em terceiro lugar, segundo a Comissão, não há dúvida de que a cláusula constitui um acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, na medida em que se trata de um acordo por escrito, celebrado e assinado pelas partes, cuja existência é incontestável, e que, além disso, a cláusula foi incluída na escritura pública celebrada perante notário, cujo preâmbulo refere que uma cópia do acordo foi anexada à escritura (considerando 237 da decisão impugnada).

43      Primeiro, à luz da jurisprudência relativa às restrições da concorrência por objeto, a Comissão considerou, após ter apreciado os argumentos das partes, que a cláusula constituía uma restrição por objeto, atendendo ao conteúdo do acordo, aos objetivos prosseguidos pela cláusula, ao contexto económico e jurídico em que a cláusula se inseria, ao comportamento efetivo das partes e, por último, à intenção das mesmas (considerandos 238 a 242 e 243 a 356 da decisão impugnada).

44      A Comissão concluiu, assim, relativamente ao objeto da cláusula, que, tomando em consideração o âmbito de aplicação da cláusula, esta impedia a PT de entrar em quaisquer mercados das telecomunicações em Espanha e a Telefónica de expandir a sua limitada presença nos mercados das comunicações eletrónicas portugueses, durante o período de vigência da cláusula, pelo que, em vez de concorrerem entre si e de se comportarem como rivais, como seria de esperar num mercado aberto e concorrencial, a Telefónica e a PT acordaram deliberadamente em excluir ou limitar a concorrência nos respetivos mercados nacionais, consubstanciando, por conseguinte, a cláusula um acordo de partilha de mercados (considerando 353 da decisão impugnada).

45      A respeito deste último aspeto, a Comissão referiu que, além disso, a cláusula era suscetível de atrasar o processo de integração no mercado do setor das comunicações eletrónicas, uma vez que o processo de integração desse mercado seria gravemente prejudicado se operadores históricos, como a Telefónica e a PT, pudessem reforçar o seu já muito forte poder de mercado através de uma colusão, no sentido de proteger os seus mercados nacionais e de evitar a entrada de outros operadores nestes últimos (considerandos 354 e 355 da decisão impugnada).

46      Segundo, após ter recordado que, em conformidade com a jurisprudência, não era necessário tomar em consideração os efeitos concretos de um acordo se se demonstrasse que este constituía uma restrição da concorrência por objeto, o que, segundo a Comissão, sucedia no caso vertente, esta referiu, todavia, em resposta aos argumentos das partes, que, antes de mais, a cláusula tinha sido celebrada entre dois concorrentes, pelo que era suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais; que, em seguida, mesmo que se considerasse que a cláusula não era suscetível de produzir efeitos, tal não impediria que fosse considerada uma restrição por objeto, na medida em que, se um acordo tivesse por objeto a restrição da concorrência, era irrelevante, no que se refere à existência da infração, que o acordo tivesse ou não sido celebrado no interesse comercial de um dos participantes, sendo o facto de a cláusula, que tinha por objeto a restrição da concorrência, não ser suscetível de produzir quaisquer efeitos nos interesses comerciais da Telefónica ou da PT, por conseguinte, irrelevante; e que, por último, as partes não tinham apresentado elementos de prova de novas atividades em Espanha ou em Portugal que pudessem negar que a cláusula tivesse sido executada, o que não demonstrava por si só que a cláusula tenha sido executada, mas era um indício de que tal podia ter acontecido (considerandos 240 e 357 a 365 da decisão impugnada).

47      A Comissão considerou que havia que ter em conta que, no presente caso, não era necessário demonstrar os efeitos anticoncorrenciais, visto que o objetivo anticoncorrencial da cláusula tinha sido provado, e que, por conseguinte, não era necessário realizar uma apreciação pormenorizada de cada mercado das comunicações eletrónicas em causa e dos efeitos da cláusula no âmbito de cada um desses mercados (considerando 366 da decisão impugnada).

48      Terceiro, a Comissão referiu que a cláusula não podia ser apreciada como uma restrição acessória à transação da Vivo, visto que a cláusula era relativa ao mercado ibérico, ao passo que a transação da Vivo dizia respeito a um operador cuja atividade se limitava ao Brasil, e que a cláusula não podia ser considerada necessária à realização da operação (considerandos 367 a 433 da decisão impugnada).

49      A Comissão chegou à conclusão de que a cláusula impunha uma obrigação de não concorrência às partes e consubstanciava um acordo de partilha de mercados com o objetivo de restringir a concorrência no mercado interno, constituindo, assim, uma infração ao artigo 101.° TFUE, tendo em conta o conteúdo do acordo (e, em especial, a redação da cláusula, que deixava poucas — ou nenhumas — dúvidas quando ao seu caráter de não concorrência), o contexto económico e jurídico em que o acordo se inseria (ou seja, os mercados das comunicações eletrónicas, que estavam liberalizados) e o comportamento efetivo das partes (em especial, a revogação do acordo por sua iniciativa, apenas em 4 de fevereiro de 2011, na sequência do início do procedimento pela Comissão, em 19 de janeiro de 2011, e não na sequência das conferências telefónicas de outubro de 2010, como alegaram as partes) (considerando 434 da decisão impugnada).

50      Quarto, a Comissão precisou que a cláusula não preenchia os requisitos previstos no artigo 101.°, n.° 3, TFUE (considerandos 436 a 446 da decisão impugnada) e que era suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros (considerandos 447 a 453 da decisão impugnada).

51      Quinto, relativamente à duração da infração, a Comissão concluiu que esta correspondia ao período compreendido entre a data da conclusão definitiva da transação, ou seja, 27 de setembro de 2010 (v. n.° 25, supra), e a data da supressão da referida cláusula, ou seja, 4 de fevereiro de 2011 (v. n.° 29, supra) (considerandos 454 a 465 da decisão impugnada).

52      Sexto, quanto ao cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão impugnada, as disposições das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações»).

53      Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão teve em consideração o valor das vendas dos serviços abrangidos pela cláusula, conforme definidos na secção 5 da decisão impugnada (v. n.os 38 a 40, supra), e, designadamente, para cada parte, apenas o valor das suas próprias vendas no seu país de origem (considerandos 478 a 483 da decisão impugnada).

54      A Comissão também recordou que, em geral, tinha em conta as vendas realizadas pelas empresas durante o último ano completo da sua participação na infração, mas que, no caso em apreço, a infração tinha tido uma duração inferior a um ano e se encontrava dividida entre 2010 e 2011. Consequentemente, a Comissão utilizou as vendas das empresas em 2011, as quais eram inferiores às vendas realizadas pelas partes em 2010 (considerando 484 da decisão impugnada).

55      Quanto à gravidade da infração, que determina a percentagem do valor das vendas a ter em consideração para a fixação do montante de base da coima, a Comissão recordou que a infração consistia num acordo de não concorrência e de repartição dos mercados espanhol e português das comunicações eletrónicas e da televisão e que a Telefónica e a PT eram os operadores históricos nos seus países respetivos. Além disso, a Comissão referiu que tomava em consideração o facto de as partes não terem mantido a cláusula secreta (v. n.os 16 e 27, supra). Atendendo a estes elementos, a Comissão entendeu que a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração devia ser de 2% para as duas empresas em causa (considerandos 489 a 491 e 493 da decisão impugnada).

56      No que se refere à duração da infração, a Comissão tomou em consideração o facto de a mesma se ter prolongado de 27 de setembro de 2010 (data da escritura pública e, por conseguinte, da conclusão definitiva da transação) a 4 de fevereiro de 2011 (data do acordo através do qual as partes puseram termo à cláusula) (considerando 492 da decisão impugnada).

57      A Comissão considerou que não existiam circunstâncias agravantes e que a data de revogação da cláusula — 4 de fevereiro de 2011 — constituía uma circunstância atenuante tendo em conta o facto de que a mesma ocorreu apenas 16 dias após o início do procedimento e 30 dias após o envio do primeiro pedido de informações às partes. Por outro lado, uma vez que a cláusula não era secreta, a Comissão considerou que o montante de base da coima a aplicar às partes devia ser reduzido em 20% (considerandos 496, 500 e 501 da decisão impugnada).

58      O montante final das coimas ascendia a 66 894 000 euros para a Telefónica e a 12 290 000 euros para a PT (considerando 512 da decisão impugnada). A Comissão esclareceu que este montante não excedia 10% do volume de negócios total de nenhuma das empresas em causa (considerandos 510 e 511 da decisão impugnada).

59      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

A [Telefónica] e a [PT] cometeram uma infração ao artigo 101.° [TFUE] ao serem partes num acordo de não concorrência constante da cláusula 9.ª no Acordo de Compra de Ações celebrado por estas empresas em 28 de julho de 2010.

A infração prolongou‑se de 27 de setembro de 2010 até 4 de fevereiro de 2011.

Artigo 2.°

Relativamente à infração referida no artigo 1.°, são aplicadas as seguintes coimas:

a)      [Telefónica]: 66 894 000 EUR

b)      [PT]: 12 290 000 EUR

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

60      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de abril de 2013, a recorrente interpôs o presente recurso.

61      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, convidou as partes a apresentarem documentos. As partes responderam a esse pedido no prazo estabelecido.

62      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 22 de maio de 2015.

63      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        considerar regularmente interposto e admissível o presente recurso de anulação, nos termos do artigo 263.° TFUE e para efeitos do artigo 264.° TFUE;

–        anular a decisão impugnada;

–        subsidiariamente, reduzir a coima que lhe foi aplicada nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas do processo e das despesas por si incorridas.

64      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        subsidiariamente, julgar o recurso inteiramente desprovido de fundamento jurídico e manter a decisão nos seus exatos termos e a coima aplicada no preciso montante apurado;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

A –  Quanto à admissibilidade

65      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca formalmente dois fundamentos de anulação, o primeiro dos quais é relativo à violação de formalidades essenciais, a saber, a falta de fundamentação e a insuficiência da prova, e o segundo é relativo à violação do Tratado e das normas relativas à sua aplicação, na medida em que a decisão padece de um erro manifesto sobre os factos, sobre a prova e sobre a suficiência da prova; de um erro na interpretação do artigo 101.° TFUE e consequente violação desta disposição; de uma violação do dever de investigar e de se pronunciar; de uma violação do princípio in dubio pro reo; de uma violação dos princípios a que a Comissão se vinculou na aplicação de coimas; e de uma violação do princípio da proporcionalidade.

66      Antes da exposição dos fundamentos propriamente ditos, a petição contém três partes preliminares, intituladas «Os factos», «Objeto do recurso» e «Conteúdo essencial e principais vícios da decisão».

67      A Comissão sustenta que, devido à sua falta de clareza e de inteligibilidade, bem como à forma de apresentação dos fundamentos invocados, a petição de recurso deve ser declarada inadmissível nos termos do artigo 44.° do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991. A Comissão alega que é muito difícil distinguir entre o que a recorrente pretende apresentar como fundamentos de anulação, uma vez que a exposição dos fundamentos propriamente ditos só é feita a partir do ponto 276 da petição, sendo precedida de mais de 250 pontos de desenvolvimentos nos quais a recorrente não esclarece em que consiste, em seu entender, a efetiva concretização de um ou vários dos fundamentos de anulação da decisão impugnada. Por outro lado, na exposição dos fundamentos de anulação, a recorrente não esclarece em que medida os referidos desenvolvimentos são importantes para a concretização dos ditos fundamentos de anulação.

68      Recorde‑se que, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, a petição deve conter o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal proferir uma decisão, eventualmente sem outras informações (acórdão de 30 de janeiro de 2007, France Télécom/Comissão,T‑340/03, Colet., EU:T:2007:22, n.° 166). Por outro lado, o juiz da União considerou que se devia admitir que o enunciado dos fundamentos do recurso não estava ligado à terminologia nem à enumeração do Regulamento de Processo e que a apresentação desses fundamentos, pela sua essência mais do que pela sua qualificação jurídica, podia bastar desde que os referidos fundamentos se inferissem da petição com clareza suficiente (v. despacho de 21 de maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colet., EU:T:1999:109, n.° 55 e jurisprudência aí referida).

69      Em contrapartida, se não for esse o caso e se a petição não formular, nomeadamente, críticas precisas contra a decisão impugnada, há que declarar o recurso inadmissível (v., neste sentido, despacho de 20 de janeiro de 2012, Groupe Partouche/Comissão, T‑315/10, EU:T:2012:21, n.os 22 e seguintes).

70      Assim, não é aceitável que tanto a instituição recorrida como o Tribunal Geral se encontrem limitados a tecer conjeturas sobre os raciocínios e as considerações precisas, tanto factuais como jurídicas, que poderão ter estado na base das considerações da recorrente. Com efeito, é, designadamente, uma situação como esta, fonte de insegurança jurídica e incompatível com uma boa administração da justiça, que o artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991 tem por objetivo prevenir (v., neste sentido, despacho de 19 de maio de 2008, TF1/Comissão, T‑144/04, Colet., EU:T:2008:155, n.° 57).

71      Por último, há que salientar que os elementos constantes de uma petição na qual se pede a anulação de uma decisão, sob o título «Os factos», «Objeto do recurso» ou ainda «Conteúdo essencial e principais vícios da decisão», não podem, à primeira vista, constituir fundamentos autónomos suscetíveis de conduzir à anulação da decisão impugnada, sendo antes descritíveis dos factos e do ato posto em causa. Contudo, não é possível excluir a priori que essa parte da petição possa conter a exposição de um ou mais fundamentos de anulação. No entanto, só na medida em que resulte clara e inequivocamente de uma passagem sob esses títulos que, além da sua função descritiva, essa passagem põe em causa a validade das declarações emitidas na decisão impugnada é que a mesma pode, eventualmente, ser considerada um fundamento, não obstante a estrutura da petição e a sua localização na economia geral desta (v., neste sentido, acórdãos de 14 de dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, Colet., EU:T:2005:455, n.° 106, e de 1 de julho de 2008, Comissão/D, T‑262/06 P, ColetFP, EU:T:2008:239, n.° 52).

72      No caso em apreço, há que constatar uma falta de clareza da petição, em razão, designadamente, do facto de a recorrente expor, em mais de 200 pontos, «[o c]onteúdo essencial e [os] principais vícios da decisão», antes de abordar os «fundamentos» propriamente ditos. Uma vez que estes «fundamentos» são desenvolvidos muito sumariamente, afigura‑se necessário proceder à identificação, nestes cerca de 200 pontos, das alegações e dos argumentos em apoio dos fundamentos invocados.

73      Afigura‑se, aliás, que foi essa a intenção da recorrente, como afirmou no n.° 69 da réplica e confirmou na audiência. Contrariamente ao que alega a Comissão, é possível identificar, na parte relativa ao «[c]onteúdo essencial e [aos] principais vícios da decisão», as críticas que a recorrente faz à decisão impugnada e as disposições cuja violação invoca. Assim, não se pode sustentar, tal como a Comissão, que resulta largamente «da [petição] […] uma total ausência de conclusões jurídicas aptas a pôr em causa a legalidade da [decisão impugnada]». Por outro lado, importa observar que a Comissão pôde formular uma resposta às alegações invocadas pela recorrente.

74      Daqui resulta que a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão deve ser julgada improcedente e que a petição deve ser declarada admissível.

75      Todavia, há que salientar que, embora seja possível identificar, nos cerca de 200 pontos que precedem a exposição dos fundamentos propriamente ditos da petição, as críticas que a recorrente faz à decisão impugnada e as disposições cuja violação invoca, os seus articulados caracterizam‑se pela falta de correspondência entre essas críticas e os fundamentos invocados e por uma certa falta de concisão. Nestas circunstâncias, é útil recordar que a obrigação de o Tribunal Geral fundamentar as suas decisões não pode ser interpretada no sentido de que implica que seja obrigado a responder em pormenor a cada argumento invocado por uma parte, especialmente quando este argumento não reveste um caráter suficientemente claro e preciso e não assenta em elementos de prova circunstanciados (acórdãos de 11 de setembro de 2003, Bélgica/Comissão, C‑197/99 P, Colet., EU:C:2003:444, n.° 81, e de 11 de janeiro de 2007, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, C‑404/04 P, EU:C:2007:6, n.° 90). Além disso, resulta de jurisprudência constante que o dever de fundamentação não impõe que o Tribunal Geral faça uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os passos do raciocínio articulado pelas partes no litígio e que a fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões por que o Tribunal Geral não acolheu os respetivos argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v. acórdão de 16 de julho de 2009, Comissão/Schneider Electric, C‑440/07 P, Colet., EU:C:2009:459, n.° 135 e jurisprudência aí referida).

B –  Quanto ao mérito

1.     Quanto aos pedidos relativos à anulação da decisão impugnada

76      Em apoio do seu pedido de anulação da decisão impugnada, a recorrente invoca um fundamento relativo à violação de formalidades essenciais e um fundamento relativo à violação do artigo 101.° TFUE e das normas que devem ser observadas na sua aplicação.

a)     Quanto ao fundamento relativo à violação de formalidades essenciais

77      A recorrente alega, a título da violação de formalidades essenciais, que a decisão impugnada padece de falta de fundamentação e de insuficiência da prova, devendo, porém, esta última alegação, como a recorrente confirmou na audiência, ser tratada no âmbito do exame do segundo fundamento de anulação, relativo à violação do artigo 101.° TFUE.

