Language of document : ECLI:EU:T:2022:349

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

8 de junho de 2022 (*)

«Auxílios de Estado — Regime de auxílios postos em execução pelo Reino Unido em favor de certos grupos multinacionais — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e ilegal e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Decisões fiscais antecipadas (tax rulings) — Regime fiscal relativo ao financiamento dos grupos e que diz respeito em particular às sociedades estrangeiras controladas — Vantagens fiscais seletivas»

Nos processos T‑363/19 e T‑456/19,

Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte, representado por F. Shibli e S. McCrory, na qualidade de agentes, assistidos por P. Baker, QC, e T. Johnston, barrister,

recorrente no processo T‑363/19,

ITV plc, com sede em Londres (Reino Unido), representada por J. Lesar, solicitor, e K. Beal, QC,

recorrente no processo T‑456/19,

apoiada por:

Reino Unido, representado por F. Shibli e S. McCrory, na qualidade de agentes, assistidos por P. Baker, QC, e T. Johnston, barrister,

e por

LSEGH (Luxembourg) Ltd, com sede em Londres,

London Stock Exchange Group Holdings (Italy) Ltd, com sede em Londres,

representadas por A. von Bonin, O. Brouwer e A. Pliego Selie, advogados,

intervenientes no processo T‑456/19,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e B. Stromsky, na qualidade de agentes, assistidos, no processo T‑456/19, por M. Clayton e M. Segura Catalán, advogadas,

recorrida,

que tem por objeto pedidos baseados no artigo 263.o TFUE e destinados a obter a anulação da Decisão (UE) 2019/1352 da Comissão, de 2 de abril de 2019, relativa ao auxílio estatal SA.44896, concedido pelo Reino Unido, no que respeita à isenção sobre o financiamento dos grupos no âmbito das sociedades estrangeiras controladas (SEC) (JO 2019, L 216, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, V. Tomljenović (relatora), F. Schalin, P. Škvařilová‑Pelzl e I. Nõmm, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 18 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Sobre o grupo ITV

1        A ITV plc, residente fiscal no Reino Unido, é a sociedade holding à cabeça do grupo ITV, ativo na criação, na produção e na distribuição de conteúdo audiovisual através de diversas plataformas no mundo. Este grupo é constituído, designadamente, por sociedades estrangeiras controladas (SEC), como a ITV Entreprises BV e a ITV (Finance) Europe BV, duas sociedades criadas em direito neerlandês e que eram titulares de vários empréstimos concedidos a outras sociedades do grupo ITV.

2        Ao longo de vários exercícios contabilísticos, que vão pelo menos até ao de 2016, os lucros resultantes dos juros sobre certos empréstimos realizados por SEC, uma vez que foram imputados à ITV, foram objeto de um pedido de isenção ao abrigo do capítulo 9 da parte 9 A do Taxation (International and Other Provisions) Act 2010 [Lei de 2010 sobre a Fiscalidade (Disposições Internacionais e outras Disposições), a seguir «TIOPA»].

B.      Quanto ao regime aplicável às SEC

3        Por força do sistema de tributação das sociedades no Reino Unido, as sociedades são tributadas sobre os seus lucros gerados por atividades e por ativos no Reino Unido. Em conformidade com o princípio da territorialidade, os lucros das sociedades estrangeiras que são redistribuídos no Reino Unido não são tributados. Do mesmo modo, os lucros atribuíveis a estabelecimentos estáveis estrangeiros não são sujeitos ao imposto sobre as sociedades no Reino Unido.

4        As regras aplicáveis às SEC determinam de maneira geral se os lucros de uma SEC podem ser considerados como tendo sido desviados artificialmente do Reino Unido e, por isso, são tributados no Reino Unido sob a forma de um encargo específico sobre esses lucros.

5        O capítulo 2 da parte 9 A da TIOPA define, de modo geral, no seu artigo 371BA, este último encargo como o imposto aplicado, para um exercício contabilístico, sobre os lucros tributáveis de uma SEC, estando estes últimos definidos, no artigo 371BB, como aqueles que são tributados ao abrigo dos capítulos 4 a 8 da parte 9 A da TIOPA (a seguir «encargo SEC»), sem prejuízo, designadamente, da aplicação do capítulo 9 da referida parte, que prevê uma série de isenções.

6        No capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA, o artigo 371EA prevê que os lucros financeiros não comerciais de uma SEC são tributados no Reino Unido na medida em que se enquadrem nas situações seguintes:

–        os lucros financeiros não comerciais provenientes de atividades cujas funções humanas significativas são exercidas no Reino Unido são visadas pelo artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA, sob o título «Atividades no Reino Unido»;

–        os lucros financeiros não comerciais provenientes de fundos ou de ativos provenientes do Reino Unido são referidos no artigo 371EC da parte 9 A da TIOPA, sob o título «Investimentos de capitais a partir do Reino Unido»;

–        os lucros financeiros não comerciais provenientes de montagens instaladas por uma SEC enquanto alternativa à distribuição de dividendos ou de outros fundos para sociedades residentes ou um estabelecimento estável no Reino Unido são visados pelo artigo 371ED da parte 9 A da TIOPA;

–        os lucros financeiros não comerciais provenientes de certas relações de locação‑financiamento que uma SEC tenha consentido a sociedades residentes ou a estabelecimentos estáveis no Reino Unido são visados pelo artigo 371EE da parte 9 A da TIOPA.

7        No caso vertente, apenas estão em causa as situações que se enquadram nos artigos 371EB e 371EC da parte 9 A da TIOPA.

8        O capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA prevê que as entidades tributáveis podem apresentar um pedido de isenção do encargo SEC, que teria sido devido ao abrigo do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA, para lucros financeiros não comerciais provenientes de empréstimos elegíveis, se a SEC em questão dispõe, no seu país de acolhimento, de instalações ocupadas com um certo grau de continuidade e a partir das quais as atividades da SEC são inteiramente asseguradas. Por força do artigo 371IG da parte 9 A da TIOPA, os empréstimos elegíveis são, em substância, empréstimos intragrupo concedidos pela SEC a outros membros do grupo multinacional não residentes no Reino Unido.

9        Três tipos de isenções estão previstos no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA, a saber, uma isenção que pode ser total, sempre que e na medida em que os empréstimos elegíveis sejam financiados com a ajuda de recursos da SEC, uma isenção que pode afetar 75 % dos lucros financeiros não comerciais tributáveis, provenientes de empréstimos elegíveis, e uma terceira isenção, dita dos «juros equivalentes», que pode ser aplicada, sob certas condições, ao saldo dos lucros financeiros não comerciais tributáveis.

C.      Quanto ao procedimento administrativo e à decisão impugnada

10      Depois de ter convidado as autoridades do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte a fornecer‑lhe informações sobre a reforma das suas regras fiscais aplicáveis às SEC, e depois ter instaurado o procedimento formal de investigação, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, com a sua Decisão (UE) 2019/1352, de 2 de abril de 2019, relativa ao auxílio estatal SA.44896, concedido pelo Reino Unido, no que respeita à isenção sobre o financiamento dos grupos no âmbito das sociedades estrangeiras controladas (SEC) (JO 2019, L 216, p. 1; a seguir «decisão impugnada»), a Comissão Europeia declarou que o regime de isenção sobre o financiamento dos grupos, devido às isenções previstas no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA, constituía um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que se aplicava a lucros financeiros não comerciais decorrentes de empréstimos elegíveis, os quais estavam abrangidos pelo artigo 371EB (atividades no Reino Unido) da referida TIOPA (a seguir «regime controvertido» ou «isenções em causa»).

11      A Comissão concluiu, porém, que o regime controvertido não constituía um auxílio quando era aplicado a lucros financeiros não comerciais decorrentes de empréstimos elegíveis que eram abrangidos pela secção 371EC (investimentos de capital do Reino Unido) da parte 9 A da TIOPA e que não eram abrangidos pela secção 371EB (atividades no Reino Unido) da parte 9 A da TIOPA.

12      A fim de chegar às conclusões expostas nos n.os 10 e 11, supra, a Comissão analisou as condições que devem ser preenchidas a fim de qualificar as isenções em causa de auxílios de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

13      Em primeiro lugar, a Comissão salientou que, uma vez que a isenção sobre o financiamento dos grupos era baseada no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA, um ato legislativo que emane necessariamente do Estado, e que dê origem a uma redução do encargo fiscal a título do imposto sobre as sociedades para as empresas que tinham tirado proveito da referida isenção, constituía uma medida imputável ao Reino Unido e financiada através de recursos do referido Estado.

14      Em segundo lugar, a Comissão indicou que as isenções em causa beneficiavam as sociedades estabelecidas no Reino Unido que faziam parte de um grupo multinacional que operava em vários Estados‑Membros, pelo que uma vantagem em favor dessas sociedades era suscetível de afetar as trocas entre os Estados‑Membros.

15      Em terceiro lugar, a Comissão sublinhou que as isenções em causa eram de molde a reforçar a posição concorrencial das beneficiárias em relação a outras empresas concorrentes e que, portanto, falsearam ou ameaçaram falsear a concorrência.

16      Em quarto lugar, a Comissão salientou que as isenções em causa constituíam um regime de auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9).

17      Quanto à existência de uma vantagem, a Comissão salientou que as isenções em causa permitiam a uma sociedade estabelecida no Reino Unido, que teria, de outro modo, sido sujeita a um encargo SEC por força do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA, pedir, ao abrigo do capítulo 9 da mesma legislação, para ser tributada através do referido encargo unicamente sobre 25 % dos lucros financeiros não comerciais de uma SEC decorrentes de empréstimos elegíveis, conduzindo a uma isenção parcial sobre 75 % dos lucros em questão. Sob certas condições, a percentagem sujeita a tributação podia ser ainda mais reduzida, pelo que a isenção podia chegar a ser de 100 % dos lucros da SEC em questão.

18      No que respeita à natureza seletiva das isenções em causa, a Comissão salientou que, no caso vertente, o sistema de referência era constituído por regras aplicáveis às SEC, as quais determinavam o objeto e a base exigível do encargo SEC.

19      Na secção 6.4.2 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a isenção sobre o financiamento dos grupos constituía uma derrogação ao sistema de referência.

20      Assim, a Comissão salientou que o capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA previa uma isenção do encargo SEC para uma categoria específica de lucros financeiros não comerciais, a saber, os derivados de empréstimos elegíveis, ao passo que esse encargo SEC teria sido normalmente exigível por força do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA.

21      A este respeito, a Comissão sustentou que a situação de uma entidade tributável que controlava uma SEC que realiza lucros financeiros não comerciais decorrentes de uma relação de empréstimo elegível era comparável à situação de uma entidade tributável que controlasse uma SEC que realiza outros lucros financeiros não comerciais, particularmente no âmbito de empréstimos concedidos por SEC a sociedades ligadas residentes no Reino Unido, ditos «empréstimos a montante», e de empréstimos concedidos pelas SEC a terceiros, designados pelo Reino Unido como «empréstimos mealheiro».

22      A Comissão recordou que uma medida derrogatória do sistema de referência podia ser, porém, justificada pela natureza ou pela economia geral do referido sistema e que incumbia ao Estado‑Membro em questão provar essa justificação. O Reino Unido alegou, por um lado, que as isenções em causa se destinavam a garantir que o sistema fosse gerível e administrável e, por outro, que estas asseguravam o exercício da liberdade de estabelecimento no interior da União.

23      A Comissão admitiu que, na medida em que a isenção prevista no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA era aplicada a situações abrangidas pelo âmbito de aplicação das medidas do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA, por força do critério assente nos «capitais ligados ao Reino Unido», se podia considerar que a referida isenção visava a aplicação, de uma maneira administrável, das regras aplicáveis às SEC. Com efeito, tal isenção garantiu que um encargo SEC foi aplicado unicamente sobre os lucros gerados por ativos do Reino Unido que podiam razoavelmente considerar‑se desviados artificialmente do Reino Unido, e isso sem forçar as empresas e as autoridades fiscais do Reino Unido a proceder a um exercício de localização da origem dos fundos, exageradamente fastidiosos, tendo em conta a natureza fungível dos capitais. Por estes motivos, a Comissão considerou que, apesar da natureza seletiva da isenção em questão, esta era justificada e, portanto, não seletiva.

24      Em contrapartida, a Comissão considerou que o regime controvertido tinha concedido uma vantagem a priori seletiva às sociedades, sujeitas ao imposto no Reino Unido, que controlavam uma SEC que realiza lucros financeiros não comerciais provenientes de empréstimos elegíveis em situações nas quais funções humanas significativas pertinentes foram asseguradas no Reino Unido. Esses lucros foram objeto de um encargo SEC por força do artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA (atividades no Reino Unido). A Comissão concluiu que tal vantagem a priori seletiva não podia ser justificada pela necessidade de dispor de regras simples de administrar e gerir em matéria de combate à evasão fiscal nem pela necessidade de respeitar as liberdades consagradas nos Tratados.

