Language of document : ECLI:EU:C:2024:292

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

11 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Trabalhadores migrantes — Prestações familiares — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 3.o — Prestações por doença — Âmbito de aplicação — Subsídio de licença de familiar cuidador — Nacional de um Estado‑Membro que reside e trabalha noutro Estado‑Membro e que presta cuidados a um membro da sua família no primeiro Estado‑Membro — Caráter acessório ao subsídio de dependência — Artigo 4.o — Igualdade de tratamento»

No processo C‑116/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), por Decisão de 23 de fevereiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2023, no processo

XXXX,

sendo interveniente:

Sozialministeriumservice,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen, presidente de secção, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de XXXX, por K. Mayr e D. Menkovic, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Austríaco, por J. Schmoll e C. Leeb, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Clotuche‑Duvieusart e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.o TFUE, do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 3.o, 4.o, 7.o e 21.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1), bem como do princípio da efetividade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe XXXX ao Sozialministeriumservice (Serviço do Ministério dos Assuntos Sociais, Áustria) (a seguir «Serviço do Ministério») a respeito da recusa deste último em conceder a XXXX um subsídio de licença de familiar cuidador.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 883/2004

3        Os considerandos 8, 9, 12 e 16 do Regulamento n.o 883/2004 têm a seguinte redação:

«(8)      O princípio geral da igualdade de tratamento é particularmente importante para os trabalhadores que não residem no Estado‑Membro em que exercem a sua atividade, nomeadamente os trabalhadores fronteiriços.

(9)      O Tribunal de Justiça pronunciou‑se em diversas ocasiões sobre a possibilidade de igualdade de tratamento em matéria de prestações, de rendimentos e de factos. Este princípio deverá ser adotado explicitamente e desenvolvido, no respeito pela substância e pelo espírito das decisões judiciais.

[…]

(12)      Atendendo ao princípio da proporcionalidade, importa evitar que o princípio da equiparação de factos ou acontecimentos conduza a resultados objetivamente injustificados ou à cumulação de prestações da mesma natureza pelo mesmo período.

[…]

(16)      No interior da Comunidade, não se justifica, em princípio, fazer depender os direitos em matéria de segurança social do lugar de residência dos interessados. Todavia, em casos específicos, nomeadamente no que respeita a prestações especiais que estão relacionadas com o contexto económico e social do interessado, o lugar de residência pode ser tido em conta.»

4        O artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

a)      Prestações por doença;

[…]

h)      Prestações por desemprego;

[…]»

5        O artigo 4.o do referido regulamento enuncia:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as pessoas a quem o presente regulamento se aplica beneficiam dos direitos e ficam sujeitas às obrigações da legislação de qualquer Estado‑Membro nas mesmas condições que os nacionais desse Estado‑Membro.»

6        O artigo 5.o do mesmo regulamento dispõe:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento e tendo em conta as disposições especiais de aplicação, aplicam‑se as seguintes disposições:

a)      Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, o benefício das prestações de segurança social e de outros rendimentos produzir determinados efeitos jurídicos, as disposições relevantes dessa legislação são igualmente aplicáveis em caso de benefício de prestações equivalentes auferidas ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro ou de rendimentos auferidos noutro Estado‑Membro;

b)      Se, nos termos da legislação do Estado‑Membro competente, forem atribuídos efeitos jurídicos à ocorrência de certos factos ou acontecimentos, esse Estado‑Membro deve ter em conta os factos ou acontecimentos semelhantes correspondentes ocorridos noutro Estado‑Membro, como se tivessem ocorrido no seu próprio território.»

7        Nos termos do artigo 7.o do Regulamento n.o 883/2004:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, as prestações pecuniárias devidas nos termos da legislação de um ou mais Estados‑Membros ou do presente regulamento não devem sofrer qualquer redução, modificação, suspensão, supressão ou apreensão pelo facto de o beneficiário ou os seus familiares residirem num Estado‑Membro que não seja aquele em que se situa a instituição responsável pela concessão das prestações.»

8        O artigo 11.o deste regulamento dispõe:

«1.      As pessoas a quem o presente regulamento se aplica apenas estão sujeitas à legislação de um Estado‑Membro. Essa legislação é determinada em conformidade com o presente título.

[…]

3.      Sem prejuízo dos artigos 12.o a 16.o:

a)      A pessoa que exerça uma atividade por conta de outrem ou por conta própria num Estado‑Membro está sujeita à legislação desse Estado‑Membro;

[…]»

9        O artigo 21.o do referido regulamento prevê:

«1.      Uma pessoa segurada e os seus familiares que residam ou tenham estada num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente têm direito a prestações pecuniárias da instituição competente, de acordo com a legislação por ela aplicada. Todavia, mediante acordo entre a instituição competente e a instituição do lugar de residência ou de estada, essas prestações podem ser concedidas pela instituição do lugar de residência ou de estada, a cargo da instituição competente, de acordo com a legislação do Estado‑Membro competente.