78      Quanto à pretensa falta de fundamentação, importa recordar que o dever de fundamentação previsto no artigo 296.° TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade em sede de mérito do ato controvertido (acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., EU:C:1998:154, n.° 67; de 22 de março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colet., EU:C:2001:178, n.° 35; e de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., EU:C:2011:620, n.° 146).

79      No caso em apreço, em primeiro lugar, há que observar que a recorrente aborda a falta de fundamentação da decisão impugnada, sob a epígrafe «Falta de fundamentação», na parte da petição intitulada «Fundamentos de anulação». Importa examinar, a seguir, as alegações que figuram sob esta epígrafe. Em segundo lugar, afigura‑se que, ao longo da sua petição, a recorrente aduz críticas que podem parecer alegações relativas à fundamentação, mas que respeitam, sob reserva das alegações examinadas nos n.os 165 a 168, 220 a 224 e 254 a 256, infra, na realidade, à questão da procedência da decisão impugnada e que, por conseguinte, importa examinar quando da análise das questões de mérito com as quais estão relacionadas.

80      No âmbito das suas críticas formalmente relacionadas com o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação, a recorrente, depois de ter recordado que a referida obrigação está prevista no artigo 296.° TFUE, limita‑se a alegar que a «motivação da [decisão impugnada] contém omissões, imprecisões e erros em matérias essenciais, o que inquina insanavelmente as suas conclusões», e a referir‑se, «[a] título de exemplo», às conclusões da Comissão que constam dos considerandos 264 e seguintes e 353 e seguintes da decisão impugnada. Todavia, resulta das suas afirmações que, na realidade, não critica a fundamentação, mas a procedência das considerações que figuram nos referidos considerandos, conforme, de resto, confirmou na audiência, o que ficou registado em ata.

81      Daqui resulta que, na medida em que não diz respeito às alegações que contestam, na realidade, a procedência da decisão impugnada, e sem prejuízo dos n.os 165 a 168, 220 a 224 e 254 a 256, infra, o fundamento relativo à violação de formalidades essenciais deve ser rejeitado, sem que seja necessário proceder ao exame dos argumentos da recorrente relacionados formalmente com este fundamento, à luz do dever de fundamentação.

b)     Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 101.° TFUE e das normas relativas à sua aplicação

82      Segundo a recorrente, dada a natureza da cláusula e as circunstâncias e o contexto jurídico e económico em que se insere, nem a referida cláusula nem a obrigação de as partes se absterem de concorrer no mercado ibérico devem ser consideradas restrições da concorrência por objeto.

83      Por conseguinte, a recorrente censura à Comissão ter violado o artigo 101.° TFUE ao qualificar a cláusula como uma restrição da concorrência por objeto. Neste contexto, alega que a Comissão não aduziu a prova da infração e que esta instituição cometeu um erro manifesto sobre os factos, sobre a prova e sobre a suficiência da prova; um erro na aplicação do artigo 101.° TFUE e uma violação do Tratado; uma violação do dever de investigar e de se pronunciar; e, por último, uma violação do princípio in dubio pro reo.

84      Como confirmou na audiência, a recorrente desenvolve, em substância, os seguintes argumentos de direito e de facto em apoio deste fundamento: a cláusula não tinha nenhuma relação com a transação da Vivo, mas estava relacionada com a opção de compra, pela PT, das participações do seu capital social detidas pela Telefónica (a seguir «opção de compra»), que figurava na segunda e terceira ofertas, mas já não constava da versão final do acordo, ou com a demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, que estava prevista no acordo; a cláusula continha duas obrigações distintas — uma obrigação principal de autoavaliação e uma obrigação secundária de não concorrência —, sendo que a segunda só se tornava vinculativa se a sua legalidade fosse declarada quando do exercício da primeira; a cláusula não podia constituir uma restrição da concorrência por objeto, uma vez que a Comissão não demonstrou que a Telefónica e a PT eram concorrentes potenciais e que a cláusula era, portanto, suscetível de restringir a concorrência; e, por último, na medida em que a cláusula não constituía uma restrição da concorrência por objeto, a Comissão deveria ter examinado os seus efeitos.

 Observações preliminares

85      Importa recordar que, para entrar no âmbito da proibição enunciada no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

86      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinadas formas de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, Colet., EU:C:2014:2204, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

87      Esta jurisprudência prende‑se com o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (v. acórdão CB/Comissão, n.° 86, supra, EU:C:2014:2204, n.° 50 e jurisprudência aí referida).

88      Assim, é pacífico que determinados comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem ser considerados de tal modo suscetíveis de terem efeitos negativos, em especial, no preço, na quantidade ou na qualidade dos produtos e dos serviços que se pode considerar inútil, para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos, em prejuízo, especialmente, dos consumidores (acórdão CB/Comissão, n.° 86, supra, EU:C:2014:2204, n.° 51).

89      Se a análise de um tipo de coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar, em contrapartida, os seus efeitos e, para a proibir, exigir que estejam reunidos os elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v. acórdão CB/Comissão, n.° 86, supra, EU:C:2014:2204, n.° 52 e jurisprudência aí referida).

90      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de apreciar se um acordo entre empresas, ou uma decisão de associação de empresas, apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objeto» no sentido do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. acórdão CB/Comissão, n.° 86, supra, EU:C:2014:2204, n.° 53 e jurisprudência aí referida).

91      Além disso, embora a intenção das partes não seja um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada impede que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União a tenham em conta (v. acórdão CB/Comissão, n.° 86, supra, EU:C:2014:2204, n.° 54 e jurisprudência aí referida).

92      É à luz destes princípios que há que examinar os argumentos apresentados pela recorrente.

 Quanto à argumentação relativa ao facto de a cláusula estar relacionada com a opção de compra ou com a demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica

93      A recorrente alega que a cláusula não tinha nenhuma relação com a transação da Vivo, mas que estava relacionada com a opção de compra, que figurava na segunda e terceira ofertas — consistindo esta última apenas num aumento do preço, sem alteração dos termos do acordo — e já não constava da versão final do acordo, e com a demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, que estava previsto neste.

94      A recorrente sublinha que a opção de compra e a cláusula surgiram ao mesmo tempo na segunda oferta e alega que a obrigação de não concorrência era típica de uma aquisição de ativos como a opção de compra, que implica o risco de o cedente explorar o setor cedido, de que tem um bom conhecimento.

95      Em razão da redução, pela Telefónica, da sua participação no capital social da PT, para cerca de 2%, anunciada em 23 de junho de 2010, a quarta oferta já não continha uma opção de compra, mas a obrigação de a Telefónica encetar diligências para que os seus dois representantes no conselho de administração da PT renunciassem a esse cargo. Dadas as dificuldades do processo de negociação, algumas disposições provenientes das ofertas anteriores não foram, porém, novamente discutidas, pelo que a cláusula foi mantida, com a inserção da fórmula «[n]a medida do permitido por lei».

96      A recorrente indicou na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que não alegava que a cláusula devia ter sido qualificada de restrição acessória à renúncia dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica. Todavia, resulta, em substância, das suas afirmações que alega ter associado o compromisso de não concorrência, por um lado, à opção de compra das suas ações detidas pela Telefónica e, por outro, à renúncia dos membros do seu conselho de administração nomeados por esta. Além disso, segundo a recorrente, quando a opção de compra foi suprimida do projeto de acordo na quarta oferta, foi aí inserida a menção «[n]a medida do permitido por lei», transformando assim a cláusula de não concorrência numa cláusula de autoavaliação. Nestas condições e na medida em que, com esta argumentação, a recorrente pretende subtrair a cláusula à aplicação do artigo 101.° TFUE, importa considerar o seguinte.

97      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e proporcionada aos objetivos de uma ou da outra (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, Colet., EU:C:2014:2201, n.° 89 e jurisprudência aí referida).

98      Com efeito, quando não for possível dissociar tal restrição da operação ou da atividade principal sem comprometer a existência e os objetos das mesmas, há que analisar a compatibilidade dessa restrição com o artigo 101.° TFUE juntamente com a compatibilidade da operação ou da atividade principal de que é acessória, e isso apesar de se afigurar que essa restrição, considerada isoladamente, pode, à primeira vista, ser abrangida pelo princípio da proibição do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (acórdão MasterCard e o./Comissão, n.° 97, supra, Colet., EU:C:2014:2201, n.° 90).

99      Consequentemente, o conceito de restrição acessória abrange toda e qualquer restrição que esteja diretamente ligada e seja necessária à realização de uma operação principal (acórdãos de 18 de setembro de 2001, M6 e o./Comissão, T‑112/99, Colet., EU:T:2001:215, n.° 104, e de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, Colet., EU:T:2012:332, n.° 62).

100    Por restrição diretamente ligada à realização de uma operação principal, deve entender‑se toda e qualquer restrição que esteja subordinada em importância à realização desta operação e que comporte um nexo evidente com esta (acórdãos M6 e o./Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2001:215, n.º 105, e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.º 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 63).

101    A condição relativa à necessidade de uma restrição, por sua vez, implica um duplo exame. Com efeito, é conveniente procurar, por um lado, se a restrição é objetivamente necessária à realização da operação principal e, por outro, se é proporcionada a esta (acórdãos M6 e o./Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2001:215, n.° 106, e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 64).

102    No que concerne ao caráter objetivamente necessário de uma restrição, há que sublinhar que, na medida em que a existência de uma regra de razão em direito da concorrência da União não pode ser admitida, seria errado interpretar, no âmbito da qualificação das restrições acessórias, a condição da necessidade objetiva como implicando uma ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo (acórdãos M6 e o./Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2001:215, n.° 107, e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 65).

103    Esta posição justifica‑se não apenas para respeitar o efeito útil do artigo 101.°, n.° 3, TFUE mas também por razões de coerência. Com efeito, uma vez que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE não implica uma análise dos efeitos positivos e negativos, para a concorrência, de uma restrição principal, a mesma conclusão se impõe no que concerne à análise das restrições que a acompanham (acórdãos M6 e o./Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2001:215, n.° 108, e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 66).

104    Consequentemente, o exame do caráter objetivamente necessário de uma restrição em relação à operação principal só pode ser relativamente abstrato. Trata‑se, não de analisar se, face à situação concorrencial no mercado em causa, a restrição é indispensável para o sucesso comercial da operação principal, mas sim de determinar se, no âmbito particular da operação principal, a restrição é necessária à realização dessa operação. Se, não havendo restrição, a operação principal se mostrar dificilmente realizável ou mesmo irrealizável, a restrição pode ser considerada objetivamente necessária à sua realização (acórdãos M6 e o./Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2001:215, n.° 109, e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 67).

105    Quando uma restrição seja objetivamente necessária à realização de uma operação principal, é ainda conveniente verificar se a sua duração e o seu âmbito material e geográfico não excedem o que é necessário à realização da referida operação. Se a duração ou o âmbito de aplicação da restrição excederem o que é necessário à realização da operação, a restrição deve ser objeto de uma análise separada no âmbito do artigo 101.°, n.° 3, TFUE (acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 68).

106    Há que salientar que, uma vez que a apreciação do caráter acessório de um compromisso especial em relação a uma operação principal implica apreciações económicas complexas pela recorrida, o controlo jurisdicional desta apreciação se limita à verificação do respeito das regras processuais, do caráter bastante da fundamentação e da exatidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 69).

107    Se se provar que uma restrição está diretamente ligada e é necessária à realização de uma operação principal, a compatibilidade desta restrição com as regras de concorrência deve ser examinada em conjunto com a da operação principal. Assim, quando a operação principal não for abrangida pela proibição constante do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, o mesmo sucede com as restrições diretamente ligadas e necessárias a essa operação. Se, em contrapartida, a operação principal constituir uma restrição na aceção desta disposição, mas beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, essa isenção abrange também as referidas restrições acessórias (acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 70).

108    Importa ainda observar que, no acórdão de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, Recueil, EU:C:1985:27, n.os 17 a 20), o Tribunal de Justiça examinou uma cláusula de não concorrência incluída num contrato de cessão de empresa. Depois de constatar que o simples facto de estarem incluídas num contrato de cessão de empresa não implicava, por si só, que as cláusulas de não concorrência saíssem do âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que, para apreciar se essas cláusulas estavam ou não abrangidas pela proibição estabelecida por esse artigo, havia que examinar como seria o jogo da concorrência, caso não existissem. O Tribunal de Justiça precisou que, nesse caso, quando o vendedor e o comprador se mantivessem em situação de concorrência após a cessão, o acordo de cessão de uma empresa não podia ser realizado, uma vez que o vendedor, como conhecia especialmente bem as particularidades da empresa cedida, conservava a possibilidade de atrair novamente a si a sua antiga clientela, pelo que, nessa situação, as cláusulas de não concorrência tinham, em princípio, o mérito de garantir a possibilidade e a efetividade da cessão, esclarecendo‑se que deviam, no entanto, ser necessárias à transferência da empresa cedida e que a sua duração e o seu âmbito de aplicação deviam ser estritamente limitados a esse objetivo.

109    No que se refere à opção de compra e à renúncia dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, há que observar que a recorrente afirma, nos pontos 20 e 76 da petição, que a cláusula tinha, em relação a esses dois elementos, um objetivo comparável ao das cláusulas de não concorrência inseridas nos acordos de cessão de empresas, ou seja, impedir a Telefónica de se servir das informações obtidas graças à sua presença no conselho de administração da PT, para fazer concorrência à PT.

110    No que diz respeito, por um lado, à opção de compra, há que salientar que a mesma já não constava da versão final do acordo, de modo que não pode justificar a cláusula, o que constitui, aliás, a razão pela qual a Comissão não analisou se a cláusula poderia constituir uma restrição acessória da opção de compra (v. considerando 390 da decisão impugnada). Por outro lado, e em todo o caso, não se pode deixar de constatar que a recorrente se limita, em primeiro lugar, a afirmar que «[a] obrigação de não concorrência era do interesse da PT e típica de uma aquisição de ativos com as características da resultante da execução da opção de compra, designadamente de uma aquisição geradora de um reforço do controlo, envolvendo um investimento significativo e o risco de o alienante poder explorar o negócio alienado, de que tinha um bom conhecimento», em segundo lugar, a sublinhar a importância da participação que devia ser objeto da opção de compra (10%) e, em terceiro lugar, a alegar que a «PT estava habituada a associar esse tipo de cláusulas a acordos de compra e de venda de ações, desde que limitadas no tempo e não prejudiciais para as atividades em curso», e que a «PT tinha nela interesse para se proteger no curto período seguinte ao exercício da opção de compra».

111    Todavia, a recorrente não explica porquê e de que modo, no caso em apreço, concretamente, a venda, pela Telefónica, das ações que detinha na PT poderia ter criado o risco de o alienante continuar a explorar o negócio em causa, de que tinha um bom conhecimento, nem de que é que, em concreto, se devia proteger em razão do exercício da opção de compra.

112    Por outro lado, insistindo embora no facto de que a opção de compra e a cláusula de não concorrência surgiram ao mesmo tempo no âmbito da segunda oferta, o que sugeria a existência de um nexo entre as duas, a recorrente não demonstra que a introdução das duas estava relacionada. Assim, a recorrente limita‑se a afirmar que o facto de a cláusula estar ligada à opção de compra resulta da troca de correspondência entre a Telefónica e a PT, ocorrida entre as 2h35 e as 17 horas de 1 de junho de 2010, que culminou no aumento do preço da segunda oferta. A referida correspondência, apresentada pela Comissão em resposta a uma questão do Tribunal Geral, consiste numa troca de mensagens de correio eletrónico entre a Telefónica e a PT, que contêm as sucessivas revisões do texto do acordo com as alterações visíveis. Embora estas versões do acordo contenham, é certo, a opção de compra e a cláusula de não concorrência, não permitem, todavia, deduzir uma relação de dependência entre a cláusula e a opção de compra.

113    Nestas condições, há que constatar que não se pode sustentar que a cláusula podia ter sido qualificada de restrição acessória à opção de compra.

114    No que respeita, por outro lado, à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, a recorrente insiste no facto de que estes tiveram acesso a informações sensíveis, sem no entanto demonstrar que existia um risco real de a Telefónica explorar, em detrimento da PT, as informações obtidas pelos membros do conselho de administração da PT nomeados por si, após a demissão desses membros.

115    Além disso, não se pode deixar de observar que a recorrente não apresenta elementos suscetíveis de refutar as conclusões da Comissão que figuram nos considerandos 391 a 401 da decisão impugnada, segundo as quais a cláusula não pode ser justificada enquanto restrição acessória à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica.