25      A Comissão indicou que os beneficiários do regime controvertido eram entidades do Reino Unido que controlavam uma SEC que realizava lucros financeiros não comerciais decorrentes de empréstimos elegíveis abrangidos pelo artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA (atividades no Reino Unido) e que tiraram proveito das isenções em causa.

26      A Comissão salientou que, uma vez que o regime controvertido foi posto em execução a em 1 de janeiro de 2013 sem ter sido notificado, devia ser considerado um regime de auxílios de Estado ilegal, na aceção do artigo 1.o, alínea f), do Regulamento 2015/1589. No entanto, precisou que, na sequência das alterações introduzidas às regras aplicáveis às SEC, a contar de 1 de janeiro de 2019, e segundo as quais deixara de ser possível apresentar um pedido a fim de obter as isenções que eram objeto do regime controvertido, este passou a estar em conformidade com as regras relativas aos auxílios de Estado.

27      Além disso, a Comissão salientou que os auxílios concedidos no âmbito do regime controvertido, que não facilitam o desenvolvimento de certas atividades ou de certas regiões económicas, não podem ser considerados compatíveis com o mercado interno ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE.

28      Por outro lado, na ausência de violação dos princípios fundamentais do direito da União, a Comissão ordenou a recuperação, junto dos seus beneficiários, dos auxílios concedidos no âmbito da aplicação do regime controvertido.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

A.      Quanto à fase escrita no processo T363/19

29      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de junho de 2019, o recorrente interpôs o recurso no processo T‑363/19.

30      Em 8 de junho de 2021, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o processo com prioridade.

31      Em 16 de junho de 2021, a Conferência Plenária do Tribunal Geral decidiu remeter o processo a uma formação de cinco juízes, ao abrigo do artigo 28.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

32      O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o Reino Unido nas despesas.

B.      Quanto à fase escrita no processo T456/19

34      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de julho de 2019, a ITV interpôs recurso no processo T‑456/19.

35      Em 8 de junho de 2021, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o processo com prioridade.

36      Em 16 de junho de 2021, a Conferência Plenária do Tribunal Geral decidiu remeter o processo a uma formação de cinco juízes, ao abrigo do artigo 28.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

1.      Quanto aos pedidos de intervenção

37      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de novembro de 2019, o Reino Unido pediu para intervir no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. Por decisão de 29 de janeiro de 2020, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção do Reino Unido.

38      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de outubro de 2019, a Compass Overseas Holdings Ltd, a Compass Overseas Holdings No.2 Ltd e a Hospitality Holdings Ltd (a seguir, conjuntamente denominadas, «Compass Overseas») pediram para intervir no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. Por Despacho de 24 de novembro de 2020, ITV/Comissão (T‑456/19, não publicado, EU:T:2020:659), o Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Compass Overseas. Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de março de 2021, a Compass Overseas retirou o seu pedido de intervenção.

39      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de outubro de 2019, a LSEGH (Luxembourg) Ltd e a London Stock Exchange Group Holdings (Italy) Ltd (a seguir, conjuntamente denominadas, «LSEGH») pediram para intervir no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. Por Despacho de 24 de novembro de 2020, ITV/Comissão (T‑456/19, não publicado, EU:T:2020:640), o Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da LSEGH.

40      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de outubro de 2019, a Eland Oil & Gas plc pediu para intervir no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. Por Despacho de 24 de novembro de 2020, ITV/Comissão (T‑456/19, não publicado, EU:T:2020:641), o Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Eland Oil & Gas. Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de março de 2021, a Eland Oil & Gas retirou o seu pedido de intervenção.

41      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de novembro de 2019, a WPP Jubilee Ltd pediu para intervir no processo T‑456/19 em apoio dos pedidos da ITV. Por Despacho de 24 de novembro de 2020, ITV/Comissão (T‑456/19, não publicado), o Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da WPP Jubilee. Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de março de 2021, a WPP Jubilee retirou o seu pedido de intervenção.

42      Por despacho de 8 de julho de 2021, o Tribunal Geral declarou retirados os pedidos de intervenção da Compass Overseas, da Eland Oil & Gas e da WPP Jubilee.

43      No decurso do processo, a ITV apresentou um pedido de tratamento confidencial de certos documentos do processo a respeito, designadamente, da LSEGH.

2.      Quanto aos pedidos das partes

44      A ITV, apoiada pela LSEGH, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

45      O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne anular a decisão impugnada em conformidade com os pedidos da ITV.

46      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a ITV nas despesas;

–        condenar o Reino Unido e a LSEGH a suportar as suas próprias despesas.

C.      Da fase oral do processo

47      Por proposta da juíza‑relatora, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral nos processos T‑363/19 e T‑456/19 e ouvir as partes sobre a eventual apensação dos referidos processos para efeito da referida fase e da decisão que põe termo à instância.

48      Além disso, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pediu às partes que respondessem a perguntas escritas. As partes apresentaram as suas observações sobre a eventual apensação dos processos T‑363/19 e T‑456/19 e responderam à medida de organização do processo nos prazos fixados.

49      Por decisão do presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal Geral de 21 de julho de 2021, ouvidas as partes, os processos T‑363/19 e T‑456/19 foram apensados para efeitos da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo.

50      A audiência, realizada a 20 de setembro de 2021, teve de ser interrompida por impedimento de um dos membros da Segunda Secção alargada do Tribunal Geral.

51      Por decisão de 13 de outubro de 2021, na sequência desse impedimento, o presidente do Tribunal Geral designou o vice‑presidente do Tribunal para completar a Segunda Secção alargada. Este último assumiu igualmente a presidência da formação de julgamento, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 4, do Regulamento de Processo.

52      Em 18 de outubro de 2021 foi realizada nova audiência, durante a qual foram ouvidas as alegações das partes e as respostas destas a uma medida de organização do processo prevista no artigo 89.o do Regulamento de Processo, bem como às perguntas orais feitas pelo Tribunal Geral. Na audiência, o Reino Unido formulou certas observações sobre o relatório para audiência, o que o Tribunal Geral registou na ata da audiência.

III. Questão de direito

A.      Quanto à apensação dos processos T363/19 e T456/19 para efeitos da decisão que põe termo à instância

53      Com base no artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o presidente da Segunda Secção alargada do Tribunal Geral remeteu a decisão sobre a apensação dos processos T‑363/19 e T‑456/19 para efeitos da decisão que põe termo à instância, que era da sua competência, à Segunda Secção alargada do Tribunal Geral.

54      Ouvidas as partes na audiência sobre uma eventual apensação, são apensados, para efeitos da decisão que põe termo à instância, os processos T‑363/19 e T‑456/19, por razões de conexão.

B.      Quanto ao mérito

55      Em apoio dos seus recursos, o Reino Unido, no processo T‑363/19, e a ITV, no processo T‑456/19, invocam, respetivamente, quatro e onze fundamentos, os quais se sobrepõem parcialmente.

56      Com os seus fundamentos, o Reino Unido e a ITV acusam, em substância, a Comissão de ter cometido erros de direito e de apreciação e de ter violado o princípio da não discriminação, ao qualificar as isenções em causa de regime de auxílios de Estado e ao ordenar, posteriormente, a recuperação dos auxílios em questão junto dos seus beneficiários.

57      A este respeito, importa recordar que a qualificação de auxílio de Estado exige que todas as condições previstas no artigo 107.o TFUE estejam preenchidas. Assim, para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado na aceção desta disposição, em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais, em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40 e jurisprudência referida).

58      Importa começar por examinar os fundamentos invocados pelo Reino Unido e pela ITV baseados em erros de apreciação que viciam a identificação pela Comissão de uma vantagem seletiva no caso em apreço, abordar em seguida o exame dos fundamentos relativos a erros de apreciação respeitantes à inexistência de afetação das trocas entre os Estados‑Membros, a violação do princípio da não discriminação e a um erro de direito que resulta da aplicação errada, por analogia, da Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016, que estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que tenham incidência direta no funcionamento do mercado interno (JO 2016, L 193, p. 1), e examinar, por fim, os fundamentos relativos a erros de apreciação que viciam a identificação dos beneficiários do regime controvertido e a recuperação dos auxílios ordenada pela Comissão na decisão impugnada.

59      No que respeita, mais especificamente, à existência de uma vantagem seletiva, importa salientar que, no âmbito da análise das medidas fiscais sob a perspetiva do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, tanto o exame do critério da vantagem como do da seletividade implica, previamente, determinar as regras normais de tributação que formam o quadro de referência pertinente para esse exame.

60      Com efeito, por um lado, no caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser estabelecida em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56). Com efeito, tal medida confere uma vantagem económica ao seu beneficiário sempre que aliviar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, deste modo, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, for da mesma natureza e produzir efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22). Assim, é precisamente a tributação dita «normal» que é estabelecida pelo quadro de referência.

61      Por outro lado, em matéria fiscal, a jurisprudência exige uma análise da seletividade em três etapas. Essa análise implica, num primeiro momento, identificar o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, que constitui o quadro de referência, e, num segundo momento, demonstrar que a medida fiscal em causa derroga o referido quadro de referência, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que se encontrem, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse quadro de referência, numa situação jurídica e factual comparável (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57). Num terceiro momento, cabe ao Estado‑Membro demonstrar que a diferenciação introduzida pela medida em causa, que é «a priori seletiva», é justificada, uma vez que resulta da natureza ou da economia geral do quadro em que essa medida se insere (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 58).

62      Para efeitos de apreciação dos fundamentos que põem em causa a existência de uma vantagem seletiva no caso vertente, há que examinar, num primeiro momento, os fundamentos do Reino Unido e da ITV relativos a um erro de apreciação que vicia a identificação do sistema de referência considerado pela Comissão, antes de examinar, em seguida, num segundo momento, os diferentes fundamentos relativos a erros de apreciação de que padece a conclusão da Comissão sobre a existência da referida vantagem.

1.      Quanto ao fundamento relativo a um erro de apreciação que vicia a definição do sistema de referência (primeiro fundamento no processo T363/19 e primeiro fundamento no processo T456/19)

63      O Reino Unido e a ITV sustentam, em substância, que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao concluir que o sistema de referência era constituído unicamente por regras aplicáveis às SEC e alegam que o sistema de referência apropriado para efeitos de apreciar a seletividade do regime controvertido é constituído pelo sistema do imposto sobre as sociedades no Reino Unido.

64      A Comissão contesta os argumentos do Reino Unido e da ITV, alegando que as regras aplicáveis às SEC constituem um corpo completo de regras, distinto do regime geral de tributação das sociedades no Reino Unido, mesmo quando constituam um prolongamento desse regime e não uma exceção.

65      A este respeito, recorde‑se que a determinação do quadro de referência reveste importância acrescida no caso das medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem económica, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, só pode ser comprovada em relação a uma tributação dita «normal». Além disso, recorde‑se que, na medida em que, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, é o Estado‑Membro em questão que define, através do exercício das suas competências exclusivas em matéria de fiscalidade direta, as características constitutivas do imposto, a determinação do sistema de referência ou do regime fiscal «normal», a partir do qual cabe analisar a condição relativa à seletividade, deve ter em conta as referidas características (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39).

66      Assim, há que determinar as regras de tributação «normal» às quais está sujeito o beneficiário da medida considerada constitutiva de um auxílio de Estado. Por outro lado, no que respeita a uma medida fiscal de alcance geral, há que identificar o regime fiscal comum ou sistema de referência aplicável no Estado‑Membro em questão, na medida em que este último constitui o ponto de partida do exame comparativo que deve ser levado a cabo no contexto da apreciação da seletividade de um regime de auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.o 61).

67      Por outro lado, resulta da jurisprudência que, nos casos em que existe uma regra fiscal geral aplicável a todas as empresas sujeitas ao imposto sobre as sociedades, não pode ser considerada sistema de referência pertinente para efeitos da análise da seletividade uma regra que constitua uma exceção à regra geral, mesmo que um exame de conjunto do teor de todas estas disposições devesse ter permitido concluir que a medida fiscal em causa tinha por efeito definir uma situação à qual era aplicável a regra geral (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Alemanha/Comissão, C‑208/16 P, não publicado, EU:C:2018:506, n.os 99 a 101).

68      Além do mais, importa recordar que a seletividade de uma medida fiscal não pode ser apreciada com base num quadro de referência constituído por algumas disposições do direito nacional do Estado‑Membro em questão que foram extraídas artificialmente de um quadro legislativo mais alargado. Quando a medida em questão é indissociável do sistema geral de tributação do Estado‑Membro em questão, é a esse sistema que deve ser feita referência. Em contrapartida, quando se afigura que tal medida é claramente dissociável do referido sistema geral, não se pode excluir que o quadro de referência que deve ser tido em conta seja mais restrito do que esse sistema geral, ou mesmo que se identifica com a própria medida, quando esta se apresenta como uma regra dotada de uma lógica jurídica autónoma e que é impossível identificar um conjunto normativo coerente fora dessa medida (v. Acórdão de 6 de outubro de 2021, World Duty Free Group e Espanha/Comissão, C‑51/19 P e C‑64/19 P, EU:C:2021:793, n.os 62 e 63 e jurisprudência referida).

