Language of document : ECLI:EU:T:2022:312

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

1 de junho de 2022 (*)

«União económica e monetária — União bancária — Mecanismo único de resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Procedimento de resolução aplicável em caso de situação ou risco de insolvência de uma entidade — Adoção pelo CUR de um programa de resolução relativamente ao Banco Popular Español — Direito de audiência — Delegação de poderes — Direito de propriedade — Dever de fundamentação — Artigos 18.o e 20.o e artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 806/2014»

No processo T‑510/17,

Antonio Del Valle Ruíz, residente no México (México), e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo (1), representados por J. Pobjoy, barrister, B. Kennelly, QC, e S. Walker, solicitor,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn e A. Steiblytė, agentes,

e

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por J. King e M. Fernández Rupérez, agentes, assistidas por B. Meyring, S. Schelo, F. Fernández de Trocóniz Robles, T. Klupsch e S. Ianc, advogados,

recorridos,

apoiados por

Reino de Espanha, representado por L. Aguilera Ruiz e J. Rodríguez de la Rúa Puig, agentes,

por

Parlamento Europeu, representado por L. Visaggio, J. Etienne, M. Menegatti, M. Sammut, L. Stefani e M. Martínez Iglesias, agentes,

por

Conselho da União Europeia, representado por A. de Gregorio Merino, J. Bauerschmidt, A. Westerhof Löfflerová e H. Marcos Fraile, agentes,

e por

Banco Santander, SA, com sede em Santander (Espanha), representado por J. Rodríguez Cárcamo, A. Rodríguez Conde, D. Sarmiento Ramírez‑Escudero, advogados, e G. Cahill, barrister,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido, com base no artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão SRB/EES/2017/08 da sessão executiva do CUR, de 7 de junho de 2017, relativa a um programa da resolução para o Banco Popular Español, SA, e da Decisão (UE) 2017/1246 da Comissão, de 7 de junho de 2017, que aprova o programa de resolução para Banco Popular Español (JO 2017, L 178, p. 15),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, M. Jaeger, V. Kreuschitz, G. De Baere (relator) e G. Steinfatt, juízes,

secretário: M. P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Na sequência da crise financeira de 2008, foi decidido criar uma união bancária na União Europeia, baseada num conjunto único de regras completo e pormenorizado para os serviços financeiros, válido para todo o mercado interno e que incluísse um mecanismo único de supervisão e novos enquadramentos para a garantia de depósitos e a resolução de insolvências bancárias.

2        A primeira etapa da criação da união bancária consistiu na instituição de um mecanismo único de supervisão (MUS) pelo Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63). Segundo o considerando 12 desse regulamento, um mecanismo único de supervisão deverá assegurar que a política da União no que se refere à supervisão prudencial das instituições de crédito seja aplicada de forma coerente e eficaz, que o conjunto único de regras para os serviços financeiros seja aplicado da mesma forma às instituições de crédito de todos os Estados‑Membros interessados e que essas instituições de crédito sejam sujeitas a uma supervisão da mais elevada qualidade, isenta de considerações não prudenciais. Para o efeito, o Regulamento n.o 1024/2013 confere ao Banco Central Europeu (BCE) atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, a fim de contribuir para a segurança e solidez das instituições de crédito e para a estabilidade do sistema financeiro na União e em cada Estado‑Membro.

3        Seguidamente, foi adotada a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho e as Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 (JO 2014, L 173, p. 190). Indica, no seu considerando 1, o seguinte:

«A crise financeira demonstrou uma grande falta de instrumentos adequados a nível da União para tratar com eficácia o problema das instituições de crédito e das empresas de investimento […] pouco sãs ou em situação de insolvência. Esses instrumentos são necessários, nomeadamente, para evitar procedimentos de insolvência ou, se tal não for possível, para minimizar as suas repercussões negativas, preservando as funções de importância sistémica das instituições em causa. Durante a crise, estes desafios constituíram um fator essencial que obrigou os Estados‑Membros a salvarem instituições utilizando o dinheiro dos contribuintes. A finalidade de um enquadramento credível para a recuperação e a resolução consiste em evitar, ao máximo, a necessidade de proceder a tal intervenção.»

4        O objetivo da Diretiva 2014/59 é o de instituir regras comuns de harmonização mínima das disposições nacionais que regulam a resolução dos bancos na União e prevê uma cooperação entre autoridades de resolução nas situações de insolvência de bancos transfronteiriços. A este respeito, a Diretiva 2014/59 prevê, nomeadamente no seu artigo 3.o, n.o 1, que cada Estado‑Membro designa uma ou, excecionalmente, mais autoridades de resolução habilitadas a aplicar os instrumentos de resolução e a exercer os poderes de resolução.

5        Todavia, considerando, por um lado, que a Diretiva 2014/59 não conduzia à centralização do processo decisório em matéria de resolução, que punha essencialmente instrumentos de resolução e poderes de resolução comuns à disposição das autoridades nacionais de cada Estado‑Membro e que deixava a estas uma margem de apreciação para o recurso a esses instrumentos e à utilização dos mecanismos nacionais de financiamento para a resolução, e considerando, por outro lado, que essa diretiva não impedia completamente a adoção de decisões distintas e potencialmente divergentes sobre a resolução dos grupos transfronteiriços pelos Estados‑Membros, decidiu instituir um mecanismo único de resolução (MUR).

6        Assim, a segunda etapa para a criação da união bancária consistiu na adoção do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução Bancária, e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).

7        O considerando 12 do Regulamento n.o 806/2014 dispõe:

«Afigura‑se essencial, para a realização do mercado interno dos serviços financeiros, garantir decisões eficazes em matéria de resolução para os bancos em situação de insolvência no âmbito da União, nomeadamente em relação à utilização dos fundos mobilizados a nível da União. No mercado interno, a insolvência de bancos num Estado‑Membro pode afetar a estabilidade dos mercados financeiros da União como um todo. A garantia de regras efetivas e uniformes em matéria de resolução e de condições de financiamento da resolução idênticas em todos os Estados‑Membros é do interesse, não apenas dos Estados‑Membros em que os bancos operam, mas também de todos os Estados‑Membros em geral, uma vez que permite assegurar condições equitativas de concorrência e melhorar o funcionamento do mercado interno. Os sistemas bancários no mercado interno estão estreitamente interligados, os grupos bancários têm uma dimensão internacional e os bancos detêm uma grande percentagem de ativos estrangeiros. Na ausência do MUR, as crises bancárias nos Estados‑Membros que participam no MUS teriam um maior impacto sistémico negativo também nos Estados‑Membros não participantes. A criação do MUR assegurará uma abordagem neutra no tratamento dos bancos em situação de insolvência e, por conseguinte, aumentará a estabilidade dos bancos dos Estados‑Membros participantes e impedirá a propagação das crises a Estados‑Membros não participantes, facilitando assim o funcionamento do mercado interno no seu todo. Os mecanismos de cooperação relativos às instituições estabelecidas em Estados‑Membros participantes e não participantes deverão ser claros e nenhum Estado‑Membro ou grupo de Estados‑Membros deverá ser, direta ou indiretamente, discriminado enquanto local de prestação de serviços financeiros.»

8        Segundo o seu artigo 1.o, primeiro parágrafo, o Regulamento n.o 806/2014, tem por objetivo aprovar regras uniformes e um procedimento uniforme para a resolução das entidades definidas no artigo 2.o que estejam estabelecidas nos Estados‑Membros participantes, a saber, os bancos que tenham como autoridade de supervisão do país de origem o BCE ou a autoridade nacional competente nos Estados‑Membros cuja moeda seja o euro ou nos Estados‑Membros cuja moeda não seja o euro que tenham instituído uma cooperação estreita em conformidade com o artigo 7.o do Regulamento n.o 1024/2013 (v. considerando 15 do Regulamento n.o 806/2014).

9        O artigo 1.o, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que essas regras uniformes e esse processo uniforme serão aplicados pelo Conselho Único de Resolução (CUR), criado ao abrigo do artigo 42.o, em colaboração com o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia e as autoridades nacionais de resolução, no quadro do MUR criado pelo mesmo regulamento. Prevê‑se igualmente que o MUR se apoie num Fundo Único de Resolução (FUR).

10      Nos termos do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR decide uma medida de resolução em relação a uma instituição financeira estabelecida num Estado‑Membro participante se as três condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do mesmo regulamento estiverem preenchidas.

11      A primeira condição exige que a entidade se encontre em situação ou em risco de insolvência. A avaliação dessa condição é efetuada pelo BCE, após consulta do CUR, ou pelo CUR, e é considerada preenchida se a entidade se encontrar numa ou mais das situações enumeradas no artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014.

12      A segunda condição pressupõe que não existe nenhuma perspetiva razoável de que outras medidas de natureza privada ou prudenciais impeçam a insolvência da entidade num prazo razoável.

13      A terceira condição implica que uma medida de resolução seja necessária para defesa do interesse público, a saber, que seja necessária para atingir um ou mais dos objetivos da resolução e que a liquidação da entidade segundo um processo normal de insolvência não o permitisse na mesma medida.

14      O artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014 define os seguintes objetivos da resolução: assegurar a continuidade das funções críticas; evitar efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira, nomeadamente evitando o contágio; proteger as finanças públicas, limitando o recurso ao apoio financeiro público extraordinário; proteger os depositantes e os investidores, proteger os fundos e ativos dos clientes.

15      O artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que, antes de adotar uma medida de resolução ou exercer o poder para reduzir ou converter os instrumentos de capital relevantes, o CUR assegura que seja efetuada uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e passivos da entidade em causa por uma pessoa independente de qualquer autoridade pública, incluindo o CUR e a autoridade nacional de resolução, e da entidade em causa.

16      Segundo o artigo 20.o, n.o 15, do Regulamento n.o 806/2014, a avaliação é parte integrante da decisão de aplicar um instrumento de resolução ou de exercer um poder de resolução ou da decisão relativa ao exercício do poder de redução ou de conversão de instrumentos de capital.

17      Se estiverem preenchidas as condições previstas no artigo 18, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR adota um programa de resolução.

18      Quando atuam no âmbito do processo de resolução, o CUR, o Conselho e a Comissão devem assegurar que a medida de resolução seja adotada em conformidade com certos princípios enumerados no artigo 15.o do Regulamento n.o 806/2014, entre os quais figuram o princípio de os acionistas da instituição objeto de um processo de resolução serem os primeiros a suportar as perdas e o princípio de nenhum credor incorrer em perdas maiores do que teria sofrido se a entidade visada pela medida de resolução tivesse sido liquidada num processo normal de insolvência.

19      No programa de resolução, o CUR determina a aplicação dos instrumentos de resolução. O artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 enumera os diferentes instrumentos de resolução disponíveis, a saber, a alienação da atividade, o recurso a uma instituição de transição, a segregação de ativos e a recapitalização interna.

20      No programa de resolução, o CUR pode igualmente exercer o poder de redução ou de conversão dos instrumentos de capital da entidade em causa nas condições previstas no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014. Segundo o artigo 19.o do Regulamento n.o 806/2014, uma medida de resolução pode igualmente implicar a concessão de um auxílio de Estado ou o recurso ao FUR.

21      Segundo o artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, imediatamente após a sua adoção, o CUR transmite o programa de resolução à Comissão. No prazo de vinte e quatro horas a contar da transmissão do programa de resolução pelo CUR, a Comissão aprova o programa de resolução ou apresenta objeções sobre os seus aspetos discricionários diferentes dos previstos no terceiro parágrafo, a saber, a observância do critério do interesse público ou uma alteração significativa do montante do FUR. Quanto a estes últimos aspetos discricionários, no prazo de doze horas a contar da data da transmissão do programa de resolução pelo CUR, a Comissão pode propor ao Conselho que apresente objeções ao programa de resolução adotado pelo CUR com o fundamento de que este não cumpre o critério do interesse público ou que aprove ou recuse uma alteração significativa do montante do FUR prevista no programa de resolução adotado pelo CUR. O programa de resolução só pode entrar em vigor se não tiverem sido formuladas objeções pelo Conselho ou pela Comissão no prazo de 24 horas após a sua transmissão pelo CUR.

22      O artigo 18.o, n.o 9, do Regulamento n.o 806/2014 indica que o CUR assegura que as medidas de resolução necessárias à aplicação do programa de resolução sejam tomadas pelas autoridades nacionais de resolução em causa. Estas últimas são destinatárias do programa de resolução, que lhes dá instruções para tomarem todas as medidas necessárias para o aplicarem, em conformidade com o artigo 29.o do mesmo regulamento, exercendo quaisquer poderes de resolução.

23      Posteriormente à adoção de uma medida de resolução, nos termos do artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR assegurará que seja realizada uma avaliação por uma pessoa independente, a fim de determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um tratamento mais favorável se a instituição sujeita a um procedimento de resolução tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência. Essa avaliação pode levar, nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014, a indemnizar os acionistas ou os credores se tiverem sofrido perdas maiores no âmbito da resolução do que teriam sofrido numa liquidação segundo um processo normal de insolvência.

 Antecedentes do litígio e factos posteriores à interposição do recurso

24      Os recorrentes, Antonio Del Valle Ruíz e as restantes pessoas singulares e coletivas cujos nomes figuram em anexo, eram acionistas ou detinham obrigações do Banco Popular Español, SA (a seguir «Banco Popular») antes da adoção de um programa de resolução deste último.

 Quanto à situação do Banco Popular antes da adoção do programa de resolução

25      O grupo Banco Popular, de que o Banco Popular era a sociedade‑mãe, era, à data da resolução, o sexto grupo bancário espanhol.

26      Em 2016, o Banco Popular procedeu a um aumento de capital de 2 500 milhões de euros.

27      Em 5 de dezembro de 2016, a sessão executiva do CUR aprovou um plano de resolução do grupo Banco Popular (a seguir «plano de resolução de 2016»). O instrumento de resolução privilegiado nesse plano de resolução era o instrumento de recapitalização interna previsto no artigo 27.o do Regulamento n.o 806/2014.

28      Em 3 de fevereiro de 2017, o Banco Popular publicou o seu relatório anual de 2016, no qual anunciou uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros, conduzindo a uma perda consolidada de 3 485 mil milhões de euros e à nomeação de um novo presidente.

29      Em 10 de fevereiro de 2017, a DBRS Ratings Limited (DBRS) (atual DBRS Morningstar) baixou a notação do Banco Popular, com perspetiva negativa, em face da situação enfraquecida do capital do Banco Popular na sequência de uma perda líquida mais significativa do que a prevista no seu relatório anual, acima referida no n.o 28, bem como dos esforços do Banco Popular para reduzir as suas existências ainda elevadas de ativos não produtivos.

30      Em 3 de abril de 2017, o Banco Popular anunciou o resultado de auditorias internas, indicando que poderiam ser necessárias correções ao relatório anual de 2016. Esses ajustamentos foram efetuados no relatório financeiro do Banco Popular para o primeiro trimestre de 2017.

31      Em 10 de abril de 2017, na assembleia geral de acionistas do Banco Popular, o presidente do conselho de administração anunciou que o banco previa um aumento de capital ou uma transação de empresa devido à situação do grupo em termos de fundos próprios e ao seu nível de ativos não produtivos. O presidente executivo do Banco Popular foi substituído menos de um ano após a sua entrada em funções.

32      Na sequência do anúncio de 3 de abril de 2017 sobre a necessidade de ajustamento dos resultados financeiros de 2016, a DBRS, em 6 de abril, baixou a notação do Banco Popular, mantendo a sua perspetiva negativa. A Standard & Poor’s, em 7 de abril, e a Moody’s Investors service (a seguir «Moody’s»), em 21 de abril de 2017, baixaram igualmente a notação do Banco Popular com perspetiva negativa.

33      Em abril de 2017, o Banco Popular iniciou um processo de venda privada com o objetivo de realizar a sua venda a um concorrente forte, visando restabelecer a sua situação financeira. A data‑limite para os eventuais interessados na aquisição do Banco Popular apresentarem a sua proposta tinha sido fixada em 10 de junho de 2017, tendo sido depois adiada para o fim de junho de 2017.

34      Em 5 de maio de 2017, o Banco Popular apresentou o seu relatório financeiro para o primeiro trimestre de 2017, anunciando perdas no montante de 137 milhões de euros.

35      Em 12 de maio de 2017, a exigência de cobertura das necessidades de liquidez (Liquidity Coverage Requirement) do Banco Popular passou abaixo do limite mínimo de 80 % fixado pelo artigo 460.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1).

36      Por carta de 16 de maio de 2017, o Banco Santander, SA informou o Banco Popular que não estava em condições de apresentar uma proposta formal no âmbito do processo de venda privada.

37      Em 16 de maio de 2017, o Banco Popular, numa comunicação de um facto pertinente à Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV, Comissão Nacional do Mercado de Valores, Espanha), indicou que havia potenciais adquirentes que tinham manifestado o seu interesse no processo de venda privada, mas que não tinha sido recebida nenhuma proposta formal.

38      Em 19 de maio de 2017, a agência FITCH baixou a notação do Banco Popular a longo prazo.

39      Em 23 de maio de 2017, a presidente do CUR, Elke König deu uma entrevista ao canal de televisão Bloomberg, na qual foi interrogada, nomeadamente, sobre a situação do Banco Popular.

40      Ao longo de maio de 2017, numerosos artigos de imprensa relataram as dificuldades do Banco Popular. A título de exemplo, há que mencionar um artigo de 11 de maio de 2017, publicado no sítio Internet elconfidencial.com, intitulado «Saracho encarrega a JP Morgan e a Lazard da venda urgente do Popular devido a um risco de insolvência» (Saracho encarga la venta urgente del Popular a JP Morgan y Lazard por riesgo de quiebra). Nesse artigo, indica‑se que o presidente do banco tinha mandatado a JP Morgan e a Lazard para organizarem a venda urgente do banco devido a um risco de insolvência, devido à fuga maciça dos depósitos dos clientes particulares e institucionais e que considerava que a única forma de assegurar a viabilidade do banco era a venda completa e iminente de todo o grupo. O artigo relata que, «tendo em conta a persistência das saídas de depósitos e o encerramento de fontes de financiamento externas, o banco correria um sério risco de insolvência e que [o seu presidente] tinha sido obrigado a ativar a medida mais drástica e a abster‑se progressivamente de vender os seus ativos a fim de melhorar os rácios de fundos próprios e satisfazer as exigências do BCE».

41      Em 15 de maio de 2017, um artigo publicado no sítio Internet elconfidencial.com, intitulado «O BCE inspeciona o Banco Popular durante dois meses em pleno processo de venda» (El BCE inspecciona a Banco Popular durante dos meses en pleno proceso de venta), refere que o plano de venda do Banco Popular, executado pelo seu presidente, ocorreu após a inspeção do BCE que tinha confirmado o défice de provisões. Segundo esse artigo, os inspetores do BCE tinham concluído que as dificuldades do Banco Popular estavam relacionadas com o seu défice de provisões para cobrir a sua exposição imobiliária e que era necessário evitar as saídas ocasionais de depósitos. Esses inspetores expressaram igualmente o seu descontentamento relativamente à apresentação das contas de 2016.

42      Em 31 de maio de 2017, a agência Reuters publicou um artigo intitulado «UE, alertada contra o risco de liquidação do Banco Popular» (EU warned of wind‑down risk for Spain’s Banco Popular). Esse artigo menciona nomeadamente que, segundo um funcionário da União que permaneceu anónimo, um dos principais supervisores bancários na Europa tinha alertado os funcionários da União de que o Banco Popular poderia ser liquidado se não conseguisse encontrar um adquirente. Segundo este artigo, esse funcionário indicou igualmente que a presidente do CUR tinha emitido recentemente um «alerta rápido» e tinha declarado que o CUR seguia o processo (do Banco Popular) com especial atenção para uma eventual intervenção.

43      No mesmo dia, o CUR publicou um comunicado de imprensa destinado a negar o conteúdo desse artigo.

44      Nos primeiros dias de junho de 2017, o Banco Popular teve de fazer face a levantamentos maciços de liquidez.

45      Em 5 de junho de 2017, o Banco Popular apresentou, de manhã, um primeiro pedido de injeção de liquidez de emergência ao Banco de España (Banco de Espanha), e posteriormente um segundo pedido, à tarde, que continha uma extensão do montante pedido, devido a grandes movimentos de liquidez. Com base num pedido do Banco de Espanha e na sequência da avaliação do mesmo dia do BCE relativa ao pedido de injeção de liquidez de emergência do Banco Popular, o Conselho do BCE não levantou objeções à injeção de liquidez de emergência ao Banco Popular para o período até 8 de junho de 2017. O Banco Popular recebeu uma parte dessa injeção de liquidez de emergência. Em seguida, o Banco de Espanha indicou que não estava em condições de fornecer uma injeção adicional de liquidez de emergência ao Banco Popular.

46      Em 6 de junho de 2017, a DBRS e a Moody’s baixaram a notação do Banco Popular.

 Quanto a outros factos anteriores à adoção do programa de resolução

47      Em 23 de maio de 2017, o CUR encarregou a Deloitte, na qualidade de perito independente, de proceder à avaliação do Banco Popular nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014.

48      Em 24 de maio de 2017, o CUR pediu ao Banco Popular, com base no artigo 34.o do Regulamento n.o 806/2014, as informações necessárias à realização da sua avaliação. Em 2 de junho de 2017, pediu igualmente ao Banco Popular que fornecesse informações sobre o processo de venda privada e que previsse o acesso à sala de dados virtual securitizada que este último tinha criado no âmbito desse processo.

49      Em 3 de junho de 2017, a sessão executiva do CUR adotou a Decisão SRB/EES/2017/06, dirigida ao Fondo de Reestructuración Ordenada Bancaria (FROB, Fundo de reestruturação ordenada das instituições bancárias, Espanha), relativa à comercialização do Banco Popular. O CUR aprovou o compromisso imediato do processo de venda do Banco Popular pelo FROB e indicou‑lhe as exigências relativas à venda em conformidade com o artigo 39.o da Diretiva 2014/59. O CUR indicava, nomeadamente, que o FROB devia contactar os cinco potenciais adquirentes que tinham sido convidados a apresentar propostas no âmbito do processo de venda privada.

50      Entre os cinco potenciais adquirentes, dois decidiram não participar no processo de venda e um foi excluído pelo BCE por razões prudenciais.

51      Em 4 de junho de 2017, os dois potenciais adquirentes que tinham decidido participar no processo de venda, o Banco Santander e o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, SA (BBVA), assinaram um acordo de não divulgação e, em 5 de junho de 2017, tiveram acesso à sala de dados virtual.

52      Em 5 de junho de 2017, o CUR adotou uma primeira avaliação (a seguir «avaliação 1»), em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, que tinha por objetivo fornecer elementos que permitissem determinar se estavam preenchidas as condições de abertura de um procedimento de resolução, conforme definidas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

53      Em 6 de junho de 2017, o BCE procedeu a uma avaliação da situação ou do risco de insolvência do Banco Popular, após consulta do CUR, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014.

54      Nessa avaliação, o BCE indicou que, nos meses anteriores, o Banco Popular tinha sofrido uma grande deterioração da sua situação de tesouraria, devida principalmente a um esgotamento significativo da sua base de depósitos. O Banco Popular foi confrontado com grandes saídas de tesouraria em todos os segmentos de clientela. O BCE enumerou os acontecimentos que tinham conduzido aos problemas de liquidez que o Banco Popular teria de enfrentar.

55      A este respeito, referiu que, em fevereiro de 2017, na apresentação das suas contas anuais, o Banco Popular tinha divulgado uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros, conduzindo a perdas de 3 485 mil milhões de euros em 2016 e à substituição do seu presidente de longa data, que tinha iniciado uma revisão da estratégia do banco. O anúncio de provisões adicionais e de perdas de fim de exercício tinha provocado uma descida da notação do Banco Popular pela DBRS em 10 de fevereiro de 2017 e tinha suscitado vivas preocupações na clientela do Banco Popular, que se traduziram em grandes e inesperados levantamentos de depósitos e numa grande afluência de clientes às sucursais do banco.

56      O BCE indicou igualmente que a publicação pelo Banco Popular, em 3 de abril de 2017, de uma declaração pública ad hoc que informava do resultado de várias auditorias internas que podiam ter uma incidência significativa nas demonstrações financeiras da instituição e a confirmação de que o presidente executivo da instituição seria substituído menos de um ano após a sua entrada em funções tinham desencadeado outra vaga de levantamentos de depósitos. O BCE referiu que esta vaga de levantamentos de depósitos também tinha sido alimentada por:

–        uma descida da notação do Banco Popular pela Standard & Poor’s, em 7 de abril de 2017;

–        o anúncio pelo Banco Popular, em 10 de abril de 2017, de que não pagaria dividendos e de que poderia ser necessário um aumento de capital ou uma transação de empresa devido à situação tensa dos fundos próprios e ao alinhamento necessário com os seus pares na cobertura dos ativos não produtivos;

–        uma descida da notação do Banco Popular pela Moody’s, em 21 de abril de 2017;

–        a divulgação dos resultados do primeiro trimestre 2017, que eram piores do que o previsto;

–        a cobertura mediática negativa e contínua, como os artigos de 11 e 15 de maio de 2017, acima mencionados nos n.os 40 e 41, que sugeriam que o presidente do Banco Popular tinha ordenado uma venda urgente do banco devido a um risco iminente de insolvência ou de falta de liquidez e que o banco estava confrontado com uma grande necessidade suplementar de provisões em resultado de uma inspeção no local pelo supervisor.

57      O BCE considerou igualmente que os depósitos perdidos desde 31 de maio de 2017 eram particularmente relevantes após a divulgação nos meios de comunicação do facto de o banco poder ser liquidado se o processo de venda em curso não fosse conseguido num prazo muito curto.

58      Além disso, o BCE salientou que, embora o Banco Popular tivesse desenvolvido diversas medidas geradoras de liquidez suplementares nas semanas anteriores e tivesse começado a aplicá‑las, a amplitude dos fluxos de entrada realizados e ainda esperados era insuficiente para solucionar o esgotamento da posição de liquidez do Banco Popular à data da avaliação. Indicou ainda que, mesmo com o recurso à injeção de liquidez de emergência aprovada, ao qual o Conselho do BCE não tinha levantado objeções em 5 de junho de 2017, a situação de tesouraria à data da avaliação não bastava para garantir a capacidade do Banco Popular para fazer face às suas responsabilidades até 7 de junho de 2017.

59      O BCE considerou que as medidas já adotadas pelo Banco Popular não tinham sido suficientemente eficazes para inverter a deterioração da sua situação de tesouraria. Referiu que, como medida alternativa para garantir a sua capacidade para fazer face às suas obrigações no vencimento, o Banco Popular tentava executar uma transação de empresa, a saber, a sua venda a um concorrente mais forte. No entanto, o BCE considerou que, tendo em conta a deterioração da situação de tesouraria do Banco Popular, a falta de provas da sua capacidade para inverter a sua situação de liquidez num futuro próximo e o facto de as negociações não terem até então conduzido a um resultado positivo, a confirmação dessa transação privada não era previsível num prazo que permitisse ao Banco Popular poder pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento.

60      O BCE considerou que, ao mesmo tempo, não existiam medidas de supervisão ou de intervenção precoce disponíveis que permitissem restabelecer a situação de tesouraria do Banco Popular de forma imediata e assegurar‑lhe tempo suficiente para executar uma transação de empresa ou outra solução. As medidas à disposição do BCE enquanto autoridade competente, por força da transposição nacional do artigo 104.o da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), e dos artigos 27.o a 29.o da Diretiva 2014/59 ou do artigo 16.o do Regulamento n.o 1024/2013, não podiam garantir que o Banco Popular estaria em condições de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento, dada a amplitude e o ritmo da deterioração de liquidez observada.

61      Em conclusão, o BCE, tendo em conta, em especial, as saídas excessivas de depósitos, a rapidez a que a tesouraria tinha sido perdida pelo banco e a incapacidade de este gerar outras fontes de liquidez, considerou que existiam elementos objetivos que indicavam que o Banco Popular provavelmente não estaria em condições, num futuro próximo, de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento. O BCE concluiu que se considerava estar o Banco Popular em situação ou, de qualquer forma, em risco de insolvência num futuro próximo, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

62      Em 6 de junho de 2017, o conselho de administração do Banco Popular informou o BCE de que tinha chegado à conclusão de que o banco se encontrava numa situação de risco de insolvência.

