Language of document : ECLI:EU:T:2022:689

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

9 de novembro de 2022 (*) (i)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos varões para betão — Decisão que constata uma infração ao artigo 65.o CA, depois do fim da vigência do Tratado CECA, ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Fixação dos preços — Limitação e controlo da produção ou das vendas — Decisão tomada na sequência da anulação de decisões anteriores — Realização de uma nova audição na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Prazo razoável — Dever de fundamentação»

No processo T‑655/19,

Ferriera Valsabbia SpA, com sede em Odolo (Itália),

Valsabbia Investimenti SpA, com sede em Odolo,

representadas por D. Fosselard, D. Slater e G. Carnazza, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Rossi, G. Conte e C. Sjödin, na qualidade de agentes, assistidos por P. Manzini, advogado,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE por meio do qual é requerida a anulação da Decisão C(2019) 4969 final da Comissão, de 4 de julho de 2019, relativa a uma violação do artigo 65.o do Tratado CECA (Processo AT.37956 — Varões para betão), na parte em que declara que as recorrentes violaram esta disposição e em que as condena solidariamente no pagamento de uma coima de 5,125 milhões de euros,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto, nas deliberações, por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise, P. Nihoul (relator), R. Frendo e J. Martín y Pérez de Nanclares, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 2 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        As recorrentes, a Ferriera Valsabbia SpA e a Valsabbia Investimenti SpA, são sociedades de direito italiano, que resultaram da cisão, em 1 de março de 2000, da Ferriera Valsabbia SpA, sociedade de direito italiano ativa no setor dos varões para betão desde 1954. A parte operacional desta última foi cedida à Enifer Srl, que passou a ter a designação social Ferriera Valsabbia. A Valsabbia Investimenti controla 100 % do capital da atual Ferriera Valsabbia.

 Primeira decisão da Comissão (2002)

2        Entre outubro e dezembro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias efetuou, em conformidade com o disposto no artigo 47.o CA, inspeções junto de empresas italianas produtoras de varões para betão, entre as quais as recorrentes, e de uma associação de empresas, a Federazione imprese siderurgiche italiane (Federação das Empresas Siderúrgicas Italianas, a seguir «Federacciai»). Ao abrigo desta disposição, também lhes enviou pedidos de informações.

3        Em 26 de março de 2002, a Comissão abriu um processo de aplicação do artigo 65.o CA e apresentou acusações ao abrigo do artigo 36.o CA (a seguir «comunicação de acusações») que foram nomeadamente notificadas às recorrentes. Estas responderam à comunicação de acusações em 14 de maio de 2002.

4        A audição das partes no procedimento administrativo realizou‑se em 13 de junho de 2002.

5        Em 12 de agosto de 2002, a Comissão enviou, aos mesmos destinatários, acusações suplementares (a seguir «comunicação de acusações suplementares»), ao abrigo do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.o] e [82.o CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22). Explicou a sua posição a respeito de qual seria a tramitação do procedimento depois de 23 de julho de 2002, data em que o Tratado CECA deixara de vigorar. As recorrentes responderam a esta comunicação de acusações suplementares em 20 de setembro de 2002

6        Em 30 de setembro de 2002 realizou‑se uma nova audição das partes no âmbito do procedimento administrativo, na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros. Teve por objeto a comunicação de acusações suplementares, a saber, as consequências jurídicas decorrentes do fim da vigência do Tratado CECA na tramitação do procedimento.

7        No final do procedimento administrativo, a Comissão adotou a Decisão C (2002) 5087 final, de 17 de dezembro de 2002, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.o do Tratado CECA (COMP/37.956 — Varões para betão) (a seguir «decisão de 2002»), de que foram destinatárias a Federacciai e oito empresas, entre as quais as recorrentes. Nesta decisão, a Comissão constatou que estas últimas, entre dezembro de 1989 e julho de 2000, implementaram um acordo único, complexo e contínuo no mercado italiano dos varões para betão em barras ou em rolos (a seguir «varões para betão») que teve por objeto ou por efeito fixar preços e limitar ou controlar a produção ou as vendas, o que contraria o artigo 65.o, n.o 1, CA. A este título, a Comissão aplicou, a título solidário, uma coima às recorrentes no montante de 10,25 milhões de euros.

8        Em 5 de março de 2003, as recorrentes interpuseram recurso da decisão de 2002 no Tribunal Geral. Este anulou a referida decisão na parte em que dizia respeito às recorrentes (Acórdão de 25 de outubro de 2007, SP e o./Comissão, T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03, EU:T:2007:317) e às outras empresas destinatárias porque a base jurídica utilizada, ou seja, o artigo 65.o, n.os 4 e 5, CA, já não estava em vigor no momento em que a decisão foi adotada. Por este motivo, a Comissão não tinha competência, ao abrigo destas disposições, para declarar e punir uma infração ao artigo 65.o, n.o 1, CA depois de o Tratado CECA ter deixado de vigorar. O Tribunal Geral não se pronunciou sobre os outros aspetos desta decisão.

9        A decisão de 2002 tornou‑se definitiva em relação à Federacciai, que não interpôs recurso no Tribunal Geral.

 Segunda decisão da Comissão (2009)

10      Por carta de 30 de junho de 2008, a Comissão informou as recorrentes e as outras empresas em causa da sua intenção de adotar uma nova decisão, corrigindo a base jurídica utilizada. Indicou, além disso, que a referida decisão se basearia em provas apresentadas na comunicação de acusações e na comunicação de acusações suplementares. As recorrentes, depois de terem sido convidadas a fazê‑lo pela Comissão, apresentaram observações escritas em 4 de setembro de 2008.

11      Em 30 de setembro de 2009, a Comissão adotou uma nova decisão, a Decisão C(2009) 7492 final, relativa a um processo de aplicação do Artigo 65.o do Tratado CECA (processo COMP/37.956 — Varões para betão, readoção), de que foram destinatárias as mesmas empresas que haviam sido destinatárias da Decisão de 2002, entre as quais as recorrentes. Esta decisão foi adotada ao abrigo das regras processuais do Tratado CE e do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1). Assentou nos elementos referidos na comunicação de acusações e na comunicação de acusações suplementares e retomou, em substância, o teor e as conclusões da Decisão de 2002. Em especial, manteve‑se inalterado o montante da coima, 10,25 milhões de euros, aplicada, a título solidário, às recorrentes.

12      Em 8 de dezembro de 2009, a Comissão adotou uma decisão modificativa, que integrava, no seu anexo, os quadros que ilustravam as variações de preços que não constavam da sua Decisão de 30 de setembro de 2009 e que corrigiu as remissões numeradas para os referidos quadros em oito notas de pé de página.

13      Em 17 de fevereiro de 2010, as recorrentes interpuseram no Tribunal Geral recurso da Decisão de 30 de setembro de 2009 da Comissão, conforme alterada (a seguir «Decisão de 2009»). Em 9 de dezembro de 2014, o Tribunal Geral negou provimento a este recurso (Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Ferriera Valsabbia e Valsabbia Investimenti/Comissão, T‑92/10, não publicado, EU:T:2014:1032). O Tribunal Geral anulou parcialmente a Decisão de 2009 em relação a outra das suas destinatárias, reduziu o montante da coima aplicada a duas outras destinatárias e negou provimento aos demais recursos.

14      Em 20 de fevereiro de 2015, as recorrentes interpuseram no Tribunal de Justiça recurso do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Ferriera Valsabbia e Valsabbia Investimenti/Comissão, T‑92/10, não publicado, EU:T:2014:1032). Através do Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), o Tribunal de Justiça anulou o referido acórdão do Tribunal Geral e a Decisão de 2009 em relação, nomeadamente, às recorrentes.

15      No Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), o Tribunal de Justiça declarou que quando uma decisão é adotada ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003, o procedimento que conduz a esta decisão deve ser conforme com as regras processuais previstas neste regulamento e no Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), ainda que esse procedimento se tenha iniciado antes da respetiva entrada em vigor.

16      Ora, o Tribunal de Justiça constatou que, no caso concreto, não se podia considerar que a audição de 13 de junho de 2002, que é a única que teve por objeto o mérito do procedimento, respeitou as exigências processuais relativas à adoção de uma decisão ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003, uma vez que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros nela não participaram.

17      O Tribunal de Justiça concluiu que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando declarou que a Comissão não tinha obrigação, antes de adotar a Decisão de 2009, de organizar uma nova audição uma vez que as empresas em causa já haviam tido a possibilidade de ser ouvidas nas audições de 13 de junho e 30 de setembro de 2002.

18      No seu Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), o Tribunal de Justiça recordou a importância da realização, a pedido das partes em causa, de uma audição para a qual são convidadas as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, sendo que a sua não participação constitui uma violação das formalidades essenciais.

19      O Tribunal de Justiça declarou que uma vez que este direito que se encontra explicitado no Regulamento n.o 773/2004 não fora respeitado, a empresa cujo direito fora assim violado não tinha de provar que essa violação podia ter influenciado, em seu prejuízo, a tramitação do procedimento e o conteúdo da decisão controvertida.

20      Pelos mesmos motivos, o Tribunal de Justiça anulou igualmente outros Acórdãos do Tribunal Geral de 9 de dezembro de 2014 que se pronunciaram sobre a legalidade da Decisão de 2009 em relação a outras quatro empresas, pelos mesmos motivos. Em contrapartida, a Decisão de 2009 passou a ser definitiva para as empresas destinatárias que não interpuseram recurso dos referidos acórdãos.

 Terceira decisão da Comissão (2019)

21      Por carta de 15 de dezembro de 2017, a Comissão informou as recorrentes da sua intenção de retomar o procedimento administrativo e de, neste âmbito, organizar uma nova audição das partes no referido procedimento na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros.

22      Por carta de 1 de fevereiro de 2018, as recorrentes apresentaram observações nas quais contestaram o poder da Comissão para retomar o procedimento administrativo e, por conseguinte, convidaram‑na a não proceder a esta retomada do procedimento.

23      Em 23 de abril de 2018, a Comissão realizou uma nova audição relativa ao mérito do processo, na qual participaram, na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros e do auditor, as recorrentes, bem como outras três empresas destinatárias da Decisão de 2009.

24      Por cartas de 19 de novembro de 2018, bem como de 18 de janeiro e de 6 de maio de 2019, a Comissão enviou três pedidos de informações às recorrentes relativas aos seus volumes de negócios.

25      Em 4 de julho de 2019, a Comissão adotou a Decisão C(2019) 4969 final, relativa a um processo de aplicação do Artigo 65.o do Tratado CECA (Processo AT.37956 — Varões para betão) (a seguir «decisão impugnada»), enviada às cinco empresas em relação às quais fora anulada a Decisão de 2009, a saber, além das recorrentes, a Alfa Acciai SpA, a Feralpi Holding SpA (anteriormente Feralpi Siderurgica SpA e Federalpi Siderurgica SRL), a Participazioni Industriali SpA (anteriormente Riva Acciaio SpA, em seguida Riva Fire SpA, a seguir «Riva») e a Ferriere Nord SpA.

26      Através da decisão impugnada, a Comissão constatou a mesma infração que foi objeto da Decisão de 2009, embora tenha reduzido as coimas aplicadas às empresas destinatárias em 50 % devido à duração do procedimento. No artigo 2.o da decisão impugnada, aplicou assim às recorrentes, que condenou a título solidário, uma coima no montante de 5,125 milhões de euros.

27      Em 8 de julho de 2019, as recorrentes foram notificadas de uma cópia incompleta da decisão impugnada, que continha apenas as páginas ímpares.

28      Em 18 de julho de 2019, as recorrentes foram notificadas de uma versão completa da decisão impugnada.

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      As recorrentes interpuseram o presente recurso por meio de uma petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de setembro de 2019.

30      Sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

31      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, submeteu questões escritas às partes e pediu‑lhes que apresentassem documentos. As partes responderam a estas questões e a estes pedidos de apresentação de documentos no prazo concedido.