69      Além disso, resulta de jurisprudência constante que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue segundo as causas e os objetivos das intervenções estatais, antes definindo essas intervenções em função dos seus efeitos e, por conseguinte, independentemente das técnicas utilizadas [v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Falência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 91 e jurisprudência referida].

70      Decorre desta jurisprudência que, se o recurso a uma técnica regulamentar determinada não pode permitir que regras fiscais nacionais escapem, de início,  à fiscalização prevista pelo Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado, o recurso à técnica regulamentar utilizada também não pode bastar para definir o quadro de referência pertinente para efeitos da análise do requisito relativo à seletividade, sob pena de a forma das intervenções estaduais primar definitivamente sobre os seus efeitos. Por conseguinte, a técnica regulamentar utilizada não pode ser um elemento decisivo para efeitos da determinação do quadro de referência [Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Falência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.os 89 A 91].

71      A própria Comissão precisou a sua interpretação do conceito de sistema de referência na sua Comunicação sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (JO 2016, C 262, p. 1; a seguir «comunicação de 2016»). A este respeito, esta comunicação, embora não seja suscetível de vincular o Tribunal Geral, pode, porém, servir de fonte de inspiração útil (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de julho de 2017, República Checa/Comissão, C‑696/15 P, EU:C:2017:595, n.o 53).

72      É indicado, designadamente no n.o 133 da comunicação de 2016, que o sistema de referência é constituído por um conjunto coerente de regras que são, em geral, aplicáveis — com base em critérios objetivos — a todas as empresas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, definido pelo seu objetivo. Normalmente, essas regras definem não só o âmbito de aplicação do sistema, mas também as condições em que se aplica o sistema, os direitos e obrigações das empresas a ele sujeitas e as especificidades técnicas do funcionamento do sistema.

73      Além disso, o n.o 134 da comunicação de 2016 precisa que, no caso dos impostos, o sistema de referência se baseia em elementos como a base de tributação, os sujeitos passivos, o facto gerador e as taxas de  tributação. A este respeito, resulta da jurisprudência que, designadamente, a taxa do imposto, bem como a determinação da sua matéria coletável e do seu facto gerador, representam características constitutivas que definem o sistema de referência ou o regime fiscal «normal» a partir do qual deve ser analisado o requisito relativo à seletividade (v., neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.os 38 e 39).

74      É à luz destas considerações que se deve apreciar se a Comissão identificou corretamente o sistema de referência no caso vertente.

75      Como resulta, designadamente, do considerando 107 da decisão impugnada, a Comissão indicou que o sistema de referência era constituído pelas regras aplicáveis às SEC que, consideradas no seu todo, determinavam o objeto ou a base exigível do encargo SEC.

76      No caso vertente, as medidas em causa são as isenções previstas no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA para certos tipos de lucros das SEC que teriam de outro modo sido sujeitos a um encargo SEC com base no capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA. Fazem, portanto, parte das regras aplicáveis às SEC, que estão codificadas na parte 9 A da TIOPA.

77      Em substância, as regras aplicáveis às SEC preveem a tributação no Reino Unido dos lucros realizados pela SEC que são, na realidade, atribuíveis à sua sociedade ligada, tributável no Reino Unido, na medida em que esta estaria na origem das atividades ou dos ativos que teriam gerado esses lucros ou na medida em que os lucros da SEC seriam provenientes de mecanismos destinados a desviar fundos que, de outro modo, teriam sido tributáveis no Reino Unido.

78      As regras aplicáveis às SEC integram‑se, por sua vez, no sistema geral de tributação das sociedades do Reino Unido.

79      Há que examinar em que medida estas regras são dissociáveis do referido sistema geral de tributação, na medida em que se apresentam como um conjunto normativo coerente, dotado de uma lógica jurídica autónoma, na aceção da jurisprudência referida no n.o 68, supra, designadamente no que respeita a elementos como a base de tributação, os sujeitos passivos, o facto gerador e as taxas de tributação.

80      Em primeiro lugar, no que respeita à lógica subjacente às regras aplicáveis às SEC, recorde‑se, conforme acertadamente sublinhado pelo Reino Unido, que o sistema geral de tributação das sociedades deste Estado se baseia no princípio da territorialidade, por força do qual unicamente são tributados os lucros realizados no Reino Unido, a saber, os lucros realizados por sociedades que aí estão estabelecidas ou os lucros realizados por sociedades estrangeiras gerados por atividades efetuadas no Reino Unido através de um estabelecimento permanente neste Estado.

81      Ora, por força das regras aplicáveis às SEC, certos lucros realizados por SEC que, seguindo o princípio da territorialidade, não seriam normalmente tributados no Reino Unido podem, no entanto, sê‑lo quando são considerados artificialmente desviados do Reino Unido.

82      Assim, as regras aplicáveis às SEC assentam numa lógica distinta da do sistema geral de tributação no Reino Unido. Esta lógica constitui, é certo, em complemento ou, como a Comissão indica no considerando 105 da decisão impugnada, um corolário do sistema geral de tributação que assenta no princípio da territorialidade, mas que dele é dissociável.

83      Com efeito, estas regras não constituem uma exceção ao sistema geral de tributação, na medida em que podem antes ser consideradas como o seu prolongamento. As regras aplicáveis às SEC visam tributar lucros que foram artificialmente desviados do Reino Unido e que, por essa razão, aumentaram artificialmente os lucros da SEC, a qual, posteriormente, distribuirá os dividendos que não são tributáveis no Reino Unido. Assim, a lógica das regras aplicáveis às SEC está ligada ao desvio dos lucros para as SEC, de maneira a que, na prática, sejam realizados fora do Reino Unido. É, portanto, distinta daquela que está subjacente ao sistema geral de tributação sobre as sociedades no Reino Unido, que assenta em lucros realizados no Reino Unido.

84      Em segundo lugar, importa verificar se, vistas as características constitutivas que definem o regime fiscal «normal», as regras aplicáveis às SEC podem ser consideradas constitutivas de um corpo completo de regras, distinto do regime geral de tributação das sociedades no Reino Unido.

85      Quanto à matéria coletável, saliente‑se que as regras aplicáveis às SEC visam lucros das SEC que são artificialmente desviados e cumulados por filiais estabelecidas fora do Reino Unido. Assim, trata‑se de lucros contabilísticos realizados pelas SEC fora do Reino Unido e a sua tributação, ao abrigo dos capítulos 4 a 8 da parte 9 A da TIOPA, baseia‑se na condição de que tenham sido artificialmente desviados do Reino Unido. Em contrapartida, o imposto sobre as sociedades no Reino Unido aplica‑se aos lucros realizados no Reino Unido por sociedades aí estabelecidas ou por estabelecimentos estáveis de sociedades estabelecidas no estrangeiro.

86      Quanto ao sujeito passivo do imposto, as regras aplicáveis às SEC aplicam‑se quando as sociedades residentes no Reino Undo têm certos interesses em filiais situadas fora do Reino Unido. Esta particularidade individualiza esses sujeitos passivos em relação aos sujeitos passivos do sistema geral de tributação das sociedades no Reino Unido, a saber, as sociedades que realizem lucros no Reino Unido, diretamente ou, no caso das sociedades estrangeiras, através de um estabelecimento estável no Reino Unido. Por outro lado, quando uma sociedade é tributada no Reino Unido através de um encargo SEC, essa tributação tem precisamente lugar a título dos lucros realizados pela sua SEC, ao passo que, em aplicação do sistema geral de tributação das sociedades no Reino Unido, uma sociedade que aí está estabelecida é tributada a título dos seus próprios lucros, que realiza ela própria ou por intermédio de um estabelecimento estável no Reino Unido.

87      Quanto ao facto gerador do imposto, saliente‑se que é devido um encargo SEC, a título das regras aplicáveis às SEC, quando as SEC realizam lucros fora do Reino Unido e estes são considerados provenientes de mecanismos ou de desvios artificiais de recursos ou de lucros que deveriam ter sido tributados no Reino Unido. Em contrapartida, no caso do imposto sobre as sociedades no Reino Unido, é a realização de lucros no Reino Unido que gera o imposto. Com efeito, na medida em que foram artificialmente desviados, os lucros realizados por SEC deveriam, pela sua natureza, ser sujeitos ao imposto no Reino Unido. Assim, o elemento determinante para efeitos da tributação pelo encargo SEC é o desvio artificial dos lucros no Reino Unido.

88      Quanto à taxa de tributação, saliente‑se que as regras aplicáveis às SEC preveem, no artigo 371BC da parte 9 A da TIOPA, que a taxa de tributação aplicável para o cálculo do encargo SEC é a prevista pelo regime do imposto sobre as sociedades para os lucros da sociedade ligada sujeita ao imposto no Reino Unido e, na hipótese de haver várias taxas aplicáveis, a taxa que resulta da média dessas diferentes taxas ao longo do período fiscal pertinente. É certo que as regras aplicáveis às SEC não contêm nenhuma taxa específica aplicável aos lucros das SEC e remetem para a taxa prevista no sistema geral do imposto sobre as sociedades. Porém, considerado no seu todo, o encargo SEC é determinado por um mecanismo de cálculo específico que implica, sendo caso disso, o cálculo da média de várias taxas de tributação aplicáveis aos lucros da sociedade ligada tributada no Reino Unido.

89      Finalmente, as regras aplicáveis às SEC contêm, nomeadamente nos capítulos 15 a 21 da parte 9 A da TIOPA, disposições específicas relativas ao cálculo do encargo SEC, à gestão e à coleta deste e, mais particularmente, à articulação desse encargo com os impostos a pagar pela sociedade residente no Reino Unido e com os pagos pela SEC no seu país de residência. Estas disposições permitem a aplicação da parte 9 A da TIOPA para efeitos da tributação das SEC, em paralelo com a aplicação do sistema geral do imposto sobre as sociedades no Reino Unido. É certo que as regas aplicáveis às SEC se apoiam no sistema geral do imposto sobre as sociedades para o qual remetem. Porém, isso não impede que possam ser consideradas um corpo autónomo de regras específicas que regulam a tributação no Reino Unido dos lucros realizados pelas SEC.

90      Além disso, refira‑se que, ao proceder ao cálculo do montante do imposto da sociedade residente tributável a título dos lucros realizados pela sua SEC, está previsto um desagravamento sob forma de dedução a título dos eventuais impostos que teriam sido pagos no país de acolhimento da SEC. Este mecanismo, que não é pertinente para o cálculo do imposto, com base no sistema geral do imposto sobre as sociedades no Reino Unido, é crucial para evitar a dupla tributação dos lucros das SEC. A própria existência desse mecanismo é testemunho da particularidade das regras aplicáveis às SEC.

91      Nestas circunstâncias, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação quando considerou que as regras aplicáveis às SEC constituíam um corpo de regras fiscais distinto no interior do sistema geral do imposto sobre as sociedades no Reino Unido e considerou essas regras como sistema de referência para efeito da sua análise.

92      Portanto, o fundamento apresentado, relativo a um erro de apreciação que vicia a identificação do sistema de referência, deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto aos fundamentos relativos a um erro de apreciação que vicia as declarações, pela Comissão, da existência de uma vantagem e da seletividade a priori do regime controvertido em razão de uma derrogação ao sistema de referência (segundo fundamento no processo T363/19 e segundo e terceiro fundamentos no processo T456/19)

93      O Reino Unido e a ITV alegam, em substância, que, mesmo admitindo que o regime aplicável às SEC constitua o sistema de referência adequado, a aplicação do capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA não conduz à concessão de uma vantagem e não constitui uma derrogação ao referido sistema.

94      A Comissão contesta os argumentos do Reino Unido e da ITV.

95      No caso vertente, há que examinar sucessivamente os argumentos do Reino Unido e da ITV, ela própria apoiada por este último e pela LSEGH, em que se contesta, em primeiro lugar, a conclusão da Comissão relativa à existência de uma vantagem, em segundo lugar, o objetivo do sistema de referência considerado pela Comissão para efeito da comparação inerente à análise da seletividade e, em terceiro lugar, a conclusão da Comissão relativa à seletividade a priori do regime controvertido em razão de uma derrogação ao sistema de referência.

a)      Quanto à existência de uma vantagem

96      Segundo o Reino Unido e a ITV, as disposições do capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA não podiam ser entendidas separadamente das disposições dos capítulos 3 e 5 desta, na medida em que formam um todo coerente que define o perímetro de tributação no Reino Unido dos lucros realizados pelas SEC. Assim, as autoridades fiscais do Reino Unido não podiam conceder nenhuma vantagem com base na aplicação do capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA.

