Language of document : ECLI:EU:T:2019:671

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

24 de setembro de 2019 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos envelopes normalizados/por catálogo e especiais impressos — Decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE — Anulação parcial por violação da obrigação de fundamentação — Decisão de alteração — Procedimento de transação — Coimas — Montante de base — Adaptação excecional — Limite de 10 % do volume de negócios global — Artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Princípio non bis in idem — Segurança jurídica — Confiança legítima — Igualdade de tratamento — Cúmulo de sanções — Proporcionalidade — Equidade — Competência de plena jurisdição»

No processo T‑466/17,

Printeos, SA, com sede em Alcalá de Henares (Espanha),

Printeos Cartera Industrial, SL, com sede em Alcalá de Henares,

Tompla Scandinavia AB, com sede em Estocolmo (Suécia),

Tompla France, com sede em Fleury‑Mérogis (França),

Tompla Druckerzeugnisse Vertriebs GmbH, com sede em Leonberg (Alemanha),

representadas por H. Brokelmann e P. Martínez‑Lage Sobredo, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Castilla Contreras, F. Jimeno Fernández e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido fundado no artigo 263.o TFUE e em que se solicita, a título principal, a anulação parcial da Decisão C(2017) 4112 final da Comissão, de 16 de junho de 2017, que modifica a Decisão C(2014) 9295 final da Comissão, de 10 de dezembro de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o TFUE e do artigo 53.o do Acordo EEE (AT.39780 — Envelopes), e, a título subsidiário, a redução do montante da coima aplicada às recorrentes,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, S. Frimodt Nielsen, V. Kreuschitz (relator), N. Półtorak e E. Perillo, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 3 de abril de 2019,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Procedimento administrativo que levou à adoção da decisão inicial

1        Na Decisão C(2014) 9295 final da Comissão, de 10 de dezembro de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (AT.39780 — Envelopes) (a seguir «decisão inicial»), a Comissão Europeia concluiu que, nomeadamente, as recorrentes, Printeos SA, Tompla Sobre Exprés SL, que passou a denominar‑se Printeos Cartera Industrial SL, Tompla Scandinavia AB, Tompla France e Tompla Druckerzeugnisse Vertriebs GmbH, tinham violado o artigo 101.o TFUE e o artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) ao terem participado, no período compreendido entre 8 de outubro de 2003 a 22 de abril de 2008, num cartel decidido e concretizado no mercado europeu dos envelopes normalizados por catálogo e dos envelopes especiais impressos, inclusive na Dinamarca, Alemanha, França, Suécia, Reino Unido e Noruega. Esse cartel tinha por objetivo coordenar os preços de venda, repartir a clientela e trocar informações comerciais sensíveis. Para além das recorrentes, o cartel implicava a participação do grupo Bong (a seguir «Bong»), do grupo GPV France SAS and Heritage Envelopes Ltd (a seguir «GPV»), do grupo Holdham SA (a seguir «Hamelin») e do grupo Mayer‑Kuvert (a seguir «Mayer‑Kuvert»), também destinatários da decisão inicial.

2        A decisão inicial foi adotada no contexto de um procedimento de transação ao abrigo do artigo 10.o‑A do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), e da Comunicação da Comissão relativa à condução de procedimentos de transação para efeitos da adoção de decisões nos termos do artigo 7.o e do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho nos processos de cartéis (JO 2008, C 167, p. 1, a seguir «comunicação sobre a transação»).

3        Dada a infração verificada (artigo 1.o, n.o 5, da decisão inicial), a Comissão aplicou às recorrentes, conjunta e solidariamente, uma coima no montante de 4 729 000 euros [artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial].

4        O procedimento administrativo que levou à adoção da decisão inicial tinha sido desencadeado pela Comissão, por sua própria iniciativa, com base em informações e documentos que lhe foram transmitidos por um informador anónimo. Em 14 de setembro de 2010, procedeu a inspeções ao abrigo do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), nas recorrentes e em outras sociedades implicadas no cartel na Dinamarca, Espanha, França e Suécia. Em 1 de outubro de 2010 e 31 de janeiro de 2011, outras inspeções tiveram lugar na Alemanha (considerando 16 da decisão inicial).

5        Em 22 de outubro de 2010, as recorrentes apresentaram à Comissão um pedido de clemência ao abrigo da Comunicação da Comissão Relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17, a seguir «comunicação sobre a cooperação») (considerando 17 da decisão inicial), e um outro análogo à Comisión Nacional de la Competencia, posteriormente denominada Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (Autoridade da Concorrência, Espanha, a seguir «CNC»).

6        Em 15 de março de 2011, a CNC deu início a um processo com vista a apurar a existência de uma infração ao artigo 101.o TFUE e às regras de concorrência espanholas análogas cometida, designadamente, pela Tompla Sobre Exprés, incluindo as suas filiais espanholas, no que respeita apenas ao mercado espanhol dos envelopes de papel [processo S/0316/10, Sobres de papel (envelopes de papel)]. A este respeito, a Comissão não deu continuidade a um pedido das recorrentes para fazer uso da sua prerrogativa, ao abrigo do artigo 11.o, n.o 6, do Regulamento n.o 1/2003, de dar início ao processo e privar a CNC da sua competência para aplicar o artigo 101.o TFUE. Esse processo conduziu à adoção, pela CNC, em 25 de março de 2013, de uma decisão que aplicava a essas sociedades uma coima no valor total de 10 141 530 euros em virtude da sua participação no mercado espanhol, no período compreendido entre 1977 e 2010, em cartéis que tinham por objeto a fixação dos preços e a repartição dos concursos públicos lançados pelas autoridades espanholas para fornecimento de envelopes já impressos para eleições e referendos à escala europeia, nacional e regional, a repartição das propostas de envelopes já impressos para fins comerciais para os grandes clientes, a fixação dos preços de envelopes virgens e a limitação das tecnologias. Na sequência de um recurso interposto, nomeadamente, pela primeira recorrente, a Audiencia Nacional, Sala de lo Contencioso (Audiência Nacional, Secção do Contencioso, Espanha), anulou essa decisão na parte em que determinava o montante da coima aplicada e devolveu o processo à CNC para que esta determine de novo o referido montante em conformidade com os critérios legais aplicáveis.

7        Como todas as partes em causa manifestaram o seu interesse em participar em conversações de transação, a Comissão deu início, em 10 de dezembro de 2013, ao procedimento a que se refere o artigo 10.o‑A do Regulamento n.o 773/2004, no contexto do qual procedeu a reuniões bilaterais com cada uma das partes (considerandos 19 e 20 da decisão inicial).

8        Numa reunião que teve lugar em 21 de janeiro de 2014, a Comissão apresentou às recorrentes uma perspetiva geral do cartel, incluindo a sua análise dos elementos de prova de que dispunha.

9        As recorrentes transmitiram, em 24 de fevereiro de 2014, um documento informal, dito «non paper», no qual pediam que a Comissão tivesse em conta, para efeitos da determinação do montante da coima, em primeiro lugar, a coima que lhes havia sido aplicada pela CNC, porquanto essa coima já equivalia, por si só, a 10 % do respetivo volume de negócios global de 2012, em segundo lugar, o facto de que formavam um grupo «monoproduto», ou seja, que se dedica à produção de um único produto e, em terceiro lugar, o ponto 37 das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações»), que permite à Comissão, atentas as especificidades do processo em causa, afastar‑se da metodologia geral para a fixação do montante das coimas ou dos limites fixados no ponto 21 das mesmas orientações.

10      Em vez de uma segunda reunião, tendo o acordo das recorrentes, a Comissão, por correio eletrónico de 17 de junho de 2014, apresentou uma visão de conjunto dos principais critérios a considerar para efeitos da determinação do montante da coima a aplicar, como o valor das vendas realizadas pelas recorrentes em 2007, ou seja, 143 316 000 euros, e o respetivo volume de negócios em 2013, ou seja, 121 728 000 euros, a duração da respetiva participação na infração, etc. As recorrentes responderam por correio eletrónico de 18 de junho de 2014 em que confirmaram o valor das vendas e o volume de negócios tidos em conta pela Comissão e afirmaram não ter observações substanciais a fazer a esse respeito.

11      Numa reunião ocorrida em 24 de outubro de 2014, a Comissão informou as recorrentes dos métodos e critérios de cálculo do montante da coima, ou seja, em primeiro lugar, da proporção (15 %) do valor das vendas (143 316 000 euros em 2007) utilizado para determinar o montante de base da coima, em segundo lugar, da duração da infração praticada pelas recorrentes (quatro anos e seis meses), em terceiro lugar, do montante adicional de 15 %, em quarto, da inexistência de circunstâncias atenuantes ou agravantes, em quinto, da não aplicação de um fator multiplicador, em sexto, do montante máximo da coima autorizado de 12 171 800 euros (10 % do volume de negócios global das recorrentes em 2013), em sétimo, de uma redução excecional do montante da coima ao abrigo do ponto 37 das orientações devido às especificidades do processo, incluindo o facto de os montantes de base de todas as partes no cartel exceder o limite de 10 % previsto no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, em oitavo, de uma redução adicional justificada pela natureza «monoproduto» do grupo das recorrentes, em nono, da impossibilidade de conceder uma redução em virtude da existência da coima aplicada pela CNC, já que o cartel que esta tinha em vista era distinto do investigado pela Comissão e devia ser punido independentemente e em conformidade com as regras aplicáveis, diferentes das aplicadas pela Comissão, em décimo lugar, de uma redução prevista de 50 % ao abrigo dos pontos 24 e 25 da comunicação sobre a cooperação, em décimo primeiro lugar, de uma redução prevista de 10 % ao abrigo do ponto 32 da comunicação sobre a transação e, por último, do intervalo que enquadra o montante da coima e que está compreendido entre 4 610 000 e 4 848 000 euros, e que as recorrentes deviam aceitar o montante máximo na respetiva proposta de transação.

12      Em 7 de novembro de 2014, as recorrentes apresentaram a respetiva proposta de transação em que aceitavam o valor das vendas e o volume de negócios tidos em conta pela Comissão bem como o montante máximo da coima de 4 848 000 euros.

13      Em 18 de novembro de 2014, a Comissão adotou a comunicação de acusações.

14      Em 20 de novembro de 2014, as recorrentes, em conformidade com o ponto 26 da comunicação sobre a transação, confirmaram que a comunicação de acusações correspondia ao teor da respetiva proposta de transação e que continuavam empenhados em seguir o procedimento de transação.

15      Na decisão inicial, relativamente ao cálculo das coimas aplicadas, a Comissão determinou o montante de base de cada uma das empresas em causa (considerandos 71 a 84 da decisão inicial) conforme se encontra especificado no quadro seguinte:

Empresa

Valor das vendas EUR

Coeficiente de gravidade %

Duração

Montante adicional %

Montante de base EUR

Bong

140 000 000

15

4,5

15

115 500 000

[…] GPV

125 086 629

15

4,5

15

103 196 000

Hamelin

185 521 000

15

4,416

15

150 717 000

Mayer‑Kuvert

70 023 181

15

4,5

15

57 769 000

Printeos […]

143 316 000

15

4,5

15

118 235 000


16      Além disso, nos considerandos 85 a 87 da decisão inicial, a Comissão considerou que não havia que ajustar os montantes de base nos termos dos pontos 28 e 29 das orientações, exceto no caso da Mayer‑Kuvert, a quem devia ser aplicada uma redução de 10 % em virtude da sua participação reduzida na infração.

17      Sob a epígrafe «Adaptação dos montantes de base», a Comissão observou que, dado que as vendas da maioria das entidades em causa tinham sido efetuadas num único mercado, mercado esse em que tinham participado num cartel durante vários anos, na prática, todos os montantes das coimas podiam atingir o limite de 10 % do volume de negócios global e que a aplicação do referido limite correspondia mais à regra do que à exceção (considerando 88 da decisão inicial). A este respeito, a Comissão recordou a jurisprudência do Tribunal Geral tendo observado que essa perspetiva podia originar dúvidas à luz do princípio segundo o qual as penalidades devem ter um nexo imediato tanto com a infração como com o seu autor, porquanto pode conduzir, em determinadas condições, a uma situação em que qualquer diferenciação em função da gravidade ou de circunstâncias atenuantes deixará de ser suscetível de se repercutir no montante de uma coima (Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 75). Dadas as especiais circunstâncias do presente processo, a Comissão considerou adequado exercer o seu poder de apreciação e aplicar o ponto 37 das orientações, que lhe permitem afastar‑se da metodologia das orientações (considerandos 89 e 90 da decisão inicial).

18      Os considerandos 91 e 92 da decisão inicial estão redigidos nos seguintes termos:

«(91) No caso em apreço, o montante de base é ajustado de uma forma que tem em conta o valor das vendas do produto cartelizado em relação ao volume de negócios global, e as diferenças entre as partes consoante a sua participação individual na infração. No seu conjunto, as coimas serão fixadas num nível proporcionado à infração e suficientemente dissuasivo.

(92) Consequentemente, será aplicada uma redução às coimas calculadas para todas as partes. Nas circunstâncias específicas do caso em apreço e atendendo ao facto de que todas as partes participaram ativamente, numa medida diferente, mas importante, na venda de envelopes normalizados por catálogo e de envelopes especiais impressos, propõe‑se efetuar uma redução de 98 % da coima que deve ser aplicada pela infração cometida pela GPV, de 90 % para a Tompla, de 88 % para a Bong e Mayer‑Kuvert, e de 85 % para a Hamelin.»

19      O resultado deste ajustamento dos montantes de base pode ser resumido da seguinte forma (v., também, quadro exposto no considerando 93 da decisão inicial):

Empresa

Montante de base antes do ajustamento EUR

Redução %

Montante de base depois do ajustamento EUR

Bong

115 500 500

88

13 860 000

GPV

103 196 000

98

2 063 920

Hamelin

150 717 000

85

22 607 550

Mayer‑Kuvert

57 769 000

88

6 932 280

Printeos

118 235 000

90

11 823 500


20      Por outro lado, a Comissão concedeu às recorrentes reduções adicionais do montante da coima de 50 % a título da comunicação sobre a cooperação e de 10 % nos termos do ponto 32 da comunicação sobre a transação (considerandos 99, 102 e 103 da decisão inicial). Nos termos das regras pertinentes correspondentes, foram concedidas à Hamelin e à Mayer‑Kuvert reduções do montante das suas coimas de, respetivamente, 25 % e 10 % (cooperação) e de 10 % (transação) (considerandos 100 a 103 da decisão inicial).

21      Por último, decorre dos considerandos 104 a 108 da decisão impugnada, sob a epígrafe «Capacidade contributiva», que, na sequência de pedidos fundamentados apresentados pela Bong e pela Hamlin ao abrigo do ponto 35 das orientações, a Comissão fixou o montante das suas coimas em 3 118 000 euros e em 4 996 000 euros, respetivamente. As recorrentes não apresentaram um pedido análogo à Comissão, nem obtiveram a redução ao abrigo do referido ponto.

B.      Acórdão no processo T95/15

22      Na sequência de um recurso interposto pelas recorrentes, baseado no artigo 263.o TFUE, em que a título principal é pedida a anulação parcial da decisão inicial, o Tribunal Geral, por Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), anulou o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial por esta não estar suficientemente fundamentada na aceção do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE (Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 57 e 58 e n.o 1 do dispositivo).

23      As considerações que justificam essa anulação encontram‑se expostas nos n.os 45 a 56 do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722).

24      O Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), transitou em julgado.

C.      Acórdão no processo T201/17

25      Na sequência de novo recurso da primeira recorrente, que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de março de 2017 e que tem por objeto, a título principal, um pedido fundado no artigo 268.o TFUE, através do qual pretende obter reparação do prejuízo resultante da recusa da Comissão em lhe pagar juros de mora sobre o montante principal da coima reembolsada na sequência da anulação da decisão inicial, o Tribunal Geral, por Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, sob recurso, EU:T:2019:81), condenou a União Europeia, representada pela Comissão, a reparar o prejuízo suportado pela primeira recorrente pagando‑lhe uma quantia de 184 592,95 euros, acrescida de juros de mora. A Comissão interpôs recurso desse acórdão, registado sob o número C‑301/19 P.

D.      Reabertura do procedimento administrativo e adoção da decisão impugnada

26      Na sequência do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), a Comissão, em 29 de março de 2017, enviou às recorrentes um ofício no qual as informava da sua intenção de adotar um nova decisão que lhes aplicava uma coima de igual montante ao da coima que lhe havia sido aplicada na decisão inicial, ao mesmo tempo que indicava os critérios tidos em consideração para calcular as coimas aplicadas às empresas em causa, designadamente a metodologia adotada ao abrigo do ponto 37 das orientações. Também convidou as recorrentes a apresentarem‑lhe as suas observações num prazo de três semanas contadas da receção do referido ofício.

27      Por carta de 17 de abril de 2017, as recorrentes apresentaram as respetivas observações nas quais alegavam que a adoção de uma nova decisão era contrária ao princípio ne bis in idem, já que a anulação da decisão inicial pelo Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), não foi de ordem puramente processual e a referida decisão também violou o seu direito fundamental a uma boa administração, previsto no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). As recorrentes consideraram também que a coima tida em vista era discriminatória a seu respeito e que, em conformidade com o Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 11), por razões de equidade, a Comissão devia ter em conta a coima que lhe tinha sido aplicada pela CNC na sua Decisão de 25 de março de 2013.

28      Por Decisão C(2017) 4112 final, de 16 de junho de 2017, que altera a decisão inicial (a seguir «decisão impugnada»), cujos destinatários eram apenas as recorrentes, a Comissão aplicou‑lhes, conjunta e solidariamente, uma coima de 4 729 000 euros (artigos 1.o e 3.o, bem como considerandos 8 e 9 da referida decisão).