32      Por Decisão do presidente da Quarta Secção do Tribunal Geral de 16 de abril de 2021, os processos T‑655/19 e T‑656/19 foram apensados para efeitos da fase oral, em conformidade com o disposto no artigo 68.o do Regulamento de Processo.

33      Na audiência de 2 de junho de 2021 foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões escritas e orais colocadas pelo Tribunal Geral.

34      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada na parte em que esta lhes diz respeito;

—        condenar a Comissão nas despesas.

35      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

36      Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam quatro fundamentos relativos:

—        o primeiro, à violação de regras processuais na audição de 23 de abril de 2018, de que resultou uma violação dos direitos de defesa;

—        o segundo, à recusa ilegal da Comissão em verificar, antes de ter adotado a decisão impugnada, a compatibilidade desta adoção com o princípio do prazo razoável do procedimento;

—        o terceiro, e em parte o quarto, à violação do princípio do prazo razoável do procedimento;

—        o quarto, à violação do dever de fundamentação e a erros manifestos de apreciação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa e das regras processuais na audição de 23 de abril de 2018

37      As recorrentes alegam que a decisão impugnada foi adotada no final de um procedimento marcado pela existência de irregularidades cometidas no âmbito da organização da audição que se seguiu ao Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717).

38      Em especial, as recorrentes alegam três acusações, respeitantes à imparcialidade que é exigida ao comité consultivo, à ausência de intervenientes importantes na audição de 23 de abril de 2018 e à impossibilidade, para a Comissão, de sanar o vício processual que foi censurado pelo Tribunal de Justiça, contestando a Comissão estas três acusações.

 Quanto à audição organizada após a retoma do procedimento administrativo

39      A título preliminar, há que recordar que, no seu Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717, n.os 42 a 47), o Tribunal de Justiça acusou a Comissão de não ter dado às recorrentes oportunidade para desenvolverem os seus argumentos no âmbito de uma audição sobre o mérito do processo na qual estivessem presentes autoridades da concorrência dos Estados‑Membros.

40      Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que o vício assim identificado devia ser analisado como uma violação das formalidades essenciais que viciou o procedimento, independentemente das consequências negativas que daí podiam advir para as recorrentes (Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão, C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717, n.os 48 a 50).

41      Analisando o Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), a Comissão considerou que, se este vício fosse sanado, o procedimento administrativo podia ser retomado contra as empresas ainda visadas (considerando 15 da decisão impugnada).

42      Por carta 15 de dezembro de 2017, a Comissão indicou às empresas em causa que pretendia retomar o procedimento administrativo a partir do ponto que o Tribunal de Justiça identificou como sendo aquele que padecia de um vício, ou seja, a partir da audição.

43      Na sua carta de 15 de dezembro de 2017, a Comissão solicitou às empresas em causa que manifestassem por escrito, se assim o entendessem, o seu interesse em participar numa nova audição que, sendo relativa ao mérito do dossiê, seria organizada na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros em conformidade com a legislação aplicável.

44      Tendo recebido as respostas apresentadas pelas empresas em causa, a Comissão organizou uma nova audição em 23 de abril de 2018 na presença das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros.

 Quanto à execução dos acórdãos de anulação

45      Há que recordar que, nos termos do artigo 266, n.o 1, TFUE, a instituição de que emane o ato anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.

46      Para se conformar com um acórdão de anulação e para lhe dar plena execução, as instituições devem respeitar não apenas o dispositivo do acórdão, mas também os motivos que constituem o respetivo apoio necessário no sentido de que são indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi declarado no dispositivo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2017, França/Comissão, T‑74/14, não publicado, EU:T:2017:471, n.o 45 e jurisprudência referida).

47      A anulação de um ato que põe termo a procedimento administrativo não afeta todas as etapas que antecederam a sua adoção, mas apenas aquelas que são afetadas pelos motivos, substanciais ou processuais, que justificaram a anulação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2017, França/Comissão, T‑74/14, não publicado, EU:T:2017:471, n.o 47 e jurisprudência referida).

48      Deste modo, o procedimento que se destina a substituir um ato anulado pode, em princípio, ser retomado a partir da etapa afetada pela ilegalidade (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 73, e de 6 de julho de 2017, França/Comissão, T‑74/14, não publicado, EU:T:2017:471, n.o 46 e jurisprudência referida).

49      No caso em apreço, tendo o ato sido anulado devido a uma violação de formalidades essenciais ocorrida no âmbito da organização da audição (Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão, C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), a Comissão podia, como fez, retomar o processo a partir desta etapa.

50      É neste contexto que devem ser examinadas as acusações apresentadas pelas recorrentes em apoio do primeiro fundamento.

 Quanto à primeira acusação, relativa à imparcialidade exigida ao comité consultivo

51      As recorrentes alegam que a consulta realizada ao comité consultivo não foi válida porque as modalidades implementadas para organizar a audição para a qual as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros deviam ser convidadas, cujos representantes compõem o referido comité, não permitiram garantir a respetiva imparcialidade no momento em que este tinha de dar o seu parecer em aplicação da legislação.

52      A este respeito, há que recordar que o procedimento para a adoção das decisões adotadas ao abrigo dos artigos 101.o e 102.o TFUE se encontra regida, no que se refere aos aspetos abrangidos pelo presente litígio, pelo Regulamento n.o 1/2003:

—        nos termos do artigo 14.o, n.os 1 e 2, deste regulamento, a Comissão, antes de tomar a sua decisão, consulta um comité composto por representantes das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros;

—        o artigo 14.o, n.o 3, do referido regulamento indica que este comité dá parecer escrito sobre o anteprojeto de decisão da Comissão;

—        o artigo 14.o, n.o 5, do mesmo regulamento indica que a Comissão toma na melhor conta o parecer emitido por este comité e informa‑o da forma como cumpriu esta obrigação.

53      Para a organização das audições, o Regulamento n.o 773/2004 fixa as seguintes regras:

—        o artigo 12.o deste regulamento exige à Comissão que dê aos interessados aos quais transmite une comunicação de acusações oportunidade de desenvolverem os seus argumentos numa audição oral, se aqueles o tiverem solicitado nas observações escritas;

—        o artigo 14.o, n.o 3, do referido regulamento prevê que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros são convidadas a estarem presentes na audição.

54      Segundo a jurisprudência, a consulta ao comité consultivo constitui uma formalidade essencial cuja violação afeta a legalidade da decisão controvertida e da qual decorre a respetiva anulação se for provado que a inobservância das regras impediu o referido comité de dar o seu parecer com total conhecimento de causa (v., neste sentido, Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, pendente de recurso, EU:T:2018:922, n.o 148 e jurisprudência referida).

55      As recorrentes não alegam que as regras acima enunciadas nos n.os 52 e 53 não foram respeitadas enquanto tais. No entanto, consideram que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, quando participaram na audição de 23 de abril de 2018 e, em seguida, deram o seu parecer, não estavam numa situação que garantia a sua imparcialidade. Segundo as recorrentes, estas autoridades conheciam, com efeito, no momento de dar esse parecer, a posição que a Comissão e as jurisdições da União Europeia tinham adotado nas decisões e nos acórdãos que foram adotados ao longo do procedimento. As recorrentes observam, por um lado, que antes de adotar a decisão impugnada, a Comissão já tinha adotado, por duas vezes (em 2002 e em 2009), uma decisão sancionatória sem ter consultado as referidas autoridades quanto ao mérito e, por outro, que em 2014 o Tribunal Geral tinha proferido um acórdão que confirmava a posição seguida pela Comissão (em 2014). Em sua opinião, marcado pela existência destas decisões e deste acórdão, o contexto influenciou inevitavelmente estas mesmas autoridades de uma forma que tornou impossível a elaboração de um parecer totalmente imparcial.

56      A este respeito, há que recordar que, quando um ato é anulado, desaparece do ordenamento jurídico e considera‑se que nunca existiu (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Crédit mutuel Arkéa/BCE, T‑712/15, EU:T:2017:900, n.o 42 e jurisprudência referida), ainda que, quando tenha um âmbito individual, a anulação só beneficie, com determinadas exceções, as partes no processo (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Lucchini/Comissão, T‑185/18, não publicado, EU:T:2019:298, n.os 33 a 37 e jurisprudência referida).

57      Deste modo, os acórdãos do Tribunal Geral, que são atos adotados por uma das instituições da União, desaparecem retroativamente do ordenamento jurídico quando são anulados em sede de recurso.

58      Por conseguinte, no caso em apreço, embora o comité consultivo tenha dado o seu parecer, por um lado, depois de a Comissão ter adotado a Decisão de 2002 e em seguida a Decisão de 2009 e, por outro, depois de o Tribunal Geral se ter pronunciado no seu Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Ferriera Valsabbia e Valsabbia Investimenti/Comissão (T‑92/10, não publicado, EU:T:2014:1032), não deixa de ser certo que, tendo sido anulados, estas decisões e este acórdão tinham desaparecido do ordenamento jurídico da União, considerando‑se, em aplicação da referida jurisprudência, que nunca existiram.

59      No que se refere à pretensa falta de imparcialidade das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros que torna impossível a formulação de um parecer totalmente imparcial por parte do comité consultivo, há que salientar que, nos termos do artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), todas as pessoas têm direito, nomeadamente, a que os seus assuntos sejam tratados de forma imparcial pelas instituições da União.

60      O requisito de imparcialidade previsto no artigo 41.o da Carta abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa que seja responsável pelo processo deve manifestar ideias preconcebidas ou juízos antecipados pessoais e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima a este respeito (v. Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 155 e jurisprudência referida).

61      No caso em apreço, a imparcialidade do comité consultivo no âmbito da elaboração do seu parecer é questionada porque, segundo as recorrentes, a atitude dos representantes das autoridades que compõe o referido comité pode ter sido influenciada pelo facto de estas autoridades terem tido conhecimento da posição adotada no processo, por um lado, pela Comissão nas suas Decisões de 2002 e de 2009 e, por outro, pelo Tribunal Geral no seu Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Ferriera Valsabbia e Valsabbia Investimenti/Comissão (T‑92/10, não publicado, EU:T:2014:1032).

62      De semelhante conhecimento, admitindo que seja provado, não se poderia, no entanto, deduzir uma falta de imparcialidade que pode afetar a legalidade da decisão impugnada, sob pena de se porem em causa as disposições do Tratado nos termos das quais os atos declarados ilegais podem ser substituídos, não sendo necessário determinar se é a imparcialidade subjetiva ou a imparcialidade objetiva que as recorrentes aqui questionam.

63      Com efeito, o eventual conhecimento de uma solução anteriormente adotada e que, sendo caso disso, foi confirmada num acórdão do Tribunal Geral que foi posteriormente anulado em sede de recurso pelo Tribunal de Justiça é inerente à obrigação de retirar as consequências de uma anulação. Decidir que o conhecimento de semelhante situação poderia, em si mesma, constituir um obstáculo a uma retomada do procedimento afetaria, em si, o mecanismo de anulação ao indicar que este último implica não apenas o desaparecimento retroativo do ato anulado, mas também a proibição de retomar o procedimento. Semelhante possibilidade seria incompatível com o artigo 266.o TFUE, que, em caso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE, impõe às instituições, aos órgãos ou aos organismos da União que tomem as medidas necessárias à execução dos acórdãos proferidos de que sejam destinatários sem, no entanto, os isentar da missão que consiste em assegurar, nos domínios em que são competentes, a aplicação do direito da União.