63      No mesmo dia, o FROB elaborou um ofício com as informações sobre o processo de venda e fixou o prazo para apresentação das propostas à meia‑noite de 6 de junho de 2017.

64      Ainda no mesmo dia, o BBVA, um dos dois potenciais adquirentes do Banco Popular, informou a FROB de que não apresentaria qualquer proposta.

65      Também em 6 de junho de 2017, a Deloitte entregou ao CUR uma segunda avaliação (a seguir «avaliação 2»), redigida nos termos do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014. O objetivo da avaliação 2 era estimar o valor dos ativos e passivos do Banco Popular, fornecer uma estimativa do tratamento que os acionistas e os credores teriam recebido se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência e fornecer os elementos que permitissem tomar uma decisão relativa às ações e títulos de propriedade a transferir e que permitissem ao CUR determinar condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação da atividade. Esta avaliação estimou, nomeadamente, o valor económico do Banco Popular em 1 300 milhões de euros, no melhor cenário, em menos de 8 200 milhões de euros no cenário mais desfavorável e em menos 2 000 milhões de euros para a melhor estimativa.

66      Em 7 de junho de 2017, o Banco Santander apresentou uma proposta formal.

67      Por ofício de 7 de junho de 2017, o FROB informou o CUR que o Banco Santander tinha apresentado uma proposta em 7 de junho à 3h12 e de que o preço oferecido pelo Banco Santander para a venda das ações do Banco Popular era de um euro. O FROB indicou que o seu comité diretor tinha escolhido o Banco Santander como adjudicatário no processo de venda concorrencial do Banco Popular e tinha decidido propor ao CUR que designasse o Banco Santander como adquirente na decisão do CUR relativa à adoção de um programa de resolução relativamente ao Banco Popular.

 Quanto ao programa de resolução do Banco Popular de 7 de junho de 2017

68      Em 7 de junho de 2017, a sessão executiva do CUR adotou a Decisão SRB/EES/2017/08, relativa a um programa de resolução do Banco Popular (a seguir «programa de resolução»), com base no Regulamento n.o 806/2014.

69      Segundo o artigo 1.o do programa de resolução, o CUR, considerando estarem preenchidas as condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, decidiu submeter o Banco Popular a um procedimento de resolução a partir da data da resolução.

70      Assim, o CUR considerou, em primeiro lugar, que o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência, em segundo lugar, que não existiam outras medidas que pudessem impedir a insolvência do Banco Popular num prazo razoável e, em terceiro lugar, que era necessária uma medida de resolução sob a forma de instrumento de alienação da atividade do Banco Popular para defesa do interesse público. A esse respeito, o CUR indicou que a resolução era necessária e proporcionada à realização de dois objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, a saber, assegurar a continuidade das funções críticas do banco e evitar efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira.

71      No artigo 5.1 do programa de resolução, o CUR decidiu o seguinte:

«O instrumento de resolução aplicado ao Banco Popular consistirá numa alienação da atividade ao abrigo do artigo 24.o do Regulamento n.o 806/2014 através da transferência das ações para um adquirente. A redução e a conversão dos instrumentos de capital serão efetuadas imediatamente antes da aplicação do instrumento de alienação da atividade.»

72      O artigo 6.o do programa de resolução é relativo à redução dos instrumentos de capital e ao instrumento de alienação da atividade. No artigo 6.1, o CUR indicou as medidas que tinha adotado em aplicação do seu poder de redução previsto no artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014.

73      Assim, no artigo 6.1 do programa de resolução, o CUR decidiu:

–        em primeiro lugar, reduzir o montante nominal do capital social do Banco Popular no montante de 2 098 429 046 euros, o que conduzia à anulação de 100 % das ações do Banco Popular;

–        seguidamente, converter a totalidade do montante principal dos instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1 emitidos pelo Banco Popular e em circulação à data da decisão de resolução em novas ações emitidas do Banco Popular, as «novas ações I»;

–        em seguida, reduzir a zero o valor nominal das «novas ações I» o que conduzia à anulação de 100 % dessas «novas ações I»;

–        por último, converter a totalidade do montante principal dos instrumentos de fundos próprios de nível 2 emitidos pelo Banco Popular e em circulação à data da decisão de resolução em novas ações emitidas do Banco Popular, as «novas ações II».

74      O artigo 6.3 do programa de resolução prevê que essas medidas de redução e de conversão se baseiam na avaliação 2, corroborada pelos resultados de um processo de venda transparente e aberto realizado pela autoridade de resolução espanhola, o FROB.

75      No artigo 6.5 do programa de resolução, o CUR indicou que exercia os poderes que lhe eram conferidos pelo artigo 24.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, relativo ao instrumento de alienação da atividade e ordenava que as «novas ações II» fossem transferidas para o Banco Santander, SA, livres e isentas de qualquer direito ou privilégio de terceiro, como contrapartida do pagamento de um preço de compra de 1 euro. Precisava‑se que o adquirente já tinha aceitado a transferência.

76      O CUR indicou igualmente que a transferência das «novas ações II» deveria ser efetuada com base na proposta vinculativa do adquirente de 7 de junho de 2017 e ser implementada pelo FROB em aplicação da Ley 11/2015 de recuperación y resolución de entidades de crédito y empresas de servicios de inversión [Lei 11/2015 de Recuperação e de Resolução das Instituições de Crédito e das Empresas de Serviços de Investimento), de 18 de junho de 2015 (BOE n.o 146, de 19 de junho de 2015, p. 50797)].

77      O programa de resolução foi submetido à Comissão para aprovação em 7 de junho de 2017, às 5h13.

78      Em 7 de junho de 2017, às 6h30, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2017/1246, que aprova o programa de resolução para o Banco Popular (JO 2017, L 178, p. 15), e notificou‑a ao CUR. Por conseguinte, o programa de resolução entrou em vigor no mesmo dia.

79      Resulta do considerando 4 da decisão 2017/1246 o seguinte:

«A Comissão concorda com o programa de resolução. Em especial, concorda com os motivos, invocados pelo CUR, pelos quais a resolução é necessária para a defesa do interesse público em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento (UE) n.o 806/2014.»

80      Nesse mesmo dia, o FROB adotou as medidas necessárias para executar o programa de resolução, em conformidade com o artigo 29.o do Regulamento n.o 806/2014. Neste contexto, o FROB deu o seu acordo à transferência das novas ações do Banco Popular resultantes da conversão dos instrumentos de capital de nível 2 («novas ações II») para o Banco Santander.

 Quanto aos factos posteriores à adoção da decisão de resolução

81      Em 14 de junho de 2018, a Deloitte comunicou ao CUR a avaliação da diferença de tratamento, prevista no artigo 20.o, n.os 16 a 18, do Regulamento n.o 806/2014, realizada para determinar se os acionistas e os credores teriam beneficiado de um tratamento mais favorável se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência (a seguir «avaliação 3»). Em 31 de julho de 2018, a Deloitte enviou ao CUR uma adenda a essa avaliação, corrigindo certos erros formais.

82      Em 28 de setembro de 2018, na sequência de uma fusão por incorporação, o Banco Santander sucedeu a título universal ao Banco Popular.

83      Em 17 de março de 2020, o CUR adotou a Decisão SRB/EES/2020/52 para determinar se devia ser concedida uma indemnização aos acionistas e credores abrangidos pelas medidas de resolução do Banco Popular. Em 20 de março de 2020 foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2020, C 91, p. 2) um comunicado relativo a essa decisão. Nessa decisão, o CUR considerou que os acionistas e credores que tinham sido afetados pela resolução do Banco Popular não tinham direito a uma indemnização do FUR, nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 806/2014.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

84      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de agosto de 2017, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

85      Por requerimento apresentado nessa Secretaria em 31 de outubro de 2017, o CUR requereu que o Tribunal Geral, nos termos do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, ordenasse diligências de instrução de apresentação de determinados documentos mencionados em anexo. Por Decisão de 6 de dezembro de 2017, o Tribunal Geral indeferiu esse requerimento de diligências de instrução nessa fase do processo.

86      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 6 e 21 de novembro de 2017 e em 5 e 13 de dezembro de 2017, o Banco Santander, o Conselho, o Reino de Espanha e o Parlamento Europeu pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão e do CUR. Por Despacho de 12 de abril de 2019, o Presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Banco Santander e, por Decisão de 17 de abril de 2019, admitiu as intervenções do Conselho, do Reino de Espanha e do Parlamento. O Reino de Espanha, o Parlamento, o Conselho, e o Banco Santander apresentaram os seus articulados e os recorrentes e o CUR apresentaram as suas observações sobre os mesmos nos prazos fixados.

87      Em 13 de fevereiro de 2018, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, solicitou ao CUR que apresentasse a última versão não confidencial do programa de resolução e uma versão não confidencial da avaliação 2 publicadas no seu sítio Internet. O CUR apresentou os documentos no prazo fixado.

88      Em 6 de julho de 2018, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes principais. Os recorrentes e o CUR responderam a esse pedido no prazo fixado.

89      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de outubro de 2018, os recorrentes requereram ao Tribunal Geral que ordenasse à Comissão e ao CUR, através de uma medida de organização do processo nos termos do artigo 88.o do Regulamento de Processo, a apresentação de um determinado número de documentos cuja lista foi anexada ao requerimento. A Comissão e o CUR apresentaram as suas observações sobre este pedido no prazo fixado.

90      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral, nos termos do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, o juiz relator foi afetado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, distribuído.

91      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de outubro de 2019, os recorrentes apresentaram um novo oferecimento de prova nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. A Comissão, o CUR, o Reino de Espanha, o Parlamento e o Conselho apresentaram observações sobre este novo oferecimento de prova nos prazos fixados.

92      Sob proposta da Terceira Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

93      Em 15 de março de 2021, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, solicitou à Comissão e ao CUR que apresentassem vários documentos. Por ofício de 30 de março de 2021, o CUR respondeu que os documentos pedidos eram parcialmente confidenciais e que poderiam ser apresentados se o Tribunal Geral ordenasse uma diligência de instrução. Por ofício de 30 de março de 2021, a Comissão respondeu que não dispunha do documento pedido e que, portanto, não o podia apresentar.

94      Em 15 de abril de 2021, o Tribunal Geral, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, solicitou ao CUR a apresentação de um documento. Por ofício de 20 de abril de 2021, o CUR indicou que o documento pedido era confidencial e que poderia ser apresentado se o Tribunal ordenasse uma diligência de instrução.

95      Por Despacho de 21 de maio de 2021, o Tribunal Geral ordenou ao CUR, com base, por um lado, no artigo 24.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e, por outro, no artigo 91.o, alínea b), no artigo 92.o, n.o 3, e no artigo 103.o do Regulamento de Processo, que apresentasse as versões integrais do programa de resolução, da avaliação 2 e da avaliação do BCE de 6 de junho de 2017 sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, da carta do Banco Popular ao BCE de 6 de junho de 2017, incluindo o seu anexo, e do ofício do BCE ao Banco Popular de 18 de maio de 2017. O Tribunal Geral ordenou igualmente ao CUR que juntasse as versões não confidenciais da carta do Banco Popular ao BCE de 6 de junho de 2017, incluindo o seu anexo, e do ofício do BCE ao Banco Popular de 18 de maio de 2017.

96      Por Despacho de 16 de junho de 2021, o Tribunal Geral desentranhou dos autos as versões confidenciais dos documentos apresentados pelo CUR em execução do despacho de 21 de maio de 2021 e transmitiu aos recorrentes, à Comissão, ao Reino de Espanha, ao Parlamento, ao Conselho e ao Banco Santander a carta de 6 de junho de 2017 do Banco Popular ao BCE sem o seu anexo.

97      Por impedimento de dois membros da Terceira Secção de participarem na formação, o presidente do Tribunal Geral designou outros dois juízes para completar a Secção.

98      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal Geral na audiência de 21 de junho de 2021.

99      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o programa de resolução e a Decisão 2017/1246 (a seguir, consideradas em conjunto, «decisões recorridas»);

–        condenar a Comissão e o Conselho no pagamento das despesas.

100    O CUR e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

101    O Banco Santander, o Reino de Espanha e o Conselho concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

102    O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Negar provimento ao recurso na parte em que se baseia nas exceções de ilegalidade do Regulamento n.o 806/2014;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

103    Os recorrentes invocam nove fundamentos de recurso. No primeiro fundamento deduzem uma exceção de ilegalidade, alegando que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 viola o direito de audiência e o direito à ação consagrados nos artigos 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e o princípio da proporcionalidade. O segundo fundamento é relativo à violação dos artigos 41.o e 47.o da Carta. O terceiro fundamento é relativo à violação do direito de propriedade. O quarto fundamento é relativo à violação do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014. O quinto fundamento é relativo à violação do artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014. O sexto fundamento é relativo à violação do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. O sétimo fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação. O oitavo fundamento é relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da proteção da confiança legítima. No nono fundamento deduzem uma exceção de ilegalidade, alegando que os artigos 18.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violam os princípios relativos à delegação de poderes.

104    A título preliminar, refira‑se que, quanto ao alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral, os recorrentes baseiam‑se no Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518), para alegar que este deve efetuar uma fiscalização completa e, nomeadamente, verificar a exatidão material dos factos alegados em face das informações e dos elementos de prova pertinentes e apreciar a força probatória destes em função das circunstâncias do caso em apreço e à luz das observações apresentadas pela pessoa em causa. Essa exigência é reforçada quando, como no presente caso, os recorrentes não foram ouvidos durante o procedimento de resolução.

105    O CUR alega que o alcance da fiscalização jurisdicional do Tribunal Geral é o fixado pela jurisprudência aplicável a um ato jurídico baseado em disposições que conferem um poder discricionário à autoridade em causa e tendo por objeto questões económicas e especialmente técnicas.

106    A este respeito, há que referir que a jurisprudência circunscreveu o alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral quer em situações em que o ato recorrido se baseia numa apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos quer quando se trata de apreciações económicas complexas.

107    Por um lado, quanto a situações em que as autoridades da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos para determinar a natureza e o alcance das medidas que adotam, o controlo do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício de tal poder de apreciação não padece de erro manifesto ou de desvio de poder, ou ainda se essas autoridades não ultrapassaram manifestamente os limites do seu poder de apreciação. Em tal contexto, o juiz da União não pode, com efeito, substituir pela sua apreciação a apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica feita pelas autoridades da União, às quais o TFUE exclusivamente conferiu esta missão (Acórdãos de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60, e de 7 de março de 2013, Bilbaína de Alquitranes e o./ECHA, T‑93/10, EU:T:2013:106, n.o 76; v., igualmente, Acórdão de 11 de maio de 2017, Deza/ECHA, T‑115/15, EU:T:2017:329, n.o 163 e jurisprudência referida).

108    Por outro lado, quanto à fiscalização que os órgãos jurisdicionais da União exercem sobre as apreciações económicas complexas feitas pelas autoridades da União é uma fiscalização restrita que se limita necessariamente à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, da exatidão material dos factos, bem como da inexistência de um erro manifesto de apreciação e de um desvio de poder. Por conseguinte, no âmbito dessa fiscalização, também não compete ao juiz da União substituir pela sua a apreciação económica da autoridade da União competente (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, EU:C:1985:327, n.o 34, de 10 de dezembro de 2020, Comune di Milano/Comissão, C‑160/19 P, EU:C:2020:1012, n.o 100 e jurisprudência referida, e de 16 de janeiro de 2020, Iberpotash/Comissão, T‑257/18, EU:T:2020:1, n.o 96 e jurisprudência referida).

109    Uma vez que as decisões que o CUR tem de adotar num procedimento de resolução se baseiam em apreciações económicas e técnicas altamente complexas, há que considerar que os princípios decorrentes da jurisprudência acima referida nos n.os 107 e 108 se aplicam à fiscalização que o juiz é chamado a exercer.

110    Todavia, embora seja reconhecida ao CUR uma margem de apreciação em matéria económica e técnica, isso não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a sua interpretação dos dados de natureza económica que fundamentam a sua decisão. Com efeito, como o próprio Tribunal de Justiça decidiu, mesmo nos casos de apreciações complexas, o juiz da União deve não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos correspondem à totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles são retiradas (v. Acórdãos de 22 de novembro de 2007, Espanha/Lenzing, C‑525/04 P, EU:C:2007:698, n.o 57 e jurisprudência referida, de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 104 e jurisprudência referida e de 10 de dezembro de 2020, Comune di Milano/Comissão, C‑160/19 P, EU:C:2020:1012, n.o 115 e jurisprudência referida).

111    A este respeito, para demonstrar que o CUR cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos, suscetível de justificar a anulação do programa de resolução, as provas apresentadas pelos recorrentes devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos considerados nesse programa (v., por analogia, Acórdãos de 14 de junho de 2018, Lubrizol França/Conselho, C‑223/17 P, não publicado, EU:C:2018:442, n.o 39, de 12 de dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, EU:T:1996:195, n.o 59, e de 13 de dezembro de 2018, Comune di Milano/Comissão, T‑167/13, EU:T:2018:940, n.o 108 e jurisprudência referida).

112    O Tribunal Geral considera oportuno começar por analisar as exceções de ilegalidade deduzidas nos primeiro e nono fundamentos, depois os quarto, quinto e sexto fundamentos e, por último, os segundo, terceiro, sétimo e oitavo fundamentos.

 Quanto ao primeiro fundamento, em que se deduz uma exceção de ilegalidade, alegando que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 viola o direito de audiência e o direito à ação consagrados nos artigos 41.o e 47.o da Carta, bem como o princípio da proporcionalidade

113    Os recorrentes invocam a ilegalidade do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, com base no artigo 277.o TFUE. Este fundamento divide‑se em três partes relativas ao facto de o procedimento previsto nesse artigo violar, primeiro, o direito de audiência consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, segundo, o direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta e, terceiro, o princípio da proporcionalidade.

114    Segundo jurisprudência constante, o artigo 277.o TFUE constitui a expressão de um princípio geral que garante a qualquer parte o direito de impugnar, com o objetivo de obter a anulação de um ato que lhe diz direta e individualmente respeito, a validade dos atos institucionais anteriores que constituem a base jurídica do ato recorrido, se essa parte não dispunha do direito de interpor, nos termos do artigo 263.o TFUE, um recurso direto contra esses atos, cujas consequências sofreu sem ter podido pedir a sua anulação (v. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, BP/FRA, C‑601/19 P, não publicado, EU:C:2020:1048, n.o 26 e jurisprudência referida).

115    Uma vez que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de alcance geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o ato cuja ilegalidade é suscitada deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao caso concreto objeto do recurso (v. Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 68 e jurisprudência referida).

116    Foi assim que, no âmbito de recursos de anulação interpostos de decisões individuais, o Tribunal de Justiça admitiu que podem validamente ser objeto de uma exceção de ilegalidade as disposições de um ato de alcance geral que constituam a base das referidas decisões ou que tenham um nexo jurídico direto com essas decisões Em contrapartida, o Tribunal de Justiça julgou inadmissível uma exceção de ilegalidade dirigida contra um ato de alcance geral cuja decisão individual impugnada não constitui uma medida de aplicação (v. Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.os 69 e 70 e jurisprudência referida).

 Quanto à primeira parte, em que se alega que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 viola o direito de audiência

117    Os recorrentes alegam que o procedimento de resolução previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não respeita o direito de audiência ouvido consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, dado que não prevê a possibilidade de os acionistas e os credores da entidade, cujos direitos foram afetados, de expressarem o seu ponto de vista antes da adoção do programa de resolução.

118    O CUR e o Parlamento alegam que, caso os acionistas de uma instituição objeto de um procedimento de resolução dispusessem de um direito de audiência consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, esse direito seria reconhecido mesmo na falta de disposição expressa do Regulamento n.o 806/2014. A inexistência de uma disposição expressa que preveja uma audição dos acionistas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não implica a ilegalidade deste regulamento, na medida em que nenhuma disposição proíbe essa audição.

119    Importa referir que o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta prevê que o direito a uma boa administração compreende o direito de qualquer pessoa ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

120    O direito de audiência garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de maneira útil e efetiva, no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses. Além disso, importa ainda precisar que o direito de audiência prossegue um duplo objetivo. Por um lado, serve para a instrução do processo e para o apuramento dos factos da forma mais precisa e correta possível e, por outro, permite assegurar a proteção efetiva do interessado. O direito de audiência visa em especial garantir que qualquer decisão lesiva seja adotada com pleno conhecimento de causa e tem, nomeadamente, por objetivo permitir à autoridade competente corrigir um erro ou à pessoa em causa invocar os elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (v. Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.os 68 e 69 e jurisprudência referida).

121    Importa referir que o Tribunal de Justiça afirmou a importância do direito de audiência e o seu alcance muito lato na ordem jurídica da União, ao considerar que este direito deve ser aplicado em qualquer processo que possa ter como resultado um ato lesivo. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito do direito de audiência impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não prevê expressamente tal formalidade (v. Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 85 e 86 e jurisprudência referida, de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.o 67 e jurisprudência referida, e de 7 de novembro de 2019, ADDE/Parlamento, T‑48/17, EU:T:2019:780, n.o 89 e jurisprudência referida).

122    Assim, tendo em conta o seu caráter de princípio fundamental e geral de direito da União, a aplicação do princípio dos direitos de defesa, incluindo o direito de audiência, não pode ser excluída nem restringida por uma disposição regulamentar e o seu respeito deve, portanto, estar assegurado tanto na falta total de uma regulamentação específica como na presença de uma regulamentação que não tenha, por si própria, esse princípio em conta (v. Acórdão de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 62 e jurisprudência referida).

123    Com efeito, o âmbito de aplicação do direito de audiência, enquanto princípio e direito fundamental do ordenamento jurídico da União, é aberto quando a Administração prevê adotar um ato desfavorável, isto é, um ato suscetível de afetar de forma desfavorável os interesses do particular ou do Estado‑Membro em causa, uma vez que a sua aplicação não depende da existência de uma norma expressa para o efeito prevista no direito secundário (Acórdão de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 64).

124    A esse respeito, refira‑se, por um lado, que, segundo o seu considerando 121, o Regulamento n.o 806/2014 respeita os direitos fundamentais e os direitos, liberdades e princípios reconhecidos, em especial, pela Carta, entre os quais os direitos de defesa, e deve ser aplicado em conformidade com esses direitos e esses princípios. Por outro lado, nenhuma disposição do Regulamento n.o 806/2014 exclui ou restringe expressamente o direito de audiência dos acionistas e dos credores da entidade em causa durante o procedimento de resolução.

125    Assim, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a inexistência de uma disposição específica no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 que preveja uma audição dos acionistas da entidade objeto de uma medida de resolução antes da adoção de uma decisão não pode ser interpretada como uma negação absoluta do direito de audiência em qualquer circunstância, lesando o conteúdo essencial deste direito. Os recorrentes não têm razão quando alegam que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 permitia excluir o direito de audiência em todos os casos, e não apenas em caso de urgência.

126    Além disso, importa referir, à semelhança da Comissão, do Conselho e do Parlamento, que uma medida de resolução adotada pelo CUR no termo do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 tem por objeto a resolução de uma entidade. A entidade objeto da resolução deve ser considerada como a pessoa contra a qual é adotada uma medida individual e à qual o direito de audiência é garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

127    Assim, há que ter em conta o facto de os acionistas e os credores dessa entidade não serem destinatários de uma medida de resolução, que não é uma decisão individual tomada contra eles.

128    Refira‑se, porém, que, segundo o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR pode exercer o poder de redução ou de conversão dos instrumentos de capital da entidade visada por uma medida de resolução, atuando segundo o procedimento definido no artigo 18.o desse regulamento.

129    Assim, o procedimento previsto no artigo 18.o do regulamento, embora não constitua um processo individual instaurado contra os acionistas e credores da entidade em causa, pode levar à adoção de uma medida de resolução suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses.

130    Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, acima referida no n.o 121, adotou uma interpretação ampla do direito de audiência no sentido de este estar garantido a qualquer pessoa no decurso do processo suscetível de culminar num ato lesivo. Por conseguinte, não se pode excluir a possibilidade de os acionistas de uma instituição objeto de uma medida de resolução invocarem o direito de audiência no âmbito do procedimento de resolução.

131    No entanto, o exercício do direito de audiência pode estar sujeito a restrições em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta segundo o qual:

«Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

132    Por conseguinte, há que examinar se a inexistência, no Regulamento n.o 806/2014, de uma disposição que preveja expressamente uma audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa no âmbito do procedimento previsto no artigo 18.o do referido regulamento constitui uma restrição ao exercício do direito de audiência que esteja em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

133    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que os direitos fundamentais, como o respeito dos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, podendo comportar restrições, desde que estas correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituam, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v. Acórdãos de 10 de setembro de 2013, G. e R., C‑383/13 PPU, EU:C:2013:533, n.o 33 e jurisprudência referida, e de 20 de dezembro de 2017, Prequ’Italia, C‑276/16, EU:C:2017:1010, n.o 50 e jurisprudência referida).

134    A esse respeito, o CUR, o Reino de Espanha, o Parlamento e o Conselho alegam que a limitação do direito de audiência dos acionistas é justificada, por um lado, pelo objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros e, por outro, pela necessidade de assegurar a eficácia das decisões de resolução, que devem ser adotadas com celeridade.

135    Refira‑se, em primeiro lugar, que vários considerandos do Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente os seus considerandos 12, 58 e 61, indicam que a estabilidade dos mercados financeiros é um dos objetivos prosseguidos pelos mecanismos de resolução instituídos por esse regulamento.

136    Além do mais, segundo o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, uma medida de resolução é de interesse público se for proporcionada e necessária para a prossecução de um ou mais dos objetivos da resolução referidos artigo 14.o do mesmo regulamento, que um processo de liquidação da entidade no quadro dos processos normais de insolvência não permitiria atingir na mesma medida. Entre os objetivos da resolução referidos no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014 figuram, nomeadamente, o de «evitar efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira, nomeadamente evitando o contágio, inclusive das infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina do mercado» e o de «proteger as finanças públicas, limitando o recurso ao apoio financeiro público extraordinário».

137    A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que os serviços financeiros desempenham um papel central na economia da União. Os bancos e as instituições de crédito são uma fonte essencial de financiamento para as empresas com atividade nos diversos mercados. Além disso, frequentemente os bancos estão estreitamente interligados e muitos deles exercem as suas atividades a nível internacional. É por esta razão que existe o risco de a insolvência que afete um ou mais bancos se propagar aos outros bancos, quer no Estado‑Membro em causa, quer noutros Estados‑Membros. Isso pode, por sua vez, produzir efeitos negativos noutros setores da economia (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 50, de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 72, e de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 108).

138    O Tribunal de Justiça já declarou que o objetivo de garantir a estabilidade do sistema financeiro evitando ao mesmo tempo despesas públicas excessivas e minimizando as distorções da concorrência constitui um interesse público superior (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 69).

139    Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH») considerou, na sua Decisão de 1 de abril de 2004, Camberrow MM5 AD c. Bulgária (CE:ECHR:2004:0401DEC005035799, n.o 6), que, nos domínios economicamente sensíveis como a estabilidade do sistema bancário, os Estados dispunham de uma ampla margem de apreciação e que, portanto, a impossibilidade de um acionista participar no processo que levou à venda do banco não era desproporcionada à luz dos objetivos legítimos de proteger os direitos dos credores e de preservar o estado da boa administração do banco.

140    Há que mencionar igualmente o Acórdão de 8 de novembro de 2016, Dowling e o. (C‑41/15, EU:C:2016:836), proferido por ocasião de um pedido de decisão prejudicial que tinha por objeto a interpretação dos artigos 8.o, 25.o e 29.o da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do artigo [54.o, segundo parágrafo, TFUE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1). Esse processo dizia respeito a uma medida excecional das autoridades nacionais destinada a evitar, através de um aumento de capital, a insolvência de uma sociedade que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ameaçava a estabilidade financeira da União. O Tribunal de Justiça considerou que a proteção que a Segunda Diretiva 77/91 conferia aos acionistas e aos credores de uma sociedade anónima, no respeitante ao seu capital social, não abrangia uma medida nacional como essa, adotada numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro, que se destinava a solucionar uma ameaça sistémica para a estabilidade financeira da União, resultante da insuficiência dos fundos próprios da sociedade em causa (Acórdão de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 50). O Tribunal de Justiça acrescentou que as disposições da Segunda Diretiva não se opunham, portanto, a uma medida excecional relativa ao capital social de uma sociedade anónima, que as autoridades nacionais tinham tomado, numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro, sem a aprovação da assembleia geral dessa sociedade e com o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro da União (v. Acórdão de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 51 e jurisprudência referida).

