Language of document : ECLI:EU:T:2013:10

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

15 de janeiro de 2013 (*)

«FEDER — Redução de um apoio financeiro — Contribuição para o Programa Operacional, Objetivo n.° 1 (2000‑2006), relativo à Região de Andaluzia (Espanha) — Artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 1260/1999 — Prazo de três meses — Diretiva 93/36/CEE — Procedimento negociado sem publicação prévia de anúncio de concurso»

No processo T‑54/11,

Reino de Espanha, representado inicialmente por M. Muñoz Pérez, em seguida por S. Martínez‑Lage Sobredo, e por último por A. Rubio González e N. Díaz Abad, abogados del Estado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Steiblytė e J. Baquero Cruz, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um recurso de anulação da decisão C (2010) 7700 final da Comissão, de 16 de novembro de 2010, que reduz a contribuição do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) para o Programa Operacional Integrado, Objetivo n.° 1 de Andaluzia (2000‑2006), na medida em que impõe uma correção financeira de 100% dos custos financiados pelo FEDER no que se refere aos contratos n.os 2075/2003 e 2120/2005,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: O. Czúcz, presidente, I. Labucka (relatora) e D. Gratsias, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de junho de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O Regulamento (CE) n.° 1260/1999 do Conselho, de 21 de junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais (JO L 161, p. 1), adotado no âmbito da política de coesão económica e social da União Europeia, visa reduzir as discrepâncias de desenvolvimento entre as várias regiões da União e promover a referida coesão económica e social. Destinado a melhorar a eficácia das intervenções estruturais comunitárias, simplifica o funcionamento dos fundos, em particular através da redução do número de objetivos prioritários de intervenção de sete, no período de 1994‑1999, para três, para o período de 2000‑2006, e determina de maneira mais precisa as responsabilidades dos Estados‑Membros e da União durante a programação, a implementação, o seguimento, a avaliação e o controlo.

2        Pela decisão C (2000) 3965, de 29 de dezembro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou o Programa Operacional Integrado, Objetivo n.° 1 de Andaluzia (Espanha) (2000‑2006), e fixou a contribuição máxima dos fundos estruturais em 6 152 700 000 euros. Esta decisão foi objeto de várias alterações, a última pela decisão C (2007) 1782 da Comissão, de 16 de fevereiro de 2007, que fixou a contribuição máxima do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) em 6 427 411 070 euros.

3        Um dos projetos incluídos na referida contribuição consistia na elaboração de um cartão de saúde do Serviço de Saúde da Andaluzia (projeto Tarjeta sanitaria del Servicio Andaluz de Salud), cuja finalidade era o desenvolvimento e a colocação em funcionamento de um «dossier» médico em linha único para cada cidadão da Comunidad Autónoma de Andalucía, ao qual poderiam ter acesso os profissionais da saúde pública dessa comunidade.

4        O projeto tem a sua origem num acordo de cooperação de 24 de julho de 1995, concluído entre a Administração‑Geral do Estado (Ministério do Trabalho) e o governo regional (Junta de Andalucía), para utilizar um cartão de saúde individual comum para os cuidados de saúde — gerido pelo Governo Regional de Andaluzia — e para a Segurança Social — gerido pela Administração‑Geral do Estado. A execução do referido acordo implicava a afetação de um sistema de informação aos Centros de Salud (cuidados básicos) de diversas províncias da Andaluzia (Almería, Córdova, Jaén, Málaga, Cádiz).

5        Posteriormente, o Serviço de Saúde da Andaluzia (a seguir «SAS») completou a informatização das outras províncias com o projeto denominado Diraya, concebido tendo em vista a constituição de um «dossier» médico eletrónico, a «Historia de Salud Digital del Ciudadano». Para este fim, o SAS desenvolveu e implantou em fases sucessivas um sistema de informação criado com base no projeto inicial do cartão de saúde.

