CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
GIOVANNI PITRUZZELLA
apresentadas em 7 de abril de 2022 (1)
Processo C‑460/20
TU,
RE
contra
Google LLC
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha)]
«Reenvio prejudicial — Proteção de dados pessoais — Pedido de supressão de referências a informações alegadamente falsas e de remoção de imagens em pré‑visualização (“thumbnails”)»
I. Introdução
1. Com o pedido de decisão prejudicial objeto das presentes conclusões, o Bundesgerischsthof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha, a seguir «BGH») submete ao Tribunal de Justiça duas questões relativas à interpretação do artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados)(2) (a seguir «RGPD») e dos artigos 12.o, alínea b), e 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (3), lidos à luz dos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Essas questões foram suscitadas no âmbito de uma ação intentada por TU e RE (a seguir, conjuntamente, «recorrentes») contra a Google LLC (a seguir «Google» ou «recorrida»), com vista a obter, por um lado, a supressão de referências a determinadas hiperligações visualizadas nas pesquisas efetuadas através do motor de busca operado pela recorrida, que conduzem a artigos em linha de um terceiro que identificam os recorrentes e, por outro, a cessação da visualização das fotografias que acompanham um desses artigos sob a forma das denominadas imagens de pré‑visualização («thumbnails»).
2. Sabe‑se que um motor de busca não se limita a alojar os conteúdos produzidos por terceiros na rede, mas desempenha um papel ativo na difusão da informação. A «riqueza da rede» seria apenas potencial se o utilizador não pudesse aceder à informação de que necessita graças aos motores de busca e, no vasto oceano da informação produzida na Internet, muitas informações permaneceriam praticamente inacessíveis sem a intermediação desses motores. Quando o motor de busca permite ao utilizador efetuar uma pesquisa a partir de algumas palavras‑chave, como o nome de uma pessoa, faz escolhas sobre os sítios a incluir nos resultados da pesquisa e sobre a ordem a dar‑lhes na lista dos resultados, com enormes repercussões na difusão das informações. Estas seleções são efetuadas pelo algoritmo utilizado e dependem, portanto, dos critérios de seleção que o operador do motor de busca escolheu na atividade de programação. São feitas outras escolhas em larga escala no âmbito das políticas de «content moderation» efetuadas pela plataforma com base nos padrões adotados, por exemplo, para defender o seu modelo de negócio, para proteger certas sensibilidades dos utilizadores ou para cumprir obrigações legais. Estas atividades implicam decisões relativas aos conteúdos a não publicar nos resultados das pesquisas efetuadas pelos utilizadores.
3. O motor de busca funciona, portanto, como um «gatekeeper» da informação, expressão que designa as entidades cuja atividade é necessária para permitir a inserção no circuito da comunicação democrática das opiniões ou das informações produzidas por terceiros. Esta função de controlo dos «portões» pelos quais circula o fluxo das informações, efetuada pelos motores de busca como a Google tem consequências importantes tanto sobre a liberdade de expressão e de informação consagrada no artigo 11.o da Carta como sobre os direitos ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais enunciados nos artigos 7.o e 8.o da mesma. Em particular, a inclusão, na lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, de uma página web e das informações que dela constam relativas a essa pessoa, facilita consideravelmente a acessibilidade dessas informações a qualquer internauta e pode desempenhar um papel decisivo para a difusão dessas informações e, portanto, para o exercício da liberdade de expressão e de informação. Pela mesma razão, essa inclusão é suscetível de constituir uma ingerência mais relevante no direito fundamental ao respeito pela vida privada da pessoa em causa do que a publicação pelo editor da referida página web, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar na sua jurisprudência (4).
4. No pedido de decisão prejudicial objeto das presentes conclusões, a especificidade da função desempenhada pelos motores de busca e a tensão que esta determina entre os direitos fundamentais referidos nos artigos 7.o, 8.o e 11.o da Carta são evidenciadas num cenário ainda não analisado pelo Tribunal de Justiça, ou seja, aquele em que a pessoa em causa contesta a veracidade dos dados tratados e pede, por essa razão, a supressão das referências às hiperligações que conduzem a conteúdos editados por terceiros onde figuram esses dados.
II. Quadro jurídico
5. Para além dos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta, que enunciam, respetivamente, o direito ao respeito pela vida privada, o direito à proteção dos dados pessoais, o direito à liberdade de expressão e de informação e a liberdade de empresa, são relevantes, para efeitos da presente análise, nomeadamente, os artigos 12.o, alínea b), e 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, para os quais me limito a remeter, bem como o artigo 17.o do RGPD. Este último consagra, no seu n.o 1, o direito de o titular obter o apagamento dos seus dados pessoais, em particular, quando esses dados tenham sido tratados de forma ilícita, e a obrigação correlativa do responsável pelo tratamento de proceder a esse apagamento. O n.o 3, alínea a), deste artigo precisa que o n.o 1 não se aplica na medida em que o tratamento se revele necessário «[a]o exercício da liberdade de expressão e de informação». As outras disposições da Diretiva 95/46 e do RGPD pertinentes para efeitos do exame do pedido de decisão prejudicial serão referidas durante a análise.
III. Litígio no processo principal e tramitação do processo no Tribunal de Justiça
6. TU ocupa um cargo de responsabilidade ou detém uma participação em diversas sociedades que prestam serviços financeiros. RE viveu em união de facto com TU e foi, até maio de 2015, mandatária de uma dessas sociedades. O sítio Internet www.g...net (a seguir «g‑net») publicou respetivamente em 27 de abril de 2015, 4 de junho de 2015 e 16 de junho de 2015, três artigos que manifestavam opiniões críticas e dúvidas sobre a seriedade do modelo de investimento de algumas das referidas sociedades. O artigo de 4 de junho de 2015 estava ilustrado com quatro fotografias, três de TU e uma de RE, em que os recorrentes apareciam a conduzir automóveis de luxo, num helicóptero e à frente de um avião fretado. Em conjugação com os artigos, essas imagens podiam sugerir que os recorrentes desfrutavam de luxo financiado por terceiros. De acordo com a ficha técnica, o operador da página web g‑net é a G‑LLC. O objetivo empresarial da G‑LLC é, segundo as suas próprias indicações, «contribuir de modo consistente para a prevenção da fraude a nível económico e social, através de uma informação ativa e de constante transparência». Diversas publicações criticam, todavia, o modelo de negócios da G‑LLC, sendo, designadamente, acusada de chantagear as empresas começando por publicar relatórios negativos e oferecendo‑se, em seguida, para eliminar os relatórios ou para impedir a elaboração de relatórios negativos em troca de um denominado valor. Os artigos de 4 de junho de 2015 e de 16 de junho de 2015 eram apresentados na lista de resultados de pesquisa com a introdução no motor de busca operado pela Google dos nomes e apelidos dos recorrentes, tanto isoladamente como em conjugação com determinados nomes de sociedades, e o artigo de 27 de abril de 2015, com a introdução de determinados nomes de sociedades. Estes resultados continham uma hiperligação para os artigos em causa. A Google também mostrava as fotografias dos recorrentes constantes do artigo de 4 de junho de 2015 na sua página de visualização dos resultados da pesquisa de imagens, sob a forma «thumbnails».
7. Os recorrentes pediram à recorrida, por um lado, que suprimisse as referências aos artigos em causa, que, em seu entender, contêm várias alegações erradas e opiniões difamatórias fundadas em factos não verdadeiros e, por outro, que retirasse as imagens de pré‑visualização da lista dos resultados da pesquisa. Afirmavam ter sido vítimas de chantagem por parte da G‑LLC. A recorrida recusou‑se a dar seguimento a este pedido, remetendo para o contexto profissional em que os artigos e as imagens controvertidas se inserem e invocando o seu desconhecimento quanto à alegada falsidade das informações neles contidas. A ação foi julgada improcedente nas duas primeiras instâncias.