97      A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, são considerados auxílios de Estado as intervenções que, independentemente da forma que assumam, são suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida; e de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 21).

98      Assim, uma medida estatal confere uma vantagem económica ao seu beneficiário sempre que aliviar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por esse facto, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, são da mesma natureza e produzem efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22). Uma medida através da qual as autoridades públicas concedem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, ainda que não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14; v., igualmente, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 46 e jurisprudência referida).

99      Consequentemente, para determinar se existe uma vantagem fiscal, há que comparar a situação do beneficiário resultante da aplicação da medida em causa com a situação deste na falta dessa medida e em aplicação das regras normais de tributação (v. Acórdão de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão, T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669, n.o 147 e jurisprudência referida).

100    No caso em apreço, nos considerandos 96 a 101 da decisão impugnada, a Comissão considerou que as isenções em causa permitiam a uma sociedade estabelecida no Reino Unido que tivesse sido sujeita a um encargo SEC por força do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA pedir que esse encargo se elevasse a 25 % dos lucros financeiros não comerciais de uma SEC provenientes de empréstimos elegíveis, ou mesmo a uma percentagem inferior que vá até 0 % quando esses lucros fossem financiados por «recursos elegíveis» ou quando fosse aplicada a regra dos «juros equivalentes». Assim, as isenções em causa concedem uma vantagem às sociedades beneficiárias na medida em que os lucros isentos teriam, de outro modo, sido sujeitos ao encargo SEC por força do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA.

101    A este respeito, resulta da parte 9 A da TIOPA, como esta é apresentada nos n.os 3 a 9, supra, que as regras que aí são definidas preveem uma série de situações que são consideradas um desvio artificial de lucros, tais como, designadamente, as situações abrangidas pelo capítulo 5, que diz respeito ao exercício no Reino Unido de atividades por meio de funções humanas significativas, que conduzem à realização pelas SEC de lucros financeiros não comerciais fora do Reino Unido.

102    Assim, quando um dos critérios previstos pelas regras supramencionadas para identificar a existência de um desvio artificial de lucros está preenchido, estas preveem que os lucros realizados pelas SEC em questão devem ser tributados no Reino Unido através de um encargo SEC.

103    Portanto, a economia do sistema reside na tributação aplicável a essas situações que representam um desvio artificial de lucros do Reino Unido, quer para reintegrar esses lucros na base de tributação no Reino Unido que tinha sido erodida, quer para desincentivar a instalação de mecanismos que conduzam a esse desvio.

104    Nestas circunstâncias, o facto de prever uma isenção para 75 %, ou mesmo 100 %, desses lucros da SEC que teriam sido considerados desviados artificialmente do Reino Unido e, portanto, que deveriam ter sido tributados a esse título, alivia os encargos que normalmente oneram o orçamento da sociedade tributável no Reino Unido pelos referidos lucros.

105    Com efeito, contrariamente ao que afirma a ITV, as isenções em causa não podem ser consideradas uma modulação da tributação sobre os lucros das SEC. Com efeito, na medida em que essas isenções não têm em conta a própria natureza das regras aplicáveis às SEC, a saber, a tributação dos lucros artificialmente desviados do Reino Unido, não podem ser consideradas uma modulação na aplicação das referidas regras.

106    Do mesmo modo, o argumento segundo o qual os capítulos 3 e 5 da parte 9 A da TIOPA constituem elementos de um mesmo texto legislativo que definem o perímetro da tributação no Reino Unido dos lucros realizados pelas SEC não pode prosperar. Com efeito, o facto de os dois capítulos fazerem parte de um mesmo texto legislativo e de, necessariamente, serem ambos aplicáveis por força do referido texto em vigor não altera o facto de as medidas previstas no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA, na medida em que isentam a tributação dos lucros que foram considerados artificialmente desviados do Reino Unido, não respondem à natureza e à economia do sistema no qual se inserem. Assim, mais do que delimitar o perímetro da tributação dos lucros das SEC, as isenções previstas no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA subtraem à tributação lucros que deveriam ter sido tributados enquanto lucros artificialmente desviados do Reino Unido.

107    Se se aceitasse que uma derrogação a um regime fiscal não é constitutiva de tal derrogação pelo simples facto de ter sido inscrita num mesmo texto legislativo, e que representa antes uma modulação que delimita o perímetro do referido regime fiscal, seria muito simples para os Estados‑Membros dissimular derrogações à tributação normal por intermédio dessa técnica legislativa, conseguindo, assim, eludir a aplicação das regras relativas à fiscalização dos auxílios de Estado.

108    Nestas circunstâncias, há que rejeitar os argumentos do Reino Unido e da ITV que contestam a declaração pela Comissão da existência de uma vantagem devido às isenções em causa.

b)      Quanto ao objetivo das regras aplicáveis às SEC

109    O Reino Unido e a ITV alegam, em substância, que a Comissão considerou, erradamente, que o objetivo das regras aplicáveis às SEC estava circunscrito à tributação dos lucros artificialmente desviados, ao passo que as referidas regras visariam proteger a matéria coletável  do imposto sobre as sociedades no Reino Unido, que pode ser erodida através de desvios artificiais de lucros, mas também através de deduções no Reino Unido na sequência de montagens circulares.

110    A Comissão alega que o objetivo das regras aplicáveis às SEC é tributar lucros gerados pelas atividades e pelos ativos do Reino Unido artificialmente desviados para uma SEC.

111    Para efeito da análise da comparabilidade inerente ao exame da seletividade no âmbito da segunda etapa da análise prevista pela jurisprudência descrita no n.o 61, supra, a determinação do objetivo do sistema fiscal em questão reveste uma importância determinante, uma vez que é tendo em conta o referido objetivo que deve ser comparada a situação jurídica e factual dos operadores económicos em questão.

112    Com efeito, resulta da jurisprudência que o requisito relativo à seletividade da vantagem, inerente à qualificação de uma medida como «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é de molde a favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontrem, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo referido regime, em situação factual e jurídica comparável e que estão sujeitas a um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (v. Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 28 e jurisprudência referida).

113    No considerando 105 da decisão impugnada, é indicado que «o objetivo das regras [do Reino Unido] relativas às SEC consiste em proteger a matéria coletável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido, garantindo assim que o sistema […] do imposto sobre as sociedades [do Reino Unido] alcance o seu objetivo» e que esse sistema alcança «[esse objetivo] através da tributação dos lucros provenientes de atividades e [de] ativos [do] Reino Unido que se considera terem sido artificialmente desviados do Reino Unido para entidades associadas não residentes». Esse objetivo é recordado em termos ligeiramente diferentes no considerando 114 da decisão impugnada.

114    No caso vertente, as partes opõem‑se, em substância, sobre a questão de saber se as regras aplicáveis às SEC têm por objetivo a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido, como sustentam o Reino Unido e a ITV, ou a tributação dos lucros artificialmente desviados do Reino Unido, como sustenta a Comissão.

115    A este respeito, saliente‑se desde já que as duas posições resumidas no n.o 114, supra, não constituem, na realidade, posições opostas, na medida em que a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido constitui um objetivo lato, dentro do qual se integra o objetivo mais específico que consiste na tributação dos lucros artificialmente desviados do Reino Unido.

116    Com efeito, como foi indicado no n.o 3, supra, o sistema do imposto sobre as sociedades no Reino Unido assenta no princípio da territorialidade, segundo o qual apenas são tributados os lucros gerados por atividades e por ativos no Reino Unido, quer através das sociedades que aí estão estabelecidas quer através de estabelecimentos estáveis de sociedades estrangeiras. Por conseguinte, por força do princípio da territorialidade, os dividendos distribuídos por sociedades estrangeiras controladas, como as SEC, não são tributáveis no Reino Unido. Como o Reino Unido alegou no âmbito do procedimento administrativo, designadamente em resposta à decisão de abertura do procedimento formal de investigação, a fim de evitar, no contexto do sistema fiscal territorial, que a base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido não seja erodida designadamente em benefício de SEC sujeitas a encargos de tributação reduzidos fora do Reino Unido, várias medidas foram postas em prática, tais como as que visam estabelecer limiares às deduções de juros no Reino Unido, às restrições relativas às taxas de juro aplicáveis nas relações intragrupo ou às regras aplicáveis às SEC.

117    É certo que todas estas medidas concorrem para o objetivo geral de proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido.

118    Todavia, para efeitos da análise da seletividade das medidas fiscais em causa, importa determinar o objetivo específico das regras aplicáveis às SEC, que constitui o sistema de referência pertinente no caso vertente.

119    Ora, resulta dos diferentes documentos que resultaram da consulta prévia à adoção no Reino Unido das regras aplicáveis às SEC que estas visam proteger a base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido da erosão provocada pelo desvio artificial de lucros do Reino Unido. Do mesmo modo, resulta das respostas apresentadas pelo Reino Unido no âmbito do procedimento administrativo e dos seus articulados no âmbito do presente recurso que as regras aplicáveis às SEC se destinam especificamente a tributar os lucros das SEC artificialmente desviados do Reino Unido.

120    Nestas circunstâncias, há que rejeitar os argumentos do Reino Unido e da ITV que contestam o objetivo das regras aplicáveis às SEC a que a Comissão atendeu para efeitos da sua análise da comparabilidade no caso vertente, a saber, a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido, ao tributar os lucros gerados por atividades e por ativos do Reino Unido que são artificialmente desviados deste último para SEC.

c)      Quanto à seletividade a priori do regime controvertido em razão de uma derrogação ao sistema de referência

121    Segundo o Reino Unido e a ITV, apoiada a este respeito pela LSEGH, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao declarar, na decisão impugnada, que o regime controvertido era a priori seletivo, na medida em que não teve suficientemente em conta que as regras aplicáveis às SEC visavam impor uma obrigação fiscal unicamente nos casos que apresentavam um risco elevado de abuso ou de desvio artificial de lucros do Reino Unido. Em contrapartida, a isenção prevista pelo capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA só se aplica nos casos que apresentam um risco baixo de erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido.

122    Assim, o Reino Unido, a ITV e a LSEGH sustentam que a situação factual e jurídica das SEC que tenham realizado lucros com origem em empréstimos não elegíveis, a saber, os concedidos a sociedades associadas do Reino Unido ou a sociedades terceiras, é diferente da das SEC que tenham realizado lucros com origem em empréstimos elegíveis. Assim, os empréstimos concedidos por SEC a sociedades associadas do Reino Unido constituem montagens circulares que visam reduzir a base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido e os empréstimos concedidos por SEC a terceiros constituíam habitualmente montagens desprovidas de fim económico e, portanto, equiparáveis a «empréstimos mealheiro», o que não é o caso das situações que sejam abrangidas por empréstimos elegíveis, devido, designadamente à condição relativa ao exercício da uma atividade económica no Estado de residência da SEC.

123    A Comissão contesta estes argumentos e alega, em substância, que as situações próprias dos empréstimos a montante e dos empréstimos mealheiro, por um lado, e as próprias dos empréstimos elegíveis, por outro, são comparáveis, na medida em que os dois tipos de empréstimos teriam podido gerar lucros financeiros não comerciais devido a funções humanas significativas exercidas no Reino Unido. Com efeito, o critério ligado a estas funções seria um dos critérios previstos no capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA para fins da identificação de situações de desvio artificial de lucros, que devem ser objeto de um encargo SEC. Além disso, tanto os empréstimos elegíveis como os não elegíveis seriam suscetíveis de ser justificados por razões comerciais válidas.

124    A este respeito, recorde‑se que, no âmbito da segunda etapa da análise sobre a seletividade das medidas fiscais, conforme prevista pela jurisprudência recordada no n.o 61, supra, a Comissão deve demonstrar que a medida fiscal em causa derroga o sistema de referência identificado no âmbito da primeira etapa, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável tendo em conta o objetivo do dito sistema de referência.

125    Nos considerandos 124 a 151 da decisão impugnada, a fim de demonstrar a existência de uma vantagem seletiva, a Comissão comparou a situação das sociedades que podem invocar as isenções em causa, a saber, aquelas em relação às quais as SEC realizaram lucros financeiros não comerciais gerados por empréstimos não elegíveis, com a das sociedades às quais essa isenção não se aplica, a saber, as sociedades cujas SEC realizaram lucros gerados por empréstimos não elegíveis.

126    A este respeito, há que começar por examinar as condições exigidas para a concessão das isenções em causa, designadamente as ligadas ao caráter elegível dos empréstimos, para se concentrar, em seguida, nas características inerentes aos empréstimos não elegíveis, a fim de examinar, por último, se a Comissão daí concluiu corretamente que as medidas controvertidas tinham introduzido diferenciações entre operadores que se encontram numa situação comparável.

