Language of document : ECLI:EU:T:2006:270

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

27 de Setembro de 2006 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Ácido cítrico – Artigo 81.° CE – Coima – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Imputabilidade do comportamento a uma filial – Princípio da legalidade das penas – Orientações para o cálculo das coimas – Princípio da proporcionalidade – Princípio ne bis in idem – Direito de acesso ao dossier»

No processo T‑43/02,

Jungbunzlauer AG, com sede em Basileia (Suíça), representada por R. Bechtold, U. Soltész e M. Karl, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por P. Oliver, na qualidade de agentes, assistido por H. Freund, advogado,

recorrida,

apoiada por

Conselho da União Europeia, representado por E. Karlsson e S. Marquardt, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão 2002/742/CE, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/E‑1/36.604 – Ácido cítrico) (JO 2002, L 239, p. 18) e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada por esta decisão à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 24 de Maio de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A recorrente, a Jungbunzlauer AG (a seguir «Jungbunzlauer» ou «recorrente»), foi fundada em 1993 como filial detida a 100% pela Jungbunzlauer Holding AG, holding principal propriedade da holding Montana AG (a seguir «grupo Jungbunzlauer»). Nos Estados Unidos, o grupo está presente através da Jungbunzlauer International AG, uma filial do grupo Jungbunzlauer. A sede social do grupo está localizada nas instalações da Jungbunzlauer em Basileia (Suíça). Antes de 1993, todo o grupo era dirigido pela Jungbunzlauer GmbH cuja sede social se situava em Viena (Áustria).

2        O grupo Jungbunzlauer fabrica e comercializa ingredientes utilizados na indústria alimentar e de bebidas, bem como na indústria de produtos farmacêuticos e de cosméticos, e em várias outras aplicações industriais. É, designadamente, um dos principais produtores mundiais de ácido cítrico

3        O ácido cítrico é o agente acidulante e conservante mais amplamente utilizado em todo o mundo. Existe em vários tipos destinados a aplicações diversas, designadamente nos produtos alimentares e nas bebidas, em detergentes e produtos de limpeza domésticos, em produtos farmacêuticos e cosméticos e em distintos processos industriais.

4        Em 1995, as vendas totais de ácido cítrico a nível mundial eram aproximadamente de 894,72 milhões de euros e as realizadas no Espaço Económico Europeu (EEE) de cerca de 323,69 milhões de euros. Em 1996, cerca de 60% das quotas do mercado mundial de ácido cítrico eram dominados pelas cinco destinatárias da decisão objecto do presente recurso, designadamente, além da Jungbunzlauer, a F. Hoffmann‑La Roche AG (a seguir «HLR»), a Archer Daniels Midland Co. (a seguir «ADM»), a Haarmann & Reimer Corporation (a seguir «H & R»), a sociedade pertencente ao grupo Bayer AG (a seguir «Bayer») e a Cerestar Bioproducts BV (a seguir «Cerestar»), conjuntamente designadas «partes em causa».

5        Em Agosto de 1995, o Departamento de Justiça americano informou a Comissão de que estava em curso uma investigação relativa ao mercado do ácido cítrico. Entre Outubro de 1996 e Junho de 1998, todas as partes em causa, incluindo a Jungbunzlauer International AG, admitiram ter participado num acordo. Posteriormente aos acordos feitos com o Departamento de Justiça americano foram aplicadas coimas a estas empresas pelas autoridades americanas. Além disso, foram aplicadas coimas a determinados acusados a título individual. Por outro lado, foram também realizadas investigações no Canadá onde foram aplicadas coimas a algumas destas empresas, entre as quais a Jungbunzlauer International AG.

6        Em 6 de Agosto de 1997, a Comissão enviou, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204), pedidos de informação, aos quatro principais produtores de ácido cítrico da Comunidade, dentre os quais a Jungbunzlauer GmbH. Além disso, em Janeiro de 1998, a Comissão enviou pedidos de informação aos principais adquirentes de ácido cítrico na Comunidade e, em Junho e Julho de 1998, enviou novamente pedidos de informação aos principais produtores de ácido cítrico da Comunidade.

7        Após o primeiro pedido de informações que lhe foi enviado em Julho de 1998, a Cerestar entrou em contacto com a Comissão e declarou, numa reunião realizada em 29 de Outubro de 1998, que pretendia cooperar com a Comissão com base na comunicação da Comissão, de 18 de Julho de 1996, sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»). Nesta mesma ocasião, a Cerestar forneceu oralmente uma descrição das actividades do acordo em que estivera envolvida. Em 25 de Março de 1999, enviou à Comissão uma declaração por escrito confirmando as suas declarações nessa reunião.

8        Por ofício de 28 de Julho de 1998, a Comissão enviou à Jungbunzlauer GmbH um novo pedido de informações ao qual esta respondeu por ofício de 28 de Setembro de 1998.

9        Durante uma reunião realizada em 11 de Dezembro de 1998, a ADM manifestou a sua vontade de cooperar com a Comissão e apresentou oralmente uma exposição das actividades anticoncorrenciais em que estivera envolvida. Por ofício de 15 de Janeiro de 1999, a ADM confirmou as suas declarações orais.

10      Em 3 de Março de 1999, a Comissão enviou pedidos de informação complementares à HLR, à Jungbunzlauer e à Cerestar.

11      Respectivamente em 28 de Abril, 21 de Maio e 28 de Julho de 1999, a Bayer, em nome da H & R, a recorrente e a HLR prestaram declarações ao abrigo da comunicação sobre a cooperação.

12      Em 28 de Março de 2000, com base nas informações que lhe tinham sido comunicadas, a Comissão enviou uma comunicação de acusações à recorrente e às outras partes em causa, por violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE»). A recorrente e todas as outras partes em causa apresentaram observações escritas em resposta às acusações da Comissão. Nenhuma das partes requereu uma audição nem contestou a materialidade dos factos expostos na comunicação de acusações.

13      Num ofício enviado à Comissão em 11 de Abril de 2001, a Jungbunzlauer GmbH fez algumas observações quanto ao procedimento em curso.

14      Em 27 de Julho de 2001, a Comissão enviou pedidos de informação complementares à recorrente e às outras partes em causa. A recorrente respondeu por ofício de 3 de Agosto de 2001 em seu nome e em nome da Jungbunzlauer GmbH.

15      Em 5 de Dezembro de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2002/742/CE, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (COMP/E‑1/36.604 – Ácido cítrico (a seguir «decisão»). A decisão foi notificada à recorrente em 18 de Dezembro de 2001.

16      A decisão compreende, nomeadamente, as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

A [ADM], a [Cerestar], a [H & R], a [HLR], e a [recorrente] cometeram uma infracção ao n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE e ao n.° 1 do artigo 53.° do Acordo EEE ao participarem num acordo e/ou prática concertada contínuos no sector do ácido cítrico.

A duração da infracção foi a seguinte:

–        no caso da [ADM], da [H & R], da [HLR] e da [recorrente]: entre Março de 1991 e Maio de 1995;

–        no caso da [Cerestar]: entre Maio de 1992 e Maio de 1995.

[…]

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas pela infracção referida no artigo 1.°:

a)      [ADM]                   39,69 milhões de euros,

b)      [Cerestar]          170 000 milhões de euros,

c)      [HLR]                   63,5 milhões de euros,

d)      [H & R]                   14,22 milhões de euros,

e)      [a recorrente]          17,64 milhões de euros.»

17      Nos considerandos 80 a 84 da decisão, a Comissão indicou que o acordo respeitava à afectação de quotas de vendas específicas a cada membro e ao cumprimento dessas quotas; à fixação de preços objectivo e/ou de preços mínimos; à eliminação de descontos nos preços e ao intercâmbio de informações específicas sobre os clientes.

18      Nos considerandos 185 a 188 da decisão, a Comissão considerou que, em relação ao grupo Jungbunzlauer, a infracção devia ser imputada à Jungbunzlauer.

19      Para o cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão, a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») e na comunicação sobre a cooperação.

20      Em primeiro lugar, a Comissão determinou o montante de base da coima em função da gravidade e da duração da infracção.

21      Neste contexto, no que respeita à gravidade da infracção, a Comissão, considerou, antes de mais, que as partes em causa cometeram uma infracção muito grave atendendo à sua natureza, ao seu impacto efectivo no mercado do ácido cítrico no EEE e à extensão do mercado geográfico em causa (considerando 230 da decisão).

22      A seguir, a Comissão considerou que era necessário ter em conta a capacidade económica efectiva para provocar danos significativos na concorrência e fixar a coima de modo a garantir que o seu montante produza um efeito suficientemente dissuasivo. Consequentemente, utilizando o volume de negócios mundial das partes em causa na venda de ácido cítrico durante o último ano do período da infracção, designadamente 1995, a Comissão dividiu‑as em três categorias, a saber, numa primeira categoria, a H & R com uma quota do mercado mundial de 22%, numa segunda categoria, a ADM e a Jungbunzlauer com quotas de mercado de [confidencial] (1) bem como a HLR, com uma quota de mercado de 9% e, numa terceira categoria, a Cerestar com uma quota de mercado mundial de 2,5%. Com base nestes dados, a Comissão fixou montantes de partida de 35 milhões de euros, para a empresa pertencente à primeira categoria, de 21 milhões de euros, para as pertencentes à segunda categoria, e de 3,5 milhões de euros, para a classificada na terceira categoria (considerando 239 da decisão).

23      Além disso, a fim de garantir que a coima produziria um efeito suficientemente dissuasivo, a Comissão procedeu a um ajustamento deste montante de partida. Por conseguinte, tendo em conta a dimensão e os recursos globais das partes em causa, expressos pelo montante total dos seus volumes de negócio mundiais, a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador de 2 aos montantes de partida determinados para a ADM e para a HLR e de 2,5 ao montante de partida determinado para a H & R (considerandos 50 e 246 da decisão).

24      No que respeita à duração da infracção cometida por cada empresa, o montante de partida assim determinado foi aumentado em 10% por ano, o que corresponde a um aumento de 40% para a ADM, a H & R, a HLR e a Jungbunzlauer e de 30% para a Cerestar (considerandos 249 e 250 da decisão).

25      Foi deste modo que a Comissão fixou o montante de base das coimas em 29,4 milhões de euros no que respeita à Jungbunzlauer. Quanto à ADM, à Cerestar, à HLR, e à H & R, os montantes de base foram fixados respectivamente, em 58,8, em 4,55, em 58,8, e em 122,5 milhões de euros (considerando 254 da decisão).

26      Em segundo lugar, a título de circunstância agravante, os montantes de base das coimas impostas à ADM e à HLR foram aumentados em 35% pelo facto de estas empresas terem desempenhado um papel de líderes no cartel (considerando 273 da decisão).

27      Em terceiro lugar, a Comissão analisou e rejeitou os argumentos de certas empresas quanto ao benefício de circunstâncias atenuantes (considerandos 274 a 291da decisão).

28      Em quarto lugar, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão adaptou os montantes calculados desta forma para a Cerestar e a H & R, a fim de que estes não excedessem o limite de 10% do volume de negócios total das partes em causa (considerando 293 da decisão).

29      Em quinto lugar, nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação, a Comissão concedeu à Cerestar uma «redução muito substancial» (designadamente 90%) do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta de cooperação. Nos termos da secção D desta comunicação, a Comissão concedeu uma «redução significativa» (50%) do montante da coima à ADM, (de 40%) à Jungbunzlauer, (de 30%) à H & R e (de 20%) à HLR (considerando 326).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

30      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Fevereiro de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

31      Por despacho de 18 de Junho de 2002, o presidente do Tribunal de Primeira Instância admitiu a intervenção do Conselho em apoio dos pedidos da Comissão.

32      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) deu início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, colocou por escrito questões às partes, às quais estas responderam nos prazos fixados.

33      As partes apresentaram as suas alegações e as respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 24 de Maio de 2004.

34      A Jungbunzlauer conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        anular a decisão;

–        subsidiariamente, reduzir o montante da sua coima;

–        condenar a Comissão nas despesas.

35      A Comissão e o Conselho, interveniente, concluem pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Jungbunzlauer nas despesas.

 Questão de direito

36      A recorrente deduz, em primeiro lugar, uma excepção de ilegalidade, alegando que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 viola o princípio da legalidade na medida em que esta disposição não predetermina suficientemente a prática decisória da Comissão (a seguir «princípio da legalidade»). A seguir, a recorrente alega que a decisão enferma de erros relativamente ao destinatário da decisão, à apreciação da gravidade da infracção, ao reconhecimento das circunstâncias atenuantes, à omissão de consideração das coimas aplicadas noutros Estados, ao respeito do limite das coimas previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, e ao direito de acesso ao processo. Por último, a recorrente entende que a duração do procedimento administrativo deveria ter repercussões no montante da coima.

I –  Quanto à violação do princípio da legalidade

A –  Quanto à excepção de ilegalidade deduzida a respeito do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

1.     Argumentos das partes

37      A Jungbunzlauer deduz uma excepção de ilegalidade, na acepção do artigo 241.° CE, e alega que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, disposição que autoriza a Comissão a aplicar coimas em caso de infracção ao direito comunitário da concorrência, viola o princípio da legalidade, corolário do princípio da segurança jurídica que constitui um princípio geral do direito comunitário, na medida em que esta disposição não predetermina suficientemente a prática decisória da Comissão.

38      Em primeiro lugar, a Jungbunzlauer alega que o princípio da legalidade foi consagrado no artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), que prevê o seguinte:

«Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.»

39      A Jungbunzlauer invoca o artigo 6.°, n.° 2, UE, nos termos do qual «[a] União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH], e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito».

40      Além disso, a Jungbunzlauer assinala que segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, qualquer disposição comunitária que preveja sanções, de carácter penal ou não (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 1984, Könecke, 117/83, Recueil, p. 3291, n.° 11, e de 18 de Novembro de 1987, Maizena, 137/85, Colect., p. 4587, n.° 15), deve respeitar o princípio da legalidade, enquanto corolário do princípio da segurança jurídica (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1969, Stauder, 29/69, Colect. 1969‑1970, p. 157, n.° 7, de 13 de Fevereiro de 1996, Van Es Douane Agenten, C‑143/93, Colect., p. I‑431, n.° 27, e de 12 de Dezembro de 1996, Processos penais contra X, C‑74/95 e C‑129/95, Colect., p. I‑6609, n.° 25; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑112/98, Colect., p. II‑729, n.os 59 e segs.).

41      Por último, a Jungbunzlauer refere que o princípio da legalidade está igualmente consagrado nos artigos 41.° e 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO 2000, C 364, p. 1, a seguir «carta dos direitos fundamentais») e faz parte integrante da tradição constitucional comum dos Estados‑Membros.

42      A Jungbunzlauer alega que, por força do princípio da legalidade, corolário do princípio da segurança jurídica, a legislação comunitária deve ser clara e previsível para os sujeitos de direito (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1981, Salumi, 212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735, n.° 10; de 22 de Fevereiro de 1984, Kloppenburg, 70/83, Recueil, p. 1075, n.° 11; Könecke, n.° 40 supra, n.° 11, e Maizena, n.° 40 supra, n.° 15) e que quando se trata de uma regulamentação susceptível de comportar consequências financeiras, o carácter de certeza e de previsibilidade constitui um imperativo que se impõe com especial rigor (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1990, Comissão/França, C‑30/89, Colect., p. I‑691, n.° 23, e a jurisprudência aí referida). Esse é tanto mais o caso quando se trate de uma norma do Conselho de delegação de competências na Comissão que só será válida se for suficientemente precisa, no sentido de que o Conselho menciona claramente os limites da competência atribuída à Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 1988, Central‑Import Münster, 291/86, Colect., p. 3679, n.° 13).

43      A Jungbunzlauer alega que o princípio da legalidade reveste uma importância essencial para as disposições que prevêem sanções (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Comissão/Reino Unido, 32/79, Recueil, p. 2403, n.° 46; Kloppenburg, n.° 42 supra, n.° 11; Maizena, n.° 40 supra, n.° 15, e de 14 de Julho de 1994, Milchwerke Köln, C‑352/92, Colect., p. I‑3385, n.os 22 e 23). Estas disposições devem, assinala a Jungbunzlauer, definir de maneira previsível não apenas o comportamento punido, mas igualmente as consequências jurídicas que dele decorrem para o particular (acórdão Processos penais contra X, n.° 40 supra, n.° 25).

44      A Jungbunzlauer considera que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 prevê a possibilidade de pronunciar uma sanção penal ou quase penal.

45      A este respeito, a Jungbunzlauer invoca, em primeiro lugar, as declarações de Mario Monti, à data membro da Comissão responsável pela política da concorrência, o conteúdo das orientações e as expressões utilizadas pela Comissão na sua contestação. Com efeito, estavam em causa nesse âmbito de «sanções» e de «punições» para as infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE que deveriam ser suficientemente elevadas para ter um «carácter dissuasivo».

46      Além disso, a Jungbunzlauer recorda que o Tribunal de Justiça já reconheceu que as coimas previstas no artigo 15.° do Regulamento n.° 17 não têm a natureza de sanções pecuniárias compulsórias, tendo por objectivo punir comportamentos ilícitos e prevenir a sua reiteração (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.os 172 e 173) o que, segundo a Jungbunzlauer, corresponde à interpretação ampla dada ao conceito de acusação penal pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A Jungbunzlauer refere também que, no acórdão de 20 de Março de 2002, Brugg Rohrsysteme/Comissão (T‑15/99, Colect., p. II‑1613, n.os 109 e 122), o Tribunal de Primeira Instância examinou a validade da coima aplicada, por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, à luz do artigo 7.° da CEDH.

47      A Jungbunzlauer considera que a expressão utilizada no artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17, segundo a qual as decisões que aplicam coimas «não têm natureza penal», não pode modificar esta apreciação, uma vez que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não é a designação de um acto jurídico que é determinante mas sim o seu conteúdo real.

48      Consequentemente, segundo a Jungbunzlauer, o processo que resulta na aplicação de uma coima, por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, deve satisfazer todas as exigências mínimas à luz dos direitos fundamentais que decorrem não apenas da CEDH, tal como interpretados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mas também da Carta dos Direitos Fundamentais, que confirma designadamente os direitos resultantes desta jurisprudência.

49      Neste contexto, a Jungbunzlauer alega que decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que tanto o delito como a pena aplicada em caso de infracção devem ser «previstos pela lei», o que implica que os sujeitos de direito devem poder prever, num grau razoável consoante as circunstâncias da causa, as consequências que podem resultar de um acto determinado. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem acrescentou que uma lei que confere um poder de apreciação não colide, em si, com esta exigência, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente face ao objectivo legítimo em jogo, a fim de proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade.

50      Em relação às considerações precedentes, a Jungbunzlauer considera que o princípio da legalidade é violado quando uma disposição que prevê a aplicação de uma coima não limita suficientemente as consequências jurídicas possíveis de uma decisão adoptada na matéria, deixando à autoridade competente, em virtude da formulação imprecisa do texto em causa, possibilidades amplas quanto à aplicação ao caso em apreço. Neste caso, as consequências jurídicas não são, com efeito, determinadas previamente pelo legislador, contrariamente ao exigido pelo princípio da legalidade, mas decididas pela administração. A Jungbunzlauer admite que, embora a existência de uma margem de apreciação da administração não seja em si mesma ilegal por força do princípio da legalidade, não é menos verdade que essa margem não deve ser ilimitada.

51      A Jungbunzlauer considera que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não satisfaz as exigências mínimas acima mencionadas.

52       A Jungbunzlauer recorda que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 autoriza a Comissão a aplicar, em caso de infracção às regras da concorrência do Tratado, uma coima cujo montante mínimo é de 1 000 euros e cujo montante máximo deve ser determinado individualmente para cada empresa em função do volume de negócios. Acrescenta que, no que respeita, ao montante concreto da coima, o artigo 15.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 17 precisa simplesmente que, «para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma».

53      A Jungbunzlauer considera que, desta disposição decorre que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação quase ilimitada no que respeita à fixação do montante da coima.

54      Em primeiro lugar, a Jungbunzlauer invoca o facto de que, como actualmente, e ao contrário da situação que prevalecia aquando da adopção do Regulamento n.° 17, os volumes de negócios de grupos mundiais podem elevar‑se, em parte, a várias centenas de milhares de milhões de euros, o limite máximo pode facilmente atingir dezenas de milhares de milhões de euros. Refere a título de exemplo que, se o grupo petrolífero ExxonMobil – cujo volume de negócios do grupo se eleva a 248 mil milhões de euros – participasse num acordo, a Comissão podia aplicar‑lhe uma coima cujo montante se situaria entre 1 000 euros e 24,8 mil milhões de euros, montante que corresponde ao produto nacional bruto do Luxemburgo. A Jungbunzlauer considera que, se, para uma dada infracção, a lei põe à disposição da autoridade um leque de coimas que vão de 1 000 euros a 24,8 mil milhões de euros – ou mesmo uma isenção total ao abrigo da comunicação sobre a cooperação –, já não é a lei que determina previamente a coima, mas exclusivamente a autoridade. Em definitivo, esta disposição abre a porta a uma fixação arbitrária do montante da coima.

55      Em segundo lugar, no que respeita às orientações, a Jungbunzlauer considera que estas não constituem uma «lei», na acepção da CEDH. Observa que estas orientações vinculam apenas a Comissão e não as instâncias jurisdicionais (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1998, Regione Toscana/Comissão, T‑81/97, Colect., p. II‑2889, n.° 49, e conclusões do advogado‑geral S. Alber relativas ao acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., pp. I‑2481, I‑2484, n.° 23) que estão habilitadas a exercer um controle de plena jurisdição sobre as decisões da Comissão. Ora segundo a recorrente, como são as referidas instâncias que são competentes para fixar, de forma definitiva, o montante das coimas e não estão vinculadas pelas orientações, estas não têm qualquer incidência sobre a apreciação do carácter suficiente da legalidade de uma norma penal na acepção do artigo 7.° da CEDH. Além disso, refere que o Tribunal de Primeira Instância declarou recentemente que o quadro jurídico aplicável às coimas era unicamente definido pelo Regulamento n.° 17 (acórdão Brugg Rohrsysteme/Comissão, n.° 46 supra, n.° 123).

56      Em terceiro lugar, a Jungbunzlauer contesta a procedência da argumentação da Comissão segundo a qual um grau mais elevado de previsibilidade e de fiabilidade do cálculo do montante das coimas é inconciliável com o princípio segundo o qual a coima deve, por um lado, ter em conta as particularidades do caso e, por outro, ter um efeito dissuasivo suficiente para garantir o respeito das regras da concorrência pelas empresas. Com efeito, segundo a Jungbunzlauer, é, ao contrário, o conhecimento ou o facto de poder ter conhecimento das consequências possíveis de um acto ilícito que permite garantir com mais eficácia o efeito dissuasivo pretendido pela Comissão. É sobretudo por essa razão que as leis penais dos Estados‑Membros são constituídas por uma série de diferentes elementos relativos à infracção, tendo cada um consequências distintas à luz da sanção. Com base nestas normas e na sua interpretação, o sujeito de direito pode prever de maneira suficientemente precisa as consequências penais dos seus actos. O âmbito da sanção quase ilimitado do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não possui precisamente esse efeito dissuasivo na medida em que não fornece a mínima indicação sobre o conteúdo concreto da infracção que poderia, a priori, originar o esvaziamento por completo do referido quadro.