8. Nestas circunstâncias, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) É compatível com o direito do interessado ao respeito pela sua vida privada [artigo 7.o da Carta] e à proteção dos dados de caráter pessoal que lhe dizem respeito (artigo 8.o da Carta), para efeitos da ponderação dos direitos e interesses concorrentes que decorrem dos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta, a realizar em conformidade com o artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do [RGPD] no âmbito da apreciação de um pedido de supressão de referências apresentado contra o responsável por um serviço de pesquisa na Internet que, quando a ligação cuja supressão é pedida conduz a um conteúdo que inclui afirmações sobre factos e juízos de valor baseados em afirmações sobre factos cuja veracidade é contestada pelo interessado e cuja licitude depende da veracidade das afirmações sobre factos dela constantes, também seja tido de maneira determinante em conta se o interessado poderia de maneira razoavelmente exigível obter proteção jurídica contra o fornecedor dos conteúdos (por exemplo através de uma providência cautelar), e, desta forma, esclarecer, pelo menos provisoriamente, a questão da veracidade do conteúdo apresentado pelo responsável do motor de busca?
2) No caso de um pedido de supressão de referências apresentado contra o responsável por um serviço de pesquisa na Internet que, em caso de pesquisa pelo nome, pesquisa fotografias de pessoas singulares publicadas na Internet por terceiros, relacionadas com o nome da pessoa e que exibe as fotografias que encontra na sua página de visualização dos resultados sob a forma de imagens de pré‑visualização (“thumbnails”), deve, no âmbito da ponderação dos direitos e interesses concorrentes que decorrem dos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta, a realizar em aplicação dos artigos 12.o, alínea b), e 14.o, [primeiro parágrafo], alínea a), da Diretiva [95/46]/artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do [RGPD], ser tido de maneira determinante em conta o contexto da publicação original do terceiro, mesmo quando, ao exibir a imagem de pré‑visualização, o motor de busca estabelece a ligação com a página de Internet do terceiro, mas a mesma não é identificada em concreto e o contexto daí resultante não é mostrado pelo serviço de pesquisa da Internet?»
9. Apresentaram observações escritas no presente processo as partes no processo principal, os Governos romeno, austríaco e grego, bem como a Comissão. Na audiência realizada no Tribunal de Justiça em 24 de janeiro de 2022, as partes no processo principal e a Comissão apresentaram observações orais.
IV. Análise
10. Antes de passar à análise das questões prejudiciais, importa recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às obrigações que incumbem ao operador de um motor de busca nos casos em que a atividade deste inclui o tratamento de dados pessoais, em particular, quando está em causa o direito da pessoa visada por esse tratamento ao apagamento dos dados que lhe dizem respeito. Como veremos, estas obrigações são proporcionais, para utilizar as palavras do Tribunal de Justiça, às «responsabilidades, às competências e às possibilidades» do gestor do motor de busca (5), por seu turno indissociavelmente ligadas ao papel que esse último desempenha no ecossistema da Internet, conforme brevemente descrito na introdução das presentes conclusões.
A. Jurisprudência do Tribunal de Justiça
11. Da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao tratamento de dados pessoais no contexto da atividade dos motores de busca resultam quatro pontos assentes.
12. O primeiro diz respeito à qualificação da atividade dos motores de busca e à sua subsunção no âmbito de aplicação da legislação da União em matéria de proteção de dados pessoais.
13. No Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (6) (a seguir «Acórdão Google Spain»), o Tribunal de Justiça declarou que a atividade de um motor de busca que consiste em encontrar informações publicadas ou inseridas na Internet por terceiros, indexá‑las automaticamente, armazena‑las temporariamente e, por último, pô‑las à disposição dos internautas por determinada ordem de preferência deve ser qualificada de «tratamento de dados pessoais», na aceção do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 95/46 quando essas informações contenham «dados pessoais» (7). A este respeito, é irrelevante a circunstância de esses dados já terem sido publicados na Internet e não serem alterados por esse motor de busca (8). Corolário desta qualificação da atividade dos motores de busca é a segunda afirmação que se encontra no Acórdão Google Spain. O operador do motor de busca, enquanto pessoa que determina as finalidades e os meios dessa atividade, deve ser considerado «responsável», na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 95/46, pelo tratamento de dados pessoais que essa atividade suporta (9). A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que excluir do conceito de «responsável», na aceção desta disposição, o operador de um motor de busca pelo facto de não exercer controlo sobre os dados pessoais publicados nas páginas web de terceiros seria contrário ao objetivo da referida disposição, que consiste em assegurar, através de uma definição ampla desse conceito, uma proteção eficaz e completa das pessoas em causa (10).
14. O segundo ponto assente que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça diz respeito às potenciais ingerências graves nos direitos fundamentais das pessoas em causa que resultam do funcionamento de um motor de busca.
15. Como já tive oportunidade de observar, a Internet aumenta exponencialmente os riscos de violação dos direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais devido às modalidades através das quais a informação é produzida e se distribui na rede. Bem consciente dessa realidade, no Acórdão Google Spain, o Tribunal de Justiça, por um lado, precisou que o tratamento de dados pessoais efetuado no contexto da atividade de um motor de busca se distingue do efetuado pelos editores de sítios web, que consiste em fazer figurar esses dados numa página web, e acresce ao mesmo (11). Por outro lado, sublinhou que um tratamento de dados pessoais realizado pelo operador de um motor de busca, «é suscetível de afetar significativamente os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais, quando a pesquisa através desse motor seja efetuada a partir do nome de uma pessoa singular, uma vez que o referido tratamento permite a qualquer internauta obter, com a lista de resultados, uma visão global estruturada das informações sobre essa pessoa, que se podem encontrar na Internet, respeitantes, potencialmente, a numerosos aspetos da sua vida privada e que, sem o referido motor de busca, não poderiam ou só muito dificilmente poderiam ter sido relacionadas, e, deste modo, estabelecer um perfil mais ou menos detalhado da pessoa em causa». Além disso, o efeito de ingerência nos referidos direitos da pessoa em causa é «multiplicado devido ao importante papel desempenhado pela Internet e pelos motores de busca na sociedade moderna, que conferem caráter de ubiquidade às informações contidas numa lista de resultados deste tipo» (12). Por conseguinte, segundo o Tribunal de Justiça, «na medida em que a atividade de um motor de busca é suscetível de afetar, significativamente e por acréscimo à dos editores de sítios web, os direitos fundamentais à vida privada e à proteção dos dados pessoais, o operador desse motor, como pessoa que determina as finalidades e os meios dessa atividade, deve assegurar, no âmbito das suas responsabilidades, das suas competências e das suas possibilidades, que essa atividade satisfaça as exigências da Diretiva 95/46, para que as garantias nesta previstas possam produzir pleno efeito e possa efetivamente realizar‑se uma proteção eficaz e completa das pessoas em causa, designadamente do seu direito ao respeito pela sua vida privada» (13). No Acórdão de 24 de setembro de 2019, GC e o. (Supressão de referências a dados sensíveis) (14) (a seguir «Acórdão GC»), o Tribunal de Justiça reiterou a aplicabilidade plena ao operador de um motor de busca de todas as obrigações que incumbem ao «responsável» por um tratamento de dados pessoais por força, respetivamente, da Diretiva 95/46 e do RGPD, incluindo a proibição e as restrições relativas ao tratamento de dados sensíveis previstas no artigo 8.o, n.os 1 e 5, daquela diretiva e nos artigos 9.o, n.o 1, e 10.o do RGPD. Nesse acórdão, precisou que, se as especificidades do tratamento efetuado pelo operador de um motor de busca no âmbito da sua atividade não puderem assim justificar a sua isenção da observância dessas disposições, estas especificidades podem, contudo, influenciar o âmbito da responsabilidade e das obrigações concretas do referido operador. Uma vez que este não é responsável pelo facto de dados sensíveis figurarem numa página web publicada por um terceiro, mas pelas referências a dados pessoais dessa página, só devido a esta referência é que as disposições relativas ao tratamento desses dados lhe são aplicáveis e, por conseguinte, «por intermédio de uma verificação a efetuar, sob o controlo das autoridades nacionais competentes, no seguimento de um pedido apresentado pela pessoa em causa» (15).