[…]»

 Regulamento (UE) n.o 492/2011

10      O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1), dispõe:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.      O trabalhador referido no n.o 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»

 Direito austríaco

 AVRAG

11      O § 14a, n.o 1, da Arbeitsvertragsrechts‑Anpassungsgesetz (Lei relativa à Adaptação do Direito dos Contratos de Trabalho, BGBl. 459/1993), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «AVRAG»), prevê:

«O trabalhador pode exigir, por escrito, uma redução da duração normal do trabalho, uma mudança de horário de trabalho ou uma licença sem vencimento para acompanhar um familiar próximo […] em fim de vida por um período determinado, não superior a três meses, precisando o início e a duração, mesmo que o trabalhador e o familiar próximo não façam parte do mesmo agregado familiar. […]»

12      O § 14c, n.o 1, desta lei tem a seguinte redação:

«Na condição de a relação de trabalho ter atingido uma duração de três meses sem interrupção, o trabalhador e a entidade patronal podem acordar por escrito uma licença de familiar cuidador sem vencimento, com a duração de um a três meses, a fim de que o trabalhador possa cuidar ou prestar assistência a um familiar próximo, na aceção do § 14a, que, à data do início da licença de familiar cuidador, receba um subsídio de dependência de nível 3 ou superior em aplicação do § 5 da Bundespflegegeldgesetz [(Lei Federal relativa ao Subsídio de Dependência, BGBl. 110/1993), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir “BPGG”)]. […]»

 BPGG

13      O § 3a da BPGG tem a seguinte redação:

«1.      Podem pedir o subsídio de dependência, nos termos da presente lei, sem sequer beneficiarem de uma prestação de base referida no § 3, n.os 1 e 2, os nacionais austríacos cuja residência habitual se situe em território nacional, a menos que outro Estado‑Membro seja competente para as prestações de cuidados de saúde nos termos do Regulamento [n.o 883/2004] […]

2.      São equiparados a nacionais austríacos:

1)      os estrangeiros não abrangidos por nenhum dos pontos seguintes, desde que uma igualdade de tratamento resulte das convenções internacionais ou do direito da União, ou

[…]

3)      as pessoas com direito de residência ao abrigo do direito da União […]

[…]»

14      Nos termos do § 21c da BPGG:

«1.      As pessoas que tiverem acordado uma licença de familiar cuidador que preste auxílio nos termos do § 14c da AVRAG […] beneficiam, durante a licença de familiar cuidador, mas por um período máximo de três meses, de um subsídio de licença de familiar cuidador em aplicação das disposições da presente secção. […] O subsídio de licença de familiar cuidador é um direito.

2.      Antes de poder pedir o subsídio de licença de familiar cuidador, a pessoa em licença deve ter sido segurada, a título da relação de emprego entretanto suspensa, durante um período ininterrupto de três meses […] beneficiando de uma cobertura total […]. Salvo disposição em contrário da presente lei ou de um decreto adotado com fundamento no n.o 5, o subsídio de licença de familiar cuidador é devido até ao montante de base do subsídio de desemprego […]

3.      As pessoas que, para acompanhar um familiar próximo em fim de vida ou um filho gravemente doente, tiram uma licença de solidariedade familiar

1)      em aplicação do § 14a ou do § 14b da AVRAG […]

[…]

beneficiam, durante a licença de solidariedade familiar, de um subsídio de licença de familiar cuidador em aplicação da presente secção. […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      O recorrente no processo principal, um nacional italiano que reside e trabalha na Áustria desde 2013, acordou com a sua entidade patronal, em conformidade com o § 14c, n.o 1, da AVRAG, uma licença de familiar cuidador para o período compreendido entre 1 de maio de 2022 e 13 de junho de 2022, a fim de cuidar do seu pai, que residia em Itália.

16      Em 10 de maio de 2022, o recorrente apresentou no Serviço do Ministério um pedido de subsídio de licença de familiar cuidador, com fundamento no § 21c, n.o 1, da BPGG, para o período compreendido entre 10 de maio de 2022 e 13 de junho de 2022, em razão dos cuidados permanentes que o estado de saúde do seu pai exigia. Este, que parecia beneficiar de um subsídio de dependência ao abrigo da legislação italiana, apresentava um estado de dependência que lhe teria conferido direito, se tivesse tido a sua residência habitual na Áustria, a um subsídio de dependência de nível 3, com fundamento no § 3a da BPGG.

17      O pai do recorrente no processo principal faleceu em 29 de maio de 2022.

18      Por Decisão de 7 de junho de 2022, o Serviço do Ministério indeferiu o pedido do recorrente no processo principal, com o fundamento de que o seu pai não recebia qualquer subsídio de dependência ao abrigo do direito austríaco, ao passo que o pagamento desse subsídio à pessoa que recebia os cuidados era uma condição necessária para que a pessoa que prestava os cuidados beneficiasse do subsídio de licença de familiar cuidador, nos termos da legislação austríaca aplicável.