57      A Jungbunzlauer acrescenta que a circunstância de as orientações não delimitarem suficientemente o cálculo das coimas é ilustrada pelo facto de que, para as infracções designadas «muito graves», a Comissão «pode» escolher como montante de base um qualquer montante superior a 20 milhões de euros. Ora, as orientações não permitem em absoluto saber quais são as condições que levam a Comissão a fixar um montante de base de 20, 50 ou de 100 milhões de euros ou mesmo um montante mais alto.

58      Em quarto lugar, a Jungbunzlauer considera que o argumento do Conselho, relativo ao facto de as coimas fixadas pela Comissão serem eventualmente fiscalizadas pelo juiz comunitário, ao qual é atribuída uma competência de plena jurisdição, também não pode ser aceite. Com efeito, segundo a Jungbunzlauer, o Conselho não tem em atenção o facto de que as exigências de clareza suficiente das disposições jurídicas têm precisamente por finalidade permitir ao juiz comunitário controlar a legalidade das decisões adoptadas com base nessas disposições. A tese defendida pelo Conselho leva a delegar nos órgãos comunitários a função de legislador comunitário.

59      Em quinto lugar, a Jungbunzlauer invoca o facto de que, a nível nacional, não existe qualquer poder comparável de uma autoridade que lhe permita a esta aplicar coimas de modo quase ilimitado. Quanto à comparação com o direito sueco, invocada pelo Conselho, a Jungbunzlauer considera que, nesse Estado‑Membro o direito foi desenvolvido com base no direito comunitário e não traz, portanto, nada de útil ao debate. No que respeita ao direito alemão, igualmente invocado pelo Conselho, a Jungbunzlauer alega que as disposições alemãs relativas à fixação de coimas aplicáveis às infracções ao direito da concorrência constituem um sistema diferenciado, que não é comparável com o poder global previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, estas disposições prevêem um limite superior que pode ir até 500 000 euros e, para além deste montante, até ao triplo do lucro retirado da infracção, o que na prática, conduz a um nível de coimas inferior ao resultante do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Além disso, a Jungbunzlauer refere que este nível de coimas é ainda modificado em função do modo como a infracção foi cometida. Apenas em caso de acto cometido com dolo é que se aplica todo o quadro da coima, enquanto que, em presença de uma infracção cometida por negligência, apenas se pode fixar metade do montante máximo previsto. Neste quadro, a coima é calculada segundo critérios definidos de forma estrita, atendendo, por exemplo, à importância da infracção, à gravidade da acusação, às circunstâncias particulares referentes à pessoa e à situação económica do autor da infracção. A Jungbunzlauer admite que esta regulamentação também não permite determinar previamente, com precisão contabilística, o montante das coimas. No entanto, esta precisão ultrapassa claramente o grau de delimitação previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. A Jungbunzlauer invoca o facto de que foi principalmente a ideia de que um entendimento baseado unicamente no volume de negócios não tinha suficientemente em conta a amplitude e a importância da infracção, que conduziu, em 1999, o legislador, a renunciar a uma modificação do quadro jurídico.

60      Em sexto lugar, a Jungbunzlauer considera que a procedência da sua tese é ilustrada pela prática decisória da Comissão em matéria de coimas. Com efeito, a prática da Comissão não se caracteriza unicamente por enormes diferenças nos montantes em valor absoluto das coimas, mas também e sobretudo por um aumento drástico do montante das coimas a partir de 2001. A Jungbunzlauer refere, em particular, que resulta da média das coimas aplicadas às empresas entre 1994 e 2000, comparada com a coima record de 462 milhões de euros aplicada em 2001 no âmbito da Decisão 2003/2/CE da Comissão, de 21 de Novembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.512 – Vitaminas) (JO 2003, L 6, p. 1), quase uma relação de um para quinze. Mesmo a segunda coima mais elevada aplicada a uma empresa em 2001, a saber, uma coima de 184,27 milhões de euros, aplicada no âmbito da Decisão 2004/337/CE da Comissão, de 20 de Dezembro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE – Processo COMP/E‑1/36.212 – Papel autocopiativo (JO 2004, L 115, p. 1), representava ainda mais de seis vezes esse valor médio. A Jungbunzlauer considera que o facto de todas estas decisões serem – do mesmo modo que a prática anterior completamente diferente da Comissão – baseadas no quadro jurídico único das coimas, designadamente o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, demonstra que esta disposição não tem na realidade nenhum efeito de delimitação da prática da Comissão. Esta evolução constitui, na realidade, não um aumento do nível das coimas, mas antes uma multiplicação deste.

61      Em sétimo lugar, a Jungbunzlauer refere que, num artigo publicado em 1993, um funcionário da Comissão admitiu que o procedimento susceptível de resultar numa coima por força do Regulamento n.° 17 «[parece] estar longe do que se qualifica habitualmente de procedimento regular (due process)».

62      A título subsidiário, a Jungbunzlauer considera que, ainda que se admita que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 é compatível com o princípio da legalidade, a Comissão devia, pelo menos, interpretar esta disposição restritivamente e compensar o grau de previsão insuficiente desta disposição através de um sistema de coimas coerente e transparente que permitisse assegurar às empresas em causa o nível de segurança jurídica indispensável. Esta interpretação deveria, segundo a Jungbunzlauer, traduzir‑se no facto de que a Comissão devia estar pronta a garantir um mínimo de transparência e de previsibilidade no que respeita à fixação da coima. O vasto poder, atribuído pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, deveria, na sua opinião, adquirir um mínimo de concretização através da prática decisória da Comissão, excluindo assim decisões surpresa, como ocorreu no caso em apreço.

63      A Comissão e o Conselho são de opinião que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não viola o princípio da legalidade.

64      A Comissão dá, muito em especial, ênfase ao facto de as suas decisões adoptadas em matéria de coima estarem sujeitas à competência de plena jurisdição do juiz comunitário. Além disso, assinala que os critérios previstos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 foram precisados, por um lado, pela jurisprudência e, por outro, pelas orientações. Segundo a mesma, se os critérios devessem ser definidos de forma mais precisa, não poderia, por um lado, ter em conta as particularidades de cada caso e, por outro, assegurar um efeito dissuasivo às coimas.

65      A Comissão assinala igualmente que, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17 as regras da concorrência não têm natureza penal. Além disso, considera que a recorrente invoca incorrectamente uma violação do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH e dos artigos 41.° e 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

66      A Comissão recorda também que tem o poder de aumentar o nível das coimas e que as orientações não afectam o quadro jurídico aplicável à fixação de coimas.

67      Por último, no que respeita à comparação com o direito alemão, a Comissão apresenta o exemplo de uma norma penal para ilustrar o facto de que o direito desse país também prevê uma margem de apreciação muito ampla no âmbito da qual a sanção individual e concreta deve ser fixada.

68      O Conselho considera que as disposições invocadas da CEDH e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não se aplicam ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Por outro lado, segundo o mesmo, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 é uma norma perfeitamente clara e não ambígua.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

69      O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, na redacção dada por último pelo Regulamento (CE) n.° 1216/1999 (JO L 148, p. 5) prevê:

«A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas [coimas] de [1 000 euros], no mínimo, a [um milhão de euros], podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção, sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)      Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.° CE], ou no artigo [82.° CE], ou

b)      Não cumpram uma obrigação imposta por força do n.° 1 do artigo 8.°

Para determinar o montante da [coima], deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.»

70      Importa examinar se, como alega a recorrente, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 viola o princípio da legalidade ao não predeterminar suficientemente a prática decisória da Comissão.

71      A este respeito, deve recordar‑se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da legalidade é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual constitui um princípio geral do direito comunitário que exige que qualquer regulamentação comunitária, especialmente quando esta aplica ou permite aplicar sanções, seja clara e precisa, a fim de que os interessados possam conhecer, sem ambiguidade, os direitos e obrigações dela resultantes e agir em conformidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 1981, Gondrand, 169/80, Recueil, p. 1931, n.° 17; Maizena, n.° 40 supra, n.° 15; Van Es Douane Agenten, n.° 40 supra, n.° 27; e Processos penais contra X, n.° 40 supra, n.os 22 e 25).

72      Do mesmo modo, resulta da jurisprudência que este princípio se impõe tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que aplicam ou permitem aplicar sanções administrativas (v. acórdão Maizena, n.° 40 supra, n.os 14 e 15, e a jurisprudência aí referida) e que o mesmo se aplica não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infracção, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infracção às primeiras (v., neste sentido, acórdão Processos penais contra X, n.° 40 supra, n.° 22 e 25).

73      Além disso, importa recordar que o princípio da legalidade faz parte dos princípios gerais de direito comunitário que estão na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais e nomeadamente pelo artigo 7. da CEDH, designadamente no que respeita às infracções e às penas (v., nesta acepção, acórdão Processos penais contra X, n.° 40 supra, n.° 25).

74      É jurisprudência constante que os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo juiz comunitário (parecer 2/94 do Tribunal de Justiça, de 28 de Março de 1996, Colect., p. I‑1759, n.° 33, e do Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colect., p. I‑2629, n.° 14). Para este efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância inspiram‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem em que os Estados‑Membros colaboraram e a que aderiram. Neste quadro, a Convenção reveste um significado particular (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Johnston, 222/84, Colect., p. 1651, n.° 18, e Kremzow, já referido, n.° 14). Além disso, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, UE, «A União Europeia respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH], e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário» (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, Colect., p. I‑9011, n.os 23 e 24, e acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 40 supra, n.° 60).

75      A este respeito, deve recordar‑se a redacção do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH:

«Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.»

76      Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), resulta desta disposição que a lei deve definir claramente as infracções e as penas que as reprimem. Esta condição está preenchida quando o sujeito de direito pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os actos e omissões pelos quais responde penalmente (v. TEDH, acórdão Coëme c. Bélgica de 22 de Junho de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões 2000‑VII, p. 1, § 145).

77      Ao tomar como referência o artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17, que dispõe que as decisões tomadas pela Comissão, por força, designadamente, do n.° 2 desta disposição, não têm natureza penal, a Comissão e o Conselho expressaram dúvidas quanto ao facto de saber se o Tribunal de Primeira Instância se pode inspirar no artigo 7.°, n.° 1, da CEDH e na jurisprudência do TEDH relativa a este artigo para analisar a legalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

78      A este respeito, o Tribunal sublinha, a título prévio, que não tem competência para apreciar a legalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 à luz do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, na medida em que as disposições da CEDH não fazem parte, enquanto tais, do direito comunitário (v., neste sentido, acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 40 supra, n.° 59). No entanto, como se indicou no n.° 74 supra, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo juiz comunitário, tendo em conta, em particular a CEDH, como fonte de inspiração.

79      A seguir, sem que seja necessário que o Tribunal de Primeira Instância aprecie a questão de saber se, face, designadamente, à natureza e grau de gravidade das coimas aplicadas pela Comissão nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH é susceptível de se aplicar a essas sanções administrativas, e, por conseguinte, pode servir de fonte de inspiração para o Tribunal de Primeira Instância (v., a este respeito, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P, C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.os 215 a 223), basta observar que o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH não exige que os termos das disposições por força das quais essas sanções são aplicadas sejam a tal ponto precisos que as consequências que podem decorrer da infracção a essas disposições sejam previsíveis com uma certeza absoluta.

80      Com efeito, segundo a jurisprudência do TEDH, a existência de termos vagos na disposição não implica necessariamente a violação do artigo 7.° da CEDH. Assim, o TEDH reconheceu que o conceito de «direito» utilizado no artigo 7.°, da CEDH, corresponde ao de «lei» utilizado noutros dispositivos da CEDH (v. TEDH, acórdão Baskaya e Okçuoglu c. Turquia de 8 de Julho de 1999, Colectânea dos acórdãos e decisões 1999‑IV, p. 308, n.° 36, e acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 79 supra, n.° 216). Além disso, o TEDH reconheceu que mesmo que as leis não apresentem uma precisão absoluta e que muitas delas, devido à necessidade de se evitar uma rigidez excessiva e de adaptação às alterações de situações, são forçadas a recorrer a fórmulas mais ou menos fluidas, e que a sua interpretação e aplicação depende da prática (v. TEDH, acórdão Kokkinakis e Grécia de 25 de Maio de 1993, série A, n.° 260‑A, n.os 40 e 52). No entanto, o TEDH também precisou que qualquer lei pressupõe requisitos qualitativos, entre os quais os de acessibilidade e de previsibilidade (acórdão Baskaya e Okçuoglu c. Turquia, já referido, n.° 36). O facto de uma lei conferir um poder de apreciação não colide, em si, com a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente, face ao objectivo legítimo em jogo, a fim de proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade (v. TEDH, acórdão Margareta e Roger Andersson e Suécia de 25 de Fevereiro de 1992, série A, n.° 260‑A, § 75). Por último, o TEDH precisa que, além do texto da própria lei, tem em conta a jurisprudência constante e publicada na apreciação do carácter determinado ou não dos conceitos utilizados (v. TEDH, acórdãos G. e França de 27 de Setembro de 1995, série A, n.° 325‑B, § 25, e E. K. c. Turquia de 7 de Fevereiro de 2002, n.° 51).

81      Quanto às tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros nenhum elemento permite ao Tribunal de Primeira Instância dar ao princípio geral do direito comunitário que é o princípio da legalidade uma interpretação diferente da que resulta dos desenvolvimentos acima efectuados. Em primeiro lugar, na medida em que a recorrente invoca os termos da disposição de direito alemão ao abrigo da qual os órgãos alemães competentes aplicam coimas pela infracção às regras da concorrência, há que sublinhar que uma tradição constitucional comum aos Estados‑Membros não pode ser inferida da situação jurídica de um só Estado‑Membro. A seguir, como a recorrente admitiu na audiência, o direito pertinente de outros Estados‑Membros conhece, no que toca à aplicação de sanções administrativas como as aplicadas por violação das regras nacionais da concorrência, um nível de predeterminação comparável ao do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, senão mesmo critérios semelhantes ou idênticos aos previstos nesta disposição comunitária.

82      É, por conseguinte, à luz dos princípios acima enunciados que se deve apreciar se o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 respeita o princípio da legalidade.

83      A este respeito, importa recordar que as sanções previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, em caso de violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, constituem um instrumento chave de que a Comissão dispõe para velar pela instituição, na Comunidade, de um «regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno» [artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE]. Este regime permite à Comissão cumprir a sua missão que consiste, pela criação de um mercado comum, em a promover, em toda a Comunidade, designadamente o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas e um alto grau de competitividade (artigo 2.° CE). Este regime é ainda necessário para a adopção de uma política económica conduzida de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência. (artigo 4.°, n.os 1 e 2, CE). Assim, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 permite a instituição de um regime que responde às missões fundamentais da Comunidade.

84      Além disso, importa precisar que, para evitar uma rigidez normativa excessiva e permitir uma adaptação da norma jurídica às circunstâncias, deve ser permitido um certo grau de imprevisibilidade quanto à sanção que pode ser aplicada por uma dada infracção. Uma coima que compreende uma variação suficientemente circunscrita entre a coima mínima e a coima máxima que pode ser aplicada por uma dada infracção é assim susceptível de contribuir para a eficácia dessa sanção, tanto do ponto de vista da sua aplicação como da perspectiva do seu poder de dissuasão.

85      No caso em apreço, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 prevê como sanção, para uma empresa que tenha infringido o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 82.° CE, a aplicação de uma coima cujo nível se situa entre 1 000 euros e 10% do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior da empresa em causa. Importa portanto concluir que contrariamente ao alegado pela recorrente, a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada para a fixação das coimas por infracção às regras da concorrência.

86      Por outro lado, o Tribunal considera que, ao prever, em caso de infracção às regras da concorrência, coimas num montante de 1 000 euros a 10% do volume de negócios da empresa em causa, o Conselho não deixou à Comissão uma margem de manobra excessiva. Em particular, o Tribunal considera que o limite de 10% do volume de negócios da empresa em causa é razoável, atendendo aos interesses defendidos pela Comissão em relação a esses tipos de infracção. Importa também sublinhar que, contrariamente ao indicado pela recorrente, a apreciação do carácter razoável das coimas que podem ser impostas com base no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não deve ser vista em termos absolutos, mas em termos relativos, isto é, em relação ao volume de negócios do infractor.

87      Além disso, o Tribunal assinala que, para fixar o montante das coimas ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão é obrigada a respeitar os princípios gerais do direito, especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como foram desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância. Uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância também esclareceu os critérios e o método de cálculo que a Comissão deve aplicar no âmbito da fixação do montante das coimas (v., designadamente, n.os 213 e segs., supra). A própria recorrente se refere, além disso, a esta jurisprudência em apoio dos seus fundamentos e dos seus argumentos (v., designadamente, n.° 199, supra).

88      Por outro lado, com base em critérios constantes do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e esclarecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, a própria Comissão desenvolveu uma prática administrativa conhecida e acessível. Embora seja certo que a prática decisória anterior da Comissão não vincula enquanto tal a Comissão quando esta determina o montante de uma coima (v., nesta acepção, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 234, e de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.° 254), não é menos verdade que, por força do princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio geral do direito que a Comissão é obrigada a respeitar, a Comissão não pode tratar situações comparáveis de modo diferente ou situações diferentes de maneira idêntica, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309).

89      Acresce que, importa ter em conta que, com uma preocupação de transparência e para reforçar a segurança jurídica das empresas em questão, a Comissão publicou orientações em que enuncia o método de cálculo que impõe a si própria em cada caso específico.

90      Com base em todos estes elementos, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método e ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. O facto, não impugnado pela Comissão nem pelo Conselho, de as empresas não poderem, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não demonstra que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 viola o princípio da legalidade das penas.

91      Ainda que as empresas não possam, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão determinará em cada caso concreto, há que notar que, em conformidade com o artigo 253.° CE, na decisão que aplica uma coima, a Comissão é obrigada a fundamentá‑la, nomeadamente no que toca ao montante da coima aplicada e ao método utilizado para o determinar. Esta fundamentação deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da Comissão, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada, para ajuizar da oportunidade de recorrer ao juiz comunitário e, se for caso disso, de permitir a este último exercer a sua fiscalização.

92      Em relação ao exposto, há que julgar improcedente a excepção de ilegalidade deduzida relativamente ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

B –  Quanto à interpretação conforme do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

93      A recorrente alega que, ainda que se admita que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 é compatível com o princípio da legalidade, corolário do princípio da segurança jurídica, a Comissão deve, pelo menos, interpretar esta disposição restritivamente e compensar o grau de previsão insuficiente desta disposição através de um sistema de coimas coerente e transparente que permita assegurar às empresas em causa o nível de segurança jurídica indispensável.

94      A Comissão recorda que foi precisamente com o objectivo de assegurar um grau de transparência suficiente que adoptou as orientações e que, após a sua adopção, a sua liberdade de escolher o montante das coimas está, por conseguinte, restringida.

95      O Tribunal de Primeira Instância conclui que, no âmbito desta segunda parte do presente fundamento, apresentada a título subsidiário em relação à primeira, a recorrente não invoca nenhum fundamento concreto contra a decisão, mas formula postulados gerais no sentido de que a Comissão deve, em geral, modificar a sua política em matéria de coimas reduzindo o montante destas últimas ou precisando os termos das orientações.

96      Por conseguinte, esta parte do fundamento deve ser julgada inadmissível.

II –  Quanto ao destinatário da decisão

97      A recorrente invoca fundamentos relativos, em primeiro lugar, à violação do dever de fundamentação e, em segundo lugar, a erros quanto ao destinatário da decisão.

A –  Quanto à violação do dever de fundamentação

98      A Jungbunzlauer considera que a decisão não contém qualquer fundamentação que forneça as razões pelas quais a responsabilidade do comportamento anticoncorrencial da Jungbunzlauer GmbH durante o período anterior a 1993 lhe deve ser imputada.

99      A Comissão não apresentou argumentos específicos a este respeito.

100    De acordo com jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e de 30 de Setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colect., p. I‑9919, n.° 87).

101    No caso em apreço, a Comissão invocou as seguintes razões para justificar a sua decisão de imputar a infracção à Jungbunzlauer não apenas em relação ao período posterior a Agosto de 1993, mas também em relação ao período entre o início da infracção, Março de 1991, e Julho de 1993.

102    Nos considerandos 30 e 33 da decisão, a Comissão referiu que a recorrente, a sociedade Jungbunzlauer, era a empresa de gestão que, desde a reestruturação do grupo em 1993, dirigia as actividades do grupo Jungbunzlauer que era controlado por uma sociedade holding, a saber a Jungbunzlauer Holding AG. A Comissão observou que, desde 1993, a recorrente, Jungbunzlauer, dirigia também os negócios do grupo no mercado do ácido cítrico que era fabricado no grupo pela Jungbunzlauer GmbH, filial integralmente detida pela Jungbunzlauer Holding AG. A Comissão acrescentou que, antes da reestruturação do grupo em 1993, o grupo era dirigido pela Jungbunzlauer GmbH e, posteriormente a essa data, por uma outra filial da Jungbunzlauer Holding AG, designadamente a Jungbunzlauer International AG.

103    No considerando 70 da decisão a Comissão assinalou que, nas reuniões do cartel, o grupo Jungbunzlauer era representado pelo presidente do conselho de administração e pelo director da Jungbunzlauer GmbH.

104    No considerando 186 da decisão, a Comissão referiu que, na sua resposta à comunicação de acusações, a Jungbunzlauer e a Jungbunzlauer GmbH responderam conjuntamente que a Jungbunzlauer GmbH é que deveria ser considerada destinatária da decisão. A este respeito, a Comissão apresentou a seguinte argumentação:

«(187) […] Em primeiro lugar, até ao segundo semestre de 1993, a Jungbunzlauer [GmbH] era não só uma filial encarregada da produção e da distribuição de ácido cítrico, mas também a entidade jurídica responsável pela gestão do grupo Jungbunzlauer no seu conjunto. Em 1993, essa responsabilidade foi transferida para a Jungbunzlauer AG, que pode ser considerada como a sucessora da Jungbunzlauer [GmbH] no que respeita à gestão do grupo Jungbunzlauer. A partir dessa data, a Jungbunzlauer [GmbH] passou a ser uma filial a 100% dentro do grupo, que não decidia de forma independente sobre o seu próprio comportamento no mercado, mas executava, em todos os aspectos materiais, as instruções emitidas pela Jungbunzlauer AG, a empresa responsável pela gestão do grupo.