1)      Quanto às condições para a concessão das isenções em causa

127    Na decisão impugnada, a Comissão considerou que três isenções, previstas no capítulo 9 da parte 9 A da TIOPA e que afetam lucros das SEC suscetíveis de ser sujeitos a um encargo SEC a título do capítulo 5, concediam uma vantagem seletiva aos seus beneficiários.

128    Trata‑se, em primeiro lugar, da isenção prevista pelo artigo 371IB da parte 9A da TIOPA, que pode afetar até 100 % dos lucros financeiros não comerciais de uma SEC, provenientes de empréstimos elegíveis, na medida em que tenham sido financiados por recursos elegíveis, a saber, em substância, os derivados dos lucros ou de outros recursos próprios da SEC.

129    Em segundo lugar, está em causa a isenção até 75 % dos lucros financeiros não comerciais de uma SEC prevista no artigo 317ID da parte 9 A da TIOPA. Por força desta isenção, 75 % dos lucros provenientes de empréstimos elegíveis podem ser objeto de uma isenção, sem que seja necessário demonstrar que os recursos foram associados à SEC e independentemente das funções humanas significativas que teriam sido exercidas em relação com os empréstimos em questão. Por esta razão, considera‑se que esta isenção é automaticamente concedida no caso de empréstimos elegíveis.

130    Em terceiro lugar, está em causa a isenção prevista no artigo 371IE da parte 9A da TIOPA, dita dos «juros equivalentes». Esta última pode ser invocada, relativamente ao saldo dos lucros financeiros não comerciais provenientes de empréstimos elegíveis que não foram objeto de duas outras isenções, na medida em que, em relação ao grupo de empresas tido em conta no seu todo, o montante dos rendimentos tributáveis a título dos juros recebidos seria superior ao montante dos juros pagos e, portanto, dedutíveis por este grupo da sua base de tributação no Reino Unido. Na medida em que esta isenção pode ser invocada para a totalidade dos lucros financeiros não comerciais da SEC em questão, provenientes de empréstimos elegíveis, foi tratada pela Comissão como abrangida por uma isenção total ao mesmo título que a prevista no artigo 371IB.

131    Em primeiro lugar, há que recordar que as isenções em causa afetam lucros financeiros não comerciais, a saber, em substância, lucros provenientes de empréstimos concedidos por uma SEC que não opera no setor bancário, lucros esses que foram considerados tributáveis no Reino Unido e, portanto, suscetíveis de ser objeto de um encargo SEC a título do referido capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA. Assim, esses lucros foram considerados tributáveis no Reino Unido, na medida em que essas atividades que são as mais importantes para a criação e a gestão dos empréstimos em questão, a saber, as funções humanas significativas, foram efetuadas no Reino Unido (esta situação corresponde ao que é designado como «critério das atividades no Reino Unido», previsto pelo artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA) ou os empréstimos foram financiados por fundos ou por ativos que decorrem de entradas de capitais provenientes do Reino Unido (esta situação corresponde ao que é designado como o «critério dos capitais ligados ao Reino Unido», previsto pelo artigo 371EC da parte 9 A da TIOPA).

132    Em segundo lugar, para beneficiar das três isenções em causa, a condição ligada ao lugar de estabelecimento da SEC deve estar preenchida. Esta condição, prevista pelo artigo 371IA da parte 9 A da TIOPA, em conjugação com o artigo 371DG do mesmo texto legislativo, exige que a SEC em questão exerça as suas atividades no seu país de estabelecimento, pelo menos a título principal, em instalações ocupadas e utilizadas de modo permanente. É apresentada pelo Reino Unido nos seus documentos como uma exigência de existência efetiva da SEC, com exclusão de sociedades ditas de «caixas de correio» ou «ecrãs». Impõe‑se, porém, constatar que o alcance desta condição, conforme interpretada pelas autoridades fiscais do Reino Unido, continua a ser relativo. Com efeito, resulta do ponto INTM200810 do Manual das Autoridades Fiscais do Reino Unido sobre o Direito Fiscal Internacional Relativo às SEC (HMRC International Manual/INTM 190000 Controlled Foreign Companies) que é suficiente para que essa condição esteja preenchida que as instalações sejam ocupadas com «um grau razoável» de permanência — isto é, por um período de pelo menos doze meses ou que haja uma «intenção» nesse sentido. Além disso, não são associadas a esta exigência de residência condições suplementares suscetíveis de demonstrar a realidade da atividade no país de estabelecimento, contrariamente ao que está previsto pelo artigo 371DF, n.o 1, da parte 9 A da TIOPA a respeito dos lucros comerciais.

133    Além disso, como o Reino Unido reconheceu em resposta às perguntas do Tribunal Geral na audiência, o facto de uma SEC preencher a condição ligada ao lugar de estabelecimento não implica que as funções humanas significativas pertinentes para a atividade da referida SEC, nomeadamente as relativas aos empréstimos que esta concede (e que são suscetíveis de gerar lucros financeiros não comerciais) sejam exercidas no país de residência da SEC. A este respeito, a Comissão salientou, nos considerandos 165 e 166 da decisão impugnada, que as autoridades fiscais do Reino Unido consideravam que, em relação aos empréstimos de maior dimensão, de médio a longo prazo, financiados por fundos próprios, a expectativa era de que, na maior parte dos casos, a gestão do empréstimo incumbisse à função de financiamento de um grupo e não às próprias SEC.

134    Portanto, é possível que uma SEC que preencha a condição ligada ao lugar de estabelecimento possa realizar lucros financeiros não comerciais gerados por atividades para as quais foram exercidas funções humanas significativas no Reino Unido.

135    Além disso, o facto de preencher essa condição também não implica que as outras condições necessárias para beneficiar das isenções em causa estejam preenchidas. Portanto, não pode ser excluído que uma SEC que preencha a condição ligada ao lugar de estabelecimento realize lucros financeiros não comerciais gerados por empréstimos não elegíveis, lucros esses que não podem, portanto, beneficiar das isenções em causa.

136    Nestas circunstâncias, como salientou, acertadamente, a Comissão, designadamente no considerando 149 da decisão impugnada, a condição ligada ao estabelecimento não é determinante para efeitos da apreciação da comparabilidade que deve ser formulada no âmbito da análise da seletividade, na medida em que é suscetível de ser preenchida tanto por sociedades que podem beneficiar das isenções como por sociedades que delas estão excluídas.

137    Em terceiro lugar, para beneficiar das isenções em causa, os lucros financeiros não comerciais em questão devem ter sido gerados por empréstimos elegíveis. Por força do artigo 371IG da parte 9 A da TIOPA, os empréstimos elegíveis são empréstimos concedidos por uma SEC a outras sociedades não residentes no Reino Unido e controladas pela ou pelas mesmas sociedades que a ou as que controlam a SEC. Portanto, como resulta do ponto INTM216450 do Manual das Autoridades Fiscais do Reino Unido sobre o Direito Fiscal Internacional Relativo às SEC (HMRC International Manual/INTM 190000 Controlled Foreign Companies), em substância, os empréstimos elegíveis são empréstimos concedidos pela SEC a sociedades do mesmo grupo não residentes no Reino Unido.

138    A condição ligada à exigibilidade dos empréstimos é pertinente em relação às três isenções em questão. Todavia, quanto à isenção prevista pelo artigo 371ID da parte 9 A da TIOPA, tal condição é, em substância, a única condição, além da ligada ao lugar de estabelecimento, aplicável para que as sociedades tributáveis possam invocar uma isenção de 75 % dos lucros financeiros não comerciais, realizados pelas suas SEC na sequência de empréstimos não elegíveis, e isso independentemente do facto, designadamente, de terem sido exercidas funções humanas significativas no Reino Unido.

139    Em quarto lugar, para poder beneficiar da isenção prevista pelo artigo 371IB da parte 9 A da TIOPA, que pode afetar até 100 % dos lucros financeiros não comerciais de uma SEC, é igualmente necessário provar que os recursos na origem do empréstimo elegível em causa constituem «recursos «elegíveis». Com efeito, o artigo 371IB da parte 9 A da TIOPA prevê que as sociedades tributáveis podem pedir a isenção do encargo SEC sobre os lucros financeiros não comerciais provenientes de empréstimos elegíveis se e na medida em que consigam demonstrar que esses lucros derivaram de recursos elegíveis. Por força do artigo 371IB da parte 9 A da TIOPA, os recursos elegíveis correspondem, em substância, aos derivados dos lucros da SEC ou de fundos e de outros ativos recebidos pela SEC ligados às ações que esta detém em membros do grupo ao qual pertence ou por si emitida em proveito dos referidos membros. Esta isenção pode, portanto, cobrir até 100 % dos lucros financeiros não comerciais tributáveis se a totalidade dos empréstimos elegíveis em questão tiver sido financiada por recursos elegíveis.

140    A este respeito, como indicaram o Reino Unido e a ITV nas suas respostas às perguntas do Tribunal Geral, não está excluído que tenham sido financiados empréstimos através de recursos elegíveis, e, por conseguinte, próprios da SEC, ao passo que as funções humanas significativas ligadas ao referido empréstimo tinham sido exercidas de maneira centralizada no Reino Unido. Portanto, a isenção prevista pelo artigo 371ID da parte 9A da TIOPA, tal como a prevista pelo artigo 371ID da parte 9 A da TIOPA, é concedida independentemente do facto de funções significativas ligadas aos empréstimos em questão terem sido exercidas no Reino Unido.

141    Em quinto lugar, a isenção prevista pelo artigo 371IE da parte 9 A da TIOPA, dita dos «juros equivalentes», pode ser invocada, em relação ao saldo dos lucros financiados não comerciais, provenientes de empréstimos elegíveis, que não foram objeto das duas outras isenções, na medida em que, para o grupo de empresas em questão, considerado no seu todo, o montante dos rendimentos tributáveis a título dos juros recebidos é superior ao montante dos juros pagos e, por conseguinte, deduzidos por esse grupo da sua base tributável no Reino Unido.

142    Trata‑se, portanto, de uma isenção complementar em relação às outras duas isenções, mas que é igualmente concedida independentemente do facto de funções humanas significativas ligadas aos empréstimos na origem dos lucros financeiros não comerciais em questão terem sido exercidas no Reino Unido.

143    Atentas as considerações precedentes, importa salientar que, à margem das diferentes condições que são pertinentes para cada uma das isenções em causa, estas últimas são concedidas independentemente do facto de terem sido exercidas funções humanas significativas no Reino Unido no que respeita aos empréstimos geradores dos lucros financeiros não comerciais em questão.

2)      Quanto às exclusões da concessão das isenções em causa

144    Conforme salientado nos n.os 127 a 143, supra, a condição comum às três isenções em causa é a relativa ao caráter elegível dos empréstimos. Portanto, estão excluídos das referidas isenções os lucros financeiros não comerciais provenientes de empréstimos não elegíveis.

145    Por força do artigo 371IH da parte 9 A da TIOPA estão excluídos da definição de empréstimos elegíveis os empréstimos concedidos a uma sociedade estabelecida no Reino Unido ou a um estabelecimento estável nesse Estado de uma sociedade não residente. Estão igualmente excluídos os empréstimos concedidos a uma outra SEC que permitem a uma sociedade no Reino Unido deduzir os juros pagos no âmbito desse empréstimo do cálculo de um encargo SEC. Estão igualmente excluídos os empréstimos concedidos a um beneficiário que utiliza esses fundos para conceder outros empréstimos.

146    Na medida em que os empréstimos elegíveis devem ser concedidos a sociedades elegíveis, ao abrigo do artigo 371IG, n.o 8, da parte 9 A da TIOPA, a saber, as ligadas à SEC e controladas, por sua vez, pela mesma ou pelas mesmas sociedades que controlam a SEC, os empréstimos a sociedades fora do grupo estão excluídos da definição de empréstimos elegíveis.

147    Assim, em substância, são considerados não elegíveis os empréstimos concedidos pelas SEC a sociedades do grupo residentes no Reino Unido, ditos «empréstimos a montante», os empréstimos concedidos pelas SEC a sociedades terceiras, ditos «empréstimos mealheiro», e aqueles cujos juros são dedutíveis de um outro encargo SEC ou servem para financiar outros empréstimos.

148    Antes de mais, no que respeita aos empréstimos a montante, a particularidade que foi adiantada pelo Reino Unido para explicar a sua exclusão das isenções em causa é o risco adicional que esse tipo de empréstimo representa para a base tributável devido à possibilidade de dedução, pela sociedade do Reino Unido que beneficiou do empréstimo, dos lucros pagos a título do empréstimo em questão.