141    Estas considerações aplicam‑se por analogia à situação dos antigos acionistas de um banco que foi objeto de um procedimento de resolução nos termos do Regulamento n.o 806/2014.

142    Refira‑se, por outro lado, que outro objetivo da resolução previsto no artigo 14o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, a saber, assegurar a continuidade das funções críticas da entidade objeto de uma medida de resolução, faz igualmente parte do objetivo de interesse geral de proteção da estabilidade dos mercados financeiros.

143    Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, ponto 35, da Diretiva 2014/59, as funções críticas de uma instituição são definidas como «atividades, serviços ou operações cuja interrupção pode dar origem, num ou em vários Estados‑Membros, à perturbação de serviços essenciais para a economia real ou perturbar a estabilidade financeira devido à dimensão ou à quota de mercado de uma instituição ou de um grupo, ao seu grau de interligação externa e interna, à sua complexidade ou às suas atividades transfronteiriças, com especial destaque para a substituibilidade dessas atividades, serviços ou operações».

144    A este respeito, o artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento Delegado (UE) 2016/778 da Comissão, de 2 de fevereiro de 2016, que complementa a Diretiva 2014/59, no que diz respeito às circunstâncias e às condições em que o pagamento de contribuições extraordinárias ex post pode ser total ou parcialmente suspenso, bem como aos critérios para a determinação das atividades, serviços e operações ligados às funções críticas e das linhas de negócio e serviços associados ligados às linhas de negócio críticas (JO 2016, L 131, p. 41), prevê os critérios de determinação das funções críticas. Trata‑se de uma função assegurada por uma instituição a terceiros não associados à instituição ou grupo e cuja perturbação súbita poderia ter um efeito negativo significativo sobre esses terceiros, um efeito de contágio ou constituir uma ameaça para a confiança geral dos participantes no mercado, devido à importância sistémica das funções para os terceiros e à importância sistémica da instituição ou grupo para assegurar essa função.

145    Assim, o objetivo de assegurar a continuidade das funções críticas da entidade afetada por uma medida de resolução, previsto no artigo 14.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, visa evitar uma interrupção dessas funções suscetível de causar perturbações, não só no mercado em causa, mas também sobre toda a estabilidade financeira da União.

146    Assim, uma medida de resolução, uma vez que se dirige a preservar ou a restabelecer a situação financeira de uma instituição de crédito, designadamente na medida em que constitui uma alternativa à liquidação, deve ser encarada como algo que responde efetivamente a um objetivo de interesse geral reconhecido pela União (v., por analogia, Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.o 108).

147    Resulta do exposto que o procedimento de resolução, instituído pelo Regulamento n.o 806/2014 e descrito no seu artigo 18.o, prossegue um objetivo de interesse geral na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a saber, o objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros, suscetível de justificar uma restrição ao direito de audiência.

148    Em segundo lugar, decorre de vários considerandos do Regulamento n.o 806/2014 que, quando uma medida de resolução se torne necessária, deve ser adotada rapidamente. São eles, nomeadamente, os considerandos 26, 31, 53 e, em particular, o considerando 56 desse regulamento, que prevê que, a fim de minimizar perturbações nos mercados financeiros e na economia, o processo de resolução deverá ser realizado num curto espaço de tempo.

149    A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que o Regulamento n.o 806/2014 tem por objetivo instituir, em conformidade com o seu considerando 8, mecanismos de resolução mais eficazes, que devem constituir um instrumento essencial para evitar as consequências danosas das insolvências dos bancos ocorridas no passado e que esse objetivo pressupõe uma decisão rápida, como ilustram os curtos prazos previstos no artigo 18.o do referido regulamento, para que a estabilidade financeira não seja posta em perigo (Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 55).

150    Assim, o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 indica, nomeadamente, que, se o BCE considerar que uma entidade está em situação ou risco de insolvência, comunicará sem demora a sua avaliação à Comissão e ao CUR. Segundo o n.o 2 desse mesmo artigo, se o CUR realizar uma avaliação por si próprio, esta deve ser comunicada sem demora ao BCE. Se estiverem preenchidas as condições previstas no n.o 1, o CUR adota um programa de resolução, que, nos termos do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, é transmitido à Comissão imediatamente após a sua adoção. A Comissão dispõe então de um prazo de vinte e quatro horas para aprovar um programa de resolução ou apresentar objeções.

151    Daí resulta que, uma vez preenchidas as condições para a adoção de uma medida de resolução, a saber, em primeiro lugar, uma situação ou risco de insolvência, em segundo lugar, que não existe qualquer outra perspetiva razoável de outras medidas de natureza privada ou medidas prudenciais impedirem a sua insolvência num prazo razoável e, em terceiro lugar, que a sua resolução seja necessária para atingir um ou mais dos objetivos previstos no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, o artigo 18.o do mesmo regulamento prevê que deve ser adotada uma decisão num prazo muito curto.

152    Esta decisão rápida visa, em particular, assegurar a continuidade das funções críticas da entidade em causa e evitar as consequências negativas de uma insolvência da entidade na estabilidade financeira. A rapidez de uma decisão constitui, portanto, uma condição da sua eficácia.

153    Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que a urgência que impõe uma ação imediata da autoridade competente justificava uma limitação do direito de audiência das pessoas afetadas por medidas adotadas no domínio da responsabilidade ambiental (v., neste sentido, Acórdão de 9 de março de 2010, ERG e o., C‑379/08 e C‑380/08, EU:C:2010:127, n.o 67) e no domínio da agricultura (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2006, Dokter e o., C‑28/05, EU:C:2006:408, n.o 76).

154    Além disso, no domínio das medidas de congelamento de fundos, o Tribunal de Justiça já declarou que a comunicação dos fundamentos da inclusão inicial do nome de uma pessoa ou de uma entidade na lista das pessoas objeto de medidas restritivas antes dessa inclusão seria suscetível de comprometer a eficácia das medidas de congelamento de fundos e de recursos económicos impostas pelo direito da União. A fim de atingir o objetivo prosseguido pelo regulamento aplicável, essas medidas devem, pela sua própria natureza, ter um efeito de surpresa e ser aplicadas com efeito imediato (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 338 a 340, de 21 de dezembro de 2011, França/People’s Mojahedin Organization of Iran, C‑27/09 P, EU:C:2011:853, n.o 61, e de 12 de fevereiro de 2020, Amisi Kumba/Conselho, T‑163/18, EU:T:2020:57, n.o 51).

155    Por razões ligadas igualmente ao objetivo prosseguido pelo direito da União e à eficácia das medidas nele previstas, as autoridades da União também não têm de proceder a uma audição dos recorrentes antes da inscrição dos seus nomes na lista das pessoas sujeitas a medidas restritivas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 341, e de 25 de abril de 2013, Gbagbo/Conselho, T‑119/11, não publicado, EU:T:2013:216, n.o 103).

156    Isto é tanto mais assim quanto a limitação do direito de audiência não diz respeito à entidade visada pelo procedimento de resolução, mas sim aos seus acionistas ou credores.

157    Refira‑se igualmente que, na sua Decisão de 1 de abril de 2004, Camberrow MM5 AD c. Bulgária (CE:ECHR:2004:0401DEC005035799), o TEDH declarou que a venda do banco insolvente enquanto empresa em atividade tinha sido realizada a fim de obter a satisfação rápida e mais segura dos seus credores, que desde há anos esperavam receber o que lhes era devido, e a conclusão rápida do processo de insolvência. Por conseguinte, a necessidade de simplicidade e de rapidez no procedimento de venda do banco tinha uma importância capital. Se a lei tivesse previsto que o tribunal da insolvência fosse obrigado a consultar todos os acionistas e credores do banco, isso teria provocado um significativo abrandamento do processo e, por conseguinte, um atraso suplementar no pagamento das quantias devidas aos credores e na conclusão do processo de insolvência.

158    No Acórdão de 24 de novembro de 2005, Capital Bank AD c. Bulgária (CE:ECHR:2005:1124JUD004942999, n.o 136), o TEDH declarou que, num domínio economicamente sensível como a estabilidade do sistema bancário e em determinadas situações, podia existir uma necessidade imperiosa de agir com a maior diligência e sem aviso prévio, com o objetivo de evitar danos irreparáveis para o banco, os seus depositantes e os seus outros credores, ou para o sistema bancário e financeiro no seu conjunto.

159    Além disso, o facto de o programa de resolução ser suscetível de conduzir a uma ingerência no direito de propriedade dos recorrentes não pode justificar uma obrigação de lhes ser concedido um direito de audiência antes da sua adoção.

160    A este respeito, o Tribunal Geral já salientou, no n.o 282 do Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o. (T‑680/13, EU:T:2018:486), que os processos aplicáveis devem proporcionar à pessoa em causa uma ocasião adequada de expor a sua causa às autoridades competentes. Para garantir o respeito dessa exigência, que é inerente ao artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), há que considerar os processos aplicáveis de um ponto de vista geral (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 368 e jurisprudência referida, de 25 de abril de 2013, Gbagbo/Conselho, T‑119/11, não publicado, EU:T:2013:216, n.o 119, e TEDH, 20 de julho de 2004, Bäck c. Finlândia, CE:ECHR:2004:0720JUD003759897, n.o 56). Assim, essa exigência não pode ser interpretada no sentido de que a pessoa interessada deve, em todas as circunstâncias, poder fazer valer o seu ponto de vista junto das autoridades competentes previamente à adoção das medidas lesivas do seu direito de propriedade (v., neste sentido, TEDH, 19 de setembro de 2006, Maupas e outros c. França, CE:ECHR:2006:0919JUD001384402, n.os 20 e 21).

161    O Tribunal Geral considerou ser isso o que acontecia, nomeadamente, quando, como no caso presente, as medidas em causa não constituíam uma sanção e se integravam num contexto de emergência específico. A este respeito, o Tribunal Geral referiu que se tratava de prevenir um risco iminente de colapso dos bancos visados para preservar a estabilidade do sistema financeiro de um Estado‑Membro e, assim, evitar um contágio a outros Estados‑Membros da zona euro. Ora, a execução de um processo de consulta prévia em que os milhares de depositantes e acionistas dos bancos visados pudessem fazer valer utilmente o seu ponto de vista antes da adoção das disposições lesivas teria inevitavelmente atrasado a aplicação das medidas destinadas a evitar esse colapso. A realização do objetivo de preservar a estabilidade do sistema financeiro desse Estado‑Membro e, desse modo, evitar um contágio a outros Estados‑Membros da zona euro teria ficado exposta a grandes riscos (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 282 e jurisprudência referida).

162    Esta apreciação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, que considerou que o Tribunal Geral tinha acertadamente baseado o seu raciocínio no Acórdão do TEDH de 21 de julho de 2016, Mamatas e outros c. Grécia (CE:ECHR:2016:0721JUD006306614), do qual resulta que a exigência de qualquer restrição do direito de propriedade estar prevista na lei não pode ser interpretada no sentido de as pessoas em causa terem de ser consultadas antes da adoção dessa lei, nomeadamente quando essa consulta prévia inevitavelmente atrase a aplicação das medidas destinadas a evitar o colapso dos bancos em causa (Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 159).

163    Por outro lado, há que considerar que a necessidade de agir rapidamente sem informar os acionistas e os credores de uma entidade da iminência de um procedimento de resolução que lhe diga respeito visa evitar o agravamento da situação dessa entidade que prejudicaria a eficácia da medida de resolução. Com efeito, informar os acionistas ou os titulares de obrigações do banco de que este poderia ser sujeito a um procedimento de resolução e, portanto, que foi considerado em situação ou risco de insolvência, poderia levá‑los a vender os seus títulos nos mercados e igualmente conduzir a uma retirada massiva dos depósitos, o que teria como consequência agravar a situação financeira do banco e dificultar ou mesmo impossibilitar a adoção de uma solução suscetível de impedir a sua liquidação.

164    A este respeito, como resulta do considerando 116 do Regulamento n.o 806/2014, a comunicação de todas as informações sobre uma decisão antes da sua adoção, quer se refira ao facto de as condições da resolução estarem preenchidas, quer ao recurso a um instrumento específico ou a uma medida adotada no decurso do processo, é suscetível de ter consequências para os interesses públicos e privados afetados pela ação.

165    Por conseguinte, há que considerar que instituir, no Regulamento n.o 806/2014, uma consulta dos acionistas e credores da entidade em causa antes da adoção de um programa de resolução teria levado a um abrandamento substancial do processo e teria comprometido tanto a realização dos objetivos da medida como a sua eficácia.

166    Por outro lado, o CUR alega que os rumores a respeito das instituições ou mercados financeiros podem ter consequências muito vastas e que, portanto, deve assegurar‑se da confidencialidade dos procedimentos. Na medida em que a audição de pessoas potencialmente afetadas pela medida de resolução implique a divulgação de informações relativas a medidas futuras, são previsíveis repercussões adversas sobre a estabilidade financeira devido à importância sistémica dessas informações.

167    A afirmação dos recorrentes de que o segundo objetivo de interesse geral invocado pelo CUR seria a proteção da confidencialidade provém de uma compreensão errada do argumento do CUR. Com efeito, com esse argumento, o CUR afirma que a confidencialidade do procedimento é um meio necessário para a proteção do interesse geral em garantir a estabilidade do sistema financeiro.

168    Além do mais, os recorrentes alegam que qualquer preocupação relativa à divulgação poderia ser dissipada através de regras rigorosas em matéria de confidencialidade.

169    Este argumento decorre de uma compreensão errada do objetivo prosseguido pela proteção da confidencialidade do procedimento. Com efeito, as informações que não devem ser divulgadas, nomeadamente aos acionistas, dizem respeito à execução do procedimento de resolução. Há que ter em conta o risco de os acionistas, informados sobre esse procedimento antes da adoção de uma decisão, poderem ser incitados a ceder as suas participações, o que teria como consequência agravar a situação da entidade e implicar um risco de insolvência e, no caso de bancos de importância sistémica, implicar um risco de contágio em todo o mercado.

170    Além disso, como refere a Comissão, sendo desconhecida a identidade dos acionistas da entidade, a autoridade de resolução teria de fazer um apelo público para que apresentassem os seus pareceres, o que implicaria um risco de pânico bancário. Como sublinha igualmente o Conselho, dado que as ações e as obrigações são negociadas em contínuo nos mercados, na prática é impossível saber quais os investidores particulares e institucionais que devem ser contactados.

171    Por conseguinte, admitindo que fosse possível identificar os acionistas, o seu compromisso de confidencialidade não evitaria o risco para a estabilidade financeira da divulgação da informação de que uma entidade é objeto de um procedimento de resolução.

172    Os recorrentes alegaram, na audiência, que seria possível uma audição dos acionistas durante a fase preparatória da medida de resolução, antes de a entidade ser considerada em situação ou risco de insolvência, dado que essa fase não era forçosamente urgente.

173    Refira‑se que o procedimento de resolução previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 é instaurado desde que as condições previstas estejam preenchidas e que as fases de planificação da resolução não estão abrangidas nesse procedimento. Por conseguinte, o argumento dos recorrentes não pode pôr em causa a legalidade do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014. De qualquer modo, as considerações acima referidas nos n.os 169 e 170 opõem‑se à consulta dos acionistas da entidade em causa não apenas depois de instaurado o procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, mas também durante a fase preparatória da medida.

174    Resulta do exposto que uma audição dos acionistas e dos credores da entidade objeto de uma medida de resolução, antes da adoção dessa medida, comprometeria os objetivos de estabilidade dos mercados financeiros e de continuidade das funções críticas da entidade, bem como as exigências de rapidez e de eficácia do procedimento de resolução.

175    Por conseguinte, a inexistência de uma disposição que preveja uma audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa no âmbito do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 constitui uma restrição ao direito de audiência, que é justificada e necessária para responder a um objetivo de interesse geral e respeita o princípio da proporcionalidade, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

176    Esta conclusão não é posta em causa pelos restantes argumentos dos recorrentes.

177    Em primeiro lugar, os recorrentes baseiam‑se no documento de trabalho SWD/2012/166 final dos serviços da Comissão, de 6 de junho de 2012, intitulado «avaliação de impacto que acompanha o documento Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera as Diretivas 77/91/CEE e 82/891/CEE do Conselho, as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, e o Regulamento (UE) n.o 1093/2010» (a seguir «avaliação de impacto»), no qual a Comissão teria reconhecido que os acionistas têm o direito de «serem ouvidos nas suas alegações contra as medidas de reestruturação».

178    A este respeito, basta observar, à semelhança do CUR, que o excerto da avaliação de impacto referido pelos recorrentes reporta‑se expressamente ao direito a um processo equitativo e ao direito à ação, consagrado nos artigos 6.o e 13.o da CEDH. Por conseguinte, este excerto reporta‑se ao direito à ação dos acionistas contra uma medida já adotada, mas não pode ser interpretado como referindo um direito de audiência prévio à adoção de uma decisão de resolução.

179    Em segundo lugar, os recorrentes invocam o Acórdão do TEDH de 24 de novembro de 2005, Capital Bank AD c. Bulgária (CE:ECHR:2005:1124JUD004942999). Alegam que, nesse processo, uma autoridade nacional tinha retirado a autorização bancária a um banco sem aviso prévio e sem lhe dar a possibilidade de interpor recurso. O TEDH teria concluído que, tendo em conta o lugar preponderante que o direito a um processo equitativo ocupa numa sociedade democrática, a decisão do tribunal búlgaro de seguir a decisão do banco nacional da Bulgária sem a sujeitar a qualquer crítica ou discussão, associada à inexistência de qualquer instrumento minucioso de análise dessa decisão num processo de fiscalização direta, não se justificava.

180    Como sublinham os próprios recorrentes, o elemento fundamental do Acórdão do TEDH de 24 de novembro de 2005, Capital Bank AD c. Bulgária (CE:ECHR:2005:1124JUD004942999), e do Acórdão TEDH de 19 de junho de 2008, Ismeta Bačić c. Croácia (CE:ECHR:2008:0619JUD004359506), é a afirmação de que o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH é aplicável a um processo de insolvência.

181    Assim, como referem a Comissão e o CUR, o Acórdão do TEDH de 24 de novembro de 2005, Capital Bank AD c. Bulgária (CE:ECHR:2005:1124JUD004942999), dizia respeito a uma violação do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, pelo facto de o direito búlgaro não prever um recurso jurisdicional de uma decisão do banco nacional da Bulgária, que revogava a licença de um banco, e se referir apenas aos direitos processuais da instituição financeira em causa e não aos direitos dos acionistas e credores. Este acórdão não dizia respeito ao direito de ser ouvido previamente à adoção de uma decisão e, portanto, não é pertinente.

182    Em terceiro lugar, os recorrentes invocam igualmente as legislações de alguns Estados‑Membros que dão a possibilidade aos credores e aos acionistas de apresentarem observações no processo de insolvência.

183    Basta observar, à semelhança do CUR, que os processos de insolvência nacionais não são comparáveis a um procedimento de resolução nos termos do Regulamento n.o 806/2014. Com efeito, no âmbito de um processo de insolvência a nível nacional, os credores são ouvidos depois de instaurado o processo de insolvência. Assim, como salienta o CUR, com a instauração do processo de insolvência, o prejuízo para os acionistas e credores já ocorreu e a divulgação da insolvência não o pode agravar. Em contrapartida, quanto ao procedimento de resolução, a divulgação aos credores da entidade em causa de informações relativas a uma eventual resolução pode ter efeitos adversos graves.

184    Além disso, como refere o CUR, na sua Decisão de 1 de abril de 2004, Camberrow MM5 AD c. Bulgária (CE:ECHR:2004:0401DEC005035799), o TEDH considerou que a obrigação de consultar os acionistas e os credores no âmbito de um processo de insolvência implicaria um atraso no processo e que a impossibilidade de o acionista maioritário participar no processo não era desproporcionada à luz dos objetivos legítimos de proteção dos direitos dos credores do banco e de preservação da correta administração do ativo da insolvência do mesmo.

185    Resulta do exposto que a exceção de ilegalidade do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, em que se alega que o procedimento que estabelece viola o direito de audiência por não prever a audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa, deve ser julgada improcedente.

186    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte.

 Quanto à segunda parte, em que se alega que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 viola o direito à ação

187    Os recorrentes alegam que o procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não respeita o direito à ação, na medida em que não existe fiscalização jurisdicional desse procedimento. A existência de um recurso de anulação perante o Tribunal Geral não pode sanar a violação do direito à ação, na medida em que este não é competente para ordenar à instituição em causa que tome medidas destinadas a revogar os atos que executam a resolução.

188    Os recorrentes alegam, em substância, que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 viola o direito à ação na parte em que não prevê uma intervenção judicial antes da adoção da decisão de resolução.

189    Importa recordar que o artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, exige, no seu primeiro parágrafo, que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tenha direito a uma ação perante um tribunal, nos termos previstos neste artigo. A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento das disposições do direito da União é inerente à existência de um Estado de direito (v. Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho, C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.o 36 e jurisprudência referida).

190    Basta observar que o argumento dos recorrentes assenta numa interpretação errada do alcance do direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta. Com efeito, o artigo 47.o da Carta garante o direito à ação contra um ato lesivo e não antes da sua adoção.

191    Na sequência da adoção de uma medida de resolução, o direito à ação é garantido pela possibilidade de interpor recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE das decisões adotadas pelo CUR, nos termos do artigo 86.o do Regulamento n.o 806/2014, e das decisões da Comissão, bem como pela possibilidade de intentar uma ação de indemnização.

192    No âmbito de um recurso de anulação interposto de uma medida de resolução, o Tribunal Geral pode apreciar a conformidade do procedimento seguido pelo CUR nos termos previstos no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014. Os recorrentes não podem validamente defender que o procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não está sujeito a nenhuma fiscalização jurisdicional.

193    Além do mais, os recorrentes alegam que a existência de um recurso de anulação no Tribunal Geral não pode sanar a violação do direito à ação, na medida em que este não é competente para ordenar à instituição em causa que tome medidas destinadas a revogar os atos que executam a resolução.

194    Importa referir que o artigo 47.o da Carta não tem por objeto alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, designadamente as regras relativas à admissibilidade dos recursos interpostos diretamente no órgão jurisdicional da União, como decorre igualmente das explicações relativas a esse artigo 47.o, que devem, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, ser tomadas em consideração na sua interpretação (v. Acórdãos de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 97 e jurisprudência referida, e de 25 de fevereiro de 2021, VodafoneZiggo Group/Comissão, C‑689/19 P, EU:C:2021:142, n.o 136 e jurisprudência referida).

195    Basta recordar que, se o juiz da União não dispõe de um poder de injunção relativamente ao CUR, este, nos termos do artigo 86.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 e do artigo 266.o TFUE, tem o dever de tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

196    Por conseguinte, há que considerar que o facto de o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não prever nenhuma intervenção do poder judicial no procedimento que conduz à adoção de uma decisão de resolução não constitui uma violação do artigo 47.o da Carta.

197    Por último, os recorrentes não têm razão quando se baseiam na jurisprudência em matéria de medidas restritivas, segundo a qual o cumprimento da obrigação de comunicar os fundamentos de uma decisão é necessário para permitir aos destinatários dessas medidas defenderem os seus direitos nas melhores condições e para respeitar o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

198    Com efeito, ao contrário das medidas restritivas pelas quais é aplicada a uma pessoa uma medida individual de sanção económica e financeira (congelamento de fundos), o programa de resolução não constitui uma medida individual tomada contra os acionistas da entidade visada. Por conseguinte, a jurisprudência referida pelos recorrentes segundo a qual devem ser comunicados à pessoa objeto de uma medida restritiva, enquanto destinatária dessa decisão, os fundamentos da mesma, não é aplicável no presente caso.

199    Daqui resulta que a exceção de ilegalidade do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, por violar o direito à ação, deve ser julgada improcedente e, portanto, a segunda parte também é julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte, em que se alega que o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 viola o princípio da proporcionalidade

200    Os recorrentes alegam que, na medida em que, pelos motivos expostos nas duas primeiras partes do presente fundamento, o procedimento de resolução previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não respeita o direito de audiência e o direito à ação, não está em conformidade com o princípio da proporcionalidade, por exceder o necessário para alcançar os objetivos fixados no considerando 122 do Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente «criar um enquadramento europeu único eficiente e eficaz para a resolução das entidades e garantir a aplicação coerente de regras em matéria de resolução».

201    Basta recordar, por um lado, que já se concluiu, na primeira parte, que a inexistência de audição dos acionistas e dos credores da entidade em causa no âmbito do procedimento de resolução era justificada por um objetivo de interesse geral e necessária, em cumprimento do princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, da Carta. Por outro lado, da análise da segunda parte resulta que os recorrentes não demonstraram que o procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 violava o direito à ação.

202    Por conseguinte, tendo sido julgadas improcedentes as duas primeiras partes, a terceira parte deve igualmente improceder.

203    Do exposto resulta que a exceção de ilegalidade do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, deduzida no primeiro fundamento, deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao nono fundamento, relativo a uma exceção de ilegalidade, pelo facto de os artigos 18.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014 violarem os princípios em matéria de delegação de poderes

204    Os recorrentes invocam a ilegalidade dos artigos 18.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014, com base no artigo 277.o TFUE, pelo facto de esses artigos violarem os princípios em matéria de delegação de poderes enunciados no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).

205    Os recorrentes alegam que a decisão do CUR, relativa à questão de saber se se encontram preenchidas as condições enumeradas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, pressupões um amplo poder discricionário. O CUR procede a apreciações económicas complexas e, ao fazê‑lo, participa na implementação de uma verdadeira política económica. O CUR dispõe de um amplo poder de apreciação para decidir do instrumento de resolução a adotar em aplicação do artigo 18.o, n.o 6, e do artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014. Alegam que as disposições do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, segundo o qual a Comissão aprova o programa de resolução no prazo de 24 horas, constituem um desvio dos princípios estabelecidos no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). Tendo em conta o prazo fixado, o CUR decide da política de resolução e a Comissão exerce simplesmente uma função de aprovação.

206    A Comissão, o CUR, o Conselho e o Parlamento alegam, em substância, que o procedimento instituído pelo Regulamento n.o 806/2014 está em conformidade com o Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). O legislador da União não delegou poderes discricionários no CUR, na medida em que o programa de resolução do CUR só produz efeitos jurídicos vinculativos se for aprovado pela Comissão ou pelo Conselho. Uma vez que o poder de decidir sobre questões que pressuponham apreciações discricionárias está reservado à Comissão ou ao Conselho, estes últimos assumem assim a responsabilidade jurídica e política de determinar a política de resolução da União.

207    Refira‑se que os Tratados não contêm nenhuma disposição que preveja a atribuição de competências a um órgão ou a uma agência da União. Assim, nem o artigo 290.o TFUE, que prevê a delegação de poderes regulamentares à Comissão no âmbito de atos legislativos, nem o artigo 291.o TFUE, que confere competências de execução aos Estados‑Membros, à Comissão e, em determinadas circunstâncias precisas, ao Conselho, mencionam as agências (Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2013:562, n.o 75).

208    Foi, portanto, a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), que estabeleceu os princípios em matéria de delegação de poderes. Em seguida, o Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), aplicou esses princípios aos casos em que tenham sido conferidos poderes autónomos a uma agência pelo legislador da União.

209    No n.o 41 do Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho (C‑270/12, EU:C:2014:18), o Tribunal de Justiça indicou que, no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), tinha salientado, em substância, que as consequências resultantes de uma delegação de poderes eram muito diferentes consoante esta visasse, por um lado, poderes de execução claramente delimitados e cujo exercício, por esse facto, fosse suscetível de fiscalização rigorosa à luz de critérios objetivos fixados pela autoridade delegante ou, por outro, um «poder discricionário, que impli[casse] uma ampla liberdade de apreciação, suscetível de traduzir, pela respetiva utilização uma verdadeira política económica».

210    O Tribunal de Justiça acrescentou ter igualmente indicado, no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), que uma delegação do primeiro tipo não era suscetível de alterar sensivelmente as consequências decorrentes do exercício dos poderes que afetava, ao passo que uma delegação do segundo tipo, ao substituir as escolhas da autoridade delegada pelas da autoridade delegante, operava uma «verdadeira transferência da responsabilidade» (Acórdão de 22 de janeiro de 2014, Reino Unido/Parlamento e Conselho, C‑270/12, EU:C:2014:18, n.o 42).