64      A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto à segunda acusação, relativa à ausência de intervenientes importantes na audição de 23 de abril de 2018

65      As recorrentes alegam que a Comissão, por um lado, violou diversas regras relativas à organização das audições e, por outro, cometeu um erro por não ter convidado diversas entidades para a audição de 23 de abril de 2018, embora estas entidades, por terem desempenhado um papel importante neste dossiê, tivessem podido comunicar às autoridades da concorrência dos Estados‑Membros elementos que lhes teriam permitido adotar a sua posição com pleno conhecimento de causa. Segundo as recorrentes, na medida em que não puderam beneficiar de um parecer proferido com total conhecimento de causa por estas autoridades, os seus direitos de defesa foram violados pelas seguintes razões:

—      a Federacciai devia ter participado na referida audição, da mesma forma que a Leali SpA, entretanto declarada insolvente, devido ao papel central desempenhado por estas últimas em todos os factos objeto do inquérito;

—      a Lucchini SpA, também entretanto declarada insolvente, e a Riva, colocada em situação de administração judicial, que eram as chefes de fila do mercado, também deviam ter participado na referida audição;

—      a Industrie Riunite Odolesi SpA (a seguir «IRO»), que, por seu lado, não contestou o Acórdão de 9 de dezembro de 2014, IRO/Comissão (T‑69/10, não publicado, EU:T:2014:1030) também devia ter participado na referida audição;

—      a Associazione Nazionale Sagomatori Ferro (Associação Nacional das Empresas de Trefilagem de Aço, a seguir «Ansfer») devia ter sido convidada, por esta associação representar clientes das empresas em causa, tendo intervindo como outra pessoa na audição de 13 de junho de 2002 e tendo declarado, nessa ocasião, que a existência de acordos e de práticas restritivas de concorrência nunca tinha sido sentida no mercado.

66      Há assim que examinar se, quando organizou a audição, a Comissão violou uma regra que impõe a si mesma e se, desta forma, ou de qualquer outra forma, restringiu os direitos de defesa das recorrentes no âmbito da audição de 23 de abril de 2018.

67      Em primeiro lugar, há que salientar que a participação na audição faz parte dos direitos processuais cuja violação, devido à sua natureza subjetiva, deve ser invocada pela empresa ou pela pessoa que dele é titular (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp Acciai Speciali Terni/Comissão, T‑62/08, EU:T:2010:268, n.o 186; de 12 de maio de 2011, Région Nord‑Pas‑de‑Calais e Communauté d’agglomération du Douaisis/Comissão, T‑267/08 e T‑279/08, EU:T:2011:209, n.o 77; e de 19 de setembro de 2019, Zhejiang Jndia Pipeline Industry/Comissão, T‑228/17, EU:T:2019:619, n.o 36).

68      Deste modo, as recorrentes não podem requerer com sucesso a anulação de uma decisão apenas pelo facto de, no caso concreto, terem sido violados direitos processuais que beneficiam outras pessoas ou outras partes.

69      Por outro lado, há que salientar que, ainda que de acordo com a prática seguida pela Comissão as audições realizadas no âmbito de processos em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas se realizem frequentemente num formato coletivo, a legislação não reconhece às empresas às quais foi enviada uma comunicação de acusações um direito a uma audição coletiva.

70      Pelo contrário, o artigo 14.o, n.o 6, do Regulamento n.o 773/2004 especifica que as pessoas podem ser ouvidas separadamente ou na presença de outras pessoas convidadas para assistir à audição, tendo em consideração o legítimo interesse das empresas na proteção dos seus segredos comerciais e de outras informações confidenciais (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, EU:T:2000:77, n.o 697).

71      Em segundo lugar, há que examinar, além do respeito devido pelos direitos de que dispõem outras pessoas ou entidades, se, de uma forma que pode ter entravado a defesa das recorrentes, a Comissão violou regras relativas à organização das audições.

72      A este respeito, há que salientar que os direitos de defesa são direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito é assegurado pelo juiz da União. Semelhante respeito num procedimento que corre na Comissão que tenha por objeto a aplicação de uma coima a uma empresa devido à violação das regras da concorrência exige que à empresa interessada tenha sido dada a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegadas, bem como sobre os documentos nos quais a Comissão se baseou em apoio da sua alegação da existência da infração ao Tratado. Estes direitos estão referidos no artigo 41.o, n.o 2, alíneas a) e b), da Carta (v. Acórdão de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:686, n.os 52 e 53 e jurisprudência referida).

73      No caso em apreço, as recorrentes insistiram no facto de que da ausência de determinadas entidades resulta que o comité consultivo não pôde dar o seu parecer com total conhecimento de causa. Em sua opinião, se aquelas entidades tivessem sido ouvidas, o conteúdo do seu parecer e, por conseguinte, o conteúdo da decisão impugnada, podia assim ter sido diferente. Esta problemática foi objeto de calorosas trocas de ideias entre as partes, tanto na fase escrita como na audiência.

74      A este respeito, há que distinguir a situação das empresas destinatárias da comunicação de acusações e da decisão impugnada, a situação de outras pessoas que demonstrem ter um interesse suficiente e a situação de outras pessoas.

–       Quanto à situação das empresas destinatárias da comunicação de acusações e da decisão impugnada

75      Nos termos do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, às empresas e às associações de empresas sujeitas ao processo instruído deve ser dada oportunidade de se pronunciarem sobre as acusações que lhes são imputadas antes de contra elas ser tomada uma decisão de aplicação do artigo 101.o ou 102.o TFUE. A Comissão deve basear as suas decisões apenas em acusações sobre as quais as partes tenham tido oportunidade de apresentar as suas observações.

76      O artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 indica que a Comissão dá às partes às quais dirige uma comunicação de acusações a oportunidade de desenvolverem os seus argumentos numa audição, se aquelas o tiverem solicitado nas observações escritas.

77      No caso em apreço, o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 eram assim aplicáveis a todas as empresas que participaram no acordo em relação às quais a Decisão de 2002 ou a Decisão de 2009 não se tornara definitiva, incluindo à Riva.

78      Segundo as recorrentes, o facto de a Riva não ter estado presente na audição de 23 de abril de 2018 contribuiu para viciar o processo porque afetou as condições nas quais era possível assegurar as suas respetivas defesas.

79      A este respeito, há que salientar que, conforme se indica nos considerandos 45 e 46 da decisão impugnada, sem que tal tenha sido contestados pelas partes:

—        a Comissão, por carta de 15 de dezembro de 2017, informou a Riva de que o processo ia ser retomado;

—        em resposta a esta carta, a Riva apresentou observações escritas sem, no entanto, ter solicitado para participar numa audição;

—        na medida em que a Riva não formulou esse pedido, a Comissão não a convidou para participar na audição de 23 de abril de 2018.

80      À luz destes elementos, não se pode considerar que, por não ter convidado a Riva para participar na audição de 23 de abril de 2018, a Comissão violou o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 e o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004. Na medida em que não pediu para participar na audição, a Comissão não tinha de convidar a Riva para nela estar presente. As recorrentes não podem assim alegar validamente em seu benefício uma violação das disposições acima indicadas que afetou a sua defesa.

–       Quanto à situação de outras pessoas que demonstrem ter um interesse suficiente

81      A audição das outras pessoas interessadas é regida pelo artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003. Esta disposição prevê que se pessoas singulares ou coletivas que demonstrem ter um interesse suficiente solicitarem ser ouvidas, deve ser dado seguimento a esse pedido.

82      O artigo 13.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 773/2004 indica:

—        se pessoas singulares ou coletivas solicitarem ser ouvidas e demonstrarem um interesse suficiente, a Comissão deve informá‑las, por escrito, da natureza e do objeto do processo;

—        a Comissão dá a essas pessoas a possibilidade de apresentarem o seu ponto de vista por escrito num prazo por si fixado;

—        a Comissão pode convidá‑las a apresentar os seus pontos de vista na audição se estas tiverem feito esse pedido nas suas observações escritas.

83      No caso em apreço, o artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e o artigo 13.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 773/2004 destinavam‑se nomeadamente a aplicar‑se a cinco entidades cuja presença era necessária, segundo as recorrentes, para que a audição de 23 de abril de 2018 fosse validamente organizada, a saber, por um lado, a Federacciai, a Leali, a IRO e a Lucchini e, por outro lado, a Ansfer.

84      Em primeiro lugar, no que respeita às quatro primeiras entidades acima referidas no n.o 83, há que salientar que estas renunciaram, numa fase anterior do processo, contestar a decisão que lhes tinha sido enviada:

—        a Federacciai não interpôs recurso de anulação da Decisão de 2002;

—        a Leali, a IRO e a Lucchini não interpuseram no Tribunal de Justiça recurso dos Acórdãos de 9 de dezembro de 2014, Leali e Acciaierie e Ferriere Leali Luigi/Comissão (T‑489/09, T‑490/09 e T‑56/10, não publicado, EU:T:2014:1039); de 9 de dezembro de 2014, IRO/Comissão (T‑69/10, não publicado, EU:T:2014:1030); e de 9 de dezembro de 2014 Lucchini/Comissão (T‑91/10, EU:T:2014:1033), que negaram provimento aos recursos que interpuseram da Decisão de 2009.

85      Assim, segundo a jurisprudência, a decisão da Comissão tomada em relação a estas entidades tornou‑se definitiva na parte que lhes diz respeito e, deste modo, tendo o procedimento terminado em relação a estas últimas, estas já não eram partes no procedimento retomado em 15 de dezembro de 2017 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C‑310/97 P, EU:C:1999:407, n.o 63).

86      Nestas condições, as quatro primeiras entidades acima referidas no n.o 83 não dispunham de um direito de participação na audição de 23 de abril de 2018 na qualidade de partes no processo.

87      É certo que as quatro primeiras entidades acima referidas no n.o 83 tinham a possibilidade de pedir à Comissão, através da prova de que tinham um interesse suficiente, autorização para participar na audição de 23 de abril de 2018 na qualidade de outras pessoas interessadas, em conformidade com as disposições acima recordadas nos n.os 81 e 82.

88      No entanto, a Federacciai, Leali e IRO não tomaram essa iniciativa e, por conseguinte, não se pode alegar que Comissão, neste âmbito, violou uma qualquer regra e que dessa violação resulta que o exercício do direito de defesa das recorrentes foi afetado.

89      Em contrapartida, há que notar que, por seu lado, a Lucchini considerou que podia beneficiar da anulação decidida pelo Tribunal de Justiça nos seus Acórdãos de 21 de setembro de 2017, Feralpi/Comissão (C‑85/15 P, EU:C:2017:709); de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717); de 21 de setembro de 2017, Ferriere Nord/Comissão (C‑88/15 P, EU:C:2017:716); e de 21 de setembro de 2017, Riva Fire/Comissão (C‑89/15 P, EU:C:2017:713), embora não tenha interposto recurso do Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Lucchini/Comissão (T‑91/10, EU:T:2014:1033). Baseando‑se nesta argumentação, pediu à Comissão autorização para participar na audição de 23 de abril de 2018. Contudo, este pedido foi apresentado pela Lucchini na qualidade de parte no processo retomado em 15 de dezembro de 2017, na mesma qualidade, nomeadamente, que as recorrentes, e não na qualidade de outra parte interessada. A Comissão, com razão, rejeitou este pedido pelas razões acima indicadas nos n.os 84 e 85 (Acórdão de 8 de maio de 2019, Lucchini/Comissão, T‑185/18, não publicado, EU:T:2019:298, n.os 41 e 42). Tendo‑lhe sido recusada esta possibilidade enquanto parte no procedimento, a Lucchini não alegou, em seguida, que podia ser convidada para a audição na qualidade de pessoa de demonstra ter um interesse suficiente.

90      Nestas condições, não se pode considerar que, por não ter convidado, por um lado, a Federacciai e, por outro lado, a Leali, a IRO e a Lucchini para participarem na audição, a Comissão violou uma regra processual que podia ter um impacto no exercício, por parte das recorrentes, dos seus direitos de defesa.

91      Em segundo lugar, no que respeita à quinta entidade acima referida no n.o 83, a saber a Ansfer, as recorrentes consideram que esta devia ter sido convidada para a audição de 23 de abril de 2018, à luz das informações que detinha e que eram suscetíveis de influenciar as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, a respeito do conhecimento que tinham do dossiê.