149    A este respeito, importa referir que, embora a possibilidade de deduzir no Reino Unido os juros pagos no âmbito dos empréstimos em questão caracterize os empréstimos a montante, o facto de os lucros financeiros não comerciais provenientes dos empréstimos em questão estarem sujeitos a um encargo SEC, por força do artigo 371EB do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA, implica que funções humanas significativas ligadas a estes mesmos empréstimos foram exercidas no Reino Unido.

150    Em seguida, no que respeita aos empréstimos a terceiros, há que recordar que tais empréstimos não podem beneficiar das isenções em causa, na medida em que não são elegíveis. Com efeito, para ser elegível, o beneficiário do empréstimo em questão deve ser igualmente uma sociedade elegível, a saber, em substância, uma sociedade que faz parte do mesmo grupo que a SEC em questão.

151    É certo que, durante o processo, o Reino Unido qualificou os empréstimos concedidos pelas SEC a sociedades terceiras de «empréstimos mealheiro» ou fazendo parte de sociedades «mealheiro». Com efeito, segundo o Reino Unido e a ITV, quando uma SEC concede um empréstimo a um terceiro, esse empréstimo é constituído por excedentes de ativos monetários depositados junto de terceiros, sob a forma de um depósito bancário ou de um outro investimento seguro.

152    Porém, sublinhe‑se que estas considerações não são, elas próprias, aquelas que tornam o empréstimo não elegível. Com efeito, por força do artigo 371IG, n.o 8, da parte 9 A da TIOPA, um empréstimo não é elegível quando o beneficiário do empréstimo em questão não faz parte do grupo ao qual pertence a SEC que o autoriza.

153    De qualquer modo, refira‑se que a exclusão em questão não visa uma situação de desvio artificial de lucros que estaria ligada ao facto de o beneficiário do empréstimo na origem dos lucros em questão não pertencer ao mesmo grupo que a SEC, enquanto tal situação de desvio artificial não seria suscetível de se produzir nos casos em que o beneficiário do empréstimo em questão pertencesse ao mesmo grupo que a SEC.

154    Com efeito, quer o beneficiário do empréstimo pertença ou não ao grupo da SEC que o concede, funções humanas significativas podem ter sido exercidas no Reino Unido em relação a esse empréstimo ao passo que os lucros financeiros não comerciais gerados pelo referido empréstimo teriam sido realizados pela SEC. Assim, a pertença ou não do beneficiário do empréstimo em questão ao mesmo grupo que a SEC não tem influência nessa realização dos lucros pela SEC.

155    Por fim, o Reino Unido e a ITV referem outras exclusões da definição de empréstimos elegíveis, que são previstas pelo artigo 371IH da parte 9 A da TIOPA.

156    Assim, por força do artigo 371IH, n.o 3, da parte 9 A da TIOPA, estão excluídos da definição de empréstimos elegíveis, designadamente, as situações nas quais os juros pagos no âmbito do empréstimo em questão permitem reduzir os lucros que estão na origem de um encargo SEC. Esta exclusão é complementar da relativa aos empréstimos a montante, na medida em que, em substância, visa que as isenções em causa não sejam combinadas com deduções ou outras isenções aplicadas no Reino Unido.

157    Além disso, por força do artigo 371IH, n.o 5, da parte 9 A da TIOPA, são igualmente excluídas as situações nas quais o empréstimo concedido pela SEC permite, posteriormente, à sociedade beneficiária do empréstimo conceder outros empréstimos. Como salientaram o Reino Unido e a ITV, essa exclusão, em substância, destina‑se a que os empréstimos concedidos pela SEC sejam utilizados para financiar atividades comerciais do grupo fora do Reino Unido.

158    A este respeito, como sustenta, com a razão, a Comissão, há que sublinhar que, por muito legítimo que seja conceder uma isenção dos lucros financeiros não comerciais gerados por empréstimos que serviram para financiar as atividades do grupo no estrangeiro, a verdade é que o rendimento obtido a partir de recursos originários do Reino Unido ou a partir de funções humanas significativas exercidas no Reino Unido foi realizado pela SEC e poderia portanto ser considerado artificialmente desviado do Reino Unido, por força do capítulo 5 da TIOPA.

159    No que respeita às diferentes exclusões descritas nos n.os 147 a 157, supra, é de referir que estas visam situações nas quais, certamente, deduções adicionais no interior do Reino Unido poderiam ser feitas ou nas quais o financiamento oferecido pela SEC teria beneficiado sociedades fora do grupo cujos recursos ou funções humanas significativas, provenientes do Reino Unido, teriam sido mobilizadas para efeitos da criação e da gestão dos empréstimo em questão. Porém, em todas estas circunstâncias, as exclusões das isenções não estavam ligadas à existência de um desvio artificial de lucros em resultado de funções humanas significativas exercidas no Reino Unido.

160    Nestas circunstâncias, há que rejeitar os argumentos do Reino Unido, da ITV e da LSEGH segundo os quais essas exclusões visavam impedir que as isenções em causa sejam concedidas em situações particulares de desvio artificial de lucros.

3)      Quanto à existência de uma derrogação ao sistema de referência e quanto à comparabilidade dos operadores em questão, à luz do objetivo do referido sistema

161    A título preliminar, importa recordar que, no caso vertente, o sistema de referência em relação ao qual devem ser analisadas as isenções em causa é constituído pelas regras aplicáveis às SEC, que têm em vista a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido, ao tributar os lucros gerados por atividades e por ativos do Reino Unido que são artificialmente desviados do Reino Unido para as SEC.

162    Além disso, recorde‑se que, nas das regras aplicáveis às SEC, os lucros financeiros não comerciais realizados por estas últimas, uma vez que dizem respeito a funções humanas significativas exercidas no Reino Unido, foram considerados lucros artificialmente desviados do Reino Unido e, portanto, tributáveis por força do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA.

163    Com efeito, a existência de funções humanas significativas exercidas no Reino Unido é uma das quatro situações, previstas no capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA e resumidas no n.o 6, supra, consideradas um desvio artificial de lucros e, portanto, devendo ser tributadas no Reino Unido.

164    Por outros termos, o legislador do Reino Unido considerou que os lucros das SEC, na medida em que são gerados por funções humanas significativas exercidas no Reino Unido, dever ser aí tributados. Por esta razão, os lucros financeiros não comerciais gerados no âmbito tanto de empréstimos não elegíveis como de empréstimos elegíveis são suscetíveis de ser objeto de um encargo SEC, ao abrigo do artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA, no capítulo 5 desta última.

165    Ora, como acabou de se concluir no n.o 143, supra, impõe‑se constatar que, através da aplicação das isenções em questão, não está excluído que situações nas quais funções humanas significativas foram exercidas no Reino Unido e, portanto, consideradas constitutivas de um desvio artificial de lucros estejam parcialmente ou totalmente isentas de tributação no Reino Unido.

166    Nestas circunstâncias, o facto de isentar unicamente os lucros financeiros não comerciais das SEC provenientes dos empréstimos elegíveis poderia conduzir a um tratamento diferenciado em relação aos lucros financeiros não comerciais das SEC no âmbito de empréstimos não elegíveis, que, uma vez que não beneficiam das isenções em questão, seriam tributados por força das regras aplicáveis às SEC, na eventualidade de essas duas situações serem comparáveis, tendo em conta o objetivo das regras aplicáveis às SEC.

167    Assim, importa examinar se as sociedades tributáveis no Reino Unido que possam beneficiar das isenções em causa relativamente aos lucros financeiros não comerciais das suas SEC provenientes de empréstimos elegíveis se encontram na mesma situação que as sociedades cujas SEC realizaram lucros financeiros não comerciais gerados por empréstimos não elegíveis, tendo em conta o objetivo do sistema de referência, a saber, a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido através da tributação dos lucros artificialmente desviados.

168    Em primeiro lugar, tanto os empréstimos a montante como os empréstimos elegíveis são suscetíveis de estar sujeitos a um encargo SEC, ao abrigo do artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA, em razão das funções humanas significativas exercidas no Reino Unido no âmbito dos referidos empréstimos. Com efeito, considera‑se que ocorreu um desvio artificial de lucros devido às atividades no Reino Unido no âmbito destas duas situações, apesar de unicamente os lucros provenientes dos empréstimos elegíveis estarem isentos.

169    Com efeito, como afirma o Reino Unido, as regras aplicáveis às SEC constituem a resposta ao desvio artificial resultante da transferência de fundos para a SEC, que é efetuado num primeiro momento pela sociedade tributável no Reino Unido, fundos esses que regressarão ao Reino Unido, se for caso disso, apenas sob a forma de lucros, não tributáveis. Este raciocínio também se aplica, designadamente, às situações nas quais as funções humanas significativas são exercidas no Reino Unido para empréstimos concedidos pela SEC, que, posteriormente, realiza lucros financeiros não comerciais devido a estes empréstimos. Os lucros gerados por esses empréstimos a partir das atividades exercidas no Reino Unido regressarão a este Estado apenas sob a forma de lucros não tributáveis, e isso independentemente do facto de os beneficiários dos empréstimos em questão estarem estabelecidos no Reino Unido ou noutro Estado.

170    Assim, no que respeita aos lucros artificialmente desviados devido a atividades exercidas no Reino Unido, cuja tributação é visada pelas regras aplicáveis às SEC, os empréstimos elegíveis e os empréstimos a montante encontram‑se em situações equivalentes, independentemente do facto de que, no caso dos empréstimos a montante, a possibilidade de uma dedução no Reino Unido dos juros pagos no âmbito desses empréstimos agravar a erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido.

171    A este respeito, refira‑se que a erosão da base tributável da sociedade beneficiária do empréstimo no Reino Unido, devido às deduções por esta última dos juros pagos à SEC, é um problema distinto da erosão ligada ao desvio artificial dos lucros da sociedade do Reino Unido que seria a fonte dos fundos pagos e das funções humanas significativas exercidas no que respeita ao empréstimo em questão.

172    Por outro lado, como a Comissão acertadamente sublinhou, o risco de erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido ligada à dedução dos juros de empréstimo pode ser gerido ao nível da sociedade que dele se vale de maneira abusiva, por exemplo através de uma limitação das deduções possíveis. Tal limitação pode ser prevista, sendo caso disso, ao nível do grupo. Com efeito, como o Reino Unido reconhece, o direito fiscal desse Estado contém toda uma série de medidas que se completam, destinadas a proteger a base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido. De entre essas medidas, mencionadas pelo Reino Unido, figuram as que estabelecem um limiar à dedução dos juros de empréstimo, que impediriam que certas deduções, motivadas por razões puramente fiscais, possam ser efetuadas. Portanto, este tipo de medidas pode aplicar‑se para fazer face a deduções no âmbito dos empréstimos a montante, na medida em que estes são considerados pelas autoridades fiscais do Reino Unido como sendo artifícios circulares criados exclusivamente para poder proceder a deduções fiscais.

173    Em segundo lugar, no que respeita aos empréstimos a terceiros, refira‑se que, tendo em conta o artigo 371IG, n.o 8, da parte 9 A da TIOPA, o elemento que torna este tipo de empréstimos não elegíveis é o facto de os beneficiários dos empréstimos concedidos pela SEC que estão na origem dos lucros financeiros não comerciais em questão são terceiros que não estão ligados à SEC.

174    O Reino Unido e a ITV sublinharam o facto de que, ao passo que os fundos que permitiram financiar o empréstimo em questão poderiam ter sido conservados no Reino Unido e ter sido investidos por sociedades pertencentes ao mesmo grupo estabelecidas no Reino Unido, a fim de se assegurar de que o rendimento dos fundos excedentários regresse às sociedades estabelecidas no Reino Unido, os empréstimos a terceiros constituem mecanismos fictícios e desprovidos de objetivo económico, a fim de gerar lucros financeiros não comerciais ao nível da SEC em questão e, portanto, fora do Reino Unido.

175    Porém, como acabou de ser salientado no n.o 152, supra, o caráter pretensamente fictício dos empréstimos a terceiros e a sua pretensa falta de objetivo económico não ressaltam, enquanto exclusões, das disposições relativas às isenções em causa. Além disso, como a Comissão acertadamente sublinhou, o Reino Unido e a ITV não apresentaram elementos de prova que demonstrem que os empréstimos concedidos pelas SEC a sociedades terceiras são necessariamente mecanismos fictícios que não podem assentar em razões económicas legítimas.

176    Por outro lado, quer o beneficiário seja uma sociedade externa ao grupo ou uma sociedade do grupo ao qual pertence a SEC não altera o facto de que a transferência de fundos da sociedade estabelecida no Reino Unido para a referida SEC não gerará lucros tributáveis no Reino Unido, uma vez que o rendimento desses fundos, nos dois casos, só regressará ao Reino Unido sob a forma de dividendos não tributados. Esta última circunstância está presente nas duas situações. Assim, em resposta a esse desvio, deveria ser aplicado aos lucros um encargo SEC.