6        Dado que a fase III do projeto apresentou insuficiências e riscos, o SAS viu‑se obrigado a realizar as fases IV‑1, IV‑2 e V. A fase IV‑1, para a qual foi assinado o contrato de fornecimento n.° 2075/2003, consistia na realização de um projeto‑piloto nos hospitais de Córdova (Espanha) e Sevilha (Espanha), relativo à migração dos dados clínicos locais para uma base de dados centralizada (base de dados de utilizadores única), para centralizar as informações num centro de tratamento de informação, permitindo a interoperabilidade entre os centros de saúde. O SAS elaborou um projeto chave na mão, fornecendo o equipamento necessário para realizar a centralização das bases de dados e garantindo a sua colocação em funcionamento. Por seu turno, o contrato de fornecimento n.° 2120/2005 tinha como finalidade completar esse contrato, fornecendo servidores informáticos locais aos centros de saúde para resolver os problemas de capacidade constatados no projeto. Este último contrato foi necessário para atingir os objetivos fixados pela fase IV‑1 do projeto. Estes dois contratos de fornecimento foram atribuídos à empresa adjudicatária no quadro de um procedimento negociado sem publicação prévia de um anúncio de concurso.

7        No quadro de uma auditoria efetuada em todos os Estados‑Membros, para verificar o funcionamento dos sistemas de gestão e de controlo do FEDER no período de 2000‑2006, a Comissão analisou os procedimentos de verificação levados a cabo pelo organismo intermediário, a Junta de Andalucía, nos termos do artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 438/2001 da Comissão, de 2 de março de 2001, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1260/1999 no que respeita aos sistemas de gestão e de controlo das intervenções no quadro dos Fundos estruturais (JO L 63, p. 21).

8        Após esse exame, as conclusões preliminares da auditoria foram comunicadas às autoridades espanholas, por relatório de 25 de abril de 2007, e essas autoridades transmitiram informações complementares em 30 de outubro de 2009.

9        Nos termos do artigo 39.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1260/1999, foi organizada uma reunião em Bruxelas (Bélgica), em 25 de fevereiro de 2010, no decurso da qual as autoridades espanholas se comprometeram a fornecer informações complementares, o que fizeram em 17 de março de 2010.

10      Por carta de 15 de abril de 2010, a Comissão enviou às autoridades espanholas a ata provisória da reunião, sobre a qual formularam as suas observações por correio eletrónico de 29 de abril de 2010.

11      A versão final da ata da reunião foi enviada pela Comissão às autoridades espanholas por carta de 30 de junho de 2010.

12      Pela decisão C (2010) 7700 final, de 16 de novembro de 2010, que reduz a contribuição do FEDER para o Programa Operacional Integrado, Objetivo n.° 1 de Andaluzia (2000‑2006) (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão reduziu o montante da ajuda concedida ao referido programa em 3 836 360,40 euros. Esta correção financeira, notificada às autoridades espanholas em 17 de novembro de 2010, foi efetuada porque os contratos n.° 2075/2003 e n.° 2120/2005 (a seguir, em conjunto, «contratos controvertidos»), apresentados para cofinanciamento, tinham sido atribuídos recorrendo a um procedimento negociado sem publicação prévia de anúncio de concurso, em violação do direito da União em matéria de contratos públicos.

13      Em 25 de janeiro de 2011, as autoridades espanholas enviaram o pedido de pagamento final à Comissão.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de janeiro de 2011, o Reino de Espanha interpôs o presente recurso.

15      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada, na medida em que impõe uma correção financeira de 100% dos custos financiados pelo FEDER para os contratos controvertidos;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso na íntegra;

¾        condenar o Reino de Espanha nas despesas.

 Questão de direito

17      Em apoio do seu recurso de anulação, o Reino de Espanha invoca dois fundamentos, baseados, respetivamente, no incumprimento do prazo de três meses previsto no artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999, bem como na aplicação indevida do artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do mesmo regulamento e das normas do direito da União em matéria de contratos públicos.