211    A título preliminar, refira‑se que o procedimento de adoção das medidas de resolução instituído pelo legislador no Regulamento n.o 806/2014 dava seguimento às observações formuladas pelo Serviço Jurídico do Conselho num parecer de 7 de outubro de 2013, relativo à proposta de regulamento da Comissão, que visava apreciar a compatibilidade do procedimento inicialmente previsto na proposta de regulamento com os princípios em matéria de delegação de poderes, conforme interpretados no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).

212    Inicialmente, na proposta de regulamento examinada nesse parecer, a repartição de competências entre a Comissão e o CUR era diferente da que veio a ser adotada no Regulamento n.o 806/2014. Nomeadamente, a Comissão tinha o poder de colocar uma entidade sob resolução, estabelecer um quadro para a utilização dos instrumentos de resolução e decidir se e como deviam ser utilizados os poderes de redução e de conversão dos instrumentos de capital e o CUR, em conformidade com o quadro fixado pela Comissão, era competente para adotar as decisões dirigidas às autoridades nacionais de resolução.

213    No seu parecer, o Serviço Jurídico do Conselho referiu que determinadas medidas que o CUR podia incluir numa decisão de resolução não estavam definidas com suficiente precisão. O Serviço Jurídico do Conselho considerou que a sistemática geral e a estrutura da proposta de regulamento, na qual a Comissão adota a decisão de resolução de base e o CUR é obrigado a agir no âmbito dos critérios estabelecidos pela Comissão, eram conformes com o direito da União tal como interpretado no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). Considerou, no entanto, que os poderes do CUR para aplicar os instrumentos de resolução e as suas decisões pareciam, em certa medida, de natureza discricionária e ultrapassar o exercício de poderes puramente técnicos. Por conseguinte, concluiu que poderia ser necessário incluir no regulamento outras disposições com o objetivo de enquadrar corretamente a aplicação pelo CUR dos instrumentos de resolução ou envolver no exercício desses poderes uma instituição da União investida de competências de execução.

214    O legislador da União, tendo em consideração este parecer do Serviço Jurídico do Conselho, alterou o mecanismo de adoção das medidas de resolução. Na medida em que a adoção de uma medida de resolução implica uma margem de apreciação discricionária, o legislador reservou essa competência a uma instituição e não ao CUR.

215    Isso resulta, em especial, dos considerandos 24 e 26 do Regulamento n.o 806/2014, que preveem:

«(24)      Dado que só as instituições da União podem estabelecer a política de resolução da União e que subsiste uma margem de poder discricionário na adoção de cada programa específico de resolução, é necessário prever o envolvimento adequado do Conselho e da Comissão como instituições que podem exercer competências de execução nos termos do artigo 291.o […] TFUE. A Comissão deverá avaliar os aspetos discricionários das decisões de resolução adotadas pelo CUR. Dado o impacto considerável das decisões de resolução sobre a estabilidade financeira dos Estados‑Membros e da União, bem como sobre a soberania orçamental dos Estados‑Membros, é importante que sejam conferidas ao Conselho competências de execução para tomar determinadas decisões relativas à resolução. Deverá, por conseguinte, ser o Conselho a exercer, sob proposta da Comissão, o controlo efetivo sobre a avaliação realizada pelo CUR quanto à existência de um interesse público e a avaliar qualquer alteração significativa do montante do Fundo a ser utilizado numa determinada medida de resolução. […]

(26)      […] Se considerar que estão preenchidos os fatores de desencadeamento das medidas de resolução, o CUR deverá adotar o programa de resolução. O procedimento relativo à adoção do programa de resolução, que envolve a Comissão e o Conselho, reforça a necessária independência operacional do CUR, respeitando simultaneamente o princípio de delegação de poderes nas agências tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia […] Por conseguinte, o presente regulamento prevê que o programa de resolução adotado pelo CUR só entra em vigor se, no prazo de 24 horas após a sua adoção pelo CUR, não forem formuladas objeções pelo Conselho ou pela Comissão, ou o programa de resolução for aprovado pela Comissão. As razões com base nas quais o Conselho se pode opor, sob proposta da Comissão, ao programa de resolução do CUR deverão ser estritamente limitadas à existência de um interesse público e à alteração significativa pela Comissão do montante de utilização do Fundo proposto pelo CUR. […] Na qualidade de observador nas reuniões do CUR, a Comissão deverá verificar de forma permanente se o programa de resolução adotado pelo CUR é inteiramente conforme ao presente regulamento, garante o equilíbrio adequado entre os diferentes objetivos e interesses em causa, respeita o interesse público e se é preservada a integridade do mercado interno. Considerando que a medida de resolução requer um processo de tomada de decisão célere, o Conselho e a Comissão deverão cooperar estreitamente, não devendo o Conselho duplicar os trabalhos preparatórios já empreendidos pela Comissão […]»

216    Contrariamente ao que alegam os recorrentes, o Regulamento n.o 806/2014, nomeadamente o seu considerando 26, não reconhece que a atribuição de poderes ao CUR suscite problemas em matéria de delegação de poderes. Pelo contrário, tendo em conta o facto de a decisão de submeter uma entidade a uma medida de resolução adotada com base no Regulamento n.o 806/2014 pressupor o exercício de um poder discricionário que implica uma escolha de política económica, o legislador previu um mecanismo de adoção específico no artigo 18.o, n.o 7, desse regulamento.

217    Assim, no que respeita ao procedimento de resolução, o artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que a Comissão ou aprova o programa de resolução ou apresenta objeções sobre os seus aspetos discricionários e que um programa de resolução só pode entrar em vigor se o Conselho ou a Comissão não tiverem formulado objeções no prazo de vinte e quatro horas seguintes à sua transmissão pelo CUR.

218    Por conseguinte, em aplicação do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, é necessário que uma instituição da União, a saber, a Comissão ou o Conselho, aprove o programa de resolução nos seus aspetos discricionários para que este produza efeitos jurídicos. O legislador da União confiou assim a uma instituição a responsabilidade jurídica e política de determinar a política da União em matéria de resolução, evitando assim uma «verdadeira transferência da responsabilidade» na aceção do Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7).

219    Como alegam a Comissão, o Parlamento e o Conselho, o legislador europeu, ao instituir o procedimento de adoção de uma medida de resolução previsto no Regulamento n.o 806/2014 e ao reservar expressamente a decisão sobre os aspetos discricionários dessa medida às instituições da União, não delegou nenhum poder autónomo no CUR.

220    À luz destas considerações, importa analisar os argumentos dos recorrentes relativos às competências conferidas ao CUR pelos artigos 18.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014.

221    Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, segundo a qual uma medida de resolução deve ser necessária para defesa do interesse público, confere ao CUR um amplo poder discricionário, dado que essa condição exige que o CUR arbitre conflitos entre diversos interesses públicos e proceda a apreciações económicas complexas e que, ao fazê‑lo, participe na implementação de uma verdadeira política económica.

222    A este respeito, importa referir que o artigo 18.o, n.o 7, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 prevê expressamente que a Comissão possa formular objeções ao programa de resolução se este não cumprir o critério de interesse público.

223    O respeito da condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014 condiciona a decisão de submeter uma instituição a um procedimento de resolução e a fiscalização da necessidade da medida à luz do interesse público implica o exercício de um poder discricionário que envolve uma ampla margem de apreciação. Por esse motivo, o legislador da União conferiu expressamente à Comissão, e eventualmente ao Conselho, a fiscalização da observância dessa decisão.

224    Em segundo lugar, os recorrentes alegam que, em aplicação do artigo 18.o, n.o 6, e do artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014, o CUR dispõe de um amplo poder de apreciação para decidir do instrumento de resolução a adotar. Entendem que o CUR se guiou pelos objetivos fixados no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, que encerram critérios subjetivos.

225    Importa referir que, nos termos do artigo 18.o, n.o 7, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014, a Comissão verifica se o programa de resolução cumpre o critério de interesse público previsto no n.o 1, alínea c), desse artigo. A este respeito, o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 indica que «[p]ara efeitos do n.o 1, alínea c), do presente artigo, considera‑se que uma medida de resolução é de interesse público se for proporcionada e necessária para a prossecução de um ou mais dos objetivos da resolução referidos no artigo 14.o, que um processo de liquidação da entidade no quadro dos processos normais de insolvência não permitiria atingir».

226    Importa referir também que o artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 indica:

«Quando aplicarem o procedimento de resolução referido no artigo 18.o, o CUR, o Conselho e a Comissão, e, se for caso disso, as autoridades nacionais de resolução, no que diz respeito às respetivas responsabilidades, têm em conta os objetivos da resolução e escolhem os instrumentos de resolução e exercem os poderes de resolução que, em seu entender, melhor realizam os objetivos de resolução relevantes nas circunstâncias do caso concreto.»

227    Assim, os objetivos visados no artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014 não se impõem apenas ao CUR, mas também à Comissão, uma vez que esta deve aprovar a escolha do instrumento de resolução. Daí resulta também que cabe à Comissão, no âmbito da sua avaliação da observância do critério de interesse público, verificar se a escolha do instrumento de resolução é adequada e proporcionada aos objetivos da resolução.

228    Por conseguinte, o CUR não dispõe de uma competência autónoma para decidir submeter uma entidade a uma medida de resolução em aplicação do artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, nem para decidir qual o instrumento de resolução que se deve aplicar nos termos do artigo 22.o desse regulamento. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, essas disposições não conduzem a uma delegação de poderes discricionários no CUR.

229    Os recorrentes também alegam que as disposições do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, segundo as quais a Comissão aprova o programa de resolução no prazo de 24 horas, constituem um desvio dos princípios estabelecidos no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7). Tendo em conta o prazo fixado, o CUR decide da política de resolução e a Comissão exerce simplesmente uma função de aprovação.

230    Importa referir que, segundo o artigo 30.o do Regulamento n.o 806/2014, o CUR informa a Comissão de qualquer ação por si adotada em preparação de um processo de resolução, que o CUR, o Conselho e a Comissão cooperam estreitamente, nomeadamente no planeamento da resolução, na intervenção precoce e nas diferentes fases da resolução, e que devem fornecer entre si todas as informações necessárias para o exercício das suas funções. Além do mais, o artigo 43.o, n.o 3, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que a Comissão designa um representante habilitado a participar nas reuniões das sessões plenárias e das sessões executivas, na qualidade observador permanente e que o seu representante tem o direito de participar nos debates e tem acesso a todos os documentos.

231    Destas disposições resulta que a Comissão é informada e associada às fases preparatórias da adoção de uma medida de resolução. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, a Comissão não toma conhecimento do programa de resolução só depois de adotado pelo CUR, dispondo de tempo suficiente, durante a sua elaboração, para avaliar os seus aspetos discricionários.

232    Os recorrentes não podem, portanto, defender que o facto de a Comissão dispor apenas de um prazo de 24 horas para aprovar o programa de resolução a conduz a uma simples validação do mesmo. Uma vez que o seu estatuto de observador lhe permite acompanhar os trabalhos nas diversas fases que precedem a adoção do programa de resolução, a sua aprovação não se reduz a uma simples formalidade.

233    Por outro lado, as circunstâncias que conduziram à adoção da decisão da Comissão no presente caso, referidas pelos recorrentes, não são pertinentes para efeitos da apreciação da legalidade das disposições controvertidas do Regulamento n.o 806/2014.

234    Por conseguinte, do exposto resulta que improcede a exceção de ilegalidade dos artigos 18.o e 22.o do Regulamento n.o 806/2014, deduzida no nono fundamento.

235    Por outro lado, importa referir que, na réplica, os recorrentes acrescentam argumentos destinados a obter a declaração, a título subsidiário, de que, admitindo que o Regulamento n.o 806/2014 estivesse em conformidade com os princípios relativos à delegação de poderes enunciados no Acórdão de 13 de junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade (9/56, EU:C:1958:7), esse princípio não foi respeitado no presente caso. Alegam, em substância, que a Comissão não adotou a Decisão 2017/1246 com conhecimento de causa relativamente aos aspetos discricionários do programa de resolução e que, na falta de aprovação legal, o programa de resolução assenta num erro de direito ou num erro manifesto de apreciação.

236    A Comissão e o CUR alegam que, com esses argumentos invocados pela primeira vez na réplica, os recorrentes invocam um fundamento novo que é inadmissível.

237    Na audiência, os recorrentes confirmaram que esse argumento constituía um novo fundamento.

238    Nos termos do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

239    Para justificar a apresentação desses novos argumentos na fase da réplica, os recorrentes alegam que resulta de documentos juntos «extemporaneamente» que a Comissão simplesmente aprovou sem discussão o programa de resolução. Os recorrentes baseiam‑se nas circunstâncias do presente caso, a saber, o facto de o programa de resolução ter sido transmitido à Comissão em 7 de junho de 2017 às 5h13 e de esta última a ter aprovado à 6h30 no mesmo dia, ou seja, 77 minutos mais tarde. Alegam que daí resulta que a Comissão não podia ter procedido à avaliação exigida pelo artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014.

240    A este respeito, importa, antes de mais, referir que os recorrentes não mencionam quais seriam esses novos documentos e não precisam a partir de que data foram apresentados. Além do mais, observe‑se, à semelhança da Comissão, que as circunstâncias factuais invocadas eram conhecidas dos recorrentes desde a interposição do recurso e são mencionadas na petição inicial. Assim, por um lado, quanto à transmissão do programa de resolução à Comissão às 5h13 em 7 de junho de 2017, os recorrentes remetem para a decisão da Comissão anexa à petição. Por outro lado, quanto ao facto de o programa de resolução ter entrado em vigor às 6h30 do mesmo dia, basta observar que esse elemento constava da versão do programa de resolução anexa à petição.

241    Daí resulta que esse fundamento novo não se baseia em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo e que, portanto, deve ser julgado inadmissível nos termos do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

242    De qualquer modo, como acima resulta dos n.os 230 a 232, a Comissão, em conformidade com as suas obrigações de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 e devido ao seu estatuto de observador, foi associada às fases preparatórias da adoção do programa de resolução. Os recorrentes não podem, assim, afirmar que a intervenção da Comissão se limitou ao intervalo de tempo que decorreu entre a transmissão pelo CUR do programa de resolução em 7 de junho de 2017 às 5h13 e a sua aprovação.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014

243    Os recorrentes alegam que o CUR e a Comissão violaram o artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014 por não assegurarem que as decisões recorridas fossem precedidas de uma avaliação provisória independente, «justa, prudente e realista» e por não assegurarem que fosse efetuada uma avaliação definitiva ex post. Baseiam‑se nas versões das avaliações 1 e 2 publicadas pelo CUR no seu sítio Internet em 31 de outubro de 2018.

244    O artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 prevê:

«Antes de adotar uma medida de resolução ou exercer o poder para reduzir ou converter os instrumentos de capital relevantes, o CUR assegura que seja efetuada uma avaliação justa, prudente e realista dos ativos e passivos a que se refere o artigo 2.o por uma pessoa independente de qualquer autoridade pública, incluindo o CUR e a autoridade nacional de resolução e da entidade em causa.»

245    O presente fundamento divide‑se, em substância, em três alegações, relativas à avaliação 1, à avaliação 2 e à falta de avaliação definitiva ex post.

246    A título preliminar, importa lembrar que a avaliação do Banco Popular, realizada antes da adoção do programa de resolução, contém dois relatórios em anexo ao programa de resolução.

247    A avaliação 1, datada de 5 de junho de 2017, foi redigida pelo CUR em aplicação do artigo 20.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014 e tinha por objetivo fornecer os elementos que permitissem determinar se estavam preenchidas as condições para acionar um procedimento de resolução, conforme definidas no artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

248    A avaliação 2, datada de 6 de junho de 2017, foi redigida pela Deloitte na qualidade de perito independente em aplicação do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

249    O programa de resolução indica que, tendo em conta a urgência, a avaliação 2, realizada em conformidade com o artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014, tinha por objetivo estimar o valor do ativo e do passivo do Banco Popular, fornecer uma estimativa sobre o tratamento de que os acionistas e credores teriam beneficiado se o Banco Popular tivesse sido objeto de um processo normal de insolvência e fornecer elementos que permitissem tomar a decisão relativa às ações e títulos de propriedade a transferir e permitir ao CUR determinar as condições comerciais para efeitos do instrumento de alienação de atividade.

250    Na avaliação 2, a Deloitte indicou ter‑se baseado nas exigências do artigo 36.o da Diretiva 2014/59 (correspondente ao artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014) e no capítulo 3.o do projeto definitivo de normas técnicas de regulamentação da Autoridade Bancária Europeia (ABE) n.os 2017/05 e 2017/06, de 23 de maio de 2017, relativa à avaliação para efeitos da resolução e à avaliação com vista a determinar a diferença de tratamento na sequência da resolução prevista na Diretiva 2014/59 (a seguir «normas técnicas da ABE»).

251    O artigo 36.o, n.o 15, da Diretiva 2014/59 autoriza a ABE a elaborar projetos de normas técnicas de regulamentação com vista a precisar os critérios com base nos quais devem ser efetuadas as avaliações num procedimento de resolução.

252    O capítulo 3.o das normas técnicas da ABE refere‑se ao projeto de normas técnicas de regulamentação n.o 2017/05 sobre a avaliação para efeitos da resolução (a seguir «normas técnicas de regulamentação») e contém, nomeadamente, em conformidade com o artigo 36.o, n.o 15, da Diretiva 2014/59, um projeto de regulamento delegado da Comissão que completa a Diretiva 2014/59 através de normas técnicas de regulamentação que precisem os critérios do método a utilizar para avaliar o ativo e o passivo das instituições ou das entidades.

253    Além disso, refira‑se que, à data da adoção do programa de resolução, as normas técnicas de regulamentação não eram vinculativas, na medida em que o artigo 5.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR, o Conselho e a Comissão estão sujeitos às normas técnicas de regulamentação e de execução vinculativas elaboradas pela ABE quando adotadas pela Comissão. Essas normas técnicas de regulamentação foram integradas no Regulamento Delegado (UE) 2018/345 da Comissão, de 14 de novembro de 2017, que complementa a Diretiva 2014/59 no que diz respeito às normas técnicas de regulamentação que especificam os critérios aplicáveis ao método de avaliação do valor dos ativos e passivos das instituições ou entidades (JO 2018, L 67, p. 8).

254    No artigo 6.3 do programa de resolução, o CUR indicou que, para decidir da redução e da conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular, se baseou na avaliação 2, conforme completada e corroborada pelos resultados do processo de venda levado a cabo pelo FROB.

255    Na medida em que a avaliação 2 contém apreciações técnicas e económicas complexas, há que reconhecer ao CUR um amplo poder de apreciação quando considerou que a avaliação 2 constituía uma base válida para decidir das medidas de resolução.

256    Por conseguinte, em aplicação da jurisprudência acima referida nos n.os 106 a 111, a fiscalização efetuada pelo Tribunal Geral é uma fiscalização restrita que se limita a verificar a inexistência de erro manifesto de apreciação do CUR quando considerou que a avaliação 2 estava em conformidade com as exigências do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. Cabe aos recorrentes apresentar prova bastante que retire plausibilidade à avaliação 2.

 Quanto à primeira alegação, relativa à avaliação 1

257    Os recorrentes alegam que a avaliação 1 não foi efetuada por uma pessoa independente, como é exigido no artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. Ainda que o artigo 20.o, n.o 3, do Regulamento n.o 806/2014 preveja que essa avaliação pode ser efetuada pelo CUR, esta só é permitida quando não for possível realizar uma avaliação independente. A Deloitte, a quem foi confiada a elaboração da avaliação 2 em 23 de maio de 2017, podia, portanto, ter realizado a avaliação 1. Entendem que o CUR não demonstrou a existência de uma urgência suficiente para justificar o caráter provisório da avaliação 1.

258    A título preliminar, a Comissão afirma que esta alegação é inadmissível na medida em que constitui um fundamento novo, invocado pela primeira vez na réplica, embora se baseie em elementos que estavam disponíveis aquando da interposição do recurso. O facto de ter sido o próprio CUR a realizar a avaliação 1 resulta do programa de resolução que está anexo à petição inicial.

259    É certo que, nos termos do artigo 84.o do Regulamento de Processo, é proibido deduzir fundamentos novos no decurso da instância, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

260    Todavia, deve ser julgado admissível um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente enunciado, direta ou implicitamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com ele. Por outro lado, os argumentos cuja substância apresente um nexo estreito com um fundamento enunciado na petição inicial não podem ser considerados fundamentos novos e a sua apresentação é admitida na fase da réplica ou da audiência (v. Acórdãos de 22 de março de 2018, Stavytskyi/Conselho, T‑242/16, não publicado, EU:T:2018:166, n.o 123 e jurisprudência referida, e de 8 de novembro de 2018, “Pro NGO!”/Comissão, T‑454/17, EU:T:2018:755, n.o 70 e jurisprudência referida). Para poder ser considerado uma ampliação de um fundamento ou de uma alegação anteriormente enunciados, um novo argumento deve apresentar uma ligação suficientemente estreita com os fundamentos ou as alegações inicialmente expostos na petição para se poder considerar que resultou da evolução normal do debate num processo contencioso (v. Acórdão de 8 de julho de 2020, VQ/BCE, T‑203/18, EU:T:2020:313, n.o 56 e jurisprudência referida).

261    Ora, na petição inicial, os recorrentes alegavam, é certo que de forma sucinta, que o CUR e a Comissão não tinham procedido a uma avaliação independente. Por conseguinte esta alegação apresenta um nexo estreito com o fundamento invocado na petição inicial e não é um fundamento novo.

262    No entanto, como alega com razão o CUR, os argumentos dos recorrentes destinados a pôr em causa a validade da avaliação 1 devem ser considerados inoperantes.

263    Com efeito, a avaliação 1, destinada a determinar, em conformidade com as normas técnicas de regulamentação, se o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, a fim de demonstrar se estavam preenchidas as condições de abertura de um procedimento de resolução ou da redução ou da conversão de instrumentos de capital, tornou‑se obsoleta na sequência da avaliação efetuada pelo BCE em 6 de junho de 2017, relativa à situação ou risco de insolvência do Banco Popular.

264    Na avaliação 1, o CUR indicou que a data de referência da sua avaliação era 31 de março de 2017. Ora, recorde‑se que o BCE se baseou nos significativos levantamentos de depósitos do Banco Popular a partir dos meses de abril e de maio de 2017 e na incapacidade de este gerar nova liquidez, para concluir que, em 6 de junho de 2017, o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência. Assim, as conclusões da avaliação 1 já não eram pertinentes à data da resolução.

265    Daí resulta que os argumentos dos recorrentes que imputavam ao CUR o facto de ele próprio ter efetuado a avaliação 1, bem como os argumentos invocados na réplica em que se alega, a título subsidiário, que a avaliação 1 não contém uma avaliação «justa, prudente e realista» do valor dos ativos e passivos do Banco Popular antes da resolução, devem ser julgados inoperantes.

266    De qualquer modo, como sublinham os próprios recorrentes, nos termos do artigo 20.o, n.o 3, do Regulamento n.o 806/2014, conjugado com o n.o 10 do mesmo artigo, se não for possível realizar uma avaliação independente, nos termos do n.o 1, por imperativos de urgência, o CUR pode realizar uma avaliação provisória dos ativos e passivos da entidade.

267    Refira‑se que, contrariamente ao que alegam os recorrentes, o CUR justificou, na avaliação 1, as razões pelas quais essa avaliação devia ser efetuada com urgência. Indicou, nomeadamente, que, devido à rápida deterioração dos rácios de liquidez do Banco Popular resultante dos significativos levantamentos de depósitos durante os dias anteriores, decidiu, consultado o BCE, realizar uma avaliação provisória urgente com base nas informações públicas e de controlo disponíveis.

268    Ora, basta referir que os recorrentes não invocam nenhum argumento destinado a pôr em causa estas apreciações.

269    Por conseguinte, a primeira alegação deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda alegação, relativa à avaliação 2

270    Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a avaliação 2 deveria ter tido a finalidade de orientar o CUR quanto à escolha da medida de resolução a adotar. Ora, o CUR já teria escolhido a medida de resolução adequada e, por conseguinte, teria encarregado a Deloitte de efetuar um relatório que chegasse a esta conclusão. O vício fundamental da avaliação 2 era o de assentar no pressuposto de que seria necessária uma medida de resolução e de que o CUR recorria ao instrumento de alienação da atividade. Entendem que a avaliação 2 não estava em conformidade com o artigo 20.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 e com as normas técnicas de regulamentação. A Deloitte não teve em consideração o plano de resolução de 2016 e não previu qualquer outra medida de resolução a não ser o instrumento de alienação da atividade, o que viola o requisito de apresentar avaliações distintas que reflitam uma gama diversificada de medidas de resolução.

271    A título preliminar, refira‑se que, nos termos do artigo 20.o do Regulamento n.o 806/2014, é efetuada uma avaliação provisória para efeitos da resolução. Por conseguinte, os recorrentes não podem afirmar validamente que o vício fundamental da avaliação 2 é o facto de assentar no pressuposto de que é necessária uma medida de resolução.

272    Os recorrentes alegam, em substância, que a Deloitte, na avaliação 2, não previu outra medida de resolução que não fosse o instrumento de alienação da atividade, o que é contrário ao artigo 20.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 e às normas técnicas de regulamentação.

273    Recorde‑se que a Deloitte indicou que, após consulta do CUR, a avaliação 2 seria efetuada tendo em conta o facto de ser aplicado o instrumento de alienação da atividade.

274    Importa referir, à semelhança da Comissão e do CUR, que a decisão relativa à escolha do instrumento de resolução a aplicar é tomada pela autoridade de resolução e não pelo avaliador independente. A este respeito, o CUR explicou, no artigo 5.3 do programa de resolução, as razões pelas quais a aplicação dos outros instrumentos de resolução previstos no artigo 22.o do Regulamento n.o 806/2014 não cumprem os objetivos da resolução na mesma medida.

275    O artigo 20.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, que estabelece que, se as condições para desencadear a resolução se encontrarem preenchidas, a avaliação visa fundamentar a decisão sobre a medida de resolução apropriada a adotar relativamente à entidade, deve ser interpretado no sentido de que a avaliação deve fornecer ao CUR os elementos técnicos e económicos que lhe permitam aplicar o instrumento de resolução que escolheu.

276    Dessa disposição não resulta que compete ao próprio avaliador definir qual o instrumento de resolução a aplicar.

277    Com efeito, por um lado, o artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 define os objetivos da avaliação em função do instrumento de resolução aplicado. Em particular, o artigo 20.o, n.o 5, alínea f), desse regulamento define os objetivos da avaliação quando for aplicado o instrumento de alienação da atividade, os quais são diferentes dos objetivos referidos no artigo 20.o, n.o 5, alíneas d) e e), do mesmo regulamento, relativos aos casos em que são aplicados o instrumento de recapitalização interna ou instrumento de criação de uma instituição de transição ou de segregação dos ativos.

278    Daí resulta que o artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 refere expressamente o caso de uma avaliação ser efetuada na perspetiva da aplicação de um instrumento de resolução definido.

279    Por outro lado, quanto ao método a utilizar na avaliação, o considerando 6 das normas técnicas de regulamentação prevê que a escolha da base de avaliação mais adequada (valor de detenção ou valor de alienação) deve ser efetuada em função das medidas de resolução específicas previstas pela autoridade de resolução. O artigo 11.o, n.o 4, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2018/345, indica o método de avaliação a utilizar pelo avaliador em função do instrumento de resolução previsto.

280    Os recorrentes baseiam‑se num excerto das normas técnicas da ABE, que figura na parte introdutória intitulada «Enquadramento e fundamentação», segundo o qual «os critérios que figuram nas normas técnicas de regulamentação têm a finalidade de orientar as diferentes avaliações que refletem o impacto nos fluxos de tesouraria esperados, resultantes de um leque suficientemente diversificado de medidas que podem ser adotadas pela autoridade de resolução, incluindo, mas não exclusivamente, qualquer estratégia de resolução descrita no plano de resolução da entidade».

281    Este excerto não pode ser interpretado no sentido de que, em cada caso, a avaliação deva prever várias hipóteses de medidas de resolução. Apenas indica que as normas técnicas de regulamentação têm por objetivo estabelecer os elementos e os fatores que devem ser tomados em consideração pelo avaliador na avaliação consoante as medidas de resolução previstas pela autoridade.

