Language of document : ECLI:EU:T:2021:640

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

29 de setembro de 2021 (*)

«Relações externas — Acordos internacionais — Acordo Euro‑Mediterrânico de Associação CE‑Marrocos — Acordo de Parceria no domínio da pesca sustentável entre a União e Marrocos — Protocolo de Execução do Acordo de Parceria — Troca de Cartas que acompanha o Acordo de Parceria — Decisão de celebração — Regulamento relativo à repartição das possibilidades de pesca entre os Estados‑Membros — Recurso de anulação — Admissibilidade — Capacidade judiciária — Afetação direta — Afetação individual — Âmbito de aplicação territorial — Competência — Interpretação do direito internacional adotada pelo Tribunal de Justiça — Princípio da autodeterminação — Princípio do efeito relativo dos Tratados — Invocabilidade — Conceito de consentimento — Execução — Poder de apreciação — Limites — Manutenção dos efeitos da decisão impugnada»

Nos processos apensos T‑344/19 e T‑356/19,

Frente Popular para a Libertação de Saguia elHamra e Rio de oro (Frente Polisário), representada por G. Devers, advogado,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por F. Naert, P. Plaza García e V. Piessevaux, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por

Reino de Espanha, representado por S. Centeno Huerta, na qualidade de agente,

interveniente nos processos T‑344/19 e T‑356/19,

por

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, C. Mosser, J.‑L. Carré e T. Stéhelin, na qualidade de agentes,

interveniente nos processos T‑344/19 e T‑356/19,

por

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, A. Bouquet e A. Stobiecka‑Kuik, na qualidade de agentes,

interveniente nos processos T‑344/19 e T‑356/19,

e por

Chambre des pêches maritimes de la Méditerranée, com sede em Tanger (Marrocos),

Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Nord, com sede em Casablanca (Marrocos),

Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Centre, com sede em Agadir (Marrocos),

Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Sud, com sede em Dakhla (Sara Ocidental),

representadas por G. Forwood, N. Colin e A. Hublet, advogados,

intervenientes no processo T‑344/19,

que tem por objeto, no processo T‑344/19, um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2019/441 do Conselho, de 4 de março de 2019, relativa à celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu Protocolo de Execução e da troca de cartas que acompanha o Acordo (JO 2019, L 77, p. 4), e, no processo T‑356/19, um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação do Regulamento (UE) 2019/440 do Conselho, de 29 de novembro de 2018, relativo à repartição das possibilidades de pesca a título do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos e do seu protocolo de execução (JO 2019, L 77, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: M. J. Costeira, presidente, D. Gratsias (relator), M. Kancheva, B. Berke e T. Perišin, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de março de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Contexto internacional

1        As evoluções do contexto internacional relativo à questão do Sara Ocidental podem ser resumidas da seguinte forma.

2        Em 14 de dezembro de 1960, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Resolução 1514 (XV), intitulada «Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais», que enuncia designadamente que «[t]odos os povos têm o direito à autodeterminação[,] em virtude [do qual] podem determinar livremente o seu estatuto político e prosseguir livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural», que «[d]everão ser tomadas medidas imediatas em todos os territórios sob tutela e territórios não autónomos ou em quaisquer outros territórios que não tenham ainda alcançado a independência, de forma a transferir todos e quaisquer poderes para os povos desses territórios, sem nenhuma condição nem reserva, em conformidade com a sua vontade e desejo livremente expressos», e que «[t]odos os Estados deverão observar fielmente e estritamente a Carta das Nações Unidas […] com base na igualdade, na não ingerência nos assuntos internos dos Estados, e no respeito pelos direitos soberanos de todos os povos e pela integridade territorial de todos os povos».

3        O Sara Ocidental é um território situado no noroeste de África, que foi colonizado pelo Reino de Espanha no final do século XIX e que se tinha tornado, à data da Resolução 1514 (XV), uma província espanhola. Em 1963, foi inscrito pela ONU na «lista preliminar de territórios aos quais a Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais se aplica [Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral]», como território não autónomo administrado pelo Reino de Espanha, na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco em 26 de junho de 1945. Ainda consta, na presente data, da lista de territórios não autónomos estabelecida pelo Secretário‑Geral da ONU com base nas informações comunicadas em aplicação do artigo 73.o, alínea e), dessa Carta.

4        Em 20 de dezembro de 1966, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 2229 (XXI) sobre a questão do Ifni e do Sara espanhol, na qual «[r]eafirm[ou] o direito inalienável d[o] pov[o] […] do Sara espanhol à autodeterminação em conformidade com a Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral» e convidou o Reino de Espanha, enquanto potência administrante, a «adot[ar] o mais rapidamente possível […] as modalidades de organização de um referendo sob os auspícios da [ONU] para permitir que a população autóctone do território exerça livremente o seu direito à autodeterminação».

5        Em 24 de outubro de 1970, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 2625 (XXV), pela qual aprovou a «Declaração sobre os Princípios de Direito Internacional relativos às Relações Amigáveis e à Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas», cujo texto figura em anexo à referida resolução. Esta declaração «proclama solenemente», em especial, «o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos». A respeito deste princípio, enuncia, nomeadamente, o seguinte:

«Em virtude do princípio da igualdade de direitos dos povos e do seu direito de dispor deles próprios, princípio consagrado na Carta das Nações Unidas, todos os povos têm o direito de determinar o seu estatuto político, em total liberdade e sem ingerência externa, e de prosseguir o seu desenvolvimento económico, social e cultural, e todos os Estados têm o dever de respeitar esse direito em conformidade com as disposições da Carta.

[…]

A criação de um Estado soberano e independente, a livre associação ou a integração num Estado independente ou a aquisição de qualquer outro estatuto político livremente decidido por um povo constituem para esse povo meios para exercer o seu direito a dispor dele próprio.

[…]

O território de uma colónia ou de outro território não autónomo possui, ao abrigo da Carta, um estatuto separado e distinto do estatuto do território do Estado que o administra; esse estatuto separado e distinto em virtude da Carta existirá enquanto o povo da colónia ou do território não autónomo não exercer o seu direito a dispor dele próprio, em conformidade com a Carta e, mais particularmente, os seus objetivos e princípios.»

6        A Frente Popular para a Libertação de Saguia el Hamra e do Rio de Oro (Frente Polisário) é uma organização criada em 10 de maio de 1973 no Sara Ocidental. Define se, no artigo 1.o dos seus estatutos, como um «movimento de libertação nacional» cujos membros «combate[m] pela independência total e pela recuperação da soberania do povo sarauí em todo o território da República Árabe Sarauí Democrática».

7        Em 20 de agosto de 1974, o Reino de Espanha informou a ONU de que se propunha organizar, sob os auspícios desta, um referendo no Sara Ocidental.

8        Em 13 de dezembro de 1974, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 3292 (XXIX), pela qual decidiu, em especial, solicitar ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) um parecer consultivo sobre as seguintes perguntas:

«I. O Sara Ocidental (Rio de Oro e Sakiet El Hamra) era, no momento da sua colonização pela Espanha, um território de ninguém (terra nullius)?

Se a resposta à primeira pergunta for negativa,

II. Quais eram os vínculos jurídicos deste território com o Reino de Marrocos e a entidade mauritana?»

9        Em 16 de outubro de 1975, o TIJ proferiu o parecer consultivo (v. Sara Ocidental, Parecer Consultivo, CIJ Recueil 1975, p. 12, a seguir «Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental»). No n.o 162 deste parecer, considerou o seguinte:

«Os elementos e informações levados ao conhecimento do Tribunal mostram a existência, no momento da colonização espanhola, de vínculos jurídicos de vassalagem entre o sultão de Marrocos e algumas tribos que viviam no território do Sara Ocidental. Mostram igualmente a existência de direitos, incluindo certos direitos relativos à terra, que constituíam vínculos jurídicos entre a entidade mauritana, na aceção dada pelo Tribunal, e o território do Sara Ocidental. Em contrapartida, o Tribunal concluiu que os elementos e informações levados ao seu conhecimento não demonstram a existência de nenhum vínculo de soberania territorial entre o território do Sara Ocidental, por um lado, e o Reino de Marrocos ou a entidade mauritana, por outro. O Tribunal não declarou, portanto, a existência de vínculos jurídicos suscetíveis de alterar a aplicação da Resolução 1514 (XV) [da Assembleia Geral da ONU] quanto à descolonização do Sara Ocidental e, em particular, à aplicação do princípio da autodeterminação através da expressão livre e autêntica da vontade das populações do território.»

10      No n.o 163 do Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, o TIJ declarou, em especial:

«[O Tribunal entende], [n]o que respeita à pergunta I, […] que o Sara Ocidental (Rio de Oro e Sakiet El Hamra) não era um território de ninguém (terra nullius) no momento da colonização pela Espanha; […] no que respeita à pergunta II, […] que o território tinha, com o Reino de Marrocos, vínculos jurídicos que possuíam as características indicadas no n.o 162 do presente parecer [e] que o território tinha, com a entidade mauritana, vínculos jurídicos que possuíam as características indicadas no n.o 162 do presente parecer.»

11      Num discurso proferido no dia da publicação do Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, o Rei de Marrocos declarou que «o mundo inteiro [tinha reconhecido] que o Sara [Ocidental] pertencia» ao Reino de Marrocos e que lhe «incumb[ia] recuperar pacificamente esse território», apelando, para o efeito, à organização de uma marcha.

12      Em 22 de outubro de 1975, a pedido do Reino de Espanha, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 377 (1975), na qual «ped[iu] ao Secretário Geral [da ONU] que procede[sse] imediatamente a consultas com as partes em causa e interessadas» e «apel[ou] [a que estas] [fizessem] prova de ponderação e de moderação». Em 2 de novembro de 1975, adotou a Resolução 379 (1975), na qual «[i]nst[ou] todas as partes em causa e interessadas a evitar qualquer ação unilateral ou outra que p[udesse] ainda agravar a tensão na região» e «[s]olicit[ou] que o Secretário Geral se dign[asse] prosseguir e intensificar as suas consultas». Em 6 de novembro de 1975, na sequência do início da marcha anunciada pelo Rei de Marrocos, que reuniu 350 000 pessoas, e de estas terem atravessado a fronteira entre o Reino de Marrocos e o Sara Ocidental, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 380 (1975), na qual, em especial, «[d]eplor[ou] a realização [da] marcha» e «pe[diu ao Reino de] Marrocos a retirada imediata do território do Sara Ocidental de todos os participantes na [referida] marcha».

13      Em 26 de fevereiro de 1976, o Reino de Espanha informou o Secretário‑Geral da ONU de que, a partir dessa data, punha fim à sua presença no Sara Ocidental e se considerava isento de qualquer responsabilidade de caráter internacional relativa à administração desse território. A lista dos territórios não autónomos referida no n.o 3, supra, faz referência, no que respeita ao Sara Ocidental, a esta declaração, que está reproduzida numa nota de pé de página.

14      Entretanto, eclodiu nessa região um conflito armado entre o Reino de Marrocos, a República Islâmica da Mauritânia e a Frente Polisário. Uma parte da população do Sara Ocidental fugiu a esse conflito e refugiou se nos campos situados em território argelino, perto da fronteira com o Sara Ocidental.

15      Em 14 de abril de 1976, o Reino de Marrocos celebrou com a República Islâmica da Mauritânia um tratado de partilha do território do Sara Ocidental e anexou a parte do território que lhe tinha sido atribuída por esse tratado. Em 10 de agosto de 1979, a República Islâmica da Mauritânia celebrou um acordo de paz com a Frente Polisário, por força do qual renunciou a qualquer reivindicação territorial sobre o Sara Ocidental. O Reino de Marrocos tomou o controlo do território evacuado pelas forças mauritanas e procedeu à sua anexação.

16      Em 21 de novembro de 1979, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 34/37 sobre a questão do Sara Ocidental, na qual «[r]eafirm[ou] o direito inalienável do povo do Sara Ocidental à autodeterminação e à independência, em conformidade com a Carta da [ONU] […] e com os objetivos da [sua] Resolução 1514 (XV)», «[d]eplor[ou] profundamente o agravamento da situação decorrente da persistente ocupação do Sara Ocidental por Marrocos», «inst[ou] Marrocos a comprometer se, também ele, com a dinâmica da paz e a pôr termo à ocupação do território do Sara Ocidental» e «recomend[ou], para esse efeito, que a [Frente Polisário], representante do povo do Sara Ocidental, particip[asse] plenamente na busca de uma solução política justa, duradoura e definitiva da questão do Sara Ocidental, em conformidade com as resoluções e declarações da [ONU]». A esta resolução seguiu se a Resolução 35/19, de 11 de novembro de 1980, no n.o 10 da qual a Assembleia Geral «[i]nst[ou] […] Marrocos e a [Frente Polisário], representante do povo do Sara Ocidental, a encetarem negociações diretas para a resolução definitiva da questão do Sara Ocidental».

17      O conflito entre o Reino de Marrocos e a Frente Polisário prosseguiu até as partes aceitarem, em 30 de agosto de 1988, um acordo de princípio sobre as propostas de solução apresentadas, nomeadamente, pelo Secretário‑Geral da ONU e que previam, em particular, a proclamação de um cessar‑fogo e a organização de um referendo de autodeterminação sob a fiscalização da ONU.

18      Em 27 de junho de 1990, o Conselho de Segurança da ONU adotou a Resolução 658 (1990), na qual «[a]prov[ou] o relatório do Secretário Geral [da ONU] que contém […] as propostas de resolução [referidas no n.o 17, supra] e uma exposição do plano [de execução destas]» e «[p]e[diu] às duas partes que cooper[assem] plenamente com o Secretário Geral [da ONU] e com o [p]residente em exercício da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da Organização de Unidade Africana no âmbito dos esforços por estes encetados com vista a uma rápida resolução da questão do Sara Ocidental». Em 29 de abril de 1991, o Conselho de Segurança adotou a Resolução 690 (1991) que institui a Missão das Nações Unidas para a organização de um Referendo no Sara Ocidental (MINURSO).

19      Em 6 de dezembro de 1995, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 50/33, intitulada «Atividades dos interesses estrangeiros, económicos e outros, que obstam à aplicação da Declaração sobre a concessão de independência aos países e povos coloniais nos territórios que se encontram sob domínio colonial», na qual, nomeadamente, «[r]eafirm[ou] o direito inalienável dos povos dos territórios coloniais ou não autónomos à autodeterminação, à independência e ao gozo dos recursos naturais dos seus territórios e o direito de disporem desses recursos no melhor dos seus interesses», «[a]firm[ou] o valor dos investimentos económicos estrangeiros empreendidos em colaboração com as populações dos territórios não autónomos e de acordo com os seus desejos a fim de dar um contributo válido para o desenvolvimento socioeconómico dos territórios», «[d]eclar[ou] de novo que a exploração nefasta e a pilhagem dos recursos marinhos e outros recursos naturais dos territórios coloniais ou não autónomos por interesses económicos estrangeiros, em violação das resoluções pertinentes da [ONU], compromet[iam] a integridade e a prosperidade desses territórios» e «convid[ou] todos os governos e todos os organismos das Nações Unidas a velar para que a soberania permanente das populações dos territórios coloniais ou não autónomos sobre os seus recursos naturais seja plenamente respeitada e salvaguardada».

20      Atualmente, apesar das consultas e dos contactos organizados sob a égide da ONU, as partes não conseguiram resolver a situação no Sara Ocidental. O Reino de Marrocos controla a maior parte do território do Sara Ocidental, enquanto a Frente Polisário controla a outra parte, estando estas duas zonas separadas por um muro de areia edificado e vigiado pelo exército marroquino. Um número significativo de refugiados originários desse território vive ainda nos campos administrados pela Frente Polisário, no território argelino.

B.      Acordo de Associação e Acordo de Pesca de 2006

1.      Acordo de Associação

21      Em 1 de março de 2000, entrou em vigor o Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, assinado em Bruxelas a 26 de fevereiro de 1996 (JO 2000 L 70, p. 2, a seguir «Acordo de Associação»).

22      O artigo 1.o, n.o 1, do Acordo de Associação estipula:

«É criada uma associação entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros, por um lado, e Marrocos, por outro.»

23      O artigo 94.o do Acordo de Associação estipula:

«O presente acordo é aplicável, por um lado, aos territórios em que são aplicáveis os Tratados que instituem a Comunidade Europeia e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, nos seus próprios termos, e, por outro, ao território do Reino de Marrocos.»

24      No âmbito do Acordo de Associação e nos termos do seu artigo 16.o, a União Europeia e o Reino de Marrocos assinaram, em 13 de dezembro de 2010, em Bruxelas (Bélgica), o Acordo sob forma de Troca de Cartas respeitante às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2012, L 241, p. 4, a seguir «Acordo de Liberalização»). Em 8 de março de 2012, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão 2012/497/UE, relativa à celebração do Acordo de Liberalização (JO 2012, L 241, p. 2).

2.      Acordo de Pesca de 2006

25      Em 22 de maio de 2006, o Conselho adotou o Regulamento (CE) n.o 764/2006, relativo à celebração do acordo de parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2006, L 141, p. 1). O artigo 1.o deste regulamento dispunha: «É aprovado, em nome da Comunidade, o acordo de parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos».

26      Como resultava do seu preâmbulo e dos seus artigos 1.o e 3.o, o Acordo de parceria no setor da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos (a seguir «Acordo de Pesca de 2006») visava intensificar as relações de cooperação estabelecidas pela Comunidade e pelo Reino de Marrocos, designadamente no âmbito do Acordo de Associação, instituindo, no setor da pesca, uma parceria destinada a promover uma pesca responsável nas zonas de pesca marroquinas e a executar de forma eficaz a política da pesca marroquina. Para o efeito, este acordo instituía, designadamente, regras relativas à cooperação económica, financeira, técnica e científica entre as partes, às condições de acesso dos navios que arvorassem pavilhão dos Estados‑Membros às zonas de pesca marroquinas e às modalidades de controlo das atividades de pesca nessas zonas.