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado no incumprimento do prazo de três meses previsto no artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999

18      O Reino de Espanha sustenta que a decisão impugnada foi adotada depois de ter decorrido o prazo previsto no artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999 e que, por conseguinte, está ferida de ilegalidade.

19      As partes estão em desacordo principalmente quanto à questão de saber se o prazo previsto no artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999 é imperativo ou apenas indicativo. Com efeito, desta questão depende a validade da decisão impugnada.

20      O Reino de Espanha considera que, no caso de não se chegar a um acordo na reunião bilateral prevista no artigo 39.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1260/1999, a Comissão dispõe de um prazo de três meses para adotar uma decisão de reduzir o adiantamento ou efetuar correções financeiras. Uma vez decorrido esse prazo, já não pode tomar tal decisão. O Reino de Espanha afirma que esta interpretação do artigo 39.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1260/1999 é a única que lhe confere um efeito útil. Acrescenta que este prazo é um «prazo de caducidade», que visa garantir o princípio da segurança jurídica que protege os Estados‑Membros. Com efeito, trata‑se de um prazo razoável para que os Estados‑Membros saibam se os gastos efetuados serão ou não financiados pela União no quadro do FEDER.

21      A Comissão considera, ao invés, que esse prazo é puramente indicativo e que o incumprimento do referido prazo não implica a caducidade do «dossier». A este respeito, apoia‑se na jurisprudência do Tribunal de Justiça, proferida relativamente ao Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), da qual entende resultar que os prazos como o estabelecido no artigo 39.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1260/1999 são indicativos, uma vez que nenhuma sanção é prevista em caso de inobservância pela Comissão. Trata‑se, por isso, de um prazo indicativo. A Comissão justifica este caráter indicativo pela natureza das correções financeiras, que têm como finalidade essencial assegurar que as despesas realizadas pelas autoridades nacionais estejam em conformidade com o direito da União.

22      O artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999 prevê que, «[n]o termo do prazo fixado pela Comissão, na falta de acordo e de correções do Estado‑Membro, a Comissão pode decidir, no prazo de três meses, tendo em conta as eventuais observações do Estado‑Membro, [e]fectuar as correções financeiras necessárias, suprimindo total ou parcialmente a participação dos Fundos na intervenção em causa».

23      Nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 448/2001 da Comissão, de 2 de março de 2001, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.° 1260/1999 no que respeita ao procedimento para a realização de correções financeiras aplicáveis às intervenções no quadro dos Fundos estruturais (JO L 64, p. 13), «[n]o caso de o Estado‑Membro contestar as observações feitas pela Comissão e de ter lugar a reunião prevista no segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 39.° do Regulamento [...] n.° 1260/1999, o período de três meses durante o qual a Comissão poderá decidir nos termos do n.° 3 do artigo 39.° do mesmo regulamento[…] começará a contar a partir da data da referida reunião».

24      Não resulta da letra destes artigos que a inobservância do prazo de três meses impede que a Comissão adote, após ter decorrido esse prazo, uma decisão pela qual procede a correções financeiras ou a elas renuncia. Por conseguinte, a inobservância de tal prazo não dá lugar a uma decisão implícita de tomada a cargo pelo FEDER das despesas realizadas pelas autoridades nacionais.

25      Esta conclusão é plenamente corroborada, em primeiro lugar, por uma interpretação teleológica do artigo 39.° do Regulamento n.° 1260/1999. Recorde‑se, a este propósito, que, segundo a jurisprudência, o objetivo essencial do procedimento de apuramento das contas é assegurar que as despesas realizadas pelas autoridades nacionais o foram de acordo com as normas da União (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de janeiro de 1988, Dinamarca/Comissão, 349/85, Colet., p. 169, n.° 19).