92      Em apoio da sua posição, as recorrentes apresentam três argumentos.

93      Primeiro, as recorrentes alegam que, com toda a probabilidade, se a Ansfer tivesse sido informada pela Comissão da retoma do processo, teria participado na audição de 23 de abril de 2018, conforme fez na audição de 13 de junho de 2002.

94      A este respeito, há que recordar de que forma foi aberto, em 2002, o processo que correu contra as recorrentes e contra as outras empresas à época visada por esse processo.

95      Conforme a Comissão indicou na sua resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral e na audiência sem que as recorrentes a tenham contestado, a abertura em causa ocorreu em 26 de março de 2002, à qual se seguiu a notificação, às partes em causa, da comunicação de acusações, em conformidade com o disposto no artigo 36.o CA.

96      Assim, a abertura em causa não foi acompanhada de nenhuma medida de publicidade porque a legislação não exigia à Comissão que tornasse pública a decisão de abrir um procedimento administrativo, a adoção de uma comunicação de acusações ou, como no presente caso, de uma comunicação de acusações suplementares.

97      O modus operandi não se alterou depois de Tribunal Geral ter proferido o Acórdão de 25 de outubro de 2007, SP e o./Comissão (T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03, EU:T:2007:317), e de o Tribunal de Justiça ter proferido o Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717).

98      Depois de ter analisado os acórdãos acima referidos no n.o 97, a Comissão informou as recorrentes, a primeira vez por carta de 30 de junho de 2008 e a segunda por carta de 15 de dezembro de 2017, da sua intenção de «retomar» o procedimento.

99      A segunda carta, em especial, foi notificada às empresas destinatárias da decisão impugnada, mas não foi comunicada a mais nenhuma pessoa ou entidade, e também não foi objeto de medidas de publicidade.

100    Segundo as recorrentes, a Comissão estava obrigada a informar o público da retoma do processo depois de a Decisão de 2009 ter sido anulada e, se esta obrigação tivesse sido observada, a Ansfer teria sido informada e teria podido pedir para participar na nova audição.

101    A este respeito, há que notar que nenhuma regra exige à Comissão que torne pública a retoma de um procedimento depois de uma das suas decisões ter sido anulada por um acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral.

102    Com efeito, tal retoma do procedimento ocorre no âmbito da execução de um acórdão de anulação.

103    Ora, o artigo 266.o TFUE só obriga a instituição autora do ato anulado a tomar as medidas que sejam necessárias para dar execução ao acórdão de anulação. Neste sentido, esta disposição impõe à instituição em causa que evite que qualquer ato destinado a substituir o ato anulado padeça das mesmas irregularidades que foram identificadas no referido acórdão. No entanto, as instituições dispõem de um amplo poder de apreciação para decidir quais os meios a implementar para retirar as consequências de um acórdão de anulação ou de invalidação, sendo certo que esses meios devem ser compatíveis com o dispositivo do acórdão em causa e com os fundamentos que constituem a base necessária. Exceto no caso de a irregularidade constatada ter conduzido à declaração de nulidade de todo o processo, as instituições em causa podem, para adotar um ato que vise substituir um ato anterior que foi anulado ou invalidade, retomar o procedimento na fase em que essa irregularidade foi cometida (v. Acórdão de 11 de dezembro de 2017, Léon Van Parys/Comissão, T‑125/16, EU:T:2017:884, n.os 49 e 52 e jurisprudência referida).

104    No final da apreciação que a Comissão efetua neste âmbito, pode assim decidir retomar o processo conforme fez no presente caso, ou pode desistir do procedimento se considerar que este pode ser encerrado ou, se entender que é necessário levar a cabo medidas de inquérito, pode abrir um novo procedimento que pode, neste caso, conduzir à notificação de uma nova comunicação de acusações às empresas destinatárias, em conformidade com o disposto no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003.

105    No presente caso, a Comissão, depois de realizar essa apreciação, decidiu retomar o procedimento no ponto em que este havia sido interrompido, conforme é permitido pela jurisprudência acima referida nos n.os 47 e 48.

106    Na audiência, as partes debateram a Comunicação da Comissão de 20 de outubro de 2011 sobre boas práticas para a instrução de processos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE (JO 2011, C 308, p. 6) (v., em especial, o seu ponto 20), na qual a Comissão se comprometeu, por um lado, a publicar o início de qualquer processo de aplicação destas disposições no sítio Internet da sua Direção‑Geral da Concorrência e, por outro, a emitir um comunicado de imprensa sobre o assunto, salvo se tal publicação for suscetível de prejudicar a investigação.

107    No entanto, no presente caso, a comunicação em causa não impunha à Comissão que desse execução aos compromissos acima referidos no n.o 106. Com efeito, atendo à inexistência de uma disposição expressa neste sentido, não há que alargar o âmbito destes compromissos quando a Comissão retoma um procedimento na fase de uma audição que foi realizada de forma irregular, que é a fase em que este procedimento foi interrompido, conforme a Comissão decidiu no presente caso no âmbito da execução do acórdão de anulação do Tribunal de Justiça, situação que se distingue da situação de abertura de um procedimento referida nesta comunicação.

108    O argumento deve assim ser rejeitado.

109    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, quando da determinação de que outras pessoas deviam ser convidadas para a audição, a Ansfer não podia ser considerada um simples membro do público, tendo antes o estatuto de «outras pessoas que demonstrem ter um interesse suficiente» na aceção do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 13.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 773/2004.

110    Em apoio da sua posição, as recorrentes recordam que, em 2002, o auditor reconheceu o estatuto de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente» à Ansfer, o que permitiu que esta associação participasse na audição de 13 de junho de 2002.

111    Por à época ter beneficiado do estatuto de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente, a Ansfer não o perdeu entretanto e devia ter sido convidada para participar, a este título, na audição de 23 de abril de 2018.

112    A este respeito, há que salientar que a argumentação das recorrentes no que respeita à manutenção do estatuto de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente» é conforme com a posição defendida pela Comissão a respeito da continuidade existente entre as etapas do procedimento administrativo ainda que este tenha sido interrompido por processos judiciais em cujo âmbito foram proferidos acórdãos de anulação.

113    Nesta perspetiva, é legítimo considerar que uma entidade à qual foi reconhecido o estatuto de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente» numa fase anterior do procedimento conservou esse estatuto ao longo de todo o procedimento, ainda que este tenha sido interrompido por um processo judicial que deu origem a um acórdão de anulação proferido pelo juiz da União.

114    Há assim que determinar se, no presente caso, tendo‑lhe sido conferido o estatuto de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente» num momento do processo, a Ansfer conservou este estatuto ao longo deste último e devia assim ter sido convidada para a audição de 23 de abril de 2018 ou devia, pelo menos, ter sido informada da retoma do procedimento para poder manifestar o seu interesse e assim, sendo caso disso, ser convidada para participar na referida audição.

115    A este respeito, há que constatar que, conforme resulta do dossiê e sem que as recorrentes o tenham contestado, o interesse manifestado pela Ansfer para participar no procedimento não se manteve ao longo deste último.

116    Com efeito, recapitulando as etapas que se sucederam, a Comissão indicou na audiência, sem que as recorrentes a tivessem contestado, em resposta às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral, que:

—        em 2002, a Ansfer tomou conhecimento da abertura do procedimento através de notícias que foram publicadas na imprensa italiana;

—        com base nestas notícias, a Ansfer pediu à Comissão para participar na audição de 13 de junho de 2002 alegando para tal que podia, para este efeito, demonstrar, no que lhe dizia respeito, que tinha um interesse suficiente;

—        tendo sido convidada para participar, a Ansfer apresentou‑se na referida audição, na qual, sem que o seu representante aí tenha tomado a palavra, apresentou observações escritas;

—        nesta base, a Ansfer foi convidada para participar na nova audição de 30 de setembro de 2002, relativa às consequências para o processo que decorrem do termo da vigência do Tratado CECA;

—        no entanto, a Ansfer não respondeu a este convite e não participou nesta audição;

—        não tendo a Ansfer respondido ao convite para participar na nova audição que lhe foi enviado e não tendo compareceu nesta última, a Comissão considerou que esta já não queria participar no procedimento e não tinha assim de ser convidada para a audição de 23 de abril de 2018;

—        neste âmbito, a Comissão tomou em consideração, por um lado, que a participação da Ansfer, na audição de 13 de junho de 2002, se limitou à apresentação de observações escritas, sem que tenha tomado a palavra, e, por outro lado, que essas observações foram juntas ao processo.

117    Ora, ao abrigo da legislação, outras pessoas podem participar numa à audição organizada no âmbito de um procedimento relativo à aplicação das regras da concorrência mas, para tal, têm de manifestar essa intenção à Comissão e demonstrar a esta última que têm um interesse suficiente que lhes permite participar na audição (v. n.os 81 e 82, supra).

118    Além disso, há que considerar que quando a uma pessoa é reconhecido o estatuto de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente» no âmbito de um procedimento administrativo que foi interrompido por uma fiscalização jurisdicional no termo da qual o juiz da União decretou uma anulação, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação para decidir de essa outra pessoa mantém um interesse suficiente em dar a conhecer o seu ponto de vista. Com efeito, a garantia dos direitos de defesa não exige que a Comissão, quando retoma o referido procedimento, proceda a uma audição de outras pessoas que já não têm esse interesse suficiente (v., por analogia, Acórdãos de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão, T‑655/11, EU:T:2015:383, n.o 406, e de 11 de julho de 2019, Silver Plastics et Johannes Reifenhäuser/Comissão, T‑582/15, não publicado, EU:T:2019:497, n.o 202 e jurisprudência referida).

119    No interesse de uma boa administração, há, com efeito, que evitar uma multiplicação de intervenientes ao mesmo tempo que se assegura que é efetiva a contribuição destes, independentemente de ser a favor ou contra a posição das partes, para a análise do dossiê e para respeitar os direitos de defesa, de forma a assegurar que é com pleno conhecimento de causa e em observância das regras processuais que o comité consultivo irá proferir o seu parecer e que a Comissão irá tomar a sua decisão.

120    Foi no termo dessa apreciação que, no presente caso, a Ansfer foi convidada na qualidade de «outra pessoa que demonstre ter um interesse suficiente» para participar na audição de 13 de junho de 2002 e na de 30 de setembro de 2002.

121    Posteriormente, visto que a Ansfer não respondeu ao convite para participar na segunda audição de 30 de setembro de 2002 que não participou nesta audição, foi sem cometer um erro que a Comissão considerou que esta tinha renunciado a participar no procedimento, ou pelo menos, que já não pretendia desenvolver os seus argumentos na audição de 23 de abril de 2018 e que a sua contribuição, que já fora junta ao dossiê e que fora retomada em seguida no projeto de decisão recorrida, não justificava que a Ansfer fosse informada da retoma do procedimento para lhe dar a possibilidade de manifestar novamente o seu interesse e, assim, de ser convidada, eventualmente, para participar na referida audição.

122    O argumento deve assim ser rejeitado.

123    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que chamaram a atenção da Comissão, na sua carta de 1 de fevereiro de 2018, para o facto de que o processo não podia ser retomado de forma válida, uma vez que os atores presentes em 2002 não podiam estar todos presentes na nova audição, o que conduzia a que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros cujos representantes têm de exprimir uma opinião para que o comité consultivo dê o seu parecer ao abrigo da legislação só podiam apresentar uma versão parcial dos factos.

124    A este respeito, há que salientar que, formulada deste modo, semelhante observação não pode ser analisada como um pedido que foi enviado à Comissão por meio do qual se pede a esta que convide para a audição a Ansfer ou outras pessoas em aplicação do artigo 10.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004, que permite que as partes proponham nas suas observações escritas à «Comissão a audição de pessoas que possam corroborar os factos constantes das suas observações».

125    Conforme a Comissão assinala, era às recorrentes que cabia, se consideravam que a intervenção da Ansfer era necessária, ou apenas útil, para a defesa da sua argumentação, informar esta associação da retoma do procedimento para que se manifestasse junto da Comissão ou que pedisse a esta última, de forma específica, que convidasse esta entidade.