27      O artigo 11.o do Acordo de Pesca de 2006 estipulava que este era aplicável, no que respeita ao Reino de Marrocos, «no território de Marrocos e nas águas sob jurisdição marroquina». Por outro lado, o artigo 2.o, alínea a), do acordo precisava que o conceito de «zona de pesca marroquina» devia ser entendido, para efeitos deste acordo, do protocolo que o acompanhava e do seu anexo, no sentido de que remetia para «as águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos».

28      Em conformidade com o seu artigo 17.o, o Acordo de Pesca de 2006 entrou em vigor em 28 de fevereiro de 2007 (JO 2007, L 78, p. 31).

29      O protocolo que acompanhou inicialmente o Acordo de Pesca de 2006 foi substituído por outro protocolo ao qual, por sua vez, sucedeu, em 2013, um novo protocolo, assinado em Bruxelas em 18 de novembro de 2013, que foi aprovado, em nome da União, pela Decisão 2013/785/UE do Conselho, de 16 de dezembro de 2013, relativa à celebração, em nome da União Europeia, do Protocolo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos que fixa as possibilidades de pesca e a contrapartida financeira previstas no Acordo de Parceria no domínio da pesca entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2013, L 349, p. 1), e que entrou em vigor em 15 de julho de 2014 (JO 2014, L 228, p. 1, a seguir «Protocolo de 2013»).

30      Nos termos do artigo 1.o do Protocolo de 2013, este «contribu[ía] para a realização dos objetivos gerais do Acordo de Associação e vis[ava] assegurar a viabilidade dos recursos haliêuticos nos planos ecológico, económico e social».

C.      Litígios relacionados com o Acordo de Associação

1.      Processos T512/12 e C104/16 P

31      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de novembro de 2012 e registada sob o número T‑512/12, a recorrente, Frente Polisário, interpôs um recurso de anulação da Decisão 2012/497 (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário, C‑104/16 P, EU:C:2016:973, n.o 38, a seguir «Acórdão Conselho/Frente Polisário»).

32      Em apoio do seu recurso nesse processo, a recorrente alegou, nomeadamente, um certo número de violações, pelo Conselho, das suas obrigações por força do direito internacional, com o fundamento de que este tinha aprovado, pela Decisão 2012/497, a aplicação do Acordo de Liberalização ao território do Sara Ocidental (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.o 44).

33      Por Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), o Tribunal Geral anulou a Decisão 2012/497 na parte em que aprovava a aplicação do Acordo de Liberalização ao Sara Ocidental, com o fundamento de que o Conselho não tinha respeitado a sua obrigação de examinar, antes da adoção da Decisão 2012/497, todos os elementos do caso em apreço, uma vez que não verificou se a exploração dos produtos originários desse território exportados para a União Europeia não era feita em detrimento da população do referido território e não implicava uma violação dos direitos fundamentais das pessoas em causa (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 47 e 48).

34      Em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho interpôs recurso do Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953).

35      Com o Acórdão Conselho/Frente Polisário, decidindo do recurso do Conselho, o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), e julgou inadmissível o recurso interposto pela recorrente no Tribunal Geral.

36      A este respeito, por um lado, o Tribunal de Justiça julgou procedente o segundo fundamento do recurso, relativo ao erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na análise da legitimidade da recorrente e, mais especificamente, a alegação de que o Tribunal Geral considerou erradamente que o Acordo de Liberalização se aplicava ao Sara Ocidental (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.o 126).

37      Com efeito, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça entendeu que, em conformidade com o princípio da autodeterminação, aplicável nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, o Sara Ocidental, território não autónomo na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, goza de um estatuto separado e distinto relativamente ao de qualquer Estado, incluindo o do Reino de Marrocos. O Tribunal de Justiça concluiu daí que os termos «território do Reino de Marrocos» constantes do artigo 94.o do Acordo de Associação não podiam ser interpretados de modo tal que o Sara Ocidental seja incluído no âmbito de aplicação territorial desse acordo (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 86 a 93).

38      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que era igualmente necessário ter em conta a regra consuetudinária codificada no artigo 29.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331, a seguir «Convenção de Viena»), segundo a qual, salvo se o contrário resultar do Tratado ou tiver sido de outro modo estabelecido, a aplicação de um Tratado é extensiva à totalidade do território de cada uma das partes. Concluiu que esta regra consuetudinária se opunha, também ela, a que o Sara Ocidental fosse considerado abrangido pelo âmbito de aplicação do Acordo de Associação. No entanto, declarou que decorria igualmente da referida regra consuetudinária que um Tratado podia, por derrogação, vincular um Estado em relação a um outro território se essa intenção resultasse desse Tratado ou se for de outro modo estabelecida (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 94 a 98).

39      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça entendeu que o princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados devia igualmente ser tido em consideração, uma vez que, enquanto «terceiro» no Acordo de Associação, na aceção deste princípio, o povo do Sara Ocidental podia ser afetado pela execução desse acordo em caso de inclusão do território do Sara Ocidental no seu âmbito de aplicação e devia consentir nessa execução. Ora, na falta de qualquer manifestação desse consentimento, o Tribunal de Justiça concluiu daí que o facto de considerar que o território do Sara Ocidental estava abrangido pelo âmbito de aplicação do Acordo de Associação era contrário ao princípio do efeito relativo dos Tratados (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 100 a 107).

40      Em quarto lugar, declarando que o Acordo de Liberalização deve ser considerado um tratado subordinado ao Acordo de Associação, o Tribunal de Justiça deduziu daí que o Acordo de Liberalização não pode ser entendido no sentido de que se aplica ao território do Sara Ocidental, pelo que não era necessário incluir uma cláusula que excluísse essa aplicação. Segundo o Tribunal de Justiça, a prática do Conselho e da Comissão Europeia posterior à celebração do Acordo de Associação não pode pôr em causa esta análise, uma vez que equivaleria a considerar que a União pretendia executar o Acordo de Associação e o Acordo de Liberalização de uma maneira incompatível com os princípios da autodeterminação e do efeito relativo dos Tratados e, portanto, de forma inconciliável com o princípio da boa‑fé na execução dos Tratados (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 110 a 125).

41      Por outro lado, o Tribunal de Justiça decidiu definitivamente o litígio. Declarou, a este respeito, que, uma vez que o Acordo de Liberalização devia ser interpretado, em conformidade com as regras pertinentes de direito internacional aplicáveis nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, no sentido de que não se aplicava ao território do Sara Ocidental, devia considerar se, em todo o caso, que a recorrente, tendo em conta os argumentos que invocava, não tinha legitimidade para interpor um recurso de anulação da Decisão 2012/497, sem que fosse necessário examinar os outros fundamentos de inadmissibilidade do Conselho e da Comissão (Acórdão Conselho/Frente Polisário, n.os 128 a 134).

2.      Processo C266/16

42      Por Decisão de 27 de abril de 2016, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção do Foro da Rainha (Secção Administrativa), Reino Unido], submeteu ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais que tinham por objeto, em substância, a validade do Acordo de Pesca de 2006, conforme aprovado e aplicado pelo Regulamento n.o 764/2006, pela Decisão 2013/785 e pelo Regulamento (UE) n.o 1270/2013 do Conselho, de 15 de novembro de 2013, relativo à repartição das possibilidades de pesca a título do Protocolo entre a União Europeia e o Reino de Marrocos que fixa as possibilidades de pesca e a contrapartida financeira previstas no Acordo de Parceria no domínio da pesca em vigor entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (JO 2013, L 328, p. 40) (Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK UK, C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 1, a seguir «Acórdão Western Sahara Campaign UK»).

43      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretendia, em substância, saber se a circunstância de que a exploração dos recursos provenientes das águas adjacentes ao território do Sara Ocidental era permitida pelo Acordo de Pesca de 2006 e pelo Protocolo de 2013 feria de invalidade o Regulamento n.o 764/2006, a Decisão 2013/785 e o Regulamento n.o 1270/2013, à luz do artigo 3.o, n.o 5, TUE. Com a sua segunda questão prejudicial, esse mesmo órgão jurisdicional perguntava, em substância, se um litigante que tivesse legitimidade para agir ao abrigo do direito nacional, como a recorrente no processo principal, podia impugnar a validade dos atos de celebração e execução desse acordo e desse protocolo, com o fundamento de que a União tinha violado o direito internacional (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 41, 54 e 86).

44      A este respeito, em primeiro lugar, no n.o 59 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça salientou que decorria do primeiro parágrafo do preâmbulo do Acordo de Pesca de 2006 que este concretizava o desejo comum da União e do Reino de Marrocos de intensificar as estreitas relações de cooperação estabelecidas, nomeadamente, no quadro do Acordo de Associação e que, a este título, o Acordo de Pesca de 2006 se inscrevia num conjunto de convenções cujo quadro era o Acordo de Associação. Tendo em conta a existência deste conjunto de convenções, o Tribunal de Justiça considerou que havia que entender o conceito de «território de Marrocos», constante do artigo 11.o do Acordo de Pesca de 2006, da mesma maneira que o conceito de «território do Reino de Marrocos», constante do artigo 94.o do Acordo de Associação (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.o 61).

45      Ora, o Tribunal de Justiça recordou que, como já tinha sublinhado no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o conceito de «território do Reino de Marrocos» devia ser entendido no sentido de que remetia para o espaço geográfico no qual o Reino de Marrocos exerce a plenitude das competências reconhecidas às entidades soberanas pelo direito internacional, com exclusão de qualquer outro território, como o Sara Ocidental, e que a inclusão deste último no âmbito de aplicação do Acordo de Associação era contrária ao princípio da autodeterminação e ao princípio do efeito relativo dos Tratados, aplicáveis nas relações entre a União e o Reino de Marrocos. O Tribunal de Justiça concluiu daí que o território do Sara Ocidental não era abrangido pelo conceito de «território de Marrocos», na aceção do artigo 11.o do Acordo de Pesca de 2006 (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 62 a 64).

46      Em segundo lugar, para interpretar a expressão «águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos», o Tribunal de Justiça salientou que resulta do artigo 2.o, n.o 1, e dos artigos 55.o e 56.o da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay em 10 de dezembro de 1982 (a seguir «Convenção sobre o Direito do Mar) que as águas sobre as quais o Estado costeiro podia exercer a sua soberania ou jurisdição se limitavam exclusivamente às águas adjacentes ao seu território e abrangidas pelo seu mar territorial ou a sua zona económica exclusiva (ZEE). Por conseguinte, e tendo em conta o facto de que o território do Sara Ocidental não fazia parte do território do Reino de Marrocos, o Tribunal de Justiça concluiu daí que as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental não faziam parte da zona de pesca marroquina referida no artigo 2.o, alínea a), do Acordo de Pesca de 2006 (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.o 65 a 69).

47      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça precisou que seria contrário ao princípio da autodeterminação e ao princípio do efeito relativo dos Tratados incluir, a título de «águas sob a soberania […] do Reino de Marrocos» referidas no artigo 2.o, alínea a), do Acordo de Pesca de 2006, as águas diretamente adjacentes à costa do território do Sara Ocidental no âmbito de aplicação do referido acordo (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.o 71).

48      Em quarto lugar, no que respeita à expressão «águas sob […] jurisdição do Reino de Marrocos» que figura no artigo 2.o, alínea a), do Acordo de Pesca de 2006, o Tribunal de Justiça salientou que o Conselho e a Comissão consideraram, nomeadamente, que o Reino de Marrocos pôde ser considerado uma «potência administrante de facto» ou uma potência ocupante do território do Sara Ocidental e que tal qualificação pôde revelar‑se pertinente para determinar o âmbito de aplicação do Acordo de Pesca de 2006. Ora, o Tribunal de Justiça observou que, sem que seja sequer necessário examinar se uma eventual intenção comum das partes no Acordo de Pesca de 2006 darem a esta expressão um sentido particular, a fim de ter em conta essas circunstâncias, teria sido conforme com as regras do direito internacional que vinculavam a União, tal intenção comum não podia, de qualquer modo, ser constatada no caso em apreço, uma vez que o Reino de Marrocos tinha excluído categoricamente ser uma potência ocupante ou uma potência administrante do território do Sara Ocidental (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.o 72).

49      Em quinto lugar, no que respeita ao âmbito de aplicação territorial do Protocolo de 2013, o Tribunal de Justiça declarou que a expressão «zona de pesca marroquina» era utilizada tanto no Acordo de Pesca de 2006 como no Protocolo de 2013, de que fixava o respetivo âmbito de aplicação territorial. Considerou que esta expressão deve ser entendida no sentido de remeter para as águas sob a soberania ou a jurisdição do Reino de Marrocos e que, por conseguinte, não incluía as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 75 a 79).

50      Em sexto lugar, o Tribunal de Justiça declarou que a comunicação das coordenadas geográficas das linhas de base e da zona de pesca do Reino de Marrocos, visadas pelas disposições do Protocolo de 2013 apenas foi efetuada em 16 de julho de 2014. Atendendo a que o Protocolo de 2013 entrou em vigor em 15 de julho de 2014, o Tribunal de Justiça deduziu daí que essas coordenadas geográficas não faziam parte do texto acordado pelas partes. De qualquer modo, segundo o Tribunal de Justiça, mesmo que as referidas coordenadas geográficas tivessem sido comunicadas antes da entrada em vigor do Protocolo de 2013, não poderiam, de modo nenhum, pôr em causa a interpretação da expressão «zona de pesca marroquina»» adotada no n.o 79.o do seu acórdão nem alargar o âmbito de aplicação deste protocolo para nele incluir as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 80 a 82).

51      Nestas condições, o Tribunal de Justiça respondeu à primeira questão prejudicial que, uma vez que nem o Acordo de Pesca de 2006 nem o Protocolo de 2013 eram aplicáveis às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental, o seu exame não revelou nenhum elemento suscetível de afetar a validade dos atos de celebração destes acordos à luz do artigo 3.o, n.o 5, TUE. Tendo em conta esta resposta à primeira questão, o Tribunal de Justiça considerou que não havia que responder à segunda questão prejudicial (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 85 e 87).

3.      Despachos nos processos T180/14, T275/18 e T376/18

52      Por Despachos de 19 de julho de 2018, Frente Polisário/Conselho (T‑180/14, não publicado, EU:T:2018:496), de 30 de novembro de 2018, Frente Polisário/Conselho (T‑275/18, não publicado, EU:T:2018:869), e de 8 de fevereiro de 2019, Frente Polisário/Conselho (T‑376/18, não publicado, EU:T:2019:77), o Tribunal Geral julgou inadmissíveis os recursos da recorrente, interpostos de atos do Conselho relativos à celebração ou à alteração de diferentes acordos internacionais entre a União e o Reino de Marrocos.

53      Em especial, nos dois primeiros despachos referidos no n.o 52, supra, o Tribunal Geral baseou‑se nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK para declarar a falta de legitimidade ativa da recorrente, devido à não aplicação dos acordos controvertidos ao Sara Ocidental ou às águas adjacentes (Despachos de 19 de julho de 2018, Frente Polisário/Conselho, T‑180/14, não publicado, EU:T:2018:496, n.os 69 a 71, e de 30 de novembro de 2018, Frente Polisário/Conselho, T‑275/18, não publicado, EU:T:2018:869, n.os 41 e 42).

54      No terceiro dos despachos referidos no n.o 52, supra, o Tribunal Geral considerou que, em conformidade com o artigo 218.o, n.os 3 e 4, TFUE, a Decisão do Conselho, de 16 de abril de 2018, que autoriza a abertura de negociações com o Reino de Marrocos com vista à alteração do Acordo de Parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos e a celebração de um Protocolo de Execução do referido acordo, tinha apenas por objeto designar o negociador ou o chefe da equipa de negociação da União e dirigir lhes diretrizes. Tratava se, portanto, de um ato que não produzia efeitos jurídicos nas relações entre a União e os seus Estados‑Membros, bem como entre as instituições da União. O Tribunal Geral concluiu que essa decisão não produzia efeitos na situação jurídica da recorrente e que, portanto, não se podia considerar que a referida decisão lhe dizia diretamente respeito (Despacho de 8 de fevereiro de 2019, Frente Polisário/Conselho, T‑376/18, não publicado, EU:T:2019:77, n.os 28 e 29).

D.      Decisão impugnada e acordo controvertido

55      Na sequência do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Conselho autorizou, por Decisão de 16 de abril de 2018, a Comissão a encetar negociações com o Reino de Marrocos, com vista a alterar o Acordo de Pesca de 2006 e, nomeadamente, incluir no âmbito de aplicação deste acordo as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

56      Em 24 de julho de 2018, no termo destas negociações, foram rubricados um novo Acordo de Parceria no domínio da pesca sustentável entre a União e o Reino de Marrocos, um novo Protocolo de Execução deste acordo, incluindo o anexo e os apêndices do referido protocolo, bem como a Troca de Cartas que acompanha o acordo em causa.

57      Em 14 de janeiro de 2019, a União e o Reino de Marrocos assinaram, em Bruxelas, o Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos (a seguir «Acordo de Pesca»), o seu Protocolo de Execução (a seguir «Protocolo de Execução»), bem como a Troca de Cartas que acompanha esse acordo (a seguir «Troca de Cartas») (a seguir, designados em conjunto, «acordo controvertido»).

58      Em 4 de março de 2019, o Conselho adotou a Decisão (UE) 2019/441, relativa à celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu protocolo de execução e da troca de cartas que acompanha o Acordo (JO 2019, L 77, p. 4, a seguir «decisão impugnada»). O artigo 1.o, primeiro parágrafo, desta decisão dispõe: «São aprovados, em nome da União, o Acordo [de Pesca], o […] protocolo de execução e a troca de cartas».

59      Em conformidade com o artigo 17.o do Acordo de Pesca, este Acordo, o Protocolo de Execução e a Troca de Cartas entraram em vigor em 18 de julho de 2019 (JO 2019, L 195, p. 1).

60      Nos considerandos 3 a 5 e 7 a 12 da decisão impugnada, o Conselho indica:

«(3)      No seu acórdão proferido no processo C‑266/16, em resposta a uma questão prejudicial sobre a validade e a interpretação do Acordo e do respetivo Protocolo de Execução, o Tribunal de Justiça declarou que nem o Acordo nem o Protocolo de Execução eram aplicáveis às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental.