116    Assim, a Comissão afirmou, nomeadamente, que o direito das sociedades português, em especial os artigos 64.°, 254.° e 398.° do Código das Sociedades Comerciais português, impõe uma obrigação jurídica aos membros do conselho de administração de não fazerem uso das informações que lhes foram disponibilizadas para outros fins que não o de assegurar o bom funcionamento da sua empresa (considerando 395 da decisão impugnada). Ora, a recorrente não explica por que razão, em face de tal obrigação legal, a cláusula era necessária para proteger as informações postas à disposição dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica após a demissão destes do referido conselho de administração.

117    De igual modo, a Comissão observou, no que se refere à alegada necessidade de proteção das informações confidenciais a que tiveram acesso os membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, que estas informações foram disponibilizadas a esses membros antes da transação da Vivo, que não tinha sido considerado necessário um compromisso de não concorrência nessa altura e que as partes não tinham demonstrado por que motivo a saída da Telefónica do conselho de administração da PT tinha provocado a necessidade de adotar um compromisso de não concorrência (considerandos 393 e 394 da decisão impugnada).

118    Decorre das considerações precedentes que a recorrente não demonstrou que a cláusula constituía uma restrição acessória à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica.

119    Por outro lado, há que salientar que a recorrente também não contradiz as considerações da Comissão que constam dos considerandos 402 a 404 da decisão impugnada, segundo as quais, caso se concluísse que um compromisso de não concorrência era necessário à concretização da apresentação da demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, a fim de proteger as informações confidenciais disponibilizadas ao referido órgão, tal compromisso deveria limitar‑se ao estritamente necessário, o que não é o caso da cláusula, que tem um caráter bilateral e, por conseguinte, não proíbe apenas a Telefónica de concorrer com a PT, mas também a PT de concorrer com a Telefónica.

120    Por último, em todo o caso, importa observar, como acertadamente sublinha a Comissão nos considerandos 386 e 387 da decisão impugnada, que a questão de saber se uma restrição pode ser qualificada de acessória deve ser examinada por referência à obrigação principal. Ora, no caso em apreço, a operação principal relativamente à qual importa apreciar a cláusula de não concorrência não é nem a opção de compra nem a demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, mas a transação da Vivo. Todavia, a recorrente não apresenta elementos destinados a demonstrar que a cláusula tinha sido necessária para permitir a execução da referida transação.

121    Resulta das considerações precedentes que a recorrente não demonstrou que a cláusula deveria ter sido qualificada de restrição acessória à opção de compra por figurar no acordo, o que deveria ter sido tido em conta quando da apreciação das circunstâncias do acordo. Do mesmo modo, a recorrente não demonstrou que a cláusula era uma restrição acessória à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, prevista na versão final do acordo, pelo que deveria ser subtraída, a esse título, à proibição prevista no artigo 101.° TFUE.

 Quanto à argumentação relativa ao facto de a cláusula conter uma obrigação de autoavaliação

122    A recorrente alega que a cláusula não continha nenhuma obrigação de não concorrência incompatível com o artigo 101.° TFUE: a obrigação de não concorrência estabelecida na cláusula estava sujeita à condição da sua avaliação e validação por ambas as partes e, na medida em que esta avaliação teve lugar, tendo sido concluído que a obrigação de não concorrência era inadmissível, esta caducou sem alguma vez ter produzido efeitos. Esta é, a todos os títulos, a leitura mais plausível da disposição em causa.

123    Segundo a recorrente, em razão da menção «[n]a medida do permitido por lei», a cláusula continha, com efeito, duas obrigações, a saber, uma obrigação secundária de não concorrência e uma obrigação principal de autoavaliação, a qual impunha às partes a avaliação da legalidade da obrigação de não concorrência, e se do exercício de autoavaliação previsto pela cláusula resultasse que a obrigação de não concorrência era legal, esta caducaria automaticamente.

124    Nas conferências telefónicas de 26 e 29 de outubro de 2010, as partes realizaram o exercício de autoavaliação previsto pela cláusula e chegaram à conclusão de que a restrição da concorrência era inadmissível. Examinaram então a questão de saber se havia que revogar a cláusula, mas essa solução pareceu‑lhes pouco coerente com o facto de que a cláusula passara a conter uma obrigação de autoavaliação. Por essa razão, a PT admitiu que a obrigação imposta pela cláusula se podia considerar observada com a realização do exercício de autoavaliação e que as autoridades competentes deviam ser informadas do resultado do referido exercício. É neste contexto que há que entender o acordo entre as partes celebrado em 4 de fevereiro de 2011, que eliminava a cláusula e confirmava que esta nunca tinha imposto a obrigação de não concorrência a nenhuma das partes.

125    Por último, a obrigação de não concorrência não era apta a produzir efeitos antes de validada e não podia, consequentemente, ser qualificada como uma restrição por objeto. Em todo o caso, mesmo que o fosse, caducara em 29 de outubro de 2010, data a partir da qual ficou claro para ambas as partes que não se podiam prevalecer do acordo para exigir a abstenção de concorrerem uma com a outra.

126    No âmbito do presente recurso, a recorrente contesta algumas das conclusões da Comissão que figuram na decisão impugnada, sem contudo apresentar elementos concretos ou, pelo menos, argumentos pertinentes suscetíveis de as pôr em causa. A recorrente aborda, em substância, os seguintes pontos no âmbito da sua argumentação: em primeiro lugar, a conclusão que figura no considerando 255 da decisão impugnada, no sentido de que a redação da cláusula indica claramente a sua natureza anticoncorrencial, é errada; em segundo lugar, as dúvidas das partes quanto à possibilidade de a cláusula ser legal, enquanto restrição acessória à opção de compra ou à demissão dos membros do conselho de administração nomeados pela Telefónica, são razoáveis; em terceiro lugar, as condições da negociação do acordo justificam o adiamento do exame dessa possibilidade; em quarto lugar, as conferências telefónicas de outubro de 2010 provam que o exercício de autoavaliação previsto pela cláusula foi realizado; em quinto lugar, o acordo de revogação da cláusula celebrado em 4 de fevereiro de 2011 confirma que o exercício de autoavaliação foi realizado e que a cláusula nunca produziu o menor efeito; em sexto lugar, a Comissão interpretou de forma incorreta as respostas da PT ao pedido de informações de 5 de janeiro de 2011; e, por último, em sétimo lugar, as partes tinham, em todo o caso, argumentos de sobra para não respeitar a cláusula.

127    Em primeiro lugar, a afirmação da recorrente segundo a qual a conclusão que figura no considerando 255 da decisão impugnada é errada está relacionada com a sua argumentação que consiste em esclarecer que, contrariamente às afirmações da Comissão, não analisa a cláusula como uma simples obrigação de autoavaliação, mas sustenta que a cláusula continha duas obrigações, uma prévia e outra final: a obrigação prévia de autoavaliação era verificar se a obrigação de não concorrência era possível, uma vez que esta última não se constituiria sem que as partes confirmassem que era possível. Com efeito, a inserção da fórmula «[n]a medida do permitido por lei» significava que nenhuma das partes tinha o direito de exigir da outra que se abstivesse de lhe fazer concorrência, sem ter antes validado a legalidade desse comportamento, uma vez que a obrigação de não concorrer estava dependente do cumprimento da obrigação de avaliar a legalidade dessa restrição.

128    Por conseguinte, a obrigação de não concorrência não se confunde com a obrigação de autoavaliação, e o resultado da autoavaliação, quando das conferências telefónicas de outubro de 2010, foi que a obrigação de não concorrência não era legal. O acordo de revogação teve por objetivo eliminar a cláusula para dissipar as dúvidas e afastar definitivamente a ideia de que entre as partes existe um qualquer acordo de não concorrência, e não pôr termo à obrigação de autoavaliação.

129    Importa observar, a exemplo da Comissão, que a alegada distinção efetuada pela recorrente entre a afirmação que figura no considerando 76 da decisão impugnada, segundo a qual «[a]s partes argumentam [...] que, em vez de prever uma obrigação de não concorrência, a cláusula se limitaria a prever uma obrigação de proceder a uma autoavaliação da legalidade e âmbito do compromisso de não concorrência», e a afirmação de que «a cláusula continha uma obrigação de não concorrência cuja legalidade estava dependente de uma validação pelas partes» é totalmente desprovida de pertinência. As duas afirmações equivalem, no essencial, a alegar que, graças à menção «[n]a medida do permitido por lei», a obrigação de não concorrência prevista na cláusula não podia produzir efeitos antes de a sua legalidade ter sido analisada pelas partes. Além disso, contrariamente ao que parece alegar a recorrente, a pretensa precisão segundo a qual a cláusula não continha uma obrigação de autoavaliação, mas uma obrigação prévia de autoavaliação e uma obrigação subsequente de não concorrência, não permite refutar os argumentos da Comissão que figuram na decisão impugnada.

130    Assim, no que se refere à conclusão da Comissão que figura no considerando 255 da decisão impugnada, a pretensa precisão da recorrente segundo a qual a cláusula não continha, no seu entendimento, apenas uma obrigação de autoavaliação, mas também uma obrigação — secundária — de não concorrência, em nada altera o facto de que, manifestamente, a redação da cláusula não faz nenhuma referência a qualquer exercício de autoavaliação e não pode, portanto, sustentar a argumentação das partes de que a cláusula continha a obrigação de proceder a esse exercício.

131    Em segundo lugar, há que constatar que os outros argumentos da recorrente também não podem ser aceites. Com efeito, resulta do exame dos elementos invocados pela recorrente no âmbito do presente recurso que esta não refutou validamente a análise efetuada pela Comissão, de acordo com a qual não pode ser acolhida a ideia de que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação, que esta autoavaliação foi realizada e que a obrigação de não concorrência não se chegou a concretizar, pelo que não pode haver violação do artigo 101.° TFUE. A recorrente limita‑se a alegar que a obrigação de não concorrência estava condicionada à verificação da sua possibilidade, mas não apresenta nenhum elemento suscetível de pôr em causa os elementos avançados pela Comissão para demonstrar que nada indica que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação da qual dependia a entrada em vigor da obrigação de não concorrência.

132    Primeiro, a recorrente avança elementos que supostamente deviam demonstrar que a interpretação de que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação da legalidade da obrigação de não concorrência é corroborada pelo facto de haver dúvidas razoáveis quanto à possibilidade de se qualificar a obrigação de não concorrência como restrição acessória à opção de compra ou à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica. A recorrente sustenta assim que, atendendo ao contexto e à pressão da negociação, lhe pareceu sensato pôr de parte a obrigação de não concorrência até à verificação das consequências da eliminação da opção de compra e da manutenção do dever de demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica.

133    Esta argumentação deve ser rejeitada.

134    No que respeita, por um lado, à opção de compra, importa recordar que esta estava prevista na segunda e terceira ofertas (considerandos 41 e 46 da decisão impugnada) e que já não figurava na quarta oferta, visto que a Telefónica tinha entretanto vendido a maioria da sua participação na PT, que ascendia inicialmente a cerca de 10% (considerando 18 da decisão impugnada).

135    A recorrente sustenta assim que, em razão do curto espaço de tempo decorrido entre a receção da quarta oferta e a assinatura do acordo, a saber, 24 horas, as partes não tiveram tempo de verificar se a cláusula podia ainda ser legal sem a opção de compra, pelo que transformaram a cláusula em cláusula de autoavaliação, a fim de adiar o exame da sua legalidade.

136    Todavia, resulta do referido nos n.os 110 a 113, supra, que a recorrente não conseguiu demonstrar que a cláusula podia ter sido qualificada de restrição acessória à opção de compra no momento em que esta figurava no acordo ou que podia haver uma dúvida razoável a esse respeito, pelo que toda a argumentação baseada nessa ideia não pode ser acolhida.

137    No que respeita, por outro lado, à renúncia dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, prevista no acordo, foi igualmente declarado nos n.os 114 a 118, supra, que não estava demonstrado que a cláusula era uma restrição acessória à referida demissão, de modo que uma pretensa dúvida a este respeito não pode suportar a tese de que a cláusula instituía, na realidade, uma obrigação de autoavaliação da legalidade dessa restrição.

138    Neste contexto, deve, por outro lado, observar‑se que, como a Comissão salientou no considerando 376 (b) da decisão impugnada, a argumentação da recorrente enferma de uma contradição, na medida em que as considerações segundo as quais a cláusula poderia ser considerada uma restrição acessória à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, por um lado, e segundo as quais o exercício de autoavaliação teria permitido determinar que a cláusula não era conforme com o direito da concorrência, por outro, são incompatíveis, porquanto, se a cláusula fosse legal enquanto restrição acessória à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, o pretenso exercício de autoavaliação não teria podido conduzir à conclusão de que a cláusula era ilegal.

139    Além disso, importa salientar que, ao mesmo tempo que insiste na pretensa dificuldade da questão jurídica de saber se a cláusula podia ser qualificada de restrição acessória à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica, a recorrente, como acertadamente sublinha a Comissão, nunca alegou que a pretensa avaliação da legalidade da cláusula supostamente efetuada nas conferências telefónicas de outubro de 2010 se tinha revelado complexa ou difícil, tendo, pelo contrário, alegado que duas conferências telefónicas tinham bastado para as partes se porem de acordo sobre a questão.

140    Resulta do que precede que a pretensa complexidade jurídica das questões ligadas à possibilidade de qualificar a cláusula de restrição acessória à opção de compra ou à demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica não pode ser considerada um elemento a favor da argumentação que pretende que a expressão «[n]a medida do permitido por lei» introduziu na cláusula uma obrigação de autoavaliação da legalidade da obrigação de não concorrência.

141    Segundo, a recorrente sustenta que as condições da negociação do acordo justificaram o aditamento de uma obrigação de autoavaliação prévia à obrigação de não concorrência. Na apreciação da quarta oferta, as partes tiveram a preocupação de não revisitar nem discutir clausulados que vinham das anteriores ofertas, nem de os modificar, a menos que tal se revelasse indispensável à adequação da proposta às características essenciais do negócio. A inserção da fórmula «[n]a medida do permitido por lei» deveu‑se ao facto de as circunstâncias se terem alterado com o abandono da opção de compra, não sendo contudo possível, em face dos múltiplos constrangimentos negociais, validar previamente a legalidade da subsistência do acordo de não concorrência nos termos inicialmente previstos.

142    Além disso, a recorrente alega que o acordo foi assinado menos de 24 horas após a receção da quarta oferta. Nesse período, dado que estava em causa a conclusão da aquisição da Vivo e da Oi, a cláusula era a última das preocupações da PT, não existia evidência de que as partes tivessem discutido a redação final da cláusula e tudo indicava que não o tinham feito.

143    Esta argumentação também não convence.

144    Antes de mais, no que diz respeito ao abandono da opção de compra, recorde‑se que foi em 23 de junho de 2010 que a Telefónica anunciou que tinha reduzido a sua participação na PT para cerca de 2%, pelo que, como salienta acertadamente a Comissão, desde essa data, ou seja, mais de um mês antes do envio da quarta oferta, em 27 de julho de 2010, e da assinatura do acordo, em 28 de julho de 2010, as partes estavam ao corrente do desaparecimento de qualquer pretenso nexo entre a opção de compra e a cláusula. Daqui decorre que a recorrente não pode sustentar que as partes não dispuseram de um prazo de 24 horas para avaliar as consequências da extinção da opção de compra.

145    Em seguida, há que observar que a recorrente não refuta os elementos apresentados pela Comissão para demonstrar que as partes alteraram os termos do acordo até ao fim das negociações, a saber, o facto de os artigos 6.° e 7.° do acordo terem sofrido alterações entre a apresentação da quarta oferta e a assinatura do acordo e de a própria cláusula ter sido objeto de discussões e de alterações, no que respeita à sua duração, até pouco antes da assinatura do acordo. Limita‑se a afirmar que «[n]ão existe [...] evidência de que as partes tenham discutido a redação final da [cláusula] e tudo indica que não o fizeram». Além disso, a afirmação da recorrente no n.° 34 da réplica, segundo a qual a alteração da cláusula que se traduziu na substituição da data da sua entrada em vigor, que passou da data da assinatura («hereof») para a data da conclusão definitiva da transação («Closing»), é uma mera alteração de coerência, provavelmente mediante revisão automática, não pode ser acolhida. Com efeito, a formulação «hereof» significava que a cláusula produzia efeitos no momento da assinatura do acordo, portanto, em 28 de julho de 2010, ao passo que a formulação «Closing» significa que a cláusula produzia efeitos no momento da conclusão definitiva da transação, em 27 de setembro de 2010 (v. n.os 22 e 25, supra).

146    Por último, mais genericamente, a argumentação da recorrente baseada na pretensa dificuldade das condições de negociação deve ser rejeitada. Assim, é com razão que a Comissão afirma, no considerando 249 da decisão impugnada e no n.° 49 da contestação, que não é minimamente credível que empresas como a Telefónica e a PT, que têm acesso e recorrem a assessoria jurídica sofisticada, tenham pura e simplesmente descurado a discussão e a alteração do texto do acordo e, em particular, da cláusula. Por outro lado, a recorrente não refuta de forma alguma esta afirmação, limitando‑se, mais uma vez, a afirmar que a «probabilidade de no primeiro momento as partes terem tido acesso e recurso a um aconselhamento jurídico sofisticado era, no mínimo, incerta e objetivamente reduzida».