282    A este respeito, resulta do artigo 10.o, n.o 1, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/345, que o avaliador estima o impacto, sobre a avaliação, de cada medida de resolução que a autoridade de resolução poderá vir a adotar, a fim de fundamentar as decisões e que, sem prejuízo da independência do avaliador, a autoridade de resolução pode consultá‑lo, no intuito de determinar o leque de medidas de resolução que examina. Segundo o artigo 10.o, n.o 2, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2018/345, o avaliador só apresenta estimativas distintas que reflitam o impacto de um leque suficientemente diversificado de medidas de resolução quando for adequado e em concertação com a autoridade de resolução.

283    Assim, em aplicação das normas técnicas de regulamentação, a Deloitte pôde considerar, após consulta do CUR, que a avaliação 2 podia ser efetuada tendo em conta o instrumento de resolução previsto pelo CUR, a saber, o instrumento de alienação da atividade.

284    Por conseguinte, os recorrentes não podem alegar que a avaliação 2 deve ter em conta a aplicação de outros instrumentos de resolução diferentes do previsto pelo CUR.

285    Além disso, não se pode considerar que o facto de o CUR ter considerado que o instrumento de alienação da atividade era o mais apto para cumprir os objetivos da resolução e ter mandatado a Deloitte para efetuar uma avaliação que respondesse aos objetivos desse instrumento ponha em causa a independência da Deloitte.

286    Quanto ao argumento dos recorrentes de que a Deloitte não teve em consideração o plano de resolução de 2016, basta observar que, nos considerandos 44 a 46 do programa de resolução, o CUR indicou os motivos pelos quais a solução prevista no plano de resolução de 2016 não era aplicável à situação do Banco Popular à data da resolução. O CUR referiu que esse plano partia da hipótese de a insolvência do Banco Popular se basear numa deterioração de sua situação de capital e que, dado que a insolvência do Banco Popular resultava de uma deterioração da sua posição de liquidez, o instrumento de recapitalização interna previsto no plano de resolução de 2016 não permitiria restabelecer essa situação e, por conseguinte, restaurar a sua solidez financeira e a sua viabilidade a longo prazo.

287    Tendo a avaliação 2 sido efetuada à luz do instrumento de alienação da atividade, não era, por conseguinte, necessário ter em conta o plano de resolução de 2016 que se baseava na hipótese de aplicação de um outro instrumento de resolução.

288    Destas considerações resulta que o CUR não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar que a avaliação 2 estava em conformidade com o artigo 20.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014 e com as normas técnicas de regulamentação.

289    Em segundo lugar, os recorrentes consideram que, de qualquer modo, mesmo que a avaliação 2 pudesse limitar a sua apreciação a um único instrumento de resolução, não seria «justa, prudente e realista» na aceção do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014. A avaliação 2 contém numerosas reservas no que respeita ao tempo e informações disponíveis.

290    A este respeito, importa referir que, na carta que acompanha a comunicação da avaliação 2 ao CUR, a Deloitte indicou que, atendendo à difícil posição de liquidez do Banco Popular, tinha sido convidada a realizar a sua avaliação num prazo extremamente curto. O trabalho principal foi limitado a doze dias a contar do dia em que teve acesso à documentação, quando tal projeto deveria normalmente demorar seis semanas. A Deloitte referiu que havia um certo número de lacunas e de incoerências entre as informações disponíveis. Referiu que a avaliação devia ser considerada altamente incerta e provisória nos termos do artigo 36.o da Diretiva 2014/59 e que tinha sido incluída na avaliação uma margem para perdas suplementares em conformidade com o artigo 36, n.o 9, da Diretiva 2014/59, que corresponde ao artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

291    Os recorrentes alegam que dos elementos de prova não resulta que exista urgência suficiente para justificar que se proceda a uma avaliação provisória nos termos do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

292    A este respeito, basta observar que a urgência é justificada, no programa de resolução, nomeadamente pela deterioração rápida da posição de liquidez do Banco Popular. Os recorrentes não invocam nenhum argumento para contestar essas apreciações do CUR.

293    Contrariamente ao que alegam os recorrentes, o facto de o CUR ter contactado a Deloitte, em 23 de maio de 2017, para efetuar a avaliação 2 não significa que esta dispusesse de tempo suficiente para realizar uma avaliação definitiva do Banco Popular. Há que observar que, tendo o Banco Popular sido declarado em situação ou risco de insolvência pelo BCE em 6 de junho de 2017, a Deloitte dispôs apenas de doze dias para efetuar a avaliação 2. Ora, por um lado, importa ter em conta a dimensão e a importância do Banco Popular. Como refere o CUR, o Banco Popular apresentava um balanço total de 130 000 milhões de euros e detinha uma grande quantidade de ativos difíceis de avaliar, tais como ativos não produtivos ou ativos fiscais ou incorpóreos. Por outro lado, determinadas informações não estavam disponíveis nos prazos fixados.

294    O artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014 prevê expressamente a hipótese de, tendo em conta a urgência da situação, não ser possível respeitar os requisitos previstos nos n.os 7 e 9 desse artigo, a saber, nomeadamente quando não seja possível completar a avaliação através de certas informações constantes dos livros e registos contabilísticos. Além disso, essa disposição reconhece a existência de incertezas inerentes a qualquer avaliação provisória ao prever, no seu segundo parágrafo, que esta integra uma margem para perdas suplementares.

295    Além disso, resulta do artigo 20.o, n.o 13, do Regulamento n.o 806/2014 que, tendo em conta a urgência da situação, o CUR se podia basear na avaliação 2, efetuada ao abrigo do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014, para adotar o programa de resolução.

296    Assim, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/14, a Deloitte limitou‑se a indicar que, atendendo ao pouco tempo disponível para efetuar a avaliação, tinha de se basear em informações incompletas e precisou que a avaliação que efetuara devia ser considerada uma avaliação provisória nos termos do artigo 36.o, n.o 9, da Diretiva 2014/59.

297    Por conseguinte, o facto de a Deloitte ter verificado que, tendo em conta o prazo disponível, determinadas informações eram insuficientes não basta para pôr em causa a possibilidade de a avaliação 2 servir de base à adoção do programa de resolução.

298    Por outro lado, as incertezas inerentes à avaliação 2 são sublinhadas nas normas técnicas de regulamentação, das quais resulta que, quando procede à estimativa e à atualização dos fluxos de tesouraria que a entidade pode esperar dos ativos e passivos existentes, o avaliador deve basear‑se em hipóteses justas, prudentes e realistas e ter em conta diferentes fatores e circunstâncias.

299    Em especial, no que respeita às estimativas relativas ao valor de alienação, o artigo 12.o, n.o 5, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 12.o, n.o 5, do Regulamento Delegado 2018/345, prevê:

«O valor é determinado pelo avaliador com base nos fluxos de caixa, líquidos dos custos de cessão e líquidos do valor esperado das eventuais garantias prestadas, que a entidade irá previsivelmente receber nas condições de mercado prevalecentes através de uma alienação ou transferência ordenada de ativos ou passivos. Se for caso disso, atendendo às medidas a tomar no âmbito do regime de resolução, o avaliador pode determinar o valor de cessão aplicando, ao preço de mercado da referida alienação ou transferência, uma redução correspondente a um desconto pela eventual alienação acelerada. Para determinar o valor de cessão de ativos que não dispõem de um mercado líquido, o avaliador considera os preços observáveis nos mercados em que sejam negociados ativos semelhantes ou recorre a modelos de cálculo utilizando parâmetros de mercado observáveis, tendo devidamente em conta os descontos para a falta de liquidez.»

300    O artigo 12.o, n.o 6, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 12.o, n.o 6, do Regulamento Delegado 2018/345, indica diferentes fatores, que o avaliador tem em conta, que podem influir nos valores da cessão e nos prazos de cessão.

301    Daqui resulta que a avaliação 2 assentava em hipóteses e dependia de múltiplos fatores. Assim, em conformidade com as normas técnicas de regulamentação, para determinar o valor da alienação do Banco Popular à data da resolução, a Deloitte, na avaliação 2, baseou‑se em estimativas e em avaliações prospetivas e apresentou o seu resultado sob a forma de um intervalo de valores.

302    Por conseguinte, há que considerar que, tendo em conta as limitações de tempo e as informações disponíveis, determinadas incertezas e aproximações são inerentes a qualquer avaliação provisória efetuada em aplicação do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014 e que as reservas formuladas pela Deloitte não podem significar que a avaliação 2 não era «justa, prudente e realista» na aceção do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

303    Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que a amplitude do intervalo entre o pior e o melhor dos cenários contidos na avaliação 2 deveria ter alertado o CUR para o facto de essa avaliação ser pouco fiável. Em 31 de março de 2017, o ativo líquido do Banco Popular era de 10 780 milhões de euros, o que seria dificilmente conciliável com esse intervalo.

304    A este respeito, recorde‑se que, na avaliação 2, a Deloitte referiu que o resultado da sua avaliação se situava num intervalo compreendido entre 1 300 milhões e menos 8 200 milhões de euros, com a melhor estimativa situada dentro desse intervalo em menos 2 000 milhões de euros.

305    Primeiro, importa referir que os recorrentes se limitam a contestar a fiabilidade desse intervalo sem invocar argumentos específicos destinados a contestar as respetivas modalidades de cálculo ou demonstrar quais os erros cometidos na avaliação de cada categoria de ativos.

306    A comparação efetuada pelos recorrentes com a situação do ativo líquido do Banco Popular em 31 de março de 2017 não é pertinente, na medida em que esta corresponde ao valor contabilístico do Banco Popular numa data anterior à resolução. Assim, por um lado, esse valor não tem em conta o facto de a situação do Banco Popular se ter deteriorado gravemente depois dessa data. Por outro lado, reflete o valor contabilístico do Banco Popular e não o seu valor de alienação, o qual corresponde ao valor económico do Banco Popular para um potencial adquirente, que devia ser estimado na avaliação 2.

307    Segundo, importa observar que a amplitude do intervalo é justificada pelo método utilizado na avaliação 2.

308    A este respeito, quanto à metodologia utilizada na avaliação 2, a Deloitte indicou que tinha adotado uma abordagem por categoria, ajustando os valores contabilísticos de cada classe de ativos e passivos para estimar as perdas e ganhos e outros ajustamentos que qualquer adquirente aplicaria ao valor. Apresentou um intervalo de avaliação para cada classe de ativos e passivos.

309    Este método está em conformidade com o artigo 2.o, n.o 3, das normas técnicas de regulamentação, reproduzido no artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento Delegado 2018/345, segundo o qual:

«O avaliador fornece a melhor estimativa pontual do valor de um determinado ativo, passivo ou de uma combinação de ambos os elementos. Os resultados da avaliação são igualmente fornecidos sob a forma de intervalos de valores, caso necessário.»

310    Assim, a soma dos valores mais baixos para cada classe de ativos e de passivos forneceu a estimativa inferior do intervalo e a soma dos valores mais altos forneceu a estimativa superior do intervalo. Por conseguinte, é este método que explica a amplitude do intervalo adotado na avaliação 2.

311    Além do mais, como sublinha o CUR, tendo em conta a amplitude do balanço total do Banco Popular, com um valor superior a 130 000 milhões de euros, a diferença entre os dois valores do intervalo representava apenas cerca de 7 % do balanço. Esta diferença reflete, assim, o grau de incerteza inerente ao processo de avaliação.

312    De todas estas considerações resulta que o CUR não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar que a avaliação 2 era «justa, prudente e realista», na aceção do artigo 20.o, n.o 10, do Regulamento n.o 806/2014.

313    Por conseguinte, importa julgar improcedente a segunda alegação.

 Quanto à terceira alegação, relativa à falta de avaliação definitiva ex post

314    Os recorrentes acusam o CUR de não ter procedido a uma avaliação definitiva ex post «logo que possível», em violação do artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, apesar de não ter existido uma avaliação 1 independente, de as avaliações 1 e 2 serem provisórias, pouco fiáveis e de ser afirmado expressamente que devem ser seguidas de avaliações definitivas ex post. Os recorrentes referem terem sido informados de que não haveria lugar a uma avaliação definitiva ex post pela resposta do CUR a uma questão do Tribunal Geral no âmbito do presente processo.

315    Com efeito, em 30 de julho de 2018, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral no âmbito de uma medida de organização do processo, o CUR indicou que a avaliação 2 não seria seguida de uma avaliação definitiva ex post. Considerou que, devido às particularidades do caso presente, chegou à conclusão de que uma avaliação definitiva ex post não serviria nenhuma finalidade prática no âmbito do artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, nem levaria a uma decisão de compensação prevista no artigo 20.o, n.o 12, do mesmo regulamento.

316    Há que referir que a avaliação definitiva ex post prevista no artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014 é, por definição, posterior à adoção do programa de resolução e da decisão da Comissão.

317    Além disso, como acima se referiu no n.o 295, nos termos do artigo 20.o, n.o 13, do Regulamento n.o 806/2014, uma avaliação provisória como a avaliação 2 deve constituir uma base válida para adotar o programa de resolução.

318    Basta recordar que, segundo jurisprudência constante, a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o ato foi adotado (v. Acórdão de 3 de setembro de 2015, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 22 e jurisprudência referida). Daqui resulta que, na apreciação da legalidade desse ato, está excluída a consideração de elementos posteriores à data em que o ato da União foi adotado (v. Acórdão de 17 de dezembro de 2014, Si.mobil/Comissão, T‑201/11, EU:T:2014:1096, n.o 64 e jurisprudência referida).

319    Daí resulta que o facto de proceder ou não a uma avaliação definitiva ex post, manifestamente posterior à adoção do programa de resolução, não pode afetar a validade das decisões recorridas. Por conseguinte, a terceira alegação deve ser julgada inoperante.

320    Resulta destas considerações que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b) do Regulamento n.o 806/2014

321    Os recorrentes alegam que o CUR e a Comissão violaram o artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014 ao considerarem preenchidas as condições impostas por essas disposições.

322    O artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR só pode adotar um programa de resolução se estiverem preenchidas as seguintes condições:

«a)      A entidade encontra‑se em situação ou em risco de insolvência;

b)      Tendo em conta os prazos e outras circunstâncias relevantes, não existe nenhuma perspetiva razoável de que uma ação alternativa do setor privado, incluindo medidas tomadas por um SPI, ou uma ação de supervisão, incluindo medidas de intervenção precoce ou de redução ou conversão de instrumentos de capital relevantes, nos termos do artigo 21.o, adotadas em relação à entidade, impediriam a sua insolvência num prazo razoável;

c)      É necessária uma medida de resolução para defesa do interesse público de acordo com o n.o 5.»

323    O presente fundamento divide‑se em duas partes que correspondem às duas condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014.

 Quanto à primeira parte, relativa à violação do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014

324    Os recorrentes alegam que os elementos que figuram no programa de resolução são insuficientes para demonstrar que se encontra preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014. Alegam que, à data da resolução, o Banco Popular enfrentava um problema de liquidez temporária, causado por levantamentos de depósitos, e não um problema de solvabilidade. Resulta do programa de resolução que a conclusão do BCE de que essa condição estava preenchida se baseava no facto de a situação em termos de liquidez do Banco Popular se ter degradado rapidamente. Segundo o perito referido pelos recorrentes, uma crise de liquidez temporária não seria suficiente para demonstrar que o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência.

325    Importa lembrar, antes de mais, que, em 6 de junho de 2017, o BCE procedeu a uma avaliação da situação ou do risco de insolvência do Banco Popular, após consulta do CUR, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014. Nessa avaliação, o BCE, tendo em conta, em especial, as saídas excessivas de depósitos, a rapidez a que a tesouraria tinha sido perdida pelo banco e a incapacidade de este gerar outras fontes de liquidez, considerou que existiam elementos objetivos que indicavam que o Banco Popular provavelmente não estaria em condições, num futuro próximo, de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento. O BCE concluiu que se considerava estar o Banco Popular em situação ou, de qualquer forma, em risco de insolvência num futuro próximo, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, alínea a), e n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

326    A este respeito, o excerto da carta da presidente do Conselho de Supervisão do BCE, de 25 de julho de 2017, dirigida a um membro do Parlamento, referido pelos recorrentes na petição inicial, limita‑se a confirmar que o BCE declarou a situação ou risco de insolvência do Banco Popular devido à sua situação de liquidez e não à sua insolvabilidade no balanço. Nessa carta explica‑se:

«A decisão do BCE de que o banco se encontrava numa situação ou risco de insolvência foi tomada com base na insuficiência de liquidez. Nessa data, os elementos objetivos não eram suficientes para que o BCE determinasse que o banco estava em situação ou risco de insolvência com base na sua situação de capital. É certo que o BCE vigiou de perto não apenas a posição de liquidez, mas também a posição de capital do banco. Os seus problemas estruturais (alto nível de ativos não eficientes, a sua fraca cobertura e a sua fraca rentabilidade) refletem‑se nas correspondentes exigências de fundos próprios estabelecidas pelo BCE.»

327    Em segundo lugar, por carta de 6 de junho de 2017, o conselho de administração do Banco Popular informou o BCE de que tinha chegado à conclusão de que o banco se encontrava em risco de insolvência.

328    Na sua carta ao BCE de 6 de junho de 2017, o Banco Popular refere‑se à notificação feita ao BCE nos termos do artigo 414.o do Regulamento n.o 575/2013 relativo à violação dos requisitos mínimos em matéria de cobertura das necessidades de liquidez e remete para a avaliação efetuada pelo seu conselho de administração, que figura em anexo e segundo a qual o Banco Popular se encontra em situação de insolvência, e às informações e análises em que este último se baseou para chegar a essa conclusão.

329    Nessa carta, indica‑se:

«Nos termos do artigo 21.o, n.o 4 da Lei espanhola 11/2015 e dos artigos 45.o e 46.o do Regulamento Delegado (UE) 2016/1075 [da Comissão, de 23 de março de 2016, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita às normas técnicas de regulamentação que especificam o conteúdo dos planos de recuperação, dos planos de resolução e dos planos de resolução de grupos, os critérios mínimos que as autoridades competentes devem avaliar no que respeita aos planos de recuperação e aos planos de recuperação de grupos, as condições para a prestação de apoio financeiro intragrupo, os requisitos para os avaliadores independentes, o reconhecimento contratual dos poderes de redução e de conversão, os procedimentos e teor dos requisitos de notificação e de aviso de suspensão e o funcionamento operacional dos colégios de resolução (JO 2016, L 184, p. 1)], o Banco Popular notifica que o seu conselho de administração estimou que o banco se encontrava em risco de insolvência.»

330    Em terceiro lugar, no artigo 2.o do programa de resolução, o CUR recordou a conclusão da avaliação do BCE e concluiu, no artigo 2.2, que, seguindo a avaliação do BCE, estava preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014.

331    Assim, no presente caso, a situação ou risco de insolvência do Banco Popular foram declarados com base no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, segundo a qual, para efeitos do n.o 1, alínea a), do mesmo artigo, se considera a entidade em situação ou risco de insolvência se estiver na seguinte situação:

«A entidade é incapaz, ou existem elementos objetivos que permitem concluir que irá ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento.»

332    Em primeiro lugar, importa referir que nem o BCE nem o CUR se basearam na situação prevista no artigo 18.o, n.o 4, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, segundo a qual se considera que uma entidade se encontra em situação ou em risco de insolvência quando «[o]s ativos da entidade são, ou existem elementos objetivos que permitem concluir que irão ser, dentro de pouco tempo, inferiores aos seus passivos».

333    Assim, a insolvabilidade da entidade não é condição para a declaração da situação ou do risco de insolvência com base no artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014 e, por conseguinte, não é condição para a adoção de um programa de resolução.

334    A esse respeito, resulta, nomeadamente, do considerando 57 do Regulamento n.o 806/2014 que:

«A decisão de colocar uma entidade sob resolução deverá ser tomada antes que o balanço da entidade financeira reflita uma situação de insolvência e antes que os seus capitais próprios desapareçam completamente. A resolução deverá ter início após ter sido determinado que uma entidade se encontra em situação ou em risco de insolvência e que nenhumas medidas alternativas do setor privado podem impedir tal situação de insolvência num prazo razoável.»

335    Por conseguinte, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a insolvabilidade do Banco Popular não constitui uma condição para que este seja considerado numa situação ou risco de insolvência na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014. Com efeito, o facto de uma entidade ser solvente à luz do seu balanço não implica que disponha de tesouraria suficiente, a saber, fundos disponíveis para pagar as suas dívidas ou outras obrigações na data de vencimento.

336    Em segundo lugar, importa salientar que, no considerando 23 do programa de resolução, o CUR, referindo‑se à avaliação efetuada pelo BCE, concluiu que a situação de tesouraria do Banco Popular se tinha deteriorado de forma significativa desde outubro de 2016, devido a levantamentos de depósitos em todos os segmentos de clientela. Daí deduziu que o banco não dispunha de opções suficientes para restabelecer a sua posição de liquidez a fim de se certificar de que estaria em posição estável para cumprir as suas obrigações no vencimento.

337    No programa de resolução, o CUR enumerou os diversos acontecimentos que conduziram, desde fevereiro de 2017, a uma deterioração rápida da posição de liquidez do Banco Popular. O CUR faz referência, nomeadamente, à publicação, em fevereiro de 2017, do relatório anual de 2016 do Banco Popular que anunciava uma perda consolidada de 3 485 mil milhões de euros, uma necessidade de provisões excecionais no montante de 5 700 milhões de euros e a nomeação de um novo presidente, bem como à publicação, em maio de 2017, do relatório financeiro para o primeiro trimestre de 2017, anunciando resultados menos bons que os esperados pelo mercado. O CUR mencionou as descidas nas notações do Banco Popular por diferentes agências de notação em fevereiro, abril e junho de 2017. Referiu igualmente que a cobertura mediática negativa contínua sobre os resultados financeiros e sobre o risco alegadamente iminente de insolvência ou de iliquidez do Banco Popular tinha provocado um aumento dos levantamentos de depósitos.

338    Além do mais, o CUR indicou, no programa de resolução, que, em 12 de maio de 2017, a cobertura das necessidades de liquidez do Banco Popular tinha passado abaixo do limite mínimo de 80 % fixado pelo artigo 460.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 575/2013 e que o Banco Popular não tinha conseguido restabelecer a sua conformidade com esse limite à data do programa de resolução.

339    O artigo 412.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 define o requisito de cobertura de liquidez do seguinte modo:

«As instituições dispõem de ativos líquidos cujo valor total cubra as saídas de liquidez deduzidas das entradas de liquidez em condições de esforço, de modo a assegurar que as instituições mantêm reservas prudenciais de liquidez adequadas para fazer face a eventuais desequilíbrios entre as entradas e as saídas de liquidez em condições de esforço agravadas durante um período de trinta dias. Em períodos de esforço, as instituições podem utilizar os seus ativos líquidos para cobrir as saídas de liquidez líquidas.»

340    Destes elementos resulta que, contrariamente ao que afirmam os recorrentes, o problema de liquidez do Banco Popular não podia ser considerado meramente temporário à data da avaliação feita pelo BCE. O que, aliás, é confirmado pelo facto de, na mesma data, o próprio banco ter informado o BCE que se encontrava em situação de insolvência devido a problemas de liquidez.

341    Além disso, como salienta o CUR, estes diferentes elementos figuram nas orientações da ABE, de 6 de agosto de 2015, relativas à interpretação das diferentes situações em que uma instituição deve ser considerada em situação ou risco de insolvência por força do artigo 32.o, n.o 6, da Diretiva 2014/59 (EBA/GL/2015/07) (a seguir «orientações da ABE»).

342    Essas orientações, aplicáveis desde 1 de janeiro de 2016, têm por objeto fornecer um conjunto de elementos objetivos que permitam determinar se uma entidade está em situação ou risco de insolvência, nas circunstâncias previstas no artigo 32.o, n.o 4, alíneas a) a c), da Diretiva 2014/59. A redação do artigo 32.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2014/59 é idêntica à do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014.

343    O artigo 5.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR, o Conselho e a Comissão devem envidar todos os esforços para dar cumprimento às orientações e recomendações da ABE relativas às funções que podem ser desempenhadas por esses órgãos.

344    Segundo as orientações da ABE, uma instituição deve ser considerada em situação ou em risco de insolvência, na aceção do artigo 32.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2014/59, se deixar de cumprir os requisitos regulamentares de liquidez ou for incapaz ou existam elementos objetivos que permitam concluir que irá ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas e obrigações na data do vencimento.

345    Entre os elementos a ter em conta, as orientações da ABE referem, nomeadamente, primeiro: acontecimentos adversos significativos que afetem a evolução da posição de liquidez da instituição e a sustentabilidade do seu perfil de financiamento, bem como o cumprimento dos requisitos mínimos de liquidez estipulados no Regulamento n.o 575/2013 e os requisitos adicionais impostos ao abrigo do artigo 105.o do mesmo regulamento ou de quaisquer requisitos mínimos de liquidez nacionais; segundo, uma evolução negativa das obrigações atuais e futuras da instituição, cuja avaliação deve ter em conta, sendo caso disso, fluxos de saída de liquidez previstos e excecionais, incluindo os potenciais sinais emergentes de «corridas ao banco»; terceiro, acontecimentos que possam afetar gravemente a reputação da instituição, em particular reduções significativas da notação de risco por uma ou mais agências de notação, caso conduzam a saídas substanciais de fundos ou à incapacidade para renovar financiamentos ou ainda à ativação de fatores de desencadeamento de cláusulas contratuais com base em notações externas.

346    Os diferentes elementos tomados em consideração pelo BCE e pelo CUR, em conformidade com as orientações da ABE, aliás, não impugnados pelos recorrentes, permitiram concluir que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência, na aceção do artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, à data da adoção do programa de resolução.

347    Em terceiro lugar, os recorrentes não podem alegar que a recusa do CUR e da Comissão de lhes dar acesso aos documentos em que se basearam não lhes permitia invocar utilmente argumentos destinados a contestar que se encontrava preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014.

348    Com efeito, observe‑se que a remissão para a avaliação do BCE no programa de resolução, nomeadamente a referência ao artigo 18.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 806/2014, consta da versão do programa de resolução anexa à petição inicial. Além do mais, estava disponível uma versão não confidencial da avaliação do BCE no sítio Internet deste último em 14 de agosto de 2017, ou seja, antes da apresentação da réplica.

349    Assim, como refere o CUR, os elementos objetivos em que se basearam as avaliações que demonstram que o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência devido à sua situação de liquidez constavam do programa de resolução e da avaliação do BCE, que estavam à disposição dos recorrentes, pelo menos antes da apresentação da réplica.

350    Além disso, como alega o CUR e como referiu o Banco Santander na audiência, um dos recorrentes, enquanto membro do conselho de administração do Banco Popular, tinha acesso direto às informações relativas ao desenvolvimento da situação financeira do Banco Popular.

351    Daí resulta que o CUR e a Comissão não cometeram nenhum erro manifesto de apreciação ao considerarem que se encontrava preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014.

352    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte.

 Quanto à segunda parte, relativa à violação do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014

353    Os recorrentes alegam que os elementos constantes do programa de resolução são insuficientes para demonstrar que se encontrava preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014. Na sua opinião, existiam medidas de natureza privada ou prudencial, diferentes da resolução, que o CUR e a Comissão deveriam ter analisado.

354    No artigo 3.o do programa de resolução, o CUR, tendo em conta a avaliação do BCE, concluiu que não existia nenhuma medida alternativa suscetível de impedir a insolvência do Banco Popular num prazo razoável e que se encontrava preenchida a condição prevista pelo artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014.

355    Mais concretamente, no artigo 3.2 do programa de resolução, o CUR indicou que não havia qualquer perspetiva razoável de que outras medidas de natureza privada pudessem impedir a insolvência do Banco Popular. A inexistência dessas medidas podia ser inferida, nomeadamente, dos seguintes factos:

–        o próprio banco reconheceu, numa carta dirigida ao BCE em 6 de junho de 2017, estar em situação de risco de insolvência;

–        o processo de venda privada não tinha conduzido a um resultado positivo num prazo que tivesse permitido ao banco pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento;

–        era pouco provável que o banco estivesse em condições de mobilizar dentro dos prazos necessários suficiente liquidez suplementar através de transações no mercado, de operações do banco central ou através de medidas previstas no seu fundo de reserva e nos seus planos de recuperação;

–        uma injeção de liquidez de emergência teria sido insuficiente à luz da rapidez da deterioração da posição de liquidez.