126    Ora, as recorrentes, nas suas respostas escritas às questões colocadas pelo Tribunal Geral, reconheceram não ter efetuado nenhum trâmite nesse sentido junto da Comissão nem junto da Ansfer.

127    Há que acrescentar que, em aplicação do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros podem pedir à Comissão que proceda à audição de outras pessoas, se o considerarem adequado.

128    Nada impedia as recorrentes de sugerirem às autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, na audição de 23 de abril de 2018, ou antes da realização desta, de pedirem à Comissão para ouvir a Ansfer.

129    Ora, as recorrentes não levaram esse trâmite a cabo junto das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros, e que as referidas autoridades não pediram à Comissão para ouvir a Ansfer.

130    Por conseguinte, na medida em que a Ansfer já não dispõe de um interesse suficiente para dar a conhecer o seu ponto de vista no âmbito da retoma do procedimento (v. n.os 112 a 122, supra), e em que nenhum pedido de audição foi enviado à Comissão, esta última não pode ser acusada de não ter convidado a Ansfer a participar na audição de 23 de abril de 2018.

131    O argumento deve assim ser afastado.

–       Quanto à situação das outras pessoas

132    Uma vez que a argumentação apresentada pelas recorrentes pode ser interpretada no sentido de que se lhes refere, há que salientar que a legislação prevê, para efeitos da organização das audições, uma terceira situação, que diz respeito às pessoas que não demonstrem ter um interesse suficiente na aceção acima indicada nos n.os 81 e 82.

133    O artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004 prevê a possibilidade de convidar qualquer outra pessoa singular ou coletiva, para além das empresas visadas pelo procedimento ou das outras pessoas que demonstrem ter semelhante interesse, a apresentar os seus pontos de vista por escrito e a participar, sendo caso disso, na audição. Além de poderem ser autorizadas a participar nesta última, essas pessoas podem ser convidadas a apresentar os seus pontos de vista na audição.

134    Foi nesta situação que se encontrou nomeadamente a Ansfer, uma vez que, conforme foi provado, a Comissão considerou com razão que esta associação já não dispunha de um interesse suficiente em dar a conhecer o seu ponto de vista, quando o procedimento foi retomado (v. n.os 112 a 122, supra).

135    Ora, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação para determinar se a participação de terceiros não interessados pode ser útil para a discussão da causa, sublinhando‑se que a garantia dos direitos de defesa das recorrentes não exige em todas as situações que a Comissão proceda às audições que lhe tenham sido pedidas (v., neste sentido, jurisprudência acima referida no n.o 118).

136    Deste modo, no caso em apreço, foi sem cometer um erro que a Comissão considerou, pelas razões acima indicadas nos n.os 112 a 122, que convidar Ansfer para a audição de 23 de abril de 2018 não traria elementos novos para a discussão da causa.

137    Nestas condições, a Comissão não pode ser validamente acusada de ter violado uma regra processual que pode ter tido um impacto no exercício, por parte das recorrentes, dos seus direitos de defesa por não ter convidado outras pessoas para a audição de 23 de abril de 2018.

138    O argumento deve assim ser rejeitado.

139    À luz dos elementos que precedem, pode concluir‑se que a Comissão não violou regras processuais relativas à audição de outras pessoas ou entidades e que, por conseguinte, o exercício dos direitos de defesa invocados pelas recorrentes não foi de modo nenhum limitado devido a uma violação dessas regras.

140    Para efeitos de exaustividade, há que salientar que as recorrentes não demonstraram que o exercício dos seus direitos de defesa foi limitado independentemente da violação de uma regra pelo facto de uma empresa ou de outra não ter estado presente na audição organizada para efeitos da adoção da decisão impugnada.

141    A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto à terceira acusação, relativa à impossibilidade, para a Comissão, de sanar o erro processual identificado pelo Tribunal de Justiça

142    Em substância, as recorrentes alegam que era impossível sanar o erro processual identificado pelo Tribunal de Justiça. Devido ao tempo entretanto decorrido, foram tais as alterações ocorridas na identidade dos atores e na estrutura do mercado que não era possível organizar uma audição em condições idênticas, ou pelos menos semelhantes, às que existiam em 2002.

143    A este respeito, há que salientar que, devido à dimensão das tarefas que é necessário levar a cabo nos processos de concorrência, o contexto em que estes são organizados altera‑se inevitavelmente devido à passagem do tempo.

144    Num contexto no qual a concorrência conduz a alterações constantes dos atores, dos produtos e das quotas de mercado, a possibilidade de essas alterações tornarem impossível, por si próprias, a adoção de uma nova decisão afeta, em si mesmos, a possibilidade de a Comissão retomar um procedimento para aplicar as regras de concorrência em execução da missão que os Tratados lhe confiam.

145    Quando a Comissão decide retomar um processo depois de uma das suas decisões ter sido anulada por um acórdão do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Geral, deve no entanto proceder a uma avaliação destinada a determinar, à luz das circunstâncias que existem no momento dessa retoma, em especial dos efeitos que podem ter resultado do decurso do tempo, se a prossecução do procedimento ainda parece ser uma solução adequada para a situação, o que fez no presente caso, conforme se explicou em resposta à primeira acusação do segundo fundamento apresentado pelas recorrentes em apoio do recurso (v. n.os 149 a 173, infra).

146    A acusação deve assim ser rejeitada e, por conseguinte, há que julgar o primeiro fundamento totalmente improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à recusa ilegal da Comissão em verificar, antes de adotar a decisão recorrida, a compatibilidade desta decisão com o princípio do prazo razoável do procedimento

147    As recorrentes alegam que a Comissão não verificou de forma juridicamente bastante se a decisão impugnada podia ser adotada, embora, em sua opinião, o princípio do prazo razoável, consagrado no artigo 41.o da Carta, a isso se opusesse. Por um lado, acusam a Comissão de ter cometido um erro de direito a este respeito. Por outro lado, acusam a Comissão de não ter respeitado o dever de fundamentação que lhe incumbe.

148    A Comissão contesta a argumentação das recorrentes.

 Quanto à primeira acusação, relativa a um erro de direito

149    As recorrentes alegam que a Comissão violou o artigo 41.o da Carta por ter recusado apreciar, antes de ter adotado a decisão impugnada, a compatibilidade da adoção desta decisão com o princípio do prazo razoável.

150    A este respeito, há que salientar que, conforme as recorrentes assinalam, a Comissão é obrigada a respeitar o princípio do prazo razoável consagrado no artigo 41.o da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 179, e de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.o 285).

151    Assim, o decurso do tempo deve ser tomado em consideração quando, fazendo uso da margem de apreciação que o direito da União lhe atribui, a Comissão analisa se, ao abrigo das regras da concorrência, deve ser dado início a um procedimento e deve ser adotada uma decisão.

152    Da decisão recorrida resulta que, contrariamente àquilo que as recorrentes alegam, a Comissão não violou a obrigação de tomar em consideração o decurso do tempo quando aprecia se deve ser dado início a esse procedimento e se deve ser adotada uma decisão de sanção. Com efeito, a decisão recorrida indica que esta Instituição examinou, antes de se pronunciar, se, no caso concreto, o procedimento podia ser retomado e se este podia conduzir à adoção de semelhante decisão, que aplicou uma coima.

153    Deste modo, a Comissão analisou, em várias passagens da decisão impugnada, por um lado, se o procedimento que conduziu à adoção desta última foi realizado de forma satisfatória no que se refere aos prazos e, por outro lado, se era possível retirar consequências da duração das fases que conduziram a esta adoção.

154    Por exemplo, a Comissão salientou que, segundo a análise que tinha podido efetuar, por um lado, as atividades de inquérito foram realizadas com diligência e, por outro lado, que as interrupções ocorridas no decurso do procedimento administrativo se tinham ficado a dever à fiscalização jurisdicional (considerandos 528 e 555 da decisão impugnada).

155    Neste âmbito, a Comissão reconheceu que cometeu erros processuais, conforme foi considerado pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 25 de outubro de 2007, SP e o./Comissão (T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03, EU:T:2007:317), e de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717). No entanto, indicou que esses erros, que fizeram com que o procedimento tivesse perdurado, se deviam à incerteza jurídica na qual a Comissão se encontrava devido ao fim da vigência do Tratado CECA (considerando 555 da decisão impugnada).

156    Da mesma forma, a Comissão reconheceu que, após os erros processuais que foram cometidos, as diferentes fases que se sucederam conduziram, em relação ao procedimento considerado no seu conjunto, incluídas as fases administrativas e a interrupções que se ficaram a dever à fiscalização jurisdicional, a uma duração «objetivamente» longa (considerando 528 da decisão impugnada).

157    A Comissão acrescentou, no âmbito desta apreciação, que, em sua opinião, esta longa duração não excedia os prazos que se pode considerar serem aceitáveis à luz da jurisprudência (considerando 528 da decisão impugnada).

158    A título complementar, a Comissão assinalou que, ao abrigo da jurisprudência, uma duração contrária ao princípio do prazo razoável não pode conduzir, por si só, à anulação de uma decisão. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, com efeito, esse resultado só pode ser alcançado se a duração desrazoável tiver afetado os direitos de defesa e comprometido a possibilidade de as empresas em causa recolherem as provas e apresentarem os seus argumentos. Ora, segundo a Comissão, as recorrentes não demonstraram que tal sucedeu no caso concreto (considerandos 556 e 557 da decisão impugnada).

159    Por outro lado, a Comissão indicou, no considerando 536 da decisão impugnada, que, atendendo à legislação aplicável, e em conformidade com a jurisprudência desenvolvida nesta matéria, podia adotar uma nova decisão.

160    A Comissão reconheceu que a adoção de uma nova decisão devia ser antecedida de um exame destinado a ponderar, no âmbito do poder de apreciação que lhe é reconhecido em matéria de infrações ao direito da concorrência, por um lado, o interesse público em assegurar a aplicação efetiva das regras da concorrência e, por outro, o das partes em obterem uma decisão num prazo razoável e em que sejam mitigadas as possíveis consequências decorrentes dos erros que possam ter sido cometidos durante o procedimento (considerandos 536 e 559 da decisão impugnada).

161    No caso concreto, a Comissão procedeu a essa ponderação e concluiu, à luz do caráter grave da infração constatada, por um lado, que era necessário adotar uma decisão e, por outro lado, que havia que aplicar uma sanção às empresas destinatárias (considerandos 560 a 568 da decisão impugnada).

162    Por último, a Comissão reduziu o montante da coima em conformidade com uma sugestão feita pelo auditor, de forma a mitigar, em certa medida (50 %), as consequências negativas que possam ter resultado, para as empresas em causa, da longa duração do procedimento e dos erros processuais cometidos (considerandos 570 a 573 da decisão impugnada).

163    Deste modo, resulta da decisão impugnada que, ao contrário daquilo que as recorrentes alegam, a Comissão verificou, antes de adotar esta decisão, se o princípio do prazo razoável tinha sido respeitado, tendo analisado a duração do procedimento administrativo, incluídas as fases administrativas e as interrupções devidas à fiscalização jurisdicional, as causas que podiam explicar a duração do procedimento e as consequências que daí podiam ser retiradas.

164    Esta conclusão é contestada pelas recorrentes, que entendem que a Comissão, na decisão impugnada, recusou pronunciar‑se sobre a duração desrazoável do procedimento pelo facto de esta apreciação estar reservada ao juiz da União e que a Comissão não se pode pronunciar sobre esta questão.