29      Em primeiro lugar, no considerando 7 da decisão impugnada, refere‑se que a anulação parcial, pelo Tribunal Geral, da decisão inicial por falta de fundamentação era de âmbito processual. Assim, essa anulação não podia ser qualificada como absolvição na aceção do artigo 50.o da Carta (Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 59 a 63 e 693 a 695), e a Comissão estava no direito de retomar o procedimento administrativo no ponto em que a ilegalidade ocorreu (Acórdãos de 9 de dezembro de 2014, Lucchini/Comissão, T‑91/10, EU:T:2014:1033, n.o 173, e de 9 de dezembro de 2014, SP/Comissão, T‑472/09 e T‑55/10, EU:T:2014:1040, n.o 277).

30      Em segundo lugar, no considerando 8 da decisão impugnada, afirma‑se que essa decisão «fornece informações adicionais sobre a metodologia aplicada e sobre os factos a que a Comissão atendeu para determinar e adaptar os montantes de base da coima, conforme indicado nos considerandos 88 a 93 da decisão [inicial]».

31      Em terceiro lugar, nos considerandos 10 a 22 da decisão impugnada, a Comissão explica a metodologia e as razões das «adaptações» dos montantes de base das coimas, efetuadas ao abrigo do ponto 37 das orientações, subjacentes aos considerandos 88 a 95 da decisão inicial.

32      No considerando 14 da decisão impugnada, a Comissão sublinha ter tido em consideração a redução mínima necessária para que o montante de base da coima a aplicar a cada uma das empresas em causa fosse inferior ao limite de 10 % garantindo simultaneamente que o montante de base adaptado refletia o caráter comparável das respetivas participações no cartel. Além disso, ficou aí explicitado que uma redução uniforme para todas as empresas em causa conduziria a uma situação em que cada uma beneficiaria injustificadamente da redução mínima necessária para que o montante de base da empresa cujo montante de base excede o limite de 10 % em maior medida, ou seja, a GPV, ficasse abaixo desse limite, o que daria lugar a coimas insuscetíveis de refletir a gravidade da respetiva infração e sem efeito dissuasor suficiente.

33      No considerando 15 da decisão impugnada, indica‑se que a Comissão, antes de mais, adaptou o montante de base para cada uma das empresas em causa tomando em consideração a parte do valor das vendas do produto cartelizado por referência ao volume de negócios global (a seguir «rácio produto/volume de negócios»). Ora, as adaptações efetuadas na decisão inicial também pretendiam garantir que as coimas adaptadas refletissem sempre a gravidade de toda a infração, sem, no entanto, falsear o peso relativo dos montantes de base respetivos das empresas em causa que correspondia ao seu envolvimento comparativo no cartel. Estes elementos metodológicos afetaram as reduções individuais concedidas a cada uma das empresas em causa.

34      Nos termos do considerando 16 da decisão impugnada, a decisão inicial atendeu ao rácio produto/volume de negócios de cada empresa em causa, calculado enquanto rácio do volume de negócios global das vendas de envelopes por referência ao volume de negócios mundial total em 2012. Uma empresa com um rácio produto/volume de negócios mais elevado beneficiaria de uma redução produto/volume de negócios maior, ou pelo menos igual à concedida a uma empresa com um rácio produto/volume de negócios menor. Os rácios constantes do quadro A demonstram que todas as empresas, exceto a Hamelin, possuíam rácios produto/volume de negócios individuais muito elevados. Ora, após a cessão dos seus ativos de produção de envelopes, a Hamelin nunca mais referiu vendas do produto cartelizado em 2012, razão pela qual o seu rácio produto/volume de negócios foi calculado por comparação do seu volume de negócios de 2012 com as vendas do produto cartelizado pela sua antiga filial.

35      No considerando 17 da decisão impugnada, sublinhou‑se que a redução de 98 % concedida à GPV era necessária para que o seu volume de negócios ficasse aquém do limite de 10 %. Como a GPV tinha sido a empresa com o rácio produto/volume de negócios mais elevado, as outras empresas beneficiaram de reduções menores, individualmente determinadas e que refletiam tanto os seus rácios produto/volume de negócios respetivos como o peso relativo dos montantes de base que lhe eram atribuídos.

36      No considerando 18 da decisão impugnada, ficou especificado que uma simples redução linear baseada nos rácios produto/volume de negócios individuais teria dado lugar a resultados que não se justificavam e falseado o peso relativo dos montantes de base. Por força dessa abordagem, por exemplo, o montante de base adaptado da Mayer‑Kuvert (com um rácio produto/volume de negócios de 76 %) teria sido superior ao montante de base adaptado das recorrentes (com um rácio produto/volume de negócios de 90 %), enquanto, anteriormente à adaptação, o seu montante de base representava mais do dobro do da Mayer‑Kuvert. A metodologia utilizada na decisão inicial visava, portanto, por razões de equidade, restabelecer o equilíbrio entre os montantes de base adaptados através da definição de reduções individuais que reflitam não apenas os rácios produto/volume de negócios, mas também o caráter comparável da implicação individual das empresas em causa, tal como resulta dos montantes de base não adaptados.

37      No considerando 19 da decisão impugnada, a Comissão refere ter considerado que, embora a Hamelin tivesse um rácio produto/volume de negócios consideravelmente menor do que as outras empresas, era necessário reduzir igualmente a coima que lhe estava destinada para se atender ao facto de o seu papel no cartel ter sido semelhante ao das referidas empresas. Atento o seu rácio produto/volume de negócios, a redução do montante de base da Hamelin era a menor comparativamente com aquelas de que beneficiaram todas as outras empresas.

38      Do considerando 20 da decisão impugnada resulta que, se a Comissão não tivesse considerado a segunda fase desse método e as reduções apenas se baseassem no rácio produto/volume de negócios das empresas em causa, a Hamelin não teria beneficiado de uma redução e o seu montante de base teria sido aproximadamente 1 275 % mais elevado do que o montante de base adaptado das recorrentes, embora o valor das vendas da Hamelin só fosse 30 % mais elevado do que o das recorrentes.

39      No considerando 21 da decisão impugnada chega‑se à conclusão de que o método escolhido e a redução concedida conduziram a que o montante de base da coima aplicada à Hamelin reflete o seu envolvimento comparativo no cartel, bem como a gravidade e a duração da infração, e tem um caráter suficientemente dissuasivo.

40      O quadro A constante do considerando 22 da decisão impugnada corresponde essencialmente ao incluído no n.o 50 do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), com a inclusão de uma coluna adicional onde se encontram inscritos os rácios produto/volume de negócios das empresas em causa para o ano de 2012 (v. n.o 34, supra).

Empresa

V[alor das vendas EUR] (2007)

Coeficiente de gravidade

Duração (anos)

Montante adicional

Montante de base (EUR)

Rácio produto/
volume de negócios

Adaptação/Redução

Montante de base adaptado

[…] GPV

125 086 629

15 %

4,5

15 %

103 196 000

93 %

0,98

2 063 920

[Printeos]

143 316 000

15 %

4,5

15 %

118 235 000

90 %

0,90

11 823 500

Bong

140 000 000

15 %

4,5

15 %

115 500 000

80 %

0,88

13 860 000

Mayer‑Kuvert

70 023 181

15 %

4,5

15 %

57 769 000

76 %

0,88

6 932 280

Hamelin

185 521 000

15 %

4,416

15 %

150 717 000

17 %

0,85

22 607 550


41      Segundo o considerando 23 da decisão impugnada, as outras fases do método de determinação das coimas adotado na decisão inicial não são afetadas pelo Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), pelo que não são de novo explicadas na decisão impugnada. Porém, dado o pedido que as recorrentes fizeram na carta de 17 de abril de 2017, de se ter em atenção a coima imposta pela CNC, a Comissão anuncia que lhe responderá nos considerandos 46 a 55 da referida decisão.

42      Em quarto lugar, nos considerandos 46 a 55 da decisão impugnada, especificam‑se as razões pelas quais a Comissão rejeita o referido pedido, recordando que, durante o processo que conduziu à adoção da decisão inicial, já tinha informado as recorrentes de que não considerava nem necessário nem oportuno ter em atenção a coima aplicada pela CNC. A este propósito, a Comissão baseia‑se, designadamente, na sua prática decisória [Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.o do Tratado CEE (IV/31 553: rede electrossoldada para betão) (JO 1989, L 260, p. 1)], bem como no Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4).

43      Em quinto lugar, no considerando 58 da decisão impugnada, no que respeita à adaptação dos montantes de base das coimas ao abrigo do ponto 37 das orientações, a Comissão rejeita o argumento das recorrentes, evocado na carta que apresentaram em 17 de abril de 2017, segundo o qual, por um lado, as reduções dos montantes de base eram discriminatórias em relação a si próprios e, por outro, deveriam ter beneficiado de uma redução de 95,3671 % a fim de refletir corretamente o seu rácio produto/volume de negócios.

44      No considerando 59 da decisão impugnada, em resposta ao argumento das recorrentes segundo o qual existiam diferenças evidentes relativamente ao limite de 10 % do volume de negócios global, a Comissão sublinha, no essencial, que as reduções não se destinavam a ser fixadas a um nível que garanta que a relação entre os montantes de base adaptados e os volumes de negócios globais seja o mesmo para todas as empresas em causa. Segundo afirma, nos termos de uma jurisprudência bem assente, o facto de ser aplicada a uma empresa, graças à aplicação do método de cálculo dos montantes de base das coimas, uma coima que representa uma maior percentagem do seu volume de negócios global do que o representado pelas coimas tributadas respetivamente a cada uma das outras empresas, não é contrária aos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

45      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de julho de 2017, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

46      Mediante proposta da Terceira Secção, o Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do artigo 28.o do seu Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

47      Mediante proposta do juiz relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) decidiu proceder à abertura da fase oral do processo e, no contexto das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, submeteu por escrito à Comissão uma questão relativa à determinação do rácio produto/volume de negócios da GPV. A Comissão respondeu a essa questão no prazo fixado.

48      As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às questões que o Tribunal Geral lhes colocou oralmente na audiência de 3 de abril de 2019.

49      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima definido no artigo 1.o da decisão impugnada concedendo, por um lado, uma redução do montante de base da coima de 95,3671 % ao abrigo do ponto 37 das orientações e, por outro, uma redução adicional do montante da coima, após as reduções a título das comunicações sobre a cooperação e sobre a transação, de pelo menos 33 %;

–        condenar a Comissão nas despesas.

50      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e do ne bis in idem

51      As recorrentes contestam o caráter processual da anulação parcial da decisão inicial pelo Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), à semelhança do que se passou nos processos que estiveram na origem dos Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582), ou de 27 de junho de 2012, Bolloré/Comissão (T‑372/10, EU:T:2012:325). As ilegalidades de que enferma essa decisão eram de uma tal gravidade que só podiam ser consideradas substanciais. Além disso, a falta de fundamentação da decisão inicial era tão grave que não podia ser vista apenas como um simples vício de forma. Conforme resulta dos n.os 53 a 55 do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), na audiência no processo T‑95/15, o Tribunal Geral viu‑se obrigado a evocar o seu dever de fiscalização oficiosa do caráter suficiente da fundamentação, o que ficou consignada na ata da audiência. Além disso, a obrigação de fundamentação ascendeu ao nível de direito fundamental, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta, pelo que, após a sua entrada em vigor, a jurisprudência anterior que qualificava a falta de fundamentação como simples vício de forma ficou ultrapassada.

52      Segundo as recorrentes, a decisão inicial também sofre de outro vício de fundo, que consiste num desvio de poder, alegado na réplica no processo T‑95/15, pois a Comissão invocou conscientemente factos inexatos para justificar os ajustamentos dos montantes de base das coimas. Com efeito, embora no considerando 92 da decisão inicial se indicasse que «todas as partes estavam envolvidas, em graus diversos mas significativos, no setor dos envelopes», o considerando 16 da decisão impugnada referia que a Hamelin não era uma empresa «monoproduto». Porém, no quadro A constante do considerando 22 da decisão impugnada, foi atribuído à Hamelin um rácio «monoproduto» de 17 %, na realidade de 0 % na fase de adoção da decisão inicial, pois, em virtude da cessão em 2010 dos seus ativos de produção de envelopes, não realizou qualquer venda do produto cartelizado em 2012, o ano pertinente para efeitos da determinação do rácio «monoproduto». Este desvio de poder encontrava confirmação, nomeadamente, no n.o 54 do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), no qual se reconhecia que o raciocínio exposto na decisão inicial era contrário à verdade.

53      A gravidade dessas ilegalidades substanciais que inquinam a decisão inicial, insuscetíveis de correção, obsta a que a Comissão aplique de novo a sanção já aplicada na referida decisão. Essa abordagem opunha‑se ao caráter definitivo da decisão inicial, cuja conclusão relativa à existência da infração não foi contestada, e violava o princípio ne bis in idem na aceção do artigo 50.o da Carta, conforme aplicável aos processos em matéria de direito da concorrência. Com efeito, a decisão impugnada acrescia, sem a substituir, à decisão inicial que se tornara definitiva no que toca à parte não impugnada. Esse caráter definitivo opunha‑se à adoção de uma nova decisão que substituísse, modificasse ou completasse, sem base legal, uma decisão não anulada, em vigor e definitiva.

54      A decisão impugnada também era contrária aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. Contrariamente, entre outras, à situação no processo que esteve na origem do Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582), em que a primeira decisão integralmente anulada, o Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), tinha‑se limitado a anular o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial, pelo que esta se tornou definitiva nas outras partes. Ora, na falta de base jurídica pertinente no Regulamento n.o 1/2003 para esse efeito, à semelhança da prevista no seu artigo 9.o, n.o 2, não aplicável no presente caso, a modificação de uma decisão definitiva violaria os referidos princípios gerais. De resto, da decisão impugnada não resulta claramente se é relativa a uma «modificação» propriamente dita, como se refere no próprio título, a uma «readoção» (considerando 7) ou a uma «substituição» (artigo 1.o do dispositivo), embora a nova fundamentação seja suposto acrescer à decisão inicial e não substituir a fundamentação anterior. De qualquer modo, não existindo base jurídica, não havia que modificar a decisão inicial e definitiva acrescentando‑lhe «informações adicionais» na decisão impugnada. As recorrentes esclarecem que o Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582), não reconhece a «possibilidade de a Comissão fundamentar mais detalhadamente o cálculo da coima» ou de «regularizar» um vício substantivo, mas apenas a de reabrir o processo com o objetivo de corrigir vícios formais ou processuais que inquinam a decisão anulada, o que aqui não se verifica, atento a caráter grave do desvio de poder cometido.

55      A Comissão conclui pedindo que o primeiro fundamento seja julgado improcedente.

56      Em primeiro lugar, importa sublinhar que, quando o Tribunal Geral anula um ato das instituições, estas são obrigadas, por força do artigo 266.o TFUE, a tomar as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação. Resulta de jurisprudência constante que, para cumprir essa obrigação, essas instituições são obrigadas a respeitar não apenas a parte decisória do acórdão de anulação, mas igualmente a fundamentação da mesma e que constitui a sua base de sustentação necessária, na medida em que são indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi deliberado na parte decisória. Com efeito, é esta fundamentação que, por um lado, identifica a disposição considerada ilegal e, por outro lado, revela as razões da ilegalidade declarada na parte decisória, que têm de ser tomadas em consideração pela instituição ao substituir o ato anulado. Ora, a anulação de um ato da União não afeta necessariamente os seus atos preparatórios, nem implica a anulação de todo o procedimento que precedeu a sua adoção independentemente dos fundamentos, de mérito ou processuais, do acórdão de anulação. Por conseguinte, e a menos que a irregularidade constatada tenha ferido de nulidade a totalidade do procedimento, as referidas instituições podem, com vista a aprovarem um ato que substitua um ato anterior anulado ou invalidado, reabrir o procedimento na fase em que a irregularidade foi cometida, sem que seja necessário que a faculdade de reabertura do procedimento esteja expressamente prevista pela regulamentação aplicável para que as instituições autoras de um ato anulado ou invalidado possam exercê‑la (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de novembro de 2013, Itália/Comissão, C‑587/12 P, EU:C:2013:721, n.o 12; e de 28 de janeiro de 2016, CM Eurologistik e GLS, C‑283/14 e C‑284/14, EU:C:2016:57, n.os 48 a 52 e jurisprudência aí referida).

57      Esses princípios aplicam‑se mutatis mutandis em matéria de direito da concorrência, quando o órgão jurisdicional da União anula uma decisão devido a uma ilegalidade, sem ele próprio se pronunciar sobre a materialidade da infração e sobre a sanção (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 72, 73 e 693).

58      Em segundo lugar, cabe recordar que o Tribunal de Justiça também declarou que, numa situação como a em apreço, quando a anulação da decisão impugnada decorre de um vício processual, como a falta de fundamentação, e o órgão jurisdicional da União não fez uso do seu poder de plena jurisdição para reformar a coima aplicada, o princípio ne bis in idem não impede a Comissão de adotar uma nova decisão que aplica uma coima à recorrente. Com efeito, a aplicação desse princípio pressupõe que tenha havido uma decisão sobre a existência material da infração ou que a legalidade da apreciação desta tenha sido controlada. Assim, o princípio non bis in idem proíbe unicamente uma nova apreciação quanto ao mérito da existência da infração, o que teria como consequência a imposição ou de uma segunda sanção, que se juntaria à primeira, caso se provasse mais uma vez a responsabilidade, ou de uma primeira sanção, caso a responsabilidade, afastada pela primeira decisão, fosse considerada provada na segunda. Em contrapartida, não obsta, em si mesmo, à retoma de um processo que tenha como objeto o mesmo comportamento anticoncorrencial quando uma primeira decisão foi anulada por motivos de forma sem que tenha havido uma decisão de fundo quanto aos factos imputados, a decisão de anulação não sendo, então, equivalente a «absolvição» na aceção dada a este termo em matéria punitiva. Neste caso, as sanções impostas pela nova decisão não se juntam às aplicadas pela decisão anulada, mas substituem estas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 60 a 62 e 693 a 695).