(4)      A União não está a antecipar o resultado do processo político sobre o estatuto definitivo do Sara Ocidental que tem lugar sob a égide das Nações Unidas e continuou a reafirmar o seu empenho na resolução do diferendo no Sara Ocidental, atualmente inscrito pelas Nações Unidas na lista dos territórios não autónomos, hoje em grande parte administrado pelo Reino de Marrocos. Apoia plenamente os esforços do secretário‑geral das Nações Unidas e do seu enviado pessoal para ajudar as partes a alcançar uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável, que permita a autodeterminação do povo do Sara Ocidental de acordo com disposições consentâneas e com os objetivos e princípios enunciados na Carta das Nações Unidas, consagrados nas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas […].

(5)      Deverá ser possível que as frotas da União possam prosseguir as suas atividades de pesca exercidas desde a entrada em vigor do Acordo e que o âmbito de aplicação deste seja definido por forma a incluir as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental. A continuidade da parceria no domínio da pesca é também essencial para que este território possa continuar a beneficiar do apoio setorial proporcionado pelo Acordo, no respeito do direito da União e internacional, inclusive dos direitos humanos, e em benefício do povo em causa.

[…]

(7)      O Acordo de Pesca tem por objetivo permitir que a União e o Reino de Marrocos colaborem mais estreitamente na promoção de uma política de pesca sustentável e da exploração responsável dos recursos haliêuticos na zona de pesca definida no Acordo de Pesca, bem como apoiar os esforços do Reino de Marrocos para desenvolver o setor da pesca e uma economia azul. Por conseguinte, contribui para a realização dos objetivos prosseguidos pela União no âmbito do artigo 21.o do Tratado da União Europeia.

(8)      A Comissão avaliou as potenciais repercussões do Acordo de Pesca no desenvolvimento sustentável, incluindo no que respeita aos benefícios para o povo em causa e à exploração dos recursos naturais dos territórios em causa.

(9)      Em consonância com a referida avaliação, considera‑se que o Acordo de Pesca deverá ser altamente benéfico para a população em causa, devido às repercussões socioeconómicas positivas para esse povo, nomeadamente em termos de emprego e investimento, e ao seu impacto no desenvolvimento dos setores da pesca e da transformação dos produtos da pesca.

(10)      Do mesmo modo, considera‑se que o Acordo de Pesca representa a melhor garantia para a exploração sustentável dos recursos naturais das águas adjacentes ao Sara Ocidental, uma vez que a atividade de pesca se baseia no respeito dos melhores pareceres e recomendações científicos na matéria e está sujeita a medidas de acompanhamento e de controlo adequadas.

(11)      Atentando às considerações expostas no acórdão do Tribunal de Justiça, a Comissão, em ligação com o Serviço Europeu para a Ação Externa, tomou todas as medidas razoáveis e possíveis no contexto atual para associar de modo adequado a população em causa, a fim de determinar o seu consentimento. Foram realizadas amplas consultas no Sara Ocidental e no Reino de Marrocos e os intervenientes socioeconómicos e políticos que nelas participaram pronunciaram‑se claramente a favor da celebração do Acordo de Pesca. Todavia, a Frente Polisário e alguns outros intervenientes não aceitaram participar no processo de consulta.

(12)      Aqueles que não aceitaram participar no processo rejeitaram a aplicação do Acordo de Pesca e do seu Protocolo de Execução nas águas adjacentes ao Sara Ocidental por considerarem, essencialmente, que esses instrumentos sancionam a posição do Reino de Marrocos sobre o território do Sara Ocidental. Porém, nada no Acordo de Pesca ou no seu Protocolo de Execução implica o reconhecimento da soberania ou dos direitos de soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental e as águas adjacentes. Por outro lado, a União continuará a empenhar‑se, redobrando esforços, no apoio ao processo de resolução pacífica do diferendo iniciado e prosseguido sob a égide das Nações Unidas.»

61      Nos termos do artigo 1.o, alínea h), do Acordo de Pesca, para efeitos deste acordo, há que entender por «zona de pesca», «as águas do Atlântico Centro‑Este entre os paralelos 35° 47′ 18″ Norte e 20° 46′ 13″ Norte, incluindo as águas adjacentes [ao] Sara Ocidental, que cobrem o conjunto das zonas de gestão». É igualmente especificado que «esta definição não afeta as eventuais negociações relativas à delimitação das zonas marítimas dos Estados costeiros ribeirinhos da zona de pesca nem, em geral, os direitos dos Estados terceiros».

62      O artigo 6.o, n.o 1, do Acordo de Pesca estipula: «A fim de garantir um quadro regulamentar para uma pesca sustentável, os navios da União que operam na zona de pesca devem respeitar as disposições legislativas e regulamentares marroquinas que regulam as atividades de pesca nessa zona, salvo disposição em contrário do presente Acordo […]».

63      O artigo 12.o, n.os 1 a 4, do Acordo de Pesca estipula:

«1.      A contrapartida financeira está definida no Protocolo.

2.      A contrapartida financeira a que se refere o n.o 1 inclui:

a)      Uma compensação financeira concedida pela União pelo acesso dos seus navios à zona de pesca;

b)      As taxas pagas pelos armadores dos navios da União;

c)      Um apoio setorial concedido pela União para a aplicação de uma política das pescas sustentável e a governação dos oceanos, que é objeto de uma programação anual e plurianual.

3. A contrapartida financeira concedida pela União é paga anualmente, nos termos do Protocolo.

4. As Partes examinam a repartição geográfica e social equitativa dos benefícios socioeconómicos decorrentes do presente Acordo, nomeadamente em termos de infraestruturas, serviços sociais de base, criação de empresas, formação profissional, e projetos de desenvolvimento e modernização do setor das pescas, a fim de assegurar que as populações afetadas beneficiem de forma proporcional às atividades de pesca.»

64      O artigo 13.o, n.o 1, do Acordo de Pesca estipula: «É criada uma comissão mista, constituída por representantes das [p]artes. A comissão mista é responsável pelo acompanhamento da aplicação do presente Acordo e pode adotar alterações ao Protocolo.»

65      O artigo 14.o do Acordo de Pesca estipula: «O presente Acordo aplica‑se aos territórios em que são aplicáveis, por um lado, o Tratado da União Europeia e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, por outro, as disposições legislativas e regulamentares referidas no artigo 6.o, n.o 1, do presente Acordo».

66      O artigo 16.o do Acordo de Pesca estipula: «O Protocolo [de execução] e a [Troca de Cartas] constituem parte integrante deste […].»

67      O artigo 6.o, n.os 1 e 2, do Protocolo de Execução estipula:

«1.      Os montantes da compensação financeira e das taxas referidas no artigo 12.o, n.o 2, do Acordo de Pesca, respetivamente na alínea a) e na alínea b), são afetados de modo a garantir uma repartição geográfica e social equitativa das vantagens socioeconómicas em benefício das populações afetadas, nos termos do artigo 12.o, n.o 4, do Acordo de Pesca.

2.      No prazo de três meses a contar da data de aplicação do presente Protocolo, as autoridades do Reino de Marrocos apresentarão o método conducente à repartição geográfica e social referida no n.o 1, bem como a chave de repartição dos montantes atribuídos, que será examinada na comissão mista.»

68      O artigo 7.o, n.os 1 e 2, do Protocolo de Execução estipula:

«1. O apoio setorial referido no artigo 12.o, n.o 2, alínea c), do Acordo de Pesca contribui para o desenvolvimento e execução da política setorial, no âmbito da estratégia nacional de desenvolvimento do setor das pescas.

2. No prazo de três meses a contar da data de aplicação do presente Protocolo, a comissão mista acordará num programa setorial plurianual e suas regras de execução, abrangendo nomeadamente:

a)      As orientações anuais e plurianuais sobre a utilização do montante específico do apoio setorial em conformidade com o artigo 12.o, n.o 4, do Acordo de Pesca;

[…]»

69      As fichas técnicas de pesca n.os 3 a 6 que constam do apêndice 2 do Protocolo de Execução mencionam, como limite sul da zona de gestão correspondente, o paralelo 20°46’13’’. A ficha técnica de pesca n.o 6, relativa à pesca pelágica industrial com redes de arrasto pelágico ou semipelágico e redes de cerco com retenida, refere‑se aos navios de peixe fresco (arrastões e cercadores) que desembarquem no porto de Dakhla.

70      A Troca de Cartas indica, no seu segundo parágrafo:

«No termo das negociações, a União Europeia e o Reino de Marrocos acordaram no seguinte:

1.      No tocante à questão do Sara Ocidental, as Partes reafirmam o seu apoio ao processo das Nações Unidas e aos esforços do seu Secretário‑Geral para encontrar uma solução política definitiva, conforme aos princípios e objetivos da Carta das Nações Unidas e baseada nas resoluções do Conselho de Segurança.

2.      O Acordo de Pesca é celebrado sem prejuízo das posições respetivas:

–        para a União Europeia, no respeitante ao estatuto do território não autónomo do Sara Ocidental, cujas águas adjacentes são abrangidas pela zona de pesca definida no artigo 1.o, alínea h), do Acordo de Pesca, e ao seu direito à autodeterminação, a referência no referido acordo às disposições legislativas e regulamentares marroquinas não afeta a sua posição;

–        para o Reino de Marrocos, a região do Sara constitui parte integrante do território nacional sobre a qual exerce plenamente os seus direitos de soberania como no resto do território nacional. Marrocos considera que qualquer solução para este diferendo regional deve ter por base a sua iniciativa de autonomia.»

E.      Regulamento impugnado

71      Em 29 de novembro de 2018, o Conselho adotou o Regulamento (UE) 2019/440, relativo à repartição das possibilidades de pesca a título do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos e do seu protocolo de execução (JO 2019, L 77, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»). Em conformidade com o seu artigo 2.o, este regulamento entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, que se verificou, concomitantemente à publicação da decisão impugnada, em 20 de março de 2019.

72      O artigo 1.o, n.o 1, do regulamento impugnado reparte as possibilidades de pesca estabelecidas ao abrigo do Protocolo de Execução do seguinte modo:

Categoria de pesca

Tipo de navio

Estado‑Membro

Licenças ou quota

Pesca artesanal Norte, pelágicos

Cercadores < 150 arqueação bruta (GT)

Espanha

22

Pêche artesanal Norte

Palangreiros de fundo < 40 GT

Espanha

25



Portugal

7


Palangreiros de fundo ≥ 40 GT < 150 GT

Portugal

3

Pesca artesanal Sul

Linha e cana < 150 GT por navio

Total ≤ 800 GT

Espanha

10

Pesca demersal

Palangreiros de fundo ≤ 150 GT

Espanha

7



Portugal

4


Arrastões ≤ 750 GT

Total ≤ 3 000 GT

Espanha

5



Itália

0

Pesca atuaneira

Navios de pesca com canas

Espanha

23



França

4

Pelágica industrial

85 000 toneladas (t) no primeiro ano

90 000 t no segundo ano

100 000 t nos terceiro e quarto anos

Repartição dos navios autorizados a pescar:

10 navios ≥ 3 000 GT e < 7 765 GT

4 navios ≥ 150 e < 3 000 GT

4 navios < 150 GT

Primeiro ano: 85 000 t




Alemanha

6 871,2 t



Lituânia

21 986,3 t



Letónia

12 367,5 t



Países Baixos

26 102,4 t



Irlanda

3 099,3 t



Polónia

4 807,8 t



Reino Unido

4 807,8 t



Espanha

496,2 t



Portugal

1 652,2 t



França

2 809,3 t



Segundo ano: 90 000 t




Alemanha

7 275,4 t



Lituânia

23 279,6 t



Letónia

13 095,0 t



Países Baixos

27 637,9 t



Irlanda

3 281,6 t



Polónia

5 090,6 t



Reino Unido

5 090,6 t



Espanha

525,4 t



Portugal

1 749,4 t



França

2 974,5 t



Terceiro e quarto ano: 100 000 t




Alemanha

8 083,8 t



Lituânia

25 866,3 t



Letónia

14 550,0 t



Países Baixos

30 708,8 t



Irlanda

3 646,3 t



Polónia

5 656,3 t



Reino Unido

5 656,3 t



Espanha

583,8 t



Portugal

1 943,8 t



França

3 305,0 t


II.    Tramitação processual e pedidos das partes

73      Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 10 e 12 de junho de 2019, a recorrente interpôs os presentes recursos, registados, por um lado, sob o número T‑344/19 e, por outro, sob o número T‑356/19.

74      O Conselho apresentou as contestações, respetivamente, em 19 (processo T‑344/19) e 20 de setembro de 2019 (processo T‑356/19).

75      Por Decisão de 16 de outubro de 2019, tendo sido alterada a composição das secções, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afeto à Nona Secção do Tribunal Geral, à qual os presentes processos, foram, consequentemente, atribuídos.

76      Em 8 de novembro de 2019, a recorrente apresentou a réplica no processo T‑344/19. Não apresentou qualquer réplica dentro do prazo fixado no processo T‑356/19.

77      Por Decisões de 13 de novembro de 2019, a presidente da Nona Secção do Tribunal Geral admitiu os pedidos de intervenção em apoio do Conselho apresentados pelo Reino de Espanha, pela República Francesa e pela Comissão nos dois processos.

78      Por Despacho de 10 de dezembro de 2019, Frente Polisário/Conselho (T‑344/19, não publicado, EU:T:2019:862), a presidente da Nona Secção admitiu o pedido de intervenção em apoio do Conselho, apresentado no processo T‑344/19 pelas chambres des pêches maritimes marocaines (Câmaras das Pescas Marítimas Marroquinas), a saber, a Chambre des pêches maritimes de la Méditerranée, a Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Nord, a Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Centre e a Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Sud (a seguir, conjuntamente designadas, «CPMM»).

79      Em 8 de janeiro de 2020, a Comissão apresentou os seus articulados de intervenção. O Reino de Espanha e a República Francesa apresentaram os seus articulados de intervenção em 9 de janeiro de 2020.

80      Em 9 de janeiro de 2020, o Conselho apresentou a tréplica no processo T‑344/19.

81      Em 4 de março de 2020, as CPMM apresentaram o seu articulado de intervenção no processo T‑344/19.

82      Em 9 de março de 2020, a recorrente apresentou as suas observações sobre os articulados de intervenção, por um lado, do Reino de Espanha, da República Francesa e da Comissão no processo T‑344/19 e, por outro, do Reino de Espanha e da República Francesa no T‑356/19. Em 20 de junho de 2020, apresentou as suas observações sobre o articulado de intervenção das CPMM no processo T‑344/19.

83      Nenhum pedido de organização de uma audiência de alegações foi apresentado dentro do prazo fixado no processo T‑356/19. Em 22 de setembro de 2020, a recorrente pediu a organização de uma audiência no processo T‑344/19.

84      Em 23 de novembro de 2020, sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter os processos a uma formação de julgamento alargada.

85      Em 9 de dezembro de 2020, com fundamento no artigo 106.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral decidiu dar início a fase oral do processo. Além disso, convidou as partes a tomarem posição sobre a apensação dos processos para efeitos da fase oral e da decisão que põe termo à instância.

86      Através de duas medidas de organização do processo no processo T‑344/19, de 18 de dezembro de 2020, o Tribunal Geral fez, por um lado, perguntas às partes para resposta por escrito e convidou a recorrente, o Conselho e a Comissão a fornecerem‑lhe informações complementares e, por outro, convidou as partes a precisarem, na audiência, a sua posição sobre certas questões de princípio pertinentes para o litígio nesse processo.

87      Em 25 de janeiro de 2021, a recorrente, o Conselho e a Comissão apresentaram as suas respostas escritas às perguntas do Tribunal Geral e forneceram as informações solicitadas. As partes principais apresentaram as suas observações sobre a apensação dos processos em 25 de janeiro de 2021.

88      Por Decisão de 28 de janeiro de 2021, a presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral ordenou a apensação dos processos para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância.

89      Em 25 de fevereiro de 2021, com fundamento no artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a recorrente ofereceu novas provas. A Comissão apresentou as suas observações sobre estas em 12 de março de 2021, tendo o Conselho e as CPMM apresentado as suas em 15 de março de 2021.

90      A audiência de alegações realizou‑se em 3 de março de 2021. Na audiência, o Tribunal Geral convidou o Reino de Espanha e a Comissão a fornecer certas precisões factuais por escrito.

91      Em 9 de março de 2021, a Comissão apresentou um pedido para que o Tribunal Geral, com fundamento no artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, mantivesse os efeitos da decisão impugnada, em caso de anulação desta, até uma data posterior ou, em caso de recurso, até à prolação da decisão do Tribunal de Justiça que sobre este se pronuncie.

92      O Reino de Espanha e a Comissão responderam, respetivamente, em 10 e 12 de março de 2021, aos pedidos de precisões factuais do Tribunal Geral. Por seu lado, a recorrente apresentou espontaneamente novos elementos em resposta a esse pedido em 12 de março de 2021. O Reino de Espanha e a Comissão apresentaram observações sobre esses elementos em 25 de março de 2021, ao passo que o Conselho e as CPMM apresentaram as suas observações a este respeito, respetivamente, em 29 de março e 2 de abril de 2021. Além disso, o Reino de Espanha e o Conselho apresentaram, respetivamente em 25 e 29 de março de 2021, observações sobre o pedido da Comissão referido no n.o 91, supra, ao passo que a recorrente e a República Francesa apresentaram as suas próprias observações sobre este pedido em 2 de abril de 2021. A fase oral do processo foi declarada encerrada em 9 de abril de 2021 e os processos passaram à fase de deliberação.

93      Na sequência do falecimento do juiz B. Berke, que ocorreu em 1 de agosto de 2021, os três juízes cujas assinaturas estão apostas no presente acórdão prosseguiram as deliberações, em conformidade com o artigo 22.o e o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

94      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        no processo T‑344/19, anular a decisão impugnada;

–        no processo T‑356/19, caso o Tribunal Geral considere que o regulamento impugnado constitui uma medida intermédia que obste à sua afetação direta pela decisão impugnada, anular este regulamento;

–        condenar o Conselho e os intervenientes nas despesas.