19      Em 7 de julho de 2022, o recorrente no processo principal interpôs recurso dessa decisão para o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria), que é o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que o subsídio de licença de familiar cuidador não tem caráter acessório ao subsídio de dependência, na medida em que este último é concedido e pago à pessoa que recebe os cuidados, ao passo que o subsídio de licença de familiar cuidador é concedido e pago à pessoa que presta os cuidados. Este último subsídio constitui assim um auxílio social em benefício da pessoa que presta os cuidados pelo que a concessão do subsídio é determinada pelo local de trabalho desta. Com efeito, deveria considerar‑se que tal subsídio é uma «prestação por doença», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004. Por conseguinte, uma vez que trabalha na Áustria, o recorrente no processo principal considera que a legislação austríaca que prevê este subsídio lhe é aplicável no caso sub judice, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, alínea a), deste regulamento, e que deve beneficiar do referido subsídio, que tem a natureza de uma prestação pecuniária, mesmo que o recorrente resida noutro Estado‑Membro, em aplicação do artigo 21.o, n.o 1, do referido regulamento.

20      Por outro lado, o recorrente no processo principal sustenta que a interpretação contida na Decisão de 7 de junho de 2022 do Serviço do Ministério exclui, no essencial, do benefício do subsídio de licença de familiar cuidador os cidadãos da União Europeia que não têm a nacionalidade austríaca, uma vez que só estes são geralmente suscetíveis de ter pais que residam fora do território austríaco. Esta interpretação constitui, assim, uma discriminação indireta dos trabalhadores migrantes ou, no mínimo, uma restrição à livre circulação dos trabalhadores, contrária ao artigo 45.o TFUE e ao artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

21      O órgão jurisdicional de reenvio observa, em primeiro lugar, que, ainda que as partes no litígio no processo principal estejam de acordo em qualificar o subsídio de licença de familiar cuidador como «prestação por doença», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, é igualmente concebível que este subsídio tenha o caráter de um subsídio por interrupção temporária do trabalho, o que justifica que seja considerado um subsídio de desemprego.

22      Em segundo lugar, no que respeita à qualificação do subsídio de licença de familiar cuidador como «prestação pecuniária», esse órgão jurisdicional remete para a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as prestações pagas à pessoa que presta os cuidados são consideradas «prestações por doença» por força do Regulamento n.o 883/2004. Uma vez que o subsídio em causa é concedido à pessoa que presta os cuidados, mas que beneficia, definitivamente, a pessoa que recebe os cuidados, tal subsídio deveria, por conseguinte, ser qualificado não como «prestação pecuniária» mas como «prestação em espécie», que é devido unicamente para cuidar de pessoas que residam na Áustria. Porém, seria igualmente possível considerar que este subsídio é abrangido não pelo Regulamento n.o 883/2004, mas pelo estatuto do prestador de cuidados à luz do direito do trabalho, o que teria como consequência que o subsídio seria devido se a pessoa que presta os cuidados preenchesse as condições do § 21c, n.o 1, da BPGG, independentemente do local de residência da pessoa que recebe os cuidados.

23      Em terceiro lugar, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se o facto de o recorrente no processo principal ter exercido o seu direito à livre circulação há dez anos, ao instalar‑se na Áustria, tem incidência na aplicação do Regulamento n.o 883/2004 e se, por conseguinte, a recusa de lhe conceder o subsídio de licença de familiar cuidador não obsta ao exercício desse direito à livre circulação.

24      Em quarto lugar, no que respeita à exigência prevista no § 3a da BPGG, segundo o qual o benefício do subsídio de dependência austríaco é reservado às pessoas que recebem os cuidados que tenham a sua residência habitual no território austríaco, o mesmo órgão jurisdicional observa que é naturalmente mais fácil os nacionais austríacos preencherem este critério do que os nacionais de outros Estados‑Membros como, no caso sub judice, o pai do recorrente no processo principal, que residia em Itália e, ao que parece, recebia um subsídio de dependência italiano. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a existência de uma discriminação indireta, na aceção do artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, baseada na nacionalidade, mas também no local de residência, uma vez que a obrigação, para beneficiar do subsídio de licença de familiar cuidador, de que a pessoa que recebe os cuidados receba um subsídio de dependência austríaco de nível 3 ou superior afetaria mais os trabalhadores migrantes, como o recorrente no processo principal, do que os nacionais austríacos, cujos pais têm, regra geral, a sua residência habitual na Áustria.

25      Em quinto lugar, esse órgão jurisdicional procura saber, tendo em conta a jurisprudência do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo, Áustria), da qual resulta que qualquer organismo de segurança social deve proceder à apreciação dos pedidos num espírito de aplicação social do direito favorável ao segurado, em que medida se deve ter em conta o facto de o recorrente no processo principal preencher as condições de pagamento de outra prestação nacional mais favorável, a saber, o subsídio de licença de solidariedade familiar previsto no § 21c, n.o 3, da BPGG, que não depende do pagamento à pessoa que recebe os cuidados, de uma prestação de dependência austríaca. O referido órgão jurisdicional pergunta se, apesar de esta jurisprudência não ser aplicável ao Serviço Do Ministério, que não tem a natureza de um organismo de segurança social, e de o recorrente no processo principal não ter pedido o benefício desse subsídio de licença de solidariedade familiar, a situação em causa não revela uma discriminação indireta, contrária, nomeadamente, ao artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e ao artigo 7.o da Carta.

