Language of document : ECLI:EU:F:2007:210

Processo C74/22 P(I)

Soudal NV
e
EskoGraphics BVBA

contra

Magnetrol International NV
e
Comissão Europeia

 Despacho do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 1 de agosto de 2022

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Intervenção – Auxílios de Estado – Regime de auxílios concedido pelo Reino da Bélgica – Admissão de intervenções no âmbito de um processo de recurso de um acórdão do Tribunal Geral – Anulação da decisão do Tribunal Geral – Remessa do processo ao Tribunal Geral – Decisão do Tribunal Geral que recusa juntar aos autos do processo observações escritas sobre o acórdão que procedeu a essa remessa apresentadas por um interveniente no recurso – Decisão implícita do Tribunal Geral que recusa reconhecer a um interveniente no recurso a qualidade de interveniente no Tribunal Geral – Admissibilidade do recurso – Qualidade de interveniente no Tribunal Geral de um interveniente no recurso – Recurso interposto fora de prazo – Erro desculpável»

1.        Recurso de decisão do Tribunal Geral – Admissibilidade – Decisões suscetíveis de recurso – Parte admitida a intervir num processo na fase de recurso de uma decisão do Tribunal Geral – Anulação da decisão do Tribunal Geral com remessa do processo ao Tribunal Geral – Decisão do Tribunal Geral que recusa reconhecer ao interveniente a qualidade de interveniente na sequência da remessa do processo – Recurso interposto dessa decisão pelo interveniente no recurso – Admissibilidade

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 57.°, primeiro parágrafo)

(cf. n.os 30‑54)

2.        Recurso de decisão do Tribunal Geral – Prazos – Recurso interposto de uma decisão do Tribunal Geral que indefere um pedido de intervenção – Recurso interposto fora de prazo – Inadmissibilidade – Exceção – Erro desculpável – Requisitos – Existência de uma incerteza real quanto aos prazos aplicáveis à luz da formulação das regras e do comportamento de uma instituição, incluindo de um órgão jurisdicional da União

(Artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça)

(cf. n.os 61‑85)

3.        Processo judicial – Intervenção – Parte admitida a intervir num processo na fase de recurso de uma decisão do Tribunal Geral – Anulação da decisão do Tribunal Geral com remessa do processo ao Tribunal Geral – Parte admitida a intervir na fase de recurso que goza de pleno direito da qualidade de interveniente no Tribunal Geral

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 40.°)

(cf. n.os 95‑126)

Resumo

Por Decisão de 11 de janeiro de 2016 (1), a Comissão qualificou de auxílio de Estado ilegal e incompatível com o mercado interno o regime de isenção dos lucros excedentários aplicado pela Bélgica desde 2004 às entidades belgas de grupos de empresas multinacionais. Em consequência, a Comissão ordenou a recuperação dos auxílios concedidos aos beneficiários, cuja lista definitiva devia ser posteriormente estabelecida pelo Reino da Bélgica.

O Reino da Bélgica e a Magnetrol International NV interpuseram no Tribunal Geral recursos de anulação dessa decisão, registados respetivamente sob os números T‑131/16 e T‑263/16. A Atlas Copco Airpower NV e a Atlas Copco AB (2), a Anheuser Busch InBev SA/NV e a Ampar BVBA (3), bem como a Soudal NV (4) e a Esko Graphics BVBA (5) (a seguir, conjuntamente, «recorrentes») interpuseram também recursos de anulação dessa decisão. Dado que os processos T‑131/16 e T‑263/16 foram escolhidos pelo Tribunal Geral como processos «piloto», os outros processos acima referidos foram suspensos até à resolução do litígio nos dois primeiros processos.

Após apensação dos processos T‑131/16 e T‑263/16, o Tribunal Geral deu provimento aos recursos do Reino da Bélgica e da Magnetrol International NV e anulou a decisão da Comissão (6).

Chamado a conhecer de um recurso interposto pela Comissão contra essa decisão do Tribunal Geral, o presidente do Tribunal de Justiça admitiu a intervenção das recorrentes em apoio dos pedidos da Magnetrol International NV no âmbito do processo de recurso.

Por Acórdão de 16 de setembro de 2021 (7), o Tribunal de Justiça anulou o acórdão do Tribunal Geral e remeteu os dois processos a este último, reservando para final a decisão quanto às despesas.

Na sequência dessa remessa ao Tribunal Geral, as recorrentes apresentaram observações neste último sobre as conclusões a extrair do acórdão do Tribunal de Justiça para a solução do litígio no processo T‑263/16 RENV.

Por cartas de 6 de dezembro de 2021, o secretário do Tribunal Geral informou as recorrentes de que, uma vez que as suas observações não constituíam um documento previsto pelo Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o presidente da secção do Tribunal Geral chamada a pronunciar‑se tinha decidido não as juntar aos autos do processo T‑263/16 RENV (a seguir «decisão impugnada»).