95      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar a recorrente nas despesas.

96      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        decidir sobre as despesas.

97      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento aos recursos.

98      A Comissão indica que apoia os pedidos do Conselho. Além disso, no processo T‑344/19, pede ao Tribunal Geral que mantenha os efeitos da decisão impugnada, em caso de anulação, até uma data posterior ou, em caso de recurso, até à prolação da decisão do Tribunal de Justiça que decida sobre este.

99      No processo T‑344/19, as CPMM concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao recurso no processo T344/19

100    Com o seu recurso no processo T‑344/19, a recorrente, que afirma agir «em nome do povo sarauí», pede a anulação da decisão impugnada, com o fundamento, em substância, de que, ao aprovar o acordo controvertido sem o consentimento desse povo, quando este acordo se aplica ao Sara Ocidental, o Conselho violou, com esta decisão, as obrigações que incumbiam à União no âmbito das suas relações com o Reino de Marrocos, por força do direito da União e do direito internacional. Em especial, a recorrente sustenta que o acordo controvertido não é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça enunciada nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, que excluiu essa aplicação territorial.

101    Sem apresentar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, o Conselho, apoiado pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela Comissão e pelas CPMM, invoca, a título principal, dois fundamentos de inadmissibilidade contra o presente recurso relativos, um, à falta de capacidade da recorrente para agir judicialmente perante os órgãos jurisdicionais da União, e outro, relativo à sua falta de legitimidade para interpor recurso da decisão impugnada. Nomeadamente, no âmbito destes fundamentos de inadmissibilidade, o Conselho, apoiado pela República Francesa, pela Comissão e pelas CPMM, põe em causa o alcance e a exclusividade do papel reivindicado pela recorrente em relação ao povo do Sara Ocidental. Além disso, as CPMM, por seu lado, põem em causa a validade do mandato que a recorrente conferiu ao seu advogado. A título subsidiário, o Conselho, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Comissão e as CPMM concluem pela improcedência da argumentação da recorrente. Em especial, o Conselho, apoiado pelo Reino de Espanha e pela República Francesa, alega, em substância, que, ao aprovar o acordo de pesca, conformou‑se com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por sua vez, a Comissão e as CPMM, ao mesmo tempo que aprovam esta argumentação, consideram, de qualquer modo, que esta jurisprudência não é pertinente para a apreciação do recurso, nomeadamente, pelo facto de ser relativa à interpretação dos acordos celebrados pela União com o Reino de Marrocos e não à validade destes. Além disso, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e as CPMM consideram que os princípios de direito internacional em que a recorrente baseia a sua argumentação não são invocáveis.

102    A título preliminar, por um lado, há que salientar que o presente recurso visa a anulação da decisão impugnada, na medida em que esta tem por objeto a celebração do Acordo de Pesca, do Protocolo de Execução e da Troca de Cartas, fazendo estes dois últimos instrumentos parte integrante do referido Acordo de Pesca, em conformidade com o seu artigo 16.o

103    Por outro lado, por Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), o Tribunal Geral decide de um recurso, interposto pela recorrente, de anulação da Decisão (UE) 2019/217 do Conselho, de 28 de janeiro de 2019, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos sobre a alteração dos Protocolos n.o 1 e n.o 4 do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (JO 2019, L 34, p. 1). Conforme decorre da fundamentação desse acórdão, no processo T‑279/19, os fundamentos do recurso e as exceções de inadmissibilidade do Conselho, recorrido, apoiado, designadamente, pela República Francesa e pela Comissão, têm, em grande parte, a mesma base jurídica e a mesma argumentação que os fundamentos do recurso e as exceções de inadmissibilidade invocados no presente caso. Por conseguinte, o Tribunal Geral examinará, se necessário, estes últimos à luz das considerações do referido acórdão.

1.      Quanto à admissibilidade de determinados anexos à réplica

104    Na tréplica, o Conselho contesta, com base no artigo 85.o do Regulamento de Processo, a admissibilidade dos anexos C.1 a C.3, C.5, C.6, C.8, C.9, C.12, C.14, C.15, C.17, C.21, C.22, C.24 a C.40 e C.42 a C.53, com fundamento na falta de justificação para o atraso na apresentação destas provas. A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 85.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, em apoio da sua argumentação, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas na réplica e na tréplica, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado. No entanto, estas disposições devem ser lidas à luz do artigo 92.o, n.o 7, do referido regulamento, que prevê expressamente que a admissão da contraprova e da ampliação das provas depende de decisão do Tribunal Geral. Por conseguinte, como decorre de jurisprudência constante, a contraprova e a ampliação das provas oferecidas na sequência da contraprova da parte contrária não são abrangidas pela regra de preclusão prevista no referido artigo 85.o, n.o 2 (v. Acórdão de 18 de setembro de 2017, Uganda Commercial Impex/Conselho, T‑107/15 e T‑347/15, não publicado, EU:T:2017:628, n.o 72 e jurisprudência referida).

105    No presente caso, basta salientar que, conforme resulta das partes da réplica que lhes fazem referência, os elementos de prova constantes dos anexos contestados pelo Conselho permitem responder aos argumentos pelos quais este último, na contestação, alega, por um lado, a validade das consultas realizadas pela Comissão e pelo Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) com vista a obter o consentimento do povo do Sara Ocidental e, por outro, a falta de capacidade judiciária e de legitimidade ativa da recorrente. Por conseguinte, a regra de preclusão prevista no artigo 85.o, n.o 2, do Regulamento de Processo não é aplicável a estes elementos de prova que são, portanto, admissíveis. Daqui resulta que o respetivo fundamento de inadmissibilidade do Conselho deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto à admissibilidade do recurso

106    Antes de proceder ao exame dos fundamentos de inadmissibilidade do Conselho e das dúvidas manifestadas pelas CPMM, há que salientar que o objeto do presente recurso suscita outras questões de admissibilidade, sobre as quais compete ao Tribunal Geral pronunciar‑se oficiosamente. Estas questões são referentes, por um lado, à premissa em que a recorrente baseia a sua legitimidade, a saber, que o âmbito de aplicação territorial do acordo controvertido inclui o Sara Ocidental e as suas águas adjacentes e, por outro, o alcance dos pedidos para efeitos de anulação da decisão impugnada.

a)      Quanto ao âmbito de aplicação territorial do acordo controvertido

107    Resulta dos fundamentos e dos argumentos apresentados na petição que o presente recurso é baseado na premissa de que o acordo controvertido se aplica ao Sara Ocidental e às águas adjacentes. Em especial, relativamente à admissibilidade do recurso, a recorrente baseia‑se na circunstância alegada de que, enquanto representante do povo do Sara Ocidental, é direta e individualmente afetada pela decisão impugnada devido a essa aplicação territorial do referido acordo.

108    Importa, portanto, verificar, a título preliminar, se a premissa em que a recorrente baseia a sua legitimidade ativa em relação à decisão impugnada é exata.

109    A este respeito, em primeiro lugar, importa salientar que, segundo a redação do artigo 1.o, alínea h), do Acordo de Pesca, a zona de pesca, para efeitos deste acordo, refere‑se às «águas do Atlântico Centro‑Este entre os paralelos 35° 47′ 18″ Norte e 20° 46′ 13″ Norte, incluindo as águas adjacentes [ao] Sara Ocidental», sem prejuízo dos direitos dos Estados terceiros, designadamente dos Estados costeiros ribeirinhos da referida zona de pesca (v. n.o 61, supra).

110    Além disso, como foi referido no n.o 69, supra, as fichas técnicas de pesca n.os 3 a 6, que constam do apêndice 2 do Protocolo de Execução, mencionam, enquanto limite sul da zona de gestão coberta por estas fichas, o paralelo 20° 46′ 13″ e a ficha técnica de pesca n.o 6 refere‑se aos navios que desembarcam no porto de Dakhla, situado no Sara Ocidental.

111    Deduz‑se da redação destas estipulações que as coordenadas geográficas nelas referidas incluem tanto as águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos como as águas adjacentes ao Sara Ocidental, o que, aliás, ilustram os mapas reproduzidos no n.o 66 das Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:1) e nos n.os 66 a 69 destas conclusões. No quadro de uma resposta escrita a uma questão do Tribunal Geral, a Comissão confirmou que a delimitação das zonas de pesca que figuram nessas cartas correspondia, no essencial, aos limites das zonas de gestão referidas pelas fichas técnicas mencionadas no n.o 110, supra.

112    Em segundo lugar, importa salientar que o artigo 12.o do Acordo de Pesca prevê, por um lado, o pagamento de uma «contrapartida financeira», que inclui, designadamente, nos termos do seu n.o 2, «um apoio setorial concedido pela União», e, por outro lado, impõe às partes nesse acordo, por força do seu n.o 4, que examinem «a repartição geográfica e social equitativa dos benefícios socioeconómicos decorrentes [deste acordo]» «a fim de assegurar que as populações afetadas beneficiem de forma proporcional às atividades de pesca» (v. n.o 63, supra).

113    As estipulações recordadas no n.o 112, supra, são precisadas, em especial, pelos artigos 6.o e 7.o do Protocolo de Execução. O artigo 6.o, n.o 2, deste protocolo prevê, nomeadamente, que as autoridades do Reino de Marrocos apresentarão o método conducente à repartição geográfica e social dos benefícios socioeconómicos em causa e a chave de repartição dos montantes atribuídos, que será examinada na comissão mista estabelecida pelo artigo 13.o do Acordo de Pesca. Por outro lado, o artigo 7.o, n.o 2, do protocolo prevê que, no prazo de três meses a contar da data de aplicação do presente protocolo, esta comissão mista acordará um programa setorial plurianual bem como as modalidades de execução detalhadas.

114    Em terceiro lugar, nos termos do artigo 14.o do Acordo de Pesca, epigrafado «Zona de aplicação», o Acordo de Pesca aplica‑se aos territórios onde se aplicam, por um lado, o Tratado UE e o Tratado FUE e, por outro, «as disposições legislativas e regulamentares referidas no artigo 6.o, n.o 1, [deste acordo]», isto é, segundo os termos deste último artigo, as disposições legislativas e regulamentares marroquinas que são aplicáveis às atividades de pesca (v. n.os 62 e 65, supra).

115    Em quarto lugar, o segundo parágrafo, n.o 1, da Troca de Cartas precisa que, «[n]o tocante à questão do Sara Ocidental», a União e o Reino de Marrocos «reafirmam o seu apoio ao processo das Nações Unidas». O segundo parágrafo, n.o 2, da Troca de Cartas especifica que «[o] Acordo de Pesca é celebrado sem prejuízo das [suas] posições respetivas», «para a União […], no respeitante ao estatuto do território não autónomo do Sara Ocidental» e, «para o Reino de Marrocos, [sobre a] região do Sara [enquanto] parte integrante do território nacional sobre a qual exerce plenamente os seus direitos de soberania» (v. n.o 70, supra).

116    Em quinto lugar, decorre expressamente dos considerandos 3 e 5 da decisão impugnada (v. n.o 60, supra), que, após a prolação do Acórdão Western Sahara Campaign UK, pelo qual «o Tribunal de Justiça declarou que nem o Acordo [de Pesca de 2006] nem o Protocolo de [2013] eram aplicáveis às águas adjacentes [e] ao território do Sara Ocidental», a celebração do acordo controvertido visa permitir às «frotas da União» «prosseguir[em] as suas atividades de pesca exercidas», «incluir [no âmbito de aplicação do acordo]» as referidas águas e permitir, através da «continuidade da parceria no domínio da pesca», a «este território» «continuar a beneficiar do apoio setorial proporcionado pelo Acordo, no respeito do direito da União e internacional, inclusive dos direitos humanos, e em benefício do povo em causa».

117    Por conseguinte, por um lado, resulta expressamente das estipulações do acordo controvertido no seu conjunto e dos considerandos da decisão impugnada que o objeto deste acordo, confirmado pela intenção das partes neste, é permitir às frotas de pesca da União exercer as suas atividades de pesca num perímetro que inclui tanto as águas sob a soberania ou a jurisdição do Reino de Marrocos como as águas adjacentes ao Sara Ocidental. Por outro lado, daí resulta igualmente que este acordo se aplica tanto no território do Reino de Marrocos como no território do Sara Ocidental, pelo menos na parte deste território controlada por esse Estado terceiro, na qual, nos termos do disposto no artigo 6.o, n.o 1, do Acordo de Pesca, as «disposições legislativas e regulamentares» marroquinas «se aplicam». Em especial, é o que sucede quanto às suas estipulações relativas à compensação financeira, que inclui o apoio setorial e da qual as «populações» desse território são suscetíveis de beneficiar proporcionalmente às atividades de pesca nas águas adjacentes.

118    Esta análise não é posta em causa pela interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça do âmbito de aplicação, por um lado, do Acordo de Associação e do Acordo de Liberalização nos n.os 86 a 126 do Acórdão Conselho/Frente Polisário e, por outro, do Acordo de Pesca de 2006 e do Protocolo de 2013 nos n.os 59 a 82 do Acórdão Western Sahara Campaign UK (v. n.os 36 a 40 e 44 a 51, supra).

119    Com efeito, resulta dos n.os 86 a 126 do Acórdão Conselho/Frente Polisário e dos n.os 59 a 82 do Acórdão Western Sahara Campaign UK que um acordo entre a União e o Reino de Marrocos celebrado no âmbito do conjunto de convenções constituído pelo Acordo de Associação não pode ser interpretado no sentido de que inclui implicitamente, no seu âmbito de aplicação territorial, conforme definido no artigo 94.o deste último acordo, o território do Sara Ocidental (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 187). Por outro lado, resulta dos n.os 73 e 79 do Acórdão Western Sahara Campaign UK que um acordo de pesca entre estas duas partes e o seu Protocolo de Execução celebrados nesse quadro, que se referem à «zona de pesca marroquina», definida como remetendo às águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos, não podem ser interpretados no sentido de que incluem na referida zona de pesca marroquina as águas adjacentes ao Sara Ocidental.

120    Em contrapartida, nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre as consequências a retirar de uma estipulação de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos que prevê expressamente que o seu âmbito de aplicação se estende ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes. Em especial, como salientam a Comissão e a República Francesa, o Tribunal de Justiça não excluiu, por princípio, a validade da inclusão expressa desse território e dessas águas no referido âmbito de aplicação (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 187 e 188).

121    Por outro lado, a exigência resultante, nomeadamente, do artigo 31.o, n.o 3, alínea c), da Convenção de Viena, segundo a qual as disposições de um Tratado devem ser interpretadas tendo em conta toda a norma de direito internacional aplicável entre as partes, não pode servir de fundamento a uma interpretação de tais disposições contrária à sua redação, quando o sentido destas últimas é claro e que é demonstrado, por outro lado, que esse sentido corresponde ao que as partes no Tratado tinham pretendido dar‑lhes. Com efeito, para além do facto de que a execução desta exigência deve ser compatível com o princípio consagrado no artigo 31.o, n.o 1, da referida convenção, segundo o qual um tratado deve ser interpretado de boa‑fé, segundo o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz do seu objeto e do seu fim, essa execução não pode ter por consequência alterar a substância dos direitos e das obrigações nos quais a União e o Reino de Marrocos mutuamente consentiram no âmbito do acordo controvertido (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 190 a 192).

122    Ora, na medida em que o acordo controvertido tem por objeto, em especial, fornecer um quadro jurídico à inclusão das águas adjacentes ao Sara Ocidental na zona de pesca autorizada aos navios da União e, como corolário, à aplicação ao seu território da contrapartida financeira concedida pela União proporcionalmente às atividades destes navios, daí deve necessariamente concluir‑se que, com este acordo, as partes pretenderam derrogar o artigo 94.o do Acordo de Associação no que diz respeito ao âmbito de aplicação territorial do regime jurídico aplicável a essas atividades e a essa contrapartida. Com efeito, este artigo limita, no que diz respeito ao Reino de Marrocos, o âmbito de aplicação do Acordo de Associação ao seu território (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 189).

123    A premissa na qual a recorrente baseia a sua legitimidade para agir contra a decisão impugnada, a saber, que a decisão impugnada aprova um acordo entre a União e o Reino de Marrocos que se aplica expressamente ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes, é, portanto, exata.

b)      Quanto ao alcance dos pedidos de anulação

124    O Tribunal Geral salienta que, no âmbito do presente recurso, a recorrente contesta, com os seus fundamentos e argumentos, a legalidade da decisão impugnada apenas pelo facto de esta aprovar a aplicação do acordo controvertido ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes, o que a recorrente confirmou, em substância, na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal Geral a este respeito. Assim, através dos referidos fundamentos e argumentos, a recorrente não pretende contestar a legalidade da aplicação destes instrumentos ao território do Reino de Marrocos ou às águas sob a soberania ou a jurisdição deste Estado terceiro, aplicação essa que não é, portanto, posta em causa no âmbito do presente litígio.

125    No entanto, decorre dos termos da petição, nomeadamente das suas partes introdutória e conclusiva, que, nos seus pedidos, a recorrente pede a anulação da decisão impugnada, sem limitar expressamente o alcance da anulação à aprovação, por esta decisão, da aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental e às águas adjacentes.

126    Ora, interrogada na audiência sobre a questão do alcance dos seus pedidos, a recorrente indicou que o seu recurso visava, a título principal, a anulação da decisão impugnada na medida em que aprovava a aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental e às águas adjacentes e, a título subsidiário, se o Tribunal Geral considerasse que esta aplicação territorial não era destacável do acordo no seu conjunto, à anulação da decisão impugnada na sua totalidade.

