Language of document : ECLI:EU:T:2022:242

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

27 de abril de 2022 (*)

«Cláusula compromissória — Convenção de subvenção celebrada no âmbito do Sétimo Programa‑Quadro de atividades em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração (2007‑2013) — Custos elegíveis — Pedido de reembolso — Auditoria financeira — Inquérito do OLAF — Conflito de interesses em razão de relações familiares ou afetivas — Princípio da boa‑fé — Princípio da não discriminação em razão da situação matrimonial — Confiança legítima — Recurso de anulação — Notas de débito — Atos indissociáveis do contrato — Ato insuscetível de recurso — Direito a um recurso jurisdicional efetivo — Inadmissibilidade»

No processo T‑4/20,

Sieć Badawcza Łukasiewicz — Port Polski Ośrodek Rozwoju Technologii, com sede em Bratislava (Polónia), representada por Ł. Stępkowski, advogado,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Araujo Arce e J. Estrada de Solà, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, M. Jaeger (relator) e M. Stancu, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos, designadamente:

–        o pedido de omissão de certos dados perante o público apresentado pela demandante por requerimento separado, em 3 de janeiro de 2020, nos termos do artigo 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral,

–        a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de maio de 2020, na qual a Comissão especifica que não se opõe ao pedido apresentado pela demandante ao abrigo do artigo 66.o do Regulamento de Processo,

após a audiência de 5 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua ação, a demandante, Sieć Badawcza Łukasiewicz — Port Polski Ośrodek Rozwoju Technologii, pede, a título principal, nos termos do artigo 272.o TFUE, a declaração da inexistência do crédito contratual da Comissão Europeia em causa em seis notas de débito emitidas em 13 de novembro de 2019 no montante total de 180 893,90 euros, que inclui um montante principal de 164 449 euros e uma indemnização de 16 444,90 euros, bem como a condenação da Comissão no pagamento dos montantes constantes das referidas notas de débito, e, a título subsidiário, nos termos do artigo 263.o TFUE, a anulação da carta da Comissão de 12 de novembro de 2019, dirigida à demandante.

I.      Antecedentes do litígio

2        A demandante é um instituto de investigação que subscreveu três convenções de subvenção, ao abrigo do Sétimo Programa‑Quadro da Comunidade Europeia de atividades em matéria de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração (2007‑2013) (a seguir «PC7»), enquanto beneficiária.

3        Entre dezembro de 2007 e julho de 2010, a Comissão celebrou várias convenções de subvenção, nomeadamente as que apresentam os números n.o 215669‑EUWB, n.o 248577‑C2POWER e n.o 257626‑ACROPOLIS (a seguir, respetivamente, «convenção de subvenção EUWB», «convenção de subvenção C2POWER» e «convenção de subvenção ACROPOLIS» ou, em conjunto, «convenções de subvenção em causa») com três consórcios, constituídos por organismos de investigação de diferentes Estados‑Membros, sendo cada consórcio dirigido por um coordenador. Enquanto os coordenadores dos consórcios eram os principais parceiros contratuais da Comissão, cada beneficiário tinha o estatuto de parte nas convenções de subvenção em causa.

4        A demandante, que então era denominada Wrocławskie Centrum Badań EIT+, subscreveu as convenções de subvenção em causa enquanto beneficiária.

5        Entre 12 e 14 de agosto de 2013, a convenção de subvenção C2POWER — com outras convenções de subvenção celebradas a título do PC7 (os projetos SAPHYRE e FIVER) — foi objeto de uma auditoria realizada por uma sociedade de auditoria externa agindo como mandatária da Comissão.

6        Em 11 de outubro de 2013, a demandante forneceu as informações adicionais pedidas pelos auditores numa reunião de encerramento realizada em 14 de agosto de 2013.

7        Em 17 de fevereiro de 2014, os auditores enviaram à demandante o projeto inicial de relatório de auditoria. Por carta de 7 de março de 2014, a demandante apresentou as suas observações sobre o referido relatório.

8        Por carta de 22 de abril de 2014, a Comissão enviou à demandante o relatório final de auditoria de 21 de março de 2014 (n.o 13‑BA 222‑030) relativo à convenção de subvenção C2POWER e aos projetos SAPHYRE e FIVER (a seguir «relatório final de auditoria») e comunicou‑lhe que considerava a auditoria encerrada.

9        Em 15 de setembro de 2014, no âmbito do inquérito OF/2013/0325/A 3, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) enviou à demandante, na sua qualidade de interessada, um pedido de apresentação de documentos relativos a horas declaradas por um dos seus funcionários (a seguir «funcionário em causa») no âmbito dos seus projetos financiados pela União Europeia. Em 8 de outubro de 2014, a demandante transmitiu os documentos solicitados ao OLAF.

10      Por carta de 10 de outubro de 2014, o OLAF solicitou à demandante que apresentasse outros documentos justificativos relativos a outros dois dos seus funcionários. Por carta de 6 de novembro de 2014, a demandante apresentou os documentos solicitados.

11      Em 15 de janeiro de 2015, o OLAF informou a demandante, enquanto pessoa interessada pelo inquérito, dos comportamentos que lhe eram imputados, concretamente, a sua cumplicidade nas falsas declarações sobre os registos de tempo de trabalho do funcionário em causa e de outros dois dos seus funcionários.

12      Em 27 de janeiro de 2015, a demandante transmitiu as suas observações ao OLAF, nas quais contestava as alegações deste último.

13      Em 1 de junho de 2015, o OLAF informou a demandante da conclusão do inquérito e das suas recomendações, transmitidas às autoridades judiciais polacas e aos serviços competentes da Comissão.

14      Em 25 de junho de 2015, a demandante enviou ao OLAF uma carta com um conjunto de pedidos de informações e de documentos justificativos, na qual pedia designadamente um exemplar do seu relatório de inquérito.

15      Em 10 de agosto de 2015, o OLAF prestou as informações pedidas à demandante, com exceção das que estavam sujeitas a regras estritas em matéria de confidencialidade e de proteção dos dados pessoais, entre as quais figurava o seu relatório de inquérito. Assim, o OLAF precisou os factos controvertidos, o período e os projetos a que esses factos diziam respeito (em concreto, as convenções de subvenção em causa, o projeto SAPHYRE e o projeto ONEFIT), bem como as recomendações dirigidas à Direção‑Geral competente acerca da recuperação do montante em causa.

16      Por carta de 1 de setembro de 2015, a demandante pediu ao OLAF que lhe facultasse informações detalhadas e as disposições jurídicas pertinentes relativas ao seu inquérito. Este respondeu em 9 de novembro de 2015.

17      Em 7 de agosto de 2018, a Comissão informou a demandante da sua intenção de emitir duas notas de débito, no montante principal de 374 188 euros e no montante de 30 200 euros a título de indemnização, com base nas conclusões do OLAF relativas às convenções de subvenção em causa, ao projeto SAPHYRE e ao projeto ONEFIT.

18      Em 26 de outubro de 2018, a demandante enviou à Comissão uma carta na qual contestava as conclusões do OLAF e lhe pedia que tomasse em consideração várias circunstâncias factuais e jurídicas antes de adotar as medidas de cobrança.

19      Por carta de 22 de julho de 2019, a Comissão informou a demandante de que algumas das suas observações a tinham levado a alterar a sua posição inicial. Mais precisamente, os custos de pessoal dos seus dois outros funcionários tinham acabado por ser aceites e apenas os custos de pessoal correspondentes ao funcionário em causa, relativos ao período compreendido entre agosto de 2010 e outubro de 2012, tinham sido recusados, com a consequência de o montante total reclamado ser de 180 895,90 euros.

20      Em 29 de agosto de 2019, a demandante enviou à Comissão uma segunda carta de contestação, na qual pedia que esta tomasse em consideração as suas observações adicionais relativas às medidas que pretendia adotar.

21      A Comissão respondeu à demandante por carta de 12 de novembro de 2019, mantendo a sua posição e informando‑a da emissão das notas de débito (a seguir «decisão impugnada»). Esta carta foi anexada a uma mensagem de correio eletrónico de 13 de novembro de 2019, à qual foram igualmente juntas as notas de débito n.o 3241913641 (convenção de subvenção ACROPOLIS, principal, montante de 72 592 euros), n.o 3241913642 (convenção de subvenção EUWB, indemnização, montante de 7 259,20 euros), n.o 3241913643 (convenção de subvenção EUWB, principal, montante de 64 818 euros), n.o 3241913644 (convenção de subvenção C2POWER, indemnização, montante de 6 481,80 euros), n.o 3241913645 (convenção de subvenção C2POWER, principal, montante de 27 039 euros) e n.o 3241913647 (convenção de subvenção ACROPOLIS, indemnização, montante de 2 703,90 euros), pagáveis até 30 de dezembro de 2019.