59      O Tribunal Geral considera que não existe nenhuma razão que justifique uma abordagem divergente no caso de uma anulação, por falta de fundamentação, de uma decisão que aplica uma coima, pela simples razão de essa decisão ter sido adotada nos termos de um procedimento de transação. Além disso, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, os princípios jurisprudenciais evocados nos n.os 56 a 58, supra, também devem ser aplicados mutatis mutandis no caso de uma anulação apenas parcial de uma tal decisão, quando essa anulação apenas vise a parte que aplica uma coima, como no presente caso o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial, ao mesmo tempo que preserva a parte dessa decisão que fixa, de forma definitiva, a responsabilidade da empresa em causa pela infração cometida. Com efeito, nessa hipótese, uma reapreciação de fundo quanto à existência da infração que conduzisse a punir a referida empresa mais uma vez está por maioria de razão excluída. Assim, as críticas relativas à violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança jurídica devem ser julgadas improcedentes.

60      Importa, portanto, verificar se, por força do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, à luz do dispositivo do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), que anula parcialmente a decisão inicial, bem como dos principais fundamentos em seu apoio constantes do referido acórdão, a Comissão podia regularizar a falta de fundamentação observada e punida por meio da anulação assim proferida através da adoção da decisão impugnada, dotada de uma fundamentação alterada ou completada e que aplica às recorrentes a mesma coima que já lhes havia sido aplicada na decisão inicial.

61      A este propósito, recorde‑se que, no n.o 1 do dispositivo do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), o Tribunal Geral se limitou a anular o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial por enfermar de fundamentação insuficiente na aceção do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE (Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 57 e 58).

62      Esses parágrafos estão redigidos nos seguintes termos:

«57      Atendendo a todas as considerações precedentes, há pois que concluir que a decisão impugnada enferma de uma fundamentação insuficiente e que há que julgar procedente o primeiro fundamento na parte em que assenta na violação do dever de fundamentação na aceção do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

58      Consequentemente, há que anular o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão [inicial], sem que seja necessário apreciar a alegação relativa a um desvio de poder nem o segundo e terceiro fundamentos e a admissibilidade deste último. Além disso, não é necessário pronunciar‑se sobre o segundo pedido, invocado a título subsidiário.»

63      À semelhança do que alega a Comissão, daqui resulta que o Tribunal Geral renunciou a pronunciar‑se sobre os outros fundamentos suscitados no processo T‑95/15 que punham em causa a correção da decisão inicial, inclusive o relativo ao desvio de poder invocado pelas recorrentes na réplica. Assim, as recorrentes não podem alegar que a decisão de anulação assentava na existência de um vício substancial, que se traduzia num desvio de poder, que consistiu, no essencial, em acusar a Comissão de ter apresentado fundamentos que não correspondiam à verdade ou à realidade.

64      Relativamente às consequências jurídicas da decisão de anulação, recorde‑se que, por força do artigo 264.o, primeiro parágrafo, TFUE, essa decisão só tinha o efeito de declarar «nulo e de nenhum efeito o ato em causa», o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial, sem ter em conta o grau de «gravidade» do vício processual existente, ou o estatuto jurídico da norma processual violada. A este respeito, esclareça‑se que inúmeras garantias processuais, enquanto formalidades essenciais na aceção do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, cuja violação pode ser suscitada oficiosamente e acarretar a anulação de um ato impugnado, são normas superiores de direito, como os direitos de defesa na aceção do artigo 41.o, segundo parágrafo, alínea a), da Carta. O mesmo se passa no que respeita à violação da obrigação de fundamentação nos termos do artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta e do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, na qual se funda a anulação do artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial.

65      Consequentemente, cabe declarar que a anulação parcial da decisão inicial, proferida no Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), tinha um âmbito exclusivamente processual na aceção da jurisprudência referida nos n.os 56 e 58, supra, porquanto a crítica feita à Comissão é relativa ao facto de não ter fundamentado suficientemente a exposição que fez do método de cálculo das coimas não permitindo assim nem às recorrentes contestar utilmente esse método nem ao Tribunal Geral exercer plenamente a sua fiscalização da legalidade, em especial relativamente ao respeito do princípio da igualdade de tratamento (Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.os 49 e 55).

66      Decerto, no n.o 55 do Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), o Tribunal Geral também referiu que «a fundamentação sucinta exposta no considerando 92 da decisão impugnada era suscetível de criar a impressão errada de que a razão principal do ajustamento horizontal dos montantes de base a favor das empresas em causa residia no facto de todas elas estarem em situações pelo menos comparáveis, relacionadas com o caráter “monoproduto” da sua atividade comercial. Contudo, não era esse o caso da Hamelin, como a Comissão reconheceu no decurso do processo». Ora, estas afirmações referem‑se sobretudo a uma fundamentação lacunar e ininteligível a esse respeito, o que constitui um caso de referência de insuficiência de fundamentação na aceção do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE. Daqui não se pode, portanto, inferir que o Tribunal Geral considerava que a Comissão tinha a intenção de induzir em erro os interessados ou o órgão jurisdicional da União ou de deliberadamente apresentar factos contrários à verdade ou à realidade e, ainda menos, que, pela anulação do artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial, o Tribunal Geral pretendesse censurar essa abordagem.

67      Conclui‑se que a Comissão respeitou as exigências da jurisprudência referida nos n.os 56 e 58, supra, ao sublinhar, no considerando 7 da decisão impugnada, que a anulação parcial da decisão inicial por falta de fundamentação era apenas de âmbito processual, pelo que não podia ser considerada uma absolvição na aceção do artigo 50.o da Carta, e que, portanto, podia retomar o procedimento administrativo no ponto em que ocorrera a ilegalidade, ou seja, em princípio, no momento da adoção decisão inicial.

68      Por último, há que também rejeitar as outras acusações que as recorrentes apresentaram em apoio do presente fundamento. Em primeiro lugar, contrariamente ao que alegam, desde que a Comissão respeite as normas evocadas nos n.os 56 a 59, supra, o que se verifica no presente caso, os termos utilizados na decisão impugnada para descrever a sua abordagem, ou seja, «modificar», «readotar» (considerando 7) ou «substituir» [artigo 1.o do dispositivo que substitui o artigo 2.o, n.o 1, alínea e), da decisão inicial], não são determinantes. Em segundo lugar, como a jurisprudência evocada nos n.os 56 e 58, supra,  se baseia numa interpretação do alcance do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, as recorrentes não podem alegar a inexistência de base jurídica pertinente para o efeito no Regulamento n.o 1/2003 (v., por analogia, Acórdão de 28 de janeiro de 2016, CM Eurologistik e GLS, C‑283/14 e C‑284/14, EU:C:2016:57, n.o 52). Em terceiro lugar, também não podem validamente alegar que o caráter definitivo da decisão inicial se opunha à adoção de uma nova decisão que substituísse, modificasse ou completasse a decisão inicial na parte anulada, sob pena de esvaziar a jurisprudência referida no n.o 58, supra, da sua substância. Pelo contrário, dado que as recorrentes não contestaram a parte da decisão inicial que as responsabilizava pela infração em causa e que, portanto, no Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722), o Tribunal Geral não foi chamado a pronunciar‑se sobre ela, foi apenas essa parte que se tornou definitiva (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2017, British Airways/Comissão, C‑122/16 P, EU:C:2017:861, n.os 80 à 85) e o princípio ne bis in idem — que apenas proíbe uma nova apreciação em sede de mérito da existência da infração para efeitos, designadamente, da aplicação de uma sanção — não tem aqui aplicação (v. n.o 59, supra).

69      Por conseguinte, há que julgar o presente fundamento totalmente improcedente.

B.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento na determinação do montante da coima

1.      Evocação dos argumentos essenciais das partes

70      No presente fundamento as recorrentes invocam uma violação do princípio da igualdade de tratamento em seu prejuízo no contexto da determinação do montante de base da coima que lhes foi aplicada, em virtude, designadamente, da aplicação de diferentes taxas de redução ao abrigo do ponto 37 das orientações. Na medida em que as taxas de redução concedidas se baseiam no caráter «monoproduto» das empresas em causa, as recorrentes recordam ser a única empresa em que essa taxa (90 %) coincide exatamente com o seu rácio «monoproduto» (90 %), quando essas taxas são superiores aos rácios «monoproduto» respetivos de todas as outras empresas. Assim, à Bong, com um rácio «monoproduto» de 80 %, foi aplicada uma redução de 88 %. Porém, embora as recorrentes tivessem beneficiado da mesma «taxa de agravamento», foi‑lhes aplicada uma taxa de redução de 99 %, dado que o seu rácio «monoproduto» era dez pontos percentuais superior ao da Bong.

71      Em primeiro lugar, as recorrentes invocam o caráter discriminatório, em seu prejuízo, desta abordagem na perspetiva da percentagem do seu montante de base adaptado por referência ao seu volume de negócios global, comparado com as situações da Bong e da Hamelin. A coima aplicada às recorrentes — antes das reduções concedidas a título da comunicação sobre a cooperação, do procedimento de transação e da capacidade contributiva — equivalia a 9,7 % do seu volume de negócios global, enquanto as coimas aplicadas à Bong e à Hamelin, após «adaptação» dos montantes de base, só representava 4,7 % e 4,5 % dos respetivos volumes de negócios globais. Esse resultado desigual no que toca à disparidade por referência ao limite de 10 % do volume de negócios global a que se refere o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 não era devido à aplicação do método de cálculo previsto nas orientações e que visa a aplicação de uma coima tendo «em consideração a gravidade e a duração» da infração cometida, mas ao facto de a Comissão dele se ter afastado ao proceder, excecionalmente, no exercício do seu poder de apreciação ao abrigo do ponto 37 das orientações, a uma adaptação dos montantes de base das coimas por referência ao limite de 10 % antes de qualquer outra redução.

72      Segundo as recorrentes, a adaptação que consiste em reduzir os montantes de base de forma desigual entre as empresas — 11,8 milhões de euros para as recorrentes, 13,8 milhões para a Bong e 22,6 milhões para a Hamelin — conduziu a um tratamento discriminatório em seu prejuízo, pois os montantes que daí resultaram, contrariamente ao imposto pelo artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, não têm qualquer relação com as respetivas dimensões e poderio económico, determinados em função dos respetivos volumes de negócios globais, ou seja, 121 milhões de euros para as recorrentes, 296 milhões de euros para a Bong e 501 milhões de euros para a Hamelin. Com efeito, a coima aplicada às recorrentes estava próxima do limite de 10 %, enquanto as aplicadas à Bong e à Hamelin não atingiam metade dos respetivos limites. Ora, na falta de adaptação, todas essas coimas atingiram esse limite, ou seja, 12,1 milhões de euros para as recorrentes, 29,6 milhões de euros para a Bong, e 50,1 milhões de euros para a Hamelin. Assim, a coima que foi aplicada às recorrentes após a adaptação deveria ter sido muito menor do que as aplicadas à Bong e à Hamelin, com volumes de negócios duas e quatro vezes, respetivamente, mais elevados do que o das recorrentes.

73      As recorrentes contestam ter «beneficiado de uma redução generosa», já que a sua coima resultante da aplicação do limite de 10 % só sofreu uma redução de 0,3 % (a 9,7 %), comparativamente com as reduções muito maiores de que beneficiaram a Bong e a Hamelin, sendo que, de resto, a gravidade e a duração eram idênticas. Além disso, a aplicação regular do limite de 10 % não conduziu à aplicação, às recorrentes, de uma coima final «consideravelmente» mais elevada, pois esta foi agravada em apenas 140 000 euros, montante completamente despiciendo atentas as reduções concedidas à Bong e à Hamelin graças à adaptação dos respetivos montantes de base. No presente caso, as diferenças de tratamento não eram exatamente o resultado da aplicação do limite de 10 % enquanto «limite de nivelamento» na aceção da jurisprudência, mas de uma adaptação excecional dos montantes de base ao abrigo do ponto 37 das orientações que se afastava do método de cálculo aí previsto. Além disso, o limite de 10 % era um critério «legalmente definido» no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 para determinar as coimas, ao mesmo título que os critérios de gravidade e de duração da infração, na aceção do artigo 23.o, n.o 3, do mesmo regulamento.

74      As recorrentes sustentam que essa desigualdade de tratamento não encontra uma justificação objetiva. No seu Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão (T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 80), o próprio Tribunal Geral reconheceu ser inerente à metodologia das orientações que as circunstâncias atenuantes não produzam efeito no caso das empresas que possuam um rácio «monoproduto» elevado e renunciou a uma adaptação das coimas. Ora, embora, no presente caso, a Comissão se tenha afastado desta metodologia com o objetivo declarado de as circunstâncias atenuantes que existem no que respeita à Mayer‑Kuvert produzirem efeitos ao nível da coima que lhe foi aplicada, essa abordagem não encontra uma justificação objetiva na medida em que tem por efeito um tratamento discriminatório das recorrentes relativamente à Bong e à Hamelin, sendo que o único elemento diferenciador entre as três empresas era o respetivo volume de negócios global. Com efeito, na falta de «adaptação» excecional dos montantes de base, todas as coimas atingiriam o limite de 10 %, em conformidade com o objetivo definido no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 que permite «que as coimas variem segundo a dimensão e o poder económico das empresas punidas, pelo que quanto maior for o volume de negócios, mais elevada será a coima».

75      Segundo as recorrentes, as diferenças entre os rácios «monoproduto» das recorrentes (90 %), por um lado, e da Bong (80 %) e da Hamelin (17 %), por outro, não são uma justificação objetiva para que a coima aplicada às recorrentes se situe perto do limite de 10 % do seu volume de negócios global, enquanto as aplicadas à Bong e à Hamelin nem sequer atingem metade dos seus limites respetivos. Eram, sobretudo, discriminadas relativamente à Hamelin cuja atividade nem sequer possuía a natureza «monoproduto». Com efeito, em 2012, a Hamelin não realizou qualquer venda do produto objeto do cartel, pelo que o seu rácio «monoproduto» foi de 0 e não de 17 %. A diferença de tratamento também não encontra justificação objetiva no peso dos montantes de base não adaptados das recorrentes (118 235 000 euros), por um lado, e da Bong e da Hamelin (115 500 000 e 150 717 000 euros), por outro. Em contrapartida, o montante de base adaptado das recorrentes atingia quase o limite de 10 % do seu volume de negócios global (9,7 %), diferentemente da Bong e da Hamelin cujos montantes de base não adaptados nem mesmo atingiam metade do seu limite (4,7 % e 4,5 % respetivamente).

76      As recorrentes contestam o argumento da Comissão segundo o qual a taxa de redução que lhes foi aplicada é a mais pequena que permite diminuir o montante de base abaixo do limite de 10 %. Com efeito, foi aplicada à Bong uma taxa de redução de 88 %, quando uma taxa de 75 % seria suficiente para colocar o seu montante de base (de 115 500 000 euros) abaixo desse limite (de 29 631 227 euros). De igual modo, de acordo com os mesmos quadros, foi aplicada à Hamelin uma taxa de redução de 85 %, quando uma taxa de 67 % teria sido suficiente para colocar o seu montante de base (de 150 717 000 euros) abaixo desse nível (de 50 170 600 euros). As recorrentes consideram que a obrigação da Comissão de reduzir a coima por meio da aplicação de uma taxa mais elevada, proporcional à diferença entre o seu rácio «monoproduto» e o das outras empresas, decorre diretamente do princípio geral da igualdade de tratamento. De facto, eram a única empresa punida cuja taxa de redução (90 %) não aumentou relativamente ao seu rácio «monoproduto» (90 %), enquanto as taxas de redução aplicadas à Bong (88 %) e à GPV (98 %) eram mais elevadas do que os seus rácios «monoproduto» reais respetivos (80 % e 93 %). No caso da Hamelin, a taxa de redução tinha mesmo sido levada a 85 % quando o seu rácio «monoproduto» era de 0 %, pois nada justificava que se tivesse em consideração o rácio de 17 % da sua antiga filial cedida à Bong em 2010. Assim, para sanar essa discriminação, a taxa de redução que devia ter sido concedida às recorrentes ao abrigo do ponto 37 das orientações devia ser de 95,3671 %, e não de 90 %, na medida em que levaria o seu montante de base, após adaptação, para 4,5 % do seu volume de negócios global em 2013.

77      Em segundo lugar, a título subsidiário, as recorrentes sustentam também ter sido discriminadas em relação aos montantes de base conforme foram adaptados. A decisão impugnada atribuía grande importância ao «peso relativo» dos montantes de base não adaptados, enquanto critério de determinação da taxa de redução aplicada a cada empresa ao abrigo do ponto 37 das orientações. Ora, tendo em atenção os montantes de base não adaptados, as recorrentes também foram discriminadas em relação à GPV. Esta beneficiou de uma taxa de redução de 98 %, diferentemente da de 90 % concedida às recorrentes, pelo que o seu montante de base adaptado só representava 2 % do seu montante de base não adaptado. Em contrapartida, o montante de base adaptado das recorrentes representava 10 % do seu montante de base não adaptado, ou seja, cinco vezes mais do que no caso da GPV.