(188)          Durante uma parte do período considerado na presente decisão, a Jungbunzlauer AG participou directamente em reuniões do cartel, nomeadamente na pessoa do seu [presidente do conselho de administração]. É de concluir, por conseguinte, que durante todo o período considerado na presente decisão, a pessoa colectiva responsável pela gestão de todo o grupo Jungbunzlauer estava activa e directamente envolvida no cartel. Uma vez que a pessoa colectiva em questão é actualmente a Jungbunzlauer AG, esta última deve ser uma das destinatárias da presente decisão.»

105    Estas indicações, ainda que sucintas, identificam os elementos essenciais considerados pela Comissão para justificar a imputação da infracção à Jungbunzlauer relativamente ao período anterior a 1993. A Comissão, com efeito, indicou que foi em razão de uma sucessão de tarefas de direcção relativas às actividades do grupo, designadamente no mercado do ácido cítrico, da Jungbunzlauer GmbH para a Jungbunzlauer que considerou que esta última era responsável pela infracção em relação ao período anterior à reestruturação do grupo em 1993.

106    Por conseguinte, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve ser julgado improcedente.

B –  Quanto ao fundamento relativo a erros quanto ao destinatário da decisão

1.     Argumentos das partes

107    A Jungbunzlauer considera que é erradamente o destinatário da decisão. Na petição, alega que a decisão devia ter sido dirigida à Jungbunzlauer GmbH. Refere que era esta sociedade, no grupo, que fabricava e distribuía o ácido cítrico e que, além disso, até 1993, era responsável pela direcção de todo o grupo. No que respeita ao período posterior à sua própria criação em 1993 enquanto sociedade de gestão, sublinha, na réplica, que, mesmo após esta data, a «direcção efectiva» do grupo foi exercida pela Jungbunzlauer Holding AG.

108    Por um lado, no que respeita ao período posterior a 1993, a Jungbunzlauer recorda, em primeiro lugar, que, a partir de 1993, tanto a Jungbunzlauer GmbH como ela própria eram filiais detidas em 100% pela Jungbunzlauer Holding AG, de forma que a mesma não era a sociedade‑mãe da Jungbunzlauer GmbH, mas apenas a sua sociedade‑irmã.

109    Consequentemente, segundo a Jungbunzlauer, a Comissão não pode invocar validamente os acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão (107/82, Recueil, p. 3151, a seguir «acórdão AEG», n.° 50), e de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925, a seguir «acórdão Stora», n.° 28), que respeitavam à imputação do comportamento de uma filial à sociedade‑mãe. Ora, a relação entre a sociedade‑mãe e a filial é qualitativamente diferente da que existia entre a mesma e a Jungbunzlauer GmbH, uma vez que a Jungbunzlauer Holding AG, enquanto sociedade‑mãe comum, tinha a possibilidade de retirar a todo o momento a uma das suas filiais o direito de controlar uma das suas sociedades‑irmãs.

110    A Jungbunzlauer acrescenta que apenas forneceu às outras sociedades do grupo serviços de gestão e de consultoria respeitantes a questões de política de empresa, de organização e de investimento financeiro. A Jungbunzlauer exerceu as suas actividades a pedido da Jungbunzlauer Holding AG que controlou o grupo e que foi a única a ter o direito de dar instruções às sociedades de grupo. A Jungbunzlauer não dispôs em nome próprio desse direito a respeito das diferentes empresas do grupo e esse direito também não lhe foi atribuído na qualidade de «Treuhänder» (mandatária) da Jungbunzlauer Holding AG. As suas actividades próprias limitavam‑se, pelo contrário, a pôr à disposição das outras sociedades do grupo os serviços das pessoas que empregava. Na medida em que, num caso especial, estas pessoas tenham transmitido instruções às sociedades do grupo (por exemplo à Jungbunzlauer GmbH), não o fizeram em seu nome próprio, mas enquanto representantes da Jungbunzlauer Holding AG.

111    A Jungbunzlauer infere daqui que a «direcção efectiva» dos negócios da Jungbunzlauer Holding AG e de todo o grupo cabia unicamente a esta. Isso é corroborado pelo direito das sociedades austríacas aplicável à Jungbunzlauer GmbH. Com efeito, uma sociedade constituída sob a forma de uma GmbH é dirigida pelos seus órgãos, isto é pela gerência e pelo conselho fiscal, ao passo que a sua política comercial é, afinal, definida pela assembleia geral na qual, no caso em apreço, a Jungbunzlauer Holding AG detinha todos os direitos de voto enquanto sócio único.

112    Em segundo lugar, a Jungbunzlauer alega que, mesmo após a sua criação em 1993, os principais participantes nas discussões, excepto o director da Jungbunzlauer, entrado em funções durante o Verão de 1993, tinham exercido, desde há muito tempo, funções de direcção na Jungbunzlauer GmbH. Por outro lado, após a criação da Jungbunzlauer em 1993, estas pessoas continuaram a exercer as suas funções na Jungbunzlauer GmbH. A grande maioria das actividades estava na dependência da Jungbunzlauer GmbH. A afirmação da Comissão segundo a qual algumas das pessoas em causa tinham exercido funções no grupo não é relevante neste contexto. Segundo a Jungbunzlauer, a Comissão devia, pelo menos, indicar as diferentes sociedades do grupo que empregavam estas pessoas e das quais se encontrava uma lista na resposta à comunicação de acusações. A Jungbunzlauer afirma, a título de exemplo, que é incorrecto afirmar que os srs. H e R eram seus empregados ou da Jungbunzlauer Holding AG.

113    Em terceiro lugar, a Jungbunzlauer entende que, atendendo ao desenrolar do procedimento administrativo, era artificial imputar‑lhe o acordo. Refere, com efeito, que a Comissão enviou os seus pedidos de informações de 6 de Agosto de 1997, de 28 de Julho de 1998 e de 3 de Março de 1999 à Jungbunzlauer GmbH e que a cooperação ocorrida no âmbito da comunicação sobre a cooperação também foi da responsabilidade desta.

114    Por outro lado, no que respeita ao período anterior a 1993, a Jungbunzlauer alega que, em primeiro lugar, que até 1993, era a Jungbunzlauer GmbH que dirigia o grupo e que, antes dessa data, a Jungbunzlauer nem sequer estava operacional. Por conseguinte, segundo esta, quanto ao período anterior a 1993, a responsabilidade do comportamento anticoncorrencial não lhe pode de forma nenhuma ser imputado.

115    Em segundo lugar, a Jungbunzlauer considera que os acórdãos invocados pela Comissão não são relevantes para fundamentar a sua tese de que se transferiu para ela a responsabilidade pela infracção da Jungbunzlauer GmbH. Sublinha que o processo no qual foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão (40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 à 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 84 a 87), respeitava a uma sucessão legal e que o processo no qual foi proferido o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, NMH Stahlwerke/Comissão (T‑134/94, Colect., p. II‑239, n.os 35 a 38), era relativo à sucessão de uma sociedade em processo de insolvência.

116    Em terceiro lugar, a Jungbunzlauer considera que não podia ser considerada como «sucessor económico» da Jungbunzlauer GmbH e que o comportamento desta antes de 1993 não lhe podia ser imputado. Isso é demonstrado pelo facto de o seu próprio papel no grupo ser limitado à prestação de serviços a outras sociedades do referido grupo (v. n.° 110, supra). Do mesmo modo, alega que, mesmo após 1993, a Jungbunzlauer GmbH continuou as suas actividades que consistem na produção e na comercialização de ácido cítrico. Ora, a este respeito, a Jungbunzlauer GmbH recorria, às vezes, a outras sociedades do grupo como a própria recorrente, que apenas tinham um estatuto de agente. A política de quantidades e de preço foi sempre imposta pela Jungbunzlauer GmbH.

117    Em quarto lugar, não é exacto que os srs. B. e H. tenham gerido ou agido em nome desta. Em qualquer caso, no que respeita ao sr. H., a Jungbunzlauer refere que este não era seu empregado, mas de outras sociedades do grupo.

118    Em quarto lugar, a Jungbunzlauer sublinha que apenas dispunha de meios financeiros limitados.

119    A Comissão assinala que se baseou em informações fornecidas pela Jungbunzlauer GmbH e pela própria Jungbunzlauer no procedimento administrativo.

120    No que respeita, ao período posterior a 1993, a Comissão considera que resulta destas informações que, até 1993, a Jungbunzlauer GmbH era a responsável pela gestão do grupo e que, em 1993, a Jungbunzlauer sucedeu‑a nessa função, pelo que se verificou uma sucessão económica entre estas sociedades no que respeita às actividades relativas ao acordo. O facto de a recorrente ser apenas a sociedade‑irmã da Jungbunzlauer GmbH não invalida esta conclusão. Com efeito, a Comissão sublinha que o Tribunal de Justiça deduz de forma constante da detenção do capital que a sociedade‑mãe pode influenciar de maneira determinante a política económica da sua filial, a menos que esse facto seja impugnado. Portanto, não é a detenção do capital enquanto tal que é decisiva mas sim a possibilidade que este confere à sociedade‑mãe de exercer uma influência determinante na política económica da filial. Ora, segundo a Comissão, a sociedade‑mãe pode transferir para uma outra sociedade do grupo a possibilidade de influenciar o comportamento de uma das suas filiais. Isso foi o que ocorreu no caso em apreço.

121    No que respeita, ao período anterior a 1993, a Comissão entende que, em razão da sucessão económica acima referida quanto às tarefas relacionadas com a gestão das actividades do grupo Jungbunzlauer no mercado do ácido cítrico, a infracção cometida pela Jungbunzlauer GmbH antes da reestruturação ocorrida em 1993 devia ser imputada à Jungbunzlauer. O facto de esta última não existir antes de 1993 e de a Jungbunzlauer GmbH continuar a existir após esta data é desprovido de relevância, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

122    Resulta da jurisprudência que, ao proibir as empresas de celebrarem acordos ou participarem em práticas concertadas susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, o n.° 1, do artigo 81.° CE dirige‑se a entidades económicas constituídas por um conjunto de elementos materiais e humanos que podem concorrer para a prática de uma infracção prevista nesta disposição (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão, T‑6/89, Colect., p. II‑1623, n.° 235).

123    No caso em apreço, a recorrente não contesta a existência de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Em contrapartida, alega que a Comissão não lhe podia imputar a responsabilidade dessa infracção.

124    A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, até 1993, o grupo Jungbunzlauer era dirigido pela Jungbunzlauer GmbH que produzia, além disso, ácido cítrico, mas que, depois da reestruturação do grupo em 1993, a Jungbunzlauer, enquanto sociedade de gestão, dirigia todas as actividades do referido grupo, incluindo as relativas ao mercado do ácido cítrico e que quem controlava esse grupo era uma sociedade holding, a Jungbunzlauer Holding AG (v. n.° 102, supra).

125    No que respeita, ao período posterior à reestruturação do grupo Jungbunzlauer em 1993, deve observar‑se que a Jungbunzlauer, filial a 100% da Jungbunzlauer Holding AG, era uma sociedade‑irmã da Jungbunzlauer GmbH e não a sociedade‑mãe desta. Neste contexto, a recorrente refere correctamente que o caso em apreço era diferente daquele que originou uma jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, T‑354/94, Colect., p. II‑2111, n.° 80, confirmado em recurso, pelo acórdão Stora, n.° 109 supra, n.os 27 a 29, e o acórdão AEG, n.° 109 supra, n.° 50, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.° 149), segundo a qual, em substância, a Comissão pode presumir que uma filial a 100% aplica, no essencial, as instruções que lhe são dirigidas pela sociedade‑mãe sem ter que verificar se a sociedade‑mãe exerceu efectivamente este poder.

126    Ora, como resulta dos considerandos da decisão e, contrariamente ao que a recorrente alega, a Comissão não se baseou nessa presunção, mas, pelo contrário, examinou, com base nas respostas fornecidas pela Jungbunzlauer e pela Jungbunzlauer GmbH no procedimento administrativo se, não obstante a estrutura do grupo Jungbunzlauer, acima analisada, a infracção devia ser imputada à Jungbunzlauer.

127    A este respeito, importa observar que, na sequência, designadamente, de um pedido de informações que a Comissão tinha enviado em 3 de Março de 1999 à Jungbunzlauer GmbH, por ofício de 21 de Maio de 1999, esta, no âmbito da sua cooperação com a Comissão, descreveu a estrutura do grupo Jungbunzlauer e, em particular, declarou que a «direcção do grupo [era] assegurada pela Jungbunzlauer AG […] que, enquanto sociedade de gestão, dirig[ia] as empresas detidas pela Jungbunzlauer Holding AG».

128    Além disso, em 29 de Março de 2000, a Comissão enviou a sua comunicação de acusações à Jungbunzlauer. Na sua resposta a esta comunicação de acusações que a Jungbunzlauer forneceu em 22 de Junho de 2000, «em nome da Jungbunzlauer GmbH», a Jungbunzlauer considerou que não podia ser o destinatário de todos os actos relativos a este processo. A este respeito, descreveu a estrutura organizacional do grupo Jungbunzlauer juntando‑lhe designadamente um esquema. A recorrente indicou que a Jungbunzlauer constituía apenas a sociedade de gestão que dirigia as sociedades detidas pelo grupo que era controlado pela Jungbunzlauer Holding AG. Em contrapartida, a Jungbunzlauer precisou que era a Jungbunzlauer GmbH que era «operacional» no mercado do ácido cítrico, salvo no que dizia respeito à distribuição deste produto que, a partir de 1993, era confiada, por conta da Jungbunzlauer GmbH, a uma outra filial da Jungbunzlauer Holding AG, designadamente a Jungbunzlauer International AG. Por outro lado, a Jungbunzlauer precisou que «[a]té ao segundo semestre de 1993, toda a direcção foi confiada à Jungbunzlauer [GmbH]» e que, «[d]esde 1993, a Jungbunzlauer AG […] existe enquanto sociedade de gestão».

129    Com base nas declarações comuns da Jungbunzlauer e da Jungbunzlauer GmbH, referidas no considerando 187 da decisão, a Comissão podia correctamente considerar que, desde a reestruturação do grupo Jungbunzlauer em 1993, as actividades da Jungbunzlauer GmbH se limitavam ao mero fabrico do ácido cítrico, ao passo que a direcção das actividades do grupo, incluindo no que respeita a este produto, era confiada à Jungbunzlauer pelo que a Jungbunzlauer GmbH não determinava de maneira autónoma o seu comportamento neste mercado, antes aplicava, no essencial, as instruções dirigidas pela Jungbunzlauer. Com efeito, a Comissão podia validamente deduzir daqui que a sociedade‑mãe comum à Jungbunzlauer GmbH e à Jungbunzlauer tinha decidido confiar a esta última a tarefa de conduzir todas as actividades do grupo e, consequentemente, também as relacionadas com o comportamento do grupo no mercado objecto do acordo, designadamente o do ácido cítrico.

130    Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro ao concluir que, no que respeita ao período posterior à reestruturação do grupo Jungbunzlauer em 1993, a infracção devia ser imputada à Jungbunzlauer.

131    No que respeita, ao período anterior à reestruturação do grupo em 1993, deve concluir‑se, como a Comissão fez no considerando 187 da decisão, que, até 1993, a Jungbunzlauer GmbH era responsável não apenas pelas actividades no mercado do ácido cítrico mas também pela direcção de todas as actividades do grupo. Esta última tarefa que consistia em conduzir as actividades do grupo, incluindo as relativas ao mercado do ácido cítrico, tinha, no entanto, sido transferida em 1993 para a Jungbunzlauer, que se tornou, assim, o sucessor económico da Jungbunzlauer GmbH no que respeita à gestão das actividades do grupo.

132    Ora, o facto de uma sociedade continuar a existir como entidade jurídica não exclui que, à luz do direito comunitário da concorrência, possa verificar‑se uma transferência numa parte das actividades desta sociedade de uma outra, que se torna responsável pelos actos praticados pela primeira (v., nesta acepção, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.os 356 a 359).

133    Por conseguinte, a Comissão também não cometeu erros ao considerar que, no que respeita ao período anterior à reestruturação do grupo Jungbunzlauer em 1993, a infracção devia ser imputada à Jungbunzlauer.

134    Consequentemente, o fundamento relativo a erros quanto ao destinatário da decisão deve ser julgado improcedente.

III –  Quanto à gravidade da infracção

135    A recorrente considera, por um lado, que a Comissão não apreciou correctamente o impacto concreto do acordo no mercado ácido cítrico e não forneceu uma fundamentação suficiente a este respeito. Por outro lado, a recorrente considera que a Comissão não teve suficientemente em conta o poder económico relativamente limitado da recorrente em relação às empresas em causa.

A –  Quanto à existência de um impacto concreto do acordo no mercado

1.     Introdução

136    Em primeiro lugar, importa recordar que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54; acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 443). Neste contexto, o impacto concreto de um acordo no mercado em causa pode ser tido em conta como um dos critérios relevantes.

137    Nas suas orientações (n.° 1 A, primeiro parágrafo), a Comissão indicou que, para avaliar a gravidade de uma infracção, tem em consideração, além do carácter da própria infracção e da dimensão do mercado geográfico de referência, o «impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

138    No que respeita, ao caso em apreço, resulta dos considerandos 210 a 230 da decisão que a Comissão fixou efectivamente o montante da coima, determinado em função da gravidade da infracção, tendo em conta estes três critérios. Em particular, considerou, neste contexto, que o acordo teve um «impacto efectivo» sobre o mercado do ácido cítrico (considerando 230 da decisão).

139    Ora, segundo a Jungbunzlauer, neste contexto, a Comissão não apreciou correctamente o impacto concreto do acordo no mercado do ácido cítrico nem forneceu uma fundamentação suficiente a este respeito.

2.     Quanto à existência de erros de apreciação

140    Segundo a Jungbunzlauer, a Comissão cometeu diversos erros de apreciação que afectam o cálculo do montante das coimas.

a)     Quanto ao facto de a Comissão ter optado por um entendimento errado para demonstrar que o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado

 Argumentos das partes

141    A Jungbunzlauer acusa a Comissão de não ter demonstrado o impacto concreto do acordo no mercado e de ter invertido o ónus da prova devolvendo‑o às empresas em causa. Ora, compete à Comissão fazer essa prova quando tenha decidido tê‑lo em conta para a fixação das coimas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.os 180 e segs., e de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 4863).

142    As exigências em matéria de prova não podem, neste contexto, ser menos rigorosas do que para outras provas de factos: a dúvida aproveita às empresas em causa («in dubio pro reo»). Consequentemente, a Jungbunzlauer considera que, se as circunstâncias verificadas pela Comissão podem ter uma outra explicação convincente diferente da considerada pela Comissão, as exigências que lhe incumbem em matéria de prova não foram cumpridas (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, n.° 115 supra; acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 267, e de 28 de Março de 1984, CRAM/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.° 20).

143    A Jungbunzlauer alega que resulta dos considerandos 211, 213, 216, 218 e 226 da decisão que, em vez de apresentar a prova da existência dos efeitos do acordo no mercado, a Comissão inferiu da existência do acordo a realidade dos seus efeitos no mercado. Ora, esta argumentação constitui um círculo vicioso, pois, se assim fosse, qualquer acordo teria necessariamente efeitos no mercado e o exame da Comissão seria inútil. Ora, resulta da prática da própria Comissão que existem acordos que não têm nenhum efeito no mercado, como foi confirmado pelas orientações (n.° 3) e pela jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141 supra, n.os 4863 e segs.).

144    A Comissão não contesta que os critérios da execução e do impacto concreto de um acordo no mercado não podem ser confundidas e que lhe compete a si apresentar provas a esse respeito. No entanto, segundo a mesma, no caso em apreço, não inverteu o ónus da prova, tendo feito de forma bastante essa prova.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

145    Atendendo às acusações formuladas pela Jungbunzlauer quanto ao entendimento escolhido pela Comissão para demonstrar que o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado do ácido cítrico, importa resumir a análise efectuada pela Comissão, como resulta dos considerandos 210 a 228 da decisão, antes de uma decisão quanto à procedência dos argumentos invocados pela Jungbunzlauer.

–       Resumo da análise efectuada pela Comissão

146    Em primeiro lugar, a Comissão observou que «[a] infracção foi cometida por empresas que, durante o período de referência, representavam em média mais de 60% do mercado mundial e cerca de 70% do mercado europeu de ácido cítrico.» (considerando 210 da decisão).

147    A seguir, a Comissão afirmou que, «[d]ado que estes acordos foram aplicados, tiveram um impacto real no mercado» (considerando 210 da decisão). No considerando 212 da decisão, ao referir‑se à parte da decisão relativa à descrição dos factos, a Comissão reiterou o argumento segundo o qual os acordos do cartel tinham sido «cuidadosamente executados» e acrescentou que «um dos participantes declarou que tinha ficado ‘surpreendido com o nível de formalidade e de organização a que tinham chegado os participantes para estabelecer este acordo’». Do mesmo modo, no considerando 216 da decisão, observou que, «[à] luz do que fica dito e dos esforços devotados por cada participante à complexa organização do cartel, a eficácia da aplicação do acordo não pode ser questionada».

148    Além disso, a Comissão considerou que não era necessário «quantificar pormenorizadamente até que ponto os preços diferiram dos que poderiam ter sido aplicados caso estes acordos não existissem» (considerando 211 da decisão). Com efeito, a Comissão alegou que «isto nem sempre pode ser quantificado de forma fiável, uma vez que vários factores externos podem ter afectado simultaneamente o desenvolvimento dos preços do produto, tornando, assim, extremamente difícil extrair conclusões sobre a importância relativa de todos os factores causais possíveis» (ibidem). No entanto, no considerando 213 da decisão, descreveu a evolução dos preços do ácido cítrico de Março de 1991 a 1995, assinalando, no essencial, que, entre Março de 1991 e meados de 1993, os preços do ácido cítrico tinham aumentado em 40% e que, após essa data, tinham, no essencial sido mantidos nesse nível. Do mesmo modo, nos considerandos 214 e 215 da decisão, recordou que os membros do cartel tinham fixado quotas de vendas e tinham concebido e aplicado mecanismos de informações, de controlo e de compensação para assegurar a aplicação das quotas.

149    Por último, nos considerandos 217 a 228 da decisão, a Comissão resumiu, analisou e rejeitou argumentos invocados pelas partes em causa no procedimento administrativo, entre os quais os apresentados pela Jungbunzlauer. Contudo, no considerando 226 da decisão, a Comissão afirmou, nos seguintes termos, que os argumentos apresentados pelas partes em causa não podiam ser aceites:

«As explicações para os aumentos de preços de 1991‑1992 apresentadas pela ADM, a [H & R] e a Jungbunzlauer podem ter alguma validade, mas não demonstram de forma convincente que a aplicação do acordo do cartel não podia ter influenciado as flutuações de preços. Embora os fenómenos descritos possam verificar‑se na ausência de um cartel, também são perfeitamente compatíveis com a sua existência. O facto de os preços do ácido cítrico terem aumentado 40% em 14 meses não pode ser meramente explicado em termos de uma reacção concorrencial, mas deve ser interpretado à luz das circunstâncias de os participantes terem acordado aumentos coordenados dos preços e a afectação de quotas de mercado, bem como a criação de um sistema de comunicação de informações e de controlo. Tudo isto terá contribuído para o êxito dos aumentos de preços.»