22      Em 23 de dezembro de 2019, a demandante pagou a totalidade dos montantes exigidos pela Comissão.

23      Por carta de 24 de dezembro de 2019, a demandante pôs em causa o conteúdo da decisão impugnada, da mensagem de correio eletrónico da Comissão de 13 de novembro de 2019 e das notas de débito juntas à referida mensagem de correio eletrónico e contestou estas últimas.

II.    Pedidos das partes

24      A demandante conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar procedente a ação intentada nos termos do artigo 272.o TFUE declarando, por um lado, a inexistência do crédito contratual reivindicado pela Comissão e, por outro, a elegibilidade dos custos de pessoal reclamados nas notas de débito n.o 3241913641 (72 592 euros), n.o 241913643 (64 818 euros) e n.o 3241913645 (27 039 euros) de 13 de novembro de 2019;

–        condenar a Comissão no reembolso das quantias liquidadas pelas notas de débito n.o 3241913641, n.o 3241913642, n.o 3241913643, n.o 3241913644, n.o 3241913645 e n.o 3241913647, de 13 de novembro de 2019, acrescidas de juros, uma vez que as referidas quantias já lhe foram pagas a título provisório, sob reserva do resultado da presente instância;

–        a título subsidiário, dar provimento ao seu recurso nos termos do artigo 263.o TFUE, anulando a decisão impugnada;

–        em qualquer caso, condenar a Comissão nas despesas.

25      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar improcedente a ação intentada nos termos do artigo 272.o TFUE;

–        declarar que o montante de 180 893,90 euros, que inclui o montante principal de 164 449 euros e o montante indemnizatório de 16 444,90 euros, mencionado nas notas de débito n.o 3241913641, n.o 3241913642, n.o 3241913643, n.o 3241913644, n.o 3241913645 e n.o 3241913647, de 13 de novembro de 2019, corresponde a custos não elegíveis;

–        julgar o recurso interposto a título subsidiário nos termos do artigo 263.o TFUE manifestamente inadmissível;

–        condenar a demandante nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao pedido de omissão de dados

26      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de janeiro de 2020, a demandante apresentou um pedido de omissão de determinados dados perante o público, em conformidade com o artigo 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a fim de assegurar, por um lado, a proteção dos dados pessoais e, por outro, a proteção do segredo comercial.

27      Com este pedido, a demandante pretende, em substância, a omissão dos seguintes tipos de dados:

–        nome das pessoas que empregou anteriormente e emprega atualmente;

–        nome de terceiros;

–        conteúdo dos contratos de trabalho dos seus funcionários;

–        outras informações constantes da petição ou dos anexos que possam permitir a identificação de uma pessoa pelo público;

–        a sua estrutura organizacional;

–        o relatório do OLAF, no caso de este ser apresentado.

28      Além disso, a demandante pede que, em caso de publicação do presente acórdão, sejam publicados apenas excertos dos quais não possa resultar a identificação das pessoas afetadas por esse processo ou a divulgação de pormenores relativos à sua estrutura organizacional, às suas práticas de gestão ou à sua conduta enquanto empregador.

29      Em primeiro lugar, importa recordar que, na conciliação entre a publicidade das decisões judiciais e o direito à proteção dos dados pessoais e do segredo comercial, o juiz deve procurar, nas circunstâncias de cada caso concreto, o justo equilíbrio, tendo igualmente em conta o direito do público a ter acesso às decisões judiciais, em conformidade com os princípios consagrados no artigo 15.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2020, Broughton/Eurojust, T‑87/19, não publicado, EU:T:2020:464, n.o 49).

30      No caso em apreço, antes de mais, não figuram no presente acórdão os nomes das pessoas que a demandante empregou anteriormente e emprega atualmente, os nomes de terceiros e as outras informações constantes da petição ou dos anexos que possam permitir a identificação de uma pessoa pelo público.

31      Em seguida, o pedido relativo ao relatório do OLAF é desprovido de objeto na medida em que a apresentação deste último não teve lugar.

32      Por último, no que respeita às informações relativas ao conteúdo dos contratos de trabalho, à estrutura organizacional da demandante, às suas práticas de gestão e à sua conduta enquanto entidade empregadora, apenas figuram no presente acórdão aquelas cuja omissão poderia prejudicar o acesso e a compreensão dos acórdãos pelo público.

33      Em segundo lugar, cumpre salientar que as informações que figuram no presente acórdão ou foram apresentadas e discutidas na audiência pública realizada em 5 de outubro de 2021, ou não foram objeto de justificação suficiente quanto à sua omissão, pelo que não existe qualquer razão legítima para julgar procedente o pedido da demandante (v., neste sentido, Despachos de 21 de julho de 2017, Polskie Górnictwo Naftowe i Gazownictwo/Comissão, T‑130/17 R, EU:T:2017:541, n.o 62, e de 21 de julho de 2017, PGNiG Supply & Trading/Comissão, T‑849/16 R, EU:T:2017:544, n.o 57).

B.      Quanto à ação intentada nos termos do artigo 272.o TFUE

1.      Quanto ao pedido de declaração da inexistência do crédito contratual e da elegibilidade dos custos com pessoal e quanto ao pedido de reembolso das quantias liquidadas

34      Em apoio dos seus pedidos formulados, a título principal, no âmbito da ação que intentou ao abrigo do artigo 272.o TFUE, a demandante invoca quatro fundamentos, relativos à violação das disposições das convenções de subvenção em causa, do direito belga, do direito do trabalho polaco e do princípio da proteção da confiança legítima.

a)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação das disposições das convenções de subvenção em causa

35      A demandante apresenta três alegações em apoio do seu primeiro fundamento.

1)      Quanto à primeira alegação, relativa à violação do artigo II.22, n.os 1 e 6, do anexo II das convenções de subvenção em causa devido à recuperação unilateral dos fundos e à indemnização de montante fixo

36      Com a sua primeira alegação, a demandante contesta a legalidade tanto da cobrança efetuada pela Comissão como da imposição por esta última de uma indemnização de montante fixo, à luz das disposições contratuais que regem essa competência.

37      Com efeito, considera que, embora o artigo II.22, n.o 6, do anexo II das convenções de subvenção em causa permita à Comissão adotar medidas como a emissão de ordens de cobrança ou a aplicação de sanções, o exercício desse poder deve basear‑se nas conclusões de uma auditoria, na aceção do artigo II.22, n.o 1, do anexo II das referidas convenções.

38      Ora, por um lado, a Comissão exigiu um pagamento por parte da demandante sem se basear nas conclusões da auditoria no que respeita às convenções de subvenção EUWB e ACROPOLIS e, no que respeita à convenção de subvenção C2POWER, agindo de forma contrária às conclusões da auditoria, que, no entanto, subscreveu.

39      Por outro lado, a Comissão baseou‑se no relatório de inquérito do OLAF, que não constitui uma auditoria financeira na aceção do artigo II.22, n.o 1, do anexo II das convenções de subvenção em causa. A este respeito, a demandante afirma que, embora o artigo II.22, n.o 8, do anexo II das convenções de subvenção em causa permita à Comissão recorrer ao OLAF para efetuar inspeções e verificações no local, esta disposição não a habilita, no entanto, a derrogar o disposto no artigo II.22, n.o 6, do anexo II das referidas convenções.

40      Por conseguinte, a demandante conclui que as disposições contratuais aplicáveis não permitiam à Comissão atuar como atuou, procedendo à recuperação dos fundos e da indemnização de montante fixo de forma unilateral, em vez de apresentar um pedido de pagamento no tribunal competente, e limitando‑se a contestar factos sem apresentar provas em apoio dessa contestação.

41      A demandante acrescenta que, contrariamente às alegações da Comissão, nem o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1; a seguir «Regulamento Financeiro»), nem o artigo 317.o TFUE, por si só, conferem à Comissão o poder contratual autónomo de pedir uma recuperação na ausência de qualquer relatório final de auditoria ou contrariamente às conclusões desse relatório, em conformidade com as convenções de subvenção em causa.