26      Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O subsídio durante o período da licença para assistência constitui uma prestação por doença, na aceção do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 ou eventualmente outra prestação referida nesse mesmo artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004?

2)      Caso o subsídio durante o período da licença para assistência constitua uma prestação por doença, trata‑se de uma prestação pecuniária, na aceção do artigo 21.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004?

3)      O subsídio durante o período da licença para assistência constitui uma prestação a favor da pessoa que presta ou da pessoa que carece da assistência?

4)      O âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.o 883/2004 abrange o caso de um requerente [junto do Serviço do Ministério] de subsídio durante o período da licença para assistência, que é cidadão italiano mas que reside permanentemente na Áustria, no Land Oberösterreich (Alta Áustria), desde 28 de junho de 2013, que trabalha permanentemente no mesmo Land e para a mesma entidade patronal, desde 1 de julho de 2013 — não havendo, portanto, nenhum elemento que indique uma atividade transfronteiriça —, que acorda com a sua entidade patronal, para o período relevante nos autos, ou seja, entre 1 de maio de 2022 e 13 de junho de 2022, uma licença para assistência para cuidar do seu pai, que é cidadão italiano e que reside permanentemente em Itália (Sassuolo), e que pede à entidade demandada o pagamento de subsídio durante o período da licença para assistência?

5)      O artigo 7.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 e/ou a proibição da discriminação, nas suas várias manifestações no direito da União [por exemplo, no artigo 18.o TFUE, no artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 e semelhantes], opõem‑se a um regime jurídico nacional que faz depender a concessão do subsídio durante o período da licença para assistência do facto de a pessoa que carece da assistência receber o subsídio para assistência austríaco de nível 3 ou superior?

6)      O princípio da efetividade, consagrado no direito da União, e/ou a proibição da discriminação, nas suas várias manifestações no direito da União [por exemplo, no artigo 18.o TFUE, no artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e semelhantes], opõem‑se à aplicação, num caso como o presente, de um regime jurídico nacional e/ou de uma jurisprudência nacional constante que não preveem nenhuma margem para a convolação de um “requerimento para a concessão de [um] subsídio durante o período da licença para assistência” em “requerimento para a concessão de um subsídio durante a licença para assistência a familiares em fim de vida” por, justamente, ter sido utilizado o formulário de “requerimento para a concessão de um subsídio durante o período da licença para assistência” e não de “requerimento para a concessão de um subsídio durante a licença para assistência a familiares em fim de vida” e ter também sido celebrado com a entidade patronal um acordo que contém referência inequívoca a “assistência a familiares próximos” e não a “cuidados terminais”— apesar de a matéria de facto que esteve na base do acordo (considerando‑se aqui que o pai do demandante, que carecia de assistência, acabou por falecer) preencher também, em termos gerais, os pressupostos do subsídio durante a licença para assistência a familiares em fim de vida, se tivesse sido celebrado outro acordo com a entidade patronal e se tivesse sido apresentado outro requerimento aos serviços competentes?

7)      O artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 ou outra disposição do direito da União (por exemplo, o artigo 7.o da [Carta] opõem‑se a um regime jurídico nacional (§ 21c, n.o 1, da [BPGG]) que faz depender a
concessão do subsídio durante o período da licença para assistência do facto de a pessoa que carece da assistência receber o subsídio para assistência austríaco de nível 3 ou superior, enquanto outro regime jurídico nacional (§ 21c, n.o 3, da BPGG), numa mesma situação factual, não faz depender a concessão da prestação desse pressuposto?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira a quarta questões

27      Com a sua primeira a quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o conceito de «prestações por doença», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, deve ser interpretado no sentido de que abrange um subsídio de licença de familiar cuidador pago a um trabalhador que presta assistência ou cuidados a um familiar titular de uma prestação de dependência noutro Estado‑Membro e que beneficia, a esse título, de uma licença sem vencimento. Em caso afirmativo, esse órgão jurisdicional procura saber se esse subsídio é abrangido pelo conceito de «prestações pecuniárias», na aceção deste regulamento.

 Quanto à admissibilidade

28      A Comissão Europeia sustenta, sem suscitar formalmente a exceção da inadmissibilidade destas questões, que estas não são pertinentes para a solução do litígio no processo principal pelo facto de o artigo 45.o TFUE e o artigo 7.o do Regulamento n.o 492/2011 serem aplicáveis, independentemente da questão de saber se o subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal entra ou não no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004.

29      A este respeito, importa recordar que a jurisprudência consolidada segundo a qual as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob sua própria responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, beneficiam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 7 de dezembro de 2023, Obshtina Razgrad, C‑441/22 e C‑443/22, EU:C:2023:970, n.o 44 e jurisprudência referida).