16. O terceiro ponto assente estabelecido pelo Tribunal de Justiça diz respeito à necessidade de tomar em consideração todos os direitos fundamentais em jogo no âmbito de um pedido de supressão de referências dirigido ao operador de um motor de busca e de uma ponderação desses direitos que tenha em conta, além das circunstâncias do caso concreto, as características tecnológicas do ambiente da Internet.
17. A este respeito, apesar de, por um lado, o Tribunal de Justiça ter excluído que a ingerência nos direitos fundamentais da pessoa em causa resultante da exibição de informações que lhe dizem respeito nos resultados de uma pesquisa efetuada a partir do seu nome através de um motor de busca na Internet possa, atendendo à gravidade potencial desta ingerência, justificar‑se apenas pelo interesse económico do operador de tal motor, por outro, reconheceu que «a supressão de ligações da lista de resultados pode, em função da informação em causa, ter repercussões no interesse legítimo dos internautas […] interessados em ter acesso [a] essa informação» (16). Nestas situações, segundo o Tribunal de Justiça, há que «procurar […] um justo equilíbrio, designadamente, entre esse interesse e os direitos fundamentais dessa pessoa nos termos dos artigos 7.o e 8.o da Carta» (17). Esta exigência é reiterada no Acórdão GC por referência ao artigo 17.o do RGPD, que codificou o direito ao apagamento dos dados pessoais (ou «direito a ser esquecido») reconhecido pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Google Spain (18) e que consagra expressamente, no seu n.o 3, alínea a), como aliás o próprio Tribunal de Justiça salientou, a exigência de uma ponderação entre os direitos acima referidos (19). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça confirma igualmente o que já foi declarado no Acórdão Google Spain sobre os critérios com base nos quais se efetua essa ponderação, ao reiterar que «[e]mbora, regra geral, os direitos da pessoa em causa protegidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta prevaleçam sobre a liberdade de informação dos internautas, este equilíbrio pode, todavia, depender, em determinados casos particulares, da natureza da informação em questão e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse do público em dispor dessa informação, o qual pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública» (20). Para além das formulações adotadas pelo Tribunal de Justiça, resulta nomeadamente do Acórdão GC que a ponderação se faz entre direitos fundamentais de igual relevância, que constituem condições imprescindíveis para o bom funcionamento de uma sociedade democrática. Não se pode, portanto, antecipar de forma abstrata a prevalência de um sobre o outro, mas é necessário alcançar o equilíbrio de maneira a alcançar uma coexistência que cause a cada um dos direitos fundamentais em jogo o menor prejuízo possível. Decorre igualmente desse acórdão que a deslocação desse equilíbrio dos direitos ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais enunciados nos artigos 7.o e 8.o da Carta para o direito de informar e de ser informados consagrado no artigo 11.o da Carta é tanto maior quanto mais a pessoa em causa tenha um papel na vida pública e, por conseguinte, exista um interesse dos internautas em obter as informações que lhe digam respeito (21).
18. O quarto ponto assente que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça é a atribuição ao operador do motor de busca, enquanto responsável pelo tratamento de dados pessoais efetuado para as necessidades de funcionamento desse motor, da função de ponderar os direitos fundamentais em jogo, a fim de assegurar que esse tratamento cumpre os requisitos do RGPD (e, anteriormente, os da Diretiva 95/46) (22). Essa função foi então codificada no artigo 17.o do RGPD.
19. Quando está em causa o «direito a ser esquecido», o operador do motor de busca é, portanto, obrigado a decidir, com base no conjunto dos direitos e dos interesses envolvidos e à luz de todas as circunstâncias do caso concreto, que conteúdos devem ser incluídos na lista das pesquisas efetuadas através desse motor e, pelo contrário, os que devem ser excluídos dessa lista. Quando o responsável pelo tratamento não dê seguimento ao pedido de supressão de referências, a pessoa em causa pode submeter o assunto à autoridade de controlo ou aos tribunais, para que estes efetuem as verificações necessárias e ordenem ao operador a tomada de medidas em conformidade (23). Neste contexto, importa recordar que, em 26 de novembro de 2014, o grupo de trabalho do artigo 29.o (24) adotou diretrizes para a implementação do Acórdão Google Spain (25) destinadas a informar sobre o modo como as [autoridades europeias de proteção de dados] reunidas no grupo de trabalho pretendem aplicar esse acórdão. Estas diretrizes contêm igualmente a lista dos critérios comuns que as [autoridades europeias de proteção de dados] aplicarão para tratar, casuisticamente, as reclamações apresentadas nas suas delegações nacionais contra recusas de remoção, pelos motores de busca, de dados das listas de resultados. É em aplicação destas diretrizes que, nomeadamente, a Google procede ao exame dos pedidos de supressão de referências que lhe são dirigidos.
20. É à luz dos princípios expostos até este momento que devem ser examinadas as questões prejudiciais submetidas pelo BGH.
B. Quanto à primeira questão prejudicial
21. A Google contesta a admissibilidade da primeira questão prejudicial por ter caráter hipotético devido ao facto de a solução preconizada pelo BGH se apresentar sob a forma de uma construção abstrata, sem relação com os factos do litígio no processo principal. Além disso, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos necessários para dar uma resposta útil.
22. A este respeito, considero, em primeiro lugar, que deve rejeitar‑se o argumento da Google segundo o qual a decisão de reenvio não é, quanto a este ponto, adequadamente circunstanciada. Com efeito, na minha opinião, o BGH forneceu um quadro suficientemente preciso e completo do contexto factual que caracteriza o litígio que lhe foi submetido e da necessidade, nesse contexto, de obter uma resposta à primeira questão prejudicial. O Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para responder a essa questão, independentemente do facto de o órgão jurisdicional de reenvio não precisar se os recorrentes no processo principal dispõem efetivamente de tutela jurisdicional contra o fornecedor de conteúdos ou quais as consequências da eventual constatação de que não dispõem dessa tutela. Em segundo lugar, o simples facto de, segundo o BGH, ser necessário, para a solução do litígio que lhe foi submetido, verificar a título preliminar a correção da metodologia que considera aplicável a uma situação como a do processo principal, definida em termos gerais e abstratos, não implica que a questão prejudicial sobre a qual o Tribunal de Justiça é questionado assuma caráter hipotético se se verificar que a resposta a essa questão é suscetível de permitir ao órgão jurisdicional de reenvio, após efetuar as verificações factuais necessárias, resolver o litígio no processo principal. Por último, saliento que os outros argumentos apresentados pela Google em apoio da inadmissibilidade da primeira questão prejudicial dizem respeito, em substância, às implicações de o Tribunal de Justiça eventualmente acolher a solução proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio e, portanto, dizem respeito ao mérito dessa questão.
a) Observações preliminares
23. Com a primeira questão prejudicial, o Tribunal de Justiça é, em substância, chamado a precisar quais são as obrigações que incumbem ao operador de um motor de busca no tratamento de um pedido de supressão de referências baseado na alegação, não acompanhada de elementos de prova, da falsidade de algumas das informações que figuram no conteúdo indexado, em concreto, de alguns artigos que contêm dados e comentários sobre o modelo de investimento e sobre os resultados das sociedades geridas pelos recorrentes no processo principal. Considerando, em particular à luz do contexto profissional dos artigos em causa e da importância da informação para os investidores atendendo ao setor de risco em que operam os recorrentes (26), que uma supressão de referências apenas se justifica no caso de as informações contestadas serem realmente falsas, o BGH questiona se compete aos recorrentes no processo principal provar, ou demonstrar com um certo grau de certeza, a falta de veracidade dessas informações, ou se incumbe à Google presumir que as alegações dos referidos recorrentes são fundadas e proceder à supressão das referências requerida ou procurar clarificar ela própria os factos. O BGH propõe que se responda à questão em função da existência de uma possibilidade razoável de a pessoa em causa obter uma proteção jurídica, por exemplo através de uma medida provisória, diretamente contra o fornecedor do conteúdo e questiona, em substância, o Tribunal de Justiça sobre se é correta uma interpretação do artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do RGPD nesse sentido.