26      Para isso, os artigos 38.° e 39.° do Regulamento n.° 1260/1999 estabelecem um procedimento de cooperação entre os Estados‑Membros e a Comissão, que oferece aos Estados‑Membros afetados todas as garantias necessárias para apresentar o seu ponto de vista (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 1998, Grécia/Comissão C‑61/95, Colet., p. I‑207, n.° 39). De acordo com esse procedimento, a Comissão e os Estados‑Membros, num espírito de cooperação assente na parceria, esforçam‑se por identificar e analisar todos os dados pertinentes, para evitar que o FEDER tome a seu cargo despesas irregulares e para aplicar as correções financeiras necessárias.

27      Importa ainda sublinhar que a Comissão está obrigada a excluir que o FEDER tome a seu cargo despesas que não tenham sido efetuadas em conformidade com as regras da União. Esta obrigação não desaparece pelo simples facto de a decisão da Comissão ser adotada após o termo do prazo de três meses a partir da data da reunião, previsto pelo artigo 39.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1260/1999, lido em conjugação com o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 448/2001. Na falta de sanções relacionadas com a inobservância desse prazo por parte da Comissão, e tendo em conta a natureza do procedimento previsto nos artigos 38.° e 39.° do Regulamento n.° 1260/1999, cujo objeto essencial é garantir que as despesas realizadas pelas autoridades nacionais estão em conformidade com as regras da União, o referido prazo apenas deve ser considerado indicativo, salvo se forem afetados os interesses de um Estado‑Membro (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 22 de maio de 2012, Portugal/Comissão, T‑345/10, não publicado na Coletânea, n.° 32). A Comissão deve esforçar‑se por respeitar esse prazo, mas, devido à eventual complexidade do controlo das referidas despesas, pode precisar de mais tempo para proceder a uma análise aprofundada da situação, de modo a evitar que sejam tomadas a cargo despesas irregulares.

28      Logo, pode concluir‑se que, como uma intenção contrária do legislador não resulta claramente do artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999 nem do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 448/2001, o referido prazo apresenta, em princípio, apenas um caráter indicativo e a sua inobservância não afeta a legalidade da decisão da Comissão. Esta interpretação não priva o artigo 39.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1260/1999 do seu efeito útil, como afirma o Reino de Espanha no presente processo, dado que resulta claramente do n.° 3, último parágrafo, do referido artigo que, «[s]e não se optar por nenhuma das decisões previstas nas alíneas a) ou b), cessará imediatamente a suspensão dos pagamentos intermédios». Importa ainda notar que o Reino de Espanha não invocou nem demonstrou que os seus interesses tivessem sido afetados pelo incumprimento do prazo controvertido.

29      No entanto, na falta de uma disposição que fixe um prazo imperativo no Regulamento n.° 1260/1999, a exigência fundamental de segurança jurídica opõe‑se a que a Comissão possa retardar indefinidamente o exercício das suas competências (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, Colet., p. I‑7869, n.° 140).

30      A este respeito, e embora o argumento do Reino de Espanha possa igualmente ser interpretado como visando criticar a Comissão por não ter adotado a decisão impugnada num prazo razoável, importa sublinhar que o exame da tramitação do procedimento não revelou a existência de um atraso contrário às exigências fundamentais da segurança jurídica e do prazo razoável. Em particular, nos termos do artigo 39.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1260/1999, foi organizada uma reunião em Bruxelas, em 25 de fevereiro de 2010, entre a Comissão e o Reino de Espanha, a fim de chegar a um acordo sobre as observações apresentadas pela Comissão e relativas à falta de justificação da participação do FEDER para os dois contratos controvertidos, no quadro do projeto de cartão de saúde. As partes reconhecem que, quando dessa reunião, o Reino de Espanha se obrigou a fornecer à Comissão informações complementares, o que fez em 17 de março de 2010. A versão final da ata da reunião foi enviada pela Comissão às autoridades espanholas por carta de 30 de junho de 2010. No presente processo, é pacífico que as informações transmitidas continham elementos novos, nos quais a Comissão se apoiou para adotar a decisão impugnada em 16 de novembro de 2010.