30      Ora, no caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio considera pertinente, para a solução do litígio no processo principal, a resposta que o Tribunal de Justiça dará às referidas questões, designadamente para qualificar, à luz do direito da União, o subsídio de licença de familiar cuidador em causa. Por conseguinte, não se pode considerar que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio não é manifestamente necessária a este último para resolver o litígio que lhe foi submetido.

31      Por conseguinte, são admissíveis as questões primeira a quarta.

 Quanto ao mérito

32      A título preliminar, há que sublinhar que a distinção entre as prestações abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 e as prestações dele excluídas reside essencialmente nos elementos constitutivos de cada prestação, nomeadamente nas suas finalidades e nas condições de concessão, e não no facto de uma prestação ser ou não qualificada de prestação de segurança social por uma legislação nacional [Acórdão de 15 de junho de 2023, Thermalhotel Fontana, C‑411/22, EU:C:2023:490, n.o 22 e jurisprudência referida].

33      Resulta assim de jurisprudência constante que uma prestação pode ser considerada uma prestação de segurança social se, por um lado, for concedida aos beneficiários independentemente de qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, com base numa situação definida na lei, e, por outro, se tiver por base um dos riscos expressamente enumerados no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004. Estas duas condições são cumulativas (Acórdão de 15 de junho de 2023, Thermalhotel Fontana, C‑411/22, EU:C:2023:490, n.o 23 e jurisprudência referida).

34      No que diz respeito à primeira condição enunciada no número anterior do presente acórdão, importa recordar que a mesma está preenchida quando a concessão da prestação respeita critérios objetivos, que, uma vez preenchidos, atribuem direito à prestação sem que a autoridade competente possa tomar em consideração outras circunstâncias pessoais [Acórdão de 15 de junho de 2023, Thermalhotel Fontana, C‑411/22, EU:C:2023:490, n.o 24 e jurisprudência referida].

35      No caso em apreço, afigura‑se que esta primeira condição está preenchida, dado que o subsídio em causa no processo principal é concedido de pleno direito, em conformidade com o artigo 21.oc, n.o 1, última frase, da BPGG, quando o requerente beneficia de uma licença de familiar cuidador, sem que o Serviço do Ministério tenha em conta outras circunstâncias pessoais.

36      Quanto à segunda condição enunciada no n.o 33 do presente acórdão, o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 menciona expressamente as «prestações por doença», que são as prestações que têm por finalidade essencial a cura do doente, proporcionando os cuidados que o seu estado exige, e cobrem, assim, o risco ligado a um estado patológico (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2023, Thermalhotel Fontana, C‑411/22, EU:C:2023:490, n.o 27 e jurisprudência referida).

37      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que são equiparadas a «prestações por doença», na aceção desta disposição, as despesas ocasionadas pelo estado de dependência da pessoa que recebe os cuidados que digam respeito, de modo concomitante ou não, aos cuidados dispensados a essa pessoa e à melhoria da sua vida quotidiana, tais como, nomeadamente, despesas que lhe assegurem a assistência de terceiros, desde que essas despesas se destinem a melhorar o estado de saúde e a vida das pessoas dependentes [v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 1998, Molenaar, C‑160/96, EU:C:1998:84, n.os 23 e 24, e de 25 de julho de 2018, A Assistência a pessoa com deficiência) C‑679/16, EU:C:2018:601, n.os 43 e 44 e jurisprudência referida].

38      No caso em apreço, é certo que a concessão do subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal decorre do estatuto de trabalhador por conta de outrem da pessoa que presta os cuidados. Todavia, por um lado, esta concessão está subordinada à condição de a pessoa que recebe os cuidados beneficiar de uma prestação de dependência de um certo nível por força do direito austríaco.

39      Por outro lado, afigura‑se que o subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal, ainda que seja concedido e pago à pessoa que presta cuidados para compensar a perda de salários que a que está sujeita durante o período da sua licença sem vencimento, tem igualmente e principalmente por objetivo, em definitivo, permitir à pessoa que presta os cuidados prestar os cuidados exigidos pelo estado de saúde da pessoa que os recebe, pelo que o subsídio beneficia, antes de mais, a esta última.

40      Nestas condições, há que considerar que o subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal é abrangido pelo conceito de «prestações por doença», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004.

41      No que respeita, em seguida, à questão de saber se este subsídio deve ser qualificado de «prestação pecuniária», na aceção deste regulamento, importa precisar que o referido subsídio consiste numa quantia fixa em dinheiro paga periodicamente ao prestador de cuidados, sem ter em conta o encargo real dos cuidados, destinado a compensar a perda de salário ligada à licença de familiar cuidador e a aliviar os encargos decorrentes dessa licença.

42      A este respeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a tomada a cargo das cotizações de um terceiro a que uma pessoa dependente recorre para o assistir ao domicílio deve ser, ela mesma, qualificada de prestação pecuniária, na medida em que é acessória da prestação de cuidados propriamente dita, no sentido de que visa facilitar o recurso aos cuidados (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2004, Gaumain‑Cerri e Barth, C‑502/01 e C‑31/02, EU:C:2004:413, n.o 27).