150    Do mesmo modo, no considerando 228 da decisão, a Comissão respondeu da seguinte forma aos argumentos apresentados pela Jungbunzlauer:

«O facto, destacado pela Jungbunzlauer, de a ‘quota de mercado’ global do cartel ter diminuído ao longo do tempo, de cerca de 70%, no início, para 52% em 1994, ilustra certamente as dificuldades que os participantes no cartel tiveram para manter os preços acima do nível concorrencial. Isto não demonstra, todavia, que a prática ilegal não afectou o mercado. Pelo contrário, o forte aumento das importações originárias da China, de 1992 em diante, indica que os membros do cartel não se estavam a adaptar, como teriam feito normalmente, à pressão que essas importações exerciam sobre os preços.»

–       Apreciação

151    Em primeiro lugar, há que recordar que, segundo os termos do n.° 1 A, primeiro parágrafo, das orientações, no seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção, a Comissão tem em conta, designadamente «o […] impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

152    A este respeito, há que analisar o significado exacto dos termos «quando este [ou seja, o impacto concreto] for quantificável». Em particular, trata‑se de determinar se, na acepção destes termos, a Comissão só pode ter em conta o impacto concreto de uma infracção no âmbito do seu cálculo das coimas se e na medida em que puder quantificar este impacto.

153    Tal como a Comissão alegou com razão, o exame do impacto de um acordo no mercado em causa implica necessariamente que se recorra a hipóteses. Neste contexto, a Comissão deve designadamente examinar qual teria sido o preço do produto em causa no caso de não existir acordo. Ora, no exame das causas da evolução real dos preços, é arriscado especular sobre a parte respectiva de cada uma delas. Há que ter em conta a circunstância objectiva de que, devido ao acordo sobre os preços, as partes renunciaram precisamente à sua liberdade de entrarem em concorrência entre si através dos preços. Assim, a avaliação da influência resultante de factores diferentes dessa abstenção voluntária das partes no acordo baseia‑se necessariamente em probabilidades razoáveis e não quantificáveis com precisão.

154    Consequentemente, sob pena de se privar de efeito útil o critério do n.° 1 A, primeiro parágrafo, das orientações, não se pode criticar a Comissão por se ter baseado no impacto concreto no mercado de um acordo com um objectivo anticoncorrencial, como um acordo sobre os preços ou sobre quotas, sem quantificar esse impacto ou sem fornecer uma apreciação numérica a esse respeito.

155    Por conseguinte, o impacto concreto de um acordo no mercado em causa deve ser considerado suficientemente demonstrado se a Comissão puder fornecer indícios concretos e credíveis que indiquem, com uma probabilidade razoável, que o acordo teve um impacto no mercado.

156    No caso em apreço, resulta do resumo da análise efectuada pela Comissão (v. n.os 146 a 150, supra) que esta se baseou em dois indícios para concluir pela existência de um «impacto efectivo» do acordo no mercado. Com efeito, por um lado, afirmou que os membros do cartel aplicaram cuidadosamente os respectivos acordos (v., designadamente, considerandos 210, 212, 214 e 215 mencionados nos n.os 147 e 148) e que, durante o período de referência, representavam em média mais de 60% do mercado mundial e cerca de 70% do mercado europeu de ácido cítrico (considerando 210 da decisão, referido no n.° 146, supra). Por outro lado, considerou que os dados fornecidos pelas partes em causa durante o procedimento administrativo revelam uma certa concordância entre os preços fixados pelo acordo e os preços efectivamente praticados pelos membros do cartel (considerando 213 da decisão, referido no n.° 148, supra).

157    Ainda que se possa considerar que as expressões utilizadas nos considerandos 210 e 216 da decisão (v. n.° 147, supra), por si só, sugerem que a Comissão se baseou numa relação de causa e efeito entre a aplicação de um acordo e o seu impacto concreto no mercado, uma leitura de toda a análise demonstra, porém, que, contrariamente ao afirmado pela ADM, a Comissão não se limitou a inferir da aplicação do acordo a existência de impactos efectivos deste no mercado.

158    Para além da existência de uma aplicação «cuidadosa» dos acordos do cartel, a Comissão baseou‑se na evolução dos preços de ácido cítrico durante o período em causa abrangido pelo acordo. Com efeito, no considerando 213 da decisão, descreveu os preços do ácido cítrico entre 1991 e 1995, tal como tinham sido fixados entre os membros do cartel, anunciados aos clientes e, em larga medida, aplicados pelas partes em causa. A seguir examinar‑se‑á se, como sustenta a Jungbunzlauer, a Comissão cometeu erros manifestos na apreciação dos elementos de facto nos quais baseou as suas conclusões.

159    Neste contexto, também não se pode censurar a Comissão por considerar que o facto de os membros do cartel representarem uma parte muito importante do mercado do ácido cítrico (60% do mercado mundial e de 70% do mercado europeu) constituía um factor importante que devia ter em conta para examinar o impacto concreto do acordo no mercado. Com efeito, não se pode negar que a probabilidade de eficácia de um acordo de fixação de preços e de quotas de venda aumenta com a importância das quotas de mercado que são partilhadas pelos membros desse cartel. Embora, por si só, este facto não demonstre a existência de um impacto concreto no mercado, não é menos verdade que, na decisão, a Comissão não provou de modo nenhum essa relação de causa e efeito, apenas a tendo em conta como um elemento entre outros.

160    Quanto aos vários acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância invocados pela Jungbunzlauer, importa referir, em primeiro lugar, que os acórdãos do Tribunal de Justiça referidos no n.° 142, supra, incidem sobre o ónus da prova da Comissão para concluir pela existência de uma prática concertada abrangida pelo artigo 81.° CE e não, como no caso em apreço, sobre o efeito de uma infracção no mercado, considerando‑se que a infracção prosseguia incontestavelmente um objectivo anticoncorrencial.

161    Em segundo lugar, na medida em que a recorrente invoca as considerações que constam do n.° 4863 do acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141, supra, deve referir‑se que o Tribunal de Primeira Instância decidiu nesse acórdão que, quando, no âmbito da apreciação da gravidade da infracção, a Comissão se baseia nos efeitos dessa infracção no mercado em causa, deve «[lograr] fazer a respectiva prova ou apresentar boas razões para serem levadas em conta». Consequentemente, ao contrário da leitura que a Jungbunzlauer faz deste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância indicou claramente que o ónus da prova da existência de efeitos da infracção no mercado em causa, que cabe à Comissão quando esta os tem em conta no âmbito do cálculo da coima em função da gravidade da infracção, é menos pesado do que o que está a seu cargo quando deve demonstrar a existência enquanto tal de uma infracção no caso de um acordo. Com efeito, para ter em conta o impacto concreto do acordo no mercado, basta, segundo esse acórdão, que a Comissão apresente «boas razões para serem levadas em conta».

162    Em terceiro lugar, quanto ao acórdão Cascades/Comissão, n.° 141, supra, é verdade que, nesse processo, o Tribunal de Primeira Instância examinou se a Comissão tinha provado a existência de efeitos da infracção no mercado pertinente. No entanto, resulta dos n.os 181 a 185 do referido acórdão que a Comissão se tinha apoiado num relatório para demonstrar a existência de efeitos que, segundo as conclusões retiradas pelo Tribunal de Primeira Instância, apenas fundamentava parcialmente as conclusões que a Comissão dele tinha extraído.

163    Resulta de todas as considerações precedentes que a Comissão não adoptou um entendimento manifestamente errado para apreciar o impacto concreto do acordo no mercado do ácido cítrico.

b)     No que respeita à apreciação da evolução dos preços do ácido cítrico

 Argumentos das partes

164    Por um lado, a Jungbunzlauer contesta que a Comissão tenha apresentado a prova do impacto concreto do acordo no mercado através da sua apreciação da evolução do preço do ácido cítrico entre 1991 e 1993, reproduzida nos considerandos 213 e 214 da decisão.

165    Com efeito, embora a Jungbunzlauer não conteste que, em geral, os acordos sobre os preços têm repercussões quando os preços efectivos evoluem à semelhança dos preços acordados, não é menos verdade que este alinhamento não foi precisamente demonstrado pela Comissão no caso em apreço. A Jungbunzlauer observa que, contrariamente ao ocorrido no caso que deu origem ao acórdão Cascades/Comissão (n.° 141 supra, n.os 180 e segs.), no presente processo, sempre contestou que os preços acordados nas reuniões do cartel tivessem sido exigidos aos clientes. Alega que explicou isso detalhadamente em relação a todo o período compreendido entre 1991 e 1995, tanto na resposta à comunicação de acusações como na petição.

166    Por outro lado, a Jungbunzlauer alega que a Comissão não teve em devida conta as diferentes circunstâncias por si invocadas no procedimento administrativo para contestar o impacto do acordo no mercado.

167    Em primeiro lugar, a Jungbunzlauer critica a Comissão por ter tido em conta a evolução dos preços do ácido cítrico verificada durante 1991 e 1992 (considerando 213 da decisão) e de ter rejeitado o seu argumento de que esta evolução dos preços não tinha tido origem no acordo (considerandos 224 a 226 da decisão). Segundo a Jungbunzlauer, se a Comissão tivesse, como devia, examinado as condições económicas que caracterizam o período em causa, teria concluído que não era possível demonstrar com suficiente certeza que o acordo estava na origem desta evolução dos preços.

168    A Jungbunzlauer invoca o facto de que no n.° III 1, alínea a), da sua resposta à comunicação de acusações, já tinha referido que foi principalmente a expansão marcada da procura resultante do desenvolvimento do mercado do ácido cítrico ou do citrato de sódio (para o qual o ácido cítrico serve de produto de base), enquanto agente utilizado na indústria dos detergentes, a responsável pelo aumento dos preços em 1991 e 1992. Indica que, no fim dos anos 80 e no início dos anos 90, a indústria dos detergentes começou, por razões ligadas à protecção do ambiente e à política do mercado, a substituir a utilização dos fosfatos pelos produtos à base de ácido cítrico, mais vantajoso no plano ecológico, o que originou uma duplicação das taxas de crescimento do ácido cítrico e dos citratos. Além disso, alega, previa‑se uma procura ainda mais acrescida para os anos seguintes. Daí infere que o aumento efectivo da procura e o do consumo previsto para os anos 1990 permitiram aos produtores de ácido cítrico exigir preços ainda mais elevados.

169    A Jungbunzlauer recorda que, em apoio desta argumentação, apresentou estudos internos e um artigo tirado da imprensa especializada dos quais resulta, em primeiro lugar, que a utilização de citratos de sódio no domínio dos detergentes na Europa era 22 vezes mais elevada em 1990 do que em 1989, em segundo lugar, que se podia, de forma realista, prever vendas relativas a um volume de 44 000 toneladas para 1993 (o que correspondia a um aumento de 100% entre 1990 e 1993) e, em terceiro lugar, que a esta evolução acrescia ainda um aumento significativo previsto no domínio dos detergentes de loiça relativo a um volume de 22 000 toneladas ao ano para 1993.

170    Acrescenta que, em 1991 e em 1992, a procura crescente de ácido cítrico não pôde ser satisfeita pelas capacidades de produção existentes. O grupo Jungbunzlauer e outros produtores efectuaram aquisições suplementares na Indonésia ou na China para cobrir as necessidades. Isso mostra que existia uma procura excedentária considerável, que esteve na origem do aumento dos preços em 1991 e em 1992.

171    A Jungbunzlauer invoca ainda o facto de que, no n.° III 1, alínea b), da sua resposta à comunicação de acusações, já tinha referido que o aumento de preços verificado pela Comissão em 1991 e em 1992 devia, por outro lado, ser relativizado em atenção ao facto de que, de 1986 a 1990, os preços do mercado tinham baixado cerca de 45%. A mesma deduz daqui que o aumento de preços verificado durante 1991 e 1992 constituiu, no fim de contas, uma correcção dos preços provocada pelas forças do mercado.

172    Em segundo lugar, a Jungbunzlauer considera que foi incorrectamente que, no considerando 227 da decisão, a Comissão rejeitou os seus argumentos relativos às respostas dos adquirentes de ácido cítrico aos pedidos de informação que lhes tinham sido enviados pela Comissão em 20 de Janeiro de 1998. Com efeito, segundo esta, estas respostas, das quais reproduz excertos na sua petição e na sua réplica, confirmam que o acordo não teve efeitos negativos para os adquirentes. Em contrapartida, a Comissão não apresentou respostas dos adquirentes que provassem o contrário.

173    A Jungbunzlauer considera que foi incorrectamente que, no considerando 227 da decisão, a Comissão tentou minimizar a importância destas respostas invocando o facto de que a questão que as originou «[era] formulada em termos gerais [relativos à] intensidade da concorrência no mercado» e que devia «ser inserida no contexto de uma investigação preliminar sobre as principais características do mercado do ácido cítrico». Pelo contrário, a questão colocada teria como alvo a questão seguinte: «Existe uma concorrência intensa a nível dos preços no mercado do ácido cítrico? Pede‑se uma resposta detalhada a esta questão». Segundo a Jungbunzlauer, as respostas dadas pelos clientes forneceram uma imagem completamente clara para estes fins, o que a Comissão ignorou pura e simplesmente. A Comissão não podia formular um pedido de informações e enviá‑lo, com custos consideráveis, a inúmeras empresas para declará‑lo inapropriado em seguida, visivelmente por este não ter produzido o resultado esperado. Além disso, contrariamente ao alegado pela Comissão, resulta de forma clara do contexto das questões colocadas que estas se referiam todas ao período posterior a 1990.

174    Do mesmo modo, segundo a Jungbunzlauer, foi incorrectamente que, no considerando 227 da decisão, a Comissão invocou contra estas respostas o facto de que, «[t]endo em conta o elevado grau de sofisticação que caracteriza os acordos ilegais, não seria certamente de esperar que os clientes estivessem em condições de confirmar a inexistência de concorrência no mercado em causa». Pelo contrário, a Jungbunzlauer é de opinião que não é credível que os adquirentes mencionados não tenham notado modificações inabituais na estrutura dos preços. Isso é tanto mais verdade quanto o pedido de informações enviado aos clientes no âmbito de um inquérito aberto nos termos do direito dos cartéis e que o procedimento relativo ao ácido cítrico já tinha sido encerrado nos Estados Unidos. A relação entre as subidas de preços e os acordos restritivos da concorrência devia, por conseguinte, ser evidente – quase todos os clientes mencionados eram, além disso, grandes empresas que podiam perfeitamente provar essa relação. O facto de nenhuma das empresas interrogadas ter tirado essa conclusão assinala bem que os acordos não tiveram repercussões no mercado.

175    Em terceiro lugar, a Jungbunzlauer refere que resulta do considerando 225 da decisão que já tinha alegado, no procedimento administrativo, que, na sua opinião, «o facto de a quota de mercado mundial das partes [em causa] ter diminuído de 70%, no início, para 52% em 1994, demonstra que o cartel já não estava em condições de influenciar a formação dos preços». Segundo a mesma, a Comissão não referiu esta circunstância. Ora, daqui resulta, na sua opinião, que os participantes no acordo não já não dispunham em absoluto do poder económico no mercado que seria necessário para impor os preços desejados e que o acordo perdeu constantemente importância e não podia, desde 1993, seguramente influenciar a formação dos preços a nível mundial. Isso foi claramente confirmado pela resposta da sociedade Procter & Gamble aos pedidos de informações que a Comissão lhe enviou em 20 de Janeiro de 1998.

176    A Comissão rejeita a argumentação da Jungbunzlauer e alega que fez a prova bastante da existência de um impacto concreto do acordo no mercado.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

177    Constitui jurisprudência assente que, para efeitos da fiscalização da apreciação feita pela Comissão sobre o impacto concreto do acordo no mercado, importa sobretudo analisar a apreciação dos efeitos produzidos pelo acordo sobre os preços (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, e, nesta acepção, acórdão Cascades/Comissão, n.° 141 supra, n.° 173, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 225).

178    Além disso, a jurisprudência recorda que, no momento da determinação da gravidade da infracção, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento imputado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, n.° 115 supra, n.° 612, e Ferriere Nord/Comissão, n.° 136 supra, n.° 38) e que, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, compete à Comissão tomar como referência a concorrência que teria normalmente existido sem a infracção (v., neste sentido, acórdãos Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 619 e 620; Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 177 supra, n.° 235, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 645).

179    Daí resulta, por um lado, que, nos casos de acordos, há que verificar – com um grau de probabilidade razoável (v. n.° 155, supra) – que os acordos permitiram efectivamente às empresas em causa atingirem um nível de preços superior ao que se teria verificado sem o acordo. Daí resulta, por outro lado, que, na sua apreciação, a Comissão deve ter em conta todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar existente. Resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância proferidos no processo relativo ao cartel do cartão (v., designadamente, acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 177 supra, n.os 234 e 235) que há que ter em conta a existência, sendo caso disso, de «factores económicos objectivos» que revelem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de forma idêntica à dos preços praticados (v., igualmente, acórdãos Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, n.° 177 supra, n.os 151 e 152, e Cascades/Comissão, n.° 141 supra, n.os 183 e 184).

180    No considerando 213 da decisão, a Comissão descreveu da seguinte forma a evolução dos preços do ácido cítrico, tal como acordados e aplicados pelos membros do cartel:

«De Março de 1991 a meados de 1993, os preços acordados no âmbito do cartel foram anunciados aos clientes e amplamente aplicados, em especial durante os primeiros anos de vida do cartel. O aumento de preço para 2,25 [marcos alemães (DEM)]/kg […] em Abril de 1991, decidido na reunião do cartel de Março de 1991, foi facilmente introduzido. A ele se seguiu uma decisão, tomada por telefone em Julho, de aumentar o preço para 2,70 de marcos alemães/kg […] em Agosto. Este aumento de preço também foi aplicado com êxito. Um aumento final para 2,80 marcos alemães/kg […] foi acordado na reunião de Maio de 1991 e aplicado em Junho de 1992. Após esta data, não foi aplicado qualquer outro aumento de preços e o cartel concentrou‑se na necessidade de os manter.»

181    A Jungbunzlauer não contesta as considerações de facto da Comissão quanto à evolução dos preços acordados e à fixação das quotas de venda, limitando‑se, porém, no essencial, a alegar que, na realidade, os preços e as quotas não tinham sido exigidos aos clientes.

182    A este respeito, importa referir que, na sua carta de 29 de Abril de 1999, que fornecia à Comissão as informações pedidas com base no artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a recorrente descreveu os preços fixados no âmbito do acordo. Além disso, no anexo da sua resposta à comunicação de acusações, a recorrente forneceu à Comissão gráficos relativos à evolução do preço do ácido cítrico de 1991 a 1995.

183    No entanto, resulta designadamente dos referidos gráficos, que a Jungbunzlauer por sua própria iniciativa elaborou e forneceu à Comissão, que os preços efectivamente pedidos aos clientes seguiam de forma paralela a evolução dos preços fixados pelos membros do cartel, mesmo que, de modo geral, fossem inferiores ao nível dos preços acordados. Em particular, resulta destes gráficos, que, quando, em Março e em Julho de 1991, os membros do cartel decidiram aumentar os preços do ácido cítrico utilizado no sector da alimentação de 2,25 DEM/kg para cerca de 2,7 DEM/kg, os preços efectivamente pedidos aos clientes, que se situavam em Abril de 1991 entre 1,9 DEM/kg e 2,1 DEM/kg, tinham aumentado para se situarem entre 2,7 DEM/kg e 2,75 DEM/kg. Do mesmo modo, resulta destes gráficos que, quando, após esta subida dos preços, os membros do cartel acordaram manter os preços entre 2,7 DEM/kg e 2,8 DEM/kg, os preços efectivamente pedidos aos clientes situaram‑se entre 2,6 DEM/kg e 2,75 DEM/kg. Do mesmo modo, resulta destes gráficos que os preços efectivamente pedidos aos clientes, seguiram as decisões dos membros do cartel, tomadas em 1994, de diminuir os preços do ácido cítrico para 2,65 DEM/kg, se bem que a um nível mais baixo, para se situar entre 2,45 DEM/kg e 2,6 DEM/kg.

184    Por conseguinte, contrariamente ao que a Jungbunzlauer alega, resulta claramente das informações que forneceu à Comissão no procedimento administrativo que existia um paralelismo permanente entre os preços fixados pelos membros do cartel e os efectivamente praticados.

185    Ora, nesta situação, a Comissão podia com razão invocar, no considerando 219 da decisão, acórdão Cascades/Comissão, n.° 141 supra, n.° 179, e considerar que existia uma relação directa entre a evolução dos preços anunciados e a dos preços praticados para concluir que, com base nestes elementos, estava provado que o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado que era, na acepção das orientações, «quantificável» por comparação entre o preço hipotético que se teria verificado sem o acordo e o preço aplicado no caso em apreço, na sequência da constituição do cartel.

186    A objecção levantada pela Jungbunzlauer, segundo a qual os preços teriam aumentado mesmo que o acordo não tivesse existido não é susceptível de afectar esta conclusão. Com efeito, embora essa hipótese não esteja excluída, não é menos verdade que a Comissão podia com razão considerar, no considerando 226 da decisão, que o facto de os preços do ácido cítrico terem aumentado não podia ser exclusivamente explicado em termos de uma reacção concorrencial do mercado, mas devia ser interpretado à luz do acordo que permitiu aos seus membros coordenar a evolução dos preços. Por conseguinte, não é possível alegar que, se o acordo não tivesse existido, o nível dos preços teria evoluído de maneira idêntica ao dos preços praticados na sequência do acordo. Isso é confirmado pela declaração da própria Jungbunzlauer na sua carta de 21 de Maio de 1999. Embora não se possa excluir que outras razões além da procura de eficácia do acordo tenham incitado os seus membros a elaborar mecanismos de concertação, de informação e de controlo, não é menos verdade que, atendendo designadamente às despesas de administração e aos riscos de detecção ligados a esse acordo, a explicação fornecida pela Comissão, constitui a explicação mais plausível (v. n.° 154, supra).

187    Do mesmo modo, contrariamente ao alegado pela Jungbunzlauer, a Comissão podia, correctamente, rejeitar, no considerando 227 da decisão, as respostas fornecidas pelos adquirentes de ácido cítrico ao seu pedido de informações de 20 de Janeiro de 1998 como não conclusivas.

188    Com efeito, por um lado, através da questão n.° 4 do seu pedido de informações, a Comissão pretendia saber se os adquirentes tinham verificado subidas sensíveis do preço do ácido cítrico entre 1990 e a data de envio deste pedido em 1998. Na sua resposta, embora alguns adquirentes tenham indicado que verificaram subidas de preços durante determinados períodos precisos que correspondiam às subidas de preços acordadas no âmbito do acordo, outros referiram‑se unicamente a períodos posteriores ao fim do acordo em 1995 ou indicaram que constataram uma baixa de preços. Por outro lado, as outras questões, tal como formuladas pela Comissão, no seu ofício de 20 de Janeiro de 1998, eram relativas não ao período em causa no acordo, mas à situação do mercado no momento do envio deste ofício. É por esta razão que as respostas dos adquirentes não eram conclusivas a respeito do impacto concreto do acordo no mercado.