127    A este respeito, há que salientar que, segundo jurisprudência constante, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato. A este respeito, foi declarado de forma reiterada que esta exigência não era cumprida se a anulação parcial de um ato tivesse por efeito alterar a substância desse ato. De igual modo, a verificação do caráter destacável de elementos de um ato da União pressupõe o exame do alcance desses elementos, a fim de se poder avaliar se a anulação dos mesmos modificaria o espírito e a substância desse ato (v. Acórdão de 9 de novembro de 2017, SolarWorld/Conselho, C‑204/16 P, EU:C:2017:838, n.os 36, 37 e jurisprudência referida).

128    Ora, como resulta dos n.os 109 a 117, supra, através da decisão impugnada, o Conselho, em nome da União, expressou o consentimento desta última num acordo com o Reino de Marrocos cujas estipulações se aplicam indiferentemente, por um lado, ao território deste país terceiro e às águas sob a sua soberania ou sob a sua jurisdição e, por outro, ao Sara Ocidental e às águas adjacentes. Em especial, há que salientar que, embora o Acordo de Pesca inclua expressamente estas últimas águas na zona de pesca, a definição da zona de pesca e das zonas de gestão referidas pelas fichas técnicas constantes do apêndice 2 do Protocolo de Execução não implica uma delimitação das atividades de pesca consoante sejam realizadas nessas águas ou nas águas marroquinas. Do mesmo modo, as estipulações deste acordo e do Protocolo de Execução relativas à contrapartida financeira, designadamente, ao apoio setorial, não estabelecem nenhuma distinção entre a parte desta contrapartida paga em benefício de atividades situadas no território de Marrocos e a parte paga em benefício de atividades situadas no território não autónomo acima referido.

129    Por conseguinte, deve deduzir‑se daí que o consentimento dado, em nome da União, pela decisão impugnada à aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental e às águas adjacentes não é destacável do consentimento dado, por essa decisão, ao referido acordo no seu conjunto. Assim, a anulação dessa decisão apenas na parte em que aprovou a aplicação do referido acordo a esse território não autónomo e às referidas águas alteraria o espírito e a substância desse ato.

130    De resto, importa recordar que a recorrente não tem, em princípio, o direito de alterar o objeto inicial da petição, substituindo os pedidos apresentados nesta por pedidos apresentados pela primeira vez na audiência [v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 27 de janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, EU:C:2000:38, n.o 47 e jurisprudência referida, e de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão, T‑28/03, EU:T:2005:139, n.o 45 e jurisprudência referida]. Ora, no caso em apreço, há que salientar que apenas o pedido apresentado na audiência a título subsidiário, que visa a anulação na íntegra da decisão impugnada, corresponde ao enunciado dos pedidos formulados na petição.

131    Por conseguinte, há que julgar inadmissível o pedido da recorrente apresentado na audiência a título principal, que visa a anulação parcial da decisão impugnada, na parte em que aprova a aplicação do acordo controvertido ao Sara Ocidental e às águas adjacentes. Há, portanto, que examinar apenas os pedidos da recorrente, conforme enunciados na petição e reproduzidos, a título subsidiário, na audiência, que visam a anulação da decisão impugnada na sua totalidade.

c)      Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de capacidade judiciária da recorrente

132    Em apoio do primeiro fundamento de inadmissibilidade, o Conselho alega que a recorrente não é uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, que dispõe de capacidade judiciária perante os órgãos jurisdicionais da União. Em primeiro lugar, o Conselho sustenta que a recorrente não tem personalidade jurídica ao abrigo do direito interno de um Estado‑Membro. Em segundo lugar, o Conselho afirma que a recorrente não é um sujeito de direito internacional. Em terceiro lugar, o Conselho alega que a recorrente não preenche os critérios estabelecidos pelos órgãos jurisdicionais da União para reconhecer capacidade judiciária a uma entidade desprovida de personalidade jurídica e, em especial, o requisito relativo ao facto de a entidade em causa dever ser tratada pela União como um sujeito distinto dotado de direitos e de obrigações.

133    A República Francesa, a Comissão e as CPMM desenvolvem, em substância, a mesma argumentação que a do Conselho. As CPMM sustentam, além disso, que a recorrente não dispõe da autonomia necessária para agir como entidade responsável nas relações jurídicas, tendo em conta as suas relações com a República Árabe Sarauí Democrática (RASD), não reconhecida pela ONU e pela União.

134    Em apoio da sua capacidade judiciária, a recorrente alega que é um movimento de libertação nacional, que extrai diretamente do direito internacional os seus direitos e obrigações, devido ao estatuto separado e distinto do Sara Ocidental e ao direito à autodeterminação do povo sarauí. Este estatuto é confirmado, nomeadamente, pela sua capacidade para celebrar acordos e pelo seu reconhecimento como única representante desse povo pela Assembleia Geral da ONU. Enquanto sujeito de direito internacional, preenche, por maioria de razão, os critérios fixados pela jurisprudência para verificar se uma entidade desprovida de personalidade jurídica pode ser considerada uma pessoa coletiva na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

135    A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos deste artigo, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e que não necessitem de medidas de execução.

136    Em seguida, de acordo com a jurisprudência, o conceito de pessoa coletiva que consta do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE embora implique, em princípio, a existência da personalidade jurídica, que deve ser verificada à luz do direito nacional ao abrigo do qual a pessoa coletiva em questão foi constituída, não coincide necessariamente com os conceitos próprios das diferentes ordens jurídicas dos Estados‑Membros. Assim, a jurisprudência já reconheceu a capacidade de agir judicialmente perante os órgãos jurisdicionais da União a entidades independentemente da questão da sua constituição como pessoa coletiva de direito interno (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 83 e jurisprudência referida).

137    Foi, designadamente, o caso quando, por um lado, a entidade em causa dispunha de representatividade suficiente a respeito de pessoas cujos direitos conferidos pelo direito da União afirmava defender, bem como da autonomia e da responsabilidade necessárias para agir no âmbito de relações jurídicas determinadas por esse mesmo direito e que, por outro, essa entidade tinha sido reconhecida pelas instituições como uma interlocutora quando de negociações relativas a esses direitos (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 84 e jurisprudência referida).

138    Foi o caso igualmente quando as instituições da União tinham tratado essa entidade como um sujeito distinto, dotado de direitos e de obrigações próprios. Com efeito, a coerência e a justiça impõem que se reconheça a capacidade judiciária de tal entidade para contestar as medidas restritivas dos seus direitos ou as decisões desfavoráveis tomadas a seu respeito pelas instituições (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 85 e jurisprudência referida).

139    Importa acrescentar que a jurisprudência não exclui que, em contextos diferentes destes dois acórdãos mencionados nos n.os 137 e 138, supra, a capacidade judiciária perante o juiz da União seja reconhecida a uma entidade independentemente da sua personalidade jurídica de direito interno, nomeadamente se as exigências da proteção jurisdicional efetiva o impuserem, devendo ser excluída uma interpretação restritiva do conceito de pessoa coletiva (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 86 e jurisprudência referida).

140    Por último, decorre igualmente da jurisprudência que sujeitos de direito internacional público, tais como Estados terceiros, constituem pessoas coletivas na aceção do direito da União (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 87 e jurisprudência referida).

141    No presente caso, como no processo que deu origem ao Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), embora as partes estejam de acordo sobre o facto de a recorrente não possuir personalidade jurídica de direito interno, divergem sobre a questão da existência da personalidade jurídica da recorrente em direito internacional público, em especial, sobre as incidências para esta personalidade do papel da recorrente no âmbito do processo de autodeterminação do Sara Ocidental e sobre o caráter limitado ou não da sua representatividade em relação ao povo desse território (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 88 e 89).

142    Há, portanto, que verificar, à luz da jurisprudência relativa ao conceito de pessoa coletiva, recordada nos n.os 136 a 140, supra, se o papel e a representatividade da recorrente são de natureza a conferir‑lhe capacidade judiciária perante o juiz da União (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 90).

143    A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, no n.o 89 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, no qual a recorrente se baseia no âmbito do presente recurso, o Tribunal de Justiça indicou que o princípio consuetudinário da autodeterminação faz parte das regras de direito internacional aplicáveis nas relações entre a União e o Reino de Marrocos, cuja tomada em consideração se impõe ao Tribunal Geral. Mais especificamente, no n.o 105 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que o TIJ salienta, no seu Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental, que a população deste território goza, em virtude do direito internacional geral, do direito à autodeterminação, tal como exposto nos n.os 90 e 91 do mesmo acórdão. Além disso, precisou que, por seu turno, a Assembleia Geral da ONU recomenda, no n.o 7 da sua Resolução 34/37 sobre a questão do Sara Ocidental, que a recorrente, «representante do povo do Sara Ocidental, participe plenamente na busca de uma solução política justa, duradoura e definitiva da questão do Sara Ocidental».

144    Por conseguinte, decorre destas considerações que o direito internacional reconhece ao povo do Sara Ocidental o direito à autodeterminação, o que cabe aos órgãos jurisdicionais da União ter em conta, e que, com fundamento neste direito, a Assembleia Geral da ONU reconhece à recorrente, enquanto representante do referido povo, o direito de participar «plenamente» na busca de uma solução política para a questão do estatuto definitivo desse território. Além disso, há que recordar que esse direito foi confirmado pela Resolução 35/19 (v. n.o 16, supra) e que foi exercido pela recorrente no âmbito das negociações conduzidas sob a égide da ONU, nas quais o Reino de Marrocos e a própria recorrente são partes desde 1988 (v. n.os 17, 18 e 20, supra) (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 92).

145    Ora, no âmbito do presente fundamento de inadmissibilidade, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e as CPMM não contestam o exercício, pela recorrente, do seu direito de participar no processo de autodeterminação do Sara Ocidental, enquanto representante do povo desse território, que lhe é reconhecido pelos órgãos da ONU (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 93).

146    Por outro lado, como expõe a recorrente, esta assumiu um certo número de compromissos por força do direito internacional, enquanto representante do povo do Sara Ocidental, designadamente, por força do acordo de paz celebrado com a República Islâmica da Mauritânia (v. n.o 15, supra), acordos estes a que o Reino de Marrocos e a própria recorrente chegaram sobre determinadas questões relativas à aplicação das propostas de regulamento do Secretário‑Geral da ONU e das quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 e do Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais (Protocolo I), assinado em 8 de junho de 1977, aos quais aderiu em 23 de junho de 2015 (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 94).

147    Além disso, o Conselho, a República Francesa, a Comissão e as CPMM não contestam que, como invocado pela recorrente, esta participa nos trabalhos do Comité Especial encarregado de estudar a situação referente à aplicação da Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais, criado pela Assembleia Geral da ONU, relativos à questão do Sara Ocidental e nos trabalhos conjuntos da Comissão Económica para a África (CEA), instituída no Conselho Económico e Social das Nações Unidas, e do Comité Técnico Especializado de Finanças, Assuntos Monetários, Planificação Económica e Integração da União Africana (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 95).

148    Por conseguinte, a recorrente é reconhecida no plano internacional, enquanto como representante do povo do Sara Ocidental, mesmo supondo que, como sustentam o Conselho, a República Francesa, a Comissão e as CPMM, este reconhecimento se insira no quadro limitado do processo de autodeterminação desse território. Além disso, a sua participação nesse processo implica que disponha da autonomia e da responsabilidade necessárias para agir nesse quadro, o que, aliás, confirmam os seus estatutos juntos aos autos. A circunstância de, como alegam o Conselho, a República Francesa, a Comissão e as CPMM, os direitos e as obrigações da recorrente não serem equivalentes aos dos Estados ou das organizações internacionais, circunstância que, de resto, não é contestada, não é determinante a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 96 e 97).

149    Em segundo lugar, a recorrente alega, com razão, que as instituições tomaram nota do seu papel e da sua representatividade. Por um lado, no n.o 105 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o próprio Tribunal de Justiça tomou nota do reconhecimento dessa representatividade pela Assembleia Geral da ONU (v. n.o 143, supra). Por outro lado, a recorrente fornece elementos que indicam que há regularmente intercâmbios com a Comissão relativos às questões sobre a situação do Sara Ocidental. Por outro lado, no âmbito das consultas referidas no considerando 11 da decisão impugnada (v. n.o 60, supra), o SEAE propôs à recorrente que com ele procedesse a uma troca de pontos de vista a propósito do acordo controvertido, como resulta do Relatório de avaliação da Comissão sobre os benefícios para a população do Sara Ocidental do Acordo de Pesca Sustentável entre a União e o Reino de Marrocos e o seu Protocolo de Execução e sobre a consulta dessa população, da Comissão, que acompanha a Proposta de decisão do Conselho, de 8 de outubro de 2018, relativa à assinatura, em nome da União, do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu Protocolo de Execução e da Troca de Cartas que acompanha o referido acordo [SWD(2018) 433 final, a seguir «Relatório de 8 de outubro de 2018»]. A recorrente tem, portanto, fundamento para sustentar que é considerada uma interlocutora legítima pelas instituições da União no que respeita às questões suscetíveis de ser referentes a esse território, incluindo para exprimir a sua posição sobre a celebração do acordo controvertido (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 98).

150    Em terceiro lugar, importa recordar que, no n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça considerou que, tendo em conta os elementos referidos no n.o 105 do mesmo acórdão (v. n.o 143, supra), o povo do Sara Ocidental deve ser considerado um «terceiro» na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, que, enquanto tal, pode ser afetado pela execução do Acordo de Associação em caso de inclusão do território do Sara Ocidental no âmbito de aplicação desse acordo, de modo que a referida execução deve, em todo o caso, receber o seu consentimento (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 99).

151    Além disso, nos n.os 63 e 64 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça baseou‑se nas considerações do Acórdão Conselho/Frente Polisário, designadamente as considerações dos seus n.os 105 e 106, para concluir que o âmbito de aplicação do Acordo de Pesca de 2006 não pode ser interpretado no sentido de que inclui o território do Sara Ocidental, sob pena de violar o princípio da autodeterminação e o princípio do efeito relativo dos Tratados. Do mesmo modo, nos n.os 69 a 73 do mesmo acórdão, baseando‑se nas estipulações da Convenção sobre o Direito do Mar, o Tribunal de Justiça deduziu desta conclusão que era contrário aos mesmos princípios considerar que as águas adjacentes a esse território não autónomo estão sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos na aceção do referido Acordo de Pesca.

152    Ora, com o presente recurso, a recorrente pretende defender o direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental, com o fundamento, em substância, de que a decisão impugnada não respeita este direito, ao aprovar a celebração de um acordo com o Reino de Marrocos que se aplica a esse território, sem o seu consentimento, contrariamente ao que foi declarado pelo Tribunal de Justiça (v. n.o 100, supra). Por conseguinte, deve considerar‑se que, nesta situação particular, as exigências da proteção jurisdicional efetiva impõem, de qualquer modo, reconhecer à recorrente a capacidade de interpor um recurso perante o Tribunal Geral para defender esse direito (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 100).

153    Atendendo a todas estas circunstâncias, a recorrente deve ser qualificada de pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, que dispõe de capacidade judiciária perante os órgãos jurisdicionais da União para efeitos de interposição do presente recurso, sem prejuízo da sua obrigação de demonstrar que este recurso preenche os outros requisitos de admissibilidade e, em especial, que a recorrente tem legitimidade ativa (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 101).

154    Os argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e das CPMM não põem em causa esta conclusão.

155    Em primeiro lugar, as alegadas circunstâncias relativas ao facto de a recorrente não ser a única representante do povo do Sara Ocidental e de a sua representatividade estar limitada ao processo de autodeterminação não são, de qualquer modo, determinantes à luz das circunstâncias recordadas nos n.os 143 a 149, supra. O mesmo se aplica ao facto de a recorrente não ter sido expressamente definida pelos órgãos da ONU como um movimento de libertação nacional e de não lhe ter sido concedido por estes o estatuto de observadora, bem como ao argumento segundo o qual a sua personalidade jurídica é, quando muito, «funcional» ou «transitória» (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 103).

156    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento das CPMM relativo à alegada falta de independência da recorrente em relação à RASD, tendo em conta que a recorrente é parte no processo de autodeterminação enquanto organização política autónoma e não para representar a RASD e que, de qualquer modo, o texto citado pelas CPMM em apoio do seu argumento lhe reconhece essa autonomia, este deve ser julgado improcedente (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 104).

157    Em terceiro lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual não existe entre a recorrente e a União ou entre a recorrente e os Estados‑Membros nenhuma espécie de relação jurídica, da qual decorram, para a recorrente, direitos e obrigações e que constitua, por parte da União ou dos Estados‑Membros, uma forma de «reconhecimento internacional», basta salientar que, no caso em apreço, o Tribunal Geral aprecia um recurso de anulação de um ato da União, sobre o qual tem competência para se pronunciar, que a recorrente sustenta que é diretamente e individualmente afetada enquanto representante do povo do Sara Ocidental e que, com o presente recurso, pretende defender o direito de autodeterminação deste último, que as instituições devem respeitar. Por conseguinte, a existência de uma relação jurídica entre a União e a recorrente, que importa verificar no âmbito do exame da afetação direta e individual desta última, não pode ser excluída nesta fase. De qualquer modo, na medida em que as instituições tomaram nota da representatividade da recorrente e que é por elas tratada como uma interlocutora legítima no que respeita à questão do Sara Ocidental, o facto de não ser destinatária de nenhum ato da União que produza efeitos jurídicos não é determinante (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 105 a 108 e jurisprudência referida).

158    Em quarto lugar, contrariamente ao que a Comissão sustenta, o reconhecimento da capacidade judiciária da recorrente perante o Tribunal Geral não transforma este último numa jurisdição «quase internacional». Com efeito, antes de mais, o presente litígio não tem por objeto o «diferendo» internacional em que a recorrente é parte, mas um recurso de anulação de um ato da União. Em seguida, na medida em que compete apenas ao Tribunal Geral verificar se a recorrente satisfaz os requisitos de admissibilidade próprios do direito da União, em especial os requisitos decorrentes do conceito de pessoa coletiva, a admissão do seu recurso é efetuada no quadro estrito do exercício das competências que são conferidas ao Tribunal Geral pelo direito da União. Por último, uma vez que o exercício das competências atribuídas às instituições da União no domínio internacional não pode ser, porém, subtraído à fiscalização jurisdicional, o reconhecimento da capacidade judiciária no que respeita à recorrente não pode ter como consequência que o Tribunal Geral se substitua às instituições que gerem as relações externas da União e adote de uma decisão «política». Além disso, o Tribunal Geral não pode fazer prevalecer considerações de política internacional e de oportunidade sobre as regras de admissibilidade do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 109 a 113 e jurisprudência referida).