356    No artigo 3.3 do programa de resolução, o CUR considerou que não havia qualquer perspetiva razoável de que medidas prudenciais, incluindo medidas de intervenção precoce, pudessem impedir a insolvência do Banco Popular. O CUR referiu que, na sua avaliação da situação ou risco de insolvência do Banco Popular, o BCE tinha confirmado que não existiam medidas de supervisão ou de intervenção precoce disponíveis que pudessem restabelecer de forma imediata a posição de liquidez do banco e assegurar‑lhe tempo suficiente para executar uma transação de empresa ou outra solução As medidas à disposição do BCE enquanto autoridade competente, por força da transposição nacional do artigo 104.o da Diretiva 2013/36, dos artigos 27.o a 29.o da Diretiva 2014/59 ou do artigo 16.o do Regulamento n.o 1024/2013, não podiam garantir que o banco estaria em condições de pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento, dada a amplitude e o ritmo da deterioração de liquidez observada.

357    No artigo 3.4 do programa de resolução, o CUR considerou também que não havia nenhuma perspetiva razoável de que o exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital, em conformidade com o artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014, impedisse a insolvência do Banco Popular num prazo razoável. Em particular, o CUR considerou que, dado que o Banco Popular estava numa situação ou risco de insolvência devido à sua posição de liquidez, a redução e a conversão do capital não seriam suficientes para restabelecer a situação de liquidez do banco.

358    Na petição inicial, os recorrentes alegam que os elementos constantes da versão do programa de resolução publicada pelo CUR, nomeadamente os artigos 3.1 a 3.4, são em grande parte expurgados e, por conseguinte, são insuficientes para demonstrar que se encontra preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014.

359    A este respeito, basta referir que estes pontos constam integralmente das versões menos expurgadas publicadas pelo CUR no seu sítio Internet, sucessivamente em 2 de fevereiro e em 31 de outubro de 2018, ou seja, antes da apresentação da réplica.

360    Na réplica, os recorrentes alegam que a recusa do CUR e da Comissão de lhes dar acesso aos documentos em que se basearam não lhes permite responder aos argumentos invocados nas contestações. Contudo, os recorrentes não especificam quais os argumentos aos quais não estariam em condições de responder.

361    Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a inexistência de qualquer outra medida de natureza privada teria sido simplesmente «inferida» de determinados fatores pelo CUR, o que seria insuficiente para responder às exigências previstas no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014. O primeiro fator seria a carta dirigida pelo Banco Popular ao BCE em 6 de junho de 2017, na qual considerava que a sua insolvência era previsível. Esta carta não poderia ser invocada em apoio da condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014. O segundo fator seria a afirmação de que o processo de venda privada não teria resultado num prazo que tivesse permitido ao Banco Popular pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento. Ora, entendem que esse processo não teria resultado devido ao CUR, designadamente às declarações da sua presidente, que entendem terem contribuído para os problemas de liquidez do Banco Popular.

362    Quanto à carta de 6 de junho de 2017 do Banco Popular ao BCE, acima referida nos n.os 328 e 329, na sua descrição do conteúdo desta carta que figura na sua resposta aos articulados de intervenção, os recorrentes reconhecem que o conselho de administração do Banco Popular chegou à conclusão de que o banco se defrontava com graves problemas de liquidez e que estava em situação de risco de insolvência.

363    Há que considerar que, ao informar o BCE de que o Banco Popular estava em situação de risco de insolvência, o conselho de administração admitiu necessariamente que não existia mais nenhuma solução que permitisse evitar essa situação. Contrariamente ao que alegam os recorrentes, o conteúdo dessa carta é, assim, pertinente para verificar se se encontrava preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014.

364    Quanto à constatação no programa de resolução de que o processo de venda privada não tinha conduzido a um resultado positivo num prazo que tivesse permitido ao banco pagar as suas dívidas ou outras obrigações no vencimento, trata‑se igualmente de um elemento factual pertinente que permitiu ao CUR concluir que essa venda não constituía uma medida de natureza privada suscetível de impedir a insolvência do Banco Popular na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014.

365    Quanto ao argumento dos recorrentes de que essa venda privada não tinha resultado devido ao CUR, nomeadamente às declarações da sua presidente, basta observar que se baseia numa simples alegação não fundamentada e que é, de qualquer modo, inoperante. Com efeito, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014, o CUR devia verificar a inexistência de soluções de natureza privada alternativas à resolução e referiu, objetivamente, que o processo de venda privada instaurado pelo Banco Popular não tinha resultado. A este respeito, não eram pertinentes os motivos pelos quais essa solução de natureza privada não era possível.

366    Por outro lado, contrariamente ao que alegam os recorrentes, resulta dos artigos 3.1 a 3.4 do programa de resolução que o CUR não se baseou apenas nesses dois elementos para concluir que não havia possibilidade de recorrer a qualquer outra medida de natureza privada. O CUR constatou igualmente que era pouco provável que o banco estivesse em condições de mobilizar dentro dos prazos necessários suficiente liquidez suplementar através de transações no mercado, de operações do banco central ou através de medidas previstas no seu fundo de reserva e nos seus planos de recuperação e que uma injeção de liquidez de emergência teria sido insuficiente em face da rapidez da deterioração da posição de liquidez.

367    Em segundo lugar, os recorrentes alegam que o CUR não apresentou nenhum elemento de prova em apoio da afirmação constante do programa de resolução de que não havia nenhuma perspetiva razoável de que as medidas prudenciais, incluindo medidas de intervenção precoce, pudessem impedir a insolvência do Banco Popular. O CUR não teria tido em conta a possibilidade de uma injeção de liquidez de emergência, que teria proporcionado tempo suficiente para concluir o processo de venda privada ou para se assegurar que não existiam outras medidas de natureza privada, como a venda de ativos ou um aumento de capital. Segundo o relatório de peritagem no anexo da petição inicial, o Banco Popular dispunha de garantias suficientes para justificar a disponibilização de uma injeção de liquidez de emergência e a resolução poderia ter sido evitada.

368    Os recorrentes alegam que de duas cartas do Banco de Espanha ao BCE, de 5 de junho de 2017, resulta que tinha sido dada uma garantia pelo Banco Popular para justificar a concessão do montante integral da injeção de liquidez de emergência solicitada. O Banco de Espanha indicou que essa injeção de liquidez de emergência teria sido suficiente para responder às necessidades de liquidez do Banco Popular a curto prazo. O BCE aprovou a concessão da injeção de liquidez de emergência solicitada e o seu montante teria permitido ao Banco Popular concluir o seu processo de venda ou o seu programa de aumento de capital. Os recorrentes referem que ignoram por que motivo não foi concedida a injeção de liquidez de emergência, que tinha sido aprovada pelo Banco de Espanha e pelo BCE. Salientam que só depois de o BCE declarar o Banco Popular em situação ou risco de insolvência é que o Banco de Espanha cancelou a sua aprovação dessa injeção de liquidez de emergência.

369    Refira‑se que, em 6 de junho de 2017, na sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, o BCE referiu que, apesar de o Banco Popular ter desenvolvido diversas medidas geradoras de liquidez suplementar durante as semanas anteriores e ter começado a aplicá‑las, a amplitude dos fluxos de entrada realizados e ainda esperados era insuficiente para solucionar a deterioração da posição de liquidez do Banco Popular à data da avaliação. O BCE indicou que, mesmo com o recurso à injeção de liquidez de emergência relativamente à qual o Conselho do BCE não tinha levantado objeções em 5 de junho de 2017, a situação de tesouraria nessa data não era suficiente para garantir a capacidade do Banco Popular para fazer face aos seus compromissos até 7 de junho de 2017.

370    No considerando 26, alínea c), do programa de resolução, o CUR observou que o Banco Popular tinha recebido uma primeira injeção de liquidez de emergência em 5 de junho de 2017, na sequência da inexistência de objeções do BCE, mas que o Banco de Espanha não tinha podido conceder‑lhe uma injeção adicional de liquidez de emergência.

371    A esse respeito, há que observar que, num ofício de 5 de junho de 2017, o Banco de Espanha pediu ao BCE o seu acordo para conceder uma injeção de liquidez de emergência ao Banco Popular para fazer face à grave crise de liquidez que enfrentava. Ora, logo no mesmo dia, o Banco de Espanha enviou um novo ofício ao BCE, que continha um pedido de extensão da injeção de liquidez de emergência ao Banco Popular, tendo‑o este informado de enormes movimentos de liquidez. Estes dois ofícios, transmitidos no mesmo dia ao BCE, revelam a rapidez com que a situação de liquidez do Banco Popular se tinha deteriorado.

372    O CUR declarou igualmente, no artigo 3.2, alínea d), do programa de resolução, que uma injeção de liquidez de emergência teria sido insuficiente à luz da rapidez da deterioração da posição de liquidez do Banco Popular.

373    Há que referir que, no dia seguinte a essa primeira injeção de liquidez de emergência, em 6 de junho de 2017, devido à amplitude e à rapidez dos levantamentos de liquidez, o BCE e o conselho de administração do Banco Popular concluíram que o banco já não seria capaz de pagar as suas dívidas e outras obrigações no vencimento em 7 de junho de 2017. Assim, tendo sido declarada a insolvência do Banco Popular, já não era de considerar uma injeção adicional de liquidez de emergência.

374    Além disso, recorde‑se que o CUR não desempenha nenhum papel na disponibilização de uma injeção de liquidez de emergência, que é da competência dos bancos centrais nacionais.

375    Por conseguinte, no programa de resolução, o CUR apenas pôde constatar, por um lado, que o BCE, na sua avaliação sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular, tinha considerado que a injeção de liquidez de emergência que tinha aprovado não permitia solucionar a crise de liquidez do Banco Popular e, por outro, que o Banco de Espanha não tinha concedido uma injeção adicional de liquidez de emergência ao Banco Popular.

376    O CUR não podia, assim, ter em conta uma solução que não era da sua competência e que já não era possível a partir do momento em que o BCE e o próprio Banco Popular tinham considerado que o banco estava em situação ou risco de insolvência.

377    Daí resulta que os recorrentes não podem acusar o CUR de não ter tido em conta a possibilidade de uma injeção de liquidez de emergência que tivesse proporcionado tempo suficiente para adotar uma medida de natureza privada, para concluir o processo de venda privada ou para se assegurar de que não existiam outras medidas de natureza privada.

378    Quanto ao argumento dos recorrentes de que ignoravam o motivo pelo qual o Banco de Espanha não tinha disponibilizado uma injeção de liquidez de emergência suplementar, basta referir que é inoperante. Com efeito, dado que o CUR apenas podia registar a recusa do Banco de Espanha de conceder uma injeção de liquidez de emergência suplementar ao Banco Popular, os motivos dessa recusa não são pertinentes para a apreciação da legalidade das decisões recorridas.

379    Daí resulta que também não é pertinente o relatório de peritagem, de 3 de agosto de 2017, anexo à petição inicial, que continha uma análise do programa de resolução, e que demonstra, segundo os recorrentes, que o Banco Popular dispunha de garantias suficientes para beneficiar de uma injeção de liquidez de emergência.

380    Por conseguinte, contrariamente ao que alegam os recorrentes, uma injeção de liquidez de emergência não constituía uma medida alternativa à resolução.

381    Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que existiam soluções de natureza privada suscetíveis de solucionar os problemas de liquidez do Banco Popular e de serem aplicadas num prazo razoável. Enumeram um determinado número de medidas e afirmam que poderiam ter sido aplicadas se o Banco de Espanha tivesse sido autorizado a disponibilizar a totalidade da injeção de liquidez de emergência pedida.

382    Como sublinha o Banco Santander, essas soluções baseavam‑se na premissa errada de que o Banco Popular poderia ter beneficiado de uma injeção de liquidez de emergência suplementar em 6 de junho de 2017.

383    Há que considerar que, na medida em que se constatou que o CUR apenas podia registar, no programa de resolução, o facto de o Banco de Espanha não ter tido condições para disponibilizar uma injeção de liquidez de emergência suplementar ao Banco Popular, os recorrentes não demonstraram a viabilidade das soluções de natureza privada que invocam.

384    De qualquer modo, os recorrentes não demonstraram que as soluções invocadas podiam ser aplicadas num prazo suficientemente curto para permitir ao Banco Popular solucionar o seu problema de liquidez e não ser declarado em situação ou risco de insolvência em 6 de junho de 2017.

385    Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que os acionistas do Banco Popular aprovaram, na assembleia geral de 10 de abril de 2017, uma delegação a favor do conselho de administração a fim de autorizar um aumento de capital que ascendia a 50 % do capital social do banco. Baseiam‑se igualmente em documentos que figuram em anexo à petição inicial, designadamente as declarações de dois deles, A. Del Valle Ruiz e Ruiz Sacristán, segundo as quais haveria importantes interessados disponíveis para injetar montantes consideráveis de capital para ajudar o Banco Popular a ultrapassar os seus problemas de liquidez a curto prazo. Essa injeção de capital teria restabelecido a confiança no banco e teria dado mais tempo para executar o processo de venda privada.

386    Indicam igualmente que, em maio de 2017, o Deutsche Bank tinha considerado que o Banco Popular tinha necessidade de uma injeção de capital de 4 000 milhões de euros e que A. Del Valle Ruiz e outros investidores estavam disponíveis para participar até 50 % desse montante, que, em 3 de junho de 2017, o Barclays Bank teria proposto ao Banco Popular participar nesse aumento de capital e que, em 5 de junho de 2017, o Deutsche Bank informou o Banco Popular que estava interessado em participar nesse aumento de capital até 2 000 milhões de euros. Além do mais, em fins de maio de 2017, a Pacific Investment Management Company LLC (PIMCO) ter‑se‑ia comprometido a disponibilizar até 300 milhões de euros em caso aumento de capital.

387    Basta observar que resulta das declarações de A. Del Valle Ruiz e Ruiz Sacristán, que figuram em anexo à petição inicial, que o projeto de aumento de capital pelos acionistas do Banco Popular estava apenas numa fase preparatória à data da resolução. Assim, os recorrentes mencionam, na petição inicial, um excerto da declaração de A. Del Valle Ruiz no qual refere que ele e outro investidor falaram, em 2 de junho de 2017, com vista à organização de uma reunião com um banco de investimentos sobre a melhor forma de estruturar o aumento de capital e que essa reunião tinha sido agendada para 5 de junho de 2017.

388    Quanto às cartas do Barclays Bank e do Deutsche Bank, as mesmas não contêm nenhum compromisso firme desses bancos de procederem a um aumento de capital do Banco Popular, refletindo simples discussões sobre um potencial aumento de capital futuro. Essas cartas revelam que, à data do seu envio, o projeto de aumento de capital do Banco Popular ainda estava numa fase de elaboração muito precoce.

389    Assim, na sua carta de 3 de junho de 2017 ao Banco Popular, da qual se encontra um excerto anexo à réplica, o Barclays Bank faz unicamente referência a discussões recentes relativas a um aumento de capital, cujo objetivo seria o Banco Popular cobrir as suas necessidades de aprovisionamento adicionais e atingir níveis de capital significativamente superiores, a fim de atenuar os desafios decorrentes de uma exposição particular em matéria de imobiliário e de outros ativos não produtivos com que se defrontava. Assim, no excerto dessa carta, por um lado, nada indica que o Barclays Bank estivesse disposto a participar financeiramente nesse aumento de capital e, por outro, não menciona a crise de liquidez com que o Banco Popular se confrontava e não propõe nenhuma solução para isso

390    Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de outubro de 2019, os recorrentes apresentaram uma versão integral dessa carta como um novo oferecimento de prova, nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

391    Segundo o artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

392    Na sua carta de 7 de outubro de 2019, os recorrentes justificam a apresentação tardia desse documento pelo facto de o mesmo ter sido divulgado nos meios de comunicação social e ser atualmente do domínio público, mas que ainda não o era à data da apresentação das suas observações sobre os articulados de intervenção em 30 de setembro de 2019.

393    Ora, há que referir que os recorrentes não especificam em que data este documento teria sido divulgado nos meios de comunicação social. A este respeito, o CUR, nas suas observações sobre este novo oferecimento de prova, indicou que tinha sido publicada uma versão não expurgada dessa carta no sítio Internet de Diario16, em 9 de abril de 2019.

394    Daí resulta que, contrariamente ao que alegam os recorrentes, uma versão não expurgada da carta do Barclays Bank era do domínio público antes da apresentação das suas observações sobre os articulados de intervenção, pelo que os recorrentes não justificaram a apresentação tardia desse documento e o mesmo deve ser julgado inadmissível, não sendo necessário apreciar a sua força probatória.

395    De qualquer modo, há que referir que o conteúdo dessa carta não apoia o argumento dos recorrentes de que um aumento de capital era uma alternativa viável e não demonstra que o Barclays Bank tinha intenção de participar financeiramente num futuro aumento de capital do Banco Popular. Com efeito, nessa carta, o Barclays Bank reafirmou o seu apoio ao Banco Popular e indicou estar em posição de o assistir nessa importante transação. O Barclays Bank manifestou interesse em subscrever como coordenador global ou bookrunner 50 % da transação nas condições de mercado. Formulou reservas jurídicas, confirmadas pela mensagem de correio eletrónico de capa, indicando que «qualquer compromisso ou proposta relacionada com uma subscrição desse tipo se traduziria em um ou mais acordos separados a celebrar entre o Banco Popular e [ele], desde que as condições do mercado sejam satisfatórias, um controlo prévio tenha dado bons resultados, as partes tenham chegado a acordo sobre as condições e preços nessa data […] e todas as autorizações internas exigidas tenham sido obtidas». Por último, o Barclays Bank sublinhou que essa carta não constituía uma proposta de subscrever a transação ou qualquer financiamento nem se destinava a criar quaisquer relações jurídicas entre ele e o Banco Popular.

396    Na sua carta de 5 de junho de 2017 ao Banco Popular, anexa à réplica, o Deutsche Bank apenas refere o seu interesse em assegurar 50 % de um eventual aumento de capital de 4 000 milhões de euros. A carta indica apenas que «existem evidentemente certas condições, mas a carta baseia‑se na nossa convicção de que, em circunstâncias que pensamos poderem ser realizadas de forma realista, poderá ser realizado um aumento [de capital] que estabilize o banco». Por conseguinte, esta carta não pode ser interpretada no sentido de que contém um compromisso firme do Deutsche Bank e não diz respeito a uma solução destinada a resolver a crise de liquidez do Banco Popular.

397    Quanto à afirmação dos recorrentes relativa à participação da PIMCO num aumento de capital, baseia‑se numa referência de um artigo do El Mundo de 11 de dezembro de 2017. Basta observar, à semelhança da Comissão, que, nesse artigo, também se indica que a PIMCO não confirmou as suas atividades relativas ao Banco Popular.

398    Em segundo lugar, os recorrentes alegam que o Banco Popular se tinha igualmente preparado para vender ativos não estratégicos.

399    Basta observar que esta simples afirmação na petição inicial não tem suporte em qualquer prova, pois os documentos anexos à réplica para os quais os recorrentes remetem não dizem respeito a projetos de venda de ativos. De qualquer modo, como indicam os recorrentes, tratava‑se de simples projetos. Assim, os recorrentes não demonstraram que essas vendas de ativos, que estavam apenas numa fase preparatória, poderiam ter sido concluídas várias semanas antes e ter ocorrido num prazo que permitisse ao Banco Popular obter a liquidez suficiente para fazer face aos seus compromissos em 7 de junho de 2017.

400    Em terceiro lugar, por um lado, os recorrentes alegam que o BBVA pretendia lançar uma oferta de aquisição do Banco Popular, mas que o CUR e o FROB não lhe deram tempo suficiente para apresentar uma oferta concorrencial, e que as decisões recorridas impediram uma venda concorrencial.

401    Este argumento não é pertinente, na medida em que o processo de venda do Banco Popular mencionado pelos recorrentes não diz respeito a uma solução alternativa à resolução, mas sim ao processo de venda organizado pelo FROB no âmbito do procedimento de resolução.

402    Por outro lado, os recorrentes alegam que, se tivesse sido disponibilizada a totalidade da injeção de liquidez de emergência pedida, teria sido apresentada uma oferta melhor para a aquisição do Banco Popular e que o Banco Santander estava disposto a pagar 200 milhões de euros, mas que retirou a sua oferta quando se apercebeu que era o único proponente.

403    Basta observar que este argumento se baseia na premissa errada de que teria sido concedida uma injeção de liquidez de emergência suplementar ao Banco Popular. Além disso, não tem qualquer suporte a alegação de que o Banco Santander estaria disposto a fazer uma oferta mais elevada e de que teria sido informado de que era o único proponente antes do fim do processo de venda organizado pelo FROB.

404    Do exposto resulta que os recorrentes não demonstraram que as medidas alternativas que invocam eram suscetíveis de ser aplicadas rapidamente e teriam permitido ao Banco Popular restabelecer a sua posição de liquidez num prazo suficientemente curto e, portanto, não demonstraram que o CUR tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que, em 6 de junho de 2017, não existiam medidas alternativas à resolução suscetíveis de impedir a situação ou risco de insolvência do Banco Popular.

405    Por outro lado, os recorrentes não podem acusar o CUR de não ter tido em consideração as medidas que invocaram. Com efeito, como referem a Comissão e o CUR, este último podia legitimamente limitar a sua apreciação às medidas que podiam efetivamente ser aplicadas tendo em conta as circunstâncias pertinentes e os prazos fixados.

406    Assim, o CUR não tinha de ter em conta medidas que não permitissem resolver o problema urgente resultante da rápida deterioração da situação de liquidez do Banco Popular que estava na origem da situação ou risco de insolvência do banco.

407    Do exposto resulta que o CUR e a Comissão não cometeram nenhum erro manifesto de apreciação ao considerarem que se encontrava preenchida a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 806/2014.

408    Assim, há que julgar improcedente a segunda parte e, por conseguinte, o quinto fundamento na íntegra.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014

409    Os recorrentes alegam que o CUR e a Comissão violaram o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 ao considerarem preenchidas as condições relativas ao exercício do poder de redução e de conversão dos instrumentos de capital pertinentes. Os recorrentes remetem para os seus argumentos invocados no âmbito do quinto fundamento.

410    Basta referir, à semelhança da Comissão, do CUR e do Reino de Espanha, que, no âmbito do presente fundamento, os recorrentes se limitam a remeter para os seus argumentos invocados no quinto fundamento e não invocam nenhum argumento novo especificamente destinado a demonstrar uma violação do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

411    Por conseguinte, tendo o quinto fundamento sido julgado improcedente, improcede igualmente o sexto fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos artigos 41.o e 47.o da Carta

412    Os recorrentes alegam que as decisões recorridas violam, em primeiro lugar, o direito de audiência e, em segundo lugar, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 41.o e 47.o da Carta.

 Quanto à primeira alegação, relativa ao direito de audiência

413    Os recorrentes alegam que as decisões recorridas não lhes foram notificadas e que não tiveram oportunidade de serem ouvidos antes da sua adoção. Ora, as decisões recorridas privá‑los‑iam do seu direito de propriedade e teriam tido a possibilidade de apresentar observações quanto à existência de medidas prudenciais ou de natureza privada alternativas à resolução. Acrescentam que, se tivessem tido a possibilidade de apresentar observações durante o procedimento, é provável que o CUR e a Comissão tivessem adotado um ponto de vista diferente quanto à questão de saber se as condições da resolução se encontravam preenchidas e quanto à avaliação do Banco Popular.

414    A título preliminar, resulta da análise da primeira parte do primeiro fundamento que o facto de o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 não prever a audição dos acionistas da entidade objeto de uma medida de resolução constitui uma limitação do direito de audiência, por um lado, que é justificada pelo objetivo de interesse geral, a saber, o objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros visado pelo artigo 14.o do Regulamento n.o 806/2014, no qual também se inclui o objetivo de assegurar a continuidade das funções críticas da entidade, bem como pela necessidade de adotar rapidamente uma decisão uma vez preenchidos os pressupostos da resolução e, por outro, que respeita o princípio da proporcionalidade, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

415    No entanto, resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 121 e 122 que o respeito do direito de audiência se deve aplicar a qualquer processo suscetível de conduzir a um ato lesivo, mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente essa formalidade.

416    Antes de mais, há que lembrar que o programa de resolução adotado pelo CUR no termo do procedimento previsto no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 tem por objeto a resolução Banco Popular. O programa de resolução tem como único destinatário o FROB, e o Banco Popular deve ser considerado a pessoa contra a qual é adotada uma medida individual e à qual é garantido o direito de audiência pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

417    Assim, há que ter em conta o facto de os recorrentes, na sua qualidade de acionistas ou de titulares de obrigações do Banco Popular, não serem destinatários do programa de resolução, que não é uma decisão individual tomada contra eles, nem da Decisão 2017/1246 que aprova esse programa de resolução.

418    Refira‑se, porém, que, em conformidade com o artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR exerceu o poder de redução ou de conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular.

419    Por conseguinte, o procedimento seguido pelo CUR para adotar o programa de resolução, embora não constitua um processo individual instaurado contra os recorrentes, pode levar à adoção de uma medida suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses na sua qualidade de acionistas ou de detentores de instrumentos de capital do Banco Popular.

420    Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, acima referida no n.o 121, adotou uma interpretação ampla do direito de audiência no sentido de este estar garantido a qualquer pessoa no decurso do processo suscetível de culminar num ato lesivo.

421    No entanto, importa igualmente recordar que, em aplicação do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, acima referido no n.o 131, e da jurisprudência acima referida no n.o 132, na hipótese de os recorrentes poderem invocar o direito de audiência, consagrado na Carta, no âmbito do procedimento de resolução do Banco Popular, este direito pode ser sujeito a restrições. Em particular, a falta de audição dos recorrentes, na sua qualidade de acionistas ou de detentores de instrumentos de capital do Banco Popular, no âmbito do procedimento de resolução, seja pelo CUR ou pela Comissão, podia ser justificada.

422    No caso, no artigo 4.2 do programa de resolução, o CUR indicou que a resolução do Banco Popular era necessária e proporcionada à realização de dois objetivos visados no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, a saber, evitar os efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira e assegurar a continuidade das funções críticas do Banco Popular.

423    A este respeito, no artigo 4.4.2 do programa de resolução, o CUR explicou que tinha concluído que a situação do Banco Popular gerava um risco crescente de efeitos adversos significativos sobre a estabilidade financeira em Espanha, baseando‑se em diferentes elementos. Entre esses elementos figuram, em primeiro lugar, a dimensão e a importância do Banco Popular, que constitui a sociedade‑mãe do sexto grupo bancário de Espanha, com um montante total de ativos de 147 000 milhões de euros, e que foi designado em 2017 pelo Banco de Espanha como uma instituição de importância sistémica. O CUR referiu, nomeadamente, que o Banco Popular era um dos principais intervenientes no mercado em Espanha, com uma quota de mercado significativa no segmento das pequenas e médias empresas (PME) e que detinha uma quota de mercado relativamente alta dos depósitos (cerca de 6 %) e um grande número de clientes retalhistas (cerca de 1,4 milhões) em toda a Espanha. Em segundo lugar, o CUR tomou em consideração a natureza da atividade do Banco Popular que se articulava em torno das atividades de banco comercial e concentrou‑se principalmente na oferta de financiamento, na gestão de poupança e nos serviços aos particulares, às famílias e às empresas (nomeadamente as PME). Segundo o CUR, a semelhança do modelo de empresa do Banco Popular com o de outros bancos comerciais espanhóis podia contribuir para o potencial de contágio indireto desses bancos, que poderiam ser considerados confrontados com as mesmas dificuldades.

424    No artigo 4.4 do programa de resolução, o CUR identificou três funções críticas do Banco Popular, na aceção do artigo 6.o do Regulamento Delegado 2016/778, a saber, a recolha de depósitos nas famílias e nas sociedades não financeiras, os empréstimos às PME e os serviços de pagamento em numerário.

425    Importa referir que, no quinto fundamento, os recorrentes alegaram uma violação do artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014, mas não contestaram que o programa de resolução era necessário para a defesa do interesse público na aceção do artigo 18.o, n.o 1, alínea c), desse regulamento.

426    Ora, segundo o artigo 18.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, considera‑se que uma medida de resolução é de interesse público se for proporcionada e necessária para a prossecução de um ou mais dos objetivos da resolução referidos no artigo 14.o desse mesmo regulamento e que a liquidação da entidade no quadro de um processo normal de insolvência não permitiria atingir.

427    Assim, os recorrentes não contestam que o programa de resolução era necessário e proporcionado para evitar os efeitos adversos significativos da insolvência do Banco Popular sobre a estabilidade financeira da União e para assegurar a continuidade das suas funções críticas.

