Language of document : ECLI:EU:T:2024:100

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção Alargada)

21 de fevereiro de 2024 (*)

«Contratos públicos — Procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso — Fornecimento de robôs de desinfeção aos hospitais europeus — Urgência imperiosa — COVID‑19 — Não participação das recorrentes no procedimento de contratação pública — Recurso de anulação — Falta de afetação individual — Natureza contratual do litígio — Inadmissibilidade — Responsabilidade»

No processo T‑38/21,

Inivos Ltd, com sede em Londres (Reino Unido),

Inivos BV, com sede em Roterdão (Países Baixos),

representadas por R. Martens, L. Hoet e A. Van Laer, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por L. André e M. Ilkova, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção Alargada),

composto, na deliberação, por: D. Spielmann, presidente, V. Valančius, R. Mastroianni, M. Brkan (relatora) e T. Tóth, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

visto o Despacho de 21 de maio de 2021, Inivos e Inivos/Comissão (T‑38/21 R, não publicado, EU:T:2021:287),

vistos os autos,

após a audiência de 28 de fevereiro de 2023,

vistos, no seguimento da cessação de funções do juiz V. Valančius em 26 de setembro de 2023, o artigo 22.o e o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, as recorrentes, Inivos Ltd e Inivos BV, pedem, por um lado, com fundamento no artigo 263.o TFUE, a anulação da Decisão da Comissão Europeia, de 18 de setembro de 2020, de recorrer a um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso para a aquisição de robôs de desinfeção (a seguir «decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso»), da Decisão de 3 de novembro de 2020 de adjudicar esse contrato (a seguir «decisão de adjudicação impugnada»), e da Decisão de 19 de novembro de 2020 de celebrar os contratos‑quadro com dois operadores e de declarar nulos e sem efeito esses contratos‑quadro e, por outro lado, com base no artigo 268.o TFUE, a reparação do prejuízo que sofreram por esse facto.

 Antecedentes do litígio

2        As recorrentes, estabelecidas no Reino Unido e nos Países Baixos, exercem a sua atividade no domínio da tecnologia médica e são especializadas na prevenção e no controlo das infeções.

3        No contexto da crise da COVID‑19, a Comissão decidiu ajudar os Estados‑Membros através do apoio à implantação de robôs nos seus hospitais para a desinfeção dos espaços interiores, no âmbito do Instrumento de Apoio de Emergência. Após uma análise das tecnologias disponíveis, a sua escolha recaiu sobre a desinfeção por raios ultravioleta (UV) através de robôs autónomos.

4        Com base no fundamento de urgência resultante da crise da COVID‑19, a Comissão decidiu, em 18 de setembro de 2020, recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, em conformidade com o ponto 11.1, segundo parágrafo, alínea c), do anexo I do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013 (UE) n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão 541/2014/UE, e que revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»).

5        A fim de preparar o procedimento de contratação pública e de recolher informações sobre o mercado em questão, bem como sobre os potenciais fornecedores, a Comissão realizou uma consulta preliminar ao mercado em aplicação do artigo 166.o do Regulamento Financeiro, enviando um formulário de inquérito, nomeadamente a associações e a outras entidades representantes de fabricantes de robôs.

6        Com fundamento nesta consulta do mercado, a Comissão constituiu uma ampla base de dados de fornecedores, que foram depois avaliados com base em critérios predefinidos, a saber, a marcação CE (condição necessária), a capacidade de produção (de pelo menos 20 unidades por mês) e a experiência na implantação de robôs em hospitais (de pelo menos 10 robôs).

7        Seis fornecedores que cumpriam estes critérios foram convidados a apresentar uma proposta no âmbito de um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio, sob a referência CNECT/LUX/2020/NP0084, mas apenas três deles apresentaram efetivamente uma proposta.

8        Em 30 de outubro de 2020, foi elaborado um relatório de avaliação, em conformidade com o artigo 168.o, n.o 4, do Regulamento Financeiro, para efeitos de adjudicação do contrato. Duas propostas foram arquivadas, tendo a terceira sido rejeitada por não cumprir os critérios de seleção.

9        Em 3 de novembro de 2020, o gestor orçamental competente adotou a decisão de adjudicação impugnada em conformidade com a recomendação constante do relatório de avaliação.

10      Em 19 de novembro de 2020, os contratos-quadro relativos aos robôs de desinfeção para os hospitais europeus (COVID‑19) foram celebrados com os dois proponentes selecionados (a seguir «contratos‑quadro controvertidos») e a sua assinatura foi anunciada no Jornal Oficial da União Europeia em 9 de dezembro de 2020 através do anúncio de adjudicação do contrato 2020/S 240‑592299.

11      Em 23 de novembro de 2020, as recorrentes tomaram conhecimento de um comunicado de imprensa da Comissão, no qual esta anunciava que tencionava adquirir 200 robôs de desinfeção no âmbito de um orçamento específico proveniente de um instrumento de apoio de emergência.

12      No seu comunicado de imprensa, a Comissão indicava que os hospitais da maior parte dos Estados‑Membros tinham manifestado a necessidade e o interesse em receber esses robôs, que podiam desinfetar quartos de doentes, de dimensão normal, utilizando a luz UV durante apenas quinze minutos e, assim, contribuir para prevenir e reduzir a propagação do vírus. O processo seria controlado por um operador localizado no exterior do espaço a desinfetar para evitar qualquer tipo de exposição à luz UV. Para a compra destes robôs de desinfeção, teria sido disponibilizado um orçamento específico, de até doze milhões de euros, no âmbito do Instrumento de Apoio de Emergência.