42      A Comissão contesta os argumentos da demandante.

43      Em primeiro lugar, a secção 3, intitulada «Inspeções e sanções», do anexo II das convenções de subvenção em causa inclui o artigo II.22, com a epígrafe «Auditoria financeira e inspeções», que prevê, por um lado, procedimentos de auditoria e, por outro, procedimentos de controlo.

44      No que respeita aos procedimentos de auditoria, o artigo II.22, n.o 1, do anexo II das convenções de subvenção em causa dispõe que, «em qualquer momento da execução do projeto e até cinco anos após o final do projeto, a Comissão pode fazer auditorias financeiras, quer por auditores externos, quer pelos próprios serviços da Comissão, incluindo o OLAF». Este artigo enuncia ainda que «[o] procedimento de auditoria considera‑se iniciado na data de receção da respetiva carta enviada pela Comissão», que «[e]stas auditorias podem incidir sobre aspetos financeiros, sistémicos e outros (como os princípios de contabilidade e de gestão) relacionados com a boa execução da convenção de subvenção), e que «[e]stas auditorias devem ser efetuadas de forma confidencial».

45      O artigo II.22, n.o 6, do anexo II das convenções de subvenção em causa acrescenta que, «[c]om base nas conclusões da auditoria, a Comissão tomará todas as medidas adequadas que considere necessárias, incluindo a emissão de ordens de recuperação que abranjam a totalidade ou parte dos pagamentos que efetuou e a determinação de quaisquer sanções aplicáveis».

46      No que respeita aos procedimentos de controlo, o artigo II.22, n.o 8, do anexo II das convenções de subvenção em causa dispõe, no que respeita à possibilidade de adotar medidas de inquérito, que, «[a]lém disso», a Comissão «pode efetuar verificações e inspeções no local em conformidade com o Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 do Conselho, de 11 de novembro de 1996, relativo às inspeções e verificações no local efetuadas pela Comissão para a proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades, e o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pela [OLAF]».

47      Resulta do exposto que os procedimentos de controlo, conforme estão previstos nas convenções de subvenção em causa, são medidas abrangidas pelo quadro contratual que vincula as partes, que se justapõem aos procedimentos de auditoria de maneira autónoma.

48      Em segundo lugar, para permitir a aplicação dos procedimentos previstos no artigo II.22 do anexo II das convenções de subvenção em causa, o artigo II.3, alínea g), do referido anexo dispõe que «cada beneficiário deve […] fornecer diretamente à Comissão, incluindo o [OLAF] e o Tribunal de Contas, todas as informações necessárias no âmbito dos controlos e das auditorias».

49      A carta do OLAF de 15 de setembro de 2014, que pede à demandante a apresentação de determinados documentos (v. n.o 9, supra), prossegue especificamente este objetivo, justificando a medida de inquérito com base no artigo II.3, alínea g), do anexo II das convenções de subvenção em causa.

50      O procedimento conduzido pelo OLAF inscreve‑se, assim, no quadro contratual instituído pelas partes.

51      Em terceiro lugar, é significativo que o pedido de apresentação de documentos de 15 de setembro de 2014 não se baseie no artigo II.22, n.o 3, do anexo II das convenções de subvenção em causa. Esta última dispõe:

«Os beneficiários mantêm os originais ou, em casos excecionais, cópias autenticadas, incluindo cópias eletrónicas, de todos os documentos relativos à convenção de subvenção por um período máximo de cinco anos a contar do termo do projeto. Estes são colocados à disposição da Comissão mediante pedido em quaisquer auditorias efetuadas no âmbito da convenção de subvenção.»

52      Se um pedido baseado nesta disposição permitir chegar ao mesmo resultado que um pedido formulado ao abrigo do artigo II.3, alínea g), do anexo II das convenções de subvenção em causa, o artigo II.22, n.o 3, do referido anexo só se aplica no âmbito dos procedimentos de auditoria e não no âmbito dos procedimentos de controlo. Aliás, o mesmo raciocínio é aplicável para delimitar os âmbitos de aplicação respetivos do artigo II.22, n.o 3, do anexo II das convenções de subvenção em causa e do artigo II.22, n.o 8, do referido anexo.

53      Por conseguinte, o procedimento conduzido pelo OLAF no caso em apreço enquadra‑se nos procedimentos de controlo previstos nas disposições das convenções de subvenção em causa.

54      Em quarto lugar, no âmbito do procedimento de controlo efetuado no caso em apreço, a Comissão identificou irregularidades cometidas pela demandante que causaram a inelegibilidade de determinados custos.

55      A este respeito, há que salientar que o artigo II.21, n.o 1, segundo parágrafo, do anexo II das convenções de subvenção em causa prevê que, «[c]aso, após a rescisão ou a conclusão de uma convenção de subvenção nos termos do [PC7], deva ser recuperado um montante devido pelo beneficiário à [União], a Comissão pede o reembolso do montante devido emitindo uma ordem de recuperação dirigida ao beneficiário».

56      Em conformidade com esta disposição, na qual se baseia expressamente a decisão impugnada, a Comissão tinha o direito de retirar as consequências do resultado do procedimento de controlo, pedindo à demandante a recuperação das quantias devidas.

57      Assim, contrariamente às afirmações da demandante, segundo as quais, por um lado, o artigo II.22, n.o 8, do anexo II das convenções de subvenção em causa não habilita a Comissão a derrogar o artigo II.22, n.o 6, do referido anexo e, por outro, a Comissão não pode ignorar um relatório final de auditoria com base nas convenções de subvenção em causa, o procedimento seguido no caso em apreço é independente do procedimento de auditoria referido pela demandante.

58      A este respeito, há que salientar que o artigo 9.o, n.o 1, das convenções de subvenção em causa indica expressamente que as mesmas convenções são «reguladas […] pelo Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral e pelas respetivas normas de execução […]».

59      Ora, o artigo 119.o do Regulamento Financeiro dispõe o seguinte:

«1.      O montante da subvenção só se torna definitivo após aceitação pela instituição dos relatórios e das contas finais, sem prejuízo de controlos ulteriores a efetuar pela instituição.

2.      Em caso de desrespeito, pelo beneficiário, das suas obrigações legais ou convencionais, a subvenção será suspensa e reduzida ou suprimida nos casos previstos nas normas de execução, após ter sido dada ao beneficiário a oportunidade de formular as suas observações.»

60      A este respeito, importa salientar, antes de mais, que o artigo 119.o do Regulamento Financeiro, na versão aplicável no momento dos factos, não impõe nenhuma exigência processual particular e específica quanto à forma de identificar as irregularidades no âmbito dos procedimentos de controlo iniciados posteriormente à aceitação dos relatórios e contas finais.

61      Além disso, as modalidades de execução desta disposição, em vigor no momento dos factos, também não contêm exigências a esse respeito. Com efeito, o artigo 183.o, primeiro parágrafo, alínea a), e segundo parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2342/2002 da Comissão, de 23 de dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento Financeiro (JO 2002, L 357, p. 1), confere ao gestor orçamental competente, nomeadamente, o direito de pedir o reembolso proporcional ao beneficiário em caso de execução incorreta do programa de trabalho aprovado.

62      Por último, em resposta a uma questão colocada na audiência, a demandante admitiu a aplicabilidade do artigo 119.o do Regulamento Financeiro ao quadro contratual, sob reserva da identificação de uma irregularidade.

63      Consequentemente, resulta do que precede que não se pode acusar a Comissão de não ter respeitado as exigências processuais impostas no âmbito do procedimento de controlo aplicado no caso em apreço.

64      Em quinto lugar, é pacífico que, na sequência das observações apresentadas pela demandante na sua carta de 26 de outubro de 2018, a Comissão reduziu o montante das quantias que lhe reclamava. Ora, para contestar as conclusões do relatório do OLAF em que se baseavam as pretensões da Comissão, a demandante apoiou‑se, nomeadamente, no relatório final de auditoria. Por conseguinte, para elaborar as ordens de recuperação, a Comissão teve em conta as apreciações resultantes tanto do procedimento de auditoria como do procedimento de controlo. A este título, a Comissão agiu no âmbito dos poderes que lhe são reconhecidos pelo artigo II.22, n.o 6, e pelo artigo II.21, n.o 1, segundo parágrafo, do anexo II das convenções de subvenção em causa, o que a decisão impugnada reflete.