428    Por conseguinte, o procedimento de resolução do Banco Popular prosseguia um objetivo de garantir a estabilidade dos mercados financeiros que, em conformidade com a análise efetuada no que respeita à primeira alegação do primeiro fundamento, constitui um objetivo de interesse geral suscetível de justificar uma limitação ao direito de audiência dos recorrentes, de acordo com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

429    Além disso, resulta igualmente da análise do primeiro fundamento que, quando uma entidade preenche as condições que exigem a adoção de uma medida de resolução, o artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 prevê que deve ser adotada uma decisão num prazo muito curto.

430    Assim, no presente caso, a partir do momento em que o BCE concluiu que o Banco Popular se encontrava em situação ou risco de insolvência e o CUR considerou que estavam preenchidas as condições previstas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014, o programa de resolução devia ser adotado o mais rapidamente possível.

431    Esta decisão rápida justificava‑se pela necessidade de assegurar a continuidade das funções críticas do Banco Popular e evitar os efeitos adversos significativos da sua situação sobre os mercados financeiros, prevenindo, nomeadamente, os riscos de contágio. No presente caso, uma vez que a insolvência do Banco Popular ocorreu num dia de semana, era necessário concluir o procedimento e adotar a decisão antes da abertura dos mercados na manhã de 7 de junho de 2017.

432    Como salientou o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona, no n.o 80 das suas Conclusões nos processos apensos ABLV Bank e o./BCE (C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:16), a celeridade com que essas instituições e agências da União devem tomar as suas decisões é necessária para evitar o impacto negativo da resolução da instituição bancária nos mercados financeiros e essa celeridade obrigava‑as de facto a terem «preparado» a decisão antes de lançarem o procedimento, para aproveitarem o fecho dos mercados de valores mobiliários.

433    Por conseguinte, os recorrentes não podem limitar‑se a afirmar que o CUR e a Comissão não justificaram a urgência com que adotaram as decisões recorridas.

434    Além disso, importa lembrar que uma audição prévia dos recorrentes, informando‑os da existência de uma medida de resolução iminente, teria levado a um risco de adotarem comportamentos no mercado que agravariam a situação financeira do Banco Popular. Essa audição poderia, assim, prejudicar a eficácia da medida de resolução prevista.

435    Por conseguinte, há que considerar que a audição dos recorrentes antes da adoção do programa de resolução ou antes da adoção da Decisão 2017/1246 teria levado a um abrandamento substancial do processo, não teria permitido, portanto, a realização dos objetivos prosseguidos pelo programa de resolução e teria comprometido a sua eficácia.

436    Do exposto resulta que a falta de audição dos recorrentes, no âmbito do processo que conduziu à adoção das decisões recorridas, constituía uma restrição ao direito de audiência que era justificada e necessária para responder a um objetivo de garantir a estabilidade financeira e respeitava o princípio da proporcionalidade, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

437    Ora, no presente caso, resulta da análise do quinto fundamento que o CUR e a Comissão não cometeram nenhum erro manifesto de apreciação ao considerarem preenchidas as condições previstas pelo artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014, a saber, que o Banco Popular se encontrava em situação ou em risco de insolvência e que não existia outra perspetiva razoável de que uma ação alternativa do setor privado ou uma ação de supervisão impediriam a sua insolvência num prazo razoável. Em particular, resulta da análise da segunda parte do quinto fundamento que os recorrentes não demonstraram que existiam medidas alternativas suscetíveis de solucionar os problemas de liquidez do Banco Popular e, portanto, de impedir a sua resolução.

438    Por conseguinte, os recorrentes não podem defender que, se tivessem tido a possibilidade de apresentar observações quanto à existência de medidas prudenciais ou de natureza privada durante o procedimento, o programa de resolução não teria sido adotado.

439    Quanto ao argumento dos recorrentes de que deviam ter sido ouvidos na medida em que as decisões recorridas os privariam do seu direito de propriedade, basta recordar que resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 160 a 162 que uma restrição do direito de propriedade dos acionistas e dos credores da entidade em causa não pode justificar uma obrigação de lhes ser concedido um direito de audiência.

440    Resulta do exposto que a primeira alegação deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda alegação, relativa ao direito à proteção jurisdicional efetiva

441    Os recorrentes alegam que, tendo em conta os prazos de recurso previstos no artigo 263.o TFUE, foram obrigados a interpor um recurso sem terem recebido os elementos de prova na base das decisões recorridas, o que é contrário ao princípio da proteção jurisdicional efetiva. Na réplica, indicam que o CUR e a Comissão continuam a recusar o acesso aos documentos em que se basearam nas decisões recorridas e nas respetivas contestações, o que não lhes permite interpor convenientemente o seu recurso nem ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

442    Recorde‑se que, quanto ao princípio da proteção jurisdicional efetiva, o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta prevê que qualquer pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação efetiva perante um tribunal no respeito das condições previstas no referido artigo. Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida por essa disposição exige, nomeadamente, que o interessado possa defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir, com pleno conhecimento de causa, se é útil apresentar ao juiz competente uma ação contra uma determinada entidade (v. Acórdão de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o., C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 57 e jurisprudência referida). A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento do direito da União é inerente ao Estado de Direito (v. Acórdão de 6 de outubro de 2020, Bank Refah Kargaran/Conselho, C‑134/19 P, EU:C:2020:793, n.o 36 e jurisprudência referida).

443    Importa sublinhar que a efetividade da fiscalização jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta exige que o interessado possa conhecer os fundamentos da decisão tomada a seu respeito, quer através da leitura da própria decisão, quer através de uma comunicação destes feita a seu pedido, sem prejuízo do poder de o juiz competente exigir da autoridade em causa que os comunique, para lhe permitir defender os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidir com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz competente, bem como para dar a este último condições para exercer plenamente a fiscalização da legalidade da decisão nacional em causa (v. Acórdãos de 26 de abril de 2018, Donnellan, C‑34/17, EU:C:2018:282, n.o 55 e jurisprudência referida, de 24 de novembro de 2020, Minister van Buitenlandse Zaken, C‑225/19 e C‑226/19, EU:C:2020:951, n.o 43 e jurisprudência referida, e de 3 de fevereiro de 2021, Ramazani Shadary/Conselho, T‑122/19, não publicado, EU:T:2021:61, n.o 50 e jurisprudência referida).

444    No presente caso, importa lembrar que foi publicada uma versão não confidencial do programa de resolução no sítio Internet do CUR em 11 de julho de 2017 e que a Decisão 2017/1246 foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 11 de julho de 2017. Os recorrentes, que a elas tiveram acesso, puderam impugná‑las perante o Tribunal Geral através do presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, o que demonstra a existência do seu direito à ação.

445    Além disso, recorde‑se que o CUR publicou no seu sítio Internet, em 2 de fevereiro e em 31 de outubro de 2018, ou seja, antes da apresentação da réplica, a avaliação 1 e as versões menos expurgadas do programa de resolução e da avaliação 2. Essas publicações visavam conceder ao público o acesso a partes desses documentos que tinham sido inicialmente consideradas confidenciais. Os recorrentes tinham, assim, a oportunidade de completar os seus argumentos à luz das novas informações resultantes dessas publicações.

446    Em primeiro lugar, os recorrentes acusam o CUR de não lhes ter dado acesso às versões integrais do programa de resolução e da avaliação 2.

447    A este respeito, recorde‑se que os recorrentes não são destinatários do programa de resolução, que é dirigido ao FROB. Os recorrentes devem ser considerados terceiros e não dispõem, portanto, de um direito à comunicação do programa de resolução.

448    Por força do artigo 29.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR publica no seu sítio Internet oficial uma cópia do programa de resolução ou uma nota resumindo os efeitos da medida de resolução e, em particular, os efeitos para os clientes de retalho.

449    No presente caso, em 7 de junho de 2017, o CUR publicou no seu sítio Internet uma comunicação que informava da adoção do programa de resolução, acompanhada de um documento que resumia os efeitos da resolução em conformidade com o artigo 29.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014. Além disso, em 11 de julho de 2017, o CUR publicou uma versão não confidencial do programa de resolução. O CUR publicou igualmente no seu sítio Internet, em 2 de fevereiro de 2018 e depois em 31 de outubro de 2018, versões não confidenciais menos expurgadas do programa de resolução e da avaliação 2.

450    Além disso, o artigo 88.o, n.o 5, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que:

«Antes da divulgação de quaisquer informações, o CUR assegura que as mesmas não incluem informações confidenciais, procedendo, nomeadamente, à avaliação dos efeitos que a divulgação dessas informações pode ter no interesse público no que respeita à política financeira, monetária ou económica, nos interesses comerciais de pessoas singulares e coletivas, no objetivo das inspeções, nas investigações e nas auditorias. O procedimento de verificação dos efeitos da divulgação das informações inclui uma avaliação específica dos efeitos da divulgação do teor e dos pormenores dos planos de resolução a que se referem os artigos 8.o e 9.o, do resultado da avaliação efetuada nos termos do artigo 10.o ou do programa de resolução a que se refere o artigo 18.o»

451    Essa disposição prevê expressamente a obrigação do CUR de se assegurar, antes da publicação ou da comunicação do programa de resolução a um terceiro, de que este não contém informações confidenciais. Essa obrigação aplica‑se igualmente à avaliação 2, que constitui um anexo do programa de resolução e que dele faz parte integrante por força do artigo 12.2 do referido programa.

452    A este respeito, há que referir que o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que uma decisão da Comissão que conclui que não existe um auxílio estatal denunciado por um queixoso pode, à luz da obrigação de respeitar o segredo comercial, estar suficientemente fundamentada sem incluir todos os números em que se baseia a argumentação dessa instituição (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.os 108 a 111). Assim, uma versão não confidencial dessa decisão, quando revele de forma clara e inequívoca o raciocínio dessa instituição e a metodologia por ela empregue, de forma a permitir aos interessados conhecerem essas justificações e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização no que lhes diz respeito, é suficiente para cumprir o dever de fundamentação dessa mesma instituição (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Club Hotel Loutraki e o./Comissão, C‑131/15 P, EU:C:2016:989, n.o 55).

453    Além disso, quanto aos elementos económicos utilizados pela Deloitte na avaliação 2 e tidos em conta pelo CUR no programa de resolução, não se pode contestar que se inserem em apreciações técnicas complexas. Uma vez que o programa de resolução mostrava claramente o raciocínio seguido pelo CUR por forma a permitir contestar posteriormente o seu mérito no tribunal competente, seria excessivo exigir uma fundamentação específica para cada uma das escolhas técnicas ou para cada um dos números em que se baseia esse raciocínio (v., por analogia, Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 108 e jurisprudência referida).

454    Ora, por um lado, os recorrentes não contestam que o programa de resolução e a avaliação 2 contêm informações confidenciais que o CUR tem o dever de proteger. Por outro lado, não precisaram em que medida os dados económicos que permanecem ocultos nas versões não confidenciais do programa de resolução e da avaliação 2 eram necessários para a compreensão do programa de resolução e ao exercício do seu direito à ação.

455    Assim, há que considerar que os recorrentes não podem invocar um direito a receber uma comunicação das versões integrais do programa de resolução e da avaliação 2.

456    Em segundo lugar, ao contestarem a falta de comunicação, pelo CUR e pela Comissão, dos documentos em que se basearam para adotar as decisões recorridas, antes da adoção das mesmas, os recorrentes alegam uma violação do direito de acesso ao processo, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta.

457    O artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta relativo ao direito a uma boa administração prevê que este inclui o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial.

458    O direito de acesso ao processo é previsto pelo artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 segundo o qual:

«As pessoas sujeitas às decisões do CUR têm direito a consultar o processo em poder do CUR, sob reserva do interesse legítimo de terceiros na proteção dos seus segredos comerciais. Ficam excluídos da consulta do processo as informações confidenciais e os documentos preparatórios internos do CUR.»

459    Em primeiro lugar, recorde‑se que o acesso ao processo, nos procedimentos de concorrência tem, nomeadamente, por objeto permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomarem conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de que possam pronunciar‑se utilmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou na comunicação de acusações, com base nesses elementos. Esse direito de acesso ao processo implica que a Comissão faculte à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo instrutor e que possam ser pertinentes à sua defesa. Estes incluem tanto os elementos incriminatórios como os que ilibam a empresa, sob reserva dos segredos comerciais de outras empresas, dos documentos internos da Comissão e de outras informações confidenciais (v. Acórdão de 14 de maio de 2020, NKT Verwaltung e NKT/Comissão, C‑607/18 P, não publicado, EU:C:2020:385, n.os 261 e 262 e jurisprudência referida).

460    Em segundo lugar, de acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o respeito dos direitos de defesa num procedimento na Comissão que tenha por objeto aplicar uma coima a uma empresa por violação das normas da concorrência exige que a empresa interessada tenha podido dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados, bem como sobre os documentos utilizados pela Comissão em apoio da sua alegação de existência de uma infração. Estes direitos são referidos no artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta (v. Acórdão de 28 de novembro de 2019, Brugg Kabel e Kabelwerke Brugg/Comissão, C‑591/18 P, não publicado, EU:C:2019:1026, n.o 26 e jurisprudência referida).

461    Em terceiro lugar, de uma maneira mais geral, quanto ao respeito dos direitos de defesa, como consagrado no artigo 41.o, n.o 2, da Carta, este inclui o direito de audiência e o direito de acesso ao processo com respeito dos interesses legítimos da confidencialidade (v. Acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi, C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 99 e jurisprudência referida, e Acórdão de 2 de dezembro de 2020, Kalai/Conselho, T‑178/19, não publicado, EU:T:2020:580, n.o 73).

462    Em quarto lugar, importa lembrar que a violação do direito de acesso ao processo no procedimento que antecede a adoção da decisão é suscetível, em princípio, de levar à anulação dessa decisão quando se verificar uma violação do direito de defesa [v. Acórdãos de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 15 de julho de 2015, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑47/10, EU:T:2015:506, n.o 349 (não publicado) e jurisprudência referida].

463    Resulta da jurisprudência acima referida nos n.os 459 a 462 que tanto o direito de acesso ao processo consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta como, mais especificamente, o acesso ao processo nos procedimentos de concorrência dizem respeito a pessoas ou empresas que sejam objeto de processos abertos ou de decisões tomadas contra elas.

464    Ora, no presente caso, por um lado, resulta do artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 que o direito de acesso ao processo diz respeito à entidade objeto do programa de resolução, a saber, o Banco Popular, e não aos seus acionistas ou credores. Por outro lado, resulta da análise da primeira alegação que os recorrentes não dispunham de um direito de audiência no âmbito do processo que conduziu à adoção do programa de resolução.

465    Por conseguinte, os recorrentes não podem invocar um direito de acesso ao processo.

466    Por outro lado, tanto o artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta como o artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 preveem que certos dados podem ser protegidos se forem confidenciais.

467    Por conseguinte, os recorrentes não podem alegar que a falta de comunicação, pelo CUR e pela Comissão, dos documentos em que se basearam, no processo administrativo que conduziu à adoção do programa de resolução, constitui uma violação do direito de acesso ao processo consagrado no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta.

468    Em terceiro lugar, os recorrentes alegam, em substância, que não puderam exercer o seu direito à ação na medida em que não tiveram acesso aos documentos nos quais o CUR e a Comissão se basearam nas decisões recorridas, posteriormente à adoção destas. Acusam o CUR e a Comissão de não terem anexado esses documentos à sua contestação e de não terem explicado por que motivo esses documentos eram confidenciais. Consideram que, mesmo que esses documentos contenham dados confidenciais, os seus representantes poderiam ter acesso aos mesmos no presente processo.

469    Refira‑se que nenhuma disposição garante aos recorrentes um direito de acesso às versões integrais do programa de resolução e da avaliação 2 ou aos outros documentos nos quais o CUR se baseou para adotar o programa de resolução, uma vez que este tem a obrigação de proteger a confidencialidade de certos dados.

470    Com efeito, o CUR e a Comissão são obrigados a proteger os dados confidenciais de todas as entidades, incluindo o segredo comercial, por força do artigo 339.o TFUE, do artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta e do artigo 88.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 806/2014.

471    Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou, no que respeita à Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (JO 2004, L 145, p. 1), que o funcionamento eficaz do sistema de controlo da atividade das empresas de investimento, baseado numa supervisão exercida no interior de um Estado‑Membro e na troca de informações entre as autoridades competentes de vários Estados‑Membros, exige que tanto as empresas supervisionadas como as autoridades competentes possam estar seguras de que as informações confidenciais fornecidas mantêm, em princípio, o seu caráter confidencial (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.o 31 e jurisprudência referida).

472    O Tribunal de Justiça considerou que a falta dessa confiança poderia comprometer a transmissão harmoniosa das informações confidenciais necessárias ao exercício da atividade de supervisão. Por conseguinte, é para proteger não só os interesses específicos das empresas diretamente afetadas mas também o interesse geral ligado ao funcionamento normal dos mercados de instrumentos financeiros da União que o artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39 impõe, como regra geral, a obrigação de guardar o segredo profissional (v. Acórdão de 19 de junho de 2018, Baumeister, C‑15/16, EU:C:2018:464, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).

473    Ora, há que referir que o artigo 88.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, relativo às exigências de segredo profissional dos membros do CUR, contém uma disposição equivalente à do artigo 54.o, n.o 1, da Diretiva 2004/39.

474    Além disso, resulta do artigo 34.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 que, para efeitos do exercício das suas competências nos termos desse regulamento, o CUR, por intermédio das autoridades nacionais de resolução ou diretamente, após informar as autoridades nacionais de resolução, utilizando plenamente todas as informações de que dispõem o BCE ou as autoridades nacionais competentes, pode exigir, nomeadamente, às entidades objeto de uma medida de resolução que prestem todas as informações necessárias ao desempenho das atribuições que o referido regulamento lhe confere. O n.o 2 desse artigo precisa que as exigências de segredo profissional não dispensam essas entidades da obrigação de prestar essas informações. O artigo 34.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR pode obter, mesmo permanentemente, todas as informações necessárias ao exercício das suas funções ao abrigo desse regulamento, nomeadamente sobre capital, liquidez, ativos e passivos de qualquer instituição sujeita aos seus poderes de resolução.

475    Ora, os documentos em que o CUR se baseou para adotar o programa de resolução, designadamente os documentos relativos à situação de liquidez do Banco Popular, ao seu pedido de injeção de liquidez de emergência e à avaliação do BCE da sua situação ou risco de insolvência, contêm informações confidenciais, nomeadamente segredos comerciais, que o CUR é obrigado a proteger.

476    Daí resulta que os recorrentes não dispunham de um direito a aceder à totalidade dos documentos nos quais o CUR e a Comissão se basearam para adotar as decisões recorridas, na medida em que esses documentos são suscetíveis de conter dados confidenciais, o que não impugnam. Por conseguinte, os recorrentes não se podem basear na recusa de acesso a esses documentos para invocar uma violação da sua proteção jurisdicional efetiva.

477    Por outro lado, quanto aos documentos que constituem, segundo os recorrentes, o fundamento das decisões recorridas e das contestações, estes remetem no anexo da petição inicial para os seus diversos pedidos de acesso aos documentos transmitidos à Comissão, ao CUR e ao BCE, com base, nomeadamente, no Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43). Na réplica, fazem referência à recusa do CUR e da Comissão de lhes dar acesso aos documentos que requereram no âmbito desses processos.

478    Basta observar que as respostas a esses pedidos de acesso são objeto de um recurso distinto para o Tribunal Geral.

479    Os recorrentes fazem igualmente referência ao seu pedido de medidas de organização do processo com base no artigo 88.o do Regulamento de Processo, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de outubro de 2018, requerendo que fosse ordenada ao CUR e à Comissão a junção de um determinado número de documentos cuja lista foi anexada ao pedido.

480    A este respeito, o Tribunal Geral tem a faculdade de pedir ao CUR a apresentação de todos os documentos que considere pertinentes para decidir o litígio, através de uma medida de organização do processo ou de uma diligência de instrução, nos termos do artigo 91.o, alínea b), e do artigo 92.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. No entanto, em conformidade com o artigo 103.o, n.o 1, do mesmo regulamento, o Tribunal Geral pode considerar que certas informações contidas nesses documentos têm caráter confidencial e, assim, decidir que não serão comunicadas às outras partes, nomeadamente aos recorrentes.

481    Daqui resulta que uma decisão do Tribunal Geral de ordenar a junção de documentos não garante aos recorrentes o acesso a todos esses documentos se o Tribunal Geral considerar que contêm dados confidenciais.

482    Além disso, no presente caso, o Tribunal Geral, em 21 de maio de 2021, por despacho de diligências de instrução, solicitou ao CUR que juntasse determinados documentos, entre os quais as versões confidenciais do programa de resolução, da avaliação 2 e da avaliação do BCE sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular. Em conformidade com o artigo 103.o do Regulamento de Processo, após ter examinado o conteúdo desses documentos, o Tribunal Geral considerou que os elementos que permaneciam ocultos nas versões desses documentos publicadas nos sítios Internet do CUR e do BCE não eram pertinentes para a decisão da presente causa. Por conseguinte, por Despacho de 16 de junho de 2021, o Tribunal Geral desentranhou dos autos as versões confidenciais desses documentos.

483    Por último, quanto ao argumento dos recorrentes relativo à falta de fiscalização jurisdicional durante o procedimento de resolução, basta recordar que o mesmo foi julgado improcedente na análise da segunda parte do primeiro fundamento.

484    Por conseguinte, importa julgar improcedentes a segunda alegação e, assim, o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do direito de propriedade

485    Os recorrentes alegam que o CUR e a Comissão violaram injustificada e desproporcionalmente o seu direito de propriedade consagrado no artigo 17.o, n.o 1, da Carta. Alegam que a redução do capital social do Banco Popular, bem como a redução e a conversão dos seus instrumentos de capital privaram de qualquer valor económico as ações e obrigações do Banco Popular que detinham.

486    A Comissão, o CUR, O Reino de Espanha e o Banco Santander alegam, em substância, que o direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta não é uma prerrogativa absoluta e pode ser objeto de restrições justificadas por objetivos de interesse geral, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta. As decisões recorridas prosseguem um objetivo de interesse geral, a saber, assegurar a estabilidade do sistema financeiro, que justifica uma restrição ao direito de propriedade dos recorrentes.

487    O artigo 17.o, n.o 1, da Carta prevê:

«Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.»

488    Segundo jurisprudência constante, o direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o, n.o 1, da Carta não é uma prerrogativa absoluta e o seu exercício pode ser objeto de restrições justificadas por objetivos de interesse geral prosseguidos pela União. Por conseguinte, como resulta do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser impostas restrições ao uso do direito de propriedade, na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral e não constituírem, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (v. Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.os 69 e 70 e jurisprudência referida; Acórdãos de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C‑686/18, EU:C:2020:567, n.o 85, e de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.o 100).

489    Daí resulta que o direito de propriedade não é um direito absoluto, mas que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, acima referido no n.o 131, pode sofrer limitações se estiverem previstas nos diplomas aplicáveis, se forem necessárias à prossecução de um objetivo geral e se forem proporcionadas a esse objetivo.

490    Recorde‑se que, no artigo 6.o do programa de resolução, o CUR decidiu, nos termos do artigo 21.o do Regulamento n.o 806/2014, reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular segundo as regras acima especificadas no n.o 73.

491    Além disso, resulta, por um lado, do considerando 61 do Regulamento n.o 806/2014, que as limitações aos direitos dos acionistas e credores deverão respeitar o artigo 52.o, n.o 1, da Carta e, por outro lado, do considerando 62 do mesmo regulamento, que a interferência com os direitos de propriedade não deverá ser desproporcionada.

492    Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014, relativo aos princípios gerais que regem a resolução, os acionistas da instituição objeto de resolução são os primeiros a suportar perdas.

493    A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, no que respeita aos acionistas dos bancos, que, segundo o regime geral aplicável ao estatuto dos acionistas das sociedades anónimas, estes assumem plenamente o risco dos seus investimentos (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 73).

494    O Tribunal de Justiça considerou, no domínio dos auxílios de Estado, que, uma vez que os acionistas são responsáveis pelas dívidas do banco até ao montante do capital social deste, não se pode considerar que afeta o seu direito de propriedade o facto de os pontos 40 a 46 da Comunicação da Comissão sobre a aplicação, a partir de 1 de agosto de 2013, das regras em matéria de auxílios estatais às medidas de apoio aos bancos no contexto da crise financeira («comunicação sobre o setor bancário») (JO 2013, C 216, p. 1) exigirem que, para superar o défice de capital de um banco, esses acionistas, previamente à concessão de um auxílio estatal, contribuam para absorver as perdas sofridas por esse banco na mesma medida que se não tivesse sido concedido esse auxílio de Estado (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 74).

495    Há que considerar, por analogia, que a decisão, no programa de resolução, de reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular de que eram titulares os recorrentes é consequência do facto de os acionistas de uma entidade deverem suportar os riscos inerentes aos seus investimentos e do facto de, uma vez que essa entidade é objeto de resolução por causa da sua insolvência, deverem suportar as suas consequências económicas.

496    A este respeito, o Tribunal Geral já declarou que uma medida de redução do valor nominal das ações de um banco cipriota era proporcionada face ao objetivo prosseguido por essa medida. Antes de mais, referiu que essa medida visava contribuir para a recapitalização do banco e que era adequada para contribuir para o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro cipriota e da zona euro no seu todo. Em seguida, declarou que essa medida não excedia os limites do adequado e necessário à realização desse objetivo, dado que as alternativas menos restritivas não eram realizáveis ou não teriam permitido alcançar os resultados esperados. Por último, considerou que, tendo igualmente em conta a importância do objetivo prosseguido, a medida em causa não gerava inconvenientes desmedidos. Recordou, a esse respeito, que os acionistas dos bancos assumem plenamente o risco dos seus investimentos (Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 330).

497    Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral concluiu que não se podia considerar que a redução do valor nominal das ações desse banco constituía uma intervenção desmedida e intolerável violadora da própria substância do direito de propriedade dos acionistas (Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 331).

498    Além disso, importa lembrar que resulta da jurisprudência acima referida no n.o 137 que os serviços financeiros desempenham um papel central na economia da União e que existe o risco de a insolvência que afeta um ou mais bancos se propagar aos outros bancos, quer no Estado‑Membro em causa, quer noutros Estados‑Membros.

499    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que, tendo em conta o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema bancário na zona euro, e tendo em conta o risco iminente de perdas financeiras a que os depositantes dos bancos em causa teriam sido expostos em caso de insolvência, podiam justificar‑se certas restrições ao direito de propriedade (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.o 74).

500    O Tribunal de Justiça considerou igualmente que, embora exista um claro interesse geral em garantir em toda a União uma proteção forte e coerente dos investidores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse geral de garantir a estabilidade do sistema financeiro (Acórdãos de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 91, e de 8 de novembro de 2016, Dowling e o., C‑41/15, EU:C:2016:836, n.o 54).

501    Ora, há que referir que, no artigo 4.2 do programa de resolução, o CUR considerou que a resolução era necessária e proporcionada aos objetivos previstos no artigo 14.o, n.o 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014, a saber, assegurar a continuidade das funções críticas e evitar efeitos adversos significativos para a estabilidade financeira, nomeadamente evitando o contágio, inclusive das infraestruturas de mercado, e mantendo a disciplina do mercado. Indicou que a liquidação do Banco Popular segundo um processo normal de insolvência não teria permitido atingir esses objetivos na mesma medida. Na Decisão 2017/1246, a Comissão aprovou expressamente as razões apresentadas pelo CUR para justificar a necessidade de uma medida de resolução para defesa do interesse público.

502    Assim, o programa de resolução, na medida em que visa preservar ou restabelecer a situação financeira do Banco Popular e, designadamente na medida em que constitui uma alternativa à liquidação, respondia a um objetivo de interesse geral na aceção do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, a saber, garantir a estabilidade dos mercados financeiros.

503    Ora, as medidas de redução e de conversão dos instrumentos de capital do Banco Popular contidas no programa de resolução respondiam a esse objetivo.

504    Os recorrentes indicam que não põem em causa a compatibilidade do MUR conforme previsto pelo Regulamento n.o 806/2014 com o artigo 17.o da Carta. Alegam que as decisões recorridas lesaram injustificadamente o seu direito de propriedade invocando três alegações. Em primeiro lugar, as decisões recorridas não respeitam as «condições previstas na lei», em segundo lugar, violam o conteúdo essencial do seu direito de propriedade uma vez que não preveem qualquer compensação e, em terceiro lugar, essa lesão é desproporcionada.