13      Em 3 de dezembro de 2020, dado que não tinha sido publicado nenhum anúncio de concurso para a adjudicação em questão na versão em linha do Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia dedicado aos contratos públicos europeus e que a Comissão não tinha publicado nenhuma informação relativa a uma decisão de adjudicação do contrato em causa, as recorrentes enviaram‑lhe uma carta na qual exprimiram o receio de que as regras aplicáveis em matéria de contratação pública, baseadas no Regulamento Financeiro, não tivessem sido aplicadas. Pediram também à Comissão que suspendesse os contratos‑quadro controvertidos ou que lhes pusesse termo e que procedesse à revogação de toda e qualquer decisão de adjudicação que pudesse ter ocorrido e convidaram a Comissão a organizar um novo procedimento de contratação pública mediante convite à apresentação de propostas com publicação prévia de um anúncio de concurso.

14      Em 9 de dezembro de 2020, as recorrentes souberam, através do anúncio de adjudicação do contrato (JO 2020/S 240‑592299), que os contratos‑quadro controvertidos já tinham sido celebrados em 19 de novembro de 2020.

15      Neste anúncio de adjudicação, o recurso ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso foi justificado do seguinte modo:

«Urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis para a entidade adjudicante e em conformidade com as condições enunciadas na diretiva.

Motivação:

A pandemia de COVID‑19 imprime enorme pressão nos sistemas de saúde em todo o mundo e, em particular, na Europa. Neste contexto, a fim de contribuir para os esforços que visam garantir urgentemente uma maior segurança do pessoal e dos doentes em determinados hospitais europeus e estabelecimentos de cuidados de saúde semelhantes, a Comissão decidiu apoiar a implantação de robôs autónomos para a desinfeção dos espaços interiores, no âmbito do Instrumento de Apoio de Emergência [(C(2020) 5162 final)]. Os robôs de desinfeção já são utilizados para a desinfeção de hospitais e a Comissão recolheu um certo número de relatórios provenientes de hospitais que utilizaram esta tecnologia durante a crise [da] COVID‑19. Todavia, o número de robôs implantados é insuficiente e está longe de cobrir todos os hospitais que têm de lidar diretamente com a doença. A Comissão está a tomar medidas para mitigar parcialmente este problema.

Por conseguinte, é necessário o recurso ao procedimento por negociação excecional sem publicação prévia do anúncio de concurso, dado que a ação é extremamente urgente, visto que, no momento presente, a segunda vaga de COVID‑19 já se propaga rapidamente, como acima referido. Em determinados Estados‑Membros os números são atualmente mais elevados do que no pico da primeira vaga e os recursos em cuidados de saúde foram sujeitos a uma pressão crescente em toda a União Europeia. É portanto necessário implantar rapidamente robôs de desinfeção para ajudar os profissionais de saúde a lutar contra a pandemia.»

16      Em 24 de dezembro de 2020, a Comissão publicou um novo anúncio (JO 2020/S 251‑626998) na sequência do anúncio de adjudicação do contrato de 9 de dezembro de 2020, substituindo, como fundamento jurídico para a aquisição de, no máximo, 200 robôs de desinfeção, a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65) pelo Regulamento Financeiro.

 Pedidos das partes

17      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso;

–        anular a decisão de adjudicação impugnada;

–        anular a Decisão da Comissão, de 19 de novembro de 2020, de celebrar os contratos-quadro controvertidos com dois outros operadores;

–        declarar nulos e sem efeito os contratos‑quadro controvertidos;

–        ordenar à Comissão que comunique as especificações do contrato com base nas quais foram adjudicados os contratos-quadro controvertidos;

–        decidir, a título interlocutório, sobre a responsabilidade da Comissão, na medida em que esta recorreu ilegalmente ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso;

–        a título subsidiário, condenar a Comissão a pagar‑lhes uma indemnização de 3 000 000 euros com fundamento na perda de oportunidade;

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas, incluindo as despesas efetuadas pelas recorrentes.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso por ser manifestamente inadmissível;

–        a título subsidiário, julgar o recurso manifestamente improcedente;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto aos pedidos de anulação

 Quanto à admissibilidade do primeiro pedido, que visa a anulação da decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso

19      Na contestação, a Comissão invoca a inadmissibilidade do primeiro pedido, visto que as recorrentes não têm nenhum interesse em pedir a anulação da decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso. Com efeito, segundo a Comissão, uma vez que as recorrentes não participaram no procedimento de contratação pública, não têm interesse em agir. A este respeito, a Comissão sustenta que, em caso de anulação da decisão de recorrer a um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, duvida que lançaria ela própria um novo concurso e nada garantiria que as recorrentes seriam selecionadas.

20      As recorrentes consideram que o primeiro pedido é admissível. Sustentam que não lhes pode ser oposto o facto de não terem participado no procedimento de convite à apresentação de propostas para contestar a admissibilidade deste pedido, dado que a sua ausência decorre do facto de a Comissão não ter publicado um anúncio de concurso. Consideram que, se o Tribunal Geral devesse julgar o primeiro pedido inadmissível por essa razão, daí resultaria uma impossibilidade de os concorrentes contestarem a adjudicação direta de contratos públicos. Segundo as recorrentes, a sua ausência do procedimento, por um lado, deve‑se ao facto de a Comissão não ter publicado um anúncio de concurso e, por outro, não exclui que tenham interesse em agir.

21      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, só as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de terceiros, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem atos suscetíveis de recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, EU:C:1971:32, n.o 42; de 2 de março de 1994, Parlamento/Conselho, C‑316/91, EU:C:1994:76, n.o 8; e de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 36).