24. Com argumentos parcialmente diferentes, todas as partes e os interessados que apresentaram observações no presente processo se opõem à solução proposta pelo BGH (27), pelo menos na medida em que essa solução implique, contrariamente à jurisprudência recordada nos n.os 11 a 19 das presentes conclusões, que a ponderação de interesses na aceção do artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do RGPD seja efetuada apenas com base no critério da existência de uma possibilidade razoável de proteção jurídica contra o fornecedor do conteúdo.
25. Pela minha parte, saliento que resulta claramente da decisão de reenvio que o BGH se interrogou sobre a eventual relevância a atribuir ao referido critério apenas depois de ter efetuado uma ponderação dos direitos enunciados nos artigos 7.o, 8.o e 11.o da Carta com base no conjunto das circunstâncias do caso em apreço e ter concluído, partindo da hipótese da veracidade das informações contestadas, no sentido da prevalência do direito dos internautas à informação. A hipótese que o BGH considera é, portanto, aquela em que, devidamente ponderados todos os outros fatores pertinentes, a aceitação ou a rejeição do pedido de supressão de referências depende unicamente da veracidade ou da falsidade das informações cujo apagamento se pede. Daqui decorre que uma eventual resposta afirmativa do Tribunal de Justiça à questão colocada pelo BGH não tem como consequência que a aceitação ou a rejeição de um pedido de supressão de dados com base na alegada inexatidão das informações que o motor de busca tornou acessíveis dependa unicamente da possibilidade, para a pessoa em causa, de obter proteção contra o fornecedor de conteúdos, nem, ao contrário do que alega a Google, implica, se essa proteção não estiver disponível, que o operador de um motor de busca seja automaticamente obrigado a proceder à supressão das referências. Esses resultados seriam, além disso, contrários a uma correta articulação entre o disposto no artigo 17.o, n.os 1 e 3, alínea a), do RGPD, que exclui qualquer automatismo suscetível de interferir na ponderação necessária, por parte do responsável pelo tratamento, da autoridade de controlo ou do órgão jurisdicional, entre os direitos fundamentais em jogo. Uma resposta afirmativa do Tribunal de Justiça à primeira questão prejudicial implicaria simplesmente que, quando o direito à informação dos internautas e a liberdade de expressão do fornecedor de conteúdos parecem prevalecer, com base no conjunto das circunstâncias pertinentes, sobre os direitos do requerente e a aceitação do pedido de supressão de referências apenas se justifique em caso de falsidade efetiva das informações contestadas, o órgão jurisdicional nacional e, na fase pré‑contenciosa, o operador do motor de busca, poderiam basear‑se de forma determinante na referida circunstância, se essa falsidade não for manifesta e o requerente não tiver fornecido pelo menos um qualquer indício de prova nesse sentido. Além disso, bem vistas as coisas, a existência ou não de uma possibilidade razoável de obter uma proteção judicial contra o fornecedor de conteúdos não só não pode, por si só, constituir um critério exclusivo ou determinante para efeitos da rejeição ou da aceitação de um pedido de supressão de referências, seja qual for o seu fundamento, como também não constitui um critério pertinente para efeitos da ponderação a efetuar ao abrigo do artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do RGPD. Com efeito, enquanto tal, o referido critério nada diz sobre a existência de um direito ao apagamento dos dados que figuram no conteúdo controvertido nem sobre a necessidade, para o exercício do direito à liberdade de expressão e de informação, de manter a indexação desse conteúdo.
26. Feitas estas precisões, para efeitos da resposta a dar à primeira questão prejudicial, importa, na minha opinião, começar por clarificar a importância, na ponderação dos direitos fundamentais em jogo numa situação como a que está em causa no processo principal, por um lado, do papel desempenhado pela pessoa em causa na vida pública na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça e, por outro, da existência de uma contestação da veracidade das informações tratadas.
b) Ingerência nos direitos fundamentais protegidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta e papel da pessoa na vida pública
27. Os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção de dados pessoais, apesar da sua relevância no direito constitucional da União, não têm caráter absoluto (28). Como resulta, nomeadamente, do artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do RGPD, o direito à proteção dos dados pessoais deve ser considerado em relação à sua função na sociedade e ponderado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade (29). Neste trabalho de ponderação, importa dar o justo relevo ao direito de informar do titular da página web ao qual se pede a supressão de referências e ao direito do público a receber a informação que figura nessa página web.
28. Ora, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima recordada, este interesse pode variar, nomeadamente, em função do «papel desempenhado na vida pública» pela pessoa a quem se refere a informação. Esta expressão abrange, no que interessa para o presente processo, não apenas situações em que essa pessoa assume cargos políticos, que, por definição, a expõem ao controlo democrático da opinião pública, mas também situações em que assume um papel económico de relevo (30). Mais genericamente, o bom funcionamento do mercado tem como condição imprescindível a confiança quer dos outros operadores económicos quer dos consumidores. Esta confiança exige o acesso do público às informações relativas às pessoas que assumem funções profissionais suscetíveis de afetar as dinâmicas do mercado e os interesses dos consumidores, por vezes de forma claramente mais vincada do que os atos dos decisores políticos. Naturalmente, estas informações são, no essencial, as que se referem às suas funções profissionais, mas podem estender‑se igualmente a aspetos da sua esfera privada quando estes estão ligados ou podem condicionar a sua atividade profissional e afetar a confiança do público. Nesta perspetiva, importa salientar que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que a aceitação de um papel económico implica a aceitação de uma limitação do âmbito de proteção da vida privada (31).
29. No caso de a pessoa em causa desempenhar um papel público na aceção acima referida, não só quando esse papel é efetivamente proeminente mas também quando tem um âmbito mais limitado, no quadro da ponderação a efetuar ao abrigo do artigo 17.o, n.os 1 e 3, do RGPD, o direito a informar e o direito de ser informado podem assumir, à luz do conjunto das circunstâncias pertinentes, um peso prevalecente em relação aos direitos fundamentais protegidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta. Nas circunstâncias do processo principal, militam no sentido dessa prevalência, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, o contexto profissional e a natureza jornalística das publicações em causa, bem como a natureza das informações contestadas, que dizem principalmente respeito à atuação das sociedades geridas pelos recorrentes.
c) Veracidade da informação e modalidades da ponderação
30. A tendência do direito à liberdade de expressão e de informação para prevalecer sobre o direito à proteção da vida privada e sobre o direito à proteção dos dados pessoais quando a pessoa em causa desempenha um papel de relevo na vida pública inverte‑se no caso de se apurar que as informações objeto do pedido de supressão de referências não são verdadeiras. Nessa hipótese, pode provavelmente sustentar‑se que, na realidade, o direito de informar e o direito de ser informado também não estão em jogo, uma vez que estes não podem incluir o direito de difundir e de aceder a informações falsas. Sem desfazer o nó górdio da relação entre o direito à liberdade de expressão e de informação e a veracidade da informação (32), pode observar‑se simplesmente que esse direito, no seu duplo sentido, ativo e passivo, se referido a uma informação falsa, não pode, em todo o caso, ser colocado no mesmo plano que os direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais. Com efeito, neste caso, opera um critério de prevalência assente num dos valores fundamentais da União Europeia, que é o da dignidade do ser humano.