177    O mesmo raciocínio se aplica quando os lucros financeiros não comerciais, provenientes de um empréstimo, foram realizados por uma SEC recorrendo a funções humanas significativas exercidas no Reino Unido. Com efeito, considera‑se que os lucros financeiros não comerciais provenientes de um empréstimo concedido pela SEC, seja a um terceiro seja a uma sociedade do mesmo grupo, para o qual funções humanas significativas foram exercidas no Reino Unido, foram artificialmente desviados e, por esta razão, suscetíveis de ser sujeitos a um encargo SEC, por força do artigo 371EB do capítulo 5 da parte 9 A da TIOPA.

178    Portanto, no que respeita aos lucros artificialmente desviados em resultado de funções humanas significativas exercidas no Reino Unido, cuja tributação é visada pelas regras aplicáveis às SEC, os empréstimos elegíveis e os empréstimos a terceiros encontram‑se em situações equivalentes, independentemente do facto de, no caso de empréstimos a terceiros, os lucros realizados pela SEC terem sido gerados por juros pagos por um terceiro e não por uma sociedade pertencente ao mesmo grupo.

179    Em terceiro lugar, quanto às exclusões da definição de empréstimos elegíveis que visam, segundo o Reino Unido, incitar a que os empréstimos elegíveis sejam utilizados para o financiamento de atividades do grupo da SEC no exterior do Reino Unido, recorde‑se, como foi declarado no n.o158, supra, que tal exclusão não está relacionada com o facto de funções humanas significativas terem sido exercidas no Reino Unido no que respeita aos empréstimos em questão.

180    Assim, quer os empréstimos concedidos por uma SEC tenham servido ou não para financiar atividades do grupo fora do Reino Unido, nada mudaria o facto de que, uma vez que as funções humanas significativas relativas a estes empréstimos teriam sido exercidas no Reino Unido, os lucros daí decorrentes seriam considerados, por força das regras aplicáveis às SEC, artificialmente desviados do Reino Unido. Assim, à luz do objetivo das referidas regras, a saber, a proteção da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido pela tributação dos lucros artificialmente desviados, as duas situações são comparáveis.

181    Resulta do que precede que as isenções em causa, na medida em que isentam unicamente os lucros financeiros não comerciais das SEC provenientes dos empréstimos elegíveis, com exclusão dos provenientes dos empréstimos não elegíveis, conduzem a um tratamento diferenciado das duas situações, embora estas sejam comparáveis, à luz do objetivo das referidas regras, que consiste em proteger a matéria coletável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido através da tributação dos lucros artificialmente desviados.

d)      Conclusão sobre a existência de uma vantagem e de uma derrogação ao sistema de referência

182    Tendo em conta as considerações formuladas nos n.os 108, 120, 143, 160 e 181, supra, há que constatar que a Comissão não cometeu erros de apreciação quando conclui que havia uma vantagem no caso vertente e que esta era a priori seletiva, na medida em que as isenções em causa derrogavam as regras do Reino Unido aplicáveis às SEC, na medida em que introduziam um tratamento diferenciado entre sociedades tributáveis que se encontravam numa situação comparável, à luz do objetivo das referidas regras. Por conseguinte, os presentes fundamentos, assentes em tais erros, devem ser julgados improcedentes.

3.      Quanto aos fundamentos assentes em erros de apreciação relativos à existência de justificações para as isenções em causa (terceiro fundamento no processo T363/19 e quarto a sexto fundamentos no processo T456/19)

183    No âmbito dos presentes fundamentos, que assentam em argumentos que podem ser reagrupados em duas partes, o Reino Unido e a ITV alegam que a Comissão feriu a decisão impugnada de erros de apreciação ao afastar as justificações que tinham sido adiantadas em relação às isenções em causa pelo Reino Unido, a saber, por um lado, as relativas a razões de gestão administrativa (primeira parte) e, por outro, as relativas ao respeito da liberdade de estabelecimento (segunda parte).

a)      Quanto à primeira parte, baseada num erro de apreciação da justificação das medidas em causa por razões de gestão administrativa

184    O Reino Unido e a ITV, em substância, alegam que, mesmo supondo que se pode considerar que as isenções em causa tenham concedido uma vantagem a priori seletiva às sociedades que delas tiraram proveito, a Comissão cometeu um erro de apreciação na decisão impugnada ao recusar considerar que essas isenções tinham sido justificadas por razões relativas à necessidade de tornar administrável o sistema de tributação dos lucros das SEC, tendo em conta a complexidade do exercício que consiste em determinar as funções humanas significativas efetuadas no âmbito dos empréstimos intragrupo e a sua localização.

185    A Comissão contesta estes argumentos, designadamente, alegando que a justificação relativa à dificuldade de identificação das funções humanas significativas efetuadas no âmbito dos empréstimos intragrupo não foi apresentada durante o procedimento administrativo e que, de qualquer modo, através dos seus argumentos, o Reino Unido não teria apresentado nenhuma razão convincente a fim de demonstrar que haveria tal dificuldade para identificar as funções humanas significativas no âmbito dos empréstimos elegíveis, quando essa identificação seria normalmente possível e efetuada no caso dos empréstimos não elegíveis. Além disso, seria mesmo reconhecido nas orientações das autoridades fiscais do Reino Unido que as funções humanas significativas no âmbito dos empréstimos intragrupo seriam normalmente exercidas ao nível das estruturas centrais do grupo.

186    A este respeito, importa recordar que resulta da jurisprudência que uma medida que constitui uma exceção à aplicação do sistema fiscal geral pode ser justificada pela natureza e pela economia geral do referido sistema fiscal se o Estado‑Membro em causa puder demonstrar que esta medida resulta diretamente dos princípios fundadores ou diretores do seu sistema fiscal, designadamente dos mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal que são necessários à realização dos seus objetivos (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 81; de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 69; e de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.o 48).

187    Assim, foi admitido que objetivos inerentes ao sistema fiscal geral em causa podiam justificar um regime fiscal a priori seletivo (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de abril de 2004, GIL Insurance e o., C‑308/01, EU:C:2004:252, n.os 74 a 76, e de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.os 64 a 76), designadamente objetivos ligados ao funcionamento próprio do regime fiscal em questão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2018, A‑Brauerei, C‑374/17, EU:C:2018:1024, n.os 50 a 53).

188    Em primeiro lugar, refira‑se que, nas observações apresentadas em 15 de janeiro de 2018 na sequência da decisão da Comissão de instaurar um procedimento formal de investigação, o Reino Unido alegou que, admitindo que se considere que as regras aplicáveis às SEC incluem disposições derrogatórias do sistema de referência, essas disposições eram justificadas designadamente pela necessidade de instituir regras que possam ser facilmente aplicadas, evitando dever efetuar um exercício complexo que consiste em identificar as funções humanas significativas exercidas no âmbito dos empréstimos em questão.

189    Em segundo lugar, embora seja certo que resulta das respostas à consulta levada a cabo pelas autoridades do Reino Unido antes da adoção das regras aplicáveis às SEC que, designadamente, a proposta relativa a uma isenção parcial de 75 % foi maioritariamente apoiada em razão da sua simplicidade e da sua facilidade de aplicação, o Reino Unido não forneceu elementos de prova que permitam quantificar os custos administrativos que correspondem à identificação e à localização das funções humanas significativas no âmbito dos empréstimos intragrupo.

190    Com efeito, no âmbito do procedimento administrativo, o Reino Unido limitou‑se a afirmar que o facto de prever mecanismos automáticos, como a percentagem de isenção de 75 %, tornava a aplicação das regras relativas às SEC mais simples. Ora, tratando‑se especificamente da identificação e da localização das funções humanas significativas exercidas no âmbito dos empréstimos intragrupo, o Reino Unido limitou‑se a indicar que se tratava de um exercício oneroso, sem apresentar outros elementos concretos de prova que sustentassem a sua afirmação.

191    Além disso, ainda que os documentos da consulta prévia à adoção das regras aplicáveis às SEC, que foram juntos aos autos dos presentes processos, contenham respostas favoráveis à isenção automática proposta, as referidas respostas assentam em afirmações gerais. Além disso, o seu alcance é limitado, na medida em que é evidente que uma isenção automática é mais simples de gerir tanto no que diz respeito à administração fiscal como no que diz respeito aos sujeitos passivos do imposto do que uma situação na qual as condições para beneficiar de tal isenção devem ser provadas e verificadas. Tais afirmações não são suficientes para provar que o exame caso a caso a fim de estabelecer se lucros das SEC foram artificialmente desviados do Reino Unido em resultado de funções humanas significativas exercidas nesse Estado implicaria formalidades complexas, onerosas e vinculativas, a ponto de tornar o sistema ingerível sob o plano administrativo.

192    Ora, como foi indicado no n.o 186, supra, incumbe ao Estado‑Membro que invoca que medidas a priori seletivas são justificadas demonstrar que essas medidas resultam diretamente dos princípios fundadores ou diretores do seu sistema fiscal.

193    Por outro lado, como foi salientado no n.o133, supra, as autoridades fiscais do Reino Unido reconheceram que, para os grandes empréstimos e de longo prazo, financiados por fundos próprios, esperava‑se geralmente que, na maior parte dos casos, a gestão dos referidos empréstimos correspondesse à função de financiamento de um grupo e que a experiência tinha demonstrado que este tipo de empréstimos era planificado e gerido ao nível das estruturas centrais do grupo. Com efeito, tal consideração é reveladora do facto de que, para uma grande parte dos empréstimos intragrupo, a questão da identificação e da localização das funções humanas significativas nem sequer se coloca, uma vez que é possível presumir que estas foram exercidas de maneira centralizada no Reino Unido.

194    Em terceiro lugar, no que respeita mais particularmente à isenção parcial de 75 % dos lucros financeiros não comerciais, como afirma acertadamente a Comissão, não foi demonstrado através de elementos de prova em que medida a percentagem de 75 % de isenção era necessária ou adequada nos casos em que um encargo SEC teria sido exigível com base no critério geral das funções humanas significativas exercidas no Reino Unido. Além disso, nenhum elemento de prova foi apresentado para demonstrar a pertinência do ratio dívidas‑fundos próprios, que teria estado na origem de tal percentagem, para responder à questão relativa à dificuldade de identificar e de localizar as funções humanas significativas exercidas no âmbito dos empréstimos intragrupo geradores de lucros financeiros não comerciais.

195    Se, porém, se devesse admitir que existe, no âmbito das SEC, risco de sobrecapitalização e que a tributação no Reino Unido de 25 % dos seus lucros financeiros não comerciais seria eficaz para fazer face a esse risco, o Reino Unido e a ITV reconheceram, nas suas respostas às perguntas do Tribunal Geral que esse risco de sobrecapitalização existia independentemente da existência dos empréstimos intragrupo que estavam na origem dos lucros financeiros não comerciais realizados pelas SEC.

196    Nestas circunstâncias, há que rejeitar a primeira parte dos presentes fundamentos, baseada em erros de apreciação relativos à justificação das isenções em causa por razões de gestão administrativa.

b)      Quanto à segunda parte, baseada num erro de apreciação sobre a justificação relativa à necessidade de respeitar a liberdade de estabelecimento

197    O Reino Unido e ITV sustentam que, na decisão impugnada, a Comissão cometeu um erro de apreciação ao recusar declarar que as isenções em causa eram inteiramente justificadas na medida em que tinham em vista o respeito da liberdade de estabelecimento. O Reino Unido considera ter adotado uma abordagem razoável a fim de se conformar com o Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544), uma vez que a distinção entre os empréstimos elegíveis e os empréstimos não elegíveis assenta precisamente no caráter artificial destes últimos, designadamente no que respeita aos mecanismos ditos «transações mealheiro» e aos empréstimos a montante.

198    A Comissão contesta os argumentos do Reino Unido e da ITV.

199    Recorde‑se que o sistema fiscal do Reino Unido assenta no princípio da territorialidade e que, segundo esse princípio, os lucros realizados pelas SEC não são tributados neste Estado. Todavia, no caso de os lucros serem na realidade atribuíveis a uma entidade residente no Reino Unido que esteve na origem dos fundos ou das funções humanas significativas exercidas no âmbito dos empréstimos que geraram esses lucros, considera‑se que estes foram artificialmente desviados e que, portanto, são tributáveis no Reino Unido, através de um encargo SEC. Assim descrito, este sistema não pode ser considerado constitutivo de um entrave à liberdade de estabelecimento.

200    Com efeito, nos n.os 72 e 73 do Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544), o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que a legislação sobre as SEC limitava a aplicação da tributação aos mecanismos puramente artificiais, era compatível com os artigos 49.o e 54.o TFUE, que garantem a liberdade de estabelecimento.