189    Por último, o facto, invocado pela Jungbunzlauer de que, em 1994, o facto de a quota de mercado mundial das partes em causa ter diminuído de 70%, no início do acordo, para 52% também não permite infirmar a existência de um impacto efectivo no mercado pertinente. Com efeito, por um lado, como a Comissão invoca, correctamente, foi essencialmente em razão do aumento dos preços do ácido cítrico entre 1991 e 1993 que concluiu pela existência desse efeito no mercado. Por outro lado, no que respeita ao período que decorre de 1993 a 1995, o efeito constatado pela Comissão era, no essencial, uma estabilização do preço a um nível mais elevado do que se tinha verificado antes do aumento, em 1991. Ora, o facto de os membros do cartel não reunirem mais do que 52% do mercado não indica que não pudessem, pelo menos, favorecer esta tendência de estabilização dos preços.

190    Atendendo a todas as considerações precedentes, a Comissão não cometeu erros manifestos de apreciação quanto à evolução dos preços do ácido cítrico.

3.     Quanto à violação do dever de fundamentação

191    A Jungbunzlauer alega que a decisão enferma de uma violação do dever de fundamentação. Segundo a mesma, a Comissão não indicou de que modo os acordos tinham tido efeitos no mercado, antes limitou‑se a rejeitar as provas contrárias apresentadas pela Jungbunzlauer no procedimento administrativo, declarando‑as insuficientes sem apresentar a mínima justificação. Em particular, a Jungbunzlauer acusa a Comissão de não ter tomado posição quanto às respostas fornecidas pelas diferentes empresas aos seus pedidos de informações, ao passo que a recorrente abordou expressamente esse aspecto na sua resposta à comunicação de acusações.

192    A Comissão entende que fundamentou suficientemente a decisão a este respeito.

193    O Tribunal observa que, nos considerandos 92 a 111 da decisão a Comissão descreveu de forma precisa os acordos tal como tinham sido aplicados pelos membros do cartel, incluindo, designadamente os acordos sobre os preços (considerandos 95 e 96 da decisão). Além disso, na parte relativa à apreciação jurídica dos factos, a Comissão analisou estes dados. Para concluir pela existência de um impacto efectivo do acordo no mercado, baseou‑se no facto de os acordos terem sido cuidadosamente aplicados (considerando 212), de o preço do ácido cítrico, como anunciado aos adquirentes, ter sido aplicado pelos membros do cartel (considerando 213), de os membros do cartel terem fixado quotas de venda cujo respeito foi constantemente controlado, e elaborado um sistema de compensação (considerandos 214 e 215). Por último, a Comissão analisou os argumentos das partes em causa, dentre as quais a recorrente, e apresentou uma fundamentação sucinta mas suficiente a este respeito (v., designadamente, considerandos 226 a 228 da decisão).

194    Por conseguinte, a Comissão explicou de que modo, na sua opinião, o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado do ácido cítrico.

195    Consequentemente, a decisão foi suficientemente fundamentada quanto a este ponto.

B –  Quanto ao ajustamento do montante da coima em função da dimensão relativa das empresas em causa

1.     Argumentos das partes

196    A Jungbunzlauer alega que, ao proceder, no âmbito do cálculo das coimas em função da gravidade da infracção, a um ajustamento do montante das coimas com base na dimensão e nos recursos globais das empresas em causa, a Comissão não teve em devida conta o poder económico muito limitado da Jungbunzlauer em relação às outras empresas em causa e, ao proceder deste modo, violou os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, um «princípio de apreciação individual das coimas» bem como as suas próprias orientações.

197    A Jungbunzlauer indica que, resulta dos considerandos 240 a 246 da decisão que, para ter em conta a dimensão e os recursos globais das empresas em causa, a Comissão comparou os volumes de negócios mundiais das empresas em causa, isto é, dos grupos a que estas pertenciam, como resultam da tabela reproduzida no considerando 50 da decisão. Nesta base, a Jungbunzlauer recorda que, para assegurar um nível de coimas suficientemente dissuasivo, a Comissão aumentou em 100% o montante de partida das coimas da ADM e da HLR e em 150% o da H & R.

198    A Jungbunzlauer alega que, ao aplicar este método de ajustamento dos montantes das coimas, a Comissão conduziu a um resultado absurdo, uma vez que penaliza de forma flagrante com maior dureza as empresas claramente mais pequenas, como a Jungbunzlauer, e confere às coimas aplicadas às grandes empresas um efeito dissuasivo muito menor.

199    A Jungbunzlauer admite que o cálculo da coima possa implicar a consideração de um grande número de factores e que a Comissão dispõe, no âmbito do cálculo, de uma margem de apreciação muito ampla. No entanto, ao referir‑se aos acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1985, Krupp/Comissão, 183/83, Recueil, p. 3609, n.° 37, de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 121, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. II‑549, n.° 94, alega que convém neste contexto atribuir um papel essencial ao poder económico da empresa em causa.

200    No que respeita, em particular, ao acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 199 supra, a Jungbunzlauer considera que, nesse processo, tratava‑se do caso de uma grande empresa que tinha participado em acordos relativos a um produto que apenas representava uma pequena parte do seu volume de negócios global. Segundo a Jungbunzlauer, neste processo, seguindo a posição que tinha sido defendida pela Comissão, o Tribunal de Justiça afirmou claramente que a dimensão e o poder económico da empresa se deviam reflectir de maneira adequada na coima aplicada (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 199 supra, n.° 121). Assim, segundo a Jungbunzlauer, o Tribunal de Justiça pretendia precisamente evitar que um grupo grande só deva pagar uma coima que, comparada com o seu poder económico, seja relativamente reduzida, apenas devido à importância reduzida do produto em causa no volume de negócios global.

201    Ora, sublinha a Jungbunzlauer, tal cenário ocorreu precisamente no presente processo, como resulta de diversas comparações.

202    A Jungbunzlauer alega que, no caso em apreço, em comparação com a capacidade económica de todas as empresas destinatárias da decisão, o montante de partida calculado em função da gravidade da infracção afecta o grupo Jungbunzlauer de uma forma bastante mais dura do que as outras partes em causa.

203    A este respeito, baseando‑se nos dados resultantes dos considerandos 239 e 246 da decisão, a Jungbunzlauer apresenta a seguinte tabela:


Empresa

Volume de negócios global

(em milhões de euros)

Montante de partida (montante considerado em função da gravidade da infracção)

(em milhões de euros)

Montante de partida em % do volume de negócios global

Jungbunzlauer

314

21

6,69

HLR

18 403

42

0,23

ADM

 

13 936

42

0,30

H & R/Bayer AG

 

30 971

87,5

0,29

Cerestar/

Cerestar AG

 


1 693


3,5


0,20


204    Daqui resulta, segundo a Jungbunzlauer, que, apesar de o volume de negócios da HLR ser 58,6 vezes superior ao do grupo Jungbunzlauer e de a ADM realizar um volume de negócios 44,38 vezes superior ao do referido grupo, a coima aplicada a estas duas empresas foi apenas duplicada nesta fase específica do cálculo das coimas. Do mesmo modo, não obstante o facto de o volume de negócios do grupo Bayer, ao qual a H & R pertencia e que foi considerado pela Comissão no âmbito do ajustamento das coimas (considerandos 243 e 244), ser 99,8 vezes superior ao do grupo Jungbunzlauer, a coima aplicada à H & R foi unicamente multiplicada por 2,5, o que é ainda mais surpreendente na medida em que o grupo Bayer dispõe de longe da quota de mercado mais importante de todas as parte em causa.

205    Ora, segundo a Jungbunzlauer, este tratamento desigual não se justifica, uma vez que, abstraindo da sua dimensão, todas as empresas destinatárias da decisão são em todos os pontos comparáveis no que respeita, designadamente, à sua contribuição para a infracção e à sua posição no mercado.

206    Além disso, a Comissão rejeitou incorrectamente a argumentação da Jungbunzlauer ao invocar a importância da sua quota de mercado de ácido cítrico. Com efeito, por um lado, recorda que o grupo Jungbunzlauer dispunha de uma quota de [confidencial] do mercado do ácido cítrico, mas foi‑lhe aplicada uma coima que era 23 vezes superior à da H & R, que, contudo, dispunha de uma quota de mercado maior (22%). Por outro lado, alega que a importância da quota de mercado das diferentes empresas já tinha sido considerada pela Comissão no âmbito da fase anterior do cálculo do montante da coima, designadamente na classificação das empresas em três categorias (considerandos 233 a 239 da decisão).

207    Um tratamento desproporcionado das empresas mais pequenas resulta também de uma comparação dos montantes de partida calculados em função da gravidade da infracção considerada pela Comissão no que respeita, por um lado, à Jungbunzlauer na decisão e, por outro, às outras partes em processos semelhantes que originaram decisões contemporâneas da decisão ora impugnada. A Jungbunzlauer refere‑se a este respeito, às decisões adoptadas pela Comissão nos processos designados «Gluconato de sódio» [decisão da Comissão de 2 de Outubro de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE, (Processo COMP/E‑1/36.756 – Gluconato de sódio) (a seguir «decisão Gluconato de sódio»)], «Aminoácidos» [Decisão 2001/418/CE da Comissão, de 7 de Junho de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo IV/36.545/F3 – Aminoácidos) (JO L 152, p. 24) (a seguir «decisão Aminoácidos»)] e «Vitaminas» [Decisão 2003/2/CE da Comissão, de 21 de Novembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.512 – Vitaminas) (JO 2003, L 6, p. 1) (a seguir «decisão Vitaminas»)]. Com efeito, nestes processos, os montantes de base fixados pela Comissão para diferentes empresas em causa constituíam, em percentagem dos volumes de negócios globais realizados por estas, no processo Gluconato de sódio entre 0,04% e 0,58%, no processo Aminoácidos, entre 0,24% e 1,59% e, no processo Vitaminas, entre 0,7% e 2,0%, ao passo que esta mesma percentagem era para a mesma, no que respeita ao caso em apreço, de 6,69%.

208    A Jungbunzlauer compara também os montantes das coimas fixados na decisão antes da redução por cooperação (considerandos 293 e 326 da decisão) no seu caso com os montantes aplicados na decisão à HLR e à ADM enquanto percentagem dos volumes de negócios globais dessas empresas. A este respeito, a Jungbunzlauer refere que, comparado com o poder económico das empresas respectivas expresso no volume de negócios global (v. n.° 203, supra), o montante da coima que lhe foi aplicado antes da redução por cooperação (29,4 milhões de euros ou 9,36% do seu volume de negócios global) representa em percentagem 21,8 vezes o da coima aplicada à HLR (79,38 milhões de euros ou 0,43% do volume de negócios global da HLR) e 16,4 vezes o da coima aplicada à ADM (79,38 milhões de euros ou 0,57% do volume de negócios global da ADM).

209    A Jungbunzlauer considera que o carácter desproporcionado do montante da coima que lhe foi aplicada é ainda mais flagrante quando se compara o montante das coimas definitivo fixado na decisão que lhe diz respeito com os montantes aplicados à HLR e à ADM a título de percentagem do volume de negócios global destas empresas. Com efeito, a Jungbunzlauer refere que, comparado com o poder das empresas respectivas expresso em volume de negócios global (v. n.° 203, supra), o montante definitivo da coima que lhe foi aplicada (17,64 milhões de euros) representa 16 vezes o da coima aplicada à HLR (63,5 milhões de euros) e 20 vezes o da coima aplicada à ADM (39,69 milhões de euros).

210    Além disso, a Jungbunzlauer compara também os montantes definitivos das coimas fixados na decisão que lhe diz respeito com os montantes aplicados nas decisões «Gluconato de sódio», «Aminoácidos» e «Vitaminas» bem como no processo Sun‑Air/SAS e Maersk Air [Decisão 2001/716/CE da Comissão, de 18 de Julho de 2001, relativa a processos nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, processo COMP.D.2 37.444 – SAS/Maersk Air e processo COMP.D.2 37.386 – Sun‑Air contra SAS e Maersk Air (JO L 265, p. 15)]. Segundo a Jungbunzlauer, daqui resulta que comparado com o poder das empresas respectivas expresso em volume de negócios global, o montante definitivo da coima aplicada a estas empresas representa apenas entre 0,06% e 2,61% do seu volume de negócios.

211    Atendendo a todas as considerações precedentes, a Jungbunzlauer é de opinião, que na parte do seu cálculo do montante da coima destinado a assegurar‑lhes um carácter suficientemente dissuasivo, a Comissão devia ter corrigido para baixo o montante de partida a aplicar ao grupo Jungbunzlauer.

212    A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

a)     Introdução

213    Segundo jurisprudência assente, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto, sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, n.° 136 supra, n.° 54; acórdãos Ferriere Nord/Comissão, n.° 136 supra, n.° 33, e HFB e o./Comissão, n.° 136 supra, n.° 443).

214    Do mesmo modo, é jurisprudência assente que, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção podem, consoante o caso, constar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, logo, a influência que esta possa ter tido no mercado relevante. Daqui decorre, por um lado, que, para se determinar o montante da coima, pode‑se tomar em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como da parte deste volume que provém da venda das mercadorias que constituem objecto da infracção e que, consequentemente, pode indicar a importância da mesma. Daí resulta, por outro lado, que não se pode dar nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado da coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global (v., nesta acepção, acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 199 supra, n.os 120 e 121; Parker Pen/Comissão, n.° 199 supra, n.° 94; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 176; Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, n.° 177 supra, n.° 187, e HFB e o./Comissão, n.° 136 supra, n.° 444).

215    No caso em apreço, a Comissão teve em conta tanto o volume de negócios relativo à venda dos produtos em causa como o volume de negócios global das empresas em causa. Com efeito, após ter concluído que a infracção devia ser considerada «muito grave» na acepção do n.° 1 A, segundo parágrafo, das orientações (considerando 230 da decisão), foi em função destes dois critérios que ponderou o montante das coimas dentro desta categoria de infracções muito graves para as quais nas orientações constam montantes «previstos» superiores a 20 milhões de euros.

216    Resulta dos considerandos 233, 234 e 240 da decisão que a Comissão se baseou a este respeito, no n.° 1 A, quarto e sexto parágrafos, das orientações. No essencial, nestas passagens das orientações, a Comissão indicou que, designadamente quando se trate de uma infracção em que participem várias empresas e exista uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas partes na infracção, aplica um tratamento diferenciado às empresas em causa de modo a ter em conta a sua capacidade económica efectiva para provocarem danos significativos na concorrência e a fixar a coima num nível que lhe assegure um efeito suficientemente dissuasivo.

217    Assim, por um lado, baseando‑se no volume de negócios das partes em causa resultante da venda dos produtos em causa, a Comissão dividiu‑as em três categorias. O objectivo desta modulação era, como a Comissão o indica no considerando 234 da decisão, ter em conta o impacto real do comportamento de cada uma das partes em causa na concorrência. Neste âmbito, a Comissão prosseguia igualmente um fim de dissuasão, uma vez que deu a conhecer que penalizaria de forma mais gravosa as empresas que tivessem participado num cartel num mercado em que tivessem um peso importante.

218    Neste contexto, dado que a recorrente possuía, no mercado mundial de ácido cítrico, uma quota média, a Comissão classificou‑a na segunda categoria de empresas, para as quais fixou um montante de partida de 21 milhões de euros.

219    Por outro lado, ao basear‑se no volume de negócios global das partes em causa, considerou apropriado ajustar o montante de partida das coimas em relação a três destas, pelo facto de a sua dimensão e de os seus recursos globais serem de tal ordem que, sem aumento destes montantes, a coima não teria efeito dissuasivo, na medida em que constituiria uma fracção demasiado diminuta do volume de negócios das partes em causa.

220    É apenas sobre esta fase precisa do cálculo da coima, descrita no ponto precedente, que incide a crítica formulada pela recorrente. Esta refere, no essencial, que, ao limitar‑se a multiplicar por um coeficiente de 2 ou de 2,5 o montante de partida da coima para os membros do cartel que constituem ou fazem parte de grandes grupos multinacionais, não diminuindo, porém, em simultâneo o montante de partida para as empresas manifestamente mais pequenas, a Comissão cometeu uma discriminação para com estas últimas em relação às primeiras. Sem impugnação quanto a este ponto, a recorrente infere dos considerandos da decisão que o montante de base da coima que lhe foi aplicada em função da gravidade da infracção representa 6,69% do seu próprio volume de negócios global, ao passo que este montante fixado para os grandes grupos multinacionais (designadamente, no caso em apreço, a HLR, a ADM e a Bayer à qual pertence a H & R) se situa entre 0,23% e 0,30% do volume de negócios global respectivo destas, mesmo após aplicação do coeficiente multiplicador destinado a ter em conta a dimensão e os recursos globais destas últimas empresas.

221    Neste contexto, a recorrente invoca três fundamentos, relativos à violação, em primeiro lugar, de um «princípio de apreciação individual das coimas» e das orientações, em segundo lugar, do princípio da proporcionalidade e, em terceiro lugar, do princípio da igualdade de tratamento.

b)     Quanto aos fundamentos relativos à violação de um «princípio de apreciação individual das coimas» e das orientações

222    Quanto à violação de um «princípio de apreciação individual das coimas» e das orientações, a recorrente alega, no essencial, que a Comissão tinha a obrigação de fixar as coimas com base na percentagem do volume de negócios global de cada empresa em causa.

223    Ora, importa recordar que o Tribunal de Primeira Instância já decidiu reiteradamente que, com base nos princípios elaborados pela jurisprudência constante, a Comissão tem o direito, em conformidade com as suas orientações, de não calcular as coimas em função do volume de negócios realizado por cada uma das empresas em causa no mercado em causa, mas de aplicar, como ponto de partida do seu cálculo para todas as empresas em causa, um montante absoluto fixado em função da própria natureza da infracção cometida, montante que é a seguir modulado para cada uma das empresas em causa em função de diversos elementos (v., nesta acepção, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.os 48 a 53; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância LR AF 1998/Comissão, n.° 88 supra, n.° 281, e de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.os 384, 385, 416 e 437).

224    A recorrente não contesta que, no caso em apreço, a Comissão tenha aplicado este método, como previsto nas orientações.

225    Consequentemente, a recorrente não pode invocar uma violação das orientações. Quanto à violação do alegado «princípio de apreciação individual das coimas», basta observar que a recorrente não definiu precisamente este princípio e que o mesmo não foi expressamente reconhecido pela jurisprudência. Portanto, a invocação deste princípio pela recorrente não pode, por si própria, pôr em causa a validade da decisão. Por conseguinte, devem‑se julgar improcedentes os argumentos da recorrente no que respeita tanto à violação das orientações como do alegado «princípio de apreciação individual das coimas».

c)     Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

226    O princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é apropriado e necessário para atingir o fim desejado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Junho de 1997, Air Inter/Comissão, T‑260/94, Colect., p. II‑997, n.° 144 e a jurisprudência aí referida, e de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.° 201).

227    No contexto do cálculo das coimas, resulta de jurisprudência constante que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos e que não se deve atribuir a nenhum desses outros elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação (v. n.os 213 e 214, supra).

228    O princípio da proporcionalidade implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve a este respeito aplicar estes elementos de forma coerente e objectivamente justificada (v., nesta acepção, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.° 106; CMA CGM e o./Comissão, n.° 223 supra, n.os 416 a 418, e de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 1541).

229    No caso em apreço, após ter determinado que a infracção constituía, pela sua própria natureza, um infracção muito grave passível de uma coima superior a 20 milhões de euros, a Comissão procedeu a uma ponderação do montante de partida da coima. Para tanto, teve em conta, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 214, por um lado, o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção para cada empresa em causa e que fornecesse uma indicação da importância da infracção cometida por estas empresas no mercado de produtos em questão e, por outro, a dimensão e o poder económico de cada uma das empresas em causa. Ainda que a Comissão tenha tido em conta estes dois critérios no âmbito de uma mesma operação de cálculo, trata‑se de dois critérios distintos. Deve, por conseguinte, examinar‑se separadamente se a Comissão atribuiu uma importância desproporcionada a um destes dois critérios.

230    Em primeiro lugar, ao fixar o montante de partida num nível mais elevado para as empresas que possuíam uma quota de mercado relativamente mais importante do que as outras no mercado em causa, a Comissão teve em conta a influência efectiva que a empresa exercia nesse mercado e, portanto, a responsabilidade específica da empresa na manutenção da livre concorrência como elemento subjectivo da gravidade do comportamento das empresas em causa. Com efeito, este elemento é expressão do nível de responsabilidade mais elevado das empresas que possuem uma quota de mercado relativamente maior do que as outras no mercado em causa em relação aos prejuízos causados à concorrência e, por último, em relação aos consumidores ao celebrarem um acordo secreto.

231    No caso em apreço, ao classificar a recorrente na segunda categoria das empresas em causa e ao fixar, para esta empresa, como ponto de partida, o mesmo montante que o fixado para duas outras empresas que, nesse mercado, tinham uma quota de mercado equivalente à da recorrente, a Comissão não determinou de forma desproporcionada este montante, atendendo à gravidade da infracção cometida pela recorrente e à necessidade de garantir um efeito dissuasivo à coima à luz dessa gravidade. Esta apreciação não é posta em causa pelo facto de, em termos de dimensão global, estas outras empresas serem mais importantes do que a recorrente. Com efeito, a afectação do mercado em causa pela actuação da recorrente justifica a apreciação efectuada pela Comissão neste estádio do cálculo da coima.

232    Em segundo lugar, ao aplicar um coeficiente multiplicador à ADM, à HLR e à H & R, a Comissão apreciou devidamente a dimensão e os recursos globais das empresas em causa, e prosseguiu, assim, o objectivo de assegurar às coimas um nível dissuasivo.

233    A Jungbunzlauer não pode validamente alegar que, em razão do princípio da proporcionalidade, a Comissão devia, no âmbito desta mesma operação, baixar o montante da coima que lhe devia ter sido aplicada porquanto ao comparar este montante com o seu volume de negócios global, este ultrapassava os limites do que era apropriado e necessário para atingir o fim pretendido, designadamente assegurar um nível dissuasivo à coima.

234    Com efeito, como acima se indicou no n.° 231, ao fixar o montante da coima a Comissão não teve em conta um montante desproporcionado, atendendo à importância da infracção cometida pela recorrente no mercado dos produtos em questão. Esta apreciação não é posta em causa pelo facto de esta coima representar 6,69% do volume de negócios de uma empresa.

235    Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade deve ser julgado improcedente.

d)     Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

236    O princípio da igualdade de tratamento opõe‑se a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente ou que situações diferentes sejam tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância BPB de Eendracht/Comissão, n.° 88 supra, n.° 309, e a jurisprudência aí referida, e de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colect., p. II‑49, n.° 187).