Através de três despachos, o Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, deu provimento aos recursos interpostos pelas recorrentes contra essa decisão. Considerou que partes cujo processo foi suspenso pelo Tribunal Geral enquanto se aguarda a decisão definitiva de um processo piloto e que foram admitidas a intervir nesse processo piloto em sede de recurso da decisão do Tribunal Geral conservam essa qualidade de intervenientes em caso de anulação, pelo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal Geral no processo piloto e de remessa desse processo a este último.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Antes de mais, o Tribunal de Justiça julga improcedente a exceção de inadmissibilidade relativa à natureza da decisão impugnada, nos termos da qual a Comissão alegava que a recusa do Tribunal Geral de juntar as observações das recorrentes aos autos do processo T‑263/16 RENV não era suscetível de recurso.

A este respeito, o Tribunal de Justiça salienta que se deve entender que, apesar do seu caráter sumário, as cartas do secretário do Tribunal Geral de 6 de dezembro de 2021 traduzem a decisão do Tribunal Geral de recusar reconhecer às recorrentes a qualidade de intervenientes no processo T‑263/16 RENV.

Quanto ao direito das recorrentes de interporem recurso dessa decisão nos termos do artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, que habilita as pessoas cujo pedido de intervenção foi indeferido pelo Tribunal Geral a interporem recurso, o Tribunal de Justiça observa que, efetivamente, o Tribunal Geral, no caso em apreço, não indeferiu pedidos de intervenção, uma vez que as recorrentes não lhe apresentaram tais pedidos. Todavia, o alcance das decisões comunicadas pelo secretário do Tribunal Geral às recorrentes é semelhante ao de uma decisão do Tribunal Geral de indeferir um pedido de intervenção apresentado por cada uma das recorrentes.

Além disso, quando o Tribunal de Justiça anula uma decisão do Tribunal Geral em sede de recurso e remete o processo a este último com o fundamento de que o litígio não está em condições de ser julgado, não se pode razoavelmente esperar que um interveniente nesse recurso apresente formalmente um pedido de intervenção no Tribunal Geral com o único objetivo de poder interpor um recurso da decisão que indefira esse pedido. Com efeito, em todo o caso, tal pedido não poderia senão ser indeferido pelo Tribunal Geral por ser extemporâneo em aplicação das disposições do seu Regulamento de Processo.

Neste contexto, se um interveniente no recurso não tivesse o direito de interpor, com base no artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, recurso de uma decisão do Tribunal Geral que lhe recusa a qualidade de interveniente na sequência da remessa do processo a esse órgão jurisdicional, essa parte ficaria privada de qualquer proteção jurisdicional que lhe permitisse defender o seu direito de intervir, sendo caso disso, no Tribunal Geral, apesar de o artigo 57.°, primeiro parágrafo, do referido Estatuto ter precisamente por objeto garantir essa proteção. Com efeito, na hipótese de o referido interveniente no recurso invocar, com razão, a sua qualidade de interveniente no Tribunal Geral, não disporia de nenhuma outra via de recurso para fazer valer os seus direitos processuais.

Em seguida, o Tribunal de Justiça julga improcedente a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão relativa à intempestividade do recurso interposto pela Soudal NV e pela Esko‑Graphics BVBA.

Para este efeito, o Tribunal de Justiça salienta que, embora esse recurso tenha sido interposto decorrido o prazo de duas semanas a contar da notificação da decisão impugnada previsto no artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, acrescido do prazo de dilação em razão da distância único de dez dias, este prazo pode, todavia, ser derrogado em caso de erro desculpável da parte em causa. Segundo jurisprudência constante, este caráter desculpável pode nomeadamente ser reconhecido numa situação excecional em que a parte em causa se confrontava, devido ao comportamento de uma instituição, incluindo de um órgão jurisdicional da União, e à luz da formulação das regras aplicáveis, com uma incerteza real quanto aos prazos em que devia ser interposto um recurso.

No caso em apreço, a recusa do Tribunal Geral de reconhecer à Soudal NV e à Esko‑Graphics BVBA, intervenientes no recurso, a qualidade de intervenientes no processo após a remessa constitui uma rutura com uma prática seguida há muito tempo por esse órgão jurisdicional e confirmada formalmente na sua jurisprudência. Além disso, a carta do secretário do Tribunal Geral tinha caráter sumário, uma vez que não precisava explicitamente que o Tribunal Geral negava às recorrentes a qualidade de intervenientes e não continha nenhuma referência precisa ao fundamento da decisão adotada. Por último, à data da interposição do recurso pela Soudal NV e pela Esko‑Graphics BVBA, o fundamento com base no qual esse recurso devia ser interposto – artigo 56.° ou artigo 57.° do Estatuto do Tribunal de Justiça – não resultava de forma clara da jurisprudência do Tribunal de Justiça nem do referido estatuto, enquanto o prazo de interposição do recurso é diferente nos dois casos: um recurso, nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, deve ser interposto no prazo de dois meses a contar da notificação da decisão do Tribunal Geral e, em aplicação do artigo 57.° do referido Estatuto, deve ser interposto no prazo de duas semanas.