22      Para determinar se um ato cuja anulação é pedida produz tais efeitos, há que atender à sua substância (Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9), ao contexto em que foi elaborado (v., neste sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2000, Stork Amsterdão/Comissão, T‑241/97, EU:T:2000:41, n.o 62), bem como à intenção do seu autor (Acórdão de 26 de janeiro de 2010, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑362/08 P, EU:C:2010:40, n.o 52; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.os 42, 46 e 52). Em contrapartida, a forma que reveste um ato é, em princípio, indiferente para apreciar a admissibilidade de um recurso de anulação (Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 9, e de 7 de julho de 2005, Le Pen/Parlamento, C‑208/03 P, EU:C:2005:429, n.o 46).

23      Unicamente o ato através do qual o seu autor determina a sua posição de modo inequívoco e definitivo, numa forma que permita identificar a sua natureza, constitui uma decisão suscetível de ser objeto de um recurso de anulação (Acórdão de 13 de dezembro de 2016, IPSO/BCE, T‑713/14, EU:T:2016:727, n.o 20; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 26 de maio de 1982, Alemanha e Bundesanstalt für Arbeit/Comissão, 44/81, EU:C:1982:197, n.o 12).

24      Mais especificamente, quando se trata de atos ou de decisões cuja elaboração se processa em várias fases, nomeadamente no termo de um procedimento interno, só constituem um ato impugnável as medidas que fixam definitivamente a posição da Comissão no termo desse procedimento, com exceção das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final (Acórdãos de 7 de março de 2002, Satellimages TV5/Commission, T‑95/99, EU:T:2002:62, n.o 32, e de 16 de dezembro de 2020, Balti Gaas/Comissão e INEA, T‑236/17 e T‑596/17, não publicado, EU:T:2020:612, n.o 88).

25      É à luz das considerações precedentes que cabe examinar se a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso constitui um ato que fixa definitivamente a sua posição, prejudica as recorrentes e é suscetível de ser objeto de um recurso de anulação.

26      A este respeito, há que analisar o teor desta decisão. Trata‑se da primeira fase do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso e esta decisão assumiu a forma de uma nota junta aos autos assinada pela diretora da Direção «Inteligência artificial e indústria digital» em 18 de setembro de 2020. Este documento tem por objetivo justificar o recurso a esse procedimento de concurso intitulado «Robôs de desinfeção para ajudar a combater a crise da COVID‑19».

27      No âmbito de uma resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, a Comissão sustentou que a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso era um ato interno que não produzia efeitos jurídicos fora da esfera da instituição que tinha tomado essa decisão. Só a partir do momento em que a Comissão enviou convites à apresentação de propostas individuais é que é possível conceber que esta decisão produza efeitos jurídicos. Com efeito, a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso não prejudica os operadores que estariam em condições de apresentar propostas. A Comissão acrescentou que só a sucessão de atos do procedimento de contratação pública pode acabar por produzir efeitos jurídicos. A decisão de recorrer a um procedimento de contratação pública não pode produzir efeitos jurídicos por si mesma e só produz efeitos jurídicos através de atos que a concretizam mediante a execução efetiva do procedimento, como a decisão de adjudicação do contrato.

28      No âmbito de uma resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral, as recorrentes sublinharam que o comportamento ilícito da Comissão resultava de várias decisões —entre as quais a de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso —mas que estão inevitavelmente interligadas, dado que a decisão de recorrer a esse procedimento conduziu à decisão de adjudicação impugnada e acabou por permitir celebrar os contratos‑quadro controvertidos. Segundo as recorrentes, a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso não deve ser considerada um ato preparatório da decisão de adjudicação impugnada, uma vez que produz efeitos jurídicos percetíveis, visto que as partes que não foram convidadas a apresentar uma proposta foram ipso facto excluídas da participação no concurso e não tiveram nenhuma possibilidade de obter a adjudicação do contrato. Além disso, os operadores que não foram convidados a participar neste procedimento só foram formalmente informados da adjudicação do contrato‑quadro em 9 de dezembro de 2020 através do primeiro anúncio de adjudicação do contrato. Por conseguinte, as recorrentes sustentam que a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso não deve ser excluída da fiscalização jurisdicional do Tribunal Geral.

29      Importa constatar que a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso indica as razões pelas quais é necessário o recurso a este procedimento. Esse documento fixa, assim, a escolha do procedimento aplicável à contratação pública em causa. Todavia, como sublinhou a Comissão numa resposta a uma questão escrita do Tribunal, este documento não tem destinatários nem prejudica operadores económicos que são convidados a apresentar propostas para esse concurso. Por conseguinte, nenhum operador foi convidado a apresentar propostas nesta fase do procedimento e, nessa medida, nenhum operador pôde ser excluído do mesmo.

30      Assim, é a decisão de não convidar as recorrentes a apresentar propostas que se concretiza, no caso em apreço, na decisão de adjudicação impugnada que lhes causa prejuízo. Estas podem, portanto, desde que dela tenham conhecimento, interpor recurso do último ato disponível no momento da interposição do seu recurso, que as exclui do procedimento. Ora, a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso não constitui uma decisão que afete os interesses das recorrentes, dado que estas não foram excluídas por esta decisão do procedimento de contratação pública em causa. Aquando da interposição do recurso, a Comissão já tinha adotado, em 3 de novembro de 2020, a decisão de adjudicação que atribuiu definitivamente o contrato e que teve por consequência excluir definitivamente as recorrentes do procedimento de contratação pública em causa.