165    A este respeito, há que salientar que o juiz da União pode ser chamado a pronunciar‑se sobre questões relativas à duração dos procedimentos. No âmbito do contencioso sobre responsabilidade extracontratual, há que condenar as instituições, órgãos ou organismos da União quando estes últimos tenham causado um dano devido à violação do princípio do prazo razoável (Acórdãos de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão, C‑50/12 P, EU:C:2013:771, n.o 94, e de 11 de julho de 2019, Italmobiliare e o./Comissão, T‑523/15, não publicado, EU:T:2019:499, n.o 159). No âmbito dos recursos de anulação, a duração de um procedimento pode conduzir à anulação de uma decisão impugnada se estiverem preenchidos dois requisitos de forma cumulativa, sendo o primeiro que essa duração seja desrazoável e o segundo que o facto de o prazo razoável ter disso excedido tenha limitado os direito de defesa (Acórdãos de 21 de setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, EU:C:2006:593, n.os 47 e 48; de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão, C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.os 84 e 85; e de 9 de junho de 2016, PROAS/Comissão, C‑616/13 P, EU:C:2016:415, n.os 74 a 76).

166    Conforme as recorrentes assinalam, a competência assim atribuída ao juiz da União não isenta a Comissão da apreciação que lhe cabe efetuar no momento em que tem de determinar o seguimento que deve ser dado a um acórdão de anulação em aplicação do artigo 266.o TFUE.

167    Conforme foi indicado, a Comissão, quando efetua semelhante apreciação, deve tomar em consideração todos os elementos da causa, nomeadamente a oportunidade de adotar uma nova decisão, a de aplicar uma sanção e, sendo caso disso, a decisão de reduzir a sanção ponderada se se verificar, nomeadamente, que, sem constituir ela própria um erro, a duração do procedimento, devido às fases administrativas bem como, sendo caso disso, às interrupções devidas à fiscalização jurisdicional, pode ter provocado um impacto nos elementos a tomar em consideração para fixar o montante da coima, nomeadamente na sua natureza eventualmente dissuasora quando essa decisão seja adotada muito depois de terem sido praticados os factos constitutivos da infração.

168    Esta apreciação, que incide nomeadamente sobre a duração global do procedimento, fases jurisdicionais incluídas, foi essencialmente efetuada no considerando 528 da decisão impugnada.

169    Daqui resulta que, ao contrário daquilo que as recorrentes alegam, a Comissão verificou, na decisão impugnada, se a duração do procedimento pode ter constituído um obstáculo à retoma do procedimento tendo em simultâneo reconhecido que tal apreciação se inseria no âmbito da fiscalização, por parte do juiz da União, da legalidade e, eventualmente, da responsabilidade extracontratual.

170    Na petição, as recorrentes invocam o artigo 6.o da Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), a respeito da obrigação, que incumbe à Comissão, de verificar, antes de adotar uma nova decisão, se essa adoção é conforme com o princípio do prazo razoável.

171    A este respeito, há que salientar que, à semelhança do artigo 47.o da Carta, também invocado pelas recorrentes, o artigo 6.o da CEDH comporta a obrigação de respeitar o princípio do prazo razoável nos processos judiciais.

172    No caso em apreço, o artigo 6.o da CEDH e o artigo 47.o da Carta não podem, seja como for, ter um impacto na resolução do litígio no que se refere ao presente fundamento porque, ao contrário daquilo que as recorrentes alegam, a Comissão procedeu efetivamente, conforme resulta da decisão impugnada, à verificação que está em causa na argumentação por estas desenvolvida.

173    A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto à segunda acusação, relativa a uma violação do dever de fundamentação

174    As recorrentes acusam a Comissão de ter violado o dever de fundamentação pelo facto de não ter explicado de forma juridicamente bastante por que razão considerou que não tinha de apreciar se o princípio do prazo razoável foi respeitado.

175    A este respeito, há que considerar que a acusação não se baseia em factos.

176    Com efeito, conforme foi declarado em resposta à primeira acusação do presente fundamento, a Comissão não recusou verificar, na decisão impugnada, a compatibilidade da adoção desta última com o princípio do prazo razoável.

177    Pelo contrário, resulta da resposta à primeira acusação que procedeu a essa verificação de forma juridicamente bastante quando concluiu que nenhuma consideração podia constituir um obstáculo à retoma do procedimento, à adoção de uma nova decisão e à aplicação de uma coima.

178    A segunda acusação deve assim ser rejeitada e, por conseguinte, há que julgar o segundo fundamento totalmente improcedente.

 Quanto ao terceiro e, em parte, quarto fundamentos, ambos relativos à violação do princípio do prazo razoável do procedimento

179    Em apoio do terceiro fundamento, as recorrentes alegam que a decisão impugnada deve ser anulada porque foi adotada no termo de um procedimento que excedeu o prazo razoável. Em sua opinião, da duração excessiva do procedimento resultou que a Comissão deixou de ter poder sancionatório e que a referida decisão, por conseguinte, também é ilegal devido a excesso de poder. A argumentação desenvolvida em apoio do terceiro fundamento também é parcialmente referida no quarto fundamento. Em substância, as recorrentes apresentam três acusações, que se referem respetivamente à duração das fases administrativas, à duração global do procedimento e ao efeito, nos direitos de defesa, da duração do procedimento, todos contestados pela Comissão.

180    Antes de examinar estas acusações, há que recordar que, segundo o Tribunal de Justiça, da duração de um procedimento pode resultar a anulação de uma decisão impugnada se dois requisitos cumulativos estiverem preenchidos, sendo o primeiro que essa duração seja desrazoável e sendo o segundo que o facto de o prazo razoável ter sido excedido tenha limitado o exercício dos direitos de defesa (v. n.o 165, supra).

181    Daqui resulta que uma decisão da Comissão não pode ser anulada apenas porque o prazo razoável foi excedido se os direitos de defesa dos recorrentes não tiverem sido afetados por este motivo. Assim, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual o mero facto de o prazo razoável ter sido excedido devia imediatamente ter levado a Comissão a renunciar a adotar a decisão impugnada.

182    Para efeitos da análise do fundamento, o Tribunal Geral examinará o primeiro requisito, tomando sucessivamente em consideração a duração das fases administrativas (primeira acusação) e a duração global do procedimento administrativo, interrupções devidas à fiscalização jurisdicional incluídas (segunda acusação). Em seguida, analisará, a título do segundo requisito, se o exercício dos direitos de defesa das recorrentes foi limitado (terceira acusação).

 Quanto à primeira acusação, relativa à duração das fases administrativas

183    As recorrentes alegam que, por ter sido superior a seis anos, a duração das fases administrativas se revelou ser contrária ao princípio do prazo razoável. Criticam, em especial a lentidão com que a Comissão reagiu às sucessivas anulações decretadas pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça:

—        entre a prolação do Acórdão de 25 de outubro de 2007, SP e o./Comissão (T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03, EU:T:2007:317), e a adoção da Decisão de 2009, ou seja, durante mais de dois anos, a Comissão limitou‑se a enviar a carta de 30 de junho de 2008 acima mencionada no n.o 10, que anunciou a retoma do procedimento, e a solicitar pedidos de informações e que, durante este período, não se realizou nenhuma nova comunicação de acusações nem nenhuma nova audição, embora tivesse sido fácil para a Comissão corrigir o erro que invalidou a decisão anulada, uma vez que o Tribunal Geral identificou este erro de forma clara;

—        do mesmo modo, entre o Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717), e a adoção da decisão impugnada, ou seja durante um ano e nove meses, a atividade da Comissão limitou‑se ao envio da carta de 15 de dezembro de 2017 que anunciou a retoma do procedimento, ao envio das cartas que anunciaram e explicaram a audição de 23 de abril de 2018, bem como a pedidos limitados de informações referentes ao volume de negócios das recorrentes.

184    Segundo as recorrentes, a duração destas fases é injustificável à luz da jurisprudência:

—        no processo que deu origem ao Acórdão de 16 de junho de 2011, Bavaria/Comissão (T‑235/07, EU:T:2011:283, n.o 323), uma duração de 20 meses a título da segunda fase administrativa, que correu entre a receção da comunicação de acusações e a adoção da decisão controvertida nesse processo, foi julgada desrazoável;

—        no processo que deu origem ao Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582), o processo de readoção durou apenas 10 meses;

—        por outro lado, o procedimento de readoção durou menos de oito meses no processo Solvay/Comissão (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:256, n.o 242), nove meses no processo que deu origem ao Acórdão de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão (C‑414/12 P, EU:C:2014:301), três meses no processo que deu origem ao Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), e de quatro meses no processo que deu origem ao Acórdão de 18 de outubro de 2018, GEA/Comissão (T‑640/16, EU:T:2018:700).

185    A este respeito, há que salientar que o direito da União exige às instituições que tratem num prazo razoável os processos no âmbito dos procedimentos administrativos que levam a cabo (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.o 284).

186    Com efeito, a obrigação de respeitar um prazo razoável no âmbito da condução dos procedimentos administrativos constitui um princípio geral de direito retomado, nomeadamente, no artigo 41.o, n.o 1, da Carta (Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P à C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.o 167; de 11 de abril de 2006, Angeletti/Comissão, T‑394/03, EU:T:2006:111, n.o 162; e de 7 de junho de 2013, Itália/Comissão, T‑267/07, EU:T:2013:305, n.o 61).

187    No caso em apreço, resulta do dossiê que se sucederam perante a Comissão quatro fases, com uma duração total de seis anos e um mês, durante o tratamento do processo:

—        uma primeira fase, com uma duração de um ano e cinco meses, separou as primeiras medidas de inquérito do envio da comunicação de acusações à Federacciai e às empresas em causa;

—        as três fases seguintes são as que conduziram, respetivamente, à adoção da Decisão de 2002, da Decisão de 2009 e da decisão recorrida, que tiveram, cada uma respetivamente, uma duração de nove meses, de dois anos e um mês e de um ano e nove meses.

188    Segundo a jurisprudência, para apreciar a natureza razoável do prazo devem tomar‑se em consideração as circunstâncias específicas de cada processo, nomeadamente a importância do litígio para o interessado, a complexidade do processo e o comportamento da parte recorrente e o das autoridades competentes (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 187 e 188).

189    Deste modo, ainda que se admita que, noutros processos, a fase administrativa que se seguiu à anulação de uma decisão da Comissão pelo juiz da União, no âmbito de um procedimento retomado para adotar uma nova decisão, tenha sido mais curta do que as circunstâncias do presente caso, conforme as recorrentes alegam, isso não permite que, por este motivo, se conclua que o princípio do prazo razoável foi violado.

190    Com efeito, quando se examina a razoabilidade da duração devem tomar‑se em consideração as circunstâncias específica de cada processo à luz nomeadamente dos critérios acima mencionados no n.o 188.

191    Em primeiro lugar, no que se refere à importância do litígio para o interessado, há que recordar que, em caso de litígio relativo a uma infração ao direito da concorrência, a exigência fundamental de segurança jurídica de que os operadores económicos devem gozar e o objetivo de assegurar que a concorrência não seja falseada no mercado interno apresentam um interesse considerável não apenas para as partes recorrentes e para os seus concorrentes, como também para outras pessoas, devido ao grande número de pessoas afetadas e aos interesses financeiros em jogo (v. Acórdão de 1 de fevereiro de 2017, Aalberts Industries/União Europeia, T‑725/14, EU:T:2017:47, n.o 40 e jurisprudência referida).

192    No caso em apreço, a Comissão constatou na decisão impugnada que as recorrentes violaram o artigo 65.o, n.o 1, CA, por terem participado, entre 6 de dezembro de 1989 e 27 de junho de 2000, num acordo contínuo ou em práticas concertadas respeitantes a varões para betão, que tinham por objetivo ou por efeito fixar preços e limitar ou controlar a produção ou as vendas no mercado interno.

193    Baseando‑se nesta constatação, a Comissão aplicou às recorrentes, que foram condenadas a título solidário, une coima de 5,125 milhões de euros.

194    Atendendo a todos estes elementos, pode considerar‑se que o processo era importante para as recorrentes.

195    Em segundo lugar, no que se refere à complexidade do processo, há que salientar que os erros cometidos pela Comissão dizem respeito às consequências que havia que retirar, para o procedimento, do fim da vigência do Tratado CECA.

196    Ora, há que recordar que as questões relativas às regras aplicáveis aos factos do processo, referentes ao mérito ou às questões processuais, devido ao fim da vigência do Tratado CECA, revestiam, conforme a Comissão indicou, uma certa complexidade.