78      Esta diferença de tratamento não tinha justificação objetiva. A diferença entre os rácios «monoproduto» das recorrentes e da GPV não era suficientemente importante para o efeito, pois o rácio «monoproduto» da GPV (93 %) só era três pontos percentuais mais elevado do que o das recorrentes (90 %). Atenta a taxa de redução de 98 % concedida à GPV, deveria ter sido aplicada às recorrentes uma taxa de redução de 94,84 %, que faria com que o seu montante de base adaptado ficasse em 6 100 926 euros, em vez de em 11 823 500 euros. Esta abordagem também se impunha no que respeita ao peso relativo dos montantes de base não adaptados, pois o montante de base não adaptado das recorrentes só foi 14,5 % mais elevado do que o da GPV (118 235 000 contra 103 196 000 euros), embora o seu montante de base adaptado tenha sido 472,8 % mais elevado do que o da GPV (11 823 500 contra 2 063 920 euros). Ora, a concessão de uma taxa de redução de 94,84 % às recorrentes conduziu a que o seu montante de base adaptado corresponda a 5,16 % do seu montante de base não adaptado, contra 2 % para a GPV. Ao afirmar que o montante de base adaptado da GPV representa 17,45 % do das recorrentes, a própria Comissão reconhece, aliás, que o equilíbrio entre as coimas aplicadas às recorrentes e à GPV não se manteve.

79      A Comissão pede que o presente fundamento seja julgado totalmente improcedente.

80      Contesta que o limite de 10 % do volume de negócios global, na aceção do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, seja um critério de gradação das coimas. Trata‑se de um limite extrínseco, um limite legal que a sanção, independentemente do método de cálculo utilizado, não pode ultrapassar, para evitar que sejam aplicadas coimas desproporcionadas e excessivas, que a empresa em causa não conseguiria pagar. Esse objetivo devia estar articulado com a necessidade de garantir que a coima tenha um caráter suficientemente dissuasivo. Para esse efeito, o limite de 10 % era calculado com base na dimensão e no poder económico da empresa em causa, conforme resultam do respetivo volume de negócios global no exercício que precedeu a aplicação da coima. Além disso, um limite assim quantificado tinha o mérito de ser previsível, em conformidade com os princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas. Esta previsibilidade era reforçada no procedimento de transação, no contexto do qual a empresa em causa deve aprovar o montante máximo da coima passível de lhe ser aplicada. Assim, contrariamente aos critérios da gravidade e da duração da infração previstos no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, para a aplicação dos quais a Comissão goza de um amplo poder de apreciação, o limite de 10 % não era um critério destinado ao cálculo das coimas, antes prosseguindo um objetivo distinto e autónomo. Também não se tratava de uma coima máxima, a só aplicar no caso das infrações mais graves, mas de um limite de nivelamento cuja aplicação tinha por única consequência reduzir, até ao nível máximo autorizado, o montante da coima calculado em função apenas dos critérios da gravidade e da duração da infração.

81      Além disso, a Comissão contesta ter violado, no presente caso, o princípio da igualdade de tratamento. Como o limite de 10 % do volume de negócios global corresponde ao limite de nivelamento e não a um critério de gradação das coimas, o simples facto de a coima aplicada a uma empresa estar próxima do referido limite, ao contrário da de outros participantes no cartel, não pode constituir uma violação do referido princípio. Acresce que as disparidades entre as coimas no plano da proporção do volume de negócios global são «inerentes» ao método de cálculo previsto no ponto 13 das orientações, que não se baseava no volume de negócios global das empresas em causa. Por conseguinte, as comparações baseadas nas proporções que as coimas representam do volume de negócios global, ou nas diferenças entre as referidas proporções e o limite de 10 %, eram destituídas de pertinência e insuscetíveis de demonstrar um tratamento desigual das recorrentes. Com efeito, para dar cumprimento ao princípio da igualdade de tratamento, a Comissão não era obrigada a assegurar‑se de que o montante final das coimas aplicadas às empresas implicadas na mesma infração traduz uma diferenciação entre elas no que respeita ao respetivo volume de negócios global. Na medida em que a Comissão lhes aplicaria coimas justificadas, no que a cada uma diz respeito, por referência à gravidade e à duração da infração cometida, não podia ser criticada por, relativamente a algumas delas, o montante da coima ser superior, por referência ao volume de negócios, ao de outras empresas. Por maioria de razão, também não era possível concluir pela existência de um tratamento desigual ao comparar a relação entre os montantes intermédios das coimas e o limite de 10 % de cada empresa.

82      A Comissão esclarece que o princípio da igualdade de tratamento está sujeito a limitações que decorrem da necessidade de o aplicar conjuntamente com outros princípios gerais de direito, como o princípio da legalidade, o princípio da pessoalidade das penas, ou a exigência de a coima possuir um efeito dissuasivo suficiente. Assim, uma empresa não pode invocar em seu benefício, para obter uma redução da coima que lhe foi aplicada, um erro na determinação do montante da coima aplicada a outra empresa. Mesmo admitindo que a Comissão tenha cometido um erro na determinação do montante das coimas aplicadas à Bong, à Hamelin ou à GPV, e que essas coimas devessem ter sido mais elevadas, esse erro não poderia justificar uma maior redução da coima aplicada às recorrentes. No presente caso, tinha aplicado o mesmo método de cálculo das coimas para todas as empresas, sendo que a única diferença existente eram as taxas de redução ligeiramente diferentes concedidas a cada empresa. Ora, essas diferenças baseavam‑se em razões objetivas relacionadas com a situação de cada empresa e com a necessidade de zelar para que as coimas tenham um caráter suficientemente dissuasivo, o que era, portanto, um fator de diferenciação objetivamente justificado. Também não era contrário ao princípio da igualdade de tratamento aplicar taxas de redução por forma a conservar o nexo entre os montantes de base não adaptados das diferentes coimas.

83      A Comissão contesta ter violado o princípio da igualdade de tratamento no que respeita às recorrentes ao adaptar os montantes de base das coimas e ao afastar‑se do método previsto nas orientações. Recorda que as próprias recorrentes pediram essa adaptação excecional quando do procedimento de transação e beneficiaram de uma taxa de redução generosa de 90 % que correspondia ao seu rácio «monoproduto», que tornava a sua coima adaptada à gravidade e à duração da infração que praticaram. Segundo a Comissão, se tivesse aplicado o limite de 10 %, essa coima teria sido consideravelmente mais elevada, ou seja, com base no volume de negócios global de 2013 de 12 173 000 euros, no de 2015 de 13 166 700 euros, e no de 2016 de 16 282 000 euros. Em contrapartida, o método de cálculo pretendido pelas recorrentes não conduziria a uma melhor adequação das coimas à gravidade e à duração da infração praticada por cada empresa, correndo o risco de esse resultado ser determinado apenas pelo limite de 10 %. Além disso, a menor participação da Mayer‑Kuvert não teria tido qualquer efeito e, de todo o modo, os montantes das coimas teriam sido diferentes. A Comissão não podia ser acusada, portanto, de ter aplicado às recorrentes uma coima que não se baseia nem na gravidade nem na duração da infração que praticaram.

84      Relativamente ao primeiro aspeto do presente fundamento, a Comissão responde não ter aplicado os rácios «monoproduto» linearmente, atribuindo a cada empresa uma taxa de redução igual ou proporcional ao respetivo rácio «monoproduto», dado que nenhuma norma de direito da União a obriga a fazê‑lo. Tendo em atenção o rácio «monoproduto», também tinha tentado manter o nexo entre os montantes de base não adaptados que refletem a participação de cada empresa no cartel. Além disso, para que a coima seja dissuasiva, seria necessário que a redução aplicada fosse a menor possível capaz de permitir baixar o montante de base para um nível inferior ao limite de 10 %. Ora, a adaptação do montante de base da coima das recorrentes em função de uma taxa mais elevada, proporcional à diferença entre o seu rácio «monoproduto» e o das outras empresas, levaria a aplicar‑lhes uma coima não suficientemente dissuasiva. Acresce que as recorrentes beneficiaram de uma redução maior do que a Bong e a Hamelin, tendo os montantes de base adaptados sido de 11 823 500 euros, de 13 860 000 euros e de 22 607 550 euros, respetivamente. Relativamente à Bong, a Comissão esclarece que, embora lhe tenha sido aplicada uma taxa de redução (88 %) superior ao seu rácio «monoproduto» (80 %), o seu montante de base adaptado (13 860 000 euros) era, em valores absolutos, superior ao das recorrentes (11 823 500 euros), e isto apesar de o valor das vendas e o montante de base não adaptado das recorrentes (143 316 000 e 118 235 000 euros) serem superiores aos da Bong (140 000 000 e 115 500 000 euros). Relativamente à Hamelin, a Comissão aplicou‑lhe, de entre todas as empresas, a menor taxa de redução (85 %). Só a GPV beneficiou de uma taxa de redução maior do que as recorrentes, em virtude, por um lado, do seu rácio «monoproduto» superior, ou seja, o mais elevado (93 %) e, por outro, da necessidade de lhe conceder uma taxa de redução mínima de 98 % para garantir que o montante de base adaptado seja inferior ao limite de 10 % do seu volume de negócios global. A situação das recorrentes era, todavia, diferente, já que o seu rácio «monoproduto» era de 90 % e a taxa de redução mínima necessária para que o seu montante de base adaptado seja inferior ao limite de 10 % do seu volume de negócios global de 2013 era de 89,9 % (88,9 % relativo ao volume de negócios global de 2015 e 86,2 % relativo ao de 2016). Por último, a tomada em consideração linear do rácio «monoproduto» pressupunha atribuir‑lhe uma importância excessiva e implicava consequências injustas. Assim, o montante de base adaptado da Mayer‑Kuvert, cujo rácio «monoproduto» era de 76 %, era maior (57 769 000 — 70 % = 13 864 560 euros) do que o montante de base adaptado das recorrentes (118 235 000 — 90 % = 11 823 500 euros), enquanto o montante de base não adaptado das recorrentes era mais do dobro do da Mayer‑Kuvert (118 235 000 euros para as recorrentes comparados com 57 769 000 euros para a Mayer‑Kuvert). Destes elementos, a Comissão retira que a taxa de redução aplicada a cada empresa decorre de uma avaliação global de diversos fatores e não apenas do rácio «monoproduto». Na realidade, as recorrentes pretendiam obter o benefício de taxas de redução aplicadas a outras empresas e não corrigir uma ilegalidade. De qualquer modo, tendo em atenção o seu volume de negócios global em 2015, o montante de base adaptado da sua coima não representava 9,7 %, mas sim 8,97 % desse volume de negócios.

85      A Comissão conclui que as críticas das recorrentes são inoperantes na medida em que tentam transformar o limite de 10 % num critério para o cálculo das coimas. Ora, resulta de jurisprudência constante que os montantes resultantes de cálculos intermédios podem ultrapassar o referido limite. No que respeita aos montantes finais das coimas, a Comissão sublinha que as recorrentes não se comparam à GPV, que, com um rácio «monoproduto» mais elevado que o delas (98 %) e um montante de base não adaptado ligeiramente inferior (103 196 000 euros), se vê atribuir um montante de base adaptado que representa 9,6 % do seu volume de negócios global, ou seja, apenas 0,1 % menos que o que representa o montante de base adaptado das recorrentes, ou seja, 9,7 %, e uma coima final que corresponde a uma taxa mais elevada (7,07 %) do seu volume de negócios global do que a que representa a coima final das recorrentes (3,88 % ou 2,9 % por referência aos volumes de negócios globais de 2015 ou de 2016). As recorrentes também não se comparam à Mayer‑Kuvert, cuja coima final era superior à delas em valores absolutos (4 991 000 contra 4 729 000 euros) apesar de a participação da Mayer‑Kuvert na infração ser menos importante e o valor das suas vendas representar menos de metade do valor das vendas das recorrentes (70 023 181 contra 143 316 000 euros).

86      Relativamente ao segundo aspeto do presente fundamento, a Comissão recorda que as adaptações dos montantes de base não visavam aplicar automaticamente o rácio «monoproduto» de cada uma das empresas, mas, num primeiro momento, atento o referido rácio, retirar à coima a percentagem necessária para que o montante de base não adaptado da coima de cada uma das empresas se situe abaixo do limite de 10 % e, num segundo momento, manter o equilíbrio entre as coimas aplicadas após essas adaptações. Relativamente à GPV, o montante de base não adaptado (103 196 000 euros) representava 87,2 % do montante de base não adaptado das recorrentes (118 235 000 euros), que excedia, portanto, em 12,7 % o da GPV. Além disso, o rácio «monoproduto» da GPV (93 %) era mais elevado do que o das recorrentes (90 %). Segundo a Comissão, embora o montante de base adaptado da GPV (2 063 920 euros) represente 17,45 % do montante de base adaptado das recorrentes (11 823 500 euros), isso baseia‑se numa avaliação global do conjunto das circunstâncias objetivas relacionadas com a situação de cada empresa. Quando do cálculo da coima das recorrentes, a Comissão não tinha qualquer razão para proceder a uma adaptação apenas por comparação com a GPV. Assim, o montante de base não adaptado das recorrentes era também mais elevado, em 2,32 %, relativamente ao da Bong, em 204 % relativamente ao da Mayer‑Kuvert e em 21,56 % relativamente ao da Hamelin. Ora, por um lado, o rácio «monoproduto» da GPV (93 %) mais elevado do que o das recorrentes justificava uma redução maior do que as concedidas às outras empresas e, por outro, diferentemente da situação das recorrentes, a redução mínima necessária para diminuir o montante de base adaptado de GPV para um nível inferior ao limite de 10 % era de 98 %. Por conseguinte, uma eventual desigualdade de tratamento era objetivamente justificada. Na verdade, as recorrentes foram beneficiadas através da aplicação de uma taxa de redução de 90 %, quando, atento o seu volume de negócios global de 2015 (ou de 2016), a redução mínima necessária para que o seu montante de base adaptado seja inferior ao limite de 10 % tinha subido para 88,9 % (2015) ou 86,2 % (2016).

2.      Observações preliminares

87      No presente fundamento, as recorrentes alegam uma violação do princípio da igualdade de tratamento em seu prejuízo na aplicação do método de cálculo das coimas aplicadas e, em especial, do método de adaptação dos montantes de base, ao abrigo do ponto 37 das orientações, que se encontra resumido no quadro A constante do considerando 22 da decisão impugnada.

88      A título principal, as recorrentes acusam a Comissão de lhes ter aplicado uma taxa de redução discriminatória de 90 % que corresponde exatamente ao seu rácio «monoproduto», que é diferente daquela de que beneficiaram as outras empresas, nomeadamente a Bong e a Hamelin. Essa adaptação discriminatória dos montantes de base fez com que o montante de base adaptado das recorrentes se situasse nos 9,7 % do seu volume de negócios global, enquanto os montantes de base adaptados da Bong e da Hamelin só representavam 4,7 % e 4,5 % dos respetivos volumes de negócios globais. Esses diferentes desfasamentos relativamente ao limite de 10 % do volume de negócios global eram o resultado de uma ponderação desigual da dimensão e do poder económico respetivo das referidas empresas, determinados em função dos respetivos volume de negócios globais — ou seja, 121 milhões de euros para as recorrentes; 296 milhões de euros para a Bong e 501 milhões de euros para a Hamelin —, que era contrário ao artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 e que não encontrava justificação objetiva, designadamente, nem no peso relativo dos montantes de base não adaptados das recorrentes, da Bong e da Hamelin, nem na necessidade de reconduzir esses montantes de base a um valor apenas inferior ao limite de 10 %, o que justificou uma redução de apenas 75 % no caso da Bong e de 67 % no caso da Hamelin.

89      A título subsidiário, as recorrentes sustentam que a coima que lhes foi aplicada também é discriminatória na perspetiva dos montantes de base adaptados ao abrigo do ponto 37 das orientações, designadamente do da GPV a quem foi aplicada uma taxa de redução de 98 % do seu montante de base, contra apenas 90 % no caso das recorrentes, pelo que o seu montante de base adaptado só correspondia a 2 % do seu montante de base não adaptado. Em contrapartida, o montante de base adaptado das recorrentes representava 10 % do seu montante de base não adaptado, ou seja, cinco vezes mais do que no caso da GPV, embora os montantes de base não adaptados das recorrentes e da GPV fossem próximos um do outro.

90      O Tribunal Geral considera oportuno apreciar, num primeiro momento, a sustentabilidade das premissas jurídicas das acusações formuladas pelas recorrentes à luz dos critérios reconhecidos pela jurisprudência, nomeadamente relativos ao respeito do princípio da igualdade de tratamento e à aplicação do limite de 10 % do volume de negócios global previsto no artigo 23.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003. Num segundo momento, examinar‑se‑á se o método de adaptação dos montantes de base das coimas, conforme exposto na decisão impugnada, é conforme a esses critérios e, em especial, aos que regem o princípio da igualdade de tratamento.

3.      Recapitulação de jurisprudência

91      O princípio da igualdade de tratamento constitui um princípio geral do direito da União, consagrado nos artigos 20.o e 21.o da Carta. Segundo jurisprudência constante, também aplicável em sede de direito da concorrência, o referido princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. Acórdãos de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 186 e jurisprudência aí referida; e de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 51 e jurisprudência aí referida).