31. O artigo 2.o TUE, ligando‑se, aliás, às tradições constitucionais dos Estados‑Membros, coloca o respeito da dignidade do ser humano em primeiro lugar na lista dos valores em que assenta a União. Por seu turno, o artigo 1.o da Carta enuncia perentoriamente que «[a] dignidade do ser humano é inviolável» e que «[d]eve ser respeitada e protegida». Na «União de valores» que é a União, a dignidade do ser humano tem uma espécie de primazia, sendo o ponto de apoio em que assenta grande parte da construção europeia. Se a dignidade do ser humano é inviolável e deve ser sempre respeitada e protegida, sem que sejam previstos, como acontece para a maior parte dos direitos fundamentais garantidos pela Carta, interesses que justifiquem a sua limitação, nenhuma razão jurídica poderá ser invocada, mesmo a relativa ao exercício de um direito fundamental, para a sacrificar (33). Ora, uma informação não verdadeira não só lesa o direito fundamental da pessoa visada pela proteção dos dados pessoais, como acaba por afetar a sua dignidade, uma vez que dela resulta uma representação falsa, produzindo uma alteração da sua identidade. Isto vale sobretudo no ecossistema da Internet, onde a informação é rapidamente difundida, é permanente e, graças à ação dos motores de busca, determina uma definição precisa do perfil da pessoa. No mundo dos bits, a difusão de informações falsas sobre a identidade de alguém é uma cicatriz permanente da sua identidade, que, hoje em dia, é definida sobretudo na rede, e um prejuízo grave para a sua dignidade.
32. Dito isto, saliento que o próprio RGPD dá uma resposta clara à questão da importância a atribuir à veracidade dos dados pessoais tratados. Entre os princípios aplicáveis ao tratamento desses dados, enumerados no artigo 5.o, n.o 1, desse regulamento, figura, na alínea d), o princípio da «exatidão», segundo o qual, por um lado, os dados pessoais devem ser «exatos e atualizados sempre que necessário» e, por outro, «os dados inexatos, tendo em conta as finalidades para que são tratados» devem ser apagados ou retificados sem demora(34). A exatidão dos dados constitui, segundo o Tribunal de Justiça, uma das «condições de licitude» do tratamento de dados pessoais (35) e entra, portanto, em linha de conta para efeitos, nomeadamente, da aplicação do artigo 17.o, n.o 1, alínea d), do RGPD.
33. Quando está em causa a veracidade da informação tratada pelo operador do motor de busca, como na situação em causa no processo principal, a questão da ponderação dos direitos fundamentais em jogo coloca‑se, portanto, em termos absolutamente peculiares, pelo menos na fase em que a veracidade ou a falsidade da informação ainda não foi demonstrada. Nesta fase, a questão central é, com efeito, a de estabelecer quem deve proceder a essa verificação e segundo que modalidades.
34. Antes de abordar esta questão, considero oportuno fazer ainda algumas precisões sobre o modo como se apresenta a operação de ponderação entre os direitos fundamentais em jogo no contexto da atividade dos motores de busca.
d) Ponderação entre direitos fundamentais em relação às possibilidades, às competências e às responsabilidades do operador do motor de busca
35. As modalidades da ponderação entre direitos fundamentais conflituantes que incumbe ao operador de um motor de busca quando examina um pedido de supressão de referências são necessariamente afeadas pelas características do contexto tecnológico em que o conflito se situa. A tensão entre a liberdade de informação, no seu duplo aspeto ativo e passivo, por um lado, e os direitos ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, por outro, comporta‑se de forma diferente no mundo digital. A tecnologia da Internet condiciona não só a forma como o direito à informação e os direitos ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais interagem, mas também as modalidades da sua ponderação. É por essa razão que a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima mencionada sobre o «direito a ser esquecido» se refere às «possibilidades» do operador de um motor de busca, às suas «competências» e às suas «responsabilidades». Isto vale, igualmente, no caso de o pedido de supressão de referências se basear na alegada falsidade das informações que figuram na página web que remete para a hiperligação a suprimir. O operador de um motor de busca não pode ser obrigado a efetuar uma monitorização generalizada dos conteúdos alojados e a verificar a respetiva veracidade. Tal monitorização é, aliás, extremamente difícil de efetuar. Do mesmo modo, não integra as possibilidades do operador de um motor de busca verificar a posteriori se o conteúdo de um artigo publicado numa página web inserida na lista de resultados de uma pesquisa é verdadeiro ou falso, uma vez que o referido operador não dispõe das informações que se encontram à disposição do editor web nem de poderes para efetuar essa verificação.
36. Ao mesmo tempo, contudo, não se pode ignorar a responsabilidade especial do operador de um motor de busca na qualidade de «gatekeeper» da informação. A partir do momento em que desempenha um papel ativo, não meramente técnico e neutro, na difusão da informação em rede, sobre a qual construiu o seu modelo de negócio e da qual obtém os seus lucros, esse operador deve igualmente desempenhar um papel ativo na eliminação dos resultados da pesquisa de conteúdos em que figuram dados pessoais falsos, desde que esse papel se mantenha no âmbito das suas competências e das suas possibilidades. A este respeito, saliento que a responsabilidade especial ligada à função de «gatekeeper» da informação que têm certas plataformas é sublinhada pelo Acórdão de 3 de outubro de 2019, Glawischnig‑Piesczek (36), no qual o Tribunal de Justiça declarou que as disposições da diretiva sobre o comércio eletrónico(37) não se opõem a que os órgãos jurisdicionais nacionais ordenem a um fornecedor de armazenamento que suprima ou bloqueie o acesso não só a uma informação declarada ilegal anteriormente, enquanto difamatória, mas também a conteúdos equivalentes, para evitar a sua disseminação, apesar da remoção do conteúdo originário. A efetividade da proteção dos direitos individuais em relação às modalidades específicas através das quais a informação na Internet se difunde justifica, portanto, segundo o Tribunal de Justiça, igualmente em detrimento dos interesses económicos da plataforma, uma obrigação específica de monitorização (uma monitorização geral é incompatível com o artigo 15.o, n.o 1, da diretiva sobre o comércio eletrónico), desde que não se imponha um encargo excessivo aos intermediários. As medidas destinadas a combater a disseminação da desinformação e do discurso do ódio na rede (38) e a tendência do direito da União para impor às plataformas como a Google, em áreas específicas, maiores obrigações de controlo em relação ao conteúdo alojados avançam na mesma direção (39).
e) Diferentes soluções preconizadas no presente processo
37. No quadro geral traçado até aqui, as soluções preconizadas nomeadamente pelas partes no processo principal e pelo órgão jurisdicional de reenvio não me convencem.
38. Contrariamente ao que preconizam os recorrentes no processo principal, não se pode proceder a uma supressão de referências apenas com base no pedido unilateral do interessado que alega, sem o provar, que o conteúdo em questão contém informações falsas, sobretudo se, como parece ser o caso destes recorrentes, se trata de pessoas em relação às quais, pelo papel que desempenham no mercado, existe, em princípio, um direito do público à informação. Uma tal solução deixaria à escolha unilateral do interessado a supressão das referências aos conteúdos que lhe dizem respeito, sem ser possível sindicar o mérito das alegações suscetíveis de a justificar, e determinaria um sacrifício excessivo e injustificado do direito de informar do editor web e do direito do público de ser informado, ignorando o papel que esses direitos têm numa sociedade democrática.