65      Em consequência, o procedimento seguido pela Comissão para pedir o reembolso dos montantes que considerava devidos não viola as disposições contratuais. Por esse motivo, a primeira alegação deve ser rejeitada.

2)      Quanto à segunda alegação, relativa à violação do artigo II.14, n.o 1, alíneas a) e b), do anexo II das convenções de subvenção em causa devido ao pedido de pagamentos correspondentes a custos efetivos

66      Com a sua segunda alegação, a demandante sustenta que a Comissão estava obrigada a admitir a realidade dos custos de pessoal do funcionário em causa, na medida em que o relatório final de auditoria tinha confirmado especificamente a sua autenticidade, conclusão que a Comissão subscrevera na sua carta de 22 de abril de 2014.

67      A demandante conclui que, ao afastar‑se das conclusões dos auditores sem, no entanto, apresentar elementos que sustentassem essa faculdade nem dar explicações quanto à pertinência das conclusões do OLAF, apesar de as ter rejeitado parcialmente, a Comissão violou o artigo II.14, n.o l, alíneas a) e b), do anexo II das convenções de subvenção em causa e cometeu, assim, um erro de facto.

68      A demandante acrescenta que a posição da Comissão quanto à repartição do ónus da prova da elegibilidade dos custos suportados pelo beneficiário de uma subvenção e à sua capacidade de recuperar um financiamento é irrelevante. A este respeito, sublinha que, no caso em apreço, na medida em que o relatório final de auditoria, que confirma a realidade dos custos controvertidos, foi apresentado, o ónus da prova do caráter errado desse relatório e da inelegibilidade de certos custos com pessoal incumbe à Comissão.

69      A Comissão contesta os argumentos da demandante.

70      A título preliminar, há que salientar que a argumentação da demandante, no âmbito da segunda alegação do seu primeiro fundamento, consiste em acusar a Comissão de violação das disposições contratuais em razão da inobservância do caráter alegadamente vinculativo do relatório final de auditoria.

71      Ora, por um lado, tal valor atribuído às auditorias não resulta das disposições das convenções de subvenção em causa. Pelo contrário, o caráter provisório da sua força probatória é consagrado no artigo II.22, n.o 1, do anexo II das convenções de subvenção em causa, que reconhece a possibilidade de efetuar novas auditorias nos cinco anos seubsequentes à conclusão do projeto em causa. Do mesmo modo, o artigo II.22, n.o 8, do anexo II das convenções de subvenção em causa permite à Comissão iniciar inquéritos em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pelo [OLAF] (JO 1999, L 136, p. 1), que foi revogado pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo [OLAF] e que revoga o Regulamento [n.o 1073/1999] e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1).

72      Por outro lado, como resulta das considerações expostas nos n.os 58 a 62, supra, a decisão impugnada inscreve‑se no âmbito do artigo 119.o do Regulamento Financeiro, cujo n.o 1 indica expressamente que a aceitação pela instituição dos relatórios e das contas finais tem lugar «sem prejuízo dos controlos ulteriores a efetuar pela instituição».

73      Assim, não se pode considerar que o relatório final de auditoria, mesmo após validação pela Comissão, se lhe impõe de forma vinculativa e imutável. Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da demandante segundo o qual, salvo em caso de erro de facto constitutivo de uma violação do artigo II.14, n.o 1, alíneas a) e b), do anexo II das convenções de subvenção em causa, a Comissão estava obrigada a reconhecer a autenticidade das despesas de pessoal do funcionário em causa, na medida em que uma auditoria, cujas conclusões a Comissão tinha avalizado, tinha previamente reconhecido a sua veracidade.

74      Pelas mesmas razões, o argumento da demandante segundo o qual a Comissão não fez prova do caráter errado do relatório final de auditoria é desprovido de pertinência. Com efeito, resulta das considerações expostas no n.o 72, supra, que, à luz das disposições contratuais do caso em apreço, a Comissão não está vinculada pelas constatações de uma auditoria financeira quando um controlo posterior põe em causa os resultados da referida auditoria.

75      Tendo em conta o que precede, a segunda alegação deve ser rejeitada.

3)      Quanto à terceira alegação, relativa à violação, por um lado, do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa devido à identificação, pela Comissão, de um risco de conflito de interesses em razão da existência de relações familiares e, por outro, dos artigos 7.o e 9.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devido a uma discriminação em razão da situação matrimonial

76      Antes de mais, a demandante considera que a Comissão não podia concluir pela existência de um risco de conflito de interesses, na aceção do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa, implicando que seja posta em causa a fiabilidade dos registos do número de horas prestadas pelo funcionário em causa em razão do acesso da sua mulher aos referidos registos.

77      A este respeito, a demandante alega que, apesar de isso ter sido levado ao conhecimento da Comissão, esta não teve em conta, por um lado, o controlo a que estavam sujeitos tanto o funcionário em causa como a sua mulher pelos respetivos superiores hierárquicos, que verificaram a autenticidade dos trabalhos do funcionário em causa, e, por outro, a inexistência de relação funcional, hierárquica ou orgânica entre os cônjuges. A este respeito, a demandante sublinha que a Comissão comete um erro de facto ao pressupor que o envolvimento da mulher do funcionário em causa era substancial quando, na realidade, a natureza do acesso aos registos dos tempos de trabalho desse funcionário por parte da sua mulher era puramente administrativa e esta última não dispunha de qualquer poder para alterar esses documentos. Por outro lado, a demandante salienta que os auditores tinham verificado e validado o sistema de registo do tempo de trabalho. Além disso, afirma que não existia qualquer risco de conflito de interesses, como demonstra a inexistência de incidentes, identificados pelos respetivos superiores hierárquicos dos cônjuges, relativamente a eventuais fraudes cometidas quanto aos registos do tempo de trabalho.

78      Além disso, a demandante salienta que não existe nenhuma norma jurídica que exija que os cônjuges estejam separados de forma rigorosa no mesmo local de trabalho. A este respeito, sublinha que as medidas adotadas no caso em apreço (dupla supervisão autónoma, afetação a departamentos distintos) constituem um método menos invasivo para assegurar a veracidade dos registos de tempo de trabalho a que a mulher do funcionário em causa tinha acesso devido às suas funções administrativas.

79      Por último, a demandante considera que a posição da Comissão constitui uma discriminação em razão da situação matrimonial, contrária aos artigos 7.o e 9.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), na medida em que a obrigação de trabalho separado imposta aos cônjuges fundada unicamente nessa qualidade equivaleria, na falta de uma verdadeira razão para duvidar da sua honestidade, a uma desigualdade de tratamento no trabalho e/ou a uma discriminação. A este respeito, a demandante contesta a posição da Comissão que consiste em prever uma adaptação das funções da mulher do funcionário em causa para evitar um conflito de interesses, dado que tal medida constituiria uma discriminação em razão da situação matrimonial.

80      A Comissão contesta os argumentos da demandante.

81      O artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa dispõe que cada beneficiário deve tomar todas as medidas cautelares necessárias para evitar qualquer risco de conflito de interesses relacionado com interesses económicos, afinidades políticas ou nacionais, relações familiares ou afetivas ou qualquer outro tipo de interesses suscetíveis de comprometer a execução imparcial e objetiva do projeto.

82      Assim, a título preliminar, importa salientar que, contrariamente ao que afirma a Comissão, não resulta do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa que a existência de relações económicas, afetivas ou familiares permite presumir a existência de um risco de conflito de interesses suscetível de comprometer a execução imparcial e objetiva do projeto.

83      Com efeito, a presunção que pode decorrer da existência de relações económicas, afetivas ou familiares limita‑se à existência do risco de conflito de interesses. Resulta, assim, dos termos do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa uma presunção ilidível quanto à existência desse risco quando, nomeadamente, pessoas que mantêm relações familiares ou afetivas estão envolvidas, de uma forma ou de outra, num mesmo projeto. No caso em apreço, a relação conjugal entre o funcionário em causa e a sua mulher leva a aplicar esta presunção.

84      Por conseguinte, embora a Comissão possa beneficiar de tal presunção, cabe‑lhe, em contrapartida, apresentar todos os elementos que demonstrem que a execução imparcial e objetiva do projeto em causa pode estar comprometida.

85      Assim, num primeiro momento, há que examinar os elementos apresentados pela demandante que visam ilidir a presunção relativa à existência de um risco de conflito de interesses, uma vez que o preenchimento da condição relativa à existência de relações afetivas e familiares não é contestada.