43      Por conseguinte, o subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal, que reveste, nomeadamente, um caráter acessório à prestação de cuidados propriamente dita, deve igualmente ser qualificado de «prestação pecuniária», na aceção do Regulamento n.o 883/2004.

44      Atento o que precede, há que responder à primeira a quarta questões que o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «prestações por doença», na aceção desta disposição, abrange um subsídio de licença de familiar cuidador pago a um trabalhador que presta assistência ou cuidados a um familiar titular de uma prestação de dependência noutro Estado‑Membro e que beneficia, a esse título, de uma licença sem vencimento. Por conseguinte, esse subsídio também está abrangido pelo conceito de «prestações pecuniárias», na aceção deste regulamento.

 Quanto à quinta questão

45      Antes de mais, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio se refere, na sua quinta questão, ao artigo 18.o TFUE.

46      A este respeito, há que recordar que cabe ao Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o instituído pelo artigo 267.o TFUE, dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 7 de setembro de 2023, Groenland Poultry, C‑169/22, EU:C:2023:638, n.o 47 e jurisprudência referida).

47      No que se refere ao artigo 18.o TFUE, o Tribunal de Justiça salientou reiteradamente que esta disposição só deve ser aplicada autonomamente a situações regidas pelo direito da União para as quais o Tratado FUE não prevê regras específicas de não discriminação. (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Caisse nationale d’assurance pension, C‑731/21, EU:C:2022:969, n.o 28 e jurisprudência referida).

48      No entanto, o princípio da não discriminação foi implementado, no domínio da segurança social, pelo artigo 45.o TFUE e pelo artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004, bem como pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 [v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares) (C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 98).

49      Por conseguinte, tendo em conta todos os elementos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, há que considerar que, com a sua quinta questão, esse órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 45.o, n.o 2, TFUE, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual a concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador está sujeita à condição de a pessoa que beneficia dos cuidados receber um subsídio de dependência de um certo nível por força da legislação desse Estado‑Membro.

50      A este respeito, importa recordar, por um lado, que o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 tem por objetivo garantir, em conformidade com o artigo 45.o TFUE, a igualdade em matéria de segurança social, sem distinção de nacionalidade, suprimindo qualquer discriminação a este respeito que resulte das legislações nacionais dos Estados‑Membros. Por outro lado, o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 precisa que o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais [v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares), C‑328/20, EU:C:2022:468, n.os 93 e 94 e jurisprudência referida].

51      O conceito de «vantagem social», alargado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros, engloba todas vantagens, associadas ou não a um contrato de trabalho, que são geralmente reconhecidas aos trabalhadores nacionais, devido principalmente à sua qualidade objetiva de trabalhadores ou pelo simples facto de residirem no território nacional, e cujo alargamento aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros se afigura assim apto para facilitar a sua mobilidade no interior da União e, por conseguinte, a sua integração no Estado‑Membro de acolhimento. A referência feita nesta disposição às vantagens sociais não pode ser interpretada restritivamente. A referência feita por esta disposição às vantagens sociais não pode ser interpretada restritivamente [Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares), C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 95 e jurisprudência referida].

52      Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que certas prestações são suscetíveis de constituir tanto prestações de doença, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 883/2004, como uma vantagem social, na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 [v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares), C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 96 e jurisprudência referida].

53      Por conseguinte, o facto de o subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal, como foi salientado no n.o 39 do presente acórdão, se destinar a beneficiar, antes de mais, a pessoa que recebe os cuidados é irrelevante para a sua qualificação igualmente como «vantagem social» na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, na medida em que este subsídio se destina a assegurar a subsistência de um trabalhador que não exerce nenhuma atividade profissional durante a sua licença e não recebe, portanto, nenhuma remuneração.

54      Isto é tanto mais assim quanto, como foi afirmado no n.o 48 do presente acórdão, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 concretizam ambos a regra da igualdade de tratamento em matéria de segurança social inscrita no artigo 45.o TFUE. Por conseguinte, estas duas disposições devem, em princípio, ser interpretadas da mesma forma e em conformidade com o artigo 45.o TFUE [Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares), C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 98].

55      Nestas condições, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma distinção baseada na residência, que funcionar principalmente em detrimento dos cidadãos de outros Estados‑Membros, visto que os não residentes são, na maioria dos casos, não nacionais, constitui uma discriminação indireta baseada na nacionalidade que só pode ser admitida se for objetivamente justificada [Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares), C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 99 e jurisprudência referida].