39. Também não é, porém, convincente a solução preconizada pela Google, que, ao excluir qualquer envolvimento do operador do motor de busca, obriga a pessoa em causa a dirigir‑se ao editor da página web pedindo a remoção do conteúdo alegadamente falso. Se se devesse seguir essa solução, a arma nas mãos de quem considera que foram lesados os seus direitos fundamentais ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais, seria uma arma ineficaz. Com efeito, diante da recusa de remoção da informação pelo editor web, esta continuaria a ser difundida graças ao motor de busca e, no caso de ser efetivamente falsa, continuaria a violar injustificadamente os direitos fundamentais da pessoa em causa. Estamos, portanto, na hipótese oposta à precedente, em que a ponderação entre os diferentes direitos fundamentais é integralmente favorável ao direito à informação com um sacrifício desproporcionado e injustificável dos direitos fundamentais protegidos pelos artigos 7.o e 8.o da Carta.
40. Por último, no que respeita à solução preconizada pelo órgão jurisdicional de reenvio, que obriga a pessoa em causa, se possível, a intentar uma ação judicial contra o editor web, conduz igualmente, na minha opinião, a um sacrifício desproporcionado dos direitos previstos nos artigos 7.o e 8.o da Carta. Em primeiro lugar, a rapidez com que a informação na Internet se difunde e a dificuldade de uma remoção posterior, se a sua falsidade for demonstrada, conflitua com a duração dos processos judiciais, ainda que urgentes, e o prejuízo que daí resulta para a pessoa em causa pode ser igualmente irreparável. Em segundo lugar, esta solução poderia revelar‑se de difícil aplicação prática em todos os casos, que não são raros no ecossistema da Internet, em que existem obstáculos práticos consistentes para citar judicialmente o operador do sítio web no qual figura o conteúdo contestado, que pode residir num Estado terceiro ou ser difícil de identificar. Além disso, se se reconhecesse à possibilidade de intentar uma ação contra o fornecedor dos conteúdos uma importância decisiva para a proteção dos direitos da pessoa em causa em circunstâncias como as do processo principal, daí resultaria uma desresponsabilização do operador do motor de busca, em si mesma contrária tanto ao reconhecimento da natureza autónoma do tratamento dos dados pessoais ligado à operacionalidade dos motores de busca, como ao princípio, estabelecido pelo Tribunal de Justiça, segundo o qual a pessoa em causa deve poder dirigir‑se ao responsável desse tratamento para obter a supressão das referências aos dados que lhe digam respeito independentemente do seu apagamento prévio por parte da pessoa que primeiro colocou em linha o conteúdo controverso. Como já tive oportunidade de observar, esse princípio, associado ao papel reconhecido aos motores de busca na difusão de conteúdos na Internet e, por conseguinte, na ampliação do prejuízo que resulta para os particulares da publicação em linha de informações que lhes dizem respeito, opõe‑se, com efeito, a qualquer solução que isente o operador de um motor de busca da obrigação, que lhe incumbe enquanto responsável pelo tratamento, de respeitar as condições de licitude do tratamento, entre as quais figura a exatidão dos dados tratados.
41. Em cada uma das soluções passadas em revista, a ponderação pende totalmente a favor de um dos direitos em jogo, quando é necessário encontrar um ponto de equilíbrio que conduza ao menor sacrifício possível dos direitos fundamentais envolvidos. Nos desenvolvimentos seguintes explicarei como, na minha opinião, se encontra este ponto de equilíbrio.
f) Solução proposta e «procedural data due process»
42. Numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o direito à supressão de referências depende, em substância, da verificação da veracidade das informações que figuram no conteúdo suprimido e, portanto, da exatidão dos dados pessoais tratados pelo operador do motor de busca, o único caminho a seguir consiste, na minha opinião, em identificar um específico «procedural fairness».
43. No ecossistema da Internet afirmaram‑se «poderes privados» — também devido às características técnicas do meio e às dinâmicas económicas que conduzem inevitavelmente à concentração de poder económico e social nas mãos de poucas plataformas — que podem condicionar fortemente o exercício dos direitos fundamentais, nomeadamente os enunciados nos artigos 7.o, 8.o e 11.o da Carta. Em particular, a incidência no gozo efetivo desses direitos fundamentais é uma consequência inelutável do papel de «gatekeepers» da informação que algumas dessas plataformas desempenham. Para fazer frente a este fenómeno, na jurisprudência relativa ao «direito a ser esquecido», o Tribunal de Justiça reconheceu, em substância, efeito horizontal direto aos direitos fundamentais consagrados nos artigos 7.o e 8.o da Carta. O passo lógico seguinte, para tornar estes direitos efetivos, é reconhecer garantias processuais suficientes aos particulares relativamente às plataformas eletrónicas responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, com obrigações correlativas para estas últimas, naturalmente adequadas às características do meio tecnológico e às especificidades dos conflitos entre direitos fundamentais no ambiente da Internet. No mundo da Internet existe a necessidade de alguma forma de «procedural data due process» (40).
44. Com base no RGPD, um particular tem o direito de pedir a supressão de referências de uma página web que contenha dados que lhe dizem respeito e que considera não serem verdadeiros. O exercício desse direito comporta, no entanto, na minha opinião, o ónus de indicar os elementos em que o pedido se baseia e de fornecer um indício de prova da falsidade dos conteúdos dos quais se pede a supressão das referências, quando tal não se mostre, nomeadamente em relação à natureza das informações em causa, manifestamente impossível ou excessivamente difícil (41). A imposição desse ónus afigura‑se coerente com a letra e a economia do RGPD, em que os diferentes direitos de retificação, de apagamento, de limitação do tratamento e de oposição reconhecidos à pessoa em causa estão sujeitos a condições específicas e cabe a quem pretende invocá‑los alegar a existência dessas condições.
45. Diante desse pedido de supressão de referências, o operador do motor de busca, por força do papel que desempenha na difusão da informação e das responsabilidades que daí decorrem, está obrigado a efetuar as verificações destinadas a confirmar ou não o mérito do pedido e que integram as suas possibilidades concretas. Essas verificações podem ser efetuadas sobre dados que aloja e que dizem respeito à pessoa em causa e ao editor da página web onde o conteúdo contestado é publicado, dados que o operador do motor de busca pode analisar rapidamente recorrendo às ferramentas tecnológicas de que dispõe. Além disso, na medida do possível, o operador do motor de busca deverá acionar rapidamente um debate contraditório com o editor web que difundiu inicialmente a informação, que terá assim a possibilidade de expor as razões em apoio da veracidade dos dados pessoais tratados e da licitude do tratamento. Por último, o operador do motor de busca deverá decidir sobre a aceitação, ou não, do pedido de supressão de referências, dando conta sucintamente das razões da decisão.
46. Apenas no caso de subsistirem dúvidas consistentes quanto à veracidade ou à falsidade das informações em questão, ou quando o peso das informações falsas no âmbito da publicação em apreço for manifestamente pouco relevante e essas informações não tiverem um caráter sensível, é que o operador do motor de busca poderá rejeitar o pedido. A pessoa em causa poderá então recorrer à autoridade judiciária, que tem o poder de efetuar as verificações do processo, ou à autoridade de controlo a que se refere o artigo 51.o do RGPD, no âmbito de uma reclamação contra a decisão do operador do motor de busca.
47. Se o conteúdo disser respeito a uma pessoa que desempenha um papel público, na aceção anteriormente referida, uma vez que o direito à informação tem, em princípio, um peso maior do que os enunciados nos artigos 7.o e 8.o da Carta, a escolha de supressão das referências deve basear‑se em provas particularmente fortes quanto à falsidade das informações. Nesses casos, quando permaneça uma dúvida razoável sobre a veracidade ou a falsidade da informação, a supressão de referências deverá, na minha opinião, ser excluída. Em todo o caso, por maioria de razão quando o conteúdo controvertido diz respeito a uma pessoa em razão do papel que esta desempenha na vida pública, não se poderá aceitar a supressão de referências quando apenas se exprimam opiniões, ainda que fortemente críticas e mesmo em tons muito vivos e irreverentes, ou se se tratar de sátira (42). Com efeito, a retificação dos dados não verdadeiros diz respeito, de facto, a informações sobre dados e não a opiniões, que contribuem, em todo o caso, para o desenvolvimento do debate público numa sociedade democrática, desde que não deslizem para a difamação. Em contrapartida, é claro que, mesmo em caso de rejeição inicial do pedido, o operador do motor de busca será obrigado a proceder à supressão de referências se o caráter falso da informação for posteriormente declarado por via judicial.