147    Terceiro, a recorrente alega que o exercício de autoavaliação pretensamente previsto pela cláusula foi realizado durante as conferências telefónicas ocorridas em 26 e 29 de outubro de 2010. Todavia, na medida em que a recorrente também não contesta a análise efetuada pela Comissão, nomeadamente, nos considerandos 102 a 124 da decisão impugnada, segundo a qual os elementos apresentados pelas partes não permitem concluir que a «caducidade» da cláusula a partir de 29 de outubro de 2010 foi demonstrada, que a autoavaliação estava prevista pela cláusula ou que esta pretensa autoavaliação teve um qualquer efeito (considerando 124 da decisão impugnada), as suas pretensões devem, mais uma vez, ser afastadas. Com efeito, a recorrente limita‑se a afirmar que «a prova dos contactos e a prova do seu teor é a mesma e é concordante», que «[n]ão parece razoável acreditar que [as conferências telefónicas] tivessem tido outra finalidade que não fosse a de discutir a [cláusula] e que delas resultasse a confirmação de que a obrigação de não concorrência era lícita», que «[n]enhum elemento de prova aponta em direção a semelhante absurdo» e que, «[p]elo contrário, tudo indica que da reflexão conjunta só pode ter saído uma conclusão[, a saber,] que a obrigação de não concorrência era contrária à lei e ineficaz».

148    Do mesmo modo, a recorrente não refuta a argumentação da Comissão segundo a qual, se a cláusula previsse verdadeiramente uma obrigação de autoavaliação, seria lógico não só que lhe fizesse referência mas também que previsse uma data para esse efeito, em vez de uma data fixa de entrada em vigor, ou, na falta desta, que, pelo menos, as partes procedessem a essa autoavaliação o mais rapidamente possível após a assinatura do acordo e, em todo o caso, antes da entrada em vigor prevista da cláusula no momento da conclusão definitiva da transação, em 27 de setembro de 2010 (considerandos 250 a 255 e 309 e seguintes da decisão impugnada). Na medida em que a recorrente se limita a indicar que «as partes podem achar necessário fixar prazo, mas também podem optar por não o estabelecer», que, dado que a obrigação de não concorrência prevista na cláusula não era vinculativa enquanto a sua legalidade não fosse validada, a PT não considerou urgente clarificar a questão, tendo o tema «caído no esquecimento», e que, nas circunstâncias do caso em apreço, «é compreensível que as partes não tivessem posto um excessivo zelo na clarificação do tema», é forçoso constatar que a recorrente continua sem explicar não só a inexistência de data para o exercício de autoavaliação mas também o atraso na pretensa execução da mesma.

149    A declaração ajuramentada de M. R. S. S. N., responsável pela Direção de Concorrência da PT à data da celebração do acordo e do acordo de revogação da cláusula, que a Comissão apresenta como anexo B.1 à contestação, não altera esta conclusão. É verdade que M. R. S. S. N. afirma nessa declaração que, nas conferências telefónicas entre a Telefónica e a PT realizadas em outubro de 2010, foi avaliada a admissibilidade da cláusula à luz das regras de concorrência, que se concluiu que as partes não se poderiam comprometer nos termos que tinham tido em perspetiva e que, dessas conferências, resultou também que a cláusula se poderia considerar observada a partir do momento em que ambas as partes tivessem conduzido a análise da respetiva legalidade e concluído no sentido da impossibilidade legal do seu objeto (v. também considerando 117 da decisão impugnada). Ora, como sublinha a Comissão (considerandos 120 e 122 da decisão impugnada), esta declaração não constitui uma prova contemporânea do conteúdo das conversações de outubro de 2010, o que lhe confere um valor probatório mais elevado (v., neste sentido, acórdãos de 11 de março de 1999, Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colet., EU:T:1999:54, n.° 312, e de 16 de dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, T‑5/00 e T‑6/00, Colet., EU:T:2003:342, n.° 181). Além disso, embora um depoimento feito por uma testemunha direta das circunstâncias que apresentou deva, em princípio, ser qualificado como elemento de prova com elevado valor probatório (acórdão de 3 de março de 2011, Siemens/Comissão, T‑110/07, Colet., EU:T:2011:68, n.° 75), importa também tomar em consideração o facto de a declaração em causa no caso em apreço ter sido prestada por uma pessoa que podia ter um interesse direto no processo e que não pode ser qualificada de independente da recorrente (v., neste sentido, acórdão Siemens/Comissão, já referido, EU:T:2011:68, n.os 69 e 70).

150    Daqui se conclui que, atendendo ao conjunto dos elementos em presença, esta declaração, enquanto único elemento de prova, não basta para demonstrar que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação, cabendo recordar que, quanto ao valor probatório que há que dar aos diferentes elementos de prova, o único critério pertinente para apreciar as provas livremente apresentadas reside na sua credibilidade (v. acórdão de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colet., EU:T:2004:218, n.° 84 e jurisprudência aí referida; acórdãos de 8 de julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colet., EU:T:2004:220, n.° 72, e JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., EU:T:2004:221, n.° 273) e que, segundo as regras normalmente aplicáveis em matéria de prova, a credibilidade e, portanto, o valor probatório de um documento dependem da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do caráter razoável e fidedigno do seu conteúdo (acórdão de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., EU:T:2000:77, n.° 1053).

151    Quarto, a recorrente contesta a apreciação da Comissão (considerandos 313 a 323 da decisão impugnada) sobre o acordo de revogação da cláusula (v. n.° 29, supra). Segundo a Comissão, em substância, o acordo de revogação não permite acolher a tese de que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação executada nas conversas telefónicas de outubro de 2010, nomeadamente porque não existe, na redação do acordo de revogação, nada que permita relacionar a decisão de revogar a cláusula com uma obrigação de autoavaliação (considerando 315 da decisão impugnada). Os considerandos do acordo de revogação explicam as circunstâncias em que as partes chegaram à decisão de «suprimir» a cláusula, sem todavia fazer referência às conferências telefónicas do mês de outubro (considerando 316 da decisão impugnada), e a redação do acordo de revogação indica precisamente que a cláusula incluía uma obrigação de não concorrência e não uma obrigação de autoavaliação (considerandos 317 a 322 da decisão impugnada).

152    A recorrente alega que a interpretação da Comissão parte da premissa errada de que as partes sustentaram que a cláusula continha apenas uma obrigação de autoavaliação, ao passo que a PT sustentou sempre que a cláusula continha duas obrigações — uma obrigação prévia de autoavaliação e uma obrigação secundária de não concorrência. À luz deste entendimento das coisas, o acordo de revogação não contradiz nada a ideia de que a cláusula estabelecia uma obrigação de autoavaliação.

153    Esta argumentação deve ser rejeitada. Mesmo que se devesse ter em conta a interpretação de que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação e uma obrigação de não concorrência, não se pode deixar de constatar que a argumentação da Comissão resumida no n.° 151, supra, continua válida. Por outro lado, a recorrente limita‑se a sustentar que o acordo de revogação «confirma» o entendimento das partes decorrente das conferências telefónicas de outubro de 2010 e que a afirmação que figura no referido acordo, segundo a qual a cláusula «não pode ser executada, e não foi, em momento algum, executada», só é incongruente se se circunscrever a cláusula a uma obrigação de autoavaliação, uma vez que é incongruente afirmar que a obrigação não pode ser executada e não o foi em momento algum, quando as partes sustentam precisamente que o exercício de autoavaliação pretensamente previsto pela cláusula se realizou, mas não se se admitir que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação e uma obrigação de não concorrência, uma vez que, nesse caso, não seria incongruente afirmar que a obrigação prevista na cláusula não pode ser executada e não o foi em momento algum.

154    Ora, esta argumentação não altera em nada o facto de o acordo não fazer nenhuma menção às conferências telefónicas de outubro de 2010, a uma pretensa interpretação da cláusula adotada nessas conferências telefónicas, ao facto de confirmar o pretenso resultado das referidas conferências ou, de uma forma geral, ao facto de a cláusula conter uma obrigação de autoavaliação. Mesmo admitindo a pretensa distinção efetuada pela PT entre o facto de sustentar que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação e o facto de sustentar que continha uma obrigação de autoavaliação e uma obrigação de não concorrência, os termos do acordo de revogação e, nomeadamente, a afirmação segundo a qual a cláusula não pode ser executada e não o foi em momento algum são incongruentes à luz dessa interpretação.

155    Quinto, a recorrente alega que a Comissão está enganada quando afirma, no considerando 115 da decisão impugnada, que a resposta da PT ao pedido de informações de 5 de janeiro de 2011 não refere o facto de a cláusula dever ser interpretada como uma obrigação de proceder a um exercício de autoavaliação e quando salienta, no considerando 303 da decisão impugnada, que, antes das suas respostas à comunicação de objeções, as partes não tinham alegado que a cláusula previa uma obrigação de autoavaliação.

156    Importa observar que, nos n.os 30, 31 e 32 da sua resposta ao pedido de informações, a PT afirmou que o «[f]acto é que, embora a existência da dita disposição tivesse sido tornada pública [por si] em 9 [de junho de] 2010 (cf. Anexo 10), caiu no esquecimento já que a empresa não se sentia a ela vinculada, nem esperava poder exigir qualquer comportamento da Telefónica conforme ao nela disposto, pelo menos antes de ser conduzida uma avaliação da legalidade da disposição». Acrescentou que «[o] tema só voltou a ser fonte de preocupação com as notícias surgidas nos jornais em 23 [e 24 de agosto de] 2010 e em 19 [de outubro de] 2010», que, «[n]a sequência dessas notícias [...] instruiu os seus advogados para contactarem os advogados da Telefónica no sentido de esclarecerem o tema» e que «[d]uas conferências telefónicas foram realizadas em 26 [e 29 de outubro de] 2010 tendo sido concluído que não subsistia justificação bastante para a cláusula de não concorrência, nem havia nela utilidade, pelo que seria melhor revogá‑la».

157    Por conseguinte, embora a PT não tenha indicado expressamente que a obrigação principal instituída pela cláusula era uma obrigação de autoavaliação, afirmou porém que «não se sentia [...] vinculada [pela cláusula], nem esperava poder exigir qualquer comportamento da Telefónica conforme ao nela disposto, pelo menos antes de ser conduzida uma avaliação da legalidade da disposição», o que implica a ideia de uma avaliação da legalidade da cláusula antes da sua entrada em vigor.

158    Todavia, mesmo que a afirmação da Comissão segundo a qual, antes das suas respostas à comunicação de objeções, as partes não alegaram que a cláusula previa uma obrigação de autoavaliação deva ser mitigada, não só as declarações em causa não afirmam que a cláusula caducou na sequência do pretenso exercício de autoavaliação, mas, além disso, a circunstância de a PT já ter deixado subentender, na sua resposta ao pedido de informações de 5 de janeiro de 2011, que a legalidade da cláusula devia ser validada antes da sua entrada em vigor não altera em nada o facto de a recorrente não ter demonstrado, no âmbito do presente recurso no Tribunal Geral, que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação nem que a cláusula caducou na sequência do pretenso exercício de autoavaliação em outubro de 2010.

159    Sexto e último, a recorrente sustenta que, em todo o caso, a Comissão devia ter considerado que a cláusula era ineficaz, já que as partes tinham argumentos suficientes para não respeitarem a obrigação de não concorrência. Assim, segundo a recorrente, da leitura dos esclarecimentos prestados pela Telefónica e pela PT é manifesto que as partes não tinham convergência de interesses relativamente à cláusula. A Telefónica pretende que a aceitou para viabilizar a transação da Vivo, ao passo que a PT tinha nela interesse para se proteger em razão da opção de compra. Por conseguinte, as duas partes divergiam sobre o que era permitido por lei e tinham, portanto, recíprocos argumentos de sobra para não respeitarem a obrigação de não concorrência.

160    Esta argumentação deve ser rejeitada sem que seja necessário examinar as razões que alegadamente militam a favor do facto de que as partes tinham argumentos de sobra para não respeitarem a obrigação de não concorrência. Efetivamente, basta recordar, a este respeito, que, nos termos do artigo 101.°, n.° 2, TFUE, os acordos proibidos por força do referido artigo são nulos de pleno direito, pelo que nenhuma empresa pode ser obrigada a respeitá‑los. Com efeito, uma vez que a nulidade prevista no artigo 101.°, n.° 2, TFUE tem caráter absoluto, um acordo nulo nos termos desta disposição não produz efeitos nas relações entre os contratantes e não é oponível a terceiros (v., por analogia, acórdão de 25 de novembro de 1971, Béguelin Import, 22/71, Colet., EU:C:1971:113, n.° 29). O facto de, alegadamente, ter «argumentos de sobra para não respeitar a obrigação [de não concorrência]» não pode, por conseguinte, subtrair um acordo à proibição enunciada no artigo 101.° TFUE.

161    Resulta do conjunto das considerações precedentes que o argumento relativo ao facto de a cláusula conter uma obrigação de autoavaliação deve ser rejeitado.

 Quanto à argumentação relativa à violação do artigo 101.° TFUE em razão da falta de exame das condições de concorrência potencial

162    A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro ao não proceder a um exame das condições de concorrência potencial, a fim de aferir se, tendo em conta a estrutura dos mercados relevantes e o contexto económico e jurídico, existiam possibilidades reais e concretas de a PT e a Telefónica concorrerem entre si nos mercados relevantes alegadamente abrangidos pela cláusula. Ora, a qualificação de uma restrição da concorrência como «restrição por objeto» depende também da sua aptidão para produzir efeitos restritivos.

163    A este respeito, a recorrente alega que, em razão dos obstáculos legais e regulamentares à entrada e à expansão no mercado português das comunicações eletrónicas e dos obstáculos inerentes à própria estrutura, características e especificidades dos mercados em causa, as partes não podiam ser qualificadas de concorrentes potenciais.

164    A recorrente critica ainda a Comissão por, na decisão impugnada, ter ignorado a análise exaustiva, que fez na sua resposta à comunicação de objeções, dos mercados das comunicações eletrónicas em Portugal e dos obstáculos que tornam impossível a concorrência nesses mercados, limitando‑se a uma argumentação geral não conforme com as obrigações decorrentes da jurisprudência e não refutando uma grande parte dos argumentos desenvolvidos pela recorrente.

165    Em primeiro lugar, decorre da argumentação da recorrente que esta não põe propriamente em causa a fundamentação formal da decisão impugnada, mas o facto de a Comissão não ter, segundo a recorrente, erradamente, procedido a um estudo da estrutura dos mercados afetados e das possibilidades reais de concorrência das partes nesses mercados.

166    Em todo o caso, afigura‑se que, à luz dos considerandos 265 a 278 da decisão impugnada, a Comissão explicou as razões pelas quais não considerou necessário proceder a uma análise pormenorizada da estrutura dos mercados afetados e respondeu aos argumentos formulados pelas partes nas suas respostas à comunicação de objeções, relativamente à existência de uma concorrência potencial entre si, conforme resumidos nos considerandos 268 a 270 da decisão impugnada. A argumentação da recorrente não pode ser acolhida na medida em que possa ser entendida no sentido de que critica, genericamente, uma alegada falta de fundamentação da decisão impugnada quanto a este aspeto.

167    Mais precisamente, por um lado, a recorrente afirma, nos pontos 136 e 318 da petição, que a Comissão não refutou, na decisão impugnada, o argumento, reproduzido no considerando 169 desta, que consiste em sustentar que, se determinados mercados retalhistas fossem excluídos do âmbito da cláusula, os mercados grossistas correspondentes também o deveriam ser, visto que a concorrência atual ou potencial nos mercados retalhistas condiciona a concorrência nos mercados grossistas e que não estando aqueles compreendidos na obrigação de não concorrência não o estão estes também. Ora, resulta da leitura dos considerandos 153, 154 e 169 da decisão impugnada que a Comissão considerou que as partes deviam ser consideradas concorrentes potenciais em todos os mercados dos serviços de comunicações eletrónicas e dos serviços de televisão e que, portanto, na medida em que não aceitou a premissa de que certos mercados retalhistas deviam ser excluídos do âmbito de aplicação da cláusula, não devia ser refutado o argumento segundo o qual os mercados grossistas correspondentes a esses mercados retalhistas, complementares destes, deviam ser excluídos do âmbito de aplicação da cláusula.