86      A este respeito, os argumentos da demandante que se baseiam na inexistência de uma relação hierárquica e na inexistência de um vínculo organizacional não são suscetíveis de excluir um risco de conflito de interesses, na medida em que, no contexto do presente processo em que a mulher do funcionário em causa aprovava os registos dos tempos de trabalho deste último, a influência da situação familiar não pode ser excluída pelo simples facto de não existir uma relação de subordinação administrativa no meio profissional.

87      Por conseguinte, a situação no caso em apreço constitui efetivamente um risco de conflito de interesses na aceção do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa.

88      Assim, e num segundo momento, há que examinar os elementos apresentados pela Comissão no que respeita à demonstração da possibilidade de estar comprometida uma execução imparcial e objetiva do projeto em causa.

89      A este respeito, no que concerne à natureza das atividades exercidas pela mulher do funcionário em causa junto da demandante, resulta dos autos que, no momento dos factos, esta era funcionária da demandante no seu serviço financeiro e tinha a qualidade de «gestor dos projetos PC7», igualmente qualificada de «agente administrativo principal responsável pelas subvenções do PC7». Devido a esta função, como a demandante reconhece, «tinha estatutariamente acesso aos registos dos tempos de trabalho do seu cônjuge apresentados para efeitos das subvenções PC7 e assinou‑os até novembro de 2012».

90      Ora, em primeiro lugar, no que respeita às responsabilidades exercidas pela mulher do funcionário em causa quanto aos registos dos tempos de trabalho deste, há que observar que, embora a demandante afirme que a mulher do funcionário em causa efetuava um trabalho de escritório e era responsável, nomeadamente, pela reunião e manutenção da documentação ligada às subvenções PC7, resulta de forma unívoca dos registos do tempo de trabalho do funcionário em causa, apresentados pela demandante no anexo A.16 da petição inicial, que a mulher deste aprovava o conteúdo dos mesmos, dado figurar o termo «aprovado» (approved) nesses documentos ao lado da assinatura da mulher do funcionário em causa.

91      Em segundo lugar, no que respeita à afirmação da demandante relativa à impossibilidade de a mulher do funcionário em causa alterar a documentação oficial, tal afirmação torna a possibilidade de comprometer a boa execução do projeto em causa ainda mais plausível, na medida em que, quando – como se demonstra no n.o 90, supra – esta aprovava os registos do tempo de trabalho do marido, nem sequer teria tido a possibilidade de os alterar em caso de inexatidão destes últimos.

92      Por conseguinte, há que concluir que a Comissão fez prova bastante de que a boa execução do projeto em causa pode ter estado comprometida.

93      Esta conclusão não é posta em causa pela afirmação da demandante de que as atividades da mulher do funcionário em causa estavam sujeitas a um duplo controlo pelos seus superiores hierárquicos. Com efeito, os elementos destinados a demonstrar a existência de uma possibilidade de a boa execução do projeto em causa ficar comprometida devem ser apreciados tendo em conta que a demandante não conseguiu refutar a existência de uma situação geradora de um risco de conflito de interesses (v. n.o 87, supra). Neste contexto, há que salientar que, contrariamente às alegações da demandante, existe efetivamente um nexo funcional entre o funcionário em causa e a sua mulher. O facto de esta última estar encarregada de aprovar os registos dos tempos de trabalho do marido sem possibilidade de os alterar, apesar de ser, sem ambiguidade nenhuma, «supervisor» (supervisor) desses registos basta para considerar que o sistema de controlo instituído pela demandante não cumpre a exigência que lhe incumbe de tomar todas as medidas de precaução necessárias para evitar qualquer risco de conflito de interesses, no plano das relações familiares ou afetivas, suscetível de comprometer a execução imparcial e objetiva do projeto em causa, em conformidade com o artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa.

94      Por conseguinte, a Comissão não violou o artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa ao considerar que a demandante não tinha tomado todas as medidas cautelares necessárias para evitar qualquer risco de conflito de interesses, no plano das relações familiares ou afetivas, suscetível de comprometer a execução imparcial e objetiva do projeto em causa.

95      Por outro lado, no que respeita, antes de mais, às considerações da demandante relativas ao facto de o sistema de registo do tempo de trabalho ter sido validado pelos auditores na presença do funcionário em causa e da sua mulher, remete‑se para as conclusões, expostas nos n.os 73 e 74, supra, relativas ao valor das apreciações constantes do relatório final de auditoria.

96      Em seguida, no que respeita às objeções da demandante relativas à inexistência de provas concretas do risco de conflito de interesses, basta recordar que o próprio teor do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa não exige que tal conflito tenha tido uma influência comprovada na execução ou nos custos do contrato.

97      Por último, quanto à alegação de que a posição da Comissão constitui uma discriminação exercida em razão de uma situação matrimonial, contrária aos artigos 7.o e 9.o da Carta, importa salientar que a alegada violação não se refere a uma má execução das disposições contratuais.

98      No entanto, deve recordar‑se que o Tribunal Geral já teve oportunidade de declarar que a Carta, que faz parte do direito primário, prevê, no seu artigo 51.o, n.o 1, sem exceção, que as suas disposições «têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade» e que, por conseguinte, os direitos fundamentais se destinam a reger o exercício das competências atribuídas às instituições da União, incluindo num quadro contratual (Acórdãos de 3 de maio de 2018, Sigma Orionis/Comissão, T‑48/16, EU:T:2018:245, n.os 101 e 102, e de 3 de maio de 2018, Sigma Orionis/REA, T‑47/16, não publicado, EU:T:2018:247, n.os 79 e 80; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 13 de maio de 2020, Talanton/Comissão, T‑195/18, não publicado, EU:T:2020:194, n.o 73).

99      Do mesmo modo, quando as instituições, órgãos e organismos da União executam um contrato, continuam sujeitos às obrigações que lhes incumbem por força da Carta e dos princípios gerais do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, ADR Center/Comissão, C‑584/17 P, EU:C:2020:576, n.o 86). O Tribunal de Justiça sublinhou igualmente que, se as partes decidirem, no contrato, através de uma cláusula compromissória, atribuir ao juiz da União competência para conhecer dos litígios relativos a esse contrato, este juiz será competente, independentemente do direito aplicável estipulado no referido contrato, para apreciar as eventuais violações da Carta e dos princípios gerais do direito da União (Acórdão de 16 de julho de 2020, Inclusion Alliance for Europe/Comissão, C‑378/16 P, EU:C:2020:575, n.o 81).

100    Ora, no caso em apreço, a exigência de evitar qualquer conflito de interesses devido a relações familiares ou afetivas visa evitar uma violação grave e manifesta da exigência de imparcialidade e de objetividade (v., neste sentido, Acórdão de 6 de abril de 2006, Camós Grau/Comissão, T‑309/03, EU:T:2006:110, n.o 141) que recai designadamente sobre o responsável encarregado de certificar os registos de tempo de trabalho dos investigadores que trabalham num projeto subvencionado pela União. Por conseguinte, admitindo que uma regra que visa garantir a inexistência de conflito de interesses, como a em apreço, possa afetar os direitos protegidos pelos artigos 7.o e 9.o da Carta, estes últimos não seriam prejudicados no seu conteúdo mas, quando muito, seriam objeto de uma limitação relativamente ao seu exercício. Ora, por força do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, na observância do princípio da proporcionalidade, só podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta se estas forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

101    É o que sucede no caso em apreço. Com efeito, nesta hipótese, no que respeita, antes de mais, à existência de um objetivo de interesse geral reconhecido pela União, tal limitação visa garantir o respeito do princípio da boa gestão financeira, conforme consagrado no artigo 317.o TFUE. Além disso, a referida limitação é necessária, na medida em que a Comissão, não sendo testemunha direta da execução das tarefas por um beneficiário de subvenção, não dispõe de outros meios para controlar a exatidão dos custos de pessoal declarados por este além dos que devam resultar, designadamente, da apresentação de registos de tempo de trabalho fiáveis (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2015, Amitié/Comissão, T‑234/12, não publicado, EU:T:2015:601, n.o 210 e jurisprudência referida). Por último, a mesma limitação não é desproporcionada, na medida em que, por um lado, os direitos protegidos pelos artigos 7.o e 9.o da Carta não são afetados pelo seu próprio conteúdo, conforme sublinhado no n.o 100, supra, e, por outro, como salienta a Comissão, a exigência de evitar qualquer conflito de interesses devido a relações familiares ou afetivas poderia ser satisfeita graças a adaptações organizacionais mínimas. Por conseguinte, as alegações da demandante relativas à existência de uma discriminação devem ser rejeitadas, na medida em que, por um lado, se baseiam na existência de uma violação dos artigos 7.o e 9.o da Carta e, por outro, tal violação, admitindo‑a possível à luz da aplicação contestada da regra relativa aos conflitos de interesses, não foi demonstrada.