92      A violação do princípio da igualdade de tratamento devido a um tratamento diferenciado pressupõe, portanto, que as situações em causa sejam comparáveis tendo em atenção o conjunto dos elementos que as caracterizam. Os elementos que caracterizam diferentes situações e, portanto, o seu caráter comparável, devem, designadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tidos em conta os princípios e os objetivos do domínio em que se integra o ato em causa (v. Acórdão de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 187 e jurisprudência aí referida). A este propósito, a jurisprudência esclarece que a Comissão deve apreciar, para cada caso concreto e tendo em conta o contexto e os objetivos prosseguidos pelo regime de sanções instituído pelo Regulamento n.o 1/2003, o impacto que se procura obter sobre a empresa em questão, tendo nomeadamente em conta um volume de negócios que reflita a sua situação económica real durante o período no decurso do qual a infração foi cometida (Acórdãos de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 53; e de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 144 e jurisprudência aí referida).

93      A este propósito, a jurisprudência reconhece ser permitido, com vista à determinação da coima, atender quer ao volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximativa e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, quer à parte desse volume que provém das mercadorias objeto da infração e que, portanto, pode dar uma indicação da amplitude desta. Assim, a parte do volume de negócios global proveniente da venda de produtos objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica desta infração (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.os 54 e 59; de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.os 145 e 149; e de 1 de fevereiro de 2018, Kühne + Nagel International e o./Comissão, C‑261/16 P, não publicado, EU:C:2018:56, n.o 81).

94      Em consonância com essa jurisprudência, o ponto 13 das orientações prevê que, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente […] com a infração, na área geográfica em causa no território do Espaço Económico Europeu». Essas mesmas orientações esclarecem, no ponto 6, que «a combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e [a] sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração» (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 56; de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 147; e de 1 de fevereiro de 2018, Kühne + Nagel International e o./Comissão, C‑261/16 P, não publicado, EU:C:2018:56, n.o 65 e jurisprudência aí referida).

95      Além disso, está assente que, embora o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 atribua à Comissão uma margem de apreciação, limita, no entanto, o seu exercício, instituindo critérios objetivos que deve respeitar. Assim, por um lado, o montante da coima suscetível de ser aplicada tem um limite quantificável e absoluto, de forma que o montante máximo da coima aplicável a uma dada empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, o exercício desse poder de apreciação está igualmente limitado pelas regras de conduta que a Comissão impôs a si própria, nomeadamente nas orientações (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 58; de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 146; e de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 37).

96      Relativamente à aplicação do artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, resulta de jurisprudência constante que só o montante final da coima aplicada deve respeitar o limite máximo de 10 % do volume de negócios previsto nessa disposição e que esta não impede a Comissão de chegar, ao longo das diversas fases do cálculo da coima, a um montante intermédio superior a esse limite, desde que o montante final da coima não exceda esse limite. Assim, se se revelar que, de acordo com o cálculo, o montante final da coima deve ser reduzido na proporção do montante que excede o referido limite superior, o facto de determinados fatores, como a gravidade e a duração da infração, não se repercutirem efetivamente no montante da coima aplicada é apenas uma simples consequência da aplicação desse limite superior ao referido montante final. Com efeito, o referido limite superior destina‑se a evitar que se apliquem coimas cujo pagamento se prevê que as empresas, atendendo à sua dimensão, determinada pelo volume de negócios global, ainda que de modo aproximativo e imperfeito, não estarão em condições de satisfazer. Trata‑se, pois, de um limite, uniformemente aplicável a todas as empresas e articulado em função da dimensão de cada uma, visando evitar coimas de um nível excessivo e desproporcionado. Este limite superior tem assim um objetivo distinto e autónomo relativamente ao dos critérios de gravidade e de duração da infração. O referido limite tem como única consequência possível a redução do montante da coima calculada com base nesses critérios para o nível máximo autorizado. A sua aplicação implica que a empresa em questão não pague a coima que, em princípio, era devida ao abrigo de uma apreciação fundada nos referidos critérios (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2012, Cetarsa/Comissão, C‑181/11 P, não publicado, EU:C:2012:455, n.os 80 a 84; de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 36; e de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.os 83 e 84 e jurisprudência aí referida).

97      Daqui o Tribunal de Justiça concluiu que a fixação, para todas as empresas punidas que participaram na mesma infração, de coimas de 10 % dos respetivos volumes de negócios, uma vez que apenas resulta da aplicação do limite prevista no artigo 23.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003, não constitui uma violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. De igual modo, atendendo ao objetivo visado por esse limite, a circunstância de a aplicação das orientações pela Comissão conduzir frequente ou regularmente a que o montante da coima aplicada seja igual a 10 % do volume de negócios não pode pôr em causa a legalidade da aplicação do referido limite (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.os 85 e 86). Neste mesmo sentido, o Tribunal Geral considerou, por um lado, que o limite de 10 % do volume de negócios global de uma empresa que tenha violado as regras da concorrência apenas constitui um limite de nivelamento e, por outro, que o simples facto de a coima aplicada a essa empresa estar perto desse limite, quando essa percentagem era mais baixa para outros participantes no cartel, não podia constituir uma violação do princípio da igualdade de tratamento ou da proporcionalidade, dado que essa consequência é inerente à interpretação do limite de 10 % como um mero limite de nivelamento que é aplicado após uma eventual redução da coima devido a circunstâncias atenuantes ou ao princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2012, Novácke chemické závody/Comissão, T‑352/09, EU:T:2012:673, n.os 161 a 163 e jurisprudência aí referida).

98      Também foi declarado que da aplicação de métodos de cálculo diferentes para determinação do montante da coima não pode resultar uma discriminação entre as empresas que participaram num acordo ou numa prática concertada contrária ao artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Alliance One International e Standard Commercial Tobacco/Comissão, C‑628/10 P e C‑14/11 P, EU:C:2012:479, n.o 58; e de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 133 e jurisprudência aí referida).

99      Por último, conforme o Tribunal Geral reconheceu no seu Acórdão de 20 de maio de 2015, Timab Industries e CFPR/Comissão (T‑456/10, EU:T:2015:296, n.o 74), confirmado pelo Acórdão de 12 de janeiro de 2017, Timab Industries e CFPR/Comissão (C‑411/15 P, EU:C:2017:11), esses princípios da jurisprudência aplicam‑se mutatis mutandis ao cálculo das coimas aplicadas nos termos de um procedimento de transação.

4.      Quanto à sustentabilidade das premissas jurídicas das acusações feitas

100    Dos princípios jurisprudenciais evocados nos n.os 91 a 99, supra, decorre que, para efeitos do controlo do respeito do princípio da igualdade de tratamento no presente caso, há que distinguir entre, por um lado, a determinação obrigatoriamente igualitária do montante de base das coimas a aplicar às empresas em causa e, por outro, a aplicação a essas empresas do limite de 10 %, ao abrigo do artigo 23.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003, que é passível de variar em função dos respetivos volumes de negócios globais.

101    Com efeito, embora certamente a Comissão possa validamente escolher, como fez no presente caso, um método de cálculo do montante de base baseado no valor das vendas efetuadas ao longo de um ano completo abrangido pela infração, concretamente 2007 na decisão inicial, para caracterizar a importância económica da infração bem como o peso relativo de cada empresa que nela participou (v. jurisprudência aí referida nos n.os 93 e 94, supra), é obrigada a, nesse contexto, respeitar o princípio da igualdade de tratamento. Em contrapartida, a aplicação do limite de 10 % para determinar o montante final das coimas não é, em princípio, tributária nem dessa importância económica da infração, nem do peso relativo de cada empresa participante, nem da gravidade ou da duração da referida infração cometida por esta, antes tendo caráter puramente automático vinculado apenas ao seu volume de negócios global, razão pela qual a jurisprudência considerou que essa aplicação não podia ter como consequência, nomeadamente, uma violação do princípio da igualdade de tratamento. Pelo contrário, atento o seu objetivo — distinto e autónomo relativamente ao dos critérios da gravidade e da duração da infração — enquanto limite máximo previsível e uniformemente aplicável destinado a garantir que às empresas não serão aplicadas coimas de nível excessivo e desproporcionado por referência à sua dimensão e capacidade contributiva, sendo a sua aplicação automática ipso facto conforme ao princípio da igualdade de tratamento (v. jurisprudência aí referida nos n.os 96 e 97, supra).

102    Recorde‑se que, no presente caso, as recorrentes não contestam a aplicação em si mesma do limite de 10 %, nem enquanto limite de nivelamento das coimas que acabaram por ser aplicadas às empresas em causa, nem enquanto critério corretor excecional numa fase intermédia do seu cálculo, ou seja, no contexto da determinação dos montantes de base a fim de os colocar abaixo desse limite. Como corretamente alega a Comissão, durante o procedimento administrativo, as recorrentes tinham mesmo solicitado uma adaptação excecional do seu montante de base, ao abrigo do ponto 37 das orientações, para atender ao caráter «monoproduto» (v. n.o 9, supra). A este propósito, as recorrentes também não põem em causa a circunstância de a Comissão se ter inspirado na metodologia tida em vista no Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão (T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 80), a fim de ter em conta, nomeadamente, o caráter «monoproduto» das empresas em causa, com exceção da Hamelin, bem como a menor participação da Mayer‑Kuvert para garantir que a circunstância atenuante que daí resulta se repercuta no montante final da coima a aplicar‑lhe (considerandos 11 a 13 da decisão impugnada).

103    Em contrapartida, o que as recorrentes contestam, nomeadamente, no contexto do primeiro aspeto do presente fundamento, é tanto a forma como a Comissão efetuou essa adaptação dos montantes de base como os seus resultados — em matéria de afastamento do limite de 10 % — que eram discriminatórios no que a elas respeita.

104    A este propósito, observe‑se a título preliminar que a Comissão não tem legitimidade para sustentar que o resultado da aplicação do limite de 10 % nessa fase intermédia do cálculo das coimas a aplicar produz ipso facto resultados conformes ao princípio da igualdade de tratamento, pois tem em devida conta as diferenças entre os volumes de negócios globais de todas as empresas em causa. Com efeito, quando, como no presente caso, a Comissão opta, ao abrigo do seu poder de apreciação nos termos do ponto 37 das orientações, por ter em conta o limite de 10 %, a título excecional, já numa fase intermédia do cálculo das coimas para adaptar os seus montantes de base, fá‑lo fora do âmbito de aplicação stricto sensu do artigo 23.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003, pelo que os princípios da jurisprudência evocados nos n.os 96 e 97 não podem ser assim aplicados. Assim, contrariamente ao que pretende, ao inspirar‑se no limite de 10 % fora do seu contexto jurídico formal para o utilizar como critério de diferenciação, ou de gradação das coimas numa fase intermédia, a sua abordagem é suscetível de gerar resultados contrários ao princípio da igualdade de tratamento no que diz respeito, designadamente, aos objetivos de punição e de dissuasão ligados aos critérios da gravidade e da duração da infração.

105    Importa, portanto, apreciar se a Comissão respeitou o princípio da igualdade de tratamento no contexto da adaptação dos montantes de base das coimas ao inspirar‑se na metodologia a que se refere o Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão (T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 80). Para esse efeito, atenta a jurisprudência evocada no n.o 92, supra, importa verificar se as empresas afetadas, nomeadamente as recorrentes, por um lado, e a Bong, a Hamelin (primeira parte) e a GPV (segunda parte), por outro, se encontravam em situações idênticas ou comparáveis, se essas situações foram tratadas de forma igual ou desigual, e se um tal tratamento desigual se justificava objetivamente.

5.      Quanto ao caráter comparável das situações em causa, ao seu tratamento igual ou desigual e ao caráter objetivamente justificado do referido tratamento

a)      Observações preliminares

106    Para efeitos da apreciação do caráter comparável, ou não, das empresas em causa, há que considerar os dados pertinentes bem como as operações de cálculo efetuadas pela Comissão, nas decisões inicial e impugnada, para determinar e adaptar os montantes de base das coimas, apresentadas no seguinte quadro:

Empresa

Valor das vendas EUR em 2007

Coeficiente de gravidade

Duração (anos)

Montante adicional

Montante de base EUR

Rácio produto/
volume de negócios

Adaptação/redução

Montante de base adaptado

Bong

140 000 000

15 %

4,5

15 %

115 500 000

80 %

88 %

13 860 000

[…] GPV

125 086 629

15 %

4,5

15 %

103 196 000

93 %

98 %

2 063 920

Hamelin

185 521 000

15 %

4,416

15 %

150 717 000

17 %

85 %

22 607 550

Mayer‑Kuvert

70 023 181

15 %

4,5

15 %

57 769 000

76 %

88 %

6 932 280

Printeos […]

143 316 000

15 %

4,5

15 %

118 235 000

90 %

90 %

11 823 500


107    Do referido quadro resulta que, para efeitos da determinação dos montantes de base das coimas antes da respetiva adaptação (a seguir «montantes de base não adaptados»), a Comissão tomou devidamente em conta as diferenças entre os valores das vendas efetuadas pelas empresas em causa, bem como as relativas à duração da respetiva participação na infração (4,5 anos, exceto a Hamelin com 4,416 anos) para lhes aplicar o mesmo método de cálculo multiplicando‑as pelo mesmo coeficiente de gravidade (15 %) e somando‑lhes um montante adicional determinado pela mesma percentagem (15 %), em conformidade com os pontos 13, 21 e 25 das orientações.

108    Por conseguinte, atento o objetivo sancionatório do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e das orientações e a aplicação do mesmo método de cálculo a todas, nesta fase, as recorrentes e as outras empresas encontravam‑se todas em situações comparáveis para efeitos do cálculo das respetivas coimas. Com efeito, na perspetiva desse objetivo sancionatório e, nomeadamente, de dissuasão que depende da dimensão e do poder económico das empresas em causa, a variação entre os valores das vendas é, em princípio, um critério de diferenciação idóneo, na medida em que reflete a importância económica da infração em causa bem como o peso relativo da cada empresa que participou nessa infração, e constitui, portanto, uma condição prévia importante para a correta aplicação do princípio da igualdade de tratamento quando do cálculo dos montantes de base (v. jurisprudência aí referida nos n.os 93 e 94, supra).

109    Há, pois, que concluir que, no presente caso, os montantes de base não adaptados foram determinados em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento.

110    Todavia, importa verificar se a Comissão pela forma como, a título excecional, adaptou os montantes de base, ao abrigo do ponto 37 das orientações, tratou de forma igual situações não comparáveis ou de modo desigual situações idênticas ou comparáveis.

b)      Quanto à adaptação igualitária dos montantes de base das coimas

1)      Quanto ao método de adaptação exposto na decisão impugnada

111    Recorde‑se que a Comissão concedeu taxas de redução distintas às recorrentes (90 %), à Bong (88 %), à Hamelin (85 %) e à GPV (98 %) que não correspondem, com exceção do caso das recorrentes, aos rácios produto/volume de negócios dessas empresas, ou seja, 90 % para as recorrentes, 80 % para a Bong, 17 % para a Hamelin e 93 % para a GPV (v. considerandos 15 a 17 da decisão impugnada).

112    Os objetivos, os fundamentos e o método de cálculo que estão na base da adaptação dos montantes de base efetuada pela Comissão constam dos considerandos 10 a 22 e 57 a 62 da decisão impugnada (v. n.os 31 e segs., supra) que constitui uma fundamentação modificada e integrada, ou seja, nova por referência à constante da decisão inicial que originou a sua anulação no Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722).

113    Assim, do considerando 15 da decisão impugnada resulta que a Comissão, num primeiro momento, adaptou os montantes de base tendo em consideração a parte do valor das vendas do produto objeto do cartel por referência ao volume de negócios global de cada uma das empresas em causa, a que chama rácio produto/volume de negócios. Segundo a Comissão, essas adaptações visam simultaneamente assegurar que as coimas adaptadas refletem sempre a gravidade de toda a infração, sem, no entanto, falsear o peso relativo dos montantes de base respetivos das referidas empresas que correspondem ao seu envolvimento comparativo no cartel. Esse rácio produto/volume de negócios foi calculado com base no volume de negócios global das vendas do produto objeto do cartel (envelopes) por referência ao volume de negócios mundial total em 2012 de cada uma dessas empresas. Conforme resulta do quadro A constante do considerando 22 da decisão impugnada, uma empresa com um rácio produto/volume de negócios mais elevado beneficiou de uma taxa de redução superior ou igual à concedida a uma empresa com um rácio produto/volume de negócios mais baixo (considerando 16 da decisão impugnada).

114    É referido que só a Hamelin, na sequência da cessão dos seus ativos de produção de envelopes, deixou de apresentar vendas do objeto do cartel em 2012, razão pela qual o seu rácio produto/volume de negócios foi calculado através da comparação do seu volume de negócios de 2012 com as vendas do produto objeto do cartel desse ano pela sua antiga filial. Além disso, refere‑se que a GPV, a empresa com o rácio produto/volume de negócios mais elevado, beneficiou de uma redução de 98 %, necessária para que o seu volume de negócios fique abaixo de 10 %. Por conseguinte, as outras empresas beneficiaram de reduções menores, determinadas a título individual e que refletiam os respetivos rácios produto/volume de negócios, para além do peso relativo dos montantes de base que lhes eram atribuídos (considerando 17 da decisão impugnada).

115    Segundo a Comissão, uma redução linear baseada nos rácios produto/volume de negócios individuais daria lugar a resultados injustificados e falsearia o peso relativo dos montantes de base. Por força dessa abordagem, por exemplo, a Mayer‑Kuvert, com um rácio produto/volume de negócios de 76 %, teria o seu montante de base adaptado para um nível muito mais elevado do que o montante de base adaptado das recorrentes, com um rácio produto/volume de negócios de 90 %, quando, antes da adaptação, o seu montante de base era superior ao dobro do da Mayer‑Kuvert. A metodologia utilizada tinha, portanto, por razões de equidade, procurado restabelecer o equilíbrio entre os montantes de base adaptados através da concessão de reduções individuais que refletissem não apenas os rácios produto/volume de negócios, mas também o caráter comparável da implicação das empresas em causa no cartel, conforme resulta dos montantes de base não adaptados (considerando 18 da decisão impugnada).