201    Nestas circunstâncias, embora, por força do artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA, um encargo SEC esteja previsto para os lucros provenientes de empréstimos, no âmbito dos quais foi determinado que funções humanas significativas tinham sido exercidas no Reino Unido e que, por essa razão, esses lucros deveriam ser considerados artificialmente desviados, a imposição de tal encargo não pode ser considerada constitutiva de um entrave à liberdade de estabelecimento, por força da jurisprudência recordada no n.o 200, supra. Por conseguinte, a isenção da referida tributação não pode ser justificada para assegurar a liberdade de estabelecimento.

202    Nestas circunstâncias, há que rejeitar a segunda parte dos presentes fundamentos, relativa a um erro de apreciação quanto à justificação baseada na necessidade de respeitar a liberdade de estabelecimento e, portanto, os referidos fundamentos, na sua totalidade.

203    Portanto, há que concluir que foi sem cometer erros de apreciação que a Comissão considerou que as isenções em causa conferiam aos seus beneficiários uma vantagem seletiva e, por conseguinte, rejeitar os fundamentos correspondentes.

4.      Quanto ao fundamento relativo a um erro de apreciação quanto à afetação das trocas comerciais entre os EstadosMembros (quarto fundamento no processo T363/19)

204    O Reino Unido alega, em substância, que a Comissão cometeu um erro de apreciação ao não demonstrar que, no caso vertente, os grupos multinacionais foram incitados a reafetar funções de financiamento do grupo devido às isenções em causa e, portanto, que as trocas comerciais entre Estados‑Membros foram afetadas pelas medidas em causa.

205    A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, quanto ao requisito da afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros, referido no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão não está obrigada a demonstrar que uma medida estatal tem uma incidência real nessas trocas comerciais nem tão‑pouco que cria uma distorção efetiva da concorrência. Deve apenas demonstrar que a referida medida é suscetível de produzir tais efeitos (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português, C‑667/13, EU:C:2015:151, n.o 46 e jurisprudência referida).

206    Assim, foi declarado que, quando um auxílio concedido por um Estado‑Membro reforça a posição de uma empresa relativamente à de outras empresas concorrentes nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, deve considerar‑se que essas trocas foram influenciadas por esse auxílio (Acórdão de 14 de janeiro de 2015, Eventech, C‑518/13, EU:C:2015:9, n.o 66).

207    A este respeito, resulta do n.o 182, supra, que a Comissão concluiu corretamente que as isenções em causa constituíam uma vantagem seletiva que beneficiava as sociedades que dela tinham tirado proveito. Nestas circunstâncias, há que validar igualmente a apreciação da Comissão segundo a qual essa vantagem é suscetível de ter incidência nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, pelo facto de reforçar a posição das sociedades beneficiárias. Além disso, essa vantagem seletiva é suscetível de afetar decisões de reafetação de capitais e de atividades no interior dos grupos multinacionais estabelecidos no interior da União, e mais particularmente as funções de tesouraria.

208    Além disso, contrariamente ao que alega o Reino Unido, a Comissão não tem de provar fluxos concretos de movimentos por grupos internacionais, nem de comparar os diferentes sistemas fiscais vigentes na União, quando consiga demonstrar a existência de uma vantagem que é suscetível de reforçar a posição concorrencial dos seus beneficiários, na aceção da jurisprudência referida no n.o 205, supra.

209    Nestas condições, o presente fundamento, relativo a um erro de apreciação quanto à afetação das trocas comerciais entre Estados‑Membros, deve ser afastado.

5.      Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da não discriminação (sétimo fundamento no processo T456/19)

210    A ITV acusa a Comissão de ter violado o princípio da não discriminação na medida em que aplicou a outras operações de financiamento intragrupo, designadamente no âmbito de duas decisões anteriores, um tratamento mais favorável sob o ângulo dos auxílios de Estado do que o que resultaria da sua posição no caso vertente.

211    A Comissão contesta estes argumentos alegando que, no caso vertente, demonstrou de maneira adequada a existência de uma violação das regras relativas aos auxílios de Estado e que, em qualquer caso, as decisões invocadas pela ITV diziam respeito a situações distintas da do caso vertente.

212    Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 14 de abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, EU:C:2005:223, n.o 71 e jurisprudência referida).

213    Importa igualmente salientar que é unicamente no âmbito do artigo 107.o TFUE que deve ser apreciada a legalidade de uma decisão da Comissão que declara que uma medida estatal constitui um auxílio de Estado e não à luz da sua prática decisória anterior. Com efeito, o conceito de auxílio de Estado corresponde a uma situação objetiva que é apreciada na data em que a Comissão toma a sua decisão. Assim, as razões pelas quais a Comissão tinha feito uma apreciação diferente da situação numa decisão anterior devem ser irrelevantes para a apreciação da legalidade da decisão recorrida (Acórdãos de 17 de julho de 2014, Westfälisch‑Lippischer Sparkassen‑ und Giroverband/Comissão, T‑457/09, EU:T:2014:683, n.o 368; e de 11 de dezembro de 2014, Áustria/Comissão, T‑251/11, EU:T:2014:1060, n.o 125).

214    Assim, o facto de a Comissão ter reconhecido, no âmbito de outras decisões, a existência de diferenças entre os empréstimos intragrupo e os empréstimos entre sociedades terceiras não implica, em si, que, no caso vertente, a existência de uma vantagem seletiva não possa ser constatada.

215    Com efeito, tal conclusão deve assentar numa análise detalhada da tributação considerada normal no Estado em causa e na questão de saber se, em razão da medida estatal em questão, houve uma derrogação da referida tributação que introduziu diferenciações entre operadores que se encontram, tendo em conta o objetivo conferido ao sistema fiscal pertinente, numa situação factual e jurídica comparável.

216    Por outro lado, como acertadamente sustenta a Comissão, a comparabilidade entre operadores deve ser feita precisamente à luz do objetivo do sistema em causa. Portanto, tendo em conta, designadamente, o facto de que o objetivo dos sistemas em causa em cada uma das decisões da Comissão era diferente, nenhuma conclusão pode ser retirada das eventuais diferenças na apreciação da Comissão no âmbito das decisões invocadas pela ITV e na do caso vertente.

217    Daqui resulta que a ITV não se pode apoiar utilmente na solução à qual chegou a Comissão noutras decisões para daí deduzir que o princípio da não descriminação foi violado no caso vertente.

218    Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da não discriminação.

6.      Quanto ao fundamento relativo a um erro de direito resultante da aplicação, por analogia, das disposições da Diretiva 2016/1164 (oitavo fundamento no processo T456/19)

219    A ITV alega que a Comissão se baseou, erradamente, ainda que fosse apenas por analogia, na Diretiva 2016/1164. Com efeito, esta diretiva só entrou em vigor em 1 de janeiro de 2019 e não é, portanto, aplicável ratione temporis no caso vertente. Além disso, a referida diretiva não aborda especificamente a questão da determinação das funções humanas significativas no âmbito dos financiamentos intragrupo.

220    É certo que, na decisão impugnada, a Comissão se referiu à Diretiva 2016/1164, designadamente no considerando 38, quando indicou que a alteração das regras aplicáveis às SEC, que teve lugar em 2019, tinha sido anunciada como visando implementar a Diretiva 2016/1164. Além disso, a Comissão descreve em termos gerais o alcance da Diretiva 2016/1164, no âmbito da sua descrição do contexto regulamentar internacional e da União que figura na secção 2.4 da decisão impugnada, a fim de ilustrar que numerosos Estados, incluindo no interior da União, se tinham dotado de regras relativas às SEC para impedir a transferência de lucros para filiais estrangeiras sujeitas a uma tributação baixa. Por outro lado, a Comissão incluiu uma citação expressa do artigo 7.o da referida diretiva, disposição à qual foi feita alusão posteriormente na nota n.o 86 da decisão impugnada.

221    Porém, estas alusões à Diretiva 2016/1164 são contextuais e destinam‑se unicamente a descrever o critério de atribuição de rendimentos referente às funções humanas significativas, de maneira geral. Em contrapartida, para efeito das suas conclusões na decisão impugnada, a Comissão baseou‑se nas regras aplicáveis às SEC no Reino Unido, que preveem, designadamente no artigo 371EB da parte 9 A da TIOPA, tal critério baseado nas funções humanas significativas.

222    Portanto, contrariamente ao que sustenta a ITV, uma vez que a Comissão não baseou a decisão impugnada na Diretiva 2016/1164, a legalidade desta decisão não pode ser posta em causa com fundamento na referida diretiva.

223    Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente o fundamento relativo a um erro de direito resultante da aplicação por analogia das disposições da Diretiva 2016/1164.

7.      Quanto ao segundo fundamento relativo, em substância, a erros de apreciação relativos à identificação da ITV, enquanto beneficiária do regime controvertido, e à obrigação de recuperação dos auxílios concedidos no âmbito desse regime, ordenada pela Comissão na decisão impugnada (nono fundamento no processo T456/19)

224    Em substância, a ITV acusa a Comissão de ter erroneamente identificado uma categoria de beneficiários, na qual ela estava incluída, pelo simples facto de estes terem tido proveito das isenções em causa e de terem ordenado a recuperação dos auxílios junto dessa categoria de beneficiários sem prever uma derrogação dessa recuperação, para os casos nos quais nenhuma vantagem seletiva foi recebida, como foi o seu caso. Com efeito, o grupo ao qual a ITV pertence adaptou a sua estrutura de financiamento, a fim de poder tirar proveito das isenções em causa, e isto unicamente por razões de simplificação administrativa. Ora, o montante do imposto devido pela ITV não foi inferior ao que lhe seria aplicado se não tivesse procedido a tal adaptação da sua estrutura e se não tivesse tirado proveito das isenções em causa.

225    A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, no caso de um regime de auxílios, a Comissão se pode limitar a estudar as características do regime em causa para apreciar, nos fundamentos da decisão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem sensível aos beneficiários relativamente aos seus concorrentes e é suscetível de beneficiar essencialmente empresas que participam nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, a Comissão, numa decisão que tem por objeto esse regime, não é obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com fundamento em tal regime. É apenas na fase de recuperação dos auxílios que será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (v. Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63 e jurisprudência referida).

226    No caso vertente, na medida em que a Comissão identificou um regime de auxílios, não é obrigada a identificar, para cada beneficiário, o alcance da vantagem recebida.

227    Portanto, ao invocar as particularidades da sua própria situação, a ITV não pode contestar a legalidade da decisão impugnada na medida em que ordenou a recuperação junto dos beneficiários do regime de auxílios em causa. Com efeito, só no âmbito do processo de recuperação, na sequência da decisão impugnada, é que o Reino Unido teve de iniciar a análise de cada situação individual e, sendo caso disso, o cálculo da vantagem de que teria efetivamente podido beneficiar cada sociedade, e isto com base nas indicações dadas pela Comissão na decisão impugnada.

228    De qualquer modo, a ITV não pode invocar o facto de que apresentou pedidos de isenção apenas por razões de simplicidade administrativa. Com efeito, recorde‑se que o conceito de auxílio de Estado é um conceito objetivo e que, na medida em que a Comissão demonstrou que uma vantagem seletiva foi concedida a beneficiários colocados numa situação comparável à de outras sociedades que se encontram em circunstâncias de facto e de direito comparáveis, o auxílio em questão deve ser recuperado. Por conseguinte, os motivos que conduziram uma sociedade a invocar o auxílio em questão, assim como o facto de essa sociedade ter podido invocar outras disposições do sistema aplicável, não têm pertinência para efeito do exame da legalidade da decisão que ordena a recuperação do auxílio em questão.

229    Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente o fundamento invocado pela ITV, relativo a um erro de apreciação quanto à sua identificação enquanto beneficiário do regime de auxílios controvertido e à obrigação de recuperação ordenada pela Comissão na decisão impugnada.

8.      Conclusão geral

230    Tendo sido julgados improcedentes todos os fundamentos invocados pelas partes, há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

231    Nos termos do n.o 1 do artigo 134.o do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino Unido e a ITV sido vencidos, respetivamente, no processo T‑363/19 e no processo T‑456/19, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas relativas a estes processos, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com os pedidos desta última.

232    Além disso, nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 deste artigo suporte as suas próprias despesas. No presente caso, há que decidir que a LSEGH suportará as suas próprias despesas.

233    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Reino Unido suportará as suas próprias despesas relativas ao processo T‑456/19.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

decide:

1)      Os processos T363/19 e T456/19 são apensados para efeitos do presente acórdão.

2)      É negado provimento aos recursos.

3)      O Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte suportará, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão Europeia no processo T363/19.

4)      A ITV suportará, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão no processo T456/19.

5)      A LSEGH (Luxembourg) Ltd e London Stock Exchange Group Holdings (Italy) Ltd suportarão as suas próprias despesas.

6)      O Reino Unido suportará as suas próprias despesas no processo T456/19.

Papasavvas

Tomljenović

Schalin

Škvařilová‑Pelzl

 

      Nõmm

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em.

Assinaturas



Índice



*      Língua do processo: inglês.