237    No caso em apreço, a Comissão não contesta que a recorrente se encontrava numa situação comparável às das outras empresas às quais a Comissão imputou a responsabilidade da infracção, valendo o objectivo da dissuasão tanto para a recorrente como para as outras empresas em causa. Do mesmo modo, a Comissão não contesta que, no que respeita à relação entre o montante da coima e o volume de negócios das partes em causa, elemento que a Comissão teve em conta para fixar o montante da coima das partes em causa em função da gravidade da infracção, o montante de base da coima como fixado para a recorrente em função da gravidade da infracção represente 6,69% do seu próprio volume de negócios global, enquanto que esse montante fixado para os grandes grupos multinacionais (designadamente, no caso em apreço, a HLR, a ADM e a Bayer à qual pertence a H & R) se compreende entre 0,23% e 0,30% do seu volume de negócios global respectivo, mesmo após a aplicação do coeficiente multiplicador destinado a ter em conta a dimensão e os recursos globais destas últimas empresas.

238    No entanto, por um lado, a menos que se fixe a coima a um nível proporcional ao volume de negócios das empresas em causa, um certo tratamento diferenciado entre essas empresas é inerente à aplicação do método escolhido pelas orientações para atingir o objectivo de dissuasão, método que foi considerado legal pelo juiz comunitário (acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 88 supra, n.° 222).

239    Por outro lado, não tendo a apreciação feita pela Comissão do carácter proporcional do montante de partida da coima sido considerada errada (v. n.os 226 a 235, supra), a argumentação da recorrente redunda na realidade num convite ao Tribunal de Primeira Instância para verificar a legalidade dos montantes das coimas fixadas para as grandes empresas com as quais a recorrente compara a coima que lhe foi aplicada. Ora, a recorrente não pode invocar um direito de acção a este respeito. Com efeito, o respeito do princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito do princípio segundo o qual ninguém pode invocar, em seu proveito, uma ilegalidade cometida a favor de outrem (v. acórdão HFB e o./Comissão, n.° 136 supra, n.° 515, e a jurisprudência aí referida).

240    Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser julgado improcedente.

IV –  Quanto às circunstâncias atenuantes

241    A Jungbunzlauer invoca fundamentos relativos à violação, em primeiro lugar, das orientações e, em segundo lugar, do dever de fundamentação.

A –  Quanto à violação das orientações

242    A Jungbunzlauer alega que, em conformidade com o n.° 3, primeiro e segundo travessões, das orientações, a Comissão lhe devia ter concedido o benefício das circunstâncias atenuantes a título do papel exclusivamente passivo ou seguidista da Jungbunzlauer na infracção cometida, e por outro lado, da não aplicação efectiva dos acordos pela Jungbunzlauer GmbH.

1.     Quanto ao papel exclusivamente passivo ou seguidista da Jungbunzlauer GmbH na infracção cometida

a)     Argumentos das partes

243    A Jungbunzlauer alega que, em conformidade com o n.° 3, primeiro travessão, das orientações, a Comissão lhe devia ter concedido o benefício das circunstâncias atenuantes a título do papel exclusivamente passivo ou seguidista da Jungbunzlauer na infracção cometida. A Jungbunzlauer considera que o benefício do papel de «seguidor», conceito que não é definido nas orientações, não pode ser excluído com base unicamente em que uma empresa respeite, pelo menos parcialmente, as regras do acordo. Segundo esta, o que caracteriza o papel de seguidor é o facto de, atendendo à pressão considerável exercida pelos outros membros do cartel, este participar, na medida mais reduzida possível, na aplicação dos acordos assumindo certas funções no cartel e participando nas negociações. Qualquer outra interpretação teria como efeito o risco de se aplicar ao seguidor sanções no âmbito do cartel e de ele sofrer medidas de represália das outras empresas.

244    A Jungbunzlauer alega que, no início do acordo a Jungbunzlauer GmbH não pôde esquivar‑se aos acordos e foi mais ou menos forçada a aderir a estes em 1991. Enquanto pequeno vendedor especializado em ácido cítrico, a empresa corria o risco de ser excluída do mercado pelos concorrentes mais importantes, muito mais poderosos financeiramente (com volumes de negócios até 58,6 vezes o do grupo Jungbunzlauer) e dispondo, contrariamente a esta, de uma base de produção muito ampla. Além disso, a Jungbunzlauer alega que, entre 1991 e 1995, o grupo Jungbunzlauer encontrou‑se numa situação económica muito difícil que fez com que a Jungbunzlauer GmbH não pudesse conservar a sua independência se não aderisse ao acordo no início de 1991. A esta circunstância acresce o facto, sublinha a Jungbunzlauer, de que 40% do custo total da produção de ácido cítrico resulta do custo das matérias‑primas, designadamente da glicose. Ora, esta última era em parte fabricada pelos outros membros do cartel, pelo que estes podiam influenciar consideravelmente os preços de revenda dos produtos à base de ácido cítrico da Jungbunzlauer GmbH que, à época, não dispunha praticamente de fontes de abastecimento alternativas.

245    Ora a Jungbunzlauer critica a posição da Comissão que, segundo a mesma, se limitou, nos considerandos 282 e 284 da decisão, a rejeitar sumariamente estes argumentos invocando que, a partir de 1994, a Jungbunzlauer assumiu a responsabilidade pela recolha dos dados de vendas e o seu presidente do conselho de administração presidiu às reuniões do cartel. Isso é suficiente, segundo a Comissão, para demonstrar que o seu «envolvimento [da Jungbunzlauer] no cartel era activo e ia muito mais longe do que está disposta a reconhecer» (considerando 284 da decisão).

246    A Jungbunzlauer considera que a Comissão exagerou a importância da função de presidente das reuniões do cartel. Com efeito, como a Comissão indicou no considerando 120 da decisão, este papel estava ligado à presidência da Associação Europeia de Fabricantes de Ácido Cítrico, pelo que o representante da Jungbunzlauer apenas assumiu esse papel uma vez que isso era previsto pelas regras do acordo por força de um sistema de rotação. Segundo a Jungbunzlauer, esta função resumia‑se principalmente a assegurar o bom funcionamento da recolha de dados e constituía uma tarefa «ingrata» que compreendia sobretudo aspectos administrativos. Esta função não era acompanhada de modo nenhum de uma possibilidade de influência acrescida no acordo. Além disso, ao referir‑se aos argumentos invocados no n.° 244 supra, a recorrente considera que não podia recusar esta função. Além disso, este papel de presidente, como foi designado pela Comissão, está em contradição com o facto de a Jungbunzlauer GmbH ter sido constantemente criticada por não ter respeitado plenamente os acordos estabelecidos. Por último, a Jungbunzlauer considera que, no contexto das relações de poder económico acima descritas no n.° 244, o facto de uma empresa familiar de importância média como o grupo Jungbunzlauer ter podido impor qualquer medida aos outros membros do cartel surge como pouco realista.

247    A Jungbunzlauer considera que a assunção da função de presidente das reuniões do cartel podia, quanto muito, provar que a Jungbunzlauer apenas desempenhou um papel importante no acordo a partir de 1994, isto é, o último ano do período considerado pela Comissão. Em contrapartida, esta circunstância não é de modo nenhum susceptível de contrariar os argumentos acima invocados nos n.os 243 e 244. A assunção dessa função aproximadamente três anos mais tarde não exclui em absoluto que, em 1991, a Jungbunzlauer GmbH tenha sido constrangida a associar‑se ao acordo.

248    Do mesmo modo, segundo a Jungbunzlauer, a Comissão invoca incorrectamente o facto de esta estar regularmente presente nas reuniões do cartel através dos seus dirigentes. Com efeito, alega que, por um lado, isso não ocorreu no que respeita aos srs. R. e H. e, por outro, que uma empresa relativamente pequena como a Jungbunzlauer se caracteriza por uma hierarquia «pouco marcada». Na medida em que a Comissão refere, no considerando 122 da decisão e na sua contestação, que a Jungbunzlauer tinha um papel de «porta‑voz» no âmbito de um processo do cartel contra os produtores chineses, alega que se tratava unicamente da preparação de uma queixa antidumping junto da Comissão, o que constitui um meio legítimo de defesa contra as distorções da concorrência provocadas por importações a preços abaixo do custo e não de uma violação do artigo 81.° CE.

249    Por último, a Jungbunzlauer acusa a Comissão de se ter apropriado da argumentação de dois membros do cartel no procedimento administrativo, designadamente a H & R e a HLR, resumida nos considerandos 279 a 281 da decisão. A este respeito, alega, em primeiro lugar, que as afirmações destas duas empresas são inexactas, em segundo lugar, que não têm valor probatório, dado que se trata de declarações de co‑acusados que, naturalmente, procuram atribuir a contribuição principal para a infracção a outras empresas e, em terceiro lugar, que a Comissão não evocou estas afirmações na comunicação de acusações pelo que, ao referi‑las na decisão violou o seu direito de defesa (v., no que respeita a este terceiro elemento, n.° 336, infra).

250    A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

251    No n.° 3, primeiro travessão, das orientações, precisa‑se que se concede uma diminuição do montante da coima a título de circunstâncias atenuantes se, por exemplo, a empresa em causa desempenhou um «papel exclusivamente passivo ou seguidista na infracção cometida».

252    A este respeito, resulta da jurisprudência (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. I‑1181, n.° 331) que, entre os elementos susceptíveis de revelar o papel passivo de uma empresa num acordo, podem ser tidos em conta o carácter sensivelmente mais esporádico das suas participações nas reuniões relativamente aos membros normais do cartel (acórdão BPB de Eendracht/Comissão, n.° 88 supra, n.° 343) assim como a sua entrada tardia no mercado objecto da infracção, independentemente da duração da sua participação naquela (v., nesta acepção, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.° 100), ou ainda a existência de declarações expressas neste sentido provenientes dos representantes de empresas terceiras que participaram na infracção (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Weig/Comissão, T‑317/94, Colect., p. II‑1235, n.° 264). Por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que o «papel exclusivamente passivo ou seguidista» de um membros do cartel implica que ele adopte uma «atitude discreta», ou seja, não participe activamente na elaboração do ou dos acordos anticoncorrenciais (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 167).

253    Na decisão, a Comissão, embora não qualifique essencialmente a Jungbunzlauer de líder, contesta que esta tenha desempenhado um papel passivo ou seguidista, atendendo a que, a partir de 1994, a Jungbunzlauer assumiu a responsabilidade pela recolha dos dados de vendas e o seu presidente do conselho de administração presidiu às reuniões do cartel (considerando 284 da decisão).

254    No caso em apreço, a recorrente não pode, em primeiro lugar, validamente alegar ter sido constrangida a participar no acordo para reclamar o benefício de circunstâncias atenuantes. Com efeito, mesmo admitindo que estivesse provado que os outros membros do cartel tivessem exercido pressões económicas sobre a Jungbunzlauer GmbH para que esta aderisse aos acordos do cartel, não é menos verdade que, depois de ter aderido ao cartel, esta se conformou com as decisões dos membros do cartel sem adoptar um papel exclusivamente passivo ou seguidista na infracção cometida. Ora, nas suas orientações, a Comissão sublinha que apenas um papel «exclusivamente» passivo ou seguidista pode originar uma redução do montante da coima. Não é, portanto, suficiente que, durante determinados períodos do acordo, ou atendendo a certos acordos do cartel, a empresa em causa tenha adoptado uma «atitude discreta».

255    Em segundo lugar, esta conclusão é confirmada pelo facto de a Jungbunzlauer ter, de forma regular, participado nas reuniões do cartel.

256    Em terceiro lugar, a recorrente não pode validamente invocar as dificuldades económicas que enfrentou no período afectado pelo cartel. Com efeito, foi precisamente em razão das dificuldades enfrentadas por todos os operadores no mercado do ácido cítrico no fim dos anos 80 que alguns dentre eles, incluindo a recorrente, decidiram adoptar um comportamento anticoncorrencial. Ora, regra geral, os cartéis como os do caso em apreço nascem no momento em que um sector tem dificuldades (v., nesta acepção, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 252 supra, n.° 345).

257    Em quarto lugar, a recorrente considera incorrectamente que o papel de presidente das reuniões do cartel implicava apenas tarefas administrativas e não lhe conferia nenhuma influência acrescida no cartel. Com efeito, é pacífico que convocar reuniões, propor uma ordem do dia, distribuir documentos preparatórios destinados às reuniões é incompatível com um papel passivo de seguidor que adopta uma atitude discreta. Estas iniciativas revelam uma atitude favorável e activa da recorrente relativamente à elaboração, à continuação e ao controlo do acordo. É também sem razão que a recorrente minimiza o facto de o próprio presidente do conselho de administração da Jungbunzlauer ter participado nas reuniões do cartel dada a inexistência, nessa empresa, de uma estrutura hierárquica equivalente à dos outros membros do cartel. Com efeito, mesmo supondo provados estes elementos, estes poderiam ser quanto muito invocados para demonstrar que a recorrente não tinha um papel de líder no cartel, não podendo, contudo, provar que o papel da recorrente era «exclusivamente passivo ou seguidista». Ora, é sabido que a Comissão não considerou que a recorrente era um dos líderes do cartel.

258    Consequentemente, a Comissão não violou as suas orientações ao recusar conceder à recorrente o benefício das circunstâncias atenuantes a título do papel exclusivamente passivo ou seguidista que a Jungbunzlauer GmbH desempenhou na infracção cometida.

2.     Quanto à não aplicação efectiva dos acordos pela Jungbunzlauer GmbH

a)     Argumentos das partes

259    A Jungbunzlauer alega que, em conformidade com o n.° 3, segundo travessão, das orientações, a Comissão lhe devia ter concedido o benefício de circunstâncias atenuantes pela não aplicação efectiva dos acordos pela Jungbunzlauer GmbH. A Jungbunzlauer alega que, embora os representantes da Jungbunzlauer GmbH assistissem regularmente às reuniões, a Jungbunzlauer GmbH aplicou uma política comercial autónoma e orientada para a concorrência. Além disso, mais do que qualquer outra empresa participante no acordo, a Jungbunzlauer GmbH esquivou‑se, de maneira consequente e durante um período relativamente longo, à tentativa dos outros membros do cartel de «disciplinarem» a sua política em matéria de condições de venda e de preço.

260    Em primeiro lugar, a Jungbunzlauer alega que, como resulta do considerando 72 da decisão, o comportamento da Jungbunzlauer GmbH no mercado, até 1990, esteve na origem da descida dos preços do ácido cítrico na Europa o que, afinal, provocou a constituição do cartel. Com efeito, refere que, entre 1970 e 1990, a Jungbunzlauer GmbH multiplicou as suas vendas de ácido cítrico por 30, enquanto, no mesmo período, o volume do mercado aumentou apenas 96%. Estes lucros de quotas de mercado foram efectuados em detrimento dos grandes vendedores de ácido cítrico estabelecidos no mercado. O acordo revelou‑se, assim, ser um meio de submissão a uma disciplina comum, como resulta da descrição da primeira reunião do cartel em Basileia, em 6 de Março de 1991, que consta da resposta à comunicação de acusações. O desenrolar desta primeira reunião prova que os acordos eram, desde o início, contrários aos interesses económicos da Jungbunzlauer GmbH.

261    Em segundo lugar, a Jungbunzlauer alega que, durante toda a duração do acordo, a Jungbunzlauer GmbH perturbou consideravelmente o trabalho do acordo e reduziu os seus efeitos no mercado. Por conseguinte, ainda que tenha participado na maioria das reuniões do cartel, a Jungbunzlauer GmbH era considerada pelos outros membros do cartel como uma «desmancha‑prazeres».

262    A Jungbunzlauer indica que, durante a primeira fase do acordo, que se estendeu de Março de 1991 à primeira metade de 1993 (considerando 90 da decisão), a Jungbunzlauer GmbH tentou principalmente limitar a respectiva eficácia. A sua principal preocupação era evitar a aplicação de um mecanismo de compensação destinado a punir as violações de quotas. Tal é demonstrado pelo comportamento dos representantes da Jungbunzlauer GmbH na reunião realizada em Jerusalém em Maio de 1992, como esta já tinha descrito no seu ofício de 29 de Abril de 1999, na sua declaração de 21 de Maio de 1999 efectuada no âmbito da comunicação sobre a cooperação e na sua resposta à comunicação de acusações.

263    No que respeita à segunda fase do acordo, que se estendeu da segunda metade de 1993 a Maio de 1995 (considerando 91 da decisão), a Jungbunzlauer invoca que as partes em causa tiveram cada vez mais dificuldades em fazer respeitar os preços acordados. Sustenta que, além das importações provenientes da China, era a Jungbunzlauer GmbH que, devido à sua tentativa de sair do acordo, era a principal responsável por este estado de coisas.

264    Com efeito, segundo a Jungbunzlauer, como resulta do considerando 117 da decisão, desde o início de 1993, surgiram desacordos crescentes entre os membros do cartel, tendo a Jungbunzlauer GmbH sido identificada como a sua principal responsável, na medida em que não já não cumpria o acordo e recusava, segundo os outros membros do cartel, submeter‑se à disciplina. Isso é também confirmado pela acta da audição do FBI relativa à reunião de Chicago de Março de 1993. Do mesmo modo, alega que, como já tinha declarado à Comissão na sua carta de 29 de Abril de 1999, na sua declaração de 21 de Maio de 1999 efectuada no âmbito da comunicação sobre a cooperação e na sua resposta à comunicação de acusações, e como resulta também das declarações dos outros membros do cartel e da acta da audição do FBI, anexados à resposta à comunicação de acusações, nas diversas reuniões do cartel ocorridas entre 1993 e 1995, a Jungbunzlauer GmbH foi criticada pelos outros membros do cartel por se ter oposto a medidas anticoncorrenciais e por não ter aplicado alguns dos acordos celebrados. Por último, no início de 1995, a exclusão da Jungbunzlauer GmbH do cartel foi mesmo considerada e, dado que não se conseguiu chegar a uma solução, as actividades do cartel cessaram numa reunião realizada em 22 de Maio de 1995.

265    Em terceiro lugar, a Jungbunzlauer considera que a não aplicação efectiva dos acordos pela Jungbunzlauer GmbH se verifica também à luz dos preços praticados por esta sociedade. Refere‑se, com efeito, a quatro gráficos que também transmitiu à Comissão no âmbito da sua resposta à comunicação de acusações, nos quais tinha comparado os preços objectivo do cartel com os que a Jungbunzlauer GmbH aplicava efectivamente no mercado, Destes resulta, na sua opinião, que as ofertas da Jungbunzlauer GmbH se situavam, em geral, aquém dos preços objectivo e que esta «violou», por isso, em larga medida, os preços fixados pelo cartel e não unicamente de forma pontual. Contrariamente ao alegado pela Comissão, a Jungbunzlauer considera que estes gráficos não mostram um paralelismo entre os preços objectivo e os efectivamente praticados pela Jungbunzlauer GmbH.

266    A Comissão rejeita a argumentação invocada pela recorrente.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

267    No n.° 3, segundo travessão, das orientações, precisa‑se que uma diminuição do montante da coima a título de circunstâncias atenuantes é concedida, por exemplo, no caso de não aplicação efectiva dos acordos.

268    Para esse efeito, há que verificar se as circunstâncias avançadas pela recorrente são susceptíveis de demonstrar que, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, se subtraiu efectivamente à sua aplicação, adoptando um comportamento concorrencial no mercado (v., neste sentido, acórdãos Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141 supra, n.os 4872 a 4874, e Cheil Jedang/Comissão, n.° 252 supra, n.° 192).

269    É jurisprudência constante que o facto de uma empresa, cuja participação numa concertação com os seus concorrentes em matéria de preços está demonstrada, não se ter comportado no mercado em conformidade com o convencionado com os seus concorrentes não constitui necessariamente um elemento que deva ser tomado em consideração como circunstância atenuante. Com efeito, uma empresa que prossegue, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política mais ou menos independente no mercado pode simplesmente tentar utilizar o acordo em seu benefício (v., neste sentido, acórdão Cascades/Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 230, e Cheil Jedang/Comissão, n.° 252 supra, n.° 190).

270    De qualquer maneira, já se declarou, nos n.os 183 e 184, supra, que, no caso em apreço, houve um certo paralelismo entre os preços fixados pelo cartel e os praticados pela recorrente, ainda que estes últimos fossem, regra geral, mais baixos do que os primeiros. Nesta situação, a recorrente não pode validamente alegar em sua defesa que o acordo era contrário aos seus interesses económicos, que perturbou os trabalhos do cartel e reduziu a eficácia deste e que, em geral, facturou preços que se situavam aquém dos preços acordados.

271    Consequentemente, a Comissão não violou as suas orientações ao recusar conceder à recorrente o benefício de circunstâncias atenuantes pela não aplicação efectiva do acordo pela Jungbunzlauer GmbH.

B –  Quanto à violação do dever de fundamentação

272    A Jungbunzlauer considera, no essencial que a decisão não foi suficientemente fundamentada no que respeita tanto à não aplicação efectiva dos acordos como ao seu papel seguidista no cartel na medida em que a Comissão não tomou posição quanto aos diferentes argumentos que apresentou no procedimento administrativo.

273    A Comissão pede que o fundamento seja julgado improcedente.

274    O Tribunal de Primeira Instância recorda a jurisprudência acima referida no n.° 100 e conclui que, no considerando 284 da decisão, a Comissão considerou que «[o] simples facto de, a partir de 1994 em diante, a Jungbunzlauer ter assumido a responsabilidade pela recolha dos dados de vendas e de o seu [presidente do conselho de administração] ter presidido às reuniões do cartel [era] suficiente para demonstrar que o envolvimento da Jungbunzlauer no cartel [era] activo e ia muito mais longe do que está disposta a reconhecer».

275    Por outro lado, nos considerandos 218 e 219 da decisão, a Comissão apreciou e rejeitou a afirmação da recorrente segundo a qual esta não desempenhou um papel activo no cartel e não aplicou as suas decisões.

276    Além disso, no que respeita à não aplicação dos acordos, no considerando 285 da decisão, a Comissão referiu‑se à sua análise compreendida nos considerandos 212 a 218 desta mesma decisão, nos quais expôs de forma detalhada a aplicação dos acordos do cartel pelas partes em causa quanto ao preço do ácido cítrico, às quotas e aos mecanismos de compensação.

277    Consequentemente, ao contrário do que sustenta a recorrente, a decisão foi suficientemente fundamentada a este respeito.

V –  Quanto à omissão de consideração das coimas aplicadas noutros Estados

A –  Argumentos das partes

278    A Jungbunzlauer considera que, ao recusar ter em conta as coimas já aplicadas no âmbito dos processos instaurados nos Estados Unidos e no Canadá pela infracção às regras da concorrência destes países e ao reduzir o montante da coima aplicada na decisão em função desta circunstância, a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de apreciação.