116    Por último, a Comissão esclarece que, embora a Hamelin possuísse um rácio produto/volume de negócios consideravelmente menor do que as outras empresas, era necessário reduzir igualmente a sua coima para se ter em conta o facto de que o seu papel no cartel era semelhante ao das referidas empresas. Atento o seu rácio produto/volume de negócios, a redução do montante de base da Hamelin era a menor comparativamente com aquela de que beneficiaram todas as outras empresas (considerando 19 da decisão impugnada). Se a Comissão só tivesse baseado as reduções no rácio produto/volume de negócios das empresas em causa, a Hamelin não teria beneficiado de uma redução e o seu montante de base teria sido aproximadamente 1 275 % mais elevado do que o montante de base adaptado das recorrentes, quando o valor das vendas da Hamelin só era 30 % mais elevado do que o das vendas das recorrentes (considerando 20 da decisão impugnada). Consequentemente, a fixação do montante de base da coima destinada à Hamelin reflete o seu envolvimento comparativo no cartel, bem como a gravidade e a duração da infração, e tem caráter suficientemente dissuasivo (considerando 21 da decisão impugnada).

117    Atento o que precede, importa reter os seguintes elementos, que levaram a Comissão a adaptar, a título excecional, nas decisões inicial e impugnada, os montantes de base das coimas a aplicar às empresas em causa:

–        a necessidade de fixar uma taxa de redução que fizesse com que o montante de base ficasse abaixo do limite de 10 % do volume de negócios global;

–        a determinação de uma taxa de redução, designadamente em função do rácio produto/volume de negócios das empresas em causa em 2012, embora de forma não linear (como um rácio produto/volume de negócios mais elevado dá lugar a uma taxa de redução maior, o ponto de referência é a GPV com um rácio produto/volume de negócios de 93 % que beneficia de uma redução de 98 %);

–        o restabelecimento de um equilíbrio entre os montantes de base adaptados por meio da concessão de taxas de redução individuais que reflitam não apenas os rácios produto/volume de negócios, mas também o caráter comparável da implicação das empresas em causa no cartel, conforme resulta dos montantes de base não adaptados;

–        no caso da Hamelin, a determinação da menor taxa de redução de 85 % a partir de um rácio produto/volume de negócios de apenas 17 %, calculado com base na tomada em consideração das vendas da sua antiga filial em 2012, e em virtude da necessidade de restabelecer, por razões de equidade, o equilíbrio do seu montante de base adaptado com os das outras empresas (uma redução apenas em função do rácio produto/volume de negócios origina um montante de base aproximadamente 1 275 % mais elevado do que o montante de base adaptado das recorrentes, quando o valor das vendas da Hamelin era apenas 30 % mais elevado do que o das vendas das recorrentes).

2)      Quanto à legalidade dos princípios e dos objetivos orientadores da adaptação dos montantes de base

118    Quanto à redução não linear dos montantes de base das coimas a aplicar às empresas em causa, baseada nos diferentes rácios produto/volume de negócios, as recorrentes criticam fundamentalmente a Comissão de, designadamente, ter concedido à Bong uma taxa de redução de 88 % quase tão importante quanto a que lhes foi concedida (90 %), embora o rácio produto/volume de negócios da Bong de 80 % seja 10 % inferior ao seu (90 %). Daqui inferem que a taxa de redução que lhes deve ser concedida deveria ser maior para cumprir o princípio da igualdade de tratamento. Do mesmo modo, o facto de o montante de base assim adaptado, nomeadamente no caso da Bong, só representar 4,7 % do seu volume de negócios global, quando o montante de base adaptado das recorrentes equivale a 9,7 % do seu volume de negócios global, também é contrário a esse princípio.

119    Ora, dado que a Comissão não determinou as taxas de redução exclusivamente ou esquematicamente com base nesses diferentes rácios produto/volume de negócios, as recorrentes não podem alegar que é o resultado de uma apreciação comparativa errónea, isto é, de uma diferença de tratamento em seu prejuízo. Porém, para efeitos da comparação das situações em causa, é necessário partir dos diferentes montantes de base não adaptados, que foram determinados no respeito pelo princípio da igualdade de tratamento tendo simultaneamente em conta a gravidade da infração cometida e o objetivo sancionatório e de dissuasão (v. n.os 107 e 108, supra). Para esse efeito, importa verificar se os resultados da adaptação respetiva dos referidos montantes de base, com o auxílio dos rácios produto/volume de negócios, continuam a ter um nexo bastante com os critérios pertinentes do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e das orientações, em especial com a gravidade da infração e o objetivo sancionatório e de dissuasão cuja apreciação depende, designadamente da dimensão e do poder económico das empresas em causa.

120    A este propósito, cabe recordar que as recorrentes não contestam a tomada em consideração do rácio produto/volume de negócios relativamente a todas as empresas em causa para efeitos da adaptação dos seus montantes de base para que se situem abaixo do limite de 10 % dos seus volumes de negócios globais, mas apenas a determinação não linear das taxas de redução, alegadamente em prejuízo das recorrentes, com base nos referidos rácios e com o objetivo de manter o equilíbrio entre as diferentes coimas em função da gravidade da participação de cada uma das empresas em causa garantindo simultaneamente que os montantes de base adaptados ficam abaixo do limite de 10 % do volume de negócios global (v. n.o 117, segundo e terceiro travessões, supra). Ora, cabe observar que a aplicação desse método conduziu, por um lado, a que às recorrentes tenham sido atribuída uma redução maior em matéria de percentagem do montante de base (90 %) do que aquela de que beneficiaram, respetivamente, a Bong (88 %) e a Hamelin (85 %), com as quais se comparam, e, por outro, a que o peso relativo da coima que acabou por ser aplicada às recorrentes diminuísse ligeiramente e a sua posição relativa na classificação das empresas em causa por ordem decrescente dos montantes da coima aplicados tivesse melhorado, passando, na sequência da adaptação dos montantes de base, da segunda para a terceira posição. Além disso, como a Comissão corretamente sublinha, se se tivesse limitado a aplicar o referido limite de 10 %, conforme previsto no artigo 23, ponto 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1/2003, enquanto limite de nivelamento no termo do processo de cálculo das coimas, ou seja, sem adaptação intermédia dos montantes de base assente, designadamente, nos rácios produto/volume de negócios, a coima a aplicar às recorrentes teria sido mais elevada e, mais concretamente, a segunda mais elevada, em vez da terceira, entre as aplicadas ao conjunto das empresas em causa.

121    Do mesmo modo, no contexto do exercício do seu poder de apreciação ao abrigo do ponto 37 das orientações, solicitado pelas próprias recorrentes, a Comissão podia, em princípio, validamente adotar, com base nesse fundamento, um método de adaptação não linear dos montantes de base a fim de atender à necessidade de esses montantes continuarem a refletir a participação comparativa das empresas em causa no cartel, bem como o peso relativo dos montantes de base não adaptados que lhes foram atribuídos. Com efeito, como no essencial se expôs nos considerandos 17 a 19 da decisão impugnada, à luz dos critérios essenciais que regem a determinação dos montantes das coimas, ou seja, os da gravidade e da duração da infração a que se refere o artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, era imperativo manter um nexo suficientemente importante entre os montantes de base adaptados, por um lado, e os montantes de base não adaptados, por outro, sendo estes determinados à luz desses critérios, designadamente, da dimensão e do poder económico das empresas em causa, para garantir um efeito dissuasivo suficiente às sanções (v. n.o 119, supra). Em contrapartida, uma redução linear e esquemática, baseada apenas nos rácios produto/volume de negócios, não asseguraria um tal resultado, antes levando, designadamente, a que, sobretudo nos casos da Bong e da Mayer‑Kuvert, se fixassem montantes de base adaptados muito superiores ao das recorrentes, embora os montantes de base não adaptados dessas empresas fossem inferiores aos das recorrentes.

122    A este propósito importa esclarecer que, contrariamente a que alegam as recorrentes, o rácio produto/volume de negócios, enquanto coeficiente de cálculo algo insólito que combina o valor das vendas e o volume de negócios global, não constitui por si só, contrariamente ao critério do valor das vendas enquanto tal, nem o critério adequado a refletir a dimensão e o poder económico de uma empresa e, por conseguinte, a importância económica da sua participação na infração (v. por analogia à jurisprudência referida no n.o 93, supra), nem um critério determinante para a fixação de uma coima. Se fosse esse o caso, um rácio produto/volume de negócios mais elevado seria suscetível de justificar um aumento correspondente do montante de base de uma coima para melhor refletir essa dimensão e esse poder económico e cumprir o objetivo sancionatório e de dissuasão. Ora, no presente caso, a Comissão limitou‑se a utilizar esse rácio como auxílio a uma correção para baixo, ou seja, procedeu à aproximação inversa concedendo às empresas que possuem esse rácio mais elevado, certamente de forma não linear, uma taxa de redução maior tendo simultaneamente em conta a necessidade de assegurar um equilíbrio entre os montantes de base adaptados em função dos pesos relativos das empresas em causa na prática da infração. Neste contexto, as recorrentes desprezam também a pertinência do volume de negócios global como critério representativo da dimensão e do poder económico de uma empresa (v. n.o 88, supra), tendo a jurisprudência referida no n.o 93, supra, claramente indicado que o valor das vendas do produto objeto do cartel era um critério mais idóneo para esse efeito que, além disso e pelas razões expostas nos n.os 119 e 121, supra, devem encontrar reflexo nos montantes de base das coimas a aplicar. Por conseguinte, ainda que só por essas razões, o argumento das recorrentes segundo o qual a metodologia de adaptação escolhida pela Comissão tinha produzido resultados sem qualquer conexão com a dimensão e o poder económico (v. n.o 72, supra) e discriminatórios na medida em que apresentavam diferenças diversas por referência ao limite de 10 % do volume de negócios global não pode ser acolhido.

123    Pelo contrário, no presente caso, a Comissão procurou manter o equilíbrio entre os montantes de base adaptados, por um lado, e o peso relativo da participação das empresas em causa na infração e a necessidade de assegurar um efeito suficientemente dissuasivo às coimas, por outro, determinando de forma não linear, taxas de redução individuais para garantir que esses montantes não ultrapassam o limite de 10 %, mas reflitam sempre o caráter comparável da implicação dessas empresas na referida infração, medida em função da respetiva dimensão e poder económico.

124    Conclui‑se, portanto, que a tomada em consideração pela Comissão de taxas de redução individuais, baseadas não apenas nos rácios produto/volume de negócios respetivos das empresas em causa, mas também na necessidade de manter um nexo bastante entre os montantes de base adaptados, por um lado, e o peso relativo da sua participação no cartel e a necessidade de garantir um efeito suficientemente dissuasivo às coimas, que assim se manifestam nos montantes de base não adaptados, por outro, constituem, à luz dos critérios e dos objetivos do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, um tratamento igualitário de situações comparáveis na aceção do princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, para além do objetivo de fazer com que os montantes de base fiquem abaixo do limite de 10 %, essa abordagem pretendia traduzir nos montantes de base adaptados tanto a gravidade da infração, medida em função da dimensão e do poder económico das empresas em causa, como o caráter dissuasivo da sanção, que encontra reflexo nos montantes de base não adaptados que se baseavam nos valores das vendas do produto objeto do cartel. Em contrapartida, uma redução linear e esquemática dos montantes de base em função apenas do rácio produto/volume de negócios, que não constituem efetivamente um critério idóneo para representar a dimensão e o poder económico das empresas em causa, não teria assegurado a manutenção desse nexo, mas, pelo contrário, poderia falseá‑lo, ou mesmo suprimi‑lo integralmente (v. n.o 122, supra).

125    À luz desses princípios e objetivos que guiaram a adaptação dos montantes de base das coimas a aplicar às empresas em causa, importa examinar, com maior precisão, se as recorrentes se encontravam, ou não, em situações comparáveis com as da Bong e da Hamelin, por um lado (primeiro aspeto a titulo principal), e as da GPV, por outro (segundo aspeto a titulo subsidiário), e se essas situações foram tratadas de forma igual ou desigual e, eventualmente, objetivamente justificada ou não.

c)      Quanto à comparação com a situação da Bong

126    Atentas as considerações que precedem, cabe observar que a Comissão alega, no essencial e corretamente (v. n.o 84, supra), que, embora o rácio produto/volume de negócios de Bong fosse 10 % inferior ao das recorrentes, era necessário ter em conta o facto de que o montante de base não adaptado da Bong era ligeiramente inferior aos das recorrentes. Por conseguinte, independentemente dessa diferença nos rácios produto/volume de negócios respetivos, a Comissão podia validamente considerar que não se justificava estabelecer montantes de base adaptados com diferenças tão grandes. Ora, após a sua adaptação, o montante de base adaptado da Bong (13 860 000 euros) era mesmo superior ao das recorrentes (11 823 500 euros), o que demonstra que a taxa de redução de 90 % aplicada às recorrentes — maior que a de 88 % aplicada à Bong — lhes conferiu uma vantagem comparativa. Assim, foi sem cometer qualquer erro de apreciação que a Comissão considerou que uma redução adicional do montante de base adaptado das recorrentes, por elas requerido, teria por efeito atribuir‑lhes uma vantagem desproporcionada e aplicar‑lhes uma coima que não era suficientemente dissuasiva por referência à situação comparativa de partida existente na perspetiva dos montantes de base não adaptados e determinados em função do valor das vendas do produto objeto do cartel.

127    Conclui‑se, igualmente, que a alegada existência de uma diferença significativa entre os montantes de base adaptados relativamente ao limite de 10 % do volume de negócios global, ou seja, 4,7 % para a Bong e 9,7 % para as recorrentes, apenas constitui o resultado da adaptação igualitária apreciada e validada nos n.os 120 a 125, supra, pelo que a crítica suscitada quanto a este aspeto deve ser julgada improcedente.

128    De resto, mesmo admitindo que a adaptação não linear do montante de base da Bong deva ser qualificada de tratamento desigual de situações comparáveis, determinadas apenas pelos rácios produto/volume de negócios, o que não é o caso, esse tratamento desigual seria, de qualquer forma, pelas razões expostas nos n.os 121 a124, supra, objetivamente justificado para efeitos do restabelecimento no equilíbrio das coimas em função do objetivo sancionatório e de dissuasão, e não pode, portanto, consubstanciar uma violação do princípio da igualdade de tratamento em prejuízo das recorrentes.

129    Consequentemente, a acusação relativa a uma desigualdade de tratamento das recorrentes relativamente à Bong deve ser julgada improcedente.

d)      Quanto à comparação com a situação da Hamelin

130    Quanto à comparação com a situação da Hamelim, cabe observar que dos considerandos 16, 17, 19 e 20 da decisão impugnada resulta que, à luz dos dados do ano de referência 2012 destinados a determinar e a adaptar os montantes de base, a Hamelin encontrava‑se numa situação única e, portanto, distinta da das outras empresas em causa, incluindo as recorrentes. Isso decorre, por um lado, do facto de a sua atividade económica não ter natureza «monoproduto» e, por outro, do seu rácio produto/volume de negócios de apenas 17 % que, além disso, foi calculado com base na tomada em consideração das vendas da sua antiga filial em 2012, que foi vendida Bong em 2010.

131    Com efeito, como no essencial resulta do considerando 19 da decisão impugnada, diferentemente da situação das outras empresas em causa, a adaptação do montante de base da Hamelin, ao abrigo do ponto 37 das orientações, aplicando‑lhe uma taxa de redução de 85 %, ou seja, a menor relativamente às atribuídas às outras empresas, não podia encontrar justificação nem no seu caráter «monoproduto» nem no seu rácio produto/volume de negócios de 17 %, antes se fundando no essencial em razões de equidade decorrentes da sua participação comparável no cartel e da necessidade de restabelecer o equilíbrio entre as coimas aplicadas. Nesse mesmo sentido, o considerando 20 da decisão impugnada refere que, não sendo aplicada à Hamelin uma taxa de redução de 85 % do montante de base, esse montante seria cerca de 1 275 % mais elevado do que o das recorrentes, quando o valor das suas vendas do produto objeto do cartel em 2007 só era 30 % mais elevado do que o valor das vendas das recorrentes. Todavia, como referido pela Comissão, esse resultado seria desproporcionado e incompatível com a necessidade de restabelecer o equilíbrio entre as coimas que se presume refletirem a importância comparável da participação das empresas em causa na infração e garantir um efeito dissuasivo por comparação bastante, à semelhança do que encontra expressão nos montantes de base não adaptados que tinham sido determinados com base no valor das vendas do produto objeto do cartel em 2007 para atender às dimensões e poderes económicos respetivos das referidas empresas.