56      No caso em apreço, a concessão do subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal está sujeita, em conformidade com o § 21c, n.o 1, da BPGG, lido em conjugação com o § 14c, n.o 1, da AVRAG e com o § 3a da BPGG, à condição de a pessoa tratada receber um subsídio de dependência de nível 3 ou superior por força do direito austríaco. Este subsídio de licença de familiar cuidador só é, portanto, concedido na hipótese de as autoridades austríacas serem competentes para conceder uma prestação de dependência à pessoa que recebe os cuidados. Por conseguinte, deve considerar‑se que o nexo direto com o Estado‑Membro da residência habitual das pessoas que recebem os cuidados está demonstrado.

57      Daqui resulta que o facto de o subsídio de licença de familiar cuidador ter um caráter acessório ao subsídio de dependência, concedido ao abrigo da legislação austríaca aplicável, é suscetível de afetar mais os trabalhadores migrantes, como o recorrente no processo principal, cujo pai residia noutro Estado‑Membro, do que nacionais austríacos, cuja família, nomeadamente os pais, têm, regra geral, a sua residência habitual na Áustria.

58      Afigura‑se, assim, que este caráter acessório do subsídio de licença de familiar cuidador implica uma discriminação indireta baseada na nacionalidade que só pode ser admitida se for objetivamente justificada.

59      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, para ser justificada, essa discriminação indireta deve ser adequada a garantir a realização de um objetivo legítimo e não ir além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 16 de junho de 2022, Comissão/Áustria (Indexação das prestações familiares), C‑328/20, EU:C:2022:468, n.o 104 e jurisprudência referida].

60      Embora a decisão de reenvio não contenha nenhum elemento relativo à eventual justificação do caráter acessório do subsídio de licença de familiar cuidador em relação ao subsídio de dependência de nível 3 ou superior, concedido ao abrigo da legislação austríaca aplicável, a Comissão evoca, todavia, nas suas observações escritas, o objetivo da manutenção do equilíbrio financeiro do regime de segurança social nacional.

61      A este respeito, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça já declarou que o Regulamento n.o 883/2004 não institui um regime comum de segurança social, mas deixa subsistir regimes nacionais distintos. Os Estados‑Membros conservam a sua competência para organizar os seus sistemas de segurança social e, na falta de harmonização a nível da União, cabe a cada Estado‑Membro determinar na sua legislação, nomeadamente, os requisitos que dão direito a prestações sociais (Acórdão de 15 de setembro de 2022, Rechtsanwaltskammer Wien, C‑58/21, EU:C:2022:691, n.o 61 e jurisprudência referida).

62      Na medida em que, como salienta a Comissão nas suas observações escritas, o nível de dependência é suscetível de indicar o grau de cuidados de que a pessoa em causa necessita, o que implica, se for caso disso, que a pessoa que presta os cuidados se encontre impossibilitada de prosseguir a sua atividade profissional, o objetivo de limitar o benefício de prestações financiadas por fundos públicos aos casos de dependência de nível 3 ou superior afigura‑se legítimo.

63      Importa, porém, sublinhar que essa condição relativa ao grau de nível 3 ou superior de dependência pode estar igualmente preenchida quando o subsídio de dependência é concedido em conformidade com a legislação de outro Estado‑Membro. A esse respeito, importa realçar que o artigo 5.o do Regulamento n.o 883/2004, lido à luz do seu considerando 9, consagra o princípio jurisprudencial da equiparação das prestações, dos rendimentos e dos factos, que o legislador da União quis introduzir no texto do referido regulamento a fim de este princípio ser desenvolvido no respeito pela substância e pelo espírito das decisões judiciais do Tribunal de Justiça (Acórdão de 12 de março de 2020, Caisse d’assurance retraite et de la santé au travail d’Alsace‑Moselle, C‑769/18, EU:C:2020:203, n.o 42 e jurisprudência referida).

64      No entanto, é ao órgão jurisdicional de reenvio que caberá, em definitivo, apreciar, à luz nomeadamente das considerações que figuram nos n.os 61 a 63 do presente acórdão e com base em todos os elementos pertinentes disponíveis, se, à luz das justificações admitidas no direito da União conforme recordadas no n.o 59 do presente acórdão, nomeadamente no que respeita à existência de um risco eventual de prejuízo grave para o equilíbrio financeiro do regime de segurança social nacional (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 1998, Kohll, C‑158/96, EU:C:1998:171, n.o 41, e de 15 de setembro de 2022, Rechtsanwaltskammer Wien, C‑58/21, EU:C:2022:691, n.o 74 e jurisprudência referida), poderia estar justificado o caráter acessório do subsídio de licença de familiar cuidador em causa em relação ao subsídio de dependência de nível 3 ou superior, concedido ao abrigo da legislação austríaca. Ora, a discriminação indireta em causa no processo principal, baseada na nacionalidade, como referida no n.o 58 do presente acórdão, só pode ser justificada se visar alcançar o objetivo pretendido de forma coerente e sistemática (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Caisse nationale d’assurance pension, C‑731/21, EU:C:2022:969, n.o 37 e jurisprudência referida), o que cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

65      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 45.o, n.o 2, TFUE, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual a concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador está sujeita à condição de a pessoa que beneficia dos cuidados receber um subsídio de dependência de um certo nível por força da legislação desse Estado‑Membro, a menos que esta condição seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo relativo, nomeadamente, à manutenção do equilíbrio financeiro do regime de segurança social nacional, e não constitua um meio proporcionado que permita alcançar esse objetivo.