À luz destes elementos, o Tribunal de Justiça considera desculpável o erro cometido pela Soudal NV e pela Esko‑Graphics BVBA quanto ao prazo de interposição do seu recurso.

Depois de julgar improcedentes as diferentes exceções de inadmissibilidade deduzidas pela Comissão, o Tribunal de Justiça examinou o mérito dos recursos interpostos pelas recorrentes.

A este respeito, o Tribunal de Justiça começa por salientar que o Regulamento de Processo do Tribunal Geral não precisa a qualidade que deve ser reconhecida, no âmbito de um processo após remessa, aos intervenientes no recurso da decisão do Tribunal Geral. Dito isto, o exame pelo Tribunal Geral de um processo após remessa situa‑se claramente na continuidade do processo de recurso tramitado no Tribunal de Justiça, o que está expressamente refletido no Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

Assim, o artigo 217.° deste último regulamento permite às partes no processo após remessa apresentar as suas observações escritas sobre as conclusões a extrair da decisão do Tribunal de Justiça para a solução do litígio quando a decisão anulada tiver sido tomada depois do encerramento da fase escrita sobre o mérito no Tribunal Geral, a fim de assegurar a continuidade do debate contencioso nos órgãos jurisdicionais da União. Ora, o facto de se recusar a um interveniente no recurso, que pôde justificar um interesse na solução do litígio submetido ao Tribunal de Justiça, a qualidade de interveniente no processo após remessa, teria por consequência privar essa parte de qualquer possibilidade de apresentar observações no Tribunal Geral sobre as consequências que devem ser extraídas de uma decisão do Tribunal de Justiça que, todavia, afetou os seus interesses.

Além disso, a solução adotada pelo Tribunal Geral na decisão impugnada conduz a fazer depender a continuidade do debate contencioso num processo da decisão do facto de o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio ou, pelo contrário, remeter o processo ao Tribunal Geral. Com efeito, quando o Tribunal de Justiça decide definitivamente o litígio, o interveniente no recurso da decisão do Tribunal Geral pode invocar os seus argumentos perante o órgão jurisdicional da União chamado a pronunciar‑se sobre o recurso em primeira instância, ao passo que, seguindo a solução adotada pelo Tribunal Geral, ficaria privado dessa faculdade em caso de remessa do processo ao mesmo.

Por outro lado, a exclusão do interveniente no recurso do processo após remessa afigura‑se tanto mais suscetível de afetar a continuidade do debate contencioso perante os órgãos jurisdicionais da União quanto esse interveniente deveria poder participar, respeitando os requisitos processuais aplicáveis, no processo no Tribunal de Justiça em caso de recurso da decisão do Tribunal Geral tomada na sequência da remessa do processo a este último.

Tal exclusão coloca igualmente problemas no que respeita à decisão quanto às despesas, na medida em que o próprio Tribunal de Justiça só decide sobre as despesas se o recurso for julgado improcedente ou se for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio. Em contrapartida, quando o Tribunal de Justiça remete o processo ao Tribunal Geral, compete a este decidir quanto à repartição das despesas relativas ao processo de recurso, incluindo as despesas a reembolsar pelos intervenientes no recurso. Por conseguinte, negar a estes últimos a qualidade de partes no Tribunal Geral implicaria que não houvesse decisão quanto às despesas ou que o Tribunal Geral decidisse sobre pedidos nesta matéria relativos a uma pessoa que não é parte no processo perante ele.

O Tribunal de Justiça conclui que o Estatuto do Tribunal de Justiça, o respeito dos direitos processuais garantidos aos intervenientes pelo Regulamento de Processo do Tribunal Geral e o princípio da boa administração da justiça impõem, no âmbito de uma articulação coerente dos processos no Tribunal de Justiça e no Tribunal Geral, que as partes admitidas a intervir num processo em sede de recurso gozem de pleno direito da qualidade de intervenientes no Tribunal Geral, quando o processo é remetido a esse órgão jurisdicional na sequência da anulação da decisão objeto de recurso.

Consequentemente, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, que levou o Tribunal de Justiça a anular a decisão do Tribunal Geral de recusar juntar aos autos do processo T‑263/16 RENV as observações escritas apresentadas pelas recorrentes e, assim, recusar reconhecer a essas recorrentes a qualidade de intervenientes nesse processo.


1      Decisão (UE) 2016/1699, de 11 de janeiro de 2016, relativa ao regime de auxílios estatais de isenção em matéria de lucros excedentários SA.37667 (2015/C) (ex 2015/NN) concedido pela Bélgica [notificada com o número C(2015) 9837] (JO 2016, L 260, p. 61).


2      Registado sob o número T‑278/16.


3      Registado sob o número T‑370/16.


4      Registado sob o número T‑201/16.


5      Registado sob o número T‑335/16.


6      Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Bélgica e Magnetrol International/Comissão (T‑131/16 e T‑263/16, EU:T:2019:91).


7      Acórdão de 16 de setembro de 2021, Comissão/Bélgica e Magnetrol International (C‑337/19 P, EU:C:2021:741).