168    Por outro lado, a recorrente critica o facto de a decisão impugnada conter pouca ou nenhuma reflexão sobre os mercados que podiam ser efetivamente objeto do acordo em causa. Na medida em que esta crítica visa igualmente o respeito, pela Comissão, do seu dever de fundamentação, deve ser rejeitada, uma vez que, na secção 5.3 da decisão impugnada (considerandos 186 a 197), a Comissão expôs os «mercados do produto relevantes», referindo‑se, contrariamente às afirmações da recorrente, não apenas às orientações identificadas na sua Recomendação de 17 de dezembro de 2007, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante em conformidade com a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2007, L 344, p. 65), mas também às suas decisões anteriores e à jurisprudência (considerando 186 da decisão impugnada). Além disso, na secção 5.5 da decisão impugnada (considerandos 200 a 233 da decisão impugnada), a Comissão analisou a «presença das partes nos mercados em causa». Por último, afirmou que, tendo em conta a extensão do âmbito de aplicação da cláusula, os contornos exatos de cada um dos mercados relevantes podiam ficar em aberto.

169    Em segundo lugar, quanto à alegação relativa à apreciação incorreta da «aptidão» da cláusula para restringir a concorrência entre a PT e a Telefónica em razão da posição da Comissão segundo a qual, no caso em apreço, não estava obrigada a proceder a uma análise pormenorizada da estrutura dos mercados em causa, importa, como resulta da decisão impugnada, salientar três elementos em que a Comissão se baseou para concluir que não era necessário proceder a uma análise pormenorizada do facto de as partes serem ou não concorrentes potenciais relativamente a cada mercado específico para analisar se o acordo devia ser considerado uma restrição da concorrência por objeto (considerando 278 da decisão impugnada).

170    Antes de mais, a Comissão salientou que a participação num acordo de não concorrência ou a previsão da necessidade de realização de uma autoavaliação da legalidade e do âmbito de um compromisso de não concorrência acessório, caso fosse aceite a interpretação das partes para a cláusula, constituía um reconhecimento, pelas partes, de que eram, pelo menos, concorrentes potenciais relativamente a alguns serviços. Com efeito, na ausência de uma concorrência potencial entre elas, não haveria qualquer razão para concluir um acordo de não concorrência ou para considerar a necessidade de autoavaliar um compromisso de não concorrência (considerando 271 da decisão impugnada).

171    Em seguida, a Comissão observou que a cláusula tinha um âmbito alargado, uma vez que se aplicava a todos os serviços de comunicações eletrónicas, bem como aos serviços de televisão (considerandos 141, 265 e 278 da decisão impugnada).

172    Por último, a Comissão afirmou que os referidos serviços estavam liberalizados em conformidade com o quadro regulamentar da União, que permitia e incentivava a concorrência entre os operadores (considerando 265 da decisão impugnada), e que esse contexto liberalizado, em que a concorrência era possível e incentivada, deveria constituir o ponto de partida para a apreciação da cláusula (considerando 267 da decisão impugnada).

173    Por outro lado, importa recordar que, para ter um objeto anticoncorrencial, um acordo deve ser suscetível de produzir efeitos negativos na concorrência, isto é, ser concretamente apto a impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno (acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, Colet., EU:C:2013:160, n.° 38).

174    Além disso, importa recordar de novo (v. n.° 90, supra) que, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma decisão de associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência por objeto no sentido do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, se deve atender ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. acórdão CB/Comissão, n.° 86, supra, EU:C:2014:2204, n.° 53 e jurisprudência aí referida).

175    No entanto, embora, no âmbito da interpretação do contexto de um acordo, haja que tomar em consideração as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa, a Comissão não é sempre obrigada a proceder a uma definição precisa do mercado ou dos mercados em causa. Com efeito, a definição do mercado em causa não desempenha o mesmo papel consoante se trate de aplicar o artigo 101.° TFUE ou o artigo 102.° TFUE. No âmbito da aplicação do artigo 102.° TFUE, a definição adequada do mercado em causa é uma condição necessária e prévia a qualquer julgamento sobre um comportamento pretensamente anticoncorrencial (acórdãos de 10 de março de 1992, SIV e o./Comissão, T‑68/89, T‑77/89 e T‑78/89, Colet., EU:T:1992:38, n.° 159, e de 11 de dezembro de 2003, Adriatica di Navigazione/Comissão, T‑61/99, Colet., EU:T:2003:335, n.° 27), uma vez que, antes de declarar a existência de um abuso de posição dominante, é necessário estabelecer a existência de uma posição dominante num dado mercado, o que pressupõe que este mercado tenha sido previamente delimitado. Em contrapartida, resulta de jurisprudência constante que, no quadro da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, é para determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objetivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno que é necessário definir o mercado em causa (acórdãos de 21 de fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T‑29/92, Colet., EU:T:1995:34, n.° 74, e Adriatica di Navigazione/Comissão, já referido, EU:T:2003:335, n.° 27; v., também, acórdão de 12 de setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, EU:T:2007:267, n.° 86 e jurisprudência aí referida).

176    Assim, no quadro do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, não é necessária uma definição prévia do mercado relevante sempre que o acordo controvertido, em si mesmo, tenha um objeto anticoncorrencial, ou seja, sempre que a Comissão tenha podido corretamente chegar à conclusão, sem uma delimitação prévia do mercado, que o acordo em causa falseava a concorrência e era suscetível de afetar de forma sensível o comércio entre os Estados‑Membros. Trata‑se, nomeadamente, do caso das restrições mais graves, explicitamente proibidas pelo artigo 101.°, n.° 1, alíneas a) a e), TFUE (conclusões do advogado‑geral Y. Bot nos processos apensos Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., EU:C:2009:192, n.os 168 a 175). Se o próprio objeto de um acordo for restringir a concorrência através de uma «partilha de mercados», não será assim necessário definir com precisão os mercados geográficos em causa, pois a concorrência efetiva ou potencial foi necessariamente restringida (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 150, supra, EU:T:2004:218, n.° 132).

177    Por conseguinte, na medida em que, no caso em apreço, a Comissão concluiu que a cláusula punida pela decisão impugnada tinha por objeto uma partilha de mercados, a recorrente não pode sustentar que era necessária uma análise pormenorizada dos mercados em causa, para determinar se a cláusula constituía uma restrição da concorrência por objeto.

178    Com efeito, as empresas que celebram um acordo que tem por objeto restringir a concorrência não podem, em princípio, eximir‑se à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, alegando que o acordo não devia ter uma incidência considerável na concorrência (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 150, supra, EU:T:2004:218, n.° 130). Uma vez que o acordo punido no caso em apreço consistia numa cláusula de não concorrência, definida pelas partes como aplicável a «qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico», a sua existência só tinha sentido se houvesse uma concorrência a restringir (acórdãos Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 150, supra, EU:T:2004:218, n.° 131, e de 21 de maio de 2014, Toshiba/Comissão, T‑519/09, EU:T:2014:263, n.° 231).

179    Por conseguinte, a argumentação da recorrente segundo a qual a existência de um pretenso acordo de não concorrência não pode constituir uma prova da existência de uma concorrência potencial entre as partes não é pertinente.

180    Com efeito, resulta da jurisprudência que a celebração de um acordo deste tipo constitui, pelo menos, um forte indício da existência de uma relação de concorrência potencial (v., neste sentido, acórdão Toshiba/Comissão, n.° 178, supra, EU:T:2014:263, n.° 231). Como sublinha corretamente a Comissão no considerando 271 da decisão impugnada, o facto de se celebrar um acordo de não concorrência constitui um reconhecimento, pelas partes, de que eram pelo menos concorrentes potenciais relativamente a alguns serviços. Além disso, a existência do acordo de não concorrência constitui apenas um dos elementos em que a Comissão se baseou para concluir pela existência de uma concorrência potencial entre as partes (v. n.os 169 a 172, supra, e n.° 182, infra).

181    A este respeito, resulta, nomeadamente, da jurisprudência que, em presença de um mercado liberalizado como o que está em causa no caso em apreço, a Comissão não deve proceder a uma análise da estrutura do mercado em causa e da questão de saber se a entrada nesse mercado corresponde, para cada uma das partes, a uma estratégia económica viável (v., neste sentido, acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.os 89 a 93), mas está obrigada a examinar se existem barreiras intransponíveis à entrada no mercado, que excluem qualquer concorrência potencial (v., neste sentido, acórdão Toshiba/Comissão, n.° 178, supra, EU:T:2014:263, n.° 230).

182    Ora, no caso em apreço, a Comissão não só declarou que o mercado dos serviços de telecomunicações e de televisão em Espanha e em Portugal estava totalmente liberalizado (v. n.° 172, supra) como também salientou que as partes, como elas próprias reconheceram, estavam presentes nos mercados dos serviços globais de telecomunicações e nos mercados dos serviços grossistas de transporte internacional, em todo o mercado ibérico (considerandos 173, 174 e 272 da decisão impugnada); que as partes não tinham demonstrado que a duração da cláusula se revelou insuficiente para adquirir um operador de telecomunicações existente, como forma de passar a deter certas redes sem necessidade de as implantar (considerando 273 da decisão impugnada); que as atuais condições dos mercados espanhol e português não podiam ser invocadas para excluir a possibilidade de investimento no setor, na medida em que, não obstante a crise, os investimentos nesses mercados tinham registado um crescimento ou, pelo menos, permanecido estáveis (considerando 274 da decisão impugnada); e, por último, que a própria Telefónica tinha admitido que o lançamento de uma oferta pública de aquisição sobre uma sociedade como a PT seria uma possibilidade durante as negociações da transação da Vivo, pelo que a aquisição de um concorrente da PT poderia também ser possível (considerandos 37 e 275 a 277 da decisão impugnada).

183    Na sua petição, a recorrente não apresenta nenhum elemento suscetível de indicar que, apesar destes elementos, seria necessária uma análise pormenorizada dos mercados em causa para determinar se a cláusula constituía uma restrição da concorrência por objeto ou para determinar que nenhuma barreira intransponível impedia as partes de entrarem nos seus mercados vizinhos respetivos.

184    Com efeito, há que observar que, para além da sua argumentação já tratada nos n.os 162 a 181, supra, a recorrente se limita, nos seus articulados, a contestar a argumentação da Comissão resumida no n.° 182, supra, sem que essa contestação se afigure suscetível de pôr em causa a análise da Comissão segundo a qual, no caso em apreço, não estava obrigada a proceder a uma análise pormenorizada da concorrência potencial entre as partes nos mercados afetados pela cláusula.

185    Do mesmo modo, não pode ser acolhida a argumentação adicional da recorrente, que consiste em apresentar elementos destinados a demonstrar que uma entrada nos mercados em causa não correspondia às prioridades estratégicas das partes ou não era economicamente vantajosa ou atrativa.

186    Com efeito, sem que seja necessário examinar em pormenor essa argumentação, basta referir que, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se esta pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é, no entanto, constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado (v. acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2012:332, n.° 87 e jurisprudência aí referida).

187    Por último, no que se refere à argumentação da recorrente destinada a alegar que, manifestamente, o acordo de não concorrência não impedia a Telefónica de reforçar a sua posição na ZON e que, portanto, era muito improvável que a Telefónica desenvolvesse também uma infraestrutura própria no mercado português, uma vez que isso seria prejudicial à atividade da ZON, por um lado, importa observar que, como a Comissão afirmou no considerando 164 da decisão impugnada, o argumento de que a cláusula não impedia a Telefónica de reforçar a sua posição na ZON não pode ser acolhido, visto que a cláusula contém literalmente a proibição de «participar ou investir, direta ou indiretamente através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações», o que inclui também o aumento, pela Telefónica, da sua participação na ZON. Por outro lado, o facto de a Telefónica já deter uma participação minoritária na ZON, cujo aumento era proibido pela cláusula, não é suscetível de demonstrar que a Telefónica não era um concorrente potencial no mercado português, mas indica que a Telefónica poderia, sem a cláusula, aumentar essa participação ou adquirir outras participações noutros operadores.

188    Resulta das considerações precedentes que não se pode afirmar que, apesar do facto de a própria existência da cláusula ser um forte indício de uma concorrência potencial entre as partes, o seu objeto consistir num acordo de partilha de mercados, ter um âmbito de aplicação alargado e se inserir num contexto económico liberalizado, a Comissão deveria ter procedido a uma análise pormenorizada da estrutura dos mercados em causa e da concorrência potencial entre as partes nesses mercados, a fim de concluir que a cláusula constituía uma restrição da concorrência por objeto. Por conseguinte, a argumentação da recorrente relativa à violação do artigo 101.° TFUE em razão da falta de exame das condições de concorrência potencial deve ser rejeitada.

 Quanto à argumentação relativa à inexistência de efeitos

189    A recorrente sustenta que, uma vez que a cláusula não contém nenhuma restrição da concorrência por objeto, a Comissão também não demonstrou que a cláusula tinha produzido efeitos restritivos da concorrência nem que era suscetível de produzir tais efeitos.

190    Na medida em que decorre da análise dos argumentos da recorrente que figuram nos n.os 93 a 188, supra, que esta não consegue demonstrar que a conclusão da Comissão de que a cláusula constitui uma restrição da concorrência por objeto é errada, a sua argumentação resumida no n.° 189, supra, baseia‑se na premissa errada de que o comportamento em causa não pode ser qualificado de restrição da concorrência por objeto e, por conseguinte, deve ser rejeitada. Decorre do próprio texto do artigo 101.°, n.° 1, TFUE que os acordos entre empresas são proibidos, independentemente de qualquer efeito, se tiverem um objetivo anticoncorrencial. Consequentemente, a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais não é exigida quando estiver provado o objetivo anticoncorrencial dos comportamentos censurados (v. acórdão de 3 de março de 2011, Siemens Österreich e o./Comissão, T‑122/07 a T‑124/07, Colet., EU:T:2011:70, n.° 75 e jurisprudência aí referida).

191    De facto, para a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua, a partir do momento em que se verifique que este tem por objeto restringir, impedir ou falsear a concorrência. Tal é nomeadamente o caso dos acordos que incluem restrições patentes à concorrência, como a fixação dos preços e a repartição dos mercados (acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, Colet., EU:C:2011:816, n.° 75).

192    De resto, importa rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão, ao afirmar que o facto de as partes não terem desenvolvido novas atividades em Espanha ou em Portugal não é um sinal conclusivo da execução da cláusula (considerando 365 da decisão impugnada), exige às partes a «prova diabólica» de que essa inexistência de novas atividades não foi devida à cláusula. Na medida em que a Comissão não se apoia neste elemento para demonstrar que a cláusula constitui uma infração ao artigo 101.° TFUE, mas no facto de a cláusula ter caráter de infração por objeto, e na medida em que, além disso, a Comissão indicou que o facto de as partes não terem desenvolvido novas atividades nos mercados em causa constitui um «indício não conclusivo» de que a cláusula pode ter sido executada, a recorrente não pode acusar a Comissão de ter exigido às partes uma qualquer prova diabólica.

193    Consequentemente, a argumentação relativa ao facto de a Comissão não ter examinado os efeitos da cláusula deve ser rejeitada.

2.     Quanto aos pedidos que visam o montante da coima

194    A título subsidiário, a recorrente contesta o montante da coima que lhe foi aplicada e sustenta que este deve ser reduzido, dado que, mesmo que a cláusula fosse apta a produzir efeitos restritivos da concorrência, a Comissão não ponderou devidamente a dimensão desses efeitos e a respetiva duração ao determinar a medida da coima, violando assim os princípios relativos ao cálculo das coimas e o princípio da proporcionalidade.

a)     Observações preliminares

 Quanto aos princípios relativos ao cálculo das coimas

195    Importa recordar que decorre de jurisprudência constante que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo do montante das coimas. Este método, circunscrito pelas orientações, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder discricionário em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colet., EU:C:2009:500, n.° 112 e jurisprudência aí referida).

196    A gravidade das infrações ao direito da concorrência da União deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdãos de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, Colet., EU:C:2009:166, n.° 72, e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colet., EU:C:2009:505, n.° 54).

197    Como referido no n.° 52, supra, a Comissão, no presente caso, determinou o montante das coimas mediante a aplicação do método definido nas orientações.

198    Embora estas orientações não possam ser qualificadas de regra jurídica que, em qualquer caso, a Administração está obrigada a observar, enunciam, no entanto, uma regra de conduta indicativa da prática a seguir, da qual a Administração não se pode afastar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v., por analogia, acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., EU:C:2005:408, n.° 209 e jurisprudência aí referida, e de 8 de outubro de 2008, Carbone‑Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colet., EU:T:2008:416, n.° 70).

199    Ao adotar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não se pode afastar dessas regras, sob pena de poder vir a ser sancionada por violação de princípios gerais do direito, como o da igualdade de tratamento ou o da proteção da confiança legítima (v., por analogia, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 198, supra, EU:C:2005:408, n.° 211 e jurisprudência aí referida, e Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 198, supra, EU:T:2008:416, n.° 71).

200    Além disso, as orientações determinam, de maneira geral e abstrata, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas e garantem, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (v., por analogia, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 198, supra, n.os 211 e 213).