31      Consequentemente, a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso reveste caráter preparatório.

32      Quanto ao argumento das recorrentes de que não lhes pode ser oposto o facto de terem estado ausentes do procedimento de concurso para contestar a admissibilidade do seu recurso contra a decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, há que recordar que as eventuais ilegalidades de que padecem as medidas de natureza puramente preparatória podem ser invocadas em apoio do recurso dirigido contra o ato definitivo de que elas constituem uma fase de elaboração (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Balti Gaas/Comissão e INEA, T‑236/17 e T‑596/17, não publicado, EU:T:2020:612, n.o 101 e jurisprudência referida). No caso em apreço, as recorrentes visam, com o seu segundo pedido, a anulação da decisão de adjudicação impugnada, o que lhes confere, em princípio, a possibilidade de invocar qualquer irregularidade que vicie a escolha de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, desde que o pedido de anulação da decisão de adjudicação impugnada seja admissível.

33      Por conseguinte, o primeiro pedido, que visa a anulação da decisão de recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, deve ser julgado inadmissível.

 Quanto à admissibilidade do segundo pedido, destinado à anulação da decisão de adjudicação impugnada

34      Na contestação, a Comissão alega a inadmissibilidade do segundo pedido, uma vez que as recorrentes não têm nenhum interesse em pedir a anulação da decisão de adjudicação impugnada. Com efeito, segundo a Comissão, uma vez que as recorrentes não participaram no procedimento de contratação pública, não têm interesse em agir. A este respeito, a Comissão sustenta que a anulação da decisão de adjudicação impugnada não significa que as recorrentes seriam selecionadas, visto que não figuravam entre os proponentes.

35      As recorrentes consideram que o segundo pedido é admissível. Primeiro, sustentam que não lhes pode ser oposto o facto de não terem participado no procedimento de concurso para contestar a admissibilidade do seu recurso, dado que a sua ausência decorre do facto de a Comissão não ter publicado um anúncio de concurso. Consideram que, se o Tribunal Geral devesse julgar o segundo pedido inadmissível por essa razão, daí resultaria uma impossibilidade de os concorrentes contestarem a adjudicação direta de contratos públicos. Segundo as recorrentes, o facto de terem estado ausentes do procedimento não exclui que tenham interesse em agir. Com efeito, consideram que a anulação, nomeadamente, da decisão de adjudicação impugnada terá por consequência restabelecer condições de concorrência equitativas relativamente aos seus concorrentes.

36      Segundo, as recorrentes sustentam que a decisão de adjudicação impugnada lhes diz direta e individualmente respeito. Com efeito, alegam, por um lado, que operam no mesmo mercado que os proponentes aos quais foi adjudicado o contrato em causa e, por outro lado, que estavam em condições de fornecer robôs conformes com a descrição dos critérios de qualidade que figura no anúncio de adjudicação. Por conseguinte, consideram que eram candidatas elegíveis para participar no procedimento de contratação pública organizado pela Comissão, com vista à adjudicação de um contrato‑quadro.

37      Como foi acima recordado no n.o 21, só as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de terceiros, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem atos suscetíveis de recurso de anulação e constituem um ato impugnável.

38      Além disso, importa recordar que o interesse em agir e a legitimidade constituem requisitos de admissibilidade distintos, que uma pessoa singular ou coletiva deve cumprir cumulativamente para poder interpor um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 62 e jurisprudência referida).

–       Quanto à natureza de ato impugnável

39      Como decorre acima do n.o 23, unicamente o ato através do qual o seu autor determina a sua posição de modo inequívoco e definitivo, numa forma que permita identificar a sua natureza, constitui uma decisão suscetível de ser objeto de um recurso de anulação.

40      No caso em apreço, como indicado acima no n.o 30, as recorrentes não foram excluídas do procedimento por negociação sem publicação prévia devido à decisão de recorrer a esse procedimento, em 18 de setembro de 2020, que ainda não tinha determinado os operadores convidados a participar nesse procedimento e, por consequência, os operadores que tinham sido excluídos do mesmo. Foram os convites à apresentação de propostas dirigidos pela Comissão a seis operadores que determinaram quais os operadores convidados a participar nesse procedimento e quais os operadores que não o foram. Todavia, no âmbito deste procedimento, o anúncio de adjudicação que indicava a adjudicação do contrato a dois proponentes foi o ato que, pela sua publicação, permitiu às recorrentes tomar conhecimento do recurso a esse procedimento para a contratação pública. Por conseguinte, a decisão de adjudicação impugnada teve por efeito automático privar definitivamente as recorrentes da possibilidade de participarem nesse procedimento e, por isso mesmo, de as excluir. Assim, a decisão de adjudicação impugnada produziu efeitos na situação jurídica das recorrentes, na medida em que fixou definitivamente a sua situação jurídica de operadores excluídos do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso em causa.

41      Por conseguinte, a decisão de adjudicação impugnada constitui um ato recorrível.

–       Quanto ao interesse em agir das recorrentes

42      Por força de jurisprudência constante, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato possa, por si só, produzir consequências jurídicas e que, assim, o resultado do recurso possa proporcionar um benefício à parte que o interpôs. A prova desse interesse, que é apreciado no dia em que o recurso é interposto e que constitui a condição essencial e primeira de qualquer ação judicial, deve ser apresentada pelo recorrente (Acórdãos de 18 de outubro de 2018, Gul Ahmed Textile Mills/Conselho, C‑100/17 P, EU:C:2018:842, n.o 37, e de 27 de março de 2019, Canadian Solar Emea e o./Conselho, C‑236/17 P, EU:C:2019:258, n.o 91).

43      Nessa medida, há que verificar se, no caso presente, uma eventual anulação da decisão de adjudicação impugnada, pode conferir um benefício às recorrentes.

44      A Comissão sustenta que isso não se verifica porque tal anulação não significa que as recorrentes seriam selecionadas, dado que não participaram no procedimento de contratação pública.