48. Por último, se as circunstâncias do caso concreto o aconselharem para evitar um prejuízo irreparável para a pessoa em causa, o operador do motor de busca pode proceder a uma suspensão temporária da indexação das referências (43) ou indicar nos resultados da pesquisa que a veracidade de algumas das informações que figuram no conteúdo a que conduz a hiperligação em questão é contestada (44), sem prejuízo, em todo o caso, do direito, em primeiro lugar, do editor web de contestar essa iniciativa perante a autoridade judiciária.
49. A solução proposta alcança, na minha opinião, uma composição equilibrada dos diferentes direitos envolvidos, evitando igualmente o perigo de transformar a Google no «juiz da verdade» ou de realizar uma forma de censura privada da informação na rede. Este último risco pode ocorrer facilmente se se impuserem ao motor de busca obrigações gerais de não alojar publicações que contenham informações falsas ou obrigações gerais de verificação da falsidade, ou não, de informações objeto de um pedido de supressão de referências. Neste caso, com efeito, para evitar eventuais responsabilidades, o motor de busca seria encorajado a suprimir todos os conteúdos duvidosos, mesmo na falta de elementos que permitam razoavelmente considerá‑los falsos, com prejuízo grave para a liberdade de informação. Para contrariar este risco, convém procedimentalizar o exercício do direito de supressão de referências, que imponha ónus específicos a todas as partes envolvidas.
50. Com base nas considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial que o artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da ponderação entre os direitos fundamentais em conflito previstos nos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta no âmbito da apreciação de um pedido de supressão de referências apresentado ao operador de um motor de busca com base na alegada falsidade das informações que figuram no conteúdo indexado, não pode basear‑se, de maneira determinante, na circunstância de o interessado poder razoavelmente obter proteção jurídica contra o fornecedor dos conteúdos, por exemplo através de uma providência cautelar. No âmbito desse pedido, incumbe ao interessado fornecer um indício de prova da falsidade dos conteúdos dos quais se pede a supressão das referências, quando tal não se mostre, nomeadamente em relação à natureza das informações em causa, manifestamente impossível ou excessivamente difícil. Cabe ao operador do motor de busca efetuar as verificações que integram as suas possibilidades concretas, contactando, na medida do possível, o editor da página web indexada. Se as circunstâncias do caso concreto o aconselharem para evitar um prejuízo irreparável para a pessoa em causa, o operador do motor de busca pode proceder a uma suspensão temporária da indexação das referências ou indicar nos resultados da pesquisa que a veracidade de algumas das informações que figuram no conteúdo a que conduz a hiperligação em questão é contestada.
C. Quanto à segunda questão prejudicial
51. Com a segunda questão prejudicial, o BGH pergunta, em substância, ao Tribunal de Justiça se, para efeitos da ponderação entre os direitos e os interesses em conflito referidos nos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta, a efetuar nos termos dos artigos 12.o, alínea b), e 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 e do artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do RGPD, no âmbito de um pedido de supressão de referências dirigido ao operador de um motor de busca, na sua qualidade de responsável pelo tratamento, e destinado a obter a remoção dos resultados de uma pesquisa por imagens, efetuada a partir do nome de uma pessoa singular, de fotografias, exibidas sob a forma de imagens de pré‑visualização, que representam essa pessoa, deve ser tido de maneira determinante em conta o contexto da publicação na Internet em que essas fotografias apareceram originariamente, contexto que o motor de pesquisa não exibe, mas para o qual se limita a remeter através de uma hiperligação que aparece ao mesmo tempo que as referidas imagens de pré‑visualização. O BGH explica que, embora consideradas isoladamente, as fotografias dos recorrentes não tragam nenhum contributo para o debate público, todavia, no contexto do artigo em que se inserem, contribuem para veicular as informações e opiniões aí expressas.
52. A Google considera que essa questão é hipotética, por um lado, porque, contrariamente ao que resulta da decisão de reenvio, o litígio no processo principal não tem por objeto um pedido de supressão de referências dos resultados de uma pesquisa por imagens efetuada a partir do nome dos recorrentes, mas a proibição geral de exibir as imagens de pré‑visualização que figuram num dos artigos controvertidos e, por outro, porque as fotografias em causa já não estão indexadas pela Google desde setembro de 2017 e os artigos controvertidos já não estão disponíveis no sítio g‑net desde 28 de junho de 2018. A este respeito, há que recordar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal [de Justiça] (45). O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas(46). No caso em apreço, não resulta manifestamente dos autos à disposição do Tribunal de Justiça que a questão do órgão jurisdicional de reenvio sobre a interpretação das disposições da Diretiva 95/46 e do RGPD não seja real, ou que a sua interpretação não tenha qualquer ligação com a realidade ou com o objeto do processo principal. No que respeita, em particular, ao facto de já não aparecerem no sítio g‑net as fotografias em causa ou os artigos controvertidos, o órgão jurisdicional de reenvio explica que parte do princípio de que a remoção desses conteúdos tem um caráter meramente temporário e de que os recorrentes no processo principal conservam um interesse em que seja proferida decisão sobre o seu pedido de supressão de referências. Nestas circunstâncias, a realidade e a utilidade da interpretação pedida não podem, na minha opinião, ser excluídas com base em dúvida.
53. Passando ao mérito da questão submetida pelo BGH, há que salientar, antes de mais, que, como a Google observou corretamente, às pesquisas nominativas por imagens através de um motor de busca na Internet aplicam‑se as mesmas regras que se aplicam às pesquisas na web. A jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 11 a 19 das presentes conclusões é, pois, igualmente válida no caso de pedidos de supressão de referências relativos aos resultados deste tipo de pesquisas. A exibição, nesses resultados, de fotografias de pessoas singulares sob a forma de imagens de pré‑visualização constitui um tratamento de dados pessoais em relação ao qual o operador do motor de busca assume a qualidade de «responsável» na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 95/46 e do artigo 4.o, ponto 7, do RGPD, respondendo, no âmbito das suas responsabilidades, das suas competências e das suas possibilidades, pelo cumprimento das exigências constantes desses atos. No caso de um pedido de supressão de referências dos resultados de uma pesquisa por imagens, o operador do motor de busca deverá efetuar uma ponderação entre os diferentes direitos fundamentais em jogo e apreciar se prevalecem os direitos da pessoa em causa ao respeito pela vida privada e à proteção dos dados pessoais ou a liberdade de expressão e de informação. Ao fazê‑lo, deve tomar em consideração todos os elementos pertinentes (47).
54. A questão de saber se, entre esses elementos, deve igualmente figurar o conteúdo da página web no qual se insere a fotografia cuja remoção é pedida depende, em minha opinião, da correta identificação do objeto do tratamento em causa e da natureza desse tratamento. No litígio no processo principal, como foi dito, os recorrentes pedem a supressão da referência a quatro fotografias que os representam. Ora, este pedido não tem por objeto nem as informações contidas no texto do artigo que figura na página web do editor ao mesmo tempo que as referidas fotografias, nem estas últimas na sua função de apoio visual e descritivo desse texto e como parte integrante do artigo em causa. A indexação através de uma pesquisa web da hiperligação que remete para esse artigo e para as fotografias que ele contém constitui um tratamento diferente, com um objeto diferente, ao qual os recorrentes se opõem com um pedido autónomo de supressão de referências (em relação ao qual o BGH submeteu a primeira questão prejudicial).