159    Resulta de tudo o que precede que o fundamento de inadmissibilidade do Conselho relativo à falta de capacidade judiciária da recorrente deve ser julgado improcedente.

d)      Quanto à validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado

160    As CPMM manifestam dúvidas sobre a validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado. Com efeito, perguntam‑se se esse mandato pode ser validamente assinado pelo «secretário político» da recorrente, como acontece no presente caso. As CPMM pedem que o Tribunal Geral verifique a regularidade desse mandato. Sustentam que, na falta de regularidade, o recurso deve ser declarado inadmissível com fundamento no artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo.

161    Questionada a este respeito, no âmbito da medida de organização de 18 de dezembro de 2020, a recorrente refere, em primeiro lugar, que não é uma «pessoa coletiva de direito privado» na aceção do artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. Em segundo lugar, alega que todos os recursos por ela interpostos desde 2012 o foram com base em mandatos assinados pelo seu «secretário político», sem que a validade desses mandatos tenha sido alguma vez posta em causa. Em terceiro lugar, o «secretariado da organização política», à cabeça do qual está o signatário do mandato, faz parte das «estruturas principais da Frente» e é objeto dos artigos 119.o a 130.o dos seus estatutos. Em quarto lugar, esse signatário e as suas funções são perfeitamente identificados por documentos disponíveis em linha. Resulta de todos estes elementos que, em conformidade com a jurisprudência, não há nenhuma dúvida sobre a intenção da recorrente de interpor o presente recurso. A recorrente apresenta, em apoio destes argumentos, o texto integral dos seus estatutos, aprovados no décimo quarto congresso, realizado de 16 a 23 de dezembro de 2015, e os documentos disponíveis em linha, aos quais se refere.

162    No caso em apreço, há que salientar que, tal como o mandato do advogado apresentado pela recorrente no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), o documento de 20 de maio de 2019 que apresentou no caso em apreço e ao qual as CPMM se referem apresenta‑se como um mandato conferido ao seu advogado para interpor em seu nome um recurso de anulação, emitido em seu nome e assinado por A., designado como «secretário político» desta organização. Por outro lado, as CPMM exprimem as suas dúvidas a respeito da validade desse mandado nos mesmos termos que a Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (Comader), interveniente no processo que deu origem ao referido acórdão, e a recorrente, no caso vertente, apresentou, a este respeito, observações com o mesmo teor que as apresentadas nesse processo (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 115, 116 e 123).

163    A este respeito, antes de mais, importa salientar que, independentemente dos requisitos previstos no artigo 51.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, qualquer entidade deve demonstrar não só a sua capacidade para agir, mas também o facto de ter realmente tomado a decisão de interpor o recurso e de os advogados que afirmam representá‑la terem sido efetivamente mandatados para esse fim (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 120 a 122 e jurisprudência referida).

164    No presente caso, resulta dos n.os 143 a 159, supra, que a recorrente dispõe de capacidade judiciária perante os órgãos jurisdicionais da União. No entanto, importa verificar se não há dúvida de que a recorrente decidiu efetivamente interpor o recurso, sendo esta questão, de qualquer modo, suscetível de ser examinada oficiosamente pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 117 e 119).

165    Por um lado, como resulta das explicações da recorrente e dos documentos comprovativos apresentados, cujo conteúdo não é contestado, a expressão «secretário político» deve ser entendida no sentido de que se refere à pessoa que encabeça o órgão denominado, nos seus estatutos, «Secretariado da Organização Política». Além disso, decorre expressamente dos referidos documentos que a pessoa que assinou o mandato conferido pela recorrente ao advogado exercia efetivamente as funções de «secretário político» da recorrente na data da interposição do recurso, o que também não é contestado (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 125).

166    Por outro lado, nos termos do artigo 92.o, n.o 7, dos estatutos da recorrente, o Secretariado Nacional, que é, de acordo com o artigo 76.o dos mesmos estatutos, «o órgão supremo» da recorrente «durante o período que separa os dois Congressos», tem por funções, designadamente, «[r]epresentar a Frente nas suas relações com os partidos políticos, os governos, os movimentos de libertação bem como as outras organizações». Segundo o artigo 120.o desses mesmos estatutos, «o Secretariado da Organização Política assegura a execução e o acompanhamento das decisões e dos programas do Secretariado Nacional e do seu Gabinete, relativos à natureza e às funções da Organização Política» (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 126).

167    É possível, portanto, deduzir destes artigos dos estatutos da recorrente, como confirmou esta última na audiência, que a execução das decisões do secretariado nacional nas suas relações com os governos e as outras organizações, designadamente com a União, pode ser da competência do Secretariado da Organização Política e que, a este título, A estava habilitado a assinar o mandato do advogado da recorrente (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 127).

168    Importa acrescentar que, embora o papel do «secretário político» de representação junto de organizações internacionais, como a União, ou de órgãos jurisdicionais, como o Tribunal Geral, não resulte da enumeração das missões do secretariado da organização política, nos artigos 122.o e 131.o dos estatutos da recorrente, o artigo 120.o destes confere a este órgão a competência para a execução e o acompanhamento das decisões e dos programas do secretariado nacional e não decorre dos referidos artigos 122.o e 131.o que a enumeração das suas missões seja taxativa (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 128, 129 e jurisprudência referida).

169    Por conseguinte, deve deduzir‑se destas considerações que, no caso em apreço, A., «secretário político» da recorrente, tinha poderes para executar a decisão do «órgão supremo» desta última, a saber, o secretariado nacional, de interpor o presente recurso. Além do mais, na resposta às perguntas do Tribunal Geral de 25 de janeiro de 2021, o advogado da recorrente, membro da ordem dos advogados de um Estado‑Membro e sujeito, enquanto tal, a um código de deontologia profissional, declarou que a recorrente teve «efetivamente a intenção de interpor o [recurso]» e que «a sua determinação em obter o cumprimento efetivo dos acórdãos do Tribunal de Justiça [era] total» (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 130, 131 e jurisprudência referida).

170    Decorre de tudo o que precede que as dúvidas das CPMM relativas à validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado devem ser afastadas.

e)      Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de legitimidade ativa da recorrente

171    No âmbito do segundo fundamento de inadmissibilidade, o Conselho, apoiado pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela Comissão e pelas CPMM, alega que a recorrente, que não é destinatária da decisão impugnada, não é diretamente nem individualmente afetada por esta.

172    Por seu lado, a recorrente sustenta que é direta e individualmente afetada pela decisão impugnada, na medida em que o acordo controvertido se aplica ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes e afeta, por esse facto, o povo desse território.

173    A título preliminar, por um lado, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, um ato como a decisão impugnada, que aprova um acordo internacional celebrado pela União, é suscetível de recurso. Por outro lado, há que recordar que o artigo 263.o TFUE faz uma nítida distinção entre o direito de recurso das instituições da União e dos Estados‑Membros e o das pessoas singulares e coletivas, dispondo o quarto parágrafo deste artigo que estas últimas podem interpor recursos contra os atos de que sejam destinatárias ou que lhes digam diretamente e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhes digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 135, 136 e jurisprudência referida).

174    No presente caso, a recorrente não é destinatária da decisão impugnada nem do acordo controvertido. Ora, tendo em conta a posição especial dos acordos internacionais na ordem jurídica da União e da base legal da decisão impugnada, a saber, o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), i), TFUE, que exige, para a adoção de tal decisão, a aprovação do Parlamento Europeu, o recurso da recorrente contra a decisão impugnada não pode estar sujeito a requisitos de admissibilidade menos estritos do que os aplicáveis a um recurso contra atos legislativos. Cabe‑lhe, portanto, demonstrar que é direta e individualmente afetada pela decisão impugnada, o que, aliás, não contesta (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 137 a 140 e jurisprudência referida).

175    Importa pronunciar‑se sobre o presente fundamento de inadmissibilidade começando pelo exame da afetação direta da recorrente.

1)      Quanto à afetação direta da recorrente

176    O Conselho alega que a recorrente não satisfaz os critérios fixados pela jurisprudência para determinar se o ato impugnado diz diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva. A este respeito, por um lado, quanto ao primeiro desses critérios, sustenta que a recorrente não é destinatária do ato impugnado e que este último não produz, em relação a ela, efeitos jurídicos. Com efeito, em primeiro lugar, segundo o Conselho, a decisão impugnada só produz efeitos jurídicos em relação à União ou às suas instituições e não em relação a terceiros. Em segundo lugar, o Conselho considera que a decisão impugnada não produz efeitos fora do território de aplicação dos Tratados. Em terceiro lugar, sustenta que, ao basear‑se nos efeitos do acordo controvertido num território fora da União para determinar a afetação direta da recorrente, o Tribunal Geral é levado a pronunciar‑se sobre a legalidade dos direitos e das obrigações do Reino de Marrocos resultantes do referido acordo, no qual este país terceiro consentiu livremente e soberanamente, o que excede as suas competências. Por outro lado, quanto ao segundo destes critérios, o Conselho afirma que este Acordo e a Troca de Cartas não produzem eles próprios efeitos jurídicos em relação a terceiros e necessitam de ser implementados pelo Protocolo de Execução, que, ele próprio, requer medidas de execução adicionais. Na tréplica, o Conselho acrescenta que, admitindo que a decisão impugnada produza efeitos fora do território da União, o acordo controvertido apenas é suscetível de afetar os operadores ativos nos setores económicos em causa.

177    Por sua vez, a recorrente alega que é diretamente afetada pela decisão impugnada. Sustenta que satisfaz os dois critérios cuja reunião é exigida para que o requisito da afetação direta esteja preenchido. Com efeito, por um lado, deduz do Acórdão Conselho/Frente Polisário que, na medida em que a decisão impugnada tem por objeto a celebração de um acordo que inclui expressamente no seu âmbito de aplicação o território do Sara Ocidental, as águas adjacentes e os seus recursos naturais sem o consentimento do povo desse território, o referido acordo afeta diretamente este último, enquanto terceiro ao acordo. Por este simples facto, este acordo produz efeitos na sua situação jurídica, enquanto única e exclusiva representante desse povo. Por outro lado, a recorrente afirma que o regulamento impugnado, que foi adotado antes da decisão impugnada e que se limita a repartir as possibilidades de pesca previstas pelo artigo 3.o, n.o 1, do Protocolo de Execução, não pode ser considerado uma medida intermédia impeditiva da sua afetação direta.

178    O Reino de Espanha, a República Francesa, a Comissão e as CPMM desenvolvem, em substância, a mesma argumentação que a do Conselho.

179    A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o requisito segundo o qual a decisão objeto de recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, conforme previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos. Em primeiro lugar, a medida contestada da União deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica do particular. Em segundo lugar, não deve deixar nenhuma margem de apreciação aos seus destinatários que estão incumbidos da sua aplicação, uma vez que tem caráter puramente automático e decorre exclusivamente da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 144 e jurisprudência referida).

180    Por conseguinte, há que examinar, de maneira distinta, se a recorrente satisfaz cada um destes dois critérios.

i)      Quanto ao cumprimento, pela recorrente, do primeiro critério da afetação direta, segundo o qual a medida contestada deve produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica

181    Quanto ao cumprimento do primeiro dos critérios da afetação direta, deduz‑se da argumentação do Conselho, do Reino de Espanha, da República Francesa, da Comissão e das CPMM que a sua contestação da existência de efeitos diretos da decisão impugnada na situação jurídica da recorrente é composta, em substância, por três partes. A primeira é baseada nos efeitos jurídicos intrínsecos de uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional. A segunda é relativa aos efeitos jurídicos específicos da decisão impugnada, tendo em conta a sua aplicação territorial. A terceira diz respeito à não alteração da situação jurídica da recorrente, tendo em conta o seu papel limitado à participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 146).

–       Quanto à primeira parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos intrínsecos de uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional

182    Por um lado, o Conselho, apoiado pela República Francesa, alega, em substância, que uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional não produz efeitos em relação a terceiros e que os alegados efeitos do acordo controvertido na recorrente não podem ser invocados para demonstrar que a sua situação jurídica é afetada por esta decisão. Por outro lado, o Conselho, apoiado, em substância, pela República Francesa e pela Comissão, afirma que uma decisão desta natureza não pode produzir efeitos jurídicos fora da União.

183    Por sua vez, a recorrente alega que a decisão impugnada, na medida em que tem por objeto a celebração do acordo controvertido, é indissociável deste último, sob pena de subtrair esse ato, que é impugnável, à fiscalização da legalidade efetuada pelo juiz. Por outro lado, a recorrente sustenta que, de qualquer modo, não é contestado que o âmbito de aplicação territorial do acordo controvertido, aprovado pela decisão impugnada, inclui o território do povo do Sara Ocidental, as águas adjacentes e os seus recursos naturais. Segundo a recorrente, a referência do Conselho ao consentimento livre e soberano do Reino de Marrocos põe em causa a competência do juiz da União para fiscalizar a decisão impugnada.

184    Em primeiro lugar, importa salientar que uma decisão de celebração de um acordo internacional, que se baseia no artigo 218.o, n.o 6, TFUE, não pode ser confundida com as decisões adotadas com fundamento no artigo 218.o, n.os 3 e 4, TFUE, que são relativas à condução de negociações internacionais e que, portanto, só produzem, em princípio, efeitos jurídicos nas relações entre a União e seus Estados‑Membros e entre as instituições da União. Em contrapartida, esta decisão materializa o consentimento da União em ficar vinculada por esse acordo. É, portanto, um elemento constitutivo do referido acordo e produz efeitos jurídicos em relação às outras partes neste, na medida em que formaliza a aceitação, pela União, dos compromissos que assumiu perante elas (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 149, 150 e jurisprudência referida).

185    Além disso, se o acordo internacional celebrado por tal decisão vincular as partes em relação a um outro território diferente do delas nas condições definidas pelo direito internacional, esse acordo é suscetível de afetar um terceiro, na aceção do princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados. Por conseguinte, os efeitos da execução desse acordo na situação jurídica desse terceiro são pertinentes para apreciar a afetação direta deste último pela decisão de celebração do referido acordo, adotada em nome da União (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 151, 152 e jurisprudência referida).

186    Daqui resulta que é erradamente que o Conselho afirma que, pela sua natureza, a decisão impugnada produz apenas efeitos em relação à União e às suas instituições. Pelas mesmas razões, deve ser afastado o argumento da República Francesa segundo o qual a decisão impugnada não produz, por si só, efeitos jurídicos em relação à recorrente, uma vez que não é suficiente para fazer entrar em vigor o acordo controvertido (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 153 e jurisprudência referida).

187    Em segundo lugar, importa salientar que um acordo internacional celebrado pela União vincula não só as instituições da União, mas também os Estados terceiros que são partes nesse acordo. É por isso que, como a própria República Francesa recorda, um recurso de anulação interposto de um acordo internacional deve ser entendido como dirigido contra a decisão que o celebrou em nome da União. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou que há que considerar que um pedido de decisão prejudicial relativo à validade de um acordo internacional celebrado pela União deve ser entendido como visando o ato pelo qual a União celebrou esse acordo internacional (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 154 e jurisprudência referida).

188    No entanto, tendo em conta a competência do Tribunal de Justiça, quer no quadro de um recurso de anulação, quer no quadro de um pedido de decisão prejudicial, para apreciar se um acordo internacional celebrado pela União é compatível com os Tratados e com as regras de direito internacional que a vinculam, foi declarado que a fiscalização da validade de uma decisão de celebração de um acordo internacional pelo Tribunal de Justiça, no contexto de uma questão prejudicial, era suscetível de abranger a legalidade desse ato à luz do próprio conteúdo do acordo internacional em causa (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 155 e jurisprudência referida).

189    Estas considerações são aplicáveis à hipótese de um recurso de anulação de uma decisão desta natureza, interposto no Tribunal Geral por uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, como o presente recurso. Qualquer outra interpretação conduziria, como salienta, em substância, a recorrente, a subtrair, em grande parte, a decisão impugnada à fiscalização da sua legalidade material, o que seria incompatível com o princípio da proteção jurisdicional efetiva (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 156, 157 e jurisprudência referida).

190    Por conseguinte, o exame da afetação direta e individual dessa pessoa coletiva por tal decisão deve ter em conta, se for caso disso, os efeitos produzidos na sua situação jurídica pelo acordo internacional celebrado ao abrigo dessa decisão (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 158 e jurisprudência referida).

191    No caso em apreço, foi declarado que a recorrente dispunha, tendo em conta o seu papel de representante do povo do Sara Ocidental, capacidade judiciária para agir contra a decisão impugnada que lhe permite defender os direitos que esse povo extrai das regras de direito internacional que vinculam a União (v. n.o 152, supra). Por conseguinte, como alega, em substância, a recorrente deve poder invocar, para demonstrar a sua afetação direta e individual, os efeitos do acordo controvertido sobre esses direitos, sob pena de privar a proteção jurisdicional efetiva destes de uma grande parte do seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 160 e jurisprudência referida).

192    Em terceiro lugar, no que respeita ao âmbito de aplicação territorial da decisão impugnada, importa salientar, por um lado, que esta se destina a produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a União e o Reino de Marrocos, enquanto elemento constitutivo da expressão de um concurso de vontades destes dois sujeitos de direito internacional, e, consequentemente, produz necessariamente efeitos na ordem jurídica internacional. Por outro lado, conforme se deduz da jurisprudência, os efeitos jurídicos desse acordo no território da outra parte no acordo ou num território terceiro podem ser pertinentes para a determinação da afetação direta e individual de uma pessoa singular ou coletiva pela decisão impugnada, uma vez que esta exprime o consentimento da União em que o acordo produza tais efeitos (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 161 a 165 e jurisprudência referida).