45      A este respeito, recorde‑se que a participação num procedimento de contratação pública pode, em princípio, constituir validamente uma condição cuja satisfação é exigida para demonstrar que a pessoa em questão tem interesse em obter o contrato em causa ou corre o risco de sofrer um prejuízo devido ao caráter pretensamente ilegal da decisão de adjudicação do referido contrato. Todavia, na hipótese de uma empresa, no âmbito do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, não ter apresentado uma proposta por não ter sido convidada a apresentar uma proposta, seria excessivo e mesmo contraditório exigir que tivesse participado no referido procedimento, apesar de ser necessário, para participar nesse procedimento, ser convidado a apresentar propostas pela entidade adjudicante (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de janeiro de 2022, Leonardo/Frontex, T‑849/19, EU:T:2022:28, n.os 25 a 28).

46      No caso em apreço, importa observar que as recorrentes não podiam ter conhecimento do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso em causa e que não foram convidadas a apresentar propostas no âmbito desse procedimento. Por conseguinte, não podem ser censuradas por não terem participado nesse procedimento.

47      Além disso, cabe verificar se as recorrentes são operadores que atuam no mercado objeto do procedimento por negociação sem publicação prévia em causa.

48      A este respeito, decorre do anúncio de adjudicação de 24 de dezembro de 2020 que a contratação pública em causa tinha por objeto a aquisição pela Comissão de 200 robôs de desinfeção autónomos que utilizavam os raios UV como método de desinfeção para poderem ser utilizados nos hospitais europeus. As recorrentes indicaram na sua petição que produziam o «robô de desinfeção portátil “UltraV”, um robô de desinfeção inteligente que utiliza uma tecnologia de raios luminosos UVC para uma descontaminação constante eficaz». As recorrentes apresentaram elementos de prova, em anexo à sua petição, relativos ao robô «UltraV» e avaliações científicas deste robô efetuadas para o serviço nacional de saúde do Reino Unido. Decorre destes elementos que as recorrentes produzem um robô de desinfeção que utiliza raios UV.

49      No entanto, a Comissão alegou, na audiência, que as recorrentes não podiam ter sido convidadas a participar no procedimento de contratação pública em causa, dado que o objeto desse procedimento consistia em adquirir robôs autónomos que pudessem deslocar‑se sozinhos, o que não é o caso do robô «UltraV» por elas apresentado.

50      A este propósito, saliente‑se que esta exigência não está inscrita nem nos critérios aplicados pela Comissão para selecionar as empresas às quais é enviado um convite à apresentação de propostas, nem nos critérios de adjudicação publicados no anúncio de adjudicação do contrato de 24 de dezembro de 2020. Todavia, segundo a Comissão, esta exigência constitui o próprio objeto da contratação pública em causa, dado que este anúncio de adjudicação indica, no título II.1.4 com a epígrafe «Descrição sucinta», que a Comissão comprará até 200 robôs de desinfeção por radiação UV autónomos e fáceis de utilizar.

51      Decorre dos elementos apresentados pelas recorrentes que o robô «UltraV» que elas produzem só necessita da intervenção de um operador na fase de preparação que precede o processo de desinfeção. Com efeito, este robô funciona graças a seis sensores denominados «Spectromes» que são colocados na divisão pelo operador antes da desinfeção. Interrogadas na audiência, as recorrentes precisaram que o operador devia apenas colocar os sensores na divisão antes da sua desinfeção e que, em seguida, o robô se deslocava sozinho em direção a esses sensores, permitindo‑lhe adaptar‑se a cada divisão tornando mais eficaz esta solução de desinfeção à base de raios UV. Além disso, os sensores são colocados uma única vez e não necessitam de ser deslocados antes de qualquer outra desinfeção da mesma divisão. Daqui resulta que o robô «UltraV» não carece de nenhuma intervenção humana durante o próprio processo de desinfeção.

52      Tendo em conta o que precede e dado que o anúncio de adjudicação do contrato de 24 de dezembro de 2020 não especifica o grau de autonomia exigido dos robôs, considera‑se que o robô «UltraV» apresentado pelas recorrentes constitui um robô autónomo e fácil de utilizar, tal como previsto no anúncio de adjudicação.

53      Daqui resulta que as recorrentes apresentaram elementos suficientes para demonstrar que exerciam a sua atividade no mercado dos robôs de desinfeção autónomos que utilizam raios UV que eram objeto do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso.

54      Além disso, recorde‑se que um recorrente tem interesse em pedir a anulação de um ato, para obter do juiz da União a declaração de que foi cometida uma ilegalidade em relação a ele, uma vez que essa declaração pode servir de base a uma eventual ação de indemnização destinada a reparar adequadamente o prejuízo causado pelo ato impugnado (v. Acórdão de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.o 44 e jurisprudência referida).

55      Ora, com o seu primeiro fundamento, as recorrentes contestam precisamente a opção de recorrer a este procedimento excecional e alegam que não estavam reunidas as condições para recorrer a esse procedimento, previstas no ponto 11.1, segundo parágrafo, alínea c), do anexo I do Regulamento Financeiro.

56      Daqui decorre que os pedidos de anulação apresentados pelas recorrentes visam obter a declaração da ilegalidade cometida pela Comissão em relação a elas no âmbito do procedimento de contratação pública em causa, para que essa declaração possa servir de base aos seus pedidos de indemnização. As recorrentes confirmaram‑no na audiência, precisando que obter reparação por parte da Comissão permitiria restabelecer o equilíbrio no mercado.

57      Resulta de todos os elementos que precedem que as recorrentes têm interesse em pedir a anulação da decisão de adjudicação impugnada.

–       Quanto à legitimidade ativa das recorrentes

58      Nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

59      Dado que importa constatar que os destinatários da decisão de adjudicação impugnada são os adjudicatários do contrato em causa e não as recorrentes e que essa decisão de adjudicação não constitui um ato regulamentar de alcance geral, é necessário verificar se esta decisão diz direta e individualmente respeito às recorrentes.