102    Em face do exposto, há que rejeitar a terceira alegação e, por conseguinte, que julgar o primeiro fundamento improcedente na sua totalidade.

b)      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do direito belga

103    A título preliminar, a demandante recorda que as convenções de subvenção em causa contêm uma remissão para o direito belga.

104    Por conseguinte, baseando‑se no direito civil belga, a demandante apresenta três alegações em apoio do seu segundo fundamento.

105    Antes de mais, a demandante considera que a posição da Comissão no caso em apreço equivale a presumir um comportamento de má‑fé da sua parte, presunção que a levou a decretar unilateralmente uma violação do contrato sem que o relatório final de auditoria tenha constatado tal violação e, no que respeita à convenção de subvenção C2POWER, em sentido contrário às conclusões da auditoria. Por conseguinte, a Comissão violou o princípio da boa‑fé na execução dos contratos, consagrado nos artigos 1134.o e 1135.o do Código Civil belga.

106    Em seguida, a demandante acusa a Comissão de ter baseado o seu pedido de reembolso dos custos de pessoal do funcionário em causa num relatório de inquérito elaborado pelo OLAF fora do quadro contratual e de duvidoso valor probatório. Com efeito, a própria Comissão decidiu não seguir todas as conclusões do referido relatório e não explicou as razões que a levaram não só a afastar‑se das constatações do relatório final de auditoria, sem, no entanto, ter demonstrado qualquer ação ilícita da demandante, mas também a não ter em conta os custos considerados «claramente excessivos», ou seja, os que excedem um limiar cuja fixação é alheia às disposições das convenções de subvenção em causa. Por conseguinte, a Comissão violou a regra relativa ao ónus da prova enunciada no artigo 1315.o do Código Civil belga, nos termos do qual quem reclama a execução de uma obrigação deve prová‑la.

107    Por último, a demandante considera que efetuou os pagamentos reclamados pela Comissão apesar de esta última não poder invocar algum crédito. Por conseguinte, a Comissão violou os artigos 1235.o, 1376.o e 1377.o do Código Civil belga ao não reembolsar os montantes que lhe tinham sido pagos e que tinha recebido indevidamente em razão da inexistência de dívida.

108    A Comissão contesta os argumentos da demandante.

109    Há que tratar conjuntamente as duas primeiras alegações do segundo fundamento.

110    Em primeiro lugar, por um lado, cabe salientar que, contrariamente às alegações da demandante, o pedido de reembolso da Comissão, como se concluiu no n.o 65, supra, não se baseia num relatório de inquérito elaborado fora do quadro contratual. Por outro lado, há que recordar que se concluiu igualmente que a Comissão não estava vinculada pelas conclusões do relatório final de auditoria (v. n.os 73 e 74, supra).

111    Em segundo lugar, cumpre examinar a questão do fundamento do pedido de reembolso da Comissão para determinar se esta violou tanto o princípio da boa‑fé na execução dos contratos, ao presumir a má‑fé da demandante, como a regra relativa ao ónus da prova, ao não apresentar os elementos que permitam sustentar esse pedido.

112    A este respeito, primeiro, saliente‑se que, segundo um princípio de direito geralmente admitido, qualquer jurisdição aplica as suas próprias regras processuais, incluindo as regras de competência (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 1992, Comissão/Feilhauer, C‑209/90, EU:C:1992:172, n.o 13). As regras destinadas a regular o ónus, a admissibilidade, o valor e a força probatória dos elementos de prova escapam, todavia, a este princípio, na medida em que não são de natureza processual mas substancial, no sentido de que determinam as condições de existência, o domínio e as causas de extinção de direitos subjetivos. A escolha da lei aplicável efetuada nas convenções auditadas abrange, pois, também as regras em matéria de prova (Acórdão de 8 de setembro de 2015, Amitié/Comissão, T‑234/12, não publicado, EU:T:2015:601, n.o 115).

113    Assim, no caso em apreço, a repartição do ónus da prova quanto ao caráter elegível dos custos suportados pelo beneficiário de uma subvenção é regulada pelo artigo 1315.o do Código Civil belga, segundo o qual aquele que reclama a execução de uma obrigação deve prová‑la e, reciprocamente, aquele que alega estar isento de uma obrigação deve demonstrar o pagamento ou o facto que produziu a extinção da sua obrigação.

114    Segundo, de acordo com jurisprudência constante, no âmbito de uma convenção que contém uma cláusula compromissória na aceção do artigo 272.o TFUE, incumbe à parte que declarou os custos à Comissão para a atribuição de uma contribuição financeira da União apresentar a prova de que os referidos custos cumprem as condições financeiras das convenções de subvenção (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2017, ANKO/Comissão, T‑771/14, não publicado, EU:T:2017:27, n.o 63 e jurisprudência referida).

115    Terceiro, conforme recordado no n.o 101, supra, dado que não é testemunha direta da execução das tarefas por um beneficiário de subvenção, a Comissão não dispõe de outros meios para controlar a exatidão dos custos de pessoal declarados por este além dos que devam resultar, designadamente, da apresentação de registos de tempo de trabalho fiáveis (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2015, Amitié/Comissão, T‑234/12, não publicado, EU:T:2015:601, n.o 210 e jurisprudência referida).

116    Quarto, resulta da jurisprudência que o desrespeito da obrigação de apresentar, na auditoria financeira, registos de tempo de trabalho fiáveis para demonstrar os custos de pessoal declarados constitui um motivo suficiente para rejeitar a totalidade desses custos (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Technion et Technion Research & Development Foundation/Comissão, T‑216/12, EU:T:2015:746, n.o 82 e jurisprudência referida). Além disso, se os custos declarados pelo beneficiário da subvenção forem inelegíveis ao abrigo da convenção de subvenção em causa, porque foram considerados não verificáveis e/ou não fiáveis, a Comissão não tem outra alternativa senão proceder à recuperação da subvenção no valor dos montantes não justificados, uma vez que, com base no fundamento jurídico constituído pela referida convenção de subvenção, essa instituição só está autorizada a liquidar, a cargo do orçamento da União, montantes devidamente justificados (v. Acórdão de 16 de julho de 2020, ADR Center/Comissão, C‑548/17 P, EU:C:2020:576, n.o 102 e jurisprudência referida).

117    No caso em apreço, concluiu‑se, no n.o 92, supra, que os registos de tempo de trabalho controvertidos não apresentavam a garantia de fiabilidade exigida devido à existência de um risco de conflito de interesses suscetível de comprometer a execução imparcial e objetiva do projeto em causa.

118    A este respeito, por um lado, pode salientar‑se que um risco de conflito de interesses constitui uma situação anormal em que os custos incorridos são suscetíveis de não ser reais nem suportados pelo próprio beneficiário nem mesmo, eventualmente, de terem sido utilizados unicamente para a realização do projeto em causa na aceção do artigo II.14, n.o 1, alíneas a), b) e e), do anexo II das convenções de subvenção em causa. Por conseguinte, o incumprimento, pelo cocontratante, da obrigação contratual, imposta pelo artigo 3.o, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa, de tomar todas as medidas cautelares necessárias para evitar qualquer risco de conflito de interesses constitui uma má execução das obrigações contratuais que lhe incumbem. Justifica desse modo a recuperação dos custos na aceção do artigo 183.o do Regulamento no 2342/2002 (v., neste sentido, Acórdão de 22 de janeiro de 2019, EKETA/Comissão, T‑198/17, não publicado, EU:T:2019:27, n.o 91). Por outro lado, quando a Comissão apresenta indícios concretos da existência de um risco de que o tempo de trabalho declarado não cumpra as condições de elegibilidade, o que acontece quando é identificado um risco de conflito de interesses, presume‑se a inelegibilidade e compete ao beneficiário demonstrar, através de elementos probatórios, que as condições de admissibilidade foram, pelo contrário, devidamente respeitadas (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de outubro de 2020, EKETA/Comissão, C‑273/19 P, EU:C:2020:852, n.os 74 a 77, e de 22 de janeiro de 2019, EKETA/Comissão, T‑166/17, não publicado, EU:T:2019:26, n.o 61).