201    Os pontos 4 e 5 das orientações têm a seguinte redação:

«4. O poder da Comissão para aplicar coimas às empresas ou associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência, cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.° TFUE] ou [102.° TFUE] constitui um dos meios atribuídos à Comissão para lhe permitir realizar o papel de vigilância que o Tratado lhe confere. Este papel não compreende unicamente a tarefa de instruir e de reprimir as infrações individuais, incluindo também o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios estabelecidos no Tratado e a orientar nesse sentido o comportamento das empresas. Para tal efeito, a Comissão deve assegurar o caráter dissuasivo da sua ação. Por conseguinte, sempre que a Comissão deteta uma infração às disposições dos artigos [101.° TFUE] ou [102.° TFUE], pode ser necessária a aplicação de uma coima aos que não respeitaram as normas jurídicas. As coimas devem ser fixadas segundo um nível suficientemente dissuasivo, não somente para sancionar as empresas em causa (efeito dissuasivo específico), mas também para dissuadir outras empresas de terem comportamentos contrários aos artigos [101.° TFUE] ou [102.° TFUE] ou de continuarem a ter tais comportamentos (efeito dissuasivo geral).

5. A fim de atingir estes objetivos, é adequado que a Comissão tenha em consideração, como base para a determinação das coimas, o valor das vendas dos bens ou serviços relacionadas com a infração. A duração da infração deve igualmente desempenhar um papel significativo na determinação do montante adequado da coima. A duração da infração tem necessariamente um impacto nas consequências potenciais da infração no mercado. Por conseguinte, é considerado importante que a coima reflita igualmente o número de anos durante o qual a empresa participou na infração.»

202    As orientações definem um método de cálculo composto por duas etapas (ponto 9 das orientações). Preveem, na primeira etapa de cálculo, a determinação, pela Comissão, de um montante de base para cada empresa ou associação de empresas em causa e incluem, a esse respeito, as seguintes disposições:

«12. O montante de base será fixado em função do valor das vendas de acordo com a metodologia que se segue.

[…]

13. Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do [EEE]. A Comissão utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração […].

[…]

19. O montante de base da coima estará ligado a uma proporção do valor das vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração.

20. A apreciação da gravidade será feita numa base casuística para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso.

21. Regra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%.

22. A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

23. Os acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves. No âmbito da política da concorrência serão sancionados severamente. Por conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala.

24. A fim de ter plenamente em conta a duração da participação de cada empresa na infração, o montante determinado em função do valor das vendas (ver os pontos 20 a 23) será multiplicado pelo número de anos de participação na infração. Os períodos inferiores a um semestre serão contados como meio ano e os períodos superiores a seis meses, mas inferiores a um ano, serão contados como um ano completo.

25. Além disso, independentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas tal como definidos na secção A a fim de dissuadir as empresas de participarem até mesmo em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção. A Comissão pode igualmente aplicar tal montante adicional no caso de outras infrações. Para decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22.

[…]»

203    As orientações preveem, numa segunda etapa de cálculo, que a Comissão poderá ajustar o montante de base, para cima ou para baixo, com base numa apreciação global que tenha em conta todas as circunstâncias relevantes (pontos 11 e 27 das orientações).

204    A título de circunstâncias desse tipo, o ponto 29 das orientações enuncia o seguinte:

«O montante de base da coima pode ser diminuído sempre que a Comissão verifique existirem circunstâncias atenuantes, designadamente quando:

–        a empresa em causa prova que pôs termo à infração desde as primeiras intervenções da Comissão. Tal não será aplicado aos acordos ou práticas de natureza secreta (em especial os cartéis);

–        a empresa em causa prova que a infração foi cometida por negligência;

–        a empresa em causa prova que a sua participação na infração é substancialmente reduzida e demonstra por conseguinte que, durante o período em que aderiu aos acordos que são objeto de infração, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial no mercado. O simples facto de uma empresa ter participado numa infração por um período mais curto que os outros não será considerado como uma circunstância atenuante, dado que esta circunstância já se encontra refletida no montante de base;

–        a empresa em causa colabora efetivamente com a Comissão, fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a clemência e para além das suas obrigações legais de cooperação;

–        o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação.»

205    Por último, como o Tribunal de Justiça recordou nos seus acórdãos KME Germany e o./Comissão, n.° 191, supra (EU:C:2011:816, n.° 129), e de 8 de dezembro de 2001, KME Germany e o./Comissão (C‑272/09 P, Colet., EU:C:2011:810, n.° 102), compete ao juiz da União efetuar a fiscalização da legalidade que lhe incumbe com base nos elementos apresentados pelo recorrente em apoio dos fundamentos invocados. Nesta fiscalização, o juiz não se pode apoiar na margem de apreciação de que dispõe a Comissão nem relativamente à escolha dos elementos a levar em conta no momento da aplicação dos critérios mencionados nas orientações nem relativamente à avaliação destes elementos, renunciando ao exercício de uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto.

206    A fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que era reconhecida ao juiz da União pelo artigo 17.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), e que é atualmente reconhecida pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 205, supra, EU:C:2011:810, n.° 103).

 Decisão impugnada

207    Com base nos factos expostos na decisão impugnada, a Comissão considerou que a infração tinha sido cometida deliberadamente e consistia claramente num acordo ilegal de não concorrência e numa partilha dos mercados espanhol e português das comunicações eletrónicas entre as partes. Segundo a Comissão, no que diz respeito a este tipo de infração evidente, as partes não podem alegar que não agiram deliberadamente (considerando 477 da decisão impugnada).

208    No que se refere ao valor das vendas que serve de referência à fixação do montante de base, a Comissão considerou que a cláusula de não concorrência se aplicava a todos os serviços de comunicações eletrónicas e aos serviços de televisão prestados em Espanha ou em Portugal, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, relativamente aos quais as partes eram concorrentes na Península Ibérica, na data da assinatura do acordo, e que, por esse facto, foram excluídos do respetivo âmbito de aplicação. Além disso, tendo em conta que a cláusula excluía do seu âmbito de aplicação qualquer investimento e qualquer atividade existentes à data do acordo, que pudessem ser considerados como estando em concorrência com as atividades e os investimentos da outra parte no mercado ibérico, a Comissão apenas tomou em consideração, para cada uma das partes, o valor das suas vendas no respetivo país de origem. Por conseguinte, não tomou em consideração, nomeadamente, o valor das vendas de cada uma das partes no país de origem da outra parte, visto que esses montantes correspondiam, em princípio, a atividades existentes anteriormente, não abrangidas pela cláusula. Tal significa que, no que diz respeito à Telefónica, o valor das vendas foi fixado pela Comissão por referência ao valor das vendas desta última sociedade em Espanha, enquanto, para a PT, o referido valor foi determinado tendo em conta o valor das vendas desta sociedade em Portugal (considerandos 482 e 483 da decisão impugnada).

209    Em seguida, a Comissão afirmou que, normalmente, tomava em consideração as vendas realizadas pelas empresas durante o último ano completo da sua participação na infração. Visto que, no caso em apreço, a infração teve uma duração inferior a um ano e se encontra dividida entre 2010 e 2011, a Comissão utilizou as vendas das empresas em 2011, as quais foram inferiores às vendas realizadas pelas partes em 2010 (considerando 484 da decisão impugnada).

210    No que respeita à gravidade da infração, que determina a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração para fixar o montante da coima, a Comissão alegou que, no caso em apreço, a infração consistia num acordo de não concorrência e de repartição dos mercados espanhol e português das comunicações eletrónicas e da televisão entre as partes e que a Telefónica e a PT eram os operadores históricos nos seus respetivos países (considerando 489 da decisão impugnada).

211    A Comissão referiu que tomava em consideração o facto de as partes não terem mantido a cláusula secreta, desde o momento em que foi introduzida pela primeira vez na oferta de 1 de junho de 2010. Com efeito, como explicado nos considerandos 128 a 130 da decisão impugnada, a segunda oferta, que incluía o primeiro projeto de cláusula, foi publicada pelas partes nos respetivos sítios de Internet e comunicada às autoridades reguladoras da bolsa de valores espanhola e portuguesa, que também a publicaram nos seus sítios de Internet. Por outro lado, em 9 de junho de 2010, a PT distribuiu aos seus acionistas uma brochura explicativa da transação e da cláusula. Além disso, o acordo com a versão final da cláusula fazia parte integrante do processo entregue pela Telefónica e pela PT à ANATEL e à CADE. Por último, num artigo publicado no Jornal de Negócios, em 23 de agosto de 2010, a Telefónica confirmou que o acordo incluía uma cláusula de não concorrência (considerando 491 da decisão impugnada).

212    No que se refere à duração da infração, a Comissão tomou em consideração o facto de a mesma se ter prolongado de 27 de setembro de 2010, data da escritura pública e, portanto, da conclusão definitiva da transação, a 4 de fevereiro de 2011, data do acordo através do qual as partes puseram termo à cláusula (considerando 492 da decisão impugnada).

213    Atendendo a estes elementos, à dimensão das empresas e à curta duração do acordo restritivo, a Comissão entendeu que constituía fator dissuasivo, proporcionado e suficiente, nas circunstâncias específicas do presente caso, tomar em consideração uma percentagem baixa do valor das vendas na fixação do montante de base das coimas. Por conseguinte, a Comissão entendeu que a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração devia ser de 2% para as duas empresas em causa (considerando 493 da decisão impugnada). A percentagem do valor das vendas fixada para cada empresa foi multiplicada pelo coeficiente fixado a título da duração, a saber 0,33, correspondente a quatro meses de um ano completo.

214    A Comissão adotou os montantes assim calculados como montantes de base finais, pelo que há que declarar que não incluiu um montante fixo de dissuasão (direito de entrada) no caso em apreço, tal como está previsto no ponto 25 das orientações (v. n.° 202, supra), o que, de resto, confirmou na audiência.

215    No que se refere ao ajustamento do montante de base, por um lado, a Comissão considerou que, no caso em apreço, não existiam circunstâncias agravantes (considerando 496 da decisão impugnada).

216    Por outro lado, a Comissão recordou que as partes tinham decidido revogar a cláusula em 4 de fevereiro de 2011, pondo assim termo à prática anticoncorrencial em causa. Segundo a Comissão, tendo em conta que a revogação da cláusula ocorreu apenas 16 dias depois de a Comissão ter iniciado o procedimento e 30 dias após a Comissão ter enviado o primeiro pedido de informações às partes e que a cláusula não era secreta, havia que considerar que a referida revogação constituía uma circunstância atenuante que se aplicava às duas partes (considerando 500 da decisão impugnada).

217    Atendendo a estas circunstâncias, a Comissão considerou que o montante de base das coimas a aplicar às partes devia ser reduzido em 20% (considerando 501 da decisão impugnada) e rejeitou a totalidade dos argumentos das partes destinados a invocar outras circunstâncias atenuantes (considerandos 502 a 507 da decisão impugnada).

218    Consequentemente, os montantes finais das coimas ascendem a 66 894 400 euros para a Telefónica e a 12 290 400 euros para a PT.

b)     Quanto às vendas tidas em conta para efeitos do cálculo da coima

219    A recorrente critica as conclusões da Comissão sobre o âmbito de aplicação da cláusula e alega que, na medida em que a exclusão de certas atividades desse âmbito de aplicação conduziria a uma redução do volume de negócios tido em conta no cálculo da coima, o montante da coima que lhe foi aplicada deve ser reduzido. A Comissão ignorou a análise exaustiva dos mercados das comunicações eletrónicas em Portugal efetuada pela recorrente na sua resposta à comunicação de objeções, não endereçando nem refutando uma parte substancial dos argumentos desenvolvidos pela recorrente.

 Quanto à fundamentação

220    Na medida em que esta argumentação da recorrente deva ser entendida no sentido de que critica o desrespeito, pela Comissão, do seu dever de fundamentação, há que recordar que a fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, clara e inequivocamente, o raciocínio da instituição, autora do ato, de maneira a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2011:620, n.° 147 e jurisprudência aí referida). Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.° 78, supra, EU:C:1998:154, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

221    No que respeita ao alcance do dever de fundamentação relativo ao cálculo do montante de uma coima aplicada por violação das regras de concorrência da União, importa observar que o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe que, «[q]uando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração». A este propósito, as orientações e a Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17) contêm regras indicativas sobre os elementos de apreciação que a Comissão tem em conta para medir a gravidade e a duração da infração (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colet., EU:T:2003:193, n.° 217 e jurisprudência aí referida).

222    Nestas condições, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que teve em conta em aplicação das suas orientações e, se for esse o caso, da sua Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração para fins de cálculo do montante da coima (v., neste sentido, acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 221, supra, EU:T:2003:193, n.° 218).

223    No caso em apreço, nas secções 5 e 6.3.3.2 da decisão impugnada e, particularmente, nos considerandos 153, 184, 185 e 278 da mesma, a Comissão referiu que as partes deviam, no mínimo, ser consideradas concorrentes potenciais em todos os mercados de serviços de comunicações eletrónicas e de televisão em Espanha e em Portugal, que os seus argumentos destinados a obter a exclusão de certas atividades do âmbito de aplicação da cláusula não podiam ser aceites e que, atendendo à rejeição dos argumentos das partes relativos à existência de uma concorrência potencial entre elas e tendo em conta o âmbito de aplicação alargado da cláusula, não era necessário, no caso em apreço, proceder a uma análise pormenorizada do facto de as partes serem ou não concorrentes potenciais relativamente a cada mercado específico para analisar se o acordo devia ser considerado constitutivo de uma restrição por objeto. Em seguida, a Comissão observou, no considerando 482 da decisão impugnada, sob o título «O valor das vendas», que considerava que a cláusula de não concorrência se aplicava a qualquer tipo de serviços de comunicações eletrónicas e aos serviços de televisão, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, e que, assim, todos os serviços prestados em Espanha ou em Portugal e incluídos nos mercados elencados na secção 5.3, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, estavam, direta ou indiretamente, relacionados com a infração.

224    Daqui se conclui que a Comissão explicou suficientemente a maneira como determinou o valor das vendas a ter em conta para efeitos do cálculo da coima e as razões por que considerou que não era necessário examinar cada um dos serviços que a recorrente, na sua resposta à comunicação de objeções, exigiu que fossem excluídos para efeitos do cálculo da coima. Por conseguinte, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada na medida em que possa ser entendida que é relativa a uma violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao mérito

225    A recorrente alega que o valor de certas vendas deve ser excluído do cálculo da coima, a saber, as vendas realizadas nos mercados em que as partes não eram concorrentes potenciais, as vendas correspondentes a atividades em curso e as vendas realizadas fora da Península Ibérica.

–       Quanto às vendas correspondentes a atividades não suscetíveis de serem sujeitas a concorrência

226    No que se refere às vendas realizadas em mercados ou relativas a serviços não sujeitos, segundo a recorrente, a uma concorrência potencial, em primeiro lugar, importa observar que a Comissão remeteu, no considerando 478 da decisão impugnada, para o ponto 12 das orientações, que enuncia que o montante de base da coima será fixado em função do valor das vendas de acordo com a metodologia exposta nas pontos seguintes. No referido considerando, a Comissão explicou ainda que o montante de base das coimas a aplicar às empresas devia ser fixado em função do valor das vendas de bens ou serviços realizadas pelas empresas, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica relevante da União Europeia. No considerando 482 da decisão impugnada (v. n.° 208, supra), a Comissão prosseguiu indicando que considerava que a cláusula de não concorrência se aplicava a serviços de comunicações eletrónicas e serviços de televisão, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, e que, assim, todos os serviços prestados em Espanha ou em Portugal e incluídos nos mercados elencados na secção 5.3, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, estavam direta ou indiretamente relacionados com a infração.

227    Na audiência, a Comissão, em resposta às questões do Tribunal Geral, explicou que, atendendo ao âmbito de aplicação muito amplo da cláusula, não tinha de analisar a concorrência potencial entre as partes relativamente a cada um dos serviços invocados pela recorrente para efeitos da determinação do valor das vendas a tomar em consideração no cálculo do montante da coima. No âmbito de uma infração por objeto como a do caso em apreço, em que esse exercício não era exigido para efeitos da determinação da infração, o referido exercício também não podia ser exigido para a determinação do montante da coima.

228    Essa argumentação não pode ser acolhida.

229    Com efeito, a cláusula aplicava‑se, em conformidade com a sua redação, a «qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico». Além disso, para efeitos do cálculo da coima, a Comissão utilizou o valor das vendas das atividades que, em seu entender, entravam no âmbito de aplicação da cláusula e excluiu as vendas correspondentes a atividades em curso, excluídas, nos termos da cláusula, do âmbito de aplicação desta. Por conseguinte, as vendas correspondentes a atividades que não possam ser consideradas como estando em concorrência com a outra parte no período de aplicação da cláusula, também excluídas do âmbito de aplicação da cláusula por força da sua redação, deveriam ser igualmente excluídas para efeitos do cálculo da coima.

230    Daqui se conclui que, mesmo que a Comissão não tivesse de avaliar a concorrência potencial em relação a cada um dos serviços invocados pela recorrente para efeitos da declaração da infração (v. n.os 169 a 188, supra), deveria, contudo, ter examinado se a recorrente tinha razão ao sustentar que o valor das vendas dos serviços em causa devia ser excluído do cálculo da coima em razão da inexistência de concorrência potencial das partes relativamente a esses serviços.