31      Resulta das considerações precedentes que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado na aplicação indevida do artigo 39.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 1260/1999 e das normas da União em matéria de contratos públicos

32      O Reino de Espanha critica a Comissão por ter corrigido a parte do financiamento do projeto pelo FEDER, pela razão de que os contratos controvertidos não tinham sido celebrados no respeito da legislação da União em matéria de contratos públicos. Considera, pelo contrário, que os referidos contratos foram adjudicados regularmente.

33      O presente fundamento divide‑se, no essencial, em duas partes, cada uma das quais justifica, segundo o Reino de Espanha, o recurso ao procedimento negociado sem publicação prévia de anúncio de concurso. A primeira assenta na afirmação de que a finalidade dos contratos controvertidos, consistindo no fornecimento de um produto fabricado para fins de investigação, ensaio, estudo ou desenvolvimento, justifica o recurso ao procedimento negociado, em virtude do artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1). A segunda assenta na afirmação de que os contratos controvertidos apresentam especificidades técnicas, que legitimam o recurso a este procedimento excecional, em virtude do artigo 6.°, n.° 3, alínea c), desta mesma diretiva.

34      Recorde‑se, em primeiro lugar, que o procedimento negociado tem caráter excecional, e que o artigo 6.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 93/36 enumera taxativa e expressamente as únicas exceções que permitem o recurso ao procedimento negociado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2008, Comissão/Itália, C‑337/05, Colet., p. I‑2173, n.° 56 e a jurisprudência referida).

35      Importa igualmente recordar que, segundo jurisprudência constante, essas disposições, como derrogações às regras que têm por finalidade garantir a efetividade dos direitos reconhecidos pelo direito da União no setor dos contratos públicos, devem ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑275/08, não publicado na Coletânea, n.° 55 e a jurisprudência referida).

36      Além disso, cumpre recordar que o ónus da prova da existência efetiva das circunstâncias excecionais que justificam tais derrogações incumbe a quem as pretende invocar (v., neste sentido, acórdãos Comissão/Itália, referido no n.° 34 supra, n.° 58, e Comissão/Alemanha, referido no n.° 35 supra, n.° 56).

37      Logo, no caso vertente, importa verificar se o Reino de Espanha provou que os contratos controvertidos podiam, em aplicação do artigo 6.°, n.° 3, alíneas b) ou c), da Diretiva 93/36, ser objeto de um procedimento negociado sem publicação prévia de anúncio de concurso.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa ao artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 93/36

38      O Reino de Espanha afirma que a fase III do projeto apresentava uma série de insuficiências e de riscos, inerentes ao caráter local do projeto, que tornavam impossíveis a centralização e a troca de dados entre os diferentes centros de saúde do SAS. No quadro do projeto e do plano de ação da Comissão a favor do espaço europeu de saúde em linha, o SAS propôs um objetivo inédito, que permitiria a interoperabilidade entre os centros de saúde, garantindo a mobilidade geográfica dos pacientes. Sublinha que esse novo objetivo apresentava um caráter extremamente delicado, e que parecia aconselhável realizar primeiro um projeto‑piloto, relativo a uma zona de cuidados de saúde de caráter rural e um hospital geral de caráter urbano.

39      O Reino de Espanha afirma que o referido projeto‑piloto consistia no estudo e na experimentação das modalidades segundo as quais se devia proceder a uma transferência segura dos dados locais para uma base de dados de utilizadores, e, nesse sentido, tratava‑se de desenvolver um novo produto informático destinado à execução dessa transferência de forma completamente segura, para permitir, uma vez comprovada a fiabilidade do sistema, proceder à transferência dos dados de outros centros do SAS não incluídos no projeto‑piloto. Esse projeto tinha como finalidade proceder a ensaios destinados a encontrar o modo adequado de efetuar essa transferência. Considera que isto justifica a qualificação de «produto fabricado apenas para fins de investigação, ensaio, estudo ou desenvolvimento».