505    Na primeira alegação, os recorrentes alegam que a ingerência no seu direito de propriedade não estava em conformidade com as condições previstas na lei. A este respeito, invocam a inobservância das condições previstas no artigo 18.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 806/2014, a inobservância das condições previstas no artigo 21.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a omissão de proceder a uma correta avaliação em conformidade com o artigo 20.o desse regulamento e o facto de as decisões recorridas terem sido adotadas sem salvaguardas adequadas a um procedimento normal e remetem para os argumentos invocados nos segundo, quarto, quinto e sexto fundamentos.

506    Basta recordar que os argumentos invocados nos segundo, quarto, quinto e sexto fundamentos já foram julgados improcedentes. Com efeito, da análise desses fundamentos resulta que o CUR e a Comissão não cometeram nenhum erro manifesto de apreciação na aplicação dos artigos 18.o, 20.o e 21.o do Regulamento n.o 806/2014 e que o direito de audiência dos recorrentes não foi violado.

507    Por conseguinte, a primeira alegação deve ser julgada improcedente.

508    Na segunda alegação, os recorrentes alegam que a privação da sua propriedade sem compensação viola o conteúdo essencial do seu direito de propriedade. Alegam que não se procedeu a uma avaliação independente, nem a uma avaliação definitiva ex post prevista no artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, que constituem as duas «salvaguardas» específicas, previstas pelo Regulamento n.o 806/2014 para garantir a proteção do artigo 17.o da Carta, permitindo assegurar‑lhes o pagamento de uma justa compensação. Alegam que não foi efetuada uma avaliação ex ante independente e completa, que permitisse determinar o valor dos ativos e dos passivos da entidade, e que a mesma não se podia basear no facto de já ter sido escolhido um instrumento de resolução. Consideram que, na medida em que não haverá uma avaliação definitiva ex post prevista no artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, não foram respeitadas as «salvaguardas» concebidas para proteger o direito dos acionistas a uma compensação. A avaliação 3 prevista no artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014 responderia a objetivos diferentes e o CUR não pode alegar que a mesma é suficiente.

509    Em primeiro lugar, refira‑se que os argumentos dos recorrentes de que a avaliação 2 não era «justa, prudente e realista», na aceção do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, e de que devia ter em consideração vários cenários de resolução possíveis já foram julgados improcedentes no âmbito da análise do quarto fundamento. Importa, em seguida, recordar que, em aplicação do artigo 20.o, n.o 13, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR podia basear‑se numa avaliação provisória para adotar o programa de resolução. Por último, resulta da análise do quarto fundamento que a falta de avaliação definitiva ex post, na aceção do artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, não pode afetar a validade das decisões recorridas.

510    Em segundo lugar, o Regulamento n.o 806/2014 prevê um mecanismo de indemnização dos acionistas e dos credores de uma entidade objeto de uma medida de resolução, com base no princípio enunciado no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, que dispõe que nenhum credor deve suportar perdas mais elevadas do que teria tido de incorrer se a entidade sujeita a uma resolução tivesse sido liquidada ao abrigo de um processo normal de insolvência.

511    Para determinar se os acionistas e os credores teriam recebido um tratamento mais favorável se a entidade em causa tivesse entrado num processo normal de insolvência, o artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que seja realizada uma avaliação posteriormente à resolução. Segundo o artigo 20.o, n.o 17, do Regulamento n.o 806/2014, essa avaliação determina se existe alguma diferença entre o tratamento que teriam recebido os acionistas e os credores se a instituição tivesse entrado num processo normal de insolvência no momento da decisão relativa à medida de resolução e o tratamento efetivo que receberam na resolução.

512    Se, na sequência dessa avaliação, se demonstrar que os acionistas ou os credores sofreram perdas maiores no âmbito da resolução do que teriam sofrido numa liquidação segundo um processo normal de insolvência, o artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 prevê que o CUR pode recorrer ao FUR para os indemnizar.

513    Daqui resulta que o Regulamento n.o 806/2014 institui um mecanismo que garante aos acionistas ou aos credores da entidade objeto de uma resolução uma justa indemnização em conformidade com as exigências do artigo 17.o, n.o 1, da Carta.

514    A este respeito, há que observar que as referências dos recorrentes à avaliação de impacto da Comissão confirmam que esse mecanismo está em conformidade com as exigências do artigo 17.o, n.o 1, da Carta. Com efeito, segundo o excerto dessa avaliação de impacto referido pelos recorrentes na réplica:

«A lesão do direito de propriedade não é desproporcionada, uma vez que o enquadramento prevê o direito a uma compensação a favor dos acionistas e credores afetados. Os acionistas e os credores têm o direito a ser indemnizados do valor das suas ações ou créditos ao qual teriam direito em caso de liquidação normal da sociedade. Os requisitos necessários à determinação do montante da indemnização por referência ao valor da empresa, de acordo com a apreciação de um perito independente, constituem uma garantia suplementar. Além disso, a compensação deve garantir que os acionistas e credores não recebem um tratamento menos favorável, em consequência da aplicação do instrumento de resolução ou do exercício do poder de resolução, do que aquele de que teriam beneficiado se esse instrumento ou poder não tivesse sido utilizado e se a instituição de crédito tivesse sido integralmente sujeita a um processo de insolvência ao abrigo do direito nacional aplicável. Em particular, quando o credor mantém um crédito junto da instituição de crédito cujos ativos, direitos ou passivos foram transferidos para outra entidade e quando a entidade remanescente é liquidada, o credor deve ser indemnizado se o montante que recebeu nessa liquidação for inferior ao montante que teria recebido ao abrigo d[o processo de] insolvência caso não tivesse ocorrido a transferência.

As mencionadas regras relativas à compensação tutelam o conteúdo essencial do direito de propriedade. Na verdade, se os poderes de resolução não tivessem sido exercidos, a sociedade insolvente seria objeto de um processo de insolvência. Segundo o direito da insolvência, os credores têm direito a uma repartição proporcional do produto da venda dos ativos bancários e os acionistas têm direito a uma distribuição dos ativos restantes após o pagamento a todos os credores. Este conteúdo essencial é tutelado pelos princípios que regem a compensação. Por conseguinte, as restrições não limitam desproporcionalmente o direito de propriedade.»

515    Além disso, contrariamente ao que parece ser alegado pelos recorrentes, o facto de não lhes ter sido atribuída uma indemnização à data do programa de resolução não é suficiente para demonstrar uma violação do seu direito de propriedade, na medida em que o artigo 17.o, n.o 1, da Carta prevê o pagamento de uma indemnização em tempo útil e não um pagamento concomitante à restrição do direito de propriedade.

516    Com o seu argumento de que seria necessária a realização de uma avaliação definitiva ex post prevista no artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014 para que o seu direito de propriedade fosse respeitado, os recorrentes parecem defender que o montante da compensação a pagar aos acionistas devia ser calculado à luz dos resultados da avaliação definitiva ex post. Alegam que a avaliação definitiva ex post visa determinar o valor do ativo e do passivo da entidade antes da adoção da medida de resolução e que responde a finalidades diferentes da avaliação 3 prevista no artigo 20.o, n.o 16, do Regulamento n.o 806/2014.

517    No presente caso, importa lembrar que, caso o programa de resolução não tivesse sido adotado, a alternativa consistia na liquidação do Banco Popular segundo um processo normal de insolvência.

518    A este respeito, importa referir que, no domínio dos auxílios estatais, o Tribunal de Justiça declarou que as perdas dos acionistas dos bancos em dificuldades teriam, em todo o caso, a mesma dimensão, independentemente da questão de saber se a sua causa assenta numa sentença de declaração de insolvência em razão da falta de concessão de um auxílio estatal ou num procedimento de concessão desse auxílio sujeito à condição prévia de repartição dos encargos (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 75).

519    O Tribunal de Justiça já referiu que o ponto 46 da comunicação sobre o setor bancário prevê que «é conveniente respeitar o princípio segundo o qual nenhum credor pode ser mais desfavorecido» e que «[o]s credores subordinados não devem receber menos em termos económicos do que aquilo que o seu instrumento teria valido se não tivesse sido concedido o auxílio estatal» (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 77).

520    Segundo o Tribunal de Justiça, resulta deste ponto que as medidas de repartição dos encargos a que está subordinada a concessão de um auxílio estatal a favor de um banco deficitário não podem causar ao direito de propriedade dos credores subordinados um prejuízo que estes não teriam sofrido no âmbito de um processo de insolvência decorrente da falta de concessão de tal auxílio. Nestas condições, não se pode validamente sustentar que as medidas de repartição dos encargos, como as previstas na comunicação sobre o setor bancário, constituem uma ingerência no direito de propriedade dos acionistas e dos credores subordinados (Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 78 e 79).

521    Além do mais, quanto aos títulos, o montante da indemnização devida deve ser apreciado face ao verdadeiro valor comercial desses títulos no momento da adoção da regulamentação controvertida, e não face ao seu valor nominal ou ao montante que o seu detentor esperava receber no momento da sua aquisição (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.o 314 e jurisprudência referida).

522    Por conseguinte, há que considerar, por analogia, que a aplicação no presente caso do princípio previsto no artigo 15.o, n.o 1, alínea g), do Regulamento n.o 806/2014, acima referido no n.o 510, segundo o qual nenhum credor pode ser desfavorecido, garante aos recorrentes uma justa indemnização em conformidade com as exigências do artigo 17.o, n.o 1, da Carta.

523    Contrariamente ao que alegam os recorrentes, o valor do seu investimento não deve ser calculado atendendo à situação que precede a adoção do programa de resolução, como poderia resultar de uma avaliação definitiva ex post, mas corresponde ao seu valor caso o programa de resolução não tivesse sido adotado, o que corresponde a uma situação de liquidação do Banco Popular.

524    Além disso, como admitem os recorrentes, a avaliação definitiva ex post, prevista no artigo 20.o, n.o 11, do Regulamento n.o 806/2014, e a avaliação 3, prevista no artigo 20.o, n.o 16, do mesmo regulamento, são distintas. A realização de uma avaliação definitiva ex post não é útil para efeitos da avaliação 3, que tem por objeto comparar o tratamento efetivo de que os acionistas do Banco Popular beneficiaram devido à resolução e o tratamento que teriam recebido no âmbito de um hipotético processo de insolvência. Por conseguinte, os recorrentes não podem alegar que, na falta de avaliação definitiva ex post, o CUR e a Comissão não dispunham de nenhuma base para afirmar que seria paga uma compensação razoável.

525    Assim, contrariamente ao que alegam os recorrentes, o facto de o CUR ter indicado que, no presente caso, não se procederia a uma avaliação definitiva ex post não constitui uma violação do seu direito de propriedade.

526    Por outro lado, importa referir que a argumentação dos recorrentes assenta na hipótese errada de que, no presente caso, poderiam ter beneficiado de uma indemnização ao abrigo do artigo 20.o, n.o 12, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014.

527    Segundo o artigo 20.o, n.o 12, alínea a), do Regulamento n.o 806/2014:

«Caso a estimativa, feita pela avaliação definitiva ex post, do valor patrimonial líquido da entidade a que se refere o artigo 2.o seja superior à estimativa desse mesmo valor feita pela avaliação provisória dessa entidade, o CUR pode requerer que a autoridade de resolução:

a)      Exerça o seu poder de aumentar o valor dos créditos na posse dos credores ou titulares de instrumentos de capital relevantes que tenham sido reduzidos no âmbito do instrumento de recapitalização interna.»

528    Basta observar que esta disposição se aplica quando o instrumento de resolução aplicado é o instrumento de recapitalização interna previsto no artigo 27.o do Regulamento n.o 806/2014. Contudo, esta não é a situação do caso vertente.

529    Por conseguinte, a segunda alegação deve ser julgada improcedente.

530    Numa terceira alegação, os recorrentes consideram que, de qualquer modo, independentemente da questão de saber se a ingerência no seu direito de propriedade não respeita o conteúdo essencial deste direito, a mesma seria desproporcionada.

531    Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não vão além dos limites do adequado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos [v. Acórdãos de 30 de abril de 2019, Itália/Conselho (Quota de pesca do espadarte mediterrânico), C‑611/17, EU:C:2019:332, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 6 de maio de 2021, Bayer CropScience e Bayer/Comissão, C‑499/18 P, EU:C:2021:367, n.o 166 e jurisprudência referida]. Este princípio é referido no artigo 5.o, n.o 4, TUE e no artigo 1.o do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao TUE e ao TFUE.

532    Em primeiro lugar, os recorrentes alegam que a lesão do seu direito de propriedade é desproporcionada na medida em que as decisões recorridas foram adotadas sem que tenham sido previamente ouvidos.

533    Como refere o CUR, o direito de audiência é um direito processual autónomo, cuja violação não implica automaticamente uma violação do direito de propriedade garantido pelo artigo 17.o, n.o 1, da Carta.

534    A este respeito, recorde‑se que resulta da análise do segundo fundamento, designadamente dos n.os 160 e 161, supra, que o Tribunal Geral já declarou que a proteção do direito de propriedade consagrado no artigo 1.o do Protocolo n.o 1 da CEDH não pode ser interpretada no sentido de que a pessoa interessada deve, em todas as circunstâncias, poder fazer valer o seu ponto de vista junto das autoridades competentes previamente à adoção das medidas lesivas do seu direito de propriedade.

535    Além disso, há que observar que os recorrentes não apresentam nenhum argumento destinado a explicar de que forma a falta de audição pelo CUR, previamente à adoção do programa de resolução, teria tido incidência no seu direito de propriedade.

536    Em segundo lugar, quanto ao argumento dos recorrentes de que o seu direito de propriedade foi desproporcionalmente lesado na medida em que não tiveram direito a uma indemnização, basta remeter para a análise da segunda alegação.

537    Em terceiro lugar, os recorrentes limitam‑se a afirmar que o CUR e a Comissão não demonstraram que o instrumento de resolução adotado, incluindo a redução e a conversão dos instrumentos de capital, constituía a solução menos restritiva para alcançar um objetivo legítimo.

538    Basta observar que este argumento não se baseia em nenhuma argumentação e não tem, portanto, qualquer suporte.

539    Por conseguinte, a terceira alegação deve ser julgada improcedente.

540    Do exposto resulta que, em primeiro lugar, o Banco Popular estava em situação ou risco de insolvência e que não existiam medidas alternativas suscetíveis de impedir essa situação, em segundo lugar, sem a resolução, o Banco Popular teria sido objeto de um processo normal de insolvência e, em terceiro lugar, os acionistas do Banco Popular deviam assumir o risco dos seus investimentos e o Regulamento n.o 806/2014 prevê o eventual pagamento de uma indemnização em aplicação do princípio segundo o qual nenhum credor pode ser desfavorecido. Por conseguinte, há que concluir que a decisão de reduzir e converter os instrumentos de capital do Banco Popular no programa de resolução não constitui uma intervenção desmedida e intolerável que viole a própria substância do seu direito de propriedade, antes devendo ser considerada uma restrição proporcionada ao seu direito de propriedade, de acordo com o disposto no artigo 17.o, n.o 1, e no artigo 52.o, n.o 1, da Carta.

541    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

542    Os recorrentes alegam que a Comissão e o CUR violaram o dever de fundamentação por não fornecerem as razões específicas e concretas pelas quais adotaram as decisões recorridas.

543    O artigo 41.o, n.o 2, alínea c), da Carta relativo ao direito a uma boa administração prevê que este direito inclui a obrigação da administração de fundamentar as suas decisões.

544    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao tribunal competente exercer a sua fiscalização. Não é necessário que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato cumpre as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada não só à luz da sua redação, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdãos de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.os 85 e 87 e jurisprudência referida, e de 21 de outubro de 2020, BCE/Estate of Espírito Santo Financial Group, C‑396/19 P, não publicado, EU:C:2020:845, n.o 41 e jurisprudência referida).

545    Além disso, o grau de precisão da fundamentação de um ato deve ser proporcionado às possibilidades materiais e às condições técnicas ou de prazo em que este deve ser adotado (v. Acórdãos de 6 de novembro de 2012, Éditions Odile Jacob/Comissão, C‑551/10 P, EU:C:2012:681, n.o 48 e jurisprudência referida, e de 23 de maio de 2019, KPN/Comissão, T‑370/17, EU:T:2019:354, n.o 139 e jurisprudência referida, Acórdão 27 de janeiro de 2021, KPN/Comissão, T‑691/18, não publicado, EU:T:2021:43, n.o 162).

546    Em primeiro lugar, quanto ao programa de resolução, os recorrentes alegam que o CUR apenas forneceu uma versão expurgada do programa de resolução e não apresentou provas subjacentes desse programa. Na réplica, os recorrentes acrescentam que não se podem utilmente prevalecer das suas vias de recurso devido ao facto de o CUR lhe ter recusado o acesso aos documentos‑chave que integram a sua fundamentação, incluindo uma versão não expurgada do programa de resolução.

547    Refira‑se que os recorrentes não fazem referência ao conteúdo do programa de resolução nem explicam quais os elementos que entendem ser insuficientes para compreender o respetivo alcance. Não indicam qual a parte do raciocínio seguido pelo CUR no programa de resolução que não seria suficientemente clara.

548    Por conseguinte, importa considerar que, com estes argumentos, os recorrentes se opõem ao facto de não lhes ter sido comunicada uma versão integral do programa de resolução, bem como os documentos subjacentes ao mesmo. Ora, estes argumentos já foram invocados no âmbito da segunda alegação do segundo fundamento relativo à violação do direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

549    A este respeito, basta recordar que da análise da segunda alegação do segundo fundamento resulta que os recorrentes não podem invocar um direito a receber uma comunicação das versões integrais do programa de resolução, da avaliação 2 ou dos outros documentos nos quais o CUR se baseou para adotar o programa de resolução.

550    Em segundo lugar, no que respeita à Decisão 2017/1246, os recorrentes alegam que a Comissão afirmou simplesmente na sua decisão que aprovava as conclusões do CUR, sem explicação quanto às apreciações a que procedeu para se assegurar que se encontravam preenchidas as condições aplicáveis e que o instrumento de resolução proposto pelo CUR era o mais adequado e proporcionado.

551    Importa referir que resulta do considerando 4 da Decisão 2017/1246 que:

«A Comissão concorda com o programa de resolução. Em especial, concorda com os motivos, invocados pelo CUR, pelos quais a resolução é necessária para a defesa do interesse público em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento n.o 806/2014.»

552    Além do mais, por um lado, no considerando 2 da Decisão 2017/1246, a Comissão referiu o facto de o CUR ter indicado, no programa de resolução, que todas as condições de abertura de um procedimento de resolução enunciadas no artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 806/2014 se encontravam preenchidas no que respeitava ao Banco Popular e que tinha avaliado as razões pelas quais era necessária uma medida de resolução para defesa do interesse público. Por outro lado, no considerando 3 da Decisão 2017/1246, a Comissão referiu que o programa de resolução, em conformidade como artigo 18.o, n.o 6, do Regulamento n.o 806/2014, colocava o Banco Popular sob resolução e determinava a aplicação do instrumento de alienação da atividade e que enunciava igualmente as razões pelas quais todos estes elementos eram suficientes.

553    Daqui resulta que a Comissão, na Decisão 2017/1246, referiu expressamente os motivos pelos quais o CUR considerou que as condições para a adoção do programa de resolução se encontravam preenchidas e que era necessário aplicar o instrumento de alienação da atividade. Assim, a aprovação do programa de resolução constante do considerando 4 da Decisão 2017/1246, deve ser lida à luz desses outros considerandos e diz respeito a todos esses motivos. Nesse considerando, a Comissão indicou expressamente que estava de acordo com os motivos constantes do programa de resolução que justificavam a adoção de uma medida de resolução relativamente ao Banco Popular, especialmente quanto ao critério do interesse público.

554    Assim, há que considerar que o programa de resolução e a respetiva fundamentação fazem parte do contexto em que foi adotada a Decisão 2017/1246, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 544.

555    Ora, como acima se observou no n.o 547, os recorrentes não invocam nenhum argumento destinado a demonstrar que o programa de resolução estava insuficientemente fundamentado.

556    Além disso, importa recordar que, nos termos do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, a Comissão «aprova» o programa de resolução ou apresenta objeções sobre os aspetos discricionários deste.

557    Daqui resulta que, quando a Comissão, como no presente caso, aprova o programa de resolução, a fundamentação da sua decisão pode limitar‑se a indicar que está de acordo com os motivos constantes do mesmo. Qualquer outra justificação suplementar da sua aprovação só pode consistir numa reprodução dos elementos já constantes do programa de resolução. Segundo o artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, a Comissão não tem que repetir a análise do CUR na sua decisão, mas apenas aprová‑la.

558    Por outro lado, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 545, importa ter em conta que, a partir da comunicação do programa de resolução pelo CUR, a Comissão dispõe de um prazo muito curto, nos termos do artigo 18.o, n.o 7, do Regulamento n.o 806/2014, para adotar a sua decisão.

559    Por conseguinte, o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da proteção da confiança legítima

560    A título subsidiário, os recorrentes alegam que, ainda que as condições previstas no artigo 18.o do Regulamento n.o 806/2014 se encontrem preenchidas, o CUR e a Comissão, ao optarem pelo instrumento de alienação da atividade e ao afastarem‑se injustificadamente do plano de resolução de 2016, violaram o princípio da proporcionalidade e o princípio da proteção da confiança legítima.

561    Na petição inicial, indicam não estarem em condições de desenvolver o presente fundamento, na medida em que não tiveram acesso às informações pertinentes, a saber, a versão não expurgada do programa de resolução e a avaliação do BCE sobre a situação ou risco de insolvência do Banco Popular. Na réplica, os recorrentes indicam que não conseguem apresentar argumentos relativos a este fundamento. Afirmam que o CUR e a Comissão não explicaram a sua decisão de recusar dar cumprimento ao plano de resolução de 2016, nem as razões pelas quais não encarregaram a Deloitte de analisar essa questão.

562    Segundo o artigo 76.o do Regulamento de Processo, a petição inicial deve, nomeadamente, conter os fundamentos e os argumentos invocados e uma exposição sumária dos referidos fundamentos. Assim, deve explicitar em que consiste o fundamento no qual o recurso se baseia, pelo que a sua simples enunciação abstrata não cumpre os requisitos do Regulamento de Processo. Além do mais, essa exposição, mesmo sumária, deve ser suficientemente clara e precisa para permitir que o demandado prepare a sua defesa e que o Tribunal Geral decida, eventualmente sem outra informação. Para que um recurso ou, mais especificamente, um fundamento de recurso, sejam admissíveis, a segurança jurídica e uma boa administração da justiça exigem que os elementos essenciais de facto e de direito em que assentam resultem de forma coerente e compreensível do texto da própria petição (v. Acórdãos de 12 de setembro de 2018, De Geoffroy e o./Parlamento, T‑788/16, não publicado, EU:T:2018:534, n.os 72 e 73 e jurisprudência referida, e de 8 de maio de 2019, PT/BEI, T‑571/16, não publicado, EU:T:2019:301, n.o 109 e jurisprudência referida).

563    Observe‑se que, como indicam os próprios recorrentes na petição inicial e na réplica, o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da proteção da confiança legítima não é acompanhado de nenhuma argumentação específica. Por conseguinte, não tendo sido explicitado, deve ser julgado inadmissível.

564    De qualquer modo, quanto ao princípio da proteção da confiança legítima, resulta de jurisprudência constante que o direito de invocar este princípio pressupõe que tenham sido fornecidas ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, pelas autoridades competentes da União. Com efeito, este direito pertence a qualquer sujeito de direito no qual uma instituição, um órgão ou um organismo da União tenha criado esperanças fundadas, ao fornecer‑lhe garantias precisas (v. Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 62 e jurisprudência referida; v., também, nesse sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 178 e jurisprudência referida).

565    Ora, basta referir que os recorrentes não alegam que lhe tenha sido dada qualquer garantia precisa suscetível de lhes ter criado expectativas de que o plano de resolução de 2016 seria aplicado.

566    Por outro lado, uma vez que se deve interpretar a afirmação dos recorrentes, constante da réplica, de que o CUR e a Comissão não tinham explicado a sua decisão de não cumprir o plano de resolução de 2016 como um argumento relativo a uma violação do dever de fundamentação, basta, como fazem a Comissão, o CUR e o Reino de Espanha, remeter para os fundamentos constantes dos considerandos 19 a 22 do programa de resolução, que não são impugnados pelos recorrentes.

567    Por conseguinte, o oitavo fundamento deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao pedido de medidas de organização do processo

568    Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de outubro de 2018, os recorrentes requereram ao Tribunal Geral que ordenasse ao CUR e à Comissão, através de uma medida de organização do processo nos termos do artigo 88.o do Regulamento de Processo, a apresentação de um determinado número de documentos cuja lista foi anexada ao requerimento. Os recorrentes indicam que os documentos pedidos correspondem às alegações factuais contidas nas contestações do CUR e da Comissão e que devem ser divulgados para permitir responder‑lhes. Entendem que, sem esses documentos, não é possível aos recorrentes apresentar resposta às contestações e ao Tribunal Geral apreciar a legalidade das decisões recorridas.

569    A Comissão e o CUR consideram que esse requerimento não está em conformidade com as exigências do artigo 88.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, na medida em que os recorrentes não justificaram as razões pelas quais não puderam apresentar anteriormente esse pedido anterior e não expuseram com precisão os motivos pelos quais os documentos solicitados seriam necessários à decisão da causa.

570    Refira‑se que, por Despacho de diligências de instrução, de 21 de maio de 2021, nos termos do artigo 91.o, alínea b), do artigo 92.o, n.o 3, e do artigo 103.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral ordenou ao CUR a apresentação de determinados documentos acima referidos no n.o 95. Por Despacho de 16 de junho de 2021, o Tribunal Geral considerou que os documentos apresentados pelo CUR na sua versão confidencial não eram pertinentes para a decisão da causa. Em contrapartida, a carta do Banco Popular ao BCE de 6 de junho de 2017, sem o respetivo anexo, foi comunicada às outras partes.

571    No que respeita aos pedidos de medidas de organização do processo ou de diligências de instrução apresentados por uma parte num litígio, há que lembrar que cabe exclusivamente ao Tribunal Geral decidir da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe nos processos que lhe são submetidos (v. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.o 117 e jurisprudência referida, Acórdão de 12 de novembro de 2020, Fleig/SEAE, C‑446/19 P, não publicado, EU:C:2020:918, n.o 53).

572    A este respeito, importa lembrar que, para permitir ao Tribunal Geral apreciar a utilidade de medidas de organização do processo, a parte que formula o pedido deve identificar os documentos pedidos e fornecer ao Tribunal, pelo menos, um mínimo de elementos que justifiquem a utilidade dos referidos documentos para a instância (v. Acórdãos de 28 de julho de 2011, Diputación Foral de Vizcaya e o./Comissão, C‑474/09 P a C‑476/09 P, não publicado, EU:C:2011:522, n.o 92 e jurisprudência referida, e de 20 de março de 2019, Hércules Club de Fútbol/Comissão, T‑766/16, EU:T:2019:173, n.o 29 e jurisprudência referida).

573    No presente caso, refira‑se que os elementos dos autos e as explicações dadas na audiência são suficientes para permitir ao Tribunal Geral pronunciar‑se, podendo decidir utilmente com base nos pedidos, nos fundamentos e nos argumentos desenvolvidos durante a instância e atendendo aos documentos apresentados pelas partes.

574    Daí resulta que o requerimento de medidas de organização do processo dos recorrentes deve ser indeferido, sem que seja necessário conhecer da sua admissibilidade ao abrigo do artigo 88.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

575    Há que concluir que deve ser integralmente negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

576    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas do CUR e do Banco Santander, em conformidade com os respetivos pedidos.

577    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Assim, o Reino de Espanha, o Parlamento e o Conselho suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      Negase provimento ao recurso.

2)      Antonio Del Valle Ruíz e os outros recorrentes cujos nomes figuram em anexo suportarão as suas próprias despesas e as despesas da Comissão Europeia, do Conselho Único de Resolução (CUR) e do Banco Santander, SA.

3)      O Reino de Espanha, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de junho de 2022.



Índice



*      Língua do processo: inglês.


1      A lista dos outros recorrentes só se encontra anexa à versão notificada às partes.