231    A este respeito, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça já declarou, a Comissão deve apreciar, em cada caso concreto e tendo em conta o seu contexto e os objetivos prosseguidos pelo regime de sanções instituído pelo Regulamento n.° 1/2003, o impacto que se procura obter na empresa em questão, tendo nomeadamente em conta um volume de negócios que reflita a sua situação económica real durante o período em que a infração foi cometida (acórdãos de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C‑76/06 P, Colet., EU:C:2007:326, n.° 25; de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, Colet., EU:C:2014:2363, n.° 53; e de 23 de abril de 2015, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, C‑227/14 P, Colet., EU:C:2015:258, n.° 49).

232    É permitido, com vista à determinação da coima, atender quer ao volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, quer à parte desse volume que provém das mercadorias objeto da infração e que, portanto, pode dar uma indicação da amplitude desta (acórdãos de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, EU:C:1983:158, n.° 121; Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 231, supra, EU:C:2014:2363, n.° 54; e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 231, supra, EU:C:2015:258, n.° 50).

233    Embora o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 atribua à Comissão uma margem de apreciação, limita, no entanto, o seu exercício, instituindo critérios objetivos que esta deve respeitar. Assim, por um lado, o montante da coima suscetível de ser aplicada a uma empresa tem um limite quantificável e absoluto, de modo que o montante máximo da coima aplicável a uma dada empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, o exercício desse poder de apreciação está igualmente limitado pelas regras de conduta que a Comissão impôs a si própria, nomeadamente nas orientações (acórdãos Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.º 231, supra, EU:C:2014:2363, n.° 55, e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.º 231, supra, EU:C:2015:258, n.° 51).

234    Assim, quando a Comissão determina, como no caso em apreço, o montante de base da coima em conformidade com a metodologia exposta nas orientações, deve dar cumprimento à referida metodologia.

235    A este respeito, há que recordar que, nos termos do ponto 13 das orientações, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente [...] com a infração, na área geográfica em causa no território do [EEE]». Estas mesmas orientações precisam, no seu ponto 6, que «a combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e da sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração».

236    Resulta, além disso, da jurisprudência que a parte do volume de negócios proveniente das mercadorias objeto da infração é de natureza a proporcionar uma correta indicação da amplitude de uma infração no mercado em causa, uma vez que o volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objeto de uma prática restritiva constitui um elemento objetivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência (v., neste sentido, acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 232, supra, EU:C:1983:158, n.° 121; de 11 de março de 1999, British Steel/Comissão, T‑151/94, Colet., EU:T:1999:52, n.° 643; e de 8 de julho de 2008, Saint‑Gobain Gyproc Belgium/Comissão, T‑50/03, EU:T:2008:252, n.° 84).

237    O ponto 13 das orientações tem, assim, por objetivo fixar como ponto de partida para o cálculo da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo desta empresa na mesma (acórdãos de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, EU:C:2013:464, n.° 76; Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 231, supra, EU:C:2014:2363, n.° 57; e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 231, supra, EU:C:2015:258, n.° 53).

238    Consequentemente, o conceito de valor das vendas referido neste ponto 13 abrange as vendas realizadas no mercado afetado pela infração no EEE, sem que seja necessário determinar se essas vendas foram efetivamente afetadas por essa infração, na medida em que a parte do volume de negócios proveniente da venda das mercadorias objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica da infração (v., neste sentido, acórdãos Team Relocations e o./Comissão, n.° 237, supra, EU:C:2013:464, n.os 75 a 78; Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 231, supra, EU:C:2014:2363, n.os 57 a 59; de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, Colet., EU:C:2015:184, n.os 148 e 149; e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 231, supra, EU:C:2015:258, n.os 53 a 58 e 64).

239    No entanto, embora seja certo que não se respeitaria o objetivo prosseguido por esta disposição se o conceito de valor das vendas aí mencionado fosse entendido no sentido de que apenas se refere ao volume de negócios realizado com as vendas que se tenha demonstrado terem sido realmente afetadas pelo cartel em questão, este conceito não pode, contudo, ser alargado de forma a englobar as vendas da empresa em causa que não façam parte, direta ou indiretamente, do perímetro desse cartel (v., neste sentido, acórdãos Team Relocations e o./Comissão, n.° 237, supra, EU:C:2013:464, n.° 76, e Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, n.° 238, supra, EU:C:2015:184, n.° 148).

240    Neste contexto, importa observar que, na verdade, não pode ser exigido à Comissão, em presença de uma restrição por objeto como a que está em causa no caso em apreço, que faça oficiosamente um exame da concorrência potencial para todos os mercados e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da infração, sob pena de derrogação dos princípios estabelecidos pela jurisprudência referida nos n.os 175, 176 e 178, supra, e de introdução, por via da determinação do valor das vendas a tomar em conta para o cálculo da coima, da obrigação de examinar a concorrência potencial, quando esse exercício não é exigido no caso de uma restrição da concorrência por objeto (v. n.° 177, supra). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, com efeito, num caso concreto regido pelas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado [CA] (JO 1998, C 9, p. 3), que, no caso de uma infração que consiste numa repartição de mercados, não pode ser acolhida uma interpretação que teria como consequência impor à Comissão, a título do método de cálculo das coimas, uma obrigação a que ela não está sujeita para efeitos de aplicação do artigo 101.° TFUE, quando a infração em causa tem um objetivo anticoncorrencial (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 196, supra, EU:C:2009:505, n.° 64).

241    A solução adotada no caso em apreço não consiste em impor à Comissão, no âmbito da determinação do montante da coima, uma obrigação a que ela não está sujeita para efeitos da aplicação do artigo 101.° TFUE, quando se trata de uma infração que tem um objeto anticoncorrencial, mas em retirar as consequências do facto de o valor dever abranger as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração na aceção do ponto 13 das orientações e não poder englobar as vendas que não façam parte, direta ou indiretamente, do perímetro da infração punida (v. a jurisprudência referida no n.° 239, supra). Daqui se conclui que, a partir do momento em que a Comissão, para determinar o montante da coima, opta por se basear no valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, deve determinar esse valor com precisão.

242    A este respeito, saliente‑se que, no caso em apreço, atendendo à redação da cláusula, que faz expressamente referência a «qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico», e ao facto de a recorrente ter apresentado, na sua resposta à comunicação de objeções, elementos factuais para demonstrar que o valor das vendas de certos serviços assim evocados devia ser excluído, para efeitos do cálculo da coima, em razão da inexistência de qualquer concorrência entre as partes, a Comissão devia ter procedido ao exame desses elementos para determinar o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração.

243    Assim, no caso em apreço, na medida em que as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração são as vendas dos serviços que entram no âmbito de aplicação da cláusula, a saber, as vendas relativas a qualquer projeto no setor das telecomunicações, excluindo qualquer atividade em curso, que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, a Comissão deveria, para determinar o valor dessas vendas, ter determinado os serviços em que as partes não estavam em concorrência potencial no mercado ibérico, examinando os elementos apresentados por estas últimas nas suas respostas à comunicação de objeções para demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre elas relativamente a determinados serviços durante o período de aplicação da cláusula. Só com base nessa análise factual e jurídica é que teria sido possível determinar as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, cujo valor deveria ter servido de montante de partida para o cálculo do montante de base da coima.

244    Daqui se conclui que há que acolher a argumentação da recorrente que consiste em sustentar que a Comissão deveria ter determinado o valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, com base nos elementos invocados pela recorrente quanto à inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços, e anular o artigo 2.° da decisão impugnada, apenas na parte em que fixa o montante da coima com base no valor das vendas considerado pela Comissão.

245    Em segundo lugar, importa também recordar que o sistema de fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE consiste numa fiscalização da legalidade dos atos das instituições consagrada no artigo 263.° TFUE, o qual, em aplicação do artigo 261.° TFUE e a pedido dos recorrentes, pode ser completado pelo exercício, pelo Tribunal Geral, de uma competência de plena jurisdição no que respeita às sanções aplicadas neste domínio pela Comissão (acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, Colet., EU:C:2014:2062, n.° 42). A este respeito, há que salientar que, no caso em apreço, a ilegalidade constatada diz respeito ao valor das vendas tomado em consideração para a determinação do montante da coima aplicada à recorrente e, por conseguinte, à própria base do cálculo da mesma.

246    Neste contexto, é útil recordar novamente que a Comissão, no considerando 482 da decisão impugnada, não procedeu a uma análise da concorrência potencial entre as partes para os serviços invocados pela recorrente. Por outro lado, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência com vista a obter, da parte da Comissão, elementos de resposta aos argumentos da recorrente relativos à alegada inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços em Portugal, a Comissão limitou‑se a reiterar a sua posição segundo a qual não tinha de analisar a concorrência potencial entre as partes, para efeitos de determinar o montante da coima, e, por outro lado, contentou‑se em responder a todos os argumentos da recorrente afirmando que a Telefónica era uma concorrente potencial da PT para os serviços em causa, uma vez que poderia participar em concursos ou adquirir um operador existente.

247    Resulta do exposto que, no caso em apreço, o Tribunal Geral não dispõe de elementos suficientes para determinar o montante final da coima a aplicar à recorrente.

248    É verdade que a competência de plena jurisdição de que o Tribunal Geral dispõe por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação. Todavia, no caso em apreço, a Comissão não procedeu à análise dos elementos apresentados pela recorrente para demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre as partes em relação a certos serviços, a fim de determinar o valor das vendas a tomar em consideração para o cálculo do montante da coima. Por conseguinte, a determinação do valor dessas vendas pelo Tribunal Geral implicaria que este preenchesse uma lacuna na instrução do processo.

249    Ora, o exercício da competência de plena jurisdição não pode ir ao ponto de levar o Tribunal Geral a proceder a essa instrução, que excederia a substituição da apreciação da Comissão pela apreciação do Tribunal, visto que a apreciação do Tribunal seria a única e a primeira apreciação dos elementos que a Comissão deveria ter tomado em conta na determinação do valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração na aceção do ponto 13 das orientações e cuja análise cabia à Comissão.

250    Daqui se conclui que, no caso em apreço, não há que exercer a competência de plena jurisdição do Tribunal Geral, pelo que incumbe à Comissão retirar todas as consequências da ilegalidade constatada no âmbito da execução do presente acórdão e pronunciar‑se de novo sobre a fixação do montante da coima. Por outro lado, o Tribunal Geral considera que há que examinar os outros fundamentos relativos ao montante da coima.

–       Quanto às vendas correspondentes a atividades existentes anteriormente

251    A recorrente alega que, em conformidade com a letra da cláusula, as vendas correspondentes a atividades existentes anteriormente devem ser excluídas para efeitos do cálculo da coima.

252    Em primeiro lugar, importa recordar que resulta dos considerandos 482 e 483 da decisão impugnada que o valor das vendas dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, relativamente aos quais as partes eram concorrentes efetivas à data da assinatura do acordo, não foi tido em conta no cálculo da coima.

253    Em segundo lugar, a recorrente alega que o valor das vendas dos serviços da PT correspondentes aos serviços prestados pela ZON, a saber, telefonia fixa, Internet de banda larga e televisão por subscrição, deve ser excluído do âmbito de aplicação da cláusula, uma vez que, na medida em que a Telefónica detinha uma participação social nesta sociedade concorrente da PT, ativa no setor das comunicações eletrónicas (v. n.° 7, supra), os serviços prestados pela ZON entram na categoria de «qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do [...] acordo» (v. n.° 1, supra), excluídos do âmbito de aplicação da cláusula.

254    Primeiro, a recorrente observa que a decisão impugnada pouco ou nada esclarece sobre alguns dos reparos feitos pelas suas destinatárias e que, no que toca à presença da Telefónica no capital da ZON e à influência que permite, a Comissão se limita a repetir a tese de que tal participação não confere à Telefónica qualquer controlo. Na medida em que esta observação possa ser entendida como a alegação de uma violação, pela Comissão, do seu dever de fundamentação, tal alegação deve ser rejeitada.

255    Com efeito, afigura‑se que a Comissão respondeu ao argumento das partes relativo à exclusão dos serviços da ZON do âmbito de aplicação da cláusula, precisando que não pode aceitar a afirmação segundo a qual as atividades da ZON deviam ser excluídas do âmbito de aplicação da cláusula, uma vez que se as partes tivessem querido demonstrar que estavam em situação de concorrência em Portugal, através da participação da Telefónica na ZON, deviam ter demonstrado que a Telefónica controlava as atividades desse operador, o que não fizeram, dado que resultava das contas anuais de 2011 que a Telefónica não controlava o operador português. Deste modo, a Comissão expôs claramente a razão pela qual considerava que as atividades da ZON não deviam ser excluídas do âmbito de aplicação da cláusula, bem como a razão pela qual concluía que a Telefónica não controlava esta última sociedade, pelo que não lhe pode ser imputada nenhuma violação do dever de fundamentação.

256    A este respeito, a Comissão explicou ainda, nos considerandos 156 a 164 da decisão impugnada, que se a atividade exercida por uma sociedade na qual uma das partes detinha ações, mas que não controlava, fosse pertinente para a determinação do âmbito de aplicação da cláusula, esta deveria ter indicado que a cláusula era aplicável às atividades das sociedades que não eram controladas pelas partes. Acresce que, caso tais atividades fossem relevantes para a determinação do âmbito da cláusula, sê‑lo‑iam também para o cumprimento das disposições desta, de modo que o desenvolvimento de atividades proibidas, por parte de uma sociedade não controlada, na qual uma das partes detivesse uma participação minoritária, constituiria uma violação da cláusula. Neste contexto, a Comissão prosseguiu afirmando que as partes não podem pretender ter assumido qualquer obrigação por conta e em nome de empresas nas quais detinham uma participação minoritária e que não controlavam, visto que não teriam possibilidades de garantir o cumprimento de tal obrigação. Por conseguinte, para que uma atividade fosse excluída do âmbito de aplicação da cláusula, devia ser desenvolvida diretamente por uma das partes ou indiretamente por uma empresa por ela controlada.

257    Segundo, quanto ao mérito, a recorrente não contesta a argumentação que acaba de ser exposta nem a conclusão da Comissão segundo a qual a Telefónica só detinha, no período pertinente, uma participação minoritária na ZON (5,46%) (considerando 19 da decisão impugnada) e, por conseguinte, não controlava esta última sociedade, de modo que os serviços prestados pela ZON não podiam ser considerados serviços prestados pela Telefónica e, portanto, serviços relativamente aos quais a Telefónica e a PT estavam em concorrência e que deviam, por esse facto, ser excluídos do âmbito da cláusula. Daqui decorre que a recorrente não demonstrou por que razão, em seu entender, não obstante o facto de a Telefónica deter apenas uma participação minoritária na ZON, os serviços prestados por esta última sociedade deviam ser considerados serviços prestados pela Telefónica e, portanto, excluídos do âmbito da cláusula. Nestas circunstâncias, a sua argumentação deve ser rejeitada.

–       Quanto às vendas correspondentes a atividades realizadas fora da Península Ibérica

258    A recorrente contesta o âmbito de aplicação geográfico da cláusula conforme determinado pela Comissão, alegando que, na medida em que o acordo se refere expressamente ao mercado ibérico e não a Portugal e Espanha, é legítimo concluir que as partes pretenderam referir‑se aos territórios que compõem a Península Ibérica e não aos territórios que compõem o Reino de Espanha e a República Portuguesa. Assim, segundo a recorrente, os territórios correspondentes às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que representavam, em 2011, respetivamente, um volume de negócios de 36 992 000 euros e 23 492 000 euros, devem ser excluídos do âmbito de aplicação geográfico da cláusula, devendo o valor das vendas da PT tido em conta no cálculo da coima e, consequentemente, o montante desta ser ajustados em conformidade.

259    Esta pretensão não pode ser acolhida. Contrariamente ao que sustenta a recorrente, o texto da cláusula não se refere literalmente à «Península Ibérica», mas ao «mercado ibérico». Ora, afigura‑se que a referência ao «mercado ibérico» deve ser entendida não na aceção estritamente geográfica, como uma referência apenas à Península Ibérica, mas como uma referência aos mercados de Espanha e de Portugal, que incluem os mercados dos seus territórios não situados na Península Ibérica. Não há indícios e a recorrente também não apresenta argumentos que demonstrem que os territórios destes Estados situados fora da Península Ibérica estavam excluídos do âmbito da cláusula.

260    A este respeito, importa, com efeito, observar que a recorrente se limita a criticar a interpretação do âmbito de aplicação geográfico da cláusula adotada pela Comissão, mas não formula nenhum argumento destinado a pôr em causa as conclusões da Comissão em relação ao âmbito geográfico da cláusula, expostas nos considerandos 175 a 182 da decisão impugnada. Nestas condições, as suas pretensões não podem ser acolhidas.