279    A Jungbunzlauer refere que, no âmbito do processo instaurado nos Estados Unidos, o grupo Jungbunzlauer celebrou uma transacção judicial (Plea Agreement) com as autoridades da concorrência deste país, na qual se obrigou a pagar uma coima no montante de 11 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD). Ora, segundo os termos desta transacção, o acordo incidia não apenas na parte dos acordos relativos ao mercado dos Estados Unidos, mas também sobre a parte dos acordos que visavam a aplicação em países terceiros. Com efeito, nos n.os 2 e 4, alínea b), desta transacção, as autoridades americanas tiveram em conta no cálculo da coima o facto de se tratar de um acordo a nível mundial «nos Estados Unidos e fora deles». A Jungbunzlauer acrescenta que, neste contexto, as autoridades americanas aplicaram, pela primeira vez, uma coima mais elevada invocando, designadamente o carácter internacional dos acordos. Por conseguinte, o processo instaurado nos Estados Unidos tinha também por objecto todos os acordos e todos os actos das empresas em causa com vista à aplicação destes últimos na medida em que estes respeitavam ao mercado europeu. As operações descritas na comunicação de acusações e as suas repercussões no mercado europeu já foram, por conseguinte, punidas por uma coima.

280    Do mesmo modo, a Jungbunzlauer invoca o facto de também as autoridades canadianas competentes em matéria de concorrência terem instaurado um processo susceptível de conduzir à aplicação de uma coima nos termos do direito dos cartéis com base nos mesmos acordos. Numa transacção judicial (Plea Agreement) datada de 1998, o grupo Jungbunzlauer aceitou pagar uma coima de 2 milhões de dólares canadianos (CAD) (ou seja 1,2 milhões de euros) para pôr fim ao processo instaurado pelas autoridades canadianas com base nestes mesmos acordos.

281    Neste contexto, a Jungbunzlauer admite, à partida, que princípio ne bis in idem não se aplica enquanto tal no caso em apreço, uma vez que se trata de relações entre disposições penais comunitárias e nacionais. No entanto, segundo a Jungbunzlauer, em virtude do princípio geral de equidade reconhecido enquanto tal pelo juiz comunitário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1969, Walt Wilhelm e o., 14/68, Colect. 1969‑1970, p. 1, e do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Sotralentz/Comissão, T‑149/89, Colect., p. II‑1127, n.° 29), a Comissão devia ter tido em conta no caso em apreço, a ideia subjacente ao princípio ne bis in idem. A Jungbunzlauer sublinha que, no caso em apreço, se trata de um mercado mundial no qual os acordos do cartel tiveram repercussões internacionais e que as autoridades dos Estados Unidos e do Canadá aplicaram coimas pelos mesmos factos que a Comissão. Por conseguinte, na sua opinião, uma sanção aplicada pelas autoridades de um país terceiro deve influenciar o cálculo da coima da Comissão, pelo menos quando esta e as autoridades do terceiro Estado em questão conhecerem dos mesmos factos. Na literatura especializada, esta concepção é partilhada por um grande número de autores, incluindo certos antigos funcionários da Comissão. Além disso, segundo a Jungbunzlauer, no acórdão de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer/Comissão (7/72, Colect. 1972, p. 447, n.° 3), o Tribunal de Justiça visou o facto de se ter em conta as coimas aplicadas num Estado terceiro quando os factos imputados são idênticos. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, na fixação do montante da coima, não se devia ter em conta as coimas estrangeiras já aplicadas pela simples razão de que os factos não eram idênticos. Isso demonstra que essa consideração se impõe quando os factos são idênticos.

282    A seguir, a Jungbunzlauer alega que diversos objectivos prosseguidos pela aplicação de uma coima, entre os quais, designadamente, a dissuasão e a supressão do enriquecimento, já tinham sido atingidos através das sanções aplicadas nos países terceiros. Neste contexto, a Jungbunzlauer insiste mais particularmente no facto de que, no âmbito dos processos repressivos tanto nos Estados Unidos como no Canadá, a mesma foi, em razão dos recursos limitados de que dispunha, autorizada a liquidar o pagamento da coima em prestações ao longo de vários anos. O grupo Jungbunzlauer já tinha sido, por conseguinte, gravemente afectado na sua capacidade económica em resultado das coimas consideráveis que lhe foram aplicadas nos Estados Unidos e no Canadá. Consequentemente, a consideração das coimas já aplicadas impõe‑se mesmo do ponto de vista dos objectivos visados pela aplicação de uma coima.

283    Por último, segundo a Jungbunzlauer, a Comissão afirma incorrectamente que as autoridades dos Estados Unidos não têm competência para aplicar coimas por restrições da concorrência no território da Comunidade na medida em que resulta do texto da transacção celebrada com as autoridades americanas que estas não se limitaram às repercussões no mercado desse país.

284    A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

285    Importa recordar que o princípio non bis in idem proíbe que a mesma pessoa seja punida mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo interesse jurídico. A aplicação deste princípio está sujeita a três condições cumulativas, a saber, a identidade dos factos, a identidade do infractor e a identidade do interesse jurídico protegido (v., nesta acepção, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 132 supra, n.° 338).

286    O juiz comunitário admitiu, assim, que uma empresa pode ser objecto de dois processos paralelos por um mesmo comportamento ilícito e, portanto, de uma dupla sanção, uma da autoridade competente do Estado‑Membro em causa e a outra comunitária, na medida em que os referidos processos prosseguirem fins distintos e não exista identidade entre as normas violadas (acórdão Wilhelm e o., n.° 281 supra, n.° 11; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T‑141/89, Colect., p. II‑791, n.° 191, e Sotralentz/Comissão, n.° 281 supra, n.° 29).

287    Consequentemente, o princípio non bis in idem, por maioria de razão, não pode ser aplicável ao caso presente, uma vez que os processos instaurados e as sanções aplicadas pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades americanas e canadianas, por outro, não prosseguem manifestamente os mesmos objectivos. Com efeito, se no primeiro caso se trata de preservar uma concorrência não falseada no território da União Europeia ou no EEE, a protecção pretendida diz respeito, no segundo caso, ao mercado americano ou canadiano (v., nesta acepção, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 252 supra, n.° 134, e a jurisprudência neste referida). Não está, assim, preenchida a condição da identidade do interesse jurídico protegido, necessária para que o princípio non bis in idem se possa aplicar.

288    Portanto, o Tribunal considera que o princípio non bis in idem não se aplica ao caso em apreço. Este entendimento é concordante com a apreciação da Jungbunzlauer mencionada no n.° 281 supra.

289    A Jungbunzlauer considera contudo que, não obstante a não aplicação do princípio non bis in idem, a Comissão devia ter em conta, na determinação da coima, as coimas aplicadas pelas autoridades americanas e canadianas que conheceram dos mesmos factos. Segundo a Jungbunzlauer, esta exigência decorre tanto do princípio da equidade como da realização dos objectivos de uma coima que são a dissuasão e a eliminação do enriquecimento.

290    Quanto ao princípio da equidade, o Tribunal recorda que a possibilidade de um cúmulo de sanções, uma comunitária, outra nacional, na sequência de dois processos paralelos, com fins distintos, cuja admissibilidade resulta do sistema especial de repartição das competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros em matéria de acordos está sujeita a uma exigência de equidade. Esta exigência de equidade implica que, ao fixar o montante da coima, a Comissão seja obrigada a ter em conta as sanções que já foram aplicadas à mesma empresa pela prática do mesmo facto, quando se tratar de sanções aplicadas por infracções à regulamentação dos acordos de um Estado‑Membro e, consequentemente, praticadas no território comunitário (acórdãos Walt Wilhelm e o., n.° 281 supra, n.° 11, Tréfileurope/Comissão, n.° 286 supra, n.° 191, e Sotralentz, n.° 281 supra, n.° 29.

291    No entanto, a obrigação, segundo esta jurisprudência, de ter em conta a exigência de equidade resulta, por um lado, da estreita interdependência dos mercados nacionais dos Estados‑Membros e do mercado comum e, por outro, do sistema particular de repartição de competências entre a Comunidade e os Estados‑Membros em matéria de acordos num mesmo território.

292    Ora, no caso em apreço, estes elementos não se verificaram pelo que não se pode, nessa base, acusar a Comissão de ter violado essa obrigação.

293    Esta conclusão não é posta em causa pelo acórdão Boehringer/Comissão, n.° 281, supra, invocado pela Jungbunzlauer. Com efeito, nesse processo, o Tribunal de Justiça não indicou que a Comissão devia imputar uma sanção aplicada pelas autoridades de um Estado terceiro se os factos invocados no processo contra uma empresa, respectivamente pela Comissão e pelas referidas autoridades, forem idênticos, limitando‑se antes a indicar que essa questão deverá ser apreciada quando surja (acórdão Boehringer/Comissão, n.° 281 supra, n.° 3).

294    No caso em apreço, ainda que se deva considerar que o princípio da equidade obriga a Comissão a ter em conta as sanções aplicadas pelas autoridades de Estados terceiros quando os factos invocados contra uma empresa pela Comissão forem idênticos aos invocados por uma autoridade de um Estado terceiro contra essa mesma empresa, deve concluir‑se que a Jungbunzlauer não demonstrou que as autoridades americanas e canadianas se referiam a aplicações ou efeitos do acordo para além dos verificados no seu território respectivo.

295    Com efeito, a mera referência, na transacção celebrada com as autoridades americanas, ao facto de que o acordo visava produzir efeitos «nos Estados Unidos e fora deles», não demonstra que, no cálculo do montante da coima, as autoridades americanas tivessem em conta as aplicações ou os efeitos do acordo para além dos verificados no território americano, e, em particular, no EEE (v., nesta acepção, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 252 supra, n.° 143). Esta aplicação era, aliás, susceptível de usurpar a competência territorial da Comissão.

296    No que respeita à transacção celebrada com as autoridades canadianas, a Jungbunzlauer não forneceu prova de que, na determinação do montante da coima, essas autoridades tenham tido em conta as aplicações ou os efeitos do acordo para além dos verificados nesse país, e, em particular, no EEE.

297    Quanto ao efeito dissuasivo das coimas já aplicadas e à eliminação do enriquecimento resultante das coimas já aplicadas, o Tribunal de Primeira Instância recorda que o poder da Comissão para aplicar coimas às empresas que, deliberadamente ou por negligência, cometem uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE ou do artigo 82.° CE constitui um dos meios que lhe foram atribuídos com vista a permitir‑lhe cumprir a missão de vigilância que o direito comunitário lhe confere. Esta missão inclui o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 199 supra, n.° 105).

298    Daí decorre que a Comissão tem o poder de decidir do nível do montante das coimas, com vista a reforçar o seu efeito dissuasor, quando infracções de determinado tipo sejam ainda relativamente frequentes, não obstante a sua ilegalidade já ter ficado demonstrada desde o início da política comunitária em matéria de concorrência, em função do benefício que algumas das empresas interessadas podem delas retirar (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 199 supra, n.° 108).

299    A Jungbunzlauer não pode alegar validamente que uma eliminação do enriquecimento da empresa em razão das coimas já aplicadas justifica necessariamente uma redução da coima aplicada a nível comunitário, na medida em que incumbe à Comissão garantir o efeito dissuasivo das coimas aplicadas.

300    Além disso, a Jungbunzlauer não pode alegar validamente que não se impõe qualquer dissuasão a seu respeito pelo facto de já ter sido condenada pelos mesmos factos por órgãos jurisdicionais de Estados terceiros. Com efeito, o objectivo de dissuasão prosseguido pela Comissão refere‑se à conduta das empresas na Comunidade ou no EEE. Consequentemente, o carácter dissuasivo de uma coima aplicada à Jungbunzlauer por uma violação das regras comunitárias da concorrência não pode ser determinado nem em função somente da situação particular da Jungbunzlauer nem em função do seu respeito pelas regras da concorrência existentes em Estados terceiros fora do EEE (v., nesta acepção, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 252 supra, n.os 146 e 147).

301    Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento relativo à não consideração das coimas aplicadas noutros Estados.

VI –  Quanto ao limite máximo do montante das coimas previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17

A –  Introdução

302    A Jungbunzlauer refere que, no considerando 293 da decisão, a Comissão reduziu o montante das coimas para a Cerestar e a H & R a fim de respeitar o limite máximo do montante da coima previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. A Jungbunzlauer considera que, neste contexto, a Comissão cometeu erros de apreciação e violações do princípio da igualdade de tratamento e do dever de fundamentação.

303    A Jungbunzlauer articula os presentes fundamentos em três partes, relativas ao facto de, no seu cálculo relativo ao limite do montante das coimas previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão, em primeiro lugar, recusar ter em conta as coimas aplicadas no âmbito do processo designado «Gluconato de sódio», em segundo lugar, ter tomado em consideração o volume de negócios da Jungbunzlauer Holding AG e, em terceiro lugar, não ter tido em conta as coimas aplicadas noutros Estados.

B –  Quanto à recusa de ter em conta as coimas aplicadas no âmbito do processo designado «Gluconato de sódio»

1.     Argumentos das partes

304    A Jungbunzlauer considera que a Comissão violou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 na medida em que não teve em conta, para o respeito do limite máximo do montante das coimas previsto pela referida disposição, a coima que já lhe tinha aplicado cerca de dois meses antes da adopção da decisão no âmbito do processo «Gluconato de sódio». Refere o facto de que, se a Comissão tivesse adicionado as duas coimas, a aplicação do limite máximo do montante das coimas previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 conduziria a uma redução da coima aplicada.

305    Segundo a Jungbunzlauer, a Comissão separou artificialmente estes dois processos. Com efeito, segundo a Jungbunzlauer, o ácido cítrico e o gluconato de sódio constituem produtos aparentados e pertencem à mesma família de produtos, uma vez que a matéria‑prima é a mesma para os dois produtos, que os processos de produção são amplamente idênticos, que os dois produtos são, em grande parte, vendidos através dos mesmos canais de distribuição e que os adquirentes são os mesmos tanto para o ácido cítrico como para o gluconato de sódio.

306    A circunstância de existir uma diferença entre os círculos de participantes dos dois processos não é muito convincente, na medida em que a junção das duas situações de facto não pode depender da decisão individual de uma empresa de produzir ou de não produzir um produto determinado. Além disso, contrariamente ao sustentado pela Comissão, uma comparação entre os dois períodos da infracção nos dois processos é favorável à adopção de uma decisão única para estes dois processos. A Jungbunzlauer acrescenta que as autoridades competentes dos Estados Unidos e do Canadá apensaram estes processos no âmbito de um processo único e aplicaram uma só coima para as infracções relativas aos dois produtos. Por último, a Jungbunzlauer considera que a decisão «Vitaminas», no âmbito da qual a Comissão tratou conjuntamente oito acordos, numa única decisão, demonstra que um agrupamento processual de acusações independentes no âmbito do direito dos cartéis corresponde a uma prática corrente.

307    A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

308    Por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão pode aplicar às empresas e associações de empresas coimas num montante que não exceda 10% do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção.

309    No caso em apreço, a recorrente acusa a Comissão de ter artificialmente separado o caso em apreço daquele no qual foi adoptada a decisão «Gluconato de sódio».

310    Ora, resulta de vários considerandos da decisão e da decisão «Gluconato de sódio» que, em 2001, a Comissão aplicou à recorrente duas coimas, uma vez que esta violou as regras da concorrência ao participar em dois acordos que tinham por objecto produtos diferentes que, ainda que se aproximassem quanto a algumas das suas aplicações, constituíam dois mercados distintos em causa. Com efeito, como resulta dos considerandos 34 a 39 da decisão «Gluconato de sódio», o ácido cítrico não constitui um produto de substituição geral, mas apenas um substituto parcial do gluconato de sódio, consoante o domínio de aplicação. O Tribunal considera que esta apreciação da Comissão não está incorrecta e que, portanto nesta situação, foi por razões objectivas – e não artificiais, como afirma a recorrente – que a Comissão abriu dois procedimentos diferentes, concluiu pela existência de duas infracções distintas e aplicou, de forma independente, duas coimas distintas relativas a estas duas infracções.

311    Deste ponto de vista, contrariamente ao alegado pela recorrente a Comissão não actuou de forma diferente em relação ao processo «Vitaminas». Com efeito, embora, neste último processo, a Comissão tivesse apensado os procedimentos relativos aos acordos sobre o mercado das vitaminas e adoptado uma decisão única, não é menos verdade que concluiu pela existência de infracções distintas para cada uma das vitaminas em causa e puniu as empresas em causa através da aplicação de oito coimas autónomas.

312    Por outro lado, deve concluir‑se que, entre os cinco produtores de ácido cítrico destinatários da decisão, apenas dois participaram no acordo no sector do gluconato de sódio, designadamente a recorrente e a ADM. Além disso, o acordo no sector do gluconato de sódio existiu de 1987 a Junho de 1995, enquanto o relativo ao sector do ácido cítrico não durou mais do que de Março de 1991 a Maio/Junho de 1995, e os membros dos dois cartéis não tinham nem um projecto nem um objectivo comum que visasse a eliminação coordenada e global da concorrência nos dois mercados em causa.

313    Por último, o facto, referido pela recorrente, de as autoridades da concorrência dos Estados Unidos e do Canadá terem apensado os processos relativos ao ácido cítrico e ao gluconato de sódio é desprovido de relevância para a apreciação da legalidade da medida adoptada pela Comissão no que respeita ao limite previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

314    Consequentemente, deve julgar‑se improcedente a primeira parte deste fundamento, relativa à recusa de ter em conta as coimas aplicadas na decisão «Gluconato de sódio» para efeitos do limite previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

C –  Quanto à consideração do volume de negócios da Jungbunzlauer Holding AG

1.     Introdução

315    No que respeita à consideração do volume de negócios da Jungbunzlauer Holding AG, a recorrente invoca fundamentos relativos à violação do princípio da igualdade de tratamento, em primeiro lugar, e do dever de fundamentação, em segundo, e, em terceiro lugar, um fundamento relativo a um erro de apreciação.

2.     Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

316    A Jungbunzlauer alega que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento na medida em que teve em conta, relativamente ao respeito do limite máximo do montante das coimas previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o volume de negócios do grupo Jungbunzlauer enquanto que, no que respeita às duas outras partes destinatárias da decisão, designadamente a H & R e a Cerestar, não tomou em consideração os volumes de negócios realizados pelas suas sociedades‑mães nem as participações detidas por estas últimas.

317    A Jungbunzlauer sublinha que não contesta a justeza do cálculo aplicado pela Comissão no caso da H & R e da Cerestar, apesar de, na sua opinião, ao proceder deste modo, a Comissão se ter desviado do método de cálculo aplicado até então. Com efeito, ao referir‑se às decisões «Gluconato de sódio» e «Vitaminas», a Jungbunzlauer considera que a prática decisória anterior da Comissão consistiu em integrar no cálculo do limite da coima em função do volume de negócios global das empresas em causa, previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, o volume de negócios realizado pelo grupo, isto é pela ou pelas sociedades‑mães e pelas filiais por ela ou elas detidas. A Jungbunzlauer alega que a Comissão lhe devia ter concedido este mesmo tratamento mais favorável.

318    No que respeita ao tratamento dado à H & R, a Jungbunzlauer observa que resulta dos considerandos 292 e 293 da decisão que a Comissão se baseou apenas no volume de negócios realizado pelas participações da H & R e que, em razão desta escolha, reduziu a coima de 122,5 para 20,31 milhões de euros. Ora segundo a Jungbunzlauer, se a Comissão tivesse aplicado a sua prática anterior, não teria sido necessário proceder a esta redução. A Jungbunzlauer deduz, com efeito, dos considerandos 25 e seguintes, 50, 183 e 243 da decisão que, em 2000, a H & R pertencia ao grupo Bayer que, durante esse ano, realizou um volume de negócios de 30 971 milhões de euros.

319    Quanto ao tratamento dado à Cerestar, a Jungbunzlauer observa que, sem apresentar razões específicas, a Comissão reduziu a coima de 4,55 para 1,75 milhões de euros. A Jungbunzlauer declara supor, a este respeito, que a Comissão se baseou no volume de negócios realizado pela Cerestar, indicado no considerando 21 da decisão. Ora, segundo a Jungbunzlauer, em 2000, a Cerestar pertencia ao grupo Eridania‑Béghin‑Say que, durante esse mesmo ano, realizou um volume de negócios de 98 053 milhões de euros (considerando 19).

320    Em contrapartida, a Jungbunzlauer recorda que, no que respeita ao seu caso, a Comissão reportou‑se ao volume de negócios realizado pelo grupo Jungbunzlauer (considerandos 50, 185 e 293 da decisão). Ora, de acordo com a Jungbunzlauer, se a Comissão lhe tivesse aplicado o mesmo método de cálculo que aplicou à H & R e à Cerestar, apenas deveria ter tido em conta o volume de negócios da Jungbunzlauer, que enquanto sociedade de gestão realizou unicamente um volume de negócios pouco significativo (cerca de 3,5 milhões de euros). Tal conduziria, por conseguinte, nos termos do limite máximo de 10%, a uma redução considerável da coima (cerca de 0,35 milhões de euros). A Jungbunzlauer acrescenta que, se a Comissão se tivesse reportado ao volume de negócios da Jungbunzlauer GmbH – em 2000, a Jungbunzlauer GmbH realizou um volume de negócios de apenas 197,3 milhões de euros – que, na sua opinião, devia ter sido a destinatária da decisão, o montante definitivo teria passado de 29,4 a 19,73 milhões de euros.

321    A Comissão rejeita a argumentação da Jungbunzlauer.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

322    Importa recordar que o princípio da igualdade de tratamento se opõe a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente ou que situações diferentes sejam tratadas de igual maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (v. acórdão BPB de Eendracht/Comissão, n.° 88 supra, n.° 309, e a jurisprudência aí referida).

323    No caso em apreço, resulta dos considerandos 30, 34 e 187 da decisão, sem impugnação da Jungbunzlauer, que a infracção foi cometida pelas empresas que, consecutivamente, foram responsáveis pela gestão do grupo Jungbunzlauer no seu conjunto, designadamente a Jungbunzlauer GmbH e, após a reestruturação do grupo, a Jungbunzlauer. Os quadros dirigentes do grupo Jungbunzlauer participaram nas reuniões do cartel e tomavam as decisões relativas à participação do grupo no acordo e ao seu comportamento no âmbito deste.

324    Em contrapartida, a Jungbunzlauer nem sequer procura demonstrar que a situação das outras duas sociedades, designadamente a H & R e a Cerestar, era comparável à sua própria situação. Por conseguinte, não demonstrou que, no presente caso, a situação na qual se encontravam estas duas outras empresas era comparável à sua.

325    Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser julgado improcedente.

3.     Quanto à violação do dever de fundamentação

326    A Jungbunzlauer acusa a Comissão de não ter apresentado elementos suficientes quanto às razões pelas quais não reduziu o montante da sua coima nos termos do limite previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, só na contestação a Comissão apresentou uma explicação para o tratamento diferente entre a Jungbunzlauer e a H & R e a Cerestar.