55. Ao encontrar as fotografias de pessoas singulares publicadas na Internet e ao reproduzi‑las, nos resultados de uma pesquisa por imagens, sob a forma de imagens de pré‑visualização, independentemente do conteúdo em que se inserem e despojando‑as do valor eventualmente informativo ou descritivo que lhes tinha sido originariamente atribuído, o operador de um motor de busca oferece um serviço no qual efetua um tratamento de dados pessoais autónomo e distinto tanto do tratamento do editor da página web da qual são retiradas as fotografias como do tratamento relativo à indexação dessa página, pelo qual esse operador é igualmente responsável. Como o BGH observou corretamente, dada a natureza desse tratamento, no qual uma parte do conteúdo criado por terceiros, dotada de autonomia própria, é extraída e exibida separadamente, o operador do motor de busca parece não estar a agir como intermediário, mas como criador de conteúdos.
56. Em meu entender, resulta do exposto que, no âmbito da ponderação entre direitos fundamentais conflituantes a efetuar com base nas disposições pertinentes da Diretiva 95/46 e do RGPD, para efeitos da análise de um pedido de remoção de fotografias que representam uma pessoa singular dos resultados de uma pesquisa por imagens efetuada a partir do nome dessa pessoa, deve ter‑se unicamente em conta o valor informativo das fotografias enquanto tais, independentemente do conteúdo em que estas últimas são inseridas na página web em que são obtidas. Em contrapartida, na hipótese de, no âmbito de um pedido de supressão da referência da hiperligação que remete para uma página web, ser contestada a visualização de fotografias no contexto do conteúdo dessa página, deve ser tido em consideração para efeitos de tal ponderação o valor informativo que essas fotografias revestem no âmbito do referido contexto.
57. Os argumentos aduzidos pela Google nas suas observações escritas não permitem, em meu entender, infirmar essa conclusão. Embora seja verdade que, numa pesquisa por imagens, as imagens de pré‑visualização aparecem acompanhadas da hiperligação que remete para o conteúdo da página web onde são inseridas, isto não impede que a sua exibição pelo motor de busca seja efetuada de forma totalmente autónoma e desvinculada do contexto em que as fotografias se inserem. Diferentemente do caso de uma pesquisa web, cujos resultados não permitem a visualização imediata do conteúdo indexado, numa pesquisa por imagens, a exibição dos conteúdos gráficos, incluindo as imagens de pré‑visualização de fotografias publicadas na Internet, constitui, por si só, o resultado pesquisado pelo utilizador, independentemente da sua decisão posterior de aceder ou não à página web de origem. A circunstância, sublinhada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de essa exibição corresponder ao modelo de empresa da Google e de não ser tecnicamente possível fazer de outra forma, também não põe em causa a natureza autónoma do tratamento de dados que essa visualização implica.
58. É certo que não está excluído que, ao pedir a remoção das fotografias que a representam, a pessoa em causa procura, na realidade, limitar o acesso, através da hiperligação que acompanha essas fotografias, ao conteúdo em que estas estão inseridas e às informações eventualmente de interesse público que ali figuram. Todavia, importa salientar a este respeito que, embora a remoção de fotografias dos resultados de uma pesquisa por imagens restrinja indubitavelmente as possibilidades de aceder ao conteúdo em que se inserem, este último continua, todavia, diretamente acessível através de uma pesquisa web tradicional. Uma tal pesquisa permite também visualizar, através da hiperligação indexada, a totalidade do conteúdo, incluindo as fotografias, que, no seu contexto de origem, desempenham plenamente a função que lhes é eventualmente atribuída pelo editor web de veicular e corroborar as informações prestadas e as opiniões expressas. Assim, no processo principal, mesmo que o pedido de supressão das referências aos artigos em causa deva ser rejeitado, dada a prevalência da liberdade de expressão e de informação sobre os direitos dos recorrentes ao respeito pela sua vida privada e à proteção dos seus dados pessoais, a eventual aceitação do pedido de remoção das fotografias que os representam não limita de forma excessiva nem injustificada essa liberdade, se, como afirma o BGH, essas fotografias têm um valor pouco informativo quando retiradas do contexto em que se inserem.
59. Tendo em conta as precisões que figuram no número anterior, a conclusão a que cheguei no n.o 56 das presentes conclusões, longe de conferir uma proteção quase absoluta ao direito à imagem, reconhece‑lhe a justa dimensão de que se reveste entre aos direitos relativos à personalidade. A imagem de um indivíduo é, com efeito, um dos principais atributos da sua personalidade, na medida em que exprime a sua originalidade e permite diferenciá‑lo dos seus pares. O direito da pessoa à proteção da sua imagem constitui uma das condições da sua realização pessoal e pressupõe o controlo da pessoa sobre a própria imagem e, em particular, a possibilidade de recusar a sua divulgação (48). Daqui resulta que, embora a liberdade de expressão e de informação compreenda indiscutivelmente a publicação de fotografias (49), a proteção do direito da pessoa à privacidade assume, neste contexto, uma importância particular, dada a capacidade das fotografias de veicularem informações particularmente pessoais ou mesmo íntimas sobre um indivíduo ou a sua família (50).
60. Com base nas considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à segunda questão prejudicial que os artigos 12.o, alínea b), e 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 e o artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do RGPD devem ser interpretados no sentido de que, para efeitos da ponderação entre os direitos fundamentais concorrentes referidos nos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta, a efetuar no âmbito de um pedido de supressão de referências dirigido ao operador de um motor de busca e destinado a obter a remoção dos resultados de uma pesquisa por imagens, efetuada a partir do nome de uma pessoa singular, de fotografias, exibidas sob a forma de imagens de pré‑visualização, que representam essa pessoa, não se deve ter em conta o contexto da publicação na Internet em que essas fotografias apareceram originariamente.
V. Conclusão
61. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo BGH:
1) O artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos da ponderação entre os direitos fundamentais em conflito previstos nos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta no âmbito da apreciação de um pedido de supressão de referências apresentado ao operador de um motor de busca com base na alegada falsidade das informações que figuram no conteúdo indexado, não pode basear‑se, de maneira determinante, na circunstância de o interessado poder razoavelmente obter proteção jurídica contra o fornecedor dos conteúdos, por exemplo através de uma providência cautelar. No âmbito desse pedido, incumbe ao interessado fornecer um indício de prova da falsidade dos conteúdos dos quais se pede a supressão das referências, quando tal não se mostre, nomeadamente em relação à natureza das informações em causa, manifestamente impossível ou excessivamente difícil. Cabe ao operador do motor de busca efetuar as verificações que integram as suas possibilidades concretas, contactando, na medida do possível, o editor da página web indexada. Se as circunstâncias do caso concreto o aconselharem para evitar um prejuízo irreparável para a pessoa em causa, o operador do motor de busca pode proceder a uma suspensão temporária da indexação das referências ou indicar nos resultados da pesquisa que a veracidade de algumas das informações que figuram no conteúdo a que conduz a hiperligação em questão é contestada.
2) Os artigos 12.o, alínea b), e 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 e o artigo 17.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento 2016/679 devem ser interpretados no sentido de que, para efeitos da ponderação entre os direitos fundamentais concorrentes referidos nos artigos 7.o, 8.o, 11.o e 16.o da Carta, a efetuar no âmbito de um pedido de supressão de referências dirigido ao operador de um motor de busca e destinado a obter a remoção dos resultados de uma pesquisa por imagens, efetuada a partir do nome de uma pessoa singular, de fotografias, exibidas sob a forma de imagens de pré‑visualização, que representam essa pessoa, não se deve ter em conta o contexto da publicação na Internet em que essas fotografias apareceram originariamente.