261    Resulta de todas as considerações precedentes que a argumentação da recorrente relativa às vendas tidas em conta para efeitos do cálculo da coima deve ser acolhida quanto ao facto de que, para determinar o valor das vendas da recorrente a tomar em consideração no cálculo do montante da coima, a Comissão deveria ter examinado os argumentos da recorrente destinados a demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços (v. n.os 226 a 250, supra) e rejeitada quanto ao restante.

c)     Quanto à duração da infração

262    A recorrente alega que a Comissão determinou de forma errada a duração da infração, uma vez que a obrigação de não concorrência não era apta a produzir efeitos antes de validada, pelo que não podia ser qualificada como uma restrição por objeto destinada a vigorar necessariamente a partir da data da sua entrada em vigor, ou seja, a data da conclusão definitiva da transação, em 27 de setembro de 2010, e que, em todo o caso, mesmo que se ignorasse a condição expressa de validação prévia, o acordo de não concorrência caducou em 29 de outubro de 2010 em face das conclusões alcançadas nas conferências telefónicas havidas a 26 e 29 de outubro de 2010.

263    Há que recordar que, em conformidade com o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, a duração da infração constitui um dos elementos a tomar em consideração para determinar o montante da coima a aplicar às empresas responsáveis por infrações às regras de concorrência.

264    Além disso, como referido no n.° 202, supra, o ponto 24 das orientações prevê que, a fim de ter plenamente em conta a duração da participação de cada empresa na infração, o montante determinado em função do valor das vendas será multiplicado pelo número de anos de participação na infração e que os períodos inferiores a um semestre serão contados como meio ano e os períodos superiores a seis meses, mas inferiores a um ano, serão contados como um ano completo.

265    Relativamente à duração da infração em causa no presente caso, a Comissão conclui, nos considerando 454 a 465 da decisão impugnada, como já referido no n.° 51, supra, que a mesma corresponde ao período compreendido entre a data da conclusão definitiva da transação, ou seja, 27 de setembro de 2010 (v. n.° 25, supra), e a data da supressão da referida cláusula, ou seja, 4 de fevereiro de 2011 (v. n.° 29, supra).

266    Com a presente alegação, a recorrente contesta, em substância, a legalidade da decisão impugnada na parte em que declara, como referido no artigo 1.° do seu dispositivo, que a infração se prolongou por um período compreendido entre a conclusão definitiva da transação, em 27 de setembro de 2010, e 4 de fevereiro de 2011. Por conseguinte, há que considerar que, com a presente alegação relativa à duração, a recorrente visa não só a redução da coima mas também a anulação parcial da decisão impugnada, nomeadamente do artigo 1.° do seu dispositivo, na medida em que a Comissão declara neste artigo, sem razão, que a infração se prolongou de 27 de setembro de 2010 a 4 de fevereiro de 2011.

267    Ora, não se pode deixar de observar que a recorrente não apresenta elementos adicionais relativos, especificamente, à duração da infração e se limita a remeter para as críticas já formuladas no contexto do seu fundamento baseado na violação do artigo 101.° TFUE e das normas relativas à sua aplicação, que já foram examinadas e rejeitadas nesse contexto (v. n.os 122 a 161, supra). Na medida em que a recorrente não conseguiu demonstrar que a obrigação de não concorrência estava sujeita a uma obrigação de autoavaliação nem que as conferências telefónicas de outubro de 2010 tinham conduzido à revogação da cláusula, o seu pedido de redução da duração da infração tida em conta no cálculo do montante da coima deve ser indeferido.

d)     Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade

268    A recorrente sustenta que a fixação do montante da coima que lhe foi aplicada devido à infração em causa no presente caso está viciada por uma violação do princípio da proporcionalidade.

269    A Comissão suscita uma exceção de inadmissibilidade, alegando que esse suposto fundamento de anulação deve ser julgado inadmissível na medida em que a recorrente, nas três linhas da petição que lhe são consagradas, se limita a criticar que «tudo visto e ponderado, está [...] convicta que atendendo a todas as circunstâncias do caso e aos critérios que devem ser observados na aplicação de coimas a Comissão não observou o princípio da proporcionalidade».

270    Por um lado, deve recordar‑se que, como já referido nos n.os 68 e seguintes, supra, por força do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, a petição deve conter o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados, e esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal proferir uma decisão, eventualmente sem outras informações. Além disso, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que o recurso assenta resultem, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (v. despacho TF1/Comissão, n.° 70, supra, EU:T:2008:155, n.° 29 e jurisprudência aí referida).

271    Importa observar que a exposição do alegado fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade pela recorrente no âmbito do presente recurso não satisfaz as exigências assim identificadas, pelo que a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão é julgada procedente e o alegado fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade deve ser declarado inadmissível.

272    Por outro lado, importa recordar a este respeito que, no direito da concorrência da União, a fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que era reconhecida ao juiz da União pelo artigo 17.° do Regulamento n.° 17 e o é atualmente pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (v. acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, Colet., EU:C:2011:815, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

273    Porém, impõe‑se realçar que o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização a título oficioso e recordar que a tramitação processual nos órgãos jurisdicionais da União é contraditória. Com exceção dos fundamentos de ordem pública que o juiz tem o dever de suscitar oficiosamente, como a inexistência de fundamentação da decisão impugnada, é ao recorrente que compete suscitar os fundamentos contra essa decisão e apresentar elementos de prova em apoio desses fundamentos (acórdão Chalkor/Comissão, n.° 272, supra, EU:C:2011:815, n.° 64).

274    Este requisito de ordem processual não contraria a regra segundo a qual, no tocante às infrações às regras de concorrência, é à Comissão que compete apresentar a prova das infrações que constata e apresentar os elementos de prova adequados a demonstrar, de modo jurídico bastante, a existência dos factos constitutivos de uma infração. Com efeito, o que se pede a um recorrente num recurso judicial é que identifique os elementos impugnados da decisão recorrida, formule alegações a esse respeito e apresente provas, que podem ser constituídas por indícios sérios, destinadas a demonstrar que as suas alegações são fundadas (acórdão Chalkor/Comissão, n.° 272, supra, EU:C:2011:815, n.° 65).

275    A inexistência de uma fiscalização a título oficioso do conjunto da decisão impugnada não viola o princípio da proteção jurisdicional efetiva. Para que este princípio seja respeitado, não é indispensável que o Tribunal Geral, efetivamente obrigado a responder aos fundamentos invocados e a exercer uma fiscalização tanto de direito como de facto, esteja obrigado a proceder oficiosamente a uma nova instrução completa do processo (acórdão Chalkor/Comissão, n.° 272, supra, EU:C:2011:815, n.° 66).

276    Por conseguinte, a fiscalização prevista pelos Tratados implica que o juiz da União exerça uma fiscalização tanto de direito como de facto e tenha o poder de apreciar as provas, anular a decisão impugnada e alterar o montante das coimas. Consequentemente, não se afigura que a fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.° TFUE, completada pela competência de plena jurisdição quanto ao montante da coima, prevista no artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, seja contrária às exigências do princípio da proteção jurisdicional efetiva que figura no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (acórdão Chalkor/Comissão, n.° 272, supra, EU:C:2011:815, n.° 67).

277    Resulta desta jurisprudência que, na falta de argumentos e de elementos de prova apresentados pela recorrente em apoio do seu alegado fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade, o Tribunal Geral não é obrigado a examinar oficiosamente, no exercício da sua competência de plena jurisdição, o respeito do referido princípio pela Comissão na fixação do montante da coima.

3.     Quanto ao requerimento de inquirição de testemunhas

278    A recorrente pede ao Tribunal Geral que se digne ouvir, na qualidade de testemunha, M. R. S. S. N., responsável pela Direção de Concorrência da PT à data da celebração do acordo bem como do acordo de revogação da cláusula.

279    A Comissão alega que este requerimento deve ser indeferido, com o fundamento de que é desnecessário e redundante, uma vez que a declaração ajuramentada de M. R. S. S. N. sobre os factos de que terá tido conhecimento já figura nos autos.

280    Importa recordar que só o Tribunal Geral é que julga da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe sobre os processos que lhe são submetidos (v. despacho de 10 de junho de 2010, Thomson Sales Europe/Comissão, C‑498/09 P, EU:C:2010:338, n.° 138 e jurisprudência aí referida).

281    Como o Tribunal de Justiça já decidiu no âmbito de um processo relativo ao direito da concorrência, mesmo quando um requerimento de inquirição de testemunhas, apresentado na petição inicial, refira com precisão os factos sobre os quais devem ser ouvidas as testemunhas e as razões que justificam a sua inquirição, compete ao Tribunal Geral apreciar a pertinência do requerimento tendo em conta o objeto do litígio e a necessidade de proceder à inquirição das testemunhas citadas (v. acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens/Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, EU:C:2013:866, n.° 323 e jurisprudência aí referida).

282    Por outro lado, o Tribunal de Justiça referiu que esse poder de apreciação do Tribunal Geral se conciliava com o direito fundamental a um processo equitativo e, em particular, com o artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (CEDH). Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta última disposição não reconhece ao acusado um direito absoluto a que as testemunhas compareçam em tribunal e que incumbe, em princípio, ao juiz decidir da necessidade ou da oportunidade de citar uma testemunha. O artigo 6.°, n.° 3, da CEDH não impõe a convocação de qualquer testemunha, mas visa uma completa igualdade de armas que garanta que o processo controvertido, considerado no seu conjunto, ofereceu ao acusado uma oportunidade adequada e suficiente para contestar as suspeitas que recaíam sobre ele (v. acórdão Siemens/Comissão, n.° 281, supra, EU:C:2013:866, n.os 324 e 325 e jurisprudência aí referida).

283    A este propósito, o Tribunal Geral já declarou que não podia ser dado provimento ao requerimento de inquirição de testemunhas de uma empresa recorrente, quando as declarações que esta visava obter com esse depoimento perante o Tribunal Geral já tivessem sido prestadas à Comissão, consideradas não alicerçadas por elementos de prova documentais e mesmo desmentidas por alguns elementos dos autos (v., neste sentido, acórdão de 13 de julho de 2011, ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, Colet., EU:T:2011:364, n.os 152 e 154).

284    Além disso, importa observar que um pedido para o Tribunal Geral completar os elementos de informação de que dispõe é inoperante quando, mesmo que o Tribunal Geral deferisse esse pedido, o sentido da sua decisão não fosse infletido (v., neste sentido, despacho Thomson Sales Europe/Comissão, n.° 280, supra, EU:C:2010:338, n.° 141).

285    Se o Tribunal Geral se puder pronunciar utilmente com base nos pedidos, fundamentos e argumentos desenvolvidos quer durante a fase escrita quer durante a fase oral do processo e à luz dos documentos apresentados, deve indeferir o requerimento de inquirição de uma testemunha, apresentado pela recorrente, sem ter de justificar por meio de uma fundamentação específica a sua apreciação da inutilidade de investigar elementos de prova suplementares (v., neste sentido, despacho de 15 de setembro de 2005, Marlines/Comissão, C‑112/04 P, EU:C:2005:554, n.° 39, e acórdão de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, Colet., EU:T:2009:317, n.° 218).

286    Contudo, embora seja verdade que uma parte não tem o direito de exigir ao juiz da União a adoção de uma medida de organização do processo ou de uma medida de instrução, também é verdade que o juiz não pode extrair consequências da falta, nos autos, de determinados elementos, enquanto não tiver esgotado os meios previstos no Regulamento de Processo do órgão jurisdicional para conseguir que a parte em causa apresente esses elementos (v. despacho de 8 de outubro de 2013, Michail/Comissão, T‑597/11 P, ColetFP, EU:T:2013:542, n.° 40 e jurisprudência aí referida).

287    No presente caso, na medida em que a declaração de M. R. S. S. N. sobre os factos de que terá tido conhecimento já figura nos autos, não há que deferir o requerimento de inquirição de testemunhas apresentado pela recorrente.

288    A este respeito, há que recordar, como já foi referido no n.° 283, supra, que o Tribunal Geral declarou que não podia ser dado provimento ao requerimento de inquirição de testemunhas de uma empresa recorrente, quando as declarações que esta visava obter com esse depoimento perante o Tribunal Geral já tivessem sido prestadas à Comissão, consideradas não alicerçadas por elementos de prova documentais e mesmo desmentidas por alguns elementos dos autos.

289    No presente caso, há que recordar que a Comissão referiu, como foi observado nos n.os 149 e 150, supra, que tinha tido em conta a declaração em causa e que a tinha avaliado em conformidade com os princípios aplicáveis em matéria de apreciação da prova. A Comissão teve assim em conta o facto de que esta declaração tinha sido prestada por uma pessoa que podia ter um interesse direto no processo (considerando 122 da decisão impugnada) e procedeu a uma avaliação ponderada desse elemento relativamente aos outros elementos de prova disponíveis (considerandos 121, 124 e 308 da decisão impugnada). A Comissão nunca pôs em dúvida o facto de a pessoa na origem da referida declaração se ter efetivamente expressado da forma consignada nessa declaração.

290    Nestas condições, o pedido destinado a ordenar a inquirição da pessoa autora da referida declaração perante o Tribunal Geral deve ser indeferido, uma vez que os elementos que figuram nos autos são suficientes para permitir ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre as conferências telefónicas de outubro de 2010 (v., neste sentido, acórdão ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, n.° 283, supra, EU:T:2011:364, n.os 152 e 154; v. também, neste sentido e por analogia, acórdão de 7 de outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI, C‑136/02 P, Colet., EU:C:2004:592, n.° 77).

291    Esta conclusão não pode ser posta em causa pela afirmação da recorrente de que, por força do princípio da proximidade ou da imediação, a inquirição de testemunhas pelo Tribunal Geral apresenta uma inegável mais‑valia relativamente à tomada em consideração de uma declaração consignada por escrito. Com efeito, na medida em que o conteúdo da declaração não é posto em causa e que se trata apenas da apreensão desse elemento face ao conjunto das provas, os argumentos apresentados pela recorrente na audiência não podem pôr em causa a conclusão de que a audição do autor da declaração em questão perante o Tribunal Geral é supérflua.

292    Decorre do conjunto das considerações precedentes que o requerimento de inquirição de testemunhas deve ser indeferido.

293    Resulta do exposto que a argumentação da recorrente relativa às vendas tidas em conta para efeitos do cálculo da coima deve ser parcialmente acolhida na medida em que, para determinar o valor das vendas da recorrente a tomar em consideração no cálculo do montante da coima, a Comissão era obrigada a examinar os argumentos da recorrente destinados a demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços. Por conseguinte, o artigo 2.° da decisão impugnada deve ser anulado unicamente na parte em que fixa o montante da coima com base no valor das vendas considerado pela Comissão, devendo ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

294    Nos termos do artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

295    Tendo as partes obtido vencimento parcial, far‑se‑á uma justa apreciação das circunstâncias do processo decidindo que a recorrente suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da Comissão. A Comissão suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

decide:

1)      O artigo 2.° da Decisão C(2013) 306 final da Comissão, de 23 de janeiro de 2013, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.° TFUE (processo COMP/39.839 — Telefónica/Portugal Telecom), é anulado na parte em que fixa o montante da coima aplicada à Portugal Telecom, SGPS SA, em 12 290 000 euros, na medida em que este montante foi fixado com base no valor das vendas considerado pela Comissão Europeia.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Portugal Telecom, SGPS, suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da Comissão. A Comissão suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da Portugal Telecom, SGPS.

Martins Ribeiro

Gervasoni

Madise

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de junho de 2016.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

A —  Apresentação da PT e da Telefónica

B —  Negociações e assinatura do acordo

C —  Factos supervenientes à celebração do acordo

D —  Procedimento na Comissão

Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

A —  Quanto à admissibilidade

B —  Quanto ao mérito

1.  Quanto aos pedidos relativos à anulação da decisão impugnada

a)  Quanto ao fundamento relativo à violação de formalidades essenciais

b)  Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 101.° TFUE e das normas relativas à sua aplicação

Observações preliminares

Quanto à argumentação relativa ao facto de a cláusula estar relacionada com a opção de compra ou com a demissão dos membros do conselho de administração da PT nomeados pela Telefónica

Quanto à argumentação relativa ao facto de a cláusula conter uma obrigação de autoavaliação

Quanto à argumentação relativa à violação do artigo 101.° TFUE em razão da falta de exame das condições de concorrência potencial

Quanto à argumentação relativa à inexistência de efeitos

2.  Quanto aos pedidos que visam o montante da coima

a)  Observações preliminares

Quanto aos princípios relativos ao cálculo das coimas

Decisão impugnada

b)  Quanto às vendas tidas em conta para efeitos do cálculo da coima

Quanto à fundamentação

Quanto ao mérito

—  Quanto às vendas correspondentes a atividades não suscetíveis de serem sujeitas a concorrência

—  Quanto às vendas correspondentes a atividades existentes anteriormente

—  Quanto às vendas correspondentes a atividades realizadas fora da Península Ibérica

c)  Quanto à duração da infração

d)  Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade

3.  Quanto ao requerimento de inquirição de testemunhas

Quanto às despesas


* Língua do processo: português.