197    Por outro lado, o acordo abrangia um período relativamente longo (10 anos e sete meses), dizia respeito a um número significativo de atores (oito empresas, com um total de 11 sociedades e uma associação profissional) e tinha um significativo volume de documentos entregues ou obtidos durante as inspeções (cerca de 20 000 páginas).

198    À luz destes elementos, o processo deve ser considerado complexo.

199    Em terceiro lugar, no que se refere ao comportamento das partes, há que salientar que a atividade da Comissão foi constante devido às inúmeras solicitações que as partes lhe fizeram durante o procedimento administrativo.

200    Deste modo, a Comissão teve de tratar, no contexto da adoção da decisão recorrida, numerosas cartas, tendo em simultâneo tido de preparar a audição de 23 de abril de 2018 e de examinar uma proposta de transação amigável apresentada por algumas partes no procedimento administrativo em 4 de dezembro de 2018.

201    Da análise destes elementos considerados no seu conjunto resulta que a duração das fases administrativas do procedimento não foi desrazoável à luz das circunstâncias específicas do processo e, nomeadamente, da sua complexidade, num contexto em que à Comissão não pode ser imputado nenhum período de inatividade durante as etapas que compuseram as referidas fases administrativas.

202    A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto à segunda acusação, respeitante à duração global do procedimento

203    As recorrentes contestam a duração global que foi exigida para tratar o dossiê, entre os primeiros atos da instrução e a adoção da decisão impugnada. Em sua opinião, o fato de, durante esta adoção, terem decorrido 19 anos e de a decisão impugnada dizer respeito a comportamentos ocorridos há mais de 30 anos torna esta duração contrária ao princípio do prazo razoável.

204    A este respeito, há que recordar que o dever de observar um prazo razoável na condução dos procedimentos administrativos constitui um princípio geral de direito consagrado nomeadamente no artigo 41.o, n.o 1, da Carta. Por outro lado, a inobservância de um prazo razoável para proferir uma sentença constitui uma irregularidade processual (Acórdão de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, EU:C:2009:456, n.o 191). Com efeito, toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, pública e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, que decidirá das contestações sobre os seus direitos e obrigações de natureza civil, e do mérito de qualquer acusação em matéria penal deduzidas contra si, em conformidade com o disposto no artigo 47.o da Carta e no artigo 6.o da CEDH (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2009, Der Grüne Punkt — Duales System Deutschland/Comissão, C‑385/07 P, EU:C:2009:456, n.os 177 a 179, e de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.os 282 e 283).

205    Com efeito, o direito da União exige que as instituições, órgãos e organismos da União tratem num prazo razoável os processos no âmbito dos procedimentos administrativos que tratam (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, EU:T:2012:275, n.o 284).

206    A obrigação de respeitar um prazo razoável aplica‑se a cada etapa que se insere num procedimento, bem como a todo o conjunto formado por este (v., neste sentido, Acórdão de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P à C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 230 e 231, e Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Solvay/Comissão, C‑109/10 P, EU:C:2011:256, n.o 239).

207    No caso em apreço, há que constatar que o período ao longo do qual o procedimento administrativo correu foi excecionalmente longo, o que aliás levou a Comissão a reduzir a coima que acabou por ser aplicada às recorrentes (v. n.o 162, supra).

208    No entanto, a duração global do procedimento administrativo pode explicar‑se, no presente caso, pela complexidade do dossiê, sendo que, em relação a determinados aspetos, se ficou a dever a elementos relativos ao próprio processo, ao passo que, em relação a outros, se ficou a dever ao contexto específico em que o processo se inscreve, a saber, o fim da vigência do Tratado CECA (v. n.os 195 a 198, supra).

209    É certo que a Comissão cometeu erros quando apreciou as consequências que havia que retirar do fim da vigência do Tratado CECA e que esses erros deram lugar a anulações, sucessivamente decretadas pelo Tribunal Geral e pelo Tribunal de Justiça.

210    Contudo, para apreciar esses erros e o impacto que possam ter tido na duração do procedimento administrativo deve tomar‑se em consideração a complexidade das questões colocadas.

211    Por outro lado, a duração global do procedimento administrativo é parcialmente imputável às interrupções que se ficaram a dever às fiscalizações jurisdicionais e está assim associada ao número de recursos interpostos perante o juiz da União respeitantes aos diferentes aspetos do processo.

212    A este respeito, há que salientar que a possibilidade de os processos das empresas, que se encontrem numa situação como a das recorrentes, serem examinados mais de uma vez pelas autoridades administrativas da União e, eventualmente, pelas jurisdições da União é inerente ao sistema implementado pelos redatores dos Tratados relativamente à fiscalização dos comportamentos e das operações em matéria de concorrência. Assim, a obrigação de a autoridade administrativa desempenhar diversas formalidades e realizar diversos trâmites antes de poder adotar uma decisão final no âmbito da concorrência e a possibilidade de essas formalidades ou trâmites poderem dar origem a um recurso não podem ser utilizadas por uma empresa, como argumento no final do processo, para alegar que foi excedido o prazo razoável (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos Feralpi e o./Comissão, C‑85/15 P, C‑86/15 P e C‑87/15 P, C‑88/15 P e C‑89/15 P, EU:C:2016:940, n.o 70).

213    Nestas condições, não se pode considerar que, analisada no seu conjunto, a duração do procedimento administrativo foi excessiva e que, por conseguinte, constituiu um obstáculo a que a Comissão adotasse uma nova decisão que aplicou uma coima.

214    A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto à terceira acusação, respeitante ao efeito, nos direitos de defesa, da duração do procedimento

215    As recorrentes alegam que a duração do procedimento administrativo afetou os seus direitos de defesa. Em sua opinião, devido a esta duração, a audição de 23 de abril de 2018 não permitiu que as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros ouvissem todos os atores cujas opiniões podiam influenciar a sua capacidade de se defenderem.

216    A este respeito, há que recordar que, conforme acima se indicou no n.o 180, têm de estar reunidos dois requisitos para que o juiz anule a decisão adotada pela Comissão ao abrigo de uma violação do princípio do prazo razoável. Se o primeiro (duração desrazoável do procedimento) não estiver preenchido, não é, em princípio, necessário verificar, em resposta à terceira acusação, se a duração do procedimento administrativo limitou o exercício dos direitos de defesa. No entanto, há que proceder a esse exame, a título de exaustividade, para responder de forma absoluta às preocupações formuladas pelas recorrentes.

217    Por um lado, há que constatar que, durante o procedimento considerado no seu conjunto, as recorrentes tiveram, em pelo menos sete ocasiões, a ocasião de exprimir o seu ponto de vista e de apresentar os seus argumentos (v. n.os 3 a 6, 10, 22 e 23, supra).

218    Em especial, as recorrentes puderam exprimir o seu ponto de vista, durante a terceira fase administrativa, nas suas observações de 1 de fevereiro de 2018 e na audição de 23 de abril de 2018 (v. n.os 22 e 23, supra).

219    Por outro lado, o exame do primeiro fundamento permitiu determinar que os direitos de defesa das recorrentes não foram afetados pelo facto de os atores que participaram nas anteriores audições não terem estado todos presentes na audição de 23 de abril de 2018, nem pelo facto de que os representantes das autoridades da concorrência dos Estados‑Membros sabiam, no momento de expressarem a sua opinião no comité consultivo, que duas decisões, uma das quais havia sido confirmada pelo Tribunal Geral, tinham anteriormente sido adotadas, por duas vezes contra as empresas em causa (v. n.os 66 a 146, supra).

220    Destes elementos resulta que ainda que se admita que a duração do procedimento administrativo pode ser contrária ao princípio do prazo razoável, os requisitos que devem ser preenchidos para anular a decisão impugnada não estão preenchidos porque as recorrentes não provaram que os direitos de defesa foram violados devido à referida duração.

221    Nestas condições, há que considerar que não está preenchido nenhum dos requisitos exigidos para que o Tribunal Geral pudesse anular a decisão impugnada ao abrigo de uma violação do princípio do prazo razoável.

222    A acusação deve assim ser rejeitada, havendo igualmente que rejeitar o fundamento no seu conjunto.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação e a erros manifestos de apreciação

223    No âmbito do quarto fundamento, as recorrentes apresentam três acusações, respeitantes, a primeira, à inexistência de uma explicação suficiente sobre os motivos que levaram a Comissão a adotar uma nova decisão que aplicou uma coima, a segunda, a um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão relativo ao efeito dissuasor que pode decorrer da adoção de tal decisão e, a terceira, a um erro cometido pela Comissão quando apreciou a possibilidade de terceiros intentarem uma ação de responsabilidade extracontratual perante os órgãos jurisdicionais nacionais, bem como outros argumentos, que a Comissão contesta integralmente.

 Quanto à primeira acusação, relativa à inexistência de uma explicação suficiente sobre os motivos que levaram a Comissão a adotar uma nova decisão que aplicou uma coima

224    As recorrentes alegam que a Comissão não explicou de forma suficiente os motivos que a levaram a retomar o procedimento:

—        por um lado, além de declarar que existe uma infração, a fundamentação não justifica a adoção de uma decisão que aplicou uma coima;

—        por outro lado, a Comissão não fundamentou a sua afirmação segundo a qual é necessário aplicar uma coima para garantir um efeito dissuasor no mercado em causa, embora este se tenha radicalmente alterado.

225    Em primeiro lugar, há que salientar que o artigo 105.o, n.o 1, TFUE atribui à Comissão a missão de zelar pela aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE.

226    A este título, a Comissão é chamada a definir e a implementar, segundo a jurisprudência, a política da concorrência da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2013, Vivendi/Comissão, T‑432/10, não publicado, EU:T:2013:538, n.o 22 e jurisprudência referida).

227    Neste âmbito, a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação confirmado pelo Regulamento n.o 1/2003, segundo o qual, se verificar que existe uma infração, a Comissão «pode», por um lado, obrigar as empresas em causa a porem termo a essa infração (artigo 7.o, n.o 1) e, por outro lado, aplicar coimas às empresas que cometeram infrações (artigo 23.o, n.o 2).

228    Em matéria de concorrência, foi assim atribuído à Comissão, independentemente da via seguida para lhe dar conhecimento do dossiê, a saber, nomeadamente, no âmbito de uma queixa ou por iniciativa própria, poder para decidir se determinados comportamentos deviam ser objeto de um procedimento, de uma decisão e de uma coima, em função das prioridades que a Comissão define no âmbito da sua política da concorrência.

229    No entanto, a existência deste poder não isenta a Comissão de respeitar o dever de fundamentação que lhe incumbe (v., neste sentido, Acórdão de 12 de março de 2020, LL‑Carpenter/Comissão, T‑531/18, não publicado, EU:T:2020:91, n.o 90 e jurisprudência referida).

230    Num contexto no qual, como no caso em apreço, por um lado, uma decisão tomada pela Comissão foi anulada duas vezes e em que, por outro, foi extremamente longo o tempo que mediou entre os primeiros atos de instrução e a adoção da decisão, cabe a esta Instituição, ao abrigo do princípio da boa administração, tomar em consideração a duração do procedimento e as consequências que esta duração pode ter tido na sua decisão de continuar o procedimento contra as empresas em causa, devendo então esta apreciação constar da fundamentação da decisão.

231    Ora, foi isso efetivamente o que a Comissão fez quando indicou de forma detalhada, por um lado, nos considerandos 526 a 529 da decisão impugnada e, por outro lado, nos considerandos 536 a 573 desta decisão, as razões pelas quais considerou que havia que adotar uma nova decisão que declarasse que existiu uma infração e que aplicasse uma coima às empresas em causa. Indicou, em especial, que a aplicação de uma coima permitia garantir que as empresas destinatárias, que participaram num cartel de longa duração, não ficavam impunes, acrescentando que, em sua opinião, só a aplicação de uma coima garante uma aplicação coerente das regras da concorrência e produz um efeito dissuasor em relação às empresas (considerando 565 de da referida decisão).