119    Por conseguinte, ao não fazer prova da inexistência do risco de conflito de interesses e, portanto, ao não respeitar a obrigação de apresentar registos de tempo de trabalho fiáveis para justificar os custos com pessoal declarados, a demandante não cumpriu a obrigação que lhe incumbia por força das regras de repartição do ónus da prova. Por conseguinte, a Comissão tinha o direito de reclamar os montantes que considerava ter pago indevidamente, a saber, a totalidade dos custos de pessoal relativos ao funcionário em causa constantes dos registos dos tempos de trabalho aprovados pela sua mulher, sem violar o princípio da boa‑fé na execução dos contratos na aceção dos artigos 1134.o e 1135.o do Código Civil belga, nem as regras relativas ao ónus da prova previstas no artigo 1315.o do referido código.

120    O facto de os princípios estabelecidos pela jurisprudência terem sido definidos no contexto do incumprimento da obrigação de apresentar, na auditoria financeira, mapas de tempo de trabalho fiáveis para justificar os custos de pessoal declarados e de, no caso em apreço, a auditoria financeira que conduziu à redação do relatório final de auditoria não ter contestado a fiabilidade dos registos do tempo de trabalho apresentados pela demandante relativamente ao funcionário em causa não tem incidência na pertinência da aplicação destes princípios no âmbito da presente ação. Com efeito, como foi recordado nos n.os 73 e 74, supra, a Comissão não está vinculada pelas constatações desse relatório.

121    Além disso, o facto de a Comissão ter acabado por não seguir todas as conclusões do relatório de inquérito do OLAF não permite pôr em dúvida o valor probatório deste relatório. Com efeito, resulta do considerando 31 do Regulamento n.o 883/2013, que revoga os Regulamentos n.o 1073/1999 e n.o 1074/1999, referidos no artigo II.22, n.o 8, do anexo II das convenções de subvenção em causa, que cabe às instituições da União decidir qual o seguimento a dar aos inquéritos concluídos, com base nos relatórios de inquérito finais elaborados pelo OLAF. Por outro lado, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2013 refere claramente que o relatório do inquérito é acompanhado de recomendações sobre se lhe deve ou não ser dado seguimento. Assim, a Comissão tem o direito de tomar em conta apenas uma parte das constatações que figuram no relatório de inquérito do OLAF, sem que isso ponha em causa o valor probatório das mesmas.

122    Por último, na medida em que a Comissão tinha o direito de reclamar a totalidade dos custos suportados pelo funcionário em causa, o facto de ter decidido aplicar um limite que levou a que reclamasse apenas uma parte dos mesmos não pode ser contestado pela demandante devido à sua falta de interesse em agir.

123    Em face do exposto, há que concluir pela improcedência da primeira e segunda alegações do segundo fundamento.

124    Por conseguinte, a terceira alegação perde o seu objeto e deve, assim, ser rejeitada.

125    Em consequência, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade.

c)      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito polaco

126    Num primeiro momento, a demandante salienta que o artigo II.15, n.o 1, do anexo II das convenções de subvenção em causa faz uma remissão expressa para o direito nacional que rege os contratos de trabalho celebrados pelos beneficiários das subvenções. Por conseguinte, considera que cabe considerar que o direito do trabalho polaco era o direito aplicável à relação de trabalho que mantinha com o funcionário em causa, por um lado, e com a mulher deste, por outro.

127    Ora, primeiro, alega uma violação do disposto no artigo 140.o, em conjugação com o artigo 18.o, n.o 2, do Código do Trabalho polaco, que autorizam o regime dito do «tempo de trabalho à tarefa» (system zadaniowego czasu pracy), na medida em que a Comissão sustenta que o funcionário em causa teve de desempenhar um «número de horas excessivo» e «trabalhar durante um período não razoável» a título de três relações de trabalho paralelas, incluindo a que celebrou com a demandante no âmbito do regime de trabalho à tarefa. Segundo a demandante, este regime, que é legal na Polónia, não exige uma presença física constante no posto de trabalho e assegura assim a flexibilidade e a faculdade de desempenhar múltiplas tarefas (multitasking), desde que o funcionário exerça as suas funções.

128    Segundo, a demandante invoca uma violação do artigo 113 do Código do Trabalho polaco, aplicado em conjugação com os artigos 7.o e 9.o da Carta, que, na época dos factos, proibia a demandante de separar o funcionário em causa e a mulher deste no local de trabalho unicamente com fundamento na sua união, dado que essa separação constituía uma discriminação em razão da situação matrimonial.

129    Num segundo momento, a demandante salienta que a Comissão não invocou razões concretas para contestar os custos de pessoal do funcionário em causa no período compreendido entre agosto de 2010 e outubro de 2012, tendo aceitado os custos de pessoal do referido funcionário relativos ao mês de novembro de 2012, apesar de a mulher deste ter tido igualmente acesso aos seus registos de tempo de trabalho do mês de novembro de 2012.

130    A Comissão contesta os argumentos da demandante.

131    Em primeiro lugar, importa salientar que, mesmo que o terceiro fundamento fosse julgado procedente, não deixa de ser verdade que os registos de tempo de trabalho continuariam a não ser fiáveis, na medida em que o facto de o funcionário em causa poder efetuar um grande número de horas devido ao seu envolvimento em diversos projetos não tem consequências quanto à circunstância de essas horas terem sido objeto de um procedimento de validação instituído pela demandante em violação do artigo II.3, alínea n), do anexo II das convenções de subvenção em causa.

132    Neste contexto, recorde‑se que os custos considerados não elegíveis abrangem o período compreendido entre agosto de 2010 e outubro de 2012. Ora, todos os registos de tempo de trabalho relativos a este período foram validados pela mulher do funcionário em causa. A este respeito, na medida em que a demandante reitera as suas objeções no que respeita à pertinência da jurisprudência relativa ao ónus da prova quanto à fiabilidade dos registos do tempo de trabalho, remete‑se para o n.o 92, supra.

133    Em segundo lugar, no que respeita à alegação relativa à violação do artigo 113 do Código do Trabalho polaco, remete‑se para o n.o 101, supra, no qual se concluiu que não pode ser identificada nenhuma discriminação relativa à situação matrimonial.

134    Por outro lado, no âmbito da sua argumentação relativa à violação do artigo 140.o do Código do Trabalho polaco, a demandante salienta uma incoerência da Comissão, a qual critica o acesso da mulher do funcionário em causa aos registos de tempo de trabalho do seu marido durante todo o período controvertido mas admite tal circunstância relativamente ao período compreendido entre novembro e dezembro de 2012, apesar de aquela só ter deixado de fazer parte do pessoal da demandante a partir de janeiro de 2013.

135    A este respeito, para rejeitar o argumento da demandante, basta remeter para o n.o 122, supra, no qual se concluiu pela falta de interesse desta em agir.

136    Por conseguinte, pelas razões supramencionadas e na medida em que os argumentos da demandante não têm incidência na solução do litígio, o terceiro fundamento deve ser julgado inoperante.

d)      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima no âmbito da execução de convenções de boafé e da proibição da aplicação abusiva de condições contratuais

137    Com o quarto fundamento, a demandante considera, em substância, que o princípio da proteção da confiança legítima deve ser respeitado no quadro das relações contratuais em que a Comissão se compromete. No caso em apreço, ao aprovar num primeiro momento todas as conclusões do relatório final de auditoria, relativas, nomeadamente, ao caráter elegível dos custos de pessoal do funcionário em causa e ao rejeitar esses custos num segundo momento, a Comissão violou o referido princípio, na medida em que a demandante podia legitimamente ter alimentado uma confiança legítima nomeadamente quanto à elegibilidade dos custos de pessoal relativos ao funcionário em causa.

138    A demandante acrescenta que os argumentos avançados pela Comissão para excluir a possibilidade de alimentar uma confiança legítima devido à existência de uma auditoria que não detetou irregularidades não têm fundamento jurídico.