 Quanto à sexta e sétima questões

66      Com a sua sexta e sétima questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça, em substância, sobre a questão de saber se o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma jurisprudência nacional que, por um lado, sujeita a concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador e de um subsídio de licença de solidariedade familiar a condições diferentes e, por outro, não permite convolar um pedido de licença de familiar cuidador em pedido de licença de solidariedade familiar.

67      A este respeito, resulta do artigo 48.o TFUE, que prevê um sistema de coordenação das legislações dos Estados‑Membros, e não a sua harmonização, e com base no qual o Regulamento n.o 883/2004 foi adotado, que as diferenças substanciais e processuais entre os regimes de segurança social de cada Estado‑Membro e, por conseguinte, nos direitos das pessoas neles inscritas não são afetadas por essa disposição, continuando cada Estado‑Membro a ser competente para determinar na sua legislação, no respeito do direito da União, as condições de concessão das prestações de um regime de segurança social [Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperante), C‑372/20, EU:C:2021:962, n.o 70 e jurisprudência referida].

68      O Regulamento n.o 883/2004 não organiza, portanto, um regime comum de segurança social, mas permite que subsistam regimes nacionais distintos e tem por único objeto assegurar uma coordenação entre eles, a fim de garantir o exercício efetivo da livre circulação de pessoas. Assim, os Estados‑Membros conservam a sua competência para organizar os respetivos sistemas de segurança social [Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperante), C‑372/20, EU:C:2021:962, n.o 71 e jurisprudência referida].

69      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, por um lado, as condições de concessão de um subsídio de licença de solidariedade familiar, ao abrigo do § 21c, n.o 3, da BPGG, diferem das previstas no n.o 1 deste artigo no que respeita à concessão do subsídio de licença de familiar cuidador em causa no processo principal, uma vez que o § 21c, n.o 3, da BPGG não exige que a pessoa que recebe os cuidados receba um subsídio de dependência austríaco de nível 3 ou superior, como prevê o § 21c, n.o 1, da BPGG.

70      Por outro lado, numa situação como a que está em causa no processo principal, o Serviço do Ministério não parece ser chamado a apreciar, em conformidade com a jurisprudência constante do Verwaltungsgerichtshof (Supremo Tribunal Administrativo), o pedido de subsídio de licença de familiar cuidador num espírito de aplicação social do direito favorável, mesmo que o requerente preencha as condições para beneficiar de uma prestação nacional mais favorável, a saber, o subsídio de licença de solidariedade familiar ao abrigo do § 21c, n.o 3, da BPGG.

71      Todavia, como sustenta o Governo Austríaco nas suas observações escritas, a conceção diferente de dois direitos relativos a prestações em matéria de segurança social, que prosseguem, cada um, objetivos diferentes, bem como a maneira de invocar esses direitos perante as autoridades nacionais competentes são da exclusiva competência do direito nacional.

72      Afigura‑se, assim, que a conceção diferente das condições de concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador e de um subsídio de licença de solidariedade familiar não produz efeitos discriminatórios em detrimento das pessoas que fizeram uso do seu direito à livre circulação.

73      Decorre do que precede que há que responder à sexta e sétima questões que o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação ou a uma jurisprudência nacional que, por um lado, sujeita a concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador e de um subsídio de licença de solidariedade familiar a condições diferentes e, por outro, não permite convolar um pedido de licença de familiar cuidador em pedido de licença de solidariedade familiar.

 Quanto às despesas

74      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      O artigo 3.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «prestações por doença», na aceção desta disposição, abrange um subsídio de licença de familiar cuidador pago a um trabalhador que presta assistência ou cuidados a um familiar titular de uma prestação de dependência noutro EstadoMembro e que beneficia, a esse título, de uma licença sem vencimento. Por conseguinte, esse subsídio também está abrangido pelo conceito de «prestações pecuniárias», na aceção deste regulamento.

2)      O artigo 45, n.o 2, TFUE, o artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004 e o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma regulamentação de um EstadoMembro por força da qual a concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador está sujeita à condição de a pessoa que beneficia dos cuidados receber um subsídio de dependência de um certo nível por força da legislação desse EstadoMembro, a menos que esta condição seja objetivamente justificada por um objetivo legítimo relativo, nomeadamente, à manutenção do equilíbrio financeiro do regime de segurança social nacional, e não constitua um meio proporcionado que permita alcançar esse objetivo.

3)      O artigo 4.o do Regulamento n.o 883/2004

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação ou a uma jurisprudência nacional que, por um lado, sujeita a concessão de um subsídio de licença de familiar cuidador e de um subsídio de licença de solidariedade familiar a condições diferentes e, por outro, não permite convolar um pedido de licença de familiar cuidador em pedido de licença de solidariedade familiar.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.