40      Recorde‑se que, em virtude do artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 93/36, quando se trate de produtos fabricados apenas para fins de investigação, ensaio, estudo ou desenvolvimento, as entidades adjudicantes podem adjudicar contratos de fornecimento por meio do processo por negociação, sem publicação prévia de anúncio de concurso. Exclui‑se do âmbito desta disposição a produção em quantidade destinada a determinar a viabilidade comercial dos produtos ou que tenha em vista a amortização dos custos de investigação e desenvolvimento.

41      Resulta dos autos que as autoridades espanholas conheciam perfeitamente o material necessário para atingir o seu objetivo. Nenhum elemento do caderno de especificações técnicas dos dois contratos deixa entrever que a empresa adjudicatária deveria conceber um novo produto para fins de investigação, ensaio, estudo ou desenvolvimento. Com efeito, tratava‑se da instalação de material informático e não informático bem definido, descrito de maneira muito detalhada pelas autoridades espanholas, e já existente no mercado, o que um fornecedor normal do setor estaria em condições de fazer.

42      Quanto ao caderno de especificações técnicas do contrato n.° 2075/2003, importa constatar que, segundo o seu título e o seu objeto, se trata de um «contrato de fornecimento de cablagem, de equipamento de comunicação, de servidores e de equipamento periférico para a adaptação do ‘dossier’ médico digital do cidadão aos setores da saúde, consultas externas e urgências hospitalares como fase IV‑1 do projeto Tarjeta Sanitaria (Diraya) de Servicio Andaluz de Salud». Este texto é retomado na descrição do objeto na página 2 do documento. A seguir, os capítulos 3 a 6 do caderno de especificações técnicas apresentam de maneira detalhada todo o material informático e não informático que constituía o objeto do contrato. O mesmo sucede com o orçamento, onde figuram os produtos e mesmo as marcas dos produtos a fornecer.

43      No que diz respeito à instalação do material, os capítulos 3.7.1 e 4.8.1 do caderno de especificações técnicas indicavam toda uma série de meros serviços de instalação que um fornecedor normal do setor teria podido prestar à entidade adjudicante.

44      Os capítulos 5.1 e 5.2 do caderno de especificações técnicas seguem a mesma estrutura no que se refere ao centro de tratamento de informação.

45      Resulta do exposto que todos os detalhes relativos ao material, à supervisão, à qualidade do serviço, à segurança e aos serviços eram descritos com precisão no caderno de encargos. Nestas condições, deve concluir‑se que o contrato n.° 2075/2003 não é um contrato destinado ao fornecimento de produtos fabricados apenas para fins de investigação, ensaio, estudo ou desenvolvimento, na aceção do artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 93/36.

46      No que diz respeito ao caderno de especificações técnicas do contrato n.° 2120/2005, importa assinalar que, segundo o seu título e o seu objeto, se trata de um «contrato de equipamento e suporte complementar para a fase IV‑1 do projeto Tarjeta Sanitaria (Diraya) do Servicio Andaluz de Salud».

47      O n.° 1 do caderno de especificações técnicas dispõe que o «dossier» C‑2075/03 (a saber, o contrato n.° 2075/2003) constituía a base para implementar o projeto Diraya para a Andaluzia na zona de saúde Norte de Córdova e num hospital de Sevilha. As ações futuras para a implementação de Diraya no resto do sistema de saúde resultam da sua preparação, verificação e avaliação.

48      Os capítulos 3 a 12 do caderno de especificações técnicas indicam clara e precisamente o material informático e não informático requerido, bem como as marcas e modelos. O orçamento é igualmente detalhado. Por último, o capítulo 13 do caderno de especificações técnicas descreve os serviços objeto do contrato, isto é, a instalação e a colocação em funcionamento dos fornecimentos descritos nos capítulos precedentes do caderno de encargos. Também quanto a esse contrato, a entidade adjudicante conhecia perfeitamente as suas necessidades e os equipamentos e serviços necessários para as satisfazer.