60      Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a decisão de adjudicação impugnada diz diretamente respeito às recorrentes, há que recordar que a exigência, prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, segundo a qual a medida objeto do recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva requer a satisfação de duas condições cumulativas, a saber, que essa medida, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhuma margem de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, uma vez que esta execução tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias [v. Acórdão de 14 de julho de 2022, Itália e Comune di Milano/Conselho e Parlamento (Sede da Agência Europeia de Medicamentos), C‑106/19 e C‑232/19, EU:C:2022:568, n.o 61 e jurisprudência referida].

61      É necessário analisar sucessivamente se as recorrentes satisfazem cada uma destas duas condições.

62      Primeiro, há que examinar se a decisão de adjudicação impugnada produz diretamente efeitos na situação jurídica das recorrentes.

63      A este respeito, decorre do n.o 40, acima, que a decisão de adjudicação impugnada teve por efeito privar definitivamente as recorrentes da possibilidade de participarem no procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso em causa e, desse modo, excluí‑las desse procedimento. Assim, a decisão de adjudicação impugnada produziu diretamente efeitos na situação jurídica das recorrentes, na medida em que fixou definitivamente a sua situação jurídica de operadores excluídos do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso em causa.

64      Todavia, a situação jurídica das recorrentes só pode ser diretamente afetada pela decisão de adjudicação impugnada se conseguirem provar que são operadores que atuam no mercado em questão.

65      No caso em apreço, como resulta dos n.o os 47 a 53 acima, as recorrentes apresentaram elementos suficientes para demonstrar que exerciam a sua atividade no mercado dos robôs de desinfeção autónomos que utilizam raios UV.

66      Segundo, a decisão de adjudicação impugnada designou definitivamente dois operadores como adjudicatários do contrato em causa com efeitos imediatos e vinculativos. Uma vez que essa decisão de adjudicação produz, a este respeito, os seus efeitos jurídicos sem que seja exigida nenhuma medida complementar, a segunda exigência, acima mencionada no n.o 60, encontra‑se satisfeita.

67      Daqui resulta que a decisão de adjudicação impugnada afetou diretamente as recorrentes.

68      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se a decisão de adjudicação impugnada diz individualmente respeito às recorrentes, resulta de jurisprudência constante que os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se a mesma os afetar por motivo de determinadas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de maneira análoga à do destinatário dessa decisão (Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑594/19 P, EU:C:2022:40, n.o 31 e jurisprudência referida).

69      Por conseguinte, cabe verificar se a decisão de adjudicação impugnada afeta as recorrentes quer devido a certas qualidades que lhes são específicas quer por uma situação de facto que as caracteriza em relação a toda e qualquer outra pessoa.

70      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, quando a decisão afeta um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis à data em que esse ato foi adotado, e em função de critérios próprios dos membros desse grupo, o referido ato pode dizer individualmente respeito a essas pessoas, na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos (Acórdão de 13 de março de 2008, Comissão/Infront WM, C‑125/06 P, EU:C:2008:159, n.os 71 e 72; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2022, Nord Stream 2/Parlement e Conselho, C‑348/20 P, EU:C:2022:548, n.o 158 e jurisprudência referida).

71      Nas circunstâncias específicas de a entidade adjudicante recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, um operador que não foi convidado a participar no referido procedimento, quando estava em condições de preencher os critérios aplicados pela entidade adjudicante para selecionar as empresas às quais é enviado um convite à apresentação de propostas, deve ser considerado como pertencendo a um círculo restrito de concorrentes em condições de apresentar uma proposta se tivessem sido convidados a participar no procedimento.

72      No caso em apreço, na contestação, a Comissão explicou que os critérios utilizados para determinar os operadores convidados a participar no procedimento em causa eram a marcação CE, uma capacidade de produção de pelo menos 20 unidades por mês e uma experiência em matéria de implantação de robôs nos hospitais de, pelo menos, 10 robôs. Interrogada na audiência, a Comissão confirmou que esses critérios eram igualmente os critérios de seleção utilizados no âmbito do procedimento em causa.

73      Assim, os critérios utilizados pela Comissão para apreciar quais os operadores que convidaram para o procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso foram disponibilizados às recorrentes no âmbito do processo judicial. Além disso, interrogadas na audiência sobre a questão de saber se preenchiam esses critérios e se tinham apresentado provas a esse respeito, as recorrentes remeteram para o anexo A.8 da sua petição.

74      Primeiro, no que respeita ao critério relativo à marcação CE, as recorrentes afirmaram na audiência que o seu robô «UltraV» dispunha da marcação CE, uma vez que uma delas era uma sociedade holandesa que utilizava os seus robôs na União. Além disso, como as recorrentes alegaram na sua petição, o manual de instruções do robô «UltraV» apresenta o logótipo da marcação CE. Portanto, deve‑se considerar que este robô cumpria este critério.

75      Segundo, no que respeita ao critério relativo à capacidade de produção, as recorrentes afirmaram, na audiência, preencher esse critério e até estarem em condições de aumentar a sua capacidade de produção. Todavia, cabe salientar que as recorrentes não apresentaram nenhuma prova, nem na petição, incluindo o seu anexo A.8, nem na réplica, que demonstrasse que a sua capacidade de produção podia atingir 20 robôs por mês.