193    Ora, no caso em apreço, a recorrente, invocando os Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, baseia‑se na aplicação do acordo controvertido ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes e na qualidade de terceiro ao acordo, na aceção do efeito relativo dos Tratados, do povo desse território, para sustentar que é diretamente afetada pela decisão impugnada, na qualidade de representante desse povo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 166).

194    O facto de, como sublinham o Conselho e a República Francesa, os efeitos do acordo e a sua execução no território do Reino de Marrocos serem da competência soberana deste último não é pertinente.

195    Com efeito, por um lado, no caso vertente, a recorrente não invoca os efeitos do acordo controvertido no território de Marrocos ou nas águas sob a sua soberania ou a sua jurisdição, na aceção do Acórdão Western Sahara Campaign UK (v. n.os 44 a 50, supra), mas os efeitos que esse acordo produz num território terceiro e nas águas adjacentes a este. Por outro lado, em conformidade com a jurisprudência, o Tribunal Geral não se pronuncia sobre a legalidade do consentimento do Reino de Marrocos nos direitos e obrigações que decorrem do referido acordo, mas apenas sobre a legalidade do consentimento da União nos mesmos (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 168, 169 e jurisprudência referida).

196    Resulta do exposto que, tendo em conta a natureza de uma decisão de celebração de um acordo internacional e dos seus efeitos jurídicos próprios, a existência de efeitos diretos da decisão impugnada na situação jurídica da recorrente, em razão conteúdo do acordo controvertido, não pode ser à partida excluída. A primeira parte da argumentação do Conselho deve, portanto, ser julgada improcedente.

–       Quanto à segunda parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos específicos do acordo controvertido, tendo em conta a sua aplicação territorial ao Sara Ocidental e às águas adjacentes

197    O Conselho, a Comissão e as CPMM contestam, em substância, o facto de a decisão impugnada e o acordo controvertido produzirem efeitos jurídicos em relação à recorrente, devido à aplicação deste acordo ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes. Por um lado, o Acordo de Pesca necessita da adoção do seu Protocolo de Execução e de outras medidas adicionais para produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. Por outro lado, os efeitos destes atos nesse território são puramente económicos e não jurídicos. Não criam, portanto, direitos nem obrigações para com o povo desse território e não lhe são oponíveis.

198    Por sua vez, a recorrente sustenta que, devido à inclusão expressa do território do Sara Ocidental, das águas adjacentes e dos seus recursos naturais no âmbito de aplicação do acordo controvertido, este último e, consequentemente, a decisão impugnada afetam o povo desse território, atendendo ao seu direito à autodeterminação. Por outro lado, sustenta que as medidas de execução deste acordo carecem de pertinência, uma vez que a referida inclusão é, em si mesma, contrária ao princípio da autodeterminação e ao princípio do efeito relativo dos Tratados e produz efeitos jurídicos sobre o referido povo, o que a afeta diretamente, enquanto representante deste.

199    A este respeito, importa recordar, a título preliminar, que, conforme declarado nos n.os 109 a 123, supra, a premissa em que a recorrente baseia a sua legitimidade, a saber, que a decisão impugnada aprova um acordo entre a União e o Reino de Marrocos que se aplica expressamente ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes, é exata.

200    Por conseguinte, importa apenas verificar se, devido à aplicação do acordo controvertido ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes, se pode considerar que a decisão impugnada afeta o povo desse território.

201    A este respeito, em primeiro lugar, impõe‑se constatar que, conforme recordado no n.o 150, supra, no n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal de Justiça considerou que o povo do Sara Ocidental deve ser considerado um «terceiro» na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados, que pode ser afetado pela execução do Acordo de Associação em caso de inclusão do território do Sara Ocidental no âmbito de aplicação do referido acordo. Em segundo lugar, no mesmo número do referido acórdão, o Tribunal de Justiça deduziu daí que essa inclusão requeria, de qualquer modo, o seu consentimento, tanto no caso de essa execução o poder prejudicar como no caso de o poder beneficiar. Em terceiro lugar, no n.o 63 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça referiu‑se, nomeadamente, ao n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário para considerar que o Acordo de Pesca de 2006 não podia ser aplicado ao território do Sara Ocidental, sob pena de violar o princípio da autodeterminação e o princípio do efeito relativo dos Tratados. Em quarto lugar, no n.o 69 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça deduziu da interpretação do conceito de «águas sob a soberania ou jurisdição», referido no Acordo de Pesca, à luz da Convenção sobre o Direito do Mar, que, tendo em conta o facto de que o território do Sara Ocidental não fazia parte do território do Reino de Marrocos, como foi recordado nos n.os 62 a 64 do mesmo acórdão, as suas águas adjacentes não eram abrangidas pela zona de pesca definida pelo mesmo acordo.

202    Há, portanto, que deduzir da jurisprudência que as considerações do n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário são pertinentes atendendo às estipulações do acordo controvertido, que, embora inserido no mesmo conjunto de convenções que o Acordo de Associação, se aplica expressamente ao território e às águas adjacentes ao Sara Ocidental. Por conseguinte, esta aplicação territorial do acordo controvertido é suscetível de afetar o povo do referido território e de requerer o seu consentimento (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 194 e 195).

203    Esta análise não é posta em causa pelos argumentos do Conselho, da Comissão e das CPMM.

204    Em primeiro lugar, no que respeita aos argumentos relativos à necessidade de medidas de execução para que o acordo controvertido produza efeitos jurídicos em relação a terceiros, importa salientar, antes de mais, que, conforme salientado nos n.os 125 e 131, supra, a recorrente pede a anulação da decisão impugnada na sua totalidade. Ora, esta decisão tem por objeto a celebração tanto do Acordo de Pesca como do Protocolo de Execução e da Troca de Cartas, fazendo, aliás, estes dois últimos instrumentos parte integrante do referido acordo (v. n.o 102, supra). Por conseguinte, o facto, invocado pelo Conselho, de a produção de efeitos jurídicos em relação a terceiros pelo Acordo de Pesca exigir a intervenção do Protocolo de Execução carece de pertinência.

205    Em seguida, como sublinha a recorrente, a inclusão, pelo Acordo de Pesca, do Sara Ocidental e das suas águas adjacentes no âmbito de aplicação territorial deste acordo e do Protocolo de Execução resulta exclusivamente das disposições do referido acordo e do referido protocolo relativas a este âmbito de aplicação, lidas à luz da Troca de Cartas (v. n.os 109 a 117, supra).

206    É certo que o exercício efetivo pela União e pelo Reino de Marrocos dos direitos e das obrigações recíprocas a que consentiram através do Acordo de Pesca e do Protocolo de Execução necessita da adoção de diversas medidas de execução tanto no que respeita à concessão dos direitos de pesca aos navios da União como no que respeita, por um lado, ao pagamento, sob as suas diferentes formas, da contrapartida financeira prevista no artigo 12.o do referido acordo e, por outro, à afetação desta contrapartida, designadamente, a do apoio setorial.

207    Todavia, por um lado, há que salientar que, no caso vertente, o próprio facto de o acordo controvertido instituir um regime jurídico de direitos de pesca e de compensação financeira aplicável ao Sara Ocidental e às águas adjacentes afeta o povo do referido território, enquanto terceiro a esse acordo, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados e independentemente da sua execução efetiva. Do mesmo modo, este último é afetado pelo simples facto de este acordo conferir à União e ao Reino de Marrocos os direitos e as obrigações recíprocos decorrentes deste regime jurídico no referido território e nas referidas águas.

208    Por outro lado e de qualquer modo, decorre, em especial, da redação do artigo 1.o, alínea h), do Acordo de Pesca que a inclusão do Sara Ocidental e das suas águas adjacentes no âmbito de aplicação territorial deste acordo e do Protocolo de Execução tem caráter incondicional. Com efeito, a inclusão das referidas águas na zona de pesca definida por este acordo não está sujeita a nenhuma limitação específica.

209    Por último, é certo que, como resulta do capítulo II do anexo do Protocolo de Execução e das fichas técnicas de pesca constantes do apêndice 2 deste mesmo protocolo, a União e o Reino de Marrocos distinguiram, no interior da zona de pesca, zonas de gestão sujeitas a limitações específicas. Assim, o referido capítulo confere ao Reino de Marrocos o cuidado de determinar as coordenadas exatas dessas zonas de gestão bem como qualquer zona proibida à pesca no interior destas, fixando as fichas técnicas de pesca acima referidas apenas os limites máximos das referidas zonas de gestão.

210    Por outro lado, apenas as categorias de pesca visadas pelas fichas técnicas de pesca n.os 3 a 6 estão abrangidas por zonas de gestão cujos limites incluem as águas adjacentes ao Sara Ocidental (v. n.o 110, supra).

211    No entanto, resulta das disposições referidas nos n.os 208 e 209, supra, que a margem de apreciação de que dispõe o Reino de Marrocos diz respeito à delimitação exata das zonas de gestão e das zonas eventualmente proibidas à pesca, mas não à própria zona de pesca. Ora, o simples facto de estas disposições autorizarem o Reino de Marrocos a decidir se as zonas de gestão das categorias de pesca acima referidas podem incluir as águas adjacentes ao Sara Ocidental afeta o povo desse território.

212    Aliás, como recorda o advogado‑geral M. Wathelet no n.o 69 das suas Conclusões no processo Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:1), a fronteira entre o Sara Ocidental e o Reino de Marrocos situa‑se no paralelo 27°42’N (Ponto Stafford). Tendo em conta as coordenadas relativas aos limites das zonas de gestão referidas pelas fichas técnicas de pesca n.o 4 e n.o 6, deve daí deduzir‑se, por um lado, que a maior parte da zona compreendida entre os limites da zona de gestão referida pela primeira destas fichas corresponde às águas adjacentes ao Sara Ocidental e, por outro, que a zona compreendida dentro dos limites da zona de gestão referida pela segunda destas fichas está inteiramente incluída nessas águas. Por outro lado, estes limites são definidos no quadro dos instrumentos aprovados pela decisão impugnada e não dependem, portanto, de medidas de execução posteriores.

213    Do mesmo modo, por força do princípio da repartição proporcional das vantagens decorrentes das atividades de pesca enunciadas no artigo 12.o, n.o 4, do Acordo de Pesca, as partes comprometem‑se a assegurar que as populações em causa, incluindo as do Sara Ocidental, usufruam desses benefícios proporcionalmente às atividades de pesca na zona definida por este acordo, que incluem as águas adjacentes a esse território, sem prever qualquer exceção a este princípio.

214    A este respeito, como resulta das explicações e dos elementos invocados pela recorrente, os recursos haliêuticos são particularmente abundantes nas águas adjacentes ao Sara Ocidental. Por outro lado, no Relatório de 8 de outubro de 2018, a Comissão indica que, em 2012, esse território fornecia 78 % do volume total das capturas de pesca realizadas nas águas marroquinas e nas águas adjacentes ao território em causa. Do mesmo modo, decorre igualmente deste relatório que 66 % do montante do apoio setorial correspondente ao período compreendido entre 2014 e 2018 foi pago em benefício da parte do Sara Ocidental controlada pelo Reino de Marrocos. Pode, portanto, deduzir‑se daí que, em aplicação do princípio recordado no n.o 213, supra, a parte do volume total das capturas de pesca na zona de pesca definida pelo acordo controvertido representada pelas capturas realizadas nas águas adjacentes ao Sara Ocidental é suscetível de justificar o pagamento de uma parte significativa do montante do apoio setorial em benefício do setor das pescas desse território não autónomo.

215    Ora, como resulta, nomeadamente, do artigo 12.o, n.o 4, do Acordo de Pesca e dos artigos 6.o, n.o 2, e 7.o, n.o 2, do Protocolo de Execução, o exame da repartição geográfica e social equitativa da contrapartida financeira, designadamente do apoio setorial, é da competência conjunta das partes no acordo controvertido. Mais precisamente, decorre dos artigos 4.o e 6.o a 8.o do referido protocolo e do capítulo 1, ponto E, do seu anexo, que, como salientou a recorrente, os pagamentos correspondentes a esta contrapartida financeira são efetuados ao Reino de Marrocos e que este é responsável pela sua utilização sob o controlo da comissão mista instituída pelo artigo 13.o do Acordo de Pesca.

216    Por conseguinte, como a recorrente alega com razão, a afetação do povo do Sara Ocidental e a obrigação de requerer o seu consentimento decorrem apenas das disposições do acordo controvertido e do Protocolo de Execução, independentemente de medidas de execução adicionais. Em especial, pode ser sublinhado que, conforme resulta da Resolução 50/33 da Assembleia Geral da ONU (v. n.o 19, supra) e como a recorrente expôs, este órgão recordou de forma reiterada o direito de os povos dos territórios não autónomos gozarem dos recursos naturais dos seus territórios, de disporem desses recursos no melhor dos seus interesses, designadamente dos seus recursos marinhos, e a necessidade de velar para que a soberania permanente das populações desses territórios sobre estes recursos seja plenamente respeitada e salvaguardada. Além disso, nos n.os 130 a 134, 145 e 146 das suas Conclusões no processo Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:1), o advogado‑geral M. Wathelet referiu que este direito é relevante no contexto de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos com vista à exploração dos recursos haliêuticos do Sara Ocidental e que a violação do direito do seu povo de dispor livremente de tais recursos naturais constituía uma violação do seu direito à autodeterminação.

217    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento relativo ao caráter puramente económico e não jurídico dos efeitos do acordo controvertido no território do Sara Ocidental, basta declarar que, pelo simples facto de terem aplicação nesse território e nas suas águas adjacentes, o Acordo de Pesca e o Protocolo de Execução, lidos à luz da Troca de Cartas, produzem efeitos jurídicos em relação ao povo desse território, enquanto terceiro ao acordo, na aceção do efeito relativo dos Tratados, pelas razões indicadas nos n.os 201 a 216, supra. Além do mais, por um lado, pode ser salientado que as disposições destes instrumentos e dos seus anexos enunciam regras precisas e incondicionais no que respeita à delimitação da zona de pesca e das zonas de gestão e no que diz respeito às obrigações e às limitações que devem ser observadas no âmbito das atividades de pesca, que são aplicáveis às águas adjacentes ao referido território. O mesmo se aplica às disposições destes instrumentos relativas ao montante da compensação financeira, à sua composição e à repartição geográfica e social equitativa dos benefícios socioeconómicos do acordo controvertido que definem o quadro jurídico em que uma parte desta compensação financeira será alocada em benefício de atividades económicas situadas no território em causa. Estas disposições são, portanto, de natureza a produzir efeitos jurídicos sobre os operadores beneficiários dos financiamentos decorrentes dessa compensação, designadamente do apoio setorial, incluindo os que exercem as suas atividades nesse território (v., neste sentido e por analogia, Despacho de 10 de dezembro de 2019, Frente Polisário/Conselho, T‑344/19, não publicado, EU:T:2019:862, n.os 24 a 35).

218    Em terceiro lugar, no que respeita à circunstância alegada de que o acordo controvertido não cria direitos nem obrigações em relação ao povo do Sara Ocidental, basta salientar, nesta fase, que, independentemente da questão de saber se as partes nesse acordo tiveram a intenção de lhe conceder direitos, o referido acordo expressa a vontade das partes, a saber, a União e o Reino de Marrocos, de adotar e de aplicar um regime jurídico de exploração dos recursos haliêuticos das águas adjacentes a esse território e de repartição da contrapartida financeira, designadamente, em benefício das atividades no referido território. As regras instituídas por esse regime jurídico impõem‑se, portanto, a esse terceiro ao acordo em causa, na medida em que se aplicam ao referido território, designadamente as regras relativas à competência das partes no referido acordo e das suas autoridades públicas no que respeita à sua aplicação. Em especial, estas regras obstam a que este povo decida livremente das modalidades dessa exploração e da repartição dos benefícios daí decorrentes. O acordo controvertido tem, portanto, por efeito criar obrigações a seu respeito (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 322 e jurisprudência referida).

219    Em quarto lugar, quanto ao argumento segundo o qual o acordo controvertido não é, de qualquer modo, oponível ao povo do Sara Ocidental, por um lado, basta salientar que a admissibilidade de um recurso de anulação é determinada unicamente pelos requisitos definidos no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, conforme interpretados pela jurisprudência. Por outro lado, no que respeita ao parecer do professor de direito internacional público em que se apoiam as CPMM, importa salientar que o Tribunal Geral não pode basear‑se em tais escritos para pôr em causa a interpretação do direito internacional adotada pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 198, 199 e jurisprudência referida).

220    Em quinto lugar, a afetação do povo do Sara Ocidental pelas disposições do acordo controvertido aplicáveis às águas adjacentes a este território não autónomo e a necessidade de requerer o seu consentimento não são postas em causa pelas considerações preliminares da Comissão no seu articulado de intervenção, segundo as quais a relação jurídica «exata» entre um território não autónomo e as águas situadas ao largo da sua costa não é «claramente» regulada pelo direito internacional, em especial pela Convenção sobre o Direito do Mar.

221    Importa começar por salientar que, como sublinha com razão a recorrente, a Convenção sobre o Direito do Mar constitui a expressão do estado atual do direito internacional marítimo consuetudinário, conforme resulta, em especial, da jurisprudência do TIJ (v., neste sentido, Acórdão do TIJ de 12 de outubro de 1984, Delimitação da fronteira marítima na região do Golfo do Maine, CIJ, Recueil 1984, p. 246, n.o 94).

222    A este respeito, resulta expressamente do n.o 1, alínea a), da Resolução III da Ata Final da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 30 de abril de 1982, citada pela Comissão, que, no caso de um território não autónomo, «as disposições relativas a direitos ou interesses visados na Convenção são aplicadas em benefício do povo desse território, a fim de promover a sua prosperidade e o seu desenvolvimento». Deve, portanto, deduzir‑se daí que, sempre que as disposições da Convenção sobre o Direito do Mar se referem a direitos ou a interesses dos Estados partes nesta convenção, são aplicáveis por analogia aos direitos e aos interesses dos povos dos territórios não autónomos e devem ser aplicadas, se não por estes últimos, pelo menos em seu proveito. Quanto ao n.o 1, alínea b), desta resolução, igualmente referido pela Comissão, há que salientar que, conforme realçado pela recorrente nas suas observações sobre o articulado de intervenção desta instituição, este número não é aplicável ao Sara Ocidental, na medida em que visa o «caso» de um «diferendo entre Estados a respeito da soberania sobre um território [não autónomo]». Ora, as divergências a respeito desse território entre o Reino de Marrocos e a recorrente não podem ser consideradas, tendo em conta o estatuto desta última, abrangidas por um «diferendo entre Estados».