327    A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

328    O Tribunal de Primeira Instância observa que, nos considerandos 30 a 34, 187 e 188, a Comissão apresentou as razões pelas quais imputou a infracção à Jungbunzlauer enquanto empresa de gestão do grupo. Uma leitura de todos os considerandos da decisão permite portanto sem dificuldades compreender as razões pelas quais a Comissão, contrariamente ao que fez no caso da H & R e da Cerestar, não reduziu o montante da coima nos termos do limite do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Portanto, não era, de modo nenhum, obrigada a expor novamente estas razões na parte da decisão relativa à aplicação desse limite.

329    Consequentemente, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação também deve ser julgado improcedente.

4.     Quanto à inexistência de um erro de apreciação relativo ao facto de a Comissão ter recusado ter em conta as coimas aplicadas noutros Estados

330    A Jungbunzlauer alega que, para calcular o limite máximo das coimas nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, deve adicionar‑se o montante da coima aplicado ao grupo Jungbunzlauer nos Estados Unidos e no Canadá (10,9 milhões de euros) ao aplicado pela Comissão (29,4 milhões de euros antes de aplicação da comunicação sobre a cooperação). Obtém‑se, assim, um montante total de 40,3 milhões de euros, que ultrapassa largamente o limite em questão.

331    A Comissão rejeita esta argumentação.

332    O Tribunal de Primeira Instância considera que resulta do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 que o limite das coimas aí fixado se aplica unicamente às coimas aplicadas pela Comissão para as infracções cometidas à luz das regras comunitárias da concorrência. Esta interpretação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 é, além disso, coerente com o que acima se declarou nos n.os 285 a 301, designadamente que a Comissão não violou o princípio ne bis in idem ao aplicar à Jungbunzlauer uma coima sem ter em conta a coima já paga por esta última no âmbito dos processos instaurados em países terceiros.

333    Por conseguinte, a Jungbunzlauer acusa incorrectamente a Comissão de não ter tido em conta as coimas aplicadas à Jungbunzlauer nos Estados Unidos e no Canadá para o cálculo do limite das coimas previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

334    Consequentemente, esta parte do fundamento e todo o fundamento devem ser julgados improcedentes.

VII –  Quanto à violação do direito de acesso ao processo

A –  Argumentos das partes

335    A Jungbunzlauer considera que a Comissão violou o seu direito de acesso à integralidade do processo na medida em que baseou a decisão em certos documentos em relação aos quais não a ouviu. Em razão destes vícios de procedimento, deve‑se, segundo a Jungbunzlauer, anular a decisão ou, em qualquer caso, a parte desta última que se refere a documentos aos quais a recorrente não teve acesso.

336    Segundo a Jungbunzlauer, a Comissão tem a obrigação de facultar às empresas em causa o acesso na íntegra ao processo instrutor a fim de que estas possam defender‑se de forma apropriada das acusações contra elas formuladas na comunicação de acusações (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C‑51/92 P, Colect., p. I‑4235, n.° 54, e acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 144). O direito de acesso ao processo existe também quando se trate das respostas das outras empresas em causa à comunicação de acusações (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141 supra, n.os 384 e segs.). O direito de acesso à totalidade do processo respeita não apenas aos documentos de acusação como aos elementos de defesa. Se, segundo a Jungbunzlauer não se pode excluir que a defesa das empresas em causa tenha sido afectada pelo facto de terem tido um acesso incompleto aos documentos do processo de instrução, a decisão deve ser anulada (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141 supra, n.os 156 e segs.). Invocando as conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão (C‑310/93 P, Colect., pp. I‑865, I‑987, n.os 119 e 120) bem como ao despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Abril de 2002, Technische Glaswerke Illmenau/Comissão (T‑198/01 R, Colect., p. II‑2153, n.os 85 e segs.), a Jungbunzlauer considera que não devem ser exigidos requisitos elevados no que respeita à prova de que o carácter incompleto do acesso ao processo restringiu as possibilidades de defesa da empresa.

337    No caso em apreço, a Jungbunzlauer acusa a Comissão de não lhe ter comunicado as respostas da Cerestar, da H & R, da HLR e da ADM à comunicação de acusações. A Jungbunzlauer refere que, nas notas de pé de página n.° 113 (considerando 217), n.° 118 (considerando 220) e n.° 119 (considerando 223) da decisão, a Comissão citou extractos dos referidos documentos que se referiam, designadamente, à aplicação efectiva dos acordos.

338    Ora, primeiramente, estes documentos podiam ter‑lhe sido úteis para a sua defesa, na medida em que provavam as suas próprias afirmações.

339    Em segundo lugar, a Jungbunzlauer alega que, nos considerandos 279 e 281 da decisão, a Comissão utilizou em seu favor determinadas partes das respostas da H & R e da HLR à comunicação de acusações respeitantes ao papel de seguidor da Jungbunzlauer GmbH.

340    A Jungbunzlauer acrescenta que, no procedimento administrativo a Comissão solicitou às partes que lhe transmitissem as versões não confidenciais da sua resposta à comunicação de acusações. Por conseguinte, a Comissão podia, sem despesas administrativas suplementares, dar às partes em causa acesso a estes documentos.

341    A Comissão pede que o fundamento seja julgado improcedente.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

1.     Introdução

342    A recorrente censura a Comissão por não ter tido acesso às respostas das partes em causa à comunicação de acusações, quando, por um lado, na decisão, a Comissão utilizou determinadas informações contidas nestas respostas como documentos contra a recorrente e, por outro, outras informações como documentos em seu favor.

2.     Quanto aos elementos de acusação

343    A partir do momento em que a Comissão tenciona basear‑se numa passagem de uma resposta à comunicação de acusações ou num documento anexo a essa resposta para concluir pela existência de uma infracção num processo de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, deve ser dada às outras partes no processo a possibilidade de se pronunciarem sobre esse elemento de prova. Nestas circunstâncias, a passagem em questão de uma resposta à comunicação de acusações ou o documento anexo a essa resposta constitui, na verdade, um elemento de acusação contra as diferentes partes que participaram na infracção (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 386, e a jurisprudência aí referida).

344    Assim, incumbe à empresa em questão demonstrar que o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão teria sido diferente se for rejeitado como meio de prova da acusação um documento não comunicado no qual a Comissão se tenha baseado para incriminar essa empresa (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 132 supra, n.os 71 a 73).

345    No caso em apreço, a recorrente alega que, nos considerandos 279 e 281 da decisão, a Comissão utilizou contra a recorrente determinadas partes das respostas da H & R e da HLR à comunicação de acusações respeitantes ao papel da Jungbunzlauer GmbH no acordo.

346    A este respeito, importa concluir que depois de ter resumido os argumentos da recorrente relativos às circunstâncias atenuantes que considerava poder alegar pelo seu papel exclusivamente passivo ou seguidista (considerandos 275 a 278 da decisão) e antes de apresentar uma resposta a estes argumentos (considerandos 282 e 284), a Comissão resumiu as declarações feitas pela H & R e pela HLR na sua resposta à comunicação de acusações (considerandos 279 a 281). Nestas declarações, estas partes contestaram, no essencial, que a recorrente tivesse desempenhado um papel exclusivamente passivo ou seguidista no acordo.

347    No entanto, sem que seja necessário examinar se os princípios enunciados acima nos n.os 343 e 344 se aplicam à análise relativa não apenas à existência de um acordo e à participação neste, mas também à fixação do montante das coimas, importa observar que, para rejeitar os argumentos da recorrente quanto ao benefício das circunstâncias atenuantes pelo seu papel exclusivamente passivo ou seguidista, a Comissão podia, com legitimidade, apoiar‑se exclusivamente nas informações que esta parte lhe forneceu no procedimento administrativo.

348    Com efeito, no considerando 284 da decisão, a Comissão considerou unicamente em apoio da sua conclusão o facto de que «a partir de 1994 em diante, a Jungbunzlauer [tinha] assumido a responsabilidade pela recolha dos dados de vendas e de [que] o seu [presidente do conselho de administração] [tinha] presidido às reuniões do cartel [o que] [era] suficiente para demonstrar que o envolvimento da Jungbunzlauer no cartel [era] activo e ia muito mais longe do que está disposta a reconhecer». Ora, a própria recorrente tinha fornecido estas informações à Comissão tanto na sua carta de 29 de Abril de 1999 como na de 21 de Maio de 1999.

349    Por conseguinte, o resultado a que a Comissão chegou na sua decisão não teria sido diferente se as respostas da H & R e da HLR à comunicação de acusações fossem afastadas do processo.

350    Consequentemente, esta parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

3.     Quanto aos elementos de defesa

351    Em contrapartida, quanto à não comunicação de um documento de defesa, a empresa em causa deve demonstrar unicamente que a sua não divulgação pôde influenciar, em seu prejuízo, o processo e o conteúdo da decisão da Comissão. Basta que a empresa demonstre que poderia ter feito uso dos referidos documentos de defesa, no sentido de que, se os pudesse ter invocado durante o procedimento administrativo, teria podido invocar elementos que não concordavam com as deduções feitas nessa fase pela Comissão e, consequentemente, teria podido influenciar, de uma maneira ou de outra, as apreciações feitas por esta última na eventual decisão, pelo menos no que respeita à gravidade e à duração do comportamento que lhe era imputado, e, portanto, o nível da coima. Neste contexto, a possibilidade de que um documento não divulgado tenha podido influenciar o processo e o conteúdo da decisão da Comissão só pode ser provada através de um exame provisório de determinados meios de prova, do qual resulte que os documentos não divulgados podiam ter tido – em relação a esses meios de prova – uma importância que não deveria ter sido menosprezada (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 132 supra, n.os 74 a 76).

352    A recorrente invoca, em primeiro lugar, que, na nota de pé de página n.° 113 (considerando 217) da decisão, a Comissão se reportou à parte da resposta à comunicação de acusações da Cerestar na qual, a respeito da aplicação efectiva do acordo, esta declarou ter recusado aderir a determinados acordos de fixação de preços e, a partir de Janeiro de 1992, ter sempre praticado preços inferiores aos dos outros produtores. Segundo a recorrente, estas declarações da Cerestar podiam ter‑lhe sido úteis para a sua própria defesa, na medida em que provavam a sua própria argumentação quanto ao impacto concreto do acordo no mercado.

353    Ora, o simples facto de a Cerestar ter avançado, no essencial, os mesmos argumentos que a recorrente quanto ao alegado desrespeito das regras acordadas não pode constituir um elemento de defesa.

354    Em primeiro lugar, há que observar que, no considerando 218 da decisão, a Comissão rejeitou a argumentação apresentada pela Cerestar e pela recorrente baseando‑se, em particular, numa declaração da ADM, anexa à comunicação de acusações. Segundo esta declaração da ADM, a recorrente desempenhou um papel activo no acordo e procurou obter uma certa estabilidade no mercado. Além disso, no considerando 219 da decisão, a Comissão invocou a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual uma empresa que prossegue, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política mais ou menos independente no mercado pode simplesmente tentar utilizar o acordo em seu benefício. Ora, uma simples evocação da jurisprudência não pode constituir um elemento de acusação, na medida em que esta última é, de qualquer modo, pública e acessível, independentemente dos documentos de um processo administrativo particular.

355    Em segundo lugar, o simples facto de a ADM e a Cerestar terem invocado os mesmos argumentos que a recorrente e de uma delas ter utilizado mais recursos na sua defesa não é suficiente para considerar estes argumentos «elementos de defesa».

356    Consequentemente, ainda que a recorrente pudesse invocar essa parte da resposta à comunicação de acusações da Cerestar no procedimento administrativo, isso não teria influência nas apreciações efectuadas pela Comissão.

357    Em segundo lugar, a recorrente invoca o facto de que, nas notas de pé de página n.° 118 (considerando 220) e n.° 119 (considerando 223) da decisão, a Comissão se referiu, por um lado, à resposta à comunicação de acusações da H & R e, por outro, a um relatório especializado fornecido pela ADM. Estes dois documentos, segundo a recorrente, também lhe teriam permitido aprofundar a sua própria argumentação quanto à inexistência de impacto concreto do acordo.

358    Ora, como já acima se observou, a Comissão baseou‑se em vários elementos, entre os quais certas provas documentais, e podia com razão considerar, no considerando 226 da decisão, que, embora os argumentos apresentados nesses documentos tivessem um determinado valor, não provavam a inexistência de impacto concreto do acordo no mercado.

359    Por conseguinte, mesmo se a recorrente tivesse podido invocar esses documentos no procedimento administrativo, as apreciações efectuadas pela Comissão não teriam podido ser influenciadas por esses documentos.

360    À luz de todas as considerações precedentes, o fundamento relativo à violação do direito de acesso ao processo deve ser julgado improcedente.

VIII –  Quanto ao alcance da duração do procedimento administrativo no montante da coima

A –  Introdução

361    A Jungbunzlauer refere que a decisão só foi adoptada seis anos e meio após o termo da infracção. Em particular, o período decorrido entre o termo da infracção e a abertura formal do procedimento, em 28 de Março de 2000, foi muito longo. Segundo a mesma, esta circunstância influenciou duplamente a fixação do montante da coima.

B –  Quanto ao facto de a Comissão ter tomado em conta o volume de negócios realizado pelas empresas em causa em 2000

1.     Argumentos das partes

362    Tomando como referência o quadro inserido no considerando 50 da decisão, a Jungbunzlauer observa que, para ter em conta, no âmbito do cálculo do montante da coima, a dimensão das empresas em causa e dos grupos nos quais estas foram repartidas, a Comissão não teve em conta o montante do volume de negócios relativo ao período durante o qual o acordo existiu (1991 a 1995), antes se baseando, a este respeito, no volume de negócios de 2000. Ora, a Jungbunzlauer assinala que, após o termo da infracção em 1995, o seu volume de negócios aumentou de forma considerável: em 1995, o grupo Jungbunzlauer apenas realizou 76,3% do seu volume de negócios actual e, de 1999 a 2000, o volume de negócios do grupo aumentou em 13,5 %.

363    A Jungbunzlauer alega que, nas orientações, a Comissão indicou que teria em conta a «capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores» (n.° 1 A, quarto parágrafo). Neste contexto, a Comissão apenas podia basear‑se na dimensão das empresas em causa no momento da infracção, uma vez que esta informação era a única que permitia responder a esta questão e que a importância do volume de negócios realizado por estas numa época bastante mais tardia não tinha qualquer valor.

364    Além disso, o método de cálculo escolhido pela Comissão tem como efeito favorecer injustamente as empresas que beneficiaram do acordo e que, após o termo do acordo, tiveram que fazer face a uma diminuição considerável do seu volume de negócios. Em contrapartida, as empresas que como a Jungbunzlauer, realizaram um aumento do seu volume de negócios após o termo do acordo foram injustamente desfavorecidas, o que constitui um resultado absurdo.

365    A Jungbunzlauer considera que a Comissão responde incorrectamente a este argumento que, se tivesse aplicado uma coima numa época anterior, a Jungbunzlauer teria sido afectada pela coima de uma forma ainda mais dura. Com efeito, se a Comissão tivesse adoptado a sua decisão numa época anterior a 2001, a coima teria sido consideravelmente inferior.

366    A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

367    Importa recordar que a aplicação do coeficiente multiplicador se destina a assegurar um efeito dissuasivo à coima. Este efeito permite ter em conta a dimensão e os recursos globais das empresas em causa no momento em que a coima é aplicada.

368    Mesmo admitindo, como alega a recorrente, que o volume de negócios global das partes em causa tivesse tido uma evolução entre o termo do acordo e 2000, não é menos verdade que, ao aplicar às coimas, tal como foram calculadas para a ADM, a HLR e a H & R, um coeficiente multiplicador de, respectivamente, 2 e 2,5, a Comissão não teve em conta um cálculo muito preciso baseado nesses volume de negócios, antes afirmando que existia, relativamente a estes volume de negócios, uma diferença de ordem de grandeza. Ora, a recorrente nem sequer alega que esta diferença essencial de ordem de grandeza mudou entre 1995 e 2000.

369    Por conseguinte, contrariamente ao alegado pela recorrente, ao basear‑se no volume de negócios realizado pelas empresas em causa em 2000 para modular o montante das coimas, a Comissão não violou nem as orientações nem o princípio da igualdade de tratamento.

370    Consequentemente, os fundamentos invocados pela recorrente devem ser julgados improcedentes.

C –  Quanto ao facto de a Comissão ter endurecido a sua política em matéria de coimas

1.     Argumentos das partes

371    A Jungbunzlauer alega que, ao adoptar a decisão e, de forma mais geral, em 2001, a Comissão endureceu muito substancialmente a sua política em matéria de concorrência. Ora, segundo a Jungbunzlauer, em razão da duração anormalmente longa do procedimento no caso em apreço, foi‑lhe aplicada uma coima correspondente à nova prática mais dura da Comissão. Em contrapartida, se o procedimento tivesse sido encerrado mais cedo, a recorrente podia beneficiar da prática decisória anterior que era muito mais vantajosa para as empresas em causa.

372    A Jungbunzlauer considera que a duração anormalmente longa do procedimento é confirmada por uma comparação com as decisões «Aminoácidos» e «Vitaminas». Com efeito, segundo a Jungbunzlauer, estes dois outros processos foram tratados de modo muito mais rápido do que o presente processo: no processo «Aminoácidos», o acordo terminou no fim de 1995 e a decisão foi adoptada só cinco anos mais tarde; no processo «Vitaminas», o acordo terminou na Primavera de 1999 e a decisão foi adoptada apenas dois anos e nove meses mais tarde. No presente processo, em contrapartida, a decisão só foi adoptada seis anos e meio após o termo definitivo dos acordos. Tal é tanto mais surpreendente quanto, em comparação com outros processos, o caso em apreço era muito menos complicado, tanto de um ponto de vista material como processual.

373    A Jungbunzlauer entende que, de forma perfeitamente realista, o procedimento devia ter terminado em dois ou três anos. Além disso, considera que, se o procedimento tivesse sido encerrado antes, por um lado, os critérios considerados teriam sido muito menos severos do que os aplicados na adopção da decisão e, por outro, a decisão podia até ter sido adoptada antes da publicação das orientações pelo que teria sido aplicável o antigo método de cálculo.

374    Segundo a Jungbunzlauer, a diferença da duração de tratamento destes processos apenas se pode explicar pela atribuição de um nível de prioridade a estes últimos. A Jungbunzlauer não contesta que a Comissão possa fixar prioridades em função da importância atribuída aos processos sob o ângulo da política da concorrência. No entanto, tal não pode conduzir a que a uma empresa, em causa num processo menos prioritário, seja aplicada uma coima superior à de outras empresas envolvidas em processos prioritários. Além disso, esta maneira de proceder é contraprodutiva à luz do objectivo de dissuasão das coimas.

375    A Comissão rejeita a argumentação da recorrente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

376    A recorrente considera, no essencial, que se o processo de instrução pela Comissão tivesse sido encerrado antes, teria beneficiado de uma prática decisória anterior e de critérios para a determinação do montante da coima menos severos. Precisa que a decisão podia até ter sido adoptada antes da publicação das orientações pelo que teria podido beneficiar do antigo método de cálculo dos montantes das coimas.

377    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância recorda que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa em qualquer altura adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v. acórdão LR AF 1998/Comissão, n.° 88 supra, n.° 237, e a jurisprudência aí referida). Consequentemente, a recorrente não pode invocar o benefício de uma prática decisória anterior unicamente com base em que a decisão que lhe diz respeito também podia ter sido adoptada anteriormente.

378    Por outro lado, e de qualquer modo, o Tribunal observa que a prática decisória da Comissão para a determinação do montante da coima na decisão emana da aplicação de critérios definidos nas orientações.

379    O Tribunal recorda, além disso, que, em Agosto de 1995, a Comissão foi informada pelo Departamento de Justiça americano de que este tinha aberto uma investigação relativa ao mercado do ácido cítrico. Em Abril de 1997, a Comissão foi informada pelo Departamento de Justiça americano de que a recorrente tinha participado num acordo nos Estados Unidos. Por último, em Agosto de 1997, a Comissão enviou pedidos de informações aos quatro principais produtores de ácido cítrico da Comunidade, entre os quais a Jungbunzlauer GmbH.

380    Atendendo a estes elementos, o Tribunal de Primeira Instância refere que a simples comunicação de informações à Comissão pelas autoridades da concorrência de países terceiros não pode originar uma obrigação para esta de iniciar a instrução de um processo. Com efeito, a missão geral de vigilância em matéria de concorrência confiada à Comissão por força do artigo 85.° CE não implica a obrigação de a Comissão, instaurar processos para provar eventuais violações do direito comunitário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P, C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.os 447 e 448, e do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T‑24/90, Colect., p. II‑2223, n.° 74). Consequentemente, não pode existir uma obrigação de a Comissão iniciar a instrução de um processo com base em informações fornecidas pelo Departamento de Justiça americano.

381    No entanto, embora a Comissão não possa ser obrigada a instaurar um procedimento na sequência de informações comunicadas pelas autoridades da concorrência de países terceiros, a Comissão pode, contudo, por sua própria iniciativa, instaurar este procedimento na sequência das referidas informações. Assim, no caso em apreço, a Comissão iniciou um procedimento pouco tempo após a comunicação da informação segundo a qual a recorrente tinha participado num acordo nos Estados Unidos. Portanto, o Tribunal considera que, no caso em apreço, não se pode censurar à Comissão não ter iniciado a instrução do processo antes de Agosto de 1997.

382    Além disso, o Tribunal refere que a recorrente é de opinião que uma instrução pela Comissão de dois a três anos para o presente processo é perfeitamente realista.

383    Por conseguinte, ainda que viesse a admitir que, no caso em apreço, a instrução do processo pela Comissão não podia ter durado mais do que três anos, como alega a recorrente, as orientações publicadas em 14 de Janeiro de 1998 teriam sido, com toda a probabilidade, tomadas em consideração pela Comissão para o cálculo do montante da coima da recorrente.

384    Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância considera que a recorrente não demonstra que, sem o alegado atraso no tratamento do presente processo pela Comissão, teria beneficiado dos critérios de determinação do montante da coima e, portanto, de uma prática decisória, anteriores aos plasmados nas orientações.

385    Importa, por conseguinte, julgar improcedente o argumento da recorrente relativo ao facto de lhe terem sido aplicados princípios e uma prática mais severos para a determinação do montante da coima, em razão de um alegado atraso no exame do processo pela Comissão.

386    Nenhum dos fundamentos invocados contra a decisão foi julgado procedente, pelo que não há que reduzir o montante da coima ao abrigo da competência de plena jurisdição atribuída ao Tribunal de Primeira Instância. Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

387    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida e o interveniente pedido a condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

388    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, as Instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, o Conselho enquanto interveniente deve suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Jungbunzlauer AG suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pela Comissão.

3)      O Conselho suportará as suas próprias despesas.

Azizi

Jaeger

Dehousse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Azizi

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* Língua do processo: alemão.


1 Dados confidenciais ocultados.