132    Por conseguinte, embora a abordagem da Comissão a respeito da Hamelin possa ser qualificada como de tratamento igual para situações distintas — porquanto consistiu em conceder‑lhe uma taxa de redução de 85 %, baseada a título principal no rácio produto/volume de negócios destinado a ter em conta o caráter «monoproduto» das outras empresas, embora não seja uma empresa desse tipo e só disponha de um rácio muito diminuto quanto a esse aspeto —, a adaptação do seu montante de base era objetivamente justificada, atentos os critérios enunciados nos n.os 120 a 124, supra,  e o facto de a participação da Hamelin na infração que deu lugar à determinação do seu montante de base não adaptado era amplamente comparável à das outras empresas (v. n.os 107 e 108, supra). A este respeito importa recordar que o montante de base adaptado da coima da Hamelin continua a ser o mais elevado relativamente aos das outras empresas, dado ter em conta o valor mais elevado das vendas que era imputável em 2007 e o seu mais importante montante de base não adaptado, bem como o seu menor rácio produto/volume de negócios. Estes elementos, no seu conjunto, levaram à concessão de uma taxa de redução de 85 % que é inferior à de todas as outras empresas, tendo por resultado a fixação de um montante de base adaptado quase duas vezes maior que o das recorrentes (22 607 550 comparado com 11 823 500 euros), que a Comissão podia validamente considerar proporcionado e suficientemente dissuasivo. Neste contexto há que igualmente ter em consideração o facto de que, embora o montante de base não adaptado da Hamelin fosse já o mais elevado (150 717 000 euros), só excedia o das recorrentes (118 235 000 euros) em cerca de um quarto. Nestas circunstâncias, a Comissão podia legitimamente atender ao caráter potencialmente excessivo do montante de base da Hamelin, enquanto circunstância adicional específica na aceção do ponto 37 das orientações, para justificar o facto de proceder a uma adaptação importante do referido montante e garantir que, à semelhança dos outros montantes de base, se situa a um nível inferior ao limite de 10 % e igualmente em equilíbrio com eles.

133    Daqui decorre que a existência de uma diferença significativa entre os montantes de base adaptados relativamente ao limite de 10 % do volume de negócios global, ou seja 4,5 % para a Hamelin e 9,7 % para as recorrentes, apenas constituem o resultado da adaptação objetivamente justificada apreciada e validada nos n.os 130 a 132, supra, pelo que a crítica feita a este respeito deve ser julgada improcedente.

134    Do mesmo modo, a acusação de que a Comissão não podia atribuir à Hamelin um rácio produto/volume de negócios de 17 % não pode ser acolhida. Pelo contrário, na medida em que a Comissão tinha determinado os montantes de base não adaptados de todas as empresas em causa, incluindo a Hamelin, com base no valor das vendas do produto objeto do cartel em 2007, ou seja, no momento em que a Hamelin ainda era ativa na produção e comercialização do produto objeto do cartel, era mesmo indispensável que procedesse a uma estimativa de um rácio produto/volume de negócios fictício, embora suficientemente fiável da Hamelin em 2012 para poder levar a termo uma adaptação igualitária dos referidos montantes de base.

135    Consequentemente, a acusação relativa a uma desigualdade de tratamento das recorrentes relativamente à Hamelin e, por conseguinte, o primeiro aspeto, invocado a título principal do presente fundamento, deve ser julgada improcedente.

e)      Quanto à comparação com a situação da GPV

136    No contexto do segundo aspeto do presente fundamento, invocado a título subsidiário, as recorrentes acusam a Comissão, no essencial, de as ter discriminado relativamente à GPV ao fixar‑lhe um montante de base adaptado claramente inferior ao delas.

137    Quanto à comparação com a situação da GPV, importa recordar que, ao contrário das recorrentes, que, para efeitos da adaptação do seu montante de base, beneficiaram de uma taxa de redução de 90 % que corresponde exatamente ao seu rácio produto/volume de negócios, a GPV auferiu de uma taxa de redução de 98 %, ou seja, cinco pontos percentuais mais que o seu rácio produto/volume de negócios de 93 %. Daqui resulta um montante de base adaptado claramente menor do que o das outras empresas em causa, nomeadamente da Bong e das recorrentes (2 063 920 contra 13 860 000 e 11 823 500 euros), embora os montantes de base não adaptados da GPV, da Bong e das recorrentes fossem bastante próximos (103 196 000, 115 500 000 e 118 235 000 euros).

138    Conforme resulta do considerando 17 da decisão impugnada, segundo a Comissão, essa abordagem era necessária, designadamente, para colocar o montante de base não adaptado apenas abaixo do limite de 10 % do volume de negócios global da GPV em 2013, e a taxa de redução de 98 % constituía a referência máxima com base na qual as outras taxas de redução eram determinadas. Com efeito, em resposta à questão que o Tribunal Geral colocou por escrito, a Comissão confirmou que o volume de negócios global de GPV em 2012 era de 23 460 596 euros (que serviu para determinar o seu rácio produto/volume de negócios) e em 2013 de 23 356 449 euros (que serviu para a aplicação intermédia do limite de 10 %). No decurso do processo, a Comissão explicou também que a taxa de redução de 98 % atribuída à GPV se devia principalmente à necessidade de colocar o seu montante de base abaixo do limite de 10 %, ao facto de o seu rácio produto/volume de negócios ser comparativamente o mais elevado e de o seu volume de negócios global ter decaído substancialmente em 2012 e 2013 (v. n.o 86, supra).

139    Ora, tendo em atenção, em primeiro lugar, o valor relativamente importante das vendas da GPV em 2007 do produto objeto do cartel, que esteve na origem da determinação do seu montante de base não adaptado, em segundo lugar, o seu volume de negócio global particularmente baixo em 2012 e 2013 por referência aos volumes de negócios globais das outras empresas em causa, e, em terceiro lugar, o facto de que, no caso da GPV, a tomada em consideração do rácio produto/volume de negócios e do limite de 10 % para adaptar o seu montante de base devia necessariamente implicar uma redução substancial, ou mesmo desproporcionada, do referido montante, cabe reconhecer que a GPV se encontrava numa situação diferente da das outras empresas em causa, incluindo da das recorrentes. Por conseguinte, a aplicação da mesma metodologia de adaptação do montante de base através, designadamente, da aplicação do rácio produto/volume de negócios para colocar o referido montante abaixo do limite de 10 %, constituía uma desigualdade de tratamento em benefício da GPV.

140    Além disso, mesmo que, ao proceder desse modo, a Comissão pretendesse pôr em prática o espírito do Acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão (T‑211/08, EU:T:2011:289, n.o 80), acontece que o resultado dessa operação deu origem à fixação de um montante de base adaptado da GPV claramente inferior ao de todas as outras empresas. Sobretudo, o nível do referido montante, contrariamente ao que se passou com a Bong, a Hamelin e as recorrentes e contrariamente às exigências recordadas no n.o 123, supra, deixou de ter um nexo suficientemente importante com o montante de base não adaptado da GPV, quando na verdade devia refletir, designadamente, a dimensão e o poder económico reais dessa empresa que caracterizaram a importância relativa da sua participação na infração. Daqui se conclui que, no caso da GPV, a Comissão procedeu a uma adaptação demasiado esquemática e rígida do montante de base na perspetiva do limite de 10 % ao não ter em atenção a sua situação singular que decorria da diferença substancial entre o valor das suas vendas em 2007, enquanto critério essencial representativo da sua dimensão e poder económico, e o seu volume de negócios global em 2012 e 2013. Essa abordagem teve, portanto, por efeito dissociar o montante de base adaptado da GPV dos critérios e dos objetivos sancionatórios e dissuasivos do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 ao gerar, nessa fase intermédia do processo de cálculo das coimas, um resultado que normalmente só se produz no termo desse processo, quando da aplicação do limite de nivelamento de 10 % ao abrigo do artigo 23.o, n.o 2, segundo parágrafo, do mesmo Regulamento.

141    Assim, por força dessa metodologia, a tomada em consideração em benefício da GPV do seu rácio produto/volume de negócios e do limite de 10 %, apesar da importante diferença entre o valor das suas vendas e o seu volume de negócios global, devia conduzir ao rompimento da ligação necessária entre os montantes de base não adaptados e adaptados. Daqui resultava que, contrariamente ao objetivo sublinhado pela própria Comissão no âmbito da comparação das situações da Bong, da Hamelin e das recorrentes, o montante de base adaptado já não era capaz de traduzir a dimensão e o poder económico da GPV e de garantir um efeito suficientemente dissuasivo no que a si respeita, nem de equilibrar o referido montante com o das coimas das outras empresas, pelo que esse tratamento desigual não encontrava justificação objetiva. A este propósito, a Comissão não pode invocar a jurisprudência referida nos n.os 96 e 97, supra,  cuja aplicação é precisamente tributária do respeito pelo limite de 10 %  enquanto limite de nivelamento no termo do processo de cálculo da coima e não na fase intermédia da adaptação dos montantes de base das coimas (v. n.o 104, supra). Com efeito, não existindo adaptação do montante de base da GPV, a sua coima após aplicação do referido limite, teria sido claramente mais elevada, ou seja, 2,34 em vez de 1,651 milhões de euros, conforme aplicada na decisão inicial.

142    Por conseguinte, a aplicação do método de adaptação dos montantes de base no que toca à GPV constitui uma desigualdade de tratamento que não encontra justificação objetiva relativamente às outras empresas em causa, designadamente em relação à Bong e às recorrentes.

143    Todavia, isto não significa que o segundo aspeto do presente fundamento, invocado a título subsidiário, deva ser acolhido.

144    A este propósito, cabe observar que, por um lado, na audiência, as recorrentes confirmaram por diversas vezes não contestar a legalidade das coimas aplicadas às outras empresas em causa que se tornaram definitivas, mesmo a da coima aplicada à GPV. Por outro lado, embora o tratamento mais favorável e não justificado objetivamente da GPV seja ilegal, importa recordar que o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o cumprimento do princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de outrem (Acórdãos de 5 de dezembro de 2013, Solvay/Comissão, C‑455/11 P, não publicado, EU:C:2013:796, n.o 109; de 16 de junho de 2016, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, C‑155/14 P, EU:C:2016:446, n.o 58; e de 14 de setembro de 2017, LG Electronics e Koninklijke Philips Electronics/Comissão, C‑588/15 P e C‑622/15 P, EU:C:2017:679, n.o 91).

145    Daqui resulta que as recorrentes não podem invocar, em seu benefício, a ilegalidade cometida em favor apenas da empresa GPV. No presente caso, isso é ainda menos possível pois, por um lado, a decisão inicial tornou‑se definitiva em relação à GPV e o montante da coima que lhe foi aplicada não é objeto do presente litígio e, por outro, todas as outras empresas em causa, exceto a GPV, foram tratadas, com base na mesma metodologia de adaptação dos montantes de base das coimas, de forma igual. Com efeito, se o pedido das recorrentes para que lhes fosse concedida uma maior redução fosse acolhido, isso poderia pôr em causa a apreciação do respeito pelo princípio da igualdade de tratamento no que a elas diz respeito no contexto da adaptação dos montantes de base por referência à Bong, à Mayer‑Kuvert e à Hamelin, cujas coimas também se tornaram definitivas e relativamente às quais as recorrentes já foram beneficiadas (v. n.os 118 a 135, supra). De todo o modo, as recorrentes não demonstraram que a ilegalidade cometida no que respeita à GPV correspondia à aplicação de um critério jurídico diferente para efeitos da determinação do montante da coima ou implicava reduzir o peso relativo da GPV na infração em seu detrimento (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, LG Electronics e Koninklijke Philips Electronics/Comissão, C‑588/15 P e C‑622/15 P, EU:C:2017:679, n.os 95 e 96).

146    Por conseguinte, o segundo aspeto do presente fundamento e, consequentemente, todo o referido fundamento devem ser julgados improcedentes.

C.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação ou da equidade

147    As recorrentes contestam a legalidade da não tomada em consideração, pela Comissão, da coima já aplicada pela CNC na Decisão de 25 de março de 2013 (considerandos 46 e 56 da decisão impugnada). Não alegam uma violação do princípio ne bis in idem, mas do princípio da proporcionalidade, conforme interpretado no Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 11), pertinente mesmo em caso de inaplicabilidade do princípio ne bis in idem, e conhecido na doutrina alemã sob a designação de princípio da imputação (Anrechnungsprinzip) ou sob a exigência geral de equidade que a própria Comissão já respeitou na sua prática decisória anterior.

148    No considerando 50 da decisão impugnada, a Comissão rejeitou erradamente o caráter comparável da sua prática decisória anterior com o presente caso ao afirmar que não estava demonstrado que as recorrentes se encontravam numa situação económica difícil ou que a incidência conjugada das duas sanções era de tal ordem que se tinha de concluir que o seu efeito era excessivamente dissuasivo. Como já se referiu à Comissão durante o procedimento administrativo, a situação económica das recorrentes tinha‑se deteriorado consideravelmente devido à crise económica e financeira bem como à redução generalizada da procura de envelopes num ambiente cada vez mais digital, razão pela qual tinham sofrido prejuízos de 2 900 000 euros em 2013, que acresceram aos sofridos em 2012 de 18 855 000 euros, dos quais 12 002 000 euros correspondiam às coimas aplicadas pela CNC. Assim, foram obrigadas, em fevereiro de 2014, a despedir 132 funcionários do principal centro de produção em Alcalá de Henares (Espanha), ou seja, 28 % dos funcionários, e os rendimentos líquidos em 2013 sofreram uma queda de 8,5 % relativamente a 2012. Quanto ao caráter dissuasivo excessivo, as recorrentes recordam que a coima aplicada pela CNC equivalia a 10 % do seu volume de negócios global, enquanto a aplicada na decisão impugnada equivalia a 9,7 % do mesmo volume de negócios global. Por conseguinte, a incidência conjugada de ambas era quase duas vezes mais elevada que o limite de 10 %.

149    As recorrentes esclarecem ter apresentado informações circunstanciadas que demonstravam a existência do nexo, da «sobreposição parcial» ou da complementaridade e interação evidentes entre os factos objeto da sanção da CNC e os punidos na decisão impugnada. Com efeito, o cartel punido na decisão impugnada só encontra explicação com base e no contexto geral ou organizacional dos acordos celebrados entre as empresas objeto do inquérito após a adesão de Espanha às Comunidades Europeias em 1986. Até então, os acordos anticoncorrenciais no mercado espanhol de 1978 tinham sido celebrados à escala nacional, dado que esse mercado estava protegido contra as importações por um direito aduaneiro de 36 % sobre os envelopes. Na sequência dessa adesão e do desmantelamento dos direitos aduaneiros, os produtores espanhóis ficaram conscientes de que a perenidade dos seus acordos dependia da proteção do mercado espanhol contra a entrada de produtores estrangeiros. Assim, esses acordos foram estendidos a França e Portugal por meio de um acordo celebrado em Paris (França), em 16 de julho de 1986, entre os principais produtores espanhóis e franceses e por um acordo similar celebrado anteriormente com os principais produtores portugueses. Esses acordos foram comunicados a todos os produtores espanhóis membros da Asociación Española de Fabricantes de Sobres y Manipulados de Papel y Cartón para la Enseñanza y la Oficina (ASSOMA) numa reunião que teve lugar em 16 de outubro de 1986. Foram em seguida, em 1995, alargados à Hamelin e, em 1999, ao produtor sueco Bong para também cobrir os países nórdicos, o Reino Unido e a França. Por conseguinte, o funcionamento dos acordos em Espanha dependia da existência dos acordos europeus que protegiam o mercado espanhol contra a entrada de produtores estrangeiros.

150    Segundo as recorrentes, a não tomada em consideração da coima aplicada pela CNC também é discriminatória a seu respeito. Eram a única empresa entre as consideradas responsáveis pela infração objeto da decisão inicial que foi punida por uma autoridade nacional da concorrência por factos relacionados com os que foram punidos pela Comissão. Contrariamente ao indicado no considerando 55 da decisão impugnada, o pedido de redução fundado no Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4), não lhes atribuía uma vantagem de facto, antes pretendia que lhes fosse reconhecida uma circunstância de facto que não se verificava no caso das outras empresas punidas na decisão inicial. Por conseguinte, as recorrentes solicitam ao Tribunal Geral — a título subsidiário relativamente ao primeiro fundamento e a título complementar no que respeita ao segundo — que reforme a decisão impugnada e reduza a coima que lhes foi aplicada em mais 33 % por forma a ter em consideração a coima aplicada pela CNC na sua Decisão de 25 de março de 2013, cuja justeza foi confirmada pela Audiencia Nacional, Sala de lo Contencioso (Audiência Nacional, Secção do Contencioso) no seu Acórdão de 29 de março de 2017. As recorrentes acrescentam, no essencial, que esse acórdão reconhece que o «período [em que ocorreram os fatos punidos pela Comissão] se sobrepõe» ao punido pela CNC e que existe uma sobreposição no que respeita ao produto (os envelopes de papel), o que confirma a existência de uma sobreposição parcial ou o caráter idêntico do contexto organizacional relativo às práticas punidas pela CNC e às punidas pela decisão impugnada.

151    A Comissão conclui pedindo que o presente fundamento seja julgado improcedente.

152    No presente fundamento, as recorrentes alegam uma violação do princípio da proporcionalidade e da não discriminação, mais concretamente do princípio da equidade, porquanto, no essencial, contrariamente à sua prática decisória anterior, no contexto do cálculo da coima aplicada nas decisões inicial e impugnada, a Comissão não atendeu à coima que a CNC lhes havia aplicado na sua decisão de 25 de março de 2013, enquanto única empresa entre os destinatários da decisão inicial, quando o montante da referida coima era já superior a 10 % do seu volume de negócios global (v. considerandos 46 a 55 da decisão impugnada).

153    Em contrapartida, a Comissão contesta que o princípio da equidade, conforme reconhecido no Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 11), seja aplicável no presente caso.