49      Decorre do exposto que o contrato n.° 2120/2005 também não pode ser considerado um contrato destinado ao fornecimento de produtos fabricados apenas para fins de investigação, ensaio, estudo ou desenvolvimento, na aceção do artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 93/36.

50      Resulta de todas as considerações precedentes, e sem que seja necessário examinar a admissibilidade da presente parte do segundo fundamento, que é contestada pela Comissão, que a referida parte deve ser julgada improcedente, uma vez que as autoridades espanholas não demonstraram que os contratos controvertidos podiam, em aplicação do artigo 6.°, n.° 3, alínea b), da Diretiva 93/36, ser objeto de um procedimento negociado sem publicação de anúncio de concurso.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa ao artigo 6.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 93/36

51      O Reino de Espanha alega que o projeto‑piloto apresenta uma especificidade técnica, relacionada com a introdução do sistema e a migração dos dados. Sustenta que era indispensável aplicar certos procedimentos de transferência exaustivos e seguros, que se deviam basear necessariamente num conhecimento aprofundado dos modelos de dados, esquemas, quadros e das relações entre entidades das bases de dados locais existentes na fase III do projeto. Ora, em seu entender, a empresa adjudicatária era a única empresa que dispunha de tais conhecimentos, uma vez que geria e explorava essas instalações locais quando o contrato foi adjudicado, como empresa adjudicatária das fases anteriores do projeto de cartão de saúde.

52      Recorde‑se que, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 93/36, as entidades adjudicantes podem adjudicar contratos de fornecimentos por meio do processo por negociação, sem publicação prévia de anúncio de concurso, quando se trate de produtos cujo fabrico ou entrega, devido à sua especificidade técnica ou artística, ou por razões relativas à proteção de direitos exclusivos, apenas possam ser confiados a um fornecedor determinado.

53      Importa constatar que não resulta dos documentos apresentados pelas partes no processo que o Reino de Espanha tenha investigado se existiam empresas que podiam responder às exigências do concurso nas mesmas condições, ou mesmo em melhores condições que a empresa adjudicatária. O Reino de Espanha não alega ter efetuado nenhuma diligência nesse sentido, nem em território espanhol nem, de modo mais geral, a nível da União. O Reino de Espanha limita‑se a sublinhar que a empresa adjudicatária estava especialmente bem colocada para responder às exigências do concurso, devido à especificidade técnica dos contratos controvertidos, relacionada com a introdução do sistema e a migração dos dados, porque lhe tinham sido atribuídos contratos nas fases anteriores à fase IV‑1 e, portanto, tinha já um conhecimento exaustivo das bases de dados locais existentes.

54      Note‑se, a este respeito, que isto não demonstra que essa empresa era a única que tinha esses conhecimentos e que uma outra empresa não teria sido capaz de os adquirir. Com efeito, não se pode excluir que, se tivessem sido realizadas investigações cuidadosas na União, teria sido possível identificar empresas capazes de prestar um serviço adequado (v., neste sentido, acórdão Comissão/Alemanha, referido no n.° 35 supra, n.os 62 e 63). Acresce que o Reino de Espanha também não explicou por que motivo os contratos controvertidos apresentavam uma tal especificidade técnica que justificava o recurso ao procedimento negociado sem publicação prévia de anúncio de concurso. No presente processo, trata‑se de contratos de fornecimento de produtos standard (v. n.os 45 a 47, 50 e 51 supra).

55      Por conseguinte, o Reino de Espanha não pode invocar validamente o artigo 6.°, n.° 3, alínea c), da Diretiva 93/36 para justificar, no que respeita aos contratos controvertidos, o recurso ao procedimento negociado sem publicação prévia de anúncio de concurso.

56      Resulta das considerações precedentes que a segunda parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente.

57      Por consequência, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente e, portanto, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

58      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino de Espanha sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, de acordo com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

Czúcz

Labucka

Gratsias

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de janeiro de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.