76      Terceiro, quanto ao critério relativo à sua experiência em matéria de implantação de robôs nos hospitais, saliente‑se que as recorrentes apresentaram estudos efetuados por hospitais universitários do Reino Unido e um relatório redigido por dois especialistas em higiene do North West Anglia NHS Foundation Trust, dos quais resulta, nomeadamente, que implantaram robôs em hospitais do serviço de saúde do Reino Unido desde, pelo menos, abril de 2015. Todavia, estes elementos de prova não permitem determinar o número exato de robôs implantados.

77      Assim, mesmo supondo que as recorrentes tivessem implantado pelo menos dez robôs nos hospitais, não demonstraram, porém, que o volume mensal da sua capacidade de produção para o robô «UltraV» atingia o valor definido pela Comissão para selecionar os operadores convidados a apresentar propostas.

78      Daqui decorre que as recorrentes não apresentaram elementos de prova suficientes que demonstrem que estavam em condições de preencher os critérios utilizados pela Comissão para selecionar os operadores aos quais tinham sido enviados convites à apresentação de propostas no âmbito de um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso. Por conseguinte, não provaram que faziam parte de um círculo restrito de operadores em condições de serem convidados a apresentar propostas e de apresentarem uma proposta. Daqui resulta que a decisão de adjudicação impugnada não diz individualmente respeito às recorrentes.

79      Consequentemente, o segundo pedido, que visa a anulação da decisão de adjudicação impugnada, é inadmissível.

 Quanto à admissibilidade do terceiro e quarto pedidos que visam a anulação da decisão da Comissão de celebrar os contratos-quadro controvertidos e a declarálos nulos e sem efeito

80      A Comissão alega que os terceiro e quarto pedidos são inadmissíveis uma vez que visam a anulação da decisão da Comissão de celebrar os contratos‑quadro controvertidos e a que o Tribunal Geral declare esses contratos‑quadro nulos e sem efeito. A Comissão afirma que a anulação da decisão de adjudicação impugnada não terá por efeito tornar os contratos, já assinados, nulos e sem efeito, visto que esses contratos apenas estão sujeitos ao juiz do contrato e não podem ser anulados pelo juiz da União no âmbito de um recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE.

81      Quanto à questão de saber se a decisão de celebrar os contratos‑quadro constitui um ato impugnável, importa recordar que, por força do artigo 263.o TFUE, o juiz da União só fiscaliza a legalidade dos atos adotados pelas instituições e pelos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos vinculativos em relação a terceiros.

82      É jurisprudência constante que os pedidos de anulação, no âmbito do artigo 263.o TFUE, de atos adotados pelas instituições num quadro puramente contratual, de que são indissociáveis, são inadmissíveis (V. Despacho de 3 de outubro de 2018, Pracsis e Conceptexpo Project/Comissão e EACEA, T‑33/18, não publicado, EU:T:2018:656, n.o 62 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2010, CEVA/Comissão, T‑428/07 e T‑455/07, EU:T:2010:240, n.o 52, e de 29 de janeiro de 2013, Cosepuri/EFSA, T‑339/10 e T‑532/10, EU:T:2013:38, n.o 26).

83      No caso em apreço, as recorrentes pedem a anulação da Decisão da Comissão, de 19 de novembro de 2020, de celebrar os contratos‑quadro controvertidos e de declarar nulos e sem efeito os referidos contratos-quadro celebrados entre a Comissão e os proponentes selecionados. A este respeito, basta constatar, por um lado, que a assinatura dos contratos-quadro é, por definição, inerente ao processo contratual, sem que, a este respeito, possa ser identificada, no caso em apreço, uma decisão dissociável do referido processo e, por outro, que os referidos contratos-quadro produzem e esgotam todos os seus efeitos no âmbito da relação contratual que une as partes em causa aos contratos, em relação aos quais as recorrentes são terceiros.

84      Resulta das considerações precedentes que o terceiro e quarto pedidos, na parte em que visam a anulação da decisão de celebrar os contratos-quadro, bem como os referidos contratos-quadro celebrados entre a Comissão e os proponentes selecionados, são inadmissíveis.

85      Tendo em conta o que precede, os pedidos de anulação devem ser julgados inadmissíveis.

 Quanto ao pedido de indemnização

86      As recorrentes pedem a reparação pela perda de uma oportunidade de apresentar uma proposta num concurso público devido ao recurso ilegal ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso por parte da Comissão. Segundo as recorrentes, este prejuízo deve ser considerado real e certo, uma vez que perderam definitivamente a oportunidade de lhes ser adjudicado o contrato. As recorrentes afirmam que, devido à recusa da Comissão de revelar os critérios técnicos e de adjudicação com base nos quais o contrato foi adjudicado, não lhes é possível provar que o contrato lhes seria efetivamente adjudicado. Assim, as recorrentes pedem, a título principal, que seja ordenado à Comissão que comunique as especificações do contrato com base nas quais os contratos‑quadro controvertidos foram adjudicados e que seja decidido, a título interlocutório, sobre a responsabilidade da Comissão uma vez que esta recorreu ilegalmente ao procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso, a fim de determinar, numa fase posterior, o montante da indemnização e juros moratórios. A título subsidiário, pedem o pagamento de uma indemnização de 3 000 000 euros.

87      A Comissão contesta estes argumentos.

88      A título preliminar, recorde‑se que, por força do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, em matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

89      Segundo jurisprudência assente, a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, por comportamento ilícito dos seus órgãos, está subordinada à verificação de um conjunto de condições, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a efetividade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado. Desde que um destes requisitos não esteja preenchido, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade, sem necessidade de apreciar os outros requisitos da referida responsabilidade (V. Acórdão de 15 de outubro de 2013, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑474/10, não publicado, EU:T:2013:528, n.o 215 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão, C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.os 106 e 164 a 166 e jurisprudência referida).