154    A título preliminar, importa reconhecer que, quando da prolação do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4), em primeiro lugar o sistema das competências paralelas da Comissão e das autoridades nacionais da concorrência, baseado no Regulamento no 1/2003, relativo à execução dos artigos 101.o e 102.o TFUE, ainda não existia; em segundo lugar, as competências das autoridades nacionais para aplicar, designadamente, o artigo 101.o TFUE — e somente o seu n.o 1 — eram mais limitadas, e, em terceiro lugar, o modo da sua aplicação paralela à do direito nacional da concorrência ainda não tinha sido clarificada por uma regulamentação na aceção do artigo 103.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o., 14/68, EU:C:1969:4, n.os 2 a 9; e de 21 de março de 1974, BRT e Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs, 127/73, EU:C:1974:25, n.os 7 e segs.). Além disso, o Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4), era apenas relativo à aplicação pelo Bundeskartellamt (Entidade federal da concorrência, Alemanha) do direito alemão da concorrência a um cartel relativamente ao qual a Comissão tinha paralelamente dado início a um processo para efeitos da aplicação do artigo 85.o CEE. O Tribunal de Justiça teve aí em consideração, portanto, a possibilidade de as autoridades nacionais e comunitárias da concorrência aplicarem, separada e cumulativamente, coimas para punir, no âmbito das suas competências respetivas, um «mesmo cartel», o que implicava a necessidade, por força do princípio geral da equidade, de evitar um «cúmulo de sanções».

155    Ora, no presente caso, a CNC aplicou tanto o artigo 101.o TFUE como o direito da concorrência espanhola, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento n.o 1/2003 que é precisamente o regulamento na aceção do artigo 103.o, n.os 1 e 2, alínea e), TFUE [antigo artigo 87.o, n.o 2, alínea e), CEE] necessário à aplicação dos princípios constantes dos artigos 101.o e 102.o TFUE e da definição das relações entre as legislações nacionais, por um lado, e as disposições do direito da União, por outro, na aceção do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 4). Com efeito, esse regulamento prevê não apenas que a execução dos artigos 101.o e 102.o TFUE seja atribuída, em larga medida, às autoridades nacionais da concorrência com base na aplicabilidade direta das suas disposições, incluindo do n.o 3 do artigo 101.o TFUE (v. considerando 4 do referido regulamento que faz referência ao regime de exceção legal), mas visa também, por força da regra da convergência constante do seu artigo 3.o e do princípio do primado (Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o., 14/68, EU:C:1969:4, n.o 6), preservar a coerência, isto é, a uniformidade da aplicação do direito da concorrência da União, em especial do artigo 101.o TFUE, e do direito nacional da concorrência correspondente no que toca ao resultado a alcançar quando se encontra preenchido o critério da afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

156    Consequentemente, quando, como no presente caso, o âmbito de aplicação do artigo 101.o TFUE é aberto, deixa de ser possível considerar que os processos iniciados pelas autoridades nacionais e pela Comissão prosseguem «fins distintos» na aceção do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 11). É o que decorre, por um lado, do facto de esses processos, na medida em que visam dar execução ao artigo 101.o TFUE, independentemente da autoridade da concorrência que os leva a cabo, prosseguem os mesmos objetivos, ou seja, a preservação da concorrência no mercado único (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Toshiba Corporácion e o., C‑17/10, EU:C:2011:552, n.o 81), e de, por outro lado, a aplicação do direito nacional da concorrência, na medida em que continua aplicável, por força do artigo 3.o, n.o 2, primeiro período, do Regulamento n.o 1/2003, conduzir ao mesmo resultado que a aplicação do direito da concorrência da União. Conclui‑se que no sistema das competências paralelas ao abrigo do mesmo regulamento, um «cúmulo de sanções» na aceção do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4), só é possível em caso de aplicação paralela do artigo 102.o TFUE e do direito nacional correspondente, embora mais rigorosa, que proíbe ou pune um comportamento unilateral de uma empresa, que não se verifica no presente caso.

157    Contrariamente ao que sustentam as recorrentes, esse «cúmulo de sanções» também não se pode fundar na alegada sobreposição das infrações em causa e ainda menos tendo em atenção as suas respetivas incidências territoriais. A este propósito, o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente a uma situação análoga de aplicação paralela do direito da concorrência nacional e da União, em que a aplicação do direito nacional pela autoridade nacional da concorrência apenas visava o comportamento anticoncorrencial em território nacional enquanto o processo relativo à aplicação do artigo 101.o TFUE a que a Comissão tinha dado inicio visava o caráter anticoncorrencial do mesmo comportamento no mercado único com exclusão do território nacional em causa, que o princípio ne bis in idem — na verdade não invocado pelas recorrentes em apoio do presente fundamento — era inaplicável pois o critério da identidade não se cumpria (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporácion e o., C‑17/10, EU:C:2012:72, n.os 96 a 103). Além disso, no processo que esteve na origem desse acórdão, a questão da aplicabilidade do princípio da equidade não tinha sido suscitada e não se colocava analogamente à que foi objeto do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 11), em que existia um verdadeiro cúmulo de sanções aplicadas ao mesmo cartel em territórios que se sobrepunham, ou seja, a Alemanha, por um lado, e o mercado comum, onde se incluía a Alemanha, por outro. Em contrapartida, no presente caso, à semelhança da situação que esteve na origem do Acórdão de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporácion e o. (C‑17/10, EU:C:2012:72), tanto essa sobreposição territorial como esse cúmulo de sanções são imediatamente de excluir.

158    Sem que seja necessário uma decisão definitiva sobre a questão de saber se o princípio da equidade é suscetível de aplicação a situações em que o artigo 101.o TFUE e o direito nacional da concorrência correspondente são aplicados paralelamente, importa declarar que no presente caso os factos que estão na origem das decisões inicial e impugnada e o os que estão na origem da Decisão da CNC, de 25 de março de 2013, não se referem ao «mesmo cartel» nem a um «cúmulo de sanções» na aceção do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.os 3 e 11), e ainda menos, em virtude de as infrações abrangerem territórios diferentes e terem diferentes durações, de factos idênticos. Como a Comissão corretamente recordou, a duração da infração que examinou e puniu nas decisões inicial e impugnada prolongou‑se pelo período compreendido entre 8 de outubro de 2003 e 22 de abril de 2008, enquanto a CNC instruiu comportamentos anticoncorrenciais que abrangem o período entre 1977 e 2010 (no que respeita aos envelopes eleitorais), entre 1990 e 2010 (no que respeita aos envelopes impressos) e entre 1994 e 2010 (no que respeita aos envelopes normalizados e à limitação dos progressos tecnológicos). Além disso, resulta do que precede, que os produtos abrangidos por esses comportamentos anticoncorrenciais não eram exatamente os mesmos que haviam sido objeto do cartel punido pela Comissão. Assim, é em vão que os recorrentes invocam elementos comuns aos comportamentos punidos pelas referidas decisões. Do mesmo modo, dado que, por um lado, a CNC puniu o comportamento das recorrentes no que respeita apenas aos seus efeitos no território espanhol e relativamente a um período diferente e que, por outro, a Comissão excluiu esse território do seu processo e do âmbito de aplicação das decisões inicial impugnada, as recorrentes não podem alegar que existia um «cúmulo de sanções» na aceção do Acórdão de 13 de fevereiro de 1969, Wilhelm e o. (14/68, EU:C:1969:4, n.o 11). Pelo contrário, nessas circunstâncias, uma punição completa e suficientemente dissuasiva do comportamento anticoncorrencial das recorrentes exige precisamente que se atenda ao conjunto dos seus efeitos nesses diferentes territórios, incluindo no tempo, pelo que a Comissão não pode ser acusada de não ter reduzido, por essas mesmas razões, a coima aplicada às recorrentes nas decisões inicial e impugnada.

159    Esta apreciação não é posta em causa pela prática decisória anterior da Comissão em outras situações, independentemente do seu caráter comparável, ou não, com a situação que no presente caso se apresenta. A este propósito, basta recordar que, segundo jurisprudência assente, essa prática decisória anterior não serve de quadro jurídico aplicável às coimas em matéria de direito da concorrência e que as decisões relativas a outros processos só têm caráter puramente indicativo no que respeita à existência, nomeadamente, de discriminações ou do caráter desproporcionado de uma coima (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.o 82 e jurisprudência aí referida; de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 189; e de 7 de setembro de 2016, Pilkington Group e o./Comissão, C‑101/15 P, EU:C:2016:631, n.o 68). Todavia, conforme se expôs, nomeadamente, no n.o 158, supra,  no presente caso, as acusações feitas pelas recorrentes não são suscetíveis de demonstrar o caráter desproporcionado da coima que lhes foi aplicada.

160    Por último, conforme a Comissão sublinha, as recorrentes não podem alegar ter sido discriminadas por terem sido a única empresa a quem a CNC aplicou uma coima devido à sua participação no cartel análogo em Espanha, tendo a CNC aplicado a uma filial da Hamelin, a Envel Europa, uma coima de 637 464 euros na mesma Decisão de 25 de março de 2013, o que não é contestado pelas recorrentes. Nesse contexto, as recorrentes também não podem invocar a alegada deterioração da sua situação económica que poderia ter sido objeto de um pedido de redução da coima na aceção do ponto 35 das orientações por falta de capacidade contributiva. Com efeito, por um lado, não contestam não ter apresentado, ao contrário da Bong e da Hamelin, durante o procedimento administrativo, mesmo após a sua reabertura, um tal pedido à Comissão e, por outro não apresentaram um pedido análogo ao Tribunal Geral, designadamente em apoio do seu pedido subsidiário relativo à redução da coima aplicada.

161    Por conseguinte, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

D.      Conclusões

162    Atento o conjunto das considerações que precedem, há que negar provimento ao pedido de anulação apresentado a título principal.

163    No que respeita ao pedido de redução da coima apresentado a título subsidiário, cabe recordar que, em conformidade com o artigo 261.o TUE, conjugado com o artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, o juiz da União está investido de uma competência de plena jurisdição que lhe permite, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, substituir a apreciação da Comissão, autora do ato em que o montante da sanção foi inicialmente fixado, pela sua própria apreciação, para determinação do montante dessa sanção. Por conseguinte, o juiz da União pode alterar o ato impugnado, mesmo sem o anular, para suprimir, reduzir ou aumentar o montante da coima aplicada, levando em conta, no exercício dessa competência, todas as circunstâncias de facto (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão, C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 106 e jurisprudência aí referida).

164    Este exercício pressupõe, em aplicação do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, que seja tida em consideração, para cada empresa punida, a gravidade e a duração da infração em causa, respeitando os princípios, designadamente, da fundamentação, da proporcionalidade, da individualização das sanções e da igualdade de tratamento, e sem que o juiz da União esteja vinculado pelas regras indicativas definidas pela Comissão nas suas orientações (v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Galp Energía España e o./Comissão, C‑603/13 P, EU:C:2016:38, n.o 90).

165    Para esse efeito, há que ter em conta a duração das infrações e todos os elementos que podem entrar na apreciação da gravidade daquelas, tais como o comportamento de cada uma das empresas, o papel desempenhado por cada uma delas no estabelecimento das práticas concertadas, o benefício que retiraram dessas práticas, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que as infrações deste tipo representam para a União. Além disso, elementos objetivos, como o conteúdo e a duração dos comportamentos anticoncorrenciais, o seu número e a sua intensidade, a extensão do mercado afetado e a deterioração sofrida pela ordem pública económica, devem ser tidos em conta. Por último, a análise deve igualmente tomar em consideração a importância relativa e a quota de mercado das empresas responsáveis, bem como uma eventual reincidência (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, EU:C:2011:815, n.os 56 e 57).

166    No presente caso, cabe ao Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, determinar, à luz da argumentação apresentada pelas recorrentes em apoio do seu pedido de reforma da decisão, o montante da coima que considera ser mais adequado, atentas as conclusões a que chegou, em especial no contexto do exame do segundo fundamento (v., designadamente, n.os 136 a 146, supra), e tendo em conta o conjunto das circunstâncias de fato.

167    Importa recordar, antes de mais, que o valor das vendas realizadas pelas recorrentes em 2007 foi de 143 316 000 euros e o seu volume de negócios em 2013 era de 121 728 000 euros, o que não é contestado pelas recorrentes.

168    Importa sublinhar, em seguida, que a infração é grave, pois as recorrentes participaram plenamente no cartel destinado a coordenar os preços de venda, repartir a clientela e trocar informações comerciais sobre o mercado europeu dos envelopes normalizados por catálogo e envelopes especiais impressos, incluindo na Dinamarca, na Alemanha, em França, na Suécia, no Reino Unido e na Noruega.

169    Além disso, é certo que a recorrente participou na infração de 8 de outubro de 2003 a 22 de abril de 2008.

170    No que respeita aos erros cometidos pela Comissão no âmbito da fixação dos montantes das coimas, recorde‑se que o Tribunal Geral considerou, no essencial, que a metodologia utilizada pela Comissão respeitava, na verdade, o princípio da igualdade de tratamento no que toca às recorrentes, à Bong, à Hamelin e à Mayer‑Kuvert, mas não o tinha respeitado no que toca à GPV (v. n.os 139 a 142, supra).

171    Com efeito, a GPV encontrava‑se numa situação especial devido, por um lado, ao valor relativamente importante das suas vendas do produto objeto do cartel em 2007 que esteve na origem da determinação do seu montante de base não adaptado e, por outro, do seu volume de negócios global particularmente pequeno em 2012 e 2013 por referência aos volumes de negócios globais das outras empresas em causa, pelo que, no seu caso, a tomada em consideração do rácio produto/volume de negócios e do limite de 10 % para adaptar o seu montante de base devia necessariamente implicar uma redução substancial do referido montante. Cabe, portanto, observar que, dada essa situação especial e diferente da GPV e o caráter inadequado do método de adaptação dos montantes de base das coimas adotado pela Comissão relativamente a si, as outras empresas em causa, incluindo as recorrentes, cuja situação não era comparável à da GPV na medida em que os seus volumes de negócios globais eram substancialmente mais elevados, não podiam beneficiar de uma redução análoga à da GPV.

172    Atentas as considerações que precedem, incluindo as expostas nos n.os 158 a 160, supra,  e a necessidade de ponderar os diferentes elementos a considerar para efeitos da fixação do montante da coima (v. n.os 164 e 165, supra), o Tribunal Geral considera que o montante da coima aplicado às recorrentes, dado, em especial, a gravidade da infração e a duração da sua participação, é adequado e, portanto, não há lugar à sua redução.

173    Assim, há que indeferir o pedido de alteração apresentado pelas recorrentes a título subsidiário, de redução do montante da coima de 4 729 000 euros.

174    Por conseguinte, há que negar provimento à integralidade do recurso.

IV.    Quanto às despesas

175    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, segundo o artigo 135.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a título excecional, quando a equidade o exija, o Tribunal Geral pode decidir que uma parte vencida suporte, para além das suas próprias despesas, unicamente uma fração das despesas da outra parte. Além disso, segundo o artigo 135.o, n.o 2, desse mesmo regulamento, o Tribunal Geral pode condenar uma parte, mesmo com ganho de causa, parcial ou totalmente nas despesas, caso isso se revele justificado em razão da sua atitude, incluindo com a propositura do processo. O Tribunal Geral pode, nomeadamente, condenar nas despesas uma instituição cuja decisão não tenha sido anulada, por causa da respetiva insuficiência, que possa ter levado um recorrente a interpor um recurso (v. Acórdão de 22 de abril de 2016, Itália e Eurallumina/Comissão, T‑60/06 RENV II e T‑62/06 RENV II, EU:T:2016:233, n.o 245 e jurisprudência aí referida).

176    Decerto, no presente caso, as recorrentes foram vencidas nos seus primeiro e segundo pedido do recurso. Contudo, importa ter em atenção que o exame do presente recurso revelou que a Comissão teve falta de rigor tanto na definição da metodologia de adaptação dos montantes de base das coimas como na forma como a aplicou e fundamentou a sua decisão (v. n.os 139 a 142, supra), sem que, no entanto, essas razões bastem para os referidos pedidos serem julgados procedentes. Essa falta de rigor é tanto mais lamentável quanto a decisão impugnada é a segunda decisão que aplica uma coima às recorrentes por terem cometido a infração em causa, após estas terem logrado obter a anulação da decisão inicial por falta de fundamentação no Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão (T‑95/15, EU:T:2016:722). O Tribunal Geral considera que essas razões puderam induzir as recorrentes a interpor o presente recurso.

177    Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral considera ser justo e equitativo condenar a Comissão a suportar as suas próprias despesas bem como as das recorrentes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

Van der Woude

Frimodt Nielsen

Kreuschitz

Półtorak

 

      Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de setembro de 2019.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Procedimento administrativo que levou à adoção da decisão inicial

B. Acórdão no processo T95/15

C. Acórdão no processo T201/17

D. Reabertura do procedimento administrativo e adoção da decisão impugnada

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e do ne bis in idem

B. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento na determinação do montante da coima

1. Evocação dos argumentos essenciais das partes

2. Observações preliminares

3. Recapitulação de jurisprudência

4. Quanto à sustentabilidade das premissas jurídicas das acusações feitas

5. Quanto ao caráter comparável das situações em causa, ao seu tratamento igual ou desigual e ao caráter objetivamente justificado do referido tratamento

a) Observações preliminares

b) Quanto à adaptação igualitária dos montantes de base das coimas

1) Quanto ao método de adaptação exposto na decisão impugnada

2) Quanto à legalidade dos princípios e dos objetivos orientadores da adaptação dos montantes de base

c) Quanto à comparação com a situação da Bong

d) Quanto à comparação com a situação da Hamelin

e) Quanto à comparação com a situação da GPV

C. Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação ou da equidade

D. Conclusões

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: espanhol.