232    Há assim que rejeitar o primeiro argumento.

233    Em segundo lugar, há que salientar que, no considerando 505 da decisão impugnada, a Comissão indicou que informou as empresas destinatárias, no final da sua apreciação de que pretendia retomar o procedimento para determinar, após uma audição respeitante ao mérito e realizada ao abrigo dos Regulamentos n.os 1/2003 e 773/2004, sobre se a participação das referidas empresas na infração que lhes era imputada na comunicação de acusações e na comunicação de acusações suplementares resultava ou não com clareza suficiente.

234    No que respeita à sanção, conforme foi acima salientado no n.o 231, a Comissão indicou, no considerando 565 da decisão impugnada, que a aplicação de uma coima permitia evitar qualquer impunidade das empresas em causa e que só semelhante aplicação de uma coima garantia uma aplicação coerente das regras da concorrência da União e um efeito dissuasor.

235    No que se refere, por último, às alterações entretanto ocorridas no mercado, facto que, segundo as recorrentes, devia justificar que a Comissão fosse mais indulgente em matéria do montante da coima, esta questão foi tratada no considerando 567 da decisão impugnada, no qual a Comissão indicou que, embora a infração tivesse cessado há bastante tempo, a adoção de uma decisão que aplica uma coima mantém a sua importância, especialmente no mercado dos varões para betão em Itália, para dissuadir as empresas destinatárias de voltarem a adotar comportamentos de semelhante gravidade.

236    Destes elementos pode concluir‑se que da fundamentação apresentada pela Comissão na decisão impugnada resulta de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido por esta para justificar a adoção de uma nova decisão que aplicou uma coima, não obstante as anulações verificadas no passado, incluindo a preocupação de conferir um efeito dissuasor à decisão impugnada.

237    Há assim que rejeitar o segundo argumento e em simultâneo julgar improcedente toda a acusação.

 Quanto à segunda acusação, relativa a um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão a respeito do efeito dissuasor que pode decorrer da adoção de uma nova decisão que aplicou uma coima

238    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação quando considerou que, não obstante as alterações ocorridas no mercado dos varões para betão, a adoção de uma decisão e a aplicação de uma sanção ainda era necessária para dissuadir as empresas destinatárias de voltarem a adotar semelhante comportamento e para dissuadir todos os atores eventualmente abrangidos de cometerem semelhantes infrações.

239    A este respeito, há que salientar que a Comissão considerou, atenta a gravidade da infração verificada, que adotar uma decisão e aplicar uma sanção ainda se justificava no momento em que a decisão impugnada foi adotada, atendendo ao efeito dissuasor que esta decisão e esta sanção podem ter nos mercados.

240    Com efeito, é a sanção, ou seja, o facto de ter de pagar a coima aplicada, que dissuade efetivamente uma empresa, e regra geral os atores do mercado, de violarem regras da concorrência previstas nos artigos 101.o e 102.o TFUE.

241    É certo que foi aplicada às recorrentes por duas vezes uma sanção no decurso do procedimento, a primeira vez na Decisão de 2002 e a segunda vez na Decisão de 2009. No entanto, estas decisões foram anuladas pelo juiz da União, respetivamente, nos Acórdãos de 25 de outubro de 2007, SP e o./Comissão (T‑27/03, T‑46/03, T‑58/03, T‑79/03, T‑80/03, T‑97/03 e T‑98/03, EU:T:2007:317) e de 21 de setembro de 2017, Ferriera Valsabbia e o./Comissão (C‑86/15 P e C‑87/15 P, EU:C:2017:717). Nestas condições, aplicar uma sanção na decisão impugnada justificou‑se pela necessidade de assegurar o efeito dissuasivo.

242    Pode acrescentar‑se que a aplicação de uma coima, pela Comissão, no caso em apreço, não tinha por único objetivo conferir um determinado efeito dissuasor à la decisão impugnada, pretendendo também evitar‑se que as empresas em causa ficassem totalmente impunes, conforme teria sucedido se não tivessem sido punidas na decisão impugnada (v. considerando 527 da decisão impugnada).

243    Ora, este último objetivo era suficiente, por si só, à luz dos elementos mencionados na decisão impugnada, e atendendo muito especialmente, por um lado, à gravidade da infração constatada pela Comissão e, por outro, à duração desta infração, conforme foi provada pela referida Instituição, para justificar que no presente caso fosse adotada uma decisão que aplicou uma sanção.

244    A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto à terceira acusação, relativa a um erro cometido pela Comissão quando apreciou a possibilidade de terceiros interporem uma ação de responsabilidade extracontratual nos órgãos jurisdicionais nacionais

245    As recorrentes contestam um dos argumentos apresentados pela Comissão para justificar a retoma do procedimento administrativo, a saber, que havia que garantir a possibilidade de terceiros ainda virem a intentar ações de responsabilidade extracontratual na sequência da adoção da decisão impugnada. Em sua opinião, já nenhuma ação cível podia ser intentada quando esta decisão foi adotada, porque em Itália o prazo de prescrição para intentar semelhante ação é de cinco anos e alguns dos comportamentos que estão em causa no presente procedimento ocorreram há mais de 30 anos.

246    A este respeito, há que salientar que, no considerando 564 da decisão impugnada, a Comissão explicou que, em sua opinião, a retoma do procedimento e a adoção de uma nova decisão podiam facilitar a tarefa de terceiros que, querendo, poderiam intentar uma ação de responsabilidade extracontratual nos tribunais nacionais.

247    Esta apreciação procede. Com efeito, a Comissão não podia excluir, quando adotou a decisão impugnada, que certas vítimas possam ter interrompido o decurso do prazo de prescrição e que a referida decisão pode assim facilitar a propositura, por estas últimas, de uma ação destinada a indemnizar um eventual dano sofrido.

248    Por outro lado, há que salientar que as recorrentes concentram a sua argumentação no prazo de prescrição no procedimento cível existente em Itália.

249    No entanto, outros países além da Itália podem ser abrangidos pela propositura de ações de indemnização de um eventual dano resultante do acordo, uma vez que os produtos que foram afetados por este acordo podem ter sido comprados por clientes estabelecidos no estrangeiro.

250    Neste contexto, a Comissão não podia excluir a aplicação de outros direitos nacionais que preveem, eventualmente, regras diferentes sobre o prazo de prescrição ou sobre os motivos que podem suspender, ou mesmo interromper, esta prescrição.

251    Deste modo, as recorrentes, na sua argumentação, não provam a existência de um erro, limitando‑se a indicar que não partilham a mesma opinião que a Comissão sobre a questão em causa, a saber, o interesse da existência de uma decisão da Comissão para que pessoas eventualmente lesadas intentem ações cíveis nos órgãos jurisdicionais nacionais.

252    A acusação deve assim ser rejeitada.

 Quanto aos outros argumentos

253    Em apoio do quarto fundamento, as recorrentes apresentam ainda dois argumentos que foram analisados, pelo menos parcialmente, na resposta dada aos outros fundamentos anteriormente examinados.

254    Com o primeiro argumento, as recorrentes alegam que, na decisão impugnada, a Comissão não examinou de forma juridicamente bastante se a duração do procedimento administrativo excedeu o prazo razoável.

255    Em especial, as recorrentes acusam a Comissão de não ter explicado de forma juridicamente bastante por que motivo, no âmbito da sua análise, só tinha de examinar a duração do procedimento administrativo.

256    A este respeito, há que salientar que, conforme acima se indica nos n.os 152 a 169 em resposta à primeira acusação do segundo fundamento, a Comissão, contrariamente àquilo que as recorrentes alegam, verificou a duração global do procedimento administrativo, fases administrativas e interrupções devidas à fiscalização jurisdicional incluídas, e examinou se essa duração podia ou não ter consequências na possibilidade de retomar o referido procedimento e na situação das empresas em causa.

257    Neste âmbito, a Comissão reconheceu que, na sequência dos erros processuais que haviam sido cometidos, as diferentes fases que se sucederam conduziram, analisando o procedimento administrativo no seu todo, fases administrativas e interrupções devidas à fiscalização jurisdicional incluídas, a uma duração «objetivamente» longa, conforme acima se indicou nos n.os 156 e 157.

258    Ponderando em seguida o interesse público em obter a aplicação efetiva das regras da concorrência e o interesse das partes em que as possíveis consequências dos erros processuais cometidos sejam tomadas em consideração, a Comissão decidiu adotar uma decisão que constata uma infração às regras da concorrência, mas reduziu o montante da coima aplicada em 50 %.

259    Há assim que rejeitar o primeiro argumento.

260    Com o segundo argumento, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação quando considerou que o prazo razoável não foi excedido.

261    Em especial, as recorrentes alegam que a Comissão não podia afirmar, como fez, que a tramitação do procedimento administrativo foi célere.

262    A este respeito, atendendo aos elementos mencionadas em resposta ao terceiro fundamento (v. n.os 183 a 215, supra), há que considerar que, quando concluiu que a duração do procedimento administrativo não foi desrazoável, a Comissão não cometeu um erro de apreciação.

263    Nestas considerações e, em especial, do acima indicado nos n.os 185 a 202, resulta, no mesmo sentido, que a afirmação da Comissão constante do considerando 555 da decisão impugnada, segundo a qual, «[n]o presente processo, no que se refere à fase administrativa, considera que desenvolveu sempre a sua atividade de inquérito de forma célere e sem interrupções injustificadas», também não contém um erro de apreciação.

264    Há assim que rejeitar o segundo argumento.

265    À luz das considerações que precedem, há que julgar o quarto fundamento totalmente improcedente.

 Quanto ao pedido apresentado pelas recorrentes na audiência a respeito da reforma da coima

266    As recorrentes indicaram, na audiência, que contestaram a legalidade da decisão impugnada no seu recurso, mas também, de forma implícita, o montante da coima, pelo que foi apresentado ao Tribunal Geral um pedido de reforma da coima no âmbito do exercício da competência de plena jurisdição.

267    A este respeito, há que recordar que, conforme a Comissão salientou na audiência, segundo a jurisprudência, o juiz da União não pode exercer oficiosamente a competência de plena jurisdição prevista no artigo 261.o TFUE e no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003.

268    Com efeito, sendo a tramitação processual nas jurisdições da União de natureza contraditória, é à parte recorrente que cabe apresentar o pedido contra a decisão impugnada, articular os motivos que fundamentam esse pedido e apresentar provas em apoio desse pedido (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.o 335).

269    Ora, há que constatar que, no caso em apreço, a petição inicial não contém um pedido de reforma da coima. É certo que as recorrentes alegaram na audiência que tal pedido resulta da sistemática da petição inicial. No entanto, não apresentaram nenhum elemento em apoio desta afirmação. Nestas condições, há que considerar que não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 76.o, alínea e), do Regulamento de Processo, segundo os quais a recorrente tem de indicar os seus pedidos na petição inicial. Em aplicação desta disposição, só os pedidos que constam da petição inicial podem ser tomados em consideração e o mérito do recurso só pode ser analisado à luz dos pedidos constantes da petição inicial (Acórdão de 18 de novembro de 2020, H/Conselho, T‑271/10 RENV II, EU:T:2020:548, n.o 84 e jurisprudência referida).

270    Há assim que considerar que o pedido de reforma da coima foi formulado, no decurso da instância, de forma intempestiva e, retirando as consequências desta intempestividade, em aplicação do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, há que considerar que este pedido é inadmissível.

271    Seja como for, tendo sido integralmente negado provimento aos argumentos apresentados em apoio do recurso, a coima não pode ser reduzida nem a fortiori anulada ao abrigo dos fundamentos invocados em apoio do recurso.

 Conclusão

272    Atendendo a todas as considerações que precedem, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

273    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ferriera Valsabbia SpA e a Valsabbia Investimenti SpA são condenadas nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo em 9 de novembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.


i      O n.º 30 do presente texto foi objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.