90      No caso em apreço, é oportuno examinar previamente o segundo requisito da responsabilidade extracontratual da União exposto no n.o 89, acima, a saber, o que visa determinar se as recorrentes demonstraram a efetividade dos prejuízos que invocam.

91      Quanto ao requisito relativo à efetividade do dano, a União só pode incorrer em responsabilidade se o recorrente tiver sofrido efetivamente um prejuízo «real e certo». Incumbe ao recorrente aduzir elementos de prova ao juiz da União a fim de demonstrar a existência e a amplitude de tal prejuízo (v. Acórdão de 8 de novembro de 2011, Idromacchine e o./Comissão, T‑88/09, EU:T:2011:641, n.o 25 e jurisprudência referida).

92      A este respeito, há que observar que o prejuízo invocado pelas recorrentes consiste na perda de uma oportunidade de apresentar propostas para um contrato público. Ora, como alega a Comissão, o facto de apresentar uma proposta não confere uma vantagem ao proponente, uma vez que não garante que o contrato lhe seja adjudicado. Por conseguinte, a perda de uma oportunidade de apresentar propostas não constitui um prejuízo real e certo que possa ser objeto de indemnização, mas sim um prejuízo hipotético.

93      Na medida em que as recorrentes invocam, em substância, um prejuízo relativo à perda da oportunidade de obter a adjudicação do contrato, há que recordar que resulta da jurisprudência que essa perda de oportunidade de lhe ser adjudicado um contrato só constitui um prejuízo real e certo na hipótese de, sem o comportamento culposo da instituição, não haver dúvidas de que as recorrentes teriam obtido a adjudicação do referido contrato (v., neste sentido, Despacho de 22 de junho de 2011, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑409/09, EU:T:2011:299, n.o 85 e jurisprudência referida).

94      As próprias recorrentes reconhecem, para o cálculo do seu prejuízo, que é necessário ter em conta a probabilidade de lhes ser adjudicado o contrato. A este respeito, o montante da reparação que as recorrentes pedem a título subsidiário corresponde ao lucro líquido que teriam obtido se o contrato lhes tivesse sido adjudicado.

95      Importa examinar se as recorrentes apresentaram elementos de prova para demonstrar que teriam obtido o contrato na hipótese de serem convidadas para o procedimento por negociação sem publicação prévia em causa.

96      A este respeito, as recorrentes alegam que não dispunham dos critérios técnicos e de adjudicação com base nos quais o contrato tinha sido adjudicado e, aliás, pediram ao Tribunal Geral, no seu quinto pedido, que ordenasse à Comissão que comunicasse as especificações do contrato com base nas quais os contratos‑quadro controvertidos foram adjudicados. Todavia, há que salientar que as recorrentes dispunham dos critérios de adjudicação utilizados no âmbito da contratação pública em causa e publicados no anúncio de adjudicação de 24 de dezembro de 2020.

97      No caso em apreço, o anúncio de adjudicação de contrato de 24 de dezembro de 2020 indicava, no título II.1.4) sob a epígrafe «Descrição sucinta», que o objeto do contrato era a Comissão comprar até 200 robôs de desinfeção por radiação UV autónomos e fáceis de utilizar. No título II.2.5 sob a epígrafe «Critérios de adjudicação», o mesmo anúncio de adjudicação de contrato continha uma descrição sucinta dos critérios de adjudicação do contrato em causa. Mais precisamente, tratava‑se de três critérios qualitativos, a saber, primeiro, a excelência técnica e a maturidade do robô de desinfeção (relativos, nomeadamente, à qualidade do processo de desinfeção, à eficácia e à rapidez do processo de desinfeção, à autonomia do robô, ao alcance, à facilidade de utilização), segundo, a qualidade da abordagem adotada para assegurar o abastecimento do hospital selecionado nas quatro semanas seguintes à encomenda e para assegurar a formação posterior do pessoal hospitalar, o apoio e a manutenção e, terceiro, o tempo de resposta na prestação de assistência técnica e de manutenção.

98      As recorrentes sustentam ser uma sociedade de envergadura internacional no domínio da tecnologia médica, da prevenção e do controlo das infeções e produzir um robô de desinfeção portátil denominado «UltraV» que utiliza uma tecnologia de raios luminosos UVC. Além disso, alegam que poderiam ter formulado uma resposta adequada a cada um dos critérios de adjudicação descritos acima no n.o 97.

99      Todavia, no que se refere aos critérios de adjudicação relativos, por um lado, à qualidade e à rapidez do abastecimento do hospital selecionado e à formação posterior do pessoal hospitalar e, por outro, ao tempo de resposta na prestação de assistência técnica e de manutenção, as recorrentes não apresentaram nenhum elemento suscetível de comprovar a sua afirmação, no n.o 20 da sua petição, de que estavam em condições de preencher esses critérios.

100    Resulta de todos os elementos precedentes que as recorrentes não demonstraram que, sem sombra dúvida, teriam obtido a adjudicação do referido contrato se tivessem sido convidadas a apresentar propostas no âmbito do procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso em causa.

101    Por conseguinte, não é necessário ordenar à Comissão que comunique as especificações do contrato com base nas quais os contratos-quadro controvertidos foram adjudicados.

102    Daqui decorre que a condição relativa à efetividade do dano não está preenchida para que possa ser acionada a responsabilidade extracontratual da União ao abrigo do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

103    Tendo em conta o caráter cumulativo das condições para que a União incorra em responsabilidade extracontratual na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, não há que examinar as restantes condições exigidas pela jurisprudência a este respeito.

104    Nestas condições, há que julgar improcedente o pedido de indemnização e o recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

105    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Inivos Ltd e a Inivos BV são condenadas nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Spielmann

 

      Mastroianni

 

Brkan            

 

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de fevereiro de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.