139    A Comissão contesta os argumentos da demandante.

140    Recorde‑se que, nos n.os 73 e 74, supra, se concluiu que resulta das disposições contratuais que o relatório final de auditoria não vinculava a Comissão. Por conseguinte, a demandante não podia alimentar uma confiança legítima, apesar do assentimento da Comissão relativamente aos resultados dessa auditoria.

141    Além disso, resulta do relatório final de auditoria que os auditores indicaram expressamente que o objetivo do seu trabalho «não era proporcionar qualquer garantia material quanto à adequação global dos próprios controlos internos do sistema». Embora — no âmbito do seu trabalho — os auditores não tenham identificado especiais fragilidades no sistema de controlo interno da demandante relativo à preparação e apresentação das demonstrações financeiras respeitantes à convenção de subvenção C2POWER, a simples reserva formulada quanto ao objetivo desse trabalho à luz das garantias que podem ser prestadas quanto ao caráter adequado do referido sistema basta para criar uma incerteza que impede o surgimento de qualquer confiança legítima a esse respeito.

142    Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente bem como, consequentemente, os pedidos destinados a obter a declaração de inexistência do crédito contratual reivindicado pela Comissão e a elegibilidade dos custos de pessoal reclamados nas notas de débito relativas aos montantes principais respeitantes às convenções de subvenção em causa e às destinadas a obter o reembolso das quantias liquidadas.

2.      Quanto ao pedido de condenação da Comissão no pagamento de juros de mora

143    Na medida em que foram julgados improcedentes os fundamentos em apoio dos pedidos destinados a obter a declaração de inexistência do crédito contratual reivindicado pela Comissão e a elegibilidade dos custos de pessoal reclamados nas notas de débito relativas aos montantes principais respeitantes às convenções de subvenção em causa e destinadas a obter o reembolso das quantias liquidadas, o pedido de condenação da Comissão no pagamento de juros de mora deve ser julgado improcedente por falta de objeto.

144    Tendo em conta o exposto, dado que todos os fundamentos e pretensões invocados em apoio da ação intentada nos termos do artigo 272.o TFUE foram julgados improcedentes, a referida ação deve ser julgada improcedente.

C.      Quanto ao recurso interposto nos termos do artigo 263.o TFUE

145    A título subsidiário, a demandante interpôs recurso nos termos do artigo 263.o TFUE, na medida em que considera que a decisão impugnada tem a natureza de ato recorrível na aceção desta disposição.

146    A Comissão alega que o recurso interposto nos termos do artigo 263.o TFUE é manifestamente inadmissível.

147    A esse respeito, decorre de jurisprudência constante que, perante um contrato que vincula o recorrente a uma das instituições da União, o juiz da União só pode apreciar um recurso com fundamento no artigo 263.o TFUE se o ato impugnado se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos fora da relação contratual que une as partes e que impliquem o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à instituição contratante na sua qualidade de autoridade administrativa (v. Acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 20 e jurisprudência referida).

148    Nestas circunstâncias, importa, pois, examinar se a decisão impugnada, anexa à mensagem de correio eletrónico da Comissão de 13 de novembro de 2019 com as notas de débito controvertidas, figura entre os atos que podem ser anulados pelo juiz da União ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE ou se, pelo contrário, assume caráter contratual (v. Despacho de 14 de junho de 2012, Technion e Technion Research & Development Foundation/Comissão, T‑546/11, não publicado, EU:T:2012:303, n.o 35 e jurisprudência referida).

149    No caso em apreço, resulta da decisão impugnada, por um lado, que a Comissão invoca um crédito e indica o respetivo montante através da emissão de várias notas de débito e, por outro, que a Comissão formulou comentários a respeito das objeções da demandante. Assim, nenhum elemento sai do quadro contratual nem implica o exercício de prerrogativas de autoridade pública.

150    A este respeito, saliente‑se que a demandante considera que a decisão impugnada altera de forma caracterizada a sua situação jurídica, uma vez que a Comissão lhe exigiu o pagamento de uma quantia em dinheiro. Ora, como resulta do n.o 65, supra, o pedido de reembolso inscreve‑se no âmbito das disposições das convenções de subvenção em causa.

151    Admitindo que a demandante tenha procurado contestar as notas de débito, há que observar que estes documentos não constituem atos impugnáveis na aceção do artigo 263.o TFUE.

152    Com efeito, uma nota de débito, emitida pela Comissão, relativa a montantes devidos por força de uma convenção de subvenção não pode ser qualificada de ato definitivo suscetível de ser objeto de um recurso de anulação por conter indicações relativas aos juros que o crédito determinado vencerá caso o pagamento não seja efetuado até à data‑limite, a uma possível recuperação através de compensação ou por via de execução de uma eventual garantia previamente prestada, bem como às possibilidades de execução coerciva e de um registo numa base de dados acessível aos gestores orçamentais da União, ainda que estejam redigidas de uma forma que pode dar a impressão de que se trata de um ato definitivo da Comissão. Essas indicações só podem, em qualquer hipótese e por natureza, ser preparatórias de um ato da Comissão relativo à execução do crédito determinado, uma vez que, na nota de débito, a Comissão não toma posição sobre os meios que tenciona acionar para recuperar o referido crédito, acrescido dos juros de mora a contar da data‑limite de pagamento fixada na nota de débito. O mesmo acontece no que respeita às indicações relativas aos meios de cobrança possíveis (v., neste sentido, Despacho de 20 de abril de 2016, Mezhdunaroden tsentar za izsledvane na maltsinstvata i kulturnite vzaimodeystvia/Comissão, T‑819/14, EU:T:2016:256, n.os 46, 47, 49 e 52 e jurisprudência referida).

153    Daqui resulta que não pode ser validamente submetido ao juiz da União um recurso dirigido contra as notas de débito em causa com base no artigo 263.o TFUE, uma vez que estas se inscrevem num quadro puramente contratual do qual são indissociáveis e não produzem efeitos jurídicos vinculativos que vão além dos decorrentes das convenções de subvenção em causa e que implicariam o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à Comissão na sua qualidade de autoridade administrativa.

154    Não seria assim se a Comissão tivesse adotado uma decisão com fundamento no artigo 299.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, ADR Center/Comissão, T‑644/14, EU:T:2017:533, n.os 207 e 208). Ora, no caso em apreço, a Comissão não adotou tal ato.

155    A este respeito, há que salientar que, uma vez que o reembolso foi efetuado, a Comissão não tinha de adotar tal ato posteriormente à emissão das notas de débito. Seria, portanto, contrário ao direito a uma boa administração incitar um demandante a não pagar os montantes que figuram numa nota de débito para que uma eventual decisão, posterior à emissão da nota de débito, seja adotada e seja impugnável com fundamento no artigo 263.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2018, Terna/Comissão, T‑387/16, EU:T:2018:699, n.o 35).

156    No entanto, no caso em apreço, não foi violado o direito da demandante a um recurso efetivo na medida em que esta não foi privada do seu poder de contestar as quantias reembolsadas.

157    Neste contexto, importa salientar que a inadmissibilidade do recurso de anulação não tem por efeito privar o cocontratante do direito a um recurso jurisdicional efetivo, dado que lhe incumbe, se a considerar fundamentada, defender a sua posição no âmbito de uma ação intentada numa base contratual nos termos do artigo 272.o TFUE (v., neste sentido, Despacho de 20 de abril de 2016, Mezhdunaroden tsentar za izsledvane na maltsinstvata i kulturnite vzaimodeystvia/Comissão, T‑819/14, EU:T:2016:256, n.os 46, 47, 49 e 52).

158    Ora, no caso em apreço, a demandante intentou efetivamente uma ação nos termos do artigo 272.o TFUE e os fundamentos invocados em apoio dessa ação foram objeto de exame pelo juiz competente (v., a este respeito, n.o 144, supra).

159    Assim, o facto de declarar inadmissível o recurso interposto nos termos do artigo 263.o TFUE não é suscetível de afetar o direito da demandante a um recurso jurisdicional efetivo.

160    Por conseguinte, o recurso interposto com base no artigo 263.o TFUE deve ser julgado inadmissível.

161    Tendo em conta o que precede, não é necessário apreciar os pedidos apresentados pela demandante ao abrigo do artigo 88.o, n.o 1, e do artigo 89.o, n.o 3, alíneas a) e d), do Regulamento de Processo.

IV.    Quanto às despesas

162    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

163    Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Sieć Badawcza Łukasiewicz — Port Polski Ośrodek Rozwoju Technologii é condenada nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de abril de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.