223    No entanto, no que respeita aos direitos relativos à exploração dos recursos naturais situados nas águas adjacentes a esses territórios não autónomos, a Resolução III da Ata Final da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar deve ser interpretada à luz do princípio da soberania permanente sobre esses recursos e do princípio da autodeterminação do qual procede (v. n.o 216, supra), no sentido de que esses direitos em proveito desses povos por um terceiro, por exemplo a potência administrante, não podem ser exercidos sem que lhes seja dada a possibilidade de expressar a sua vontade a este respeito.

224    Em especial, importa salientar que, como recorda o Tribunal de Justiça nos n.os 6 a 9 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, a Convenção sobre o Direito do Mar define, nomeadamente, os direitos do Estado costeiro sobre o mar territorial e sobre a ZEE. A este respeito, por um lado, o artigo 2.o, n.o 1, desta convenção dispõe que a soberania do Estado costeiro se estende, além do seu território e das suas águas interiores, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de «mar territorial». O artigo 2.o, n.o 3, desta convenção dispõe que a soberania sobre o mar territorial é exercida de conformidade com esta convenção e as demais normas de direito internacional. Por outro lado, o artigo 55.o desta mesma convenção dispõe que «[a] zona económica exclusiva é uma zona situada além do mar territorial e a este adjacente, sujeita ao regime jurídico específico estabelecido na presente parte, segundo o qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas disposições pertinentes da presente convenção». O artigo 56.o, n.o 1, alínea a), desta convenção dispõe, nomeadamente, que «[n]a zona económica exclusiva, o Estado costeiro tem [d]ireitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo».

225    Assim, deduz‑se do que precede que podem ser reconhecidos direitos aos territórios não autónomos, designadamente no que respeita à exploração dos recursos naturais, na zona de mar adjacente a esse território, definida pela Convenção sobre o Direito do Mar como o mar territorial, e na zona de mar que vai para além desta primeira zona, dentro do limite dos direitos reconhecidos por esta convenção aos Estados costeiros sobre a ZEE e sem prejuízo da delimitação das zonas marítimas dos Estados terceiros ribeirinhos e dos seus direitos.

226    No caso vertente, há que declarar que o artigo 1.o, alínea h), do Acordo de Pesca inclui na zona de pesca as «águas adjacentes [ao] Sara Ocidental» sem precisar se este último conceito corresponde apenas à definição do mar territorial, na aceção da Convenção sobre o Direito do Mar, ou se estende à zona de mar que vai para além deste, dentro do limite dos direitos reconhecidos aos Estados costeiros sobre a ZEE por esta mesma convenção. De qualquer modo, na medida em que este mesmo artigo especifica que a definição da zona de pesca não afeta as eventuais negociações relativas à delimitação das zonas marítimas dos Estados costeiros ribeirinhos da zona de pesca nem, em geral, os direitos dos Estados terceiros, há que considerar que podem ser reconhecidos ao povo do Sara Ocidental direitos sobre a exploração dos recursos naturais nas águas adjacentes e esse território, na aceção do Acordo de Pesca.

227    Em seguida, conforme recordado pela recorrente e como resulta da jurisprudência do TIJ e do Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA), os direitos sobre o mar são regulados pelo princípio do direito internacional consuetudinário segundo o qual «a terra domina o mar devido à projeção da costa ou das fachadas costeiras», ou seja, mais precisamente, que os direitos sobre o mar derivam da soberania do Estado costeiro sobre a terra, constituindo o território marítimo a dependência inseparável do território terrestre [v., neste sentido, TPA, 23 de outubro de 1909, Processo dos Grisbådarna (Noruega, Suécia), Recueil des sentences arbitrales, vol. XI, p. 159, TIJ, Acórdãos de 8 de outubro de 2007, Diferendo territorial e marítimo entre o Nicarágua e as Honduras no mar das Caraíbas (Nicarágua c. Honduras), Acórdão, TIJ, Recueil 2007, p. 659, n.o 126, e de 3 de fevereiro de 2009, Delimitação marítima no mar Negro (Roménia c. Ucrânia), Acórdão, TIJ, Recueil 2009, p. 61, n.o 77].

228    Conforme resulta das explicações da recorrente, a Assembleia‑Geral das Nações Unidas aplica implicitamente este princípio aos territórios não autónomos, nomeadamente, quando, na Resolução 50/33, declara que «a exploração nefasta e a pilhagem dos recursos marinhos» dos territórios não autónomos «comprometem a integridade e a prosperidade desses territórios» e «convida todos os governos e todos os organismos das Nações Unidas a velar para que a soberania permanente das populações [desses territórios] sobre os seus recursos naturais seja plenamente respeitada e salvaguardada» (v. n.o 19, supra). Postula, assim, que os recursos naturais situados no território marítimo que constitui a dependência inseparável da parte terrestre dos referidos territórios não autónomos estão sob a soberania permanente dos povos desses territórios.

229    De resto, como salienta a recorrente, a aplicação deste princípio aos territórios não autónomos deduz‑se igualmente da prática internacional da União, como ilustra o Acordo provisório de Associação Euro‑Mediterrânico sobre Comércio e Cooperação entre a Comunidade Europeia, por um lado, e a Organização de Libertação da Palestina (OLP) em benefício da Autoridade Palestiniana da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, por outro, assinado em Bruxelas a 24 de fevereiro de 1997 (JO 1997, L 187, p. 3). Com efeito, o artigo 1.o, alínea m), do Protocolo n.o 3 deste acordo, relativo à definição da noção de «produtos originários» e aos métodos de cooperação administrativa, define os «[t]erritórios» das partes no sentido de que «inclui as águas territoriais».

230    Por último, há que salientar que, no Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça aplicou implicitamente estes princípios ao Sara Ocidental e às águas adjacentes.

231    Com efeito, o Tribunal de Justiça salientou, por um lado, que as águas em que o Estado costeiro tem o direito de exercer soberania ou jurisdição, ao abrigo da Convenção sobre o Direito do Mar, se limitavam exclusivamente às águas adjacentes ao seu território e que abrangidas pelo seu mar territorial ou pela sua ZEE e, por outro, que, tendo em conta o facto de que o território do Sara Ocidental não fazia parte do território do Reino de Marrocos, as águas adjacentes ao território do Sara Ocidental não fazem parte da zona de pesca marroquina (Acórdão Western Sahara Campaign UK, n.os 68 e 69).

232    Pode, portanto, deduzir‑se daí que o Tribunal de Justiça considerou que os direitos sobre as águas adjacentes ao Sara Ocidental deviam acompanhar os direitos sobre a parte terrestre desse território não autónomo e, em especial, os do seu povo.

233    Por conseguinte, resulta do exposto que, contrariamente ao que a Comissão sugere, os direitos do Estado costeiro consagrados pela Convenção sobre o Direito do Mar, nomeadamente, os direitos relativos à exploração dos recursos naturais situados nas zonas definidas por essa convenção, incluindo os recursos haliêuticos, são suscetíveis de ser exercidos em proveito dos povos dos territórios não autónomos que possuam um litoral marítimo, à semelhança do Sara Ocidental, sem prejuízo dos direitos dos Estados costeiros ribeirinhos.

234    De qualquer modo, na medida em que o acordo controvertido não se aplica apenas às águas adjacentes ao Sara Ocidental, mas igualmente ao seu próprio território, o seu povo é afetado pela aplicação territorial desse acordo, independentemente da relação entre o referido território e as referidas águas adjacentes.

235    Resulta de tudo o que precede que, uma vez que o âmbito de aplicação territorial do acordo controvertido inclui o território do Sara Ocidental e as águas adjacentes, este acordo é suscetível de afetar o povo desse território e, portanto, de necessitar do seu consentimento.

–       Quanto à terceira parte da argumentação do Conselho, relativa à não alteração da situação jurídica da recorrente, tendo em conta o seu papel limitado à participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental

236    Segundo o Conselho, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Comissão e as CPMM, o papel conferido à recorrente no âmbito do processo de autodeterminação do Sara Ocidental não implica que a decisão impugnada e o acordo controvertido produzam efeitos diretos na sua situação jurídica. Com efeito, o seu poder de representação é limitado e não exclusivo e a recorrente não é uma operadora económica. Além disso, a decisão impugnada e o acordo controvertido não prejudicam o resultado desse processo. Assim, os efeitos da decisão impugnada na recorrente são, quando muito, indiretos e políticos.

237    Por sua vez, a recorrente sustenta que, pelo simples facto de afetar o povo do Sara Ocidental, na aceção do n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, a decisão impugnada produz efeitos jurídicos diretos na sua situação enquanto exclusiva e única representante do povo do Sara Ocidental. Além disso, a recorrente alega que o processo político de autodeterminação inclui «evidentemente» as questões económicas e ligadas à exploração dos recursos naturais e que, em todo o caso, o acordo controvertido suscita uma questão «territorial», pelo que o litígio está plenamente abrangido pelo quadro no qual exerce a sua missão.

238    A este respeito, antes de mais, importa recordar a situação particular do Sara Ocidental, tal como resulta da evolução do contexto internacional referida nos n.os 2 a 20, supra. Com efeito, embora o processo de autodeterminação desse território não autónomo esteja ainda em curso, a potência administrante desse território, na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, a saber, o Reino de Espanha, renunciou, desde 26 de fevereiro de 1976, a exercer qualquer responsabilidade de caráter internacional relativa à sua administração, o que constataram os órgãos da ONU (v. n.o 13, supra). Por conseguinte, as partes nesse processo, conduzido sob a égide desta organização, são, por um lado, o Reino de Marrocos, que reivindica o exercício de direitos soberanos sobre esse território e, por outro, a recorrente, enquanto representante do seu povo. Assim, como expõe, em substância, a Comissão no seu articulado de intervenção, um «conflito de legitimidade» opõe o Reino de Marrocos à recorrente no que respeita à «representatividade» desse território e da sua população (Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 203).

239    Em seguida, no que respeita à dimensão da representatividade da recorrente em relação ao povo do Sara Ocidental e à sua incidência sobre a sua afetação direta por uma decisão de celebração de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos com aplicação expressa a esse território e às águas adjacentes, importa salientar que, nem nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK nem nos despachos referidos no n.o 52, supra, os órgãos jurisdicionais da União tomaram posição sobre esta questão (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 204).

240    Em contrapartida, o Conselho refere‑se aos n.os 183 a 194 das Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:677), nas quais o advogado‑geral indicou que, em seu entender, a recorrente apenas é reconhecida pela ONU como a representante do povo do Sara Ocidental no âmbito do processo político destinado a resolver a questão da autodeterminação do povo desse território e que o litígio em causa não fazia parte desse processo político (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 205).

241    No entanto, deduz‑se do n.o 7 da Resolução 34/37 e do n.o 10 da Resolução 35/19 (v. n.o 16, supra) que o reconhecimento, pelos órgãos da ONU, da representatividade da recorrente em relação ao referido povo do Sara Ocidental precede logicamente o reconhecimento do seu direito a ser parte no processo de autodeterminação desse território e que foi precisamente devido a essa representatividade que esses órgãos consideraram que a recorrente dispunha desse direito. Por conseguinte, embora seja verdade que o processo não inclui uma vertente relativa à gestão dos recursos haliêuticos do território e à repartição dos benefícios daí decorrentes, a participação da recorrente nesse processo não significa que não possa representar o referido povo no contexto de um acordo de pesca entre a União e o Reino de Marrocos, uma vez que este último se aplica ao referido território e às águas adjacentes e afeta, por isso, o povo em causa (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 206 e 207).

242    De resto, como resulta das Resoluções da Assembleia‑Geral da ONU relativas a esta questão e das Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:1) (v. n.o 216, supra), o direito de os povos dos territórios não autónomos, e em especial do povo do Sara Ocidental, disporem livremente dos seus recursos naturais faz parte integrante do seu direito à autodeterminação.

243    Por último, no que respeita à exclusividade da representatividade da recorrente em relação ao povo do Sara Ocidental, basta salientar, nesta fase, que não resulta dos documentos dos autos que as instâncias da ONU, como salienta em substância a recorrente, tenham posto em causa a posição expressa nas Resoluções 34/37 e 35/19 e tenham reconhecido outras organizações para além dela habilitadas a representar o povo em causa. Contrariamente às alegações da Comissão e das CPMM, o facto de, no âmbito do acompanhamento do processo de autodeterminação, essas instâncias terem, em conformidade com o seu mandato, relações e contactos com outras organizações que não a recorrente, nomeadamente provenientes da sociedade civil, e com as autoridades marroquinas, não é determinante a este respeito. Do mesmo modo, a qualidade de potência administrante, na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, do Sara Ocidental eventualmente conservada pelo Reino de Espanha, não obstante a sua declaração de 26 de fevereiro de 1976, não pode, de qualquer modo, obstar à expressão do consentimento do povo desse território pela recorrente (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 208 e 209).

244    De qualquer modo, importa realçar que a celebração, pela União, do acordo controvertido com uma das partes no processo de autodeterminação no território do Sara Ocidental, que reivindica direitos de soberania sobre esse território e as suas águas adjacentes e, como resulta da Troca de Cartas (v. n.o 70, supra) celebrou ela própria o referido acordo com este fundamento, produz necessariamente efeitos jurídicos sobre a outra parte nesse processo, tendo em conta o «conflito de legitimidade» que opõe estas partes quanto a esse território (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 210).

245    De resto, a fundamentação da Troca de Cartas e os considerandos da decisão impugnada indicam que as próprias partes, em especial a União, estão conscientes de que a celebração deste acordo não é alheia ao processo de autodeterminação em curso no Sara Ocidental.

246    Testemunho disso é o facto de que, no segundo parágrafo, n.o 1, da Troca de Cartas, as partes «reafirmam o seu apoio ao processo das Nações Unidas» e, no n.o 2, precisam que o Acordo de Pesca é celebrado sem prejuízo das suas respetivas posições sobre o estatuto do Sara Ocidental e das suas águas adjacentes, a saber, por um lado, para a União, que é um território não autónomo que dispõe do direito à autodeterminação e, por outro, para o Reino de Marrocos, que constitui uma «parte integrante» do seu território nacional. Além disso, a União especifica que, embora as águas adjacentes a esse território sejam abrangidas pela zona de pesca tal como definida no artigo 1.o, alínea h), do Acordo de Pesca, «a referência no referido acordo às disposições legislativas e regulamentares marroquinas não afeta a sua posição». Do mesmo modo, o Reino de Marrocos precisa que considera que «qualquer solução para este diferendo regional deve ter por base a sua iniciativa de autonomia».

247    Por conseguinte, deve deduzir‑se daí que as partes consideraram que a celebração do acordo controvertido gerava o risco de ser interpretada no sentido de que traduzia uma posição comum sobre o estatuto do Sara Ocidental e de que prejudicava o processo de autodeterminação em causa e que era necessário introduzir essas precisões para afastar esse risco (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 212).

248    Estas preocupações estão igualmente refletidas nos considerandos 4 e 12 da decisão impugnada (v. n.o 60, supra). Em especial, neste último considerando, o Conselho responde à recorrente e a «alguns outros intervenientes» que «não aceitaram participar no processo de consulta» e que «rejeitaram a aplicação do Acordo de Pesca e do seu Protocolo de Execução nas águas adjacentes ao Sara Ocidental por considerarem essencialmente, que esses instrumentos sancionam a posição do Reino de Marrocos sobre o território do Sara Ocidental». A este respeito, o Conselho indica que «nada no Acordo de Pesca ou no seu protocolo de execução implica o reconhecimento da soberania ou dos direitos de soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental e as águas adjacentes» e que «a União continuará a empenhar‑se, redobrando esforços, no apoio ao processo de resolução pacífica do diferendo iniciado e prosseguido sob a égide das Nações Unidas».

249    Por outro lado, embora, como salienta o Conselho no considerando 11 da decisão impugnada, a recorrente não tenha aceitado participar nas consultas referidas no n.o 248, supra, decorre do Relatório de 8 de outubro de 2018 que «[lhe] foi dirigido um convite para uma reunião a fim de conhecer a sua opinião sobre a extensão do [acordo controvertido] às águas adjacentes [ao] Sara Ocidental». Portanto, apesar de a recorrente não ser parte nesse acordo e não ter participado nas negociações com vista à sua celebração, que apenas incluíram as autoridades da União e as autoridades marroquinas, foi considerada pelas instituições uma interlocutora legítima para expressar o seu ponto de vista sobre o referido acordo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 214).

250    Por conseguinte, na medida em que a celebração do acordo controvertido afeta o povo do Sara Ocidental e deve obter o seu consentimento, a decisão impugnada produz efeitos diretos na situação jurídica da recorrente enquanto representante deste povo. Além disso, na medida em que este acordo foi celebrado com o Reino de Marrocos, diz‑lhe diretamente respeito enquanto parte no processo de autodeterminação nesse território. Com efeito, por um lado, é ponto assente que a recorrente não consentiu na celebração do acordo controvertido e, por outro, sustenta, no âmbito do presente recurso, que o consentimento do povo do Sara Ocidental não foi validamente obtido, nomeadamente, devido ao facto de não o ter ela própria expressado (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 215).

251    O facto de a recorrente não ser um operador económico não tem qualquer incidência, na medida em que não reivindica essa qualidade e não pretende basear a sua afetação direta na aplicação, a seu respeito, das regras enunciadas pelo acordo controvertido, mas no próprio âmbito de aplicação territorial deste acordo. Mais especificamente, no que respeita à comparação entre o presente processo e o processo que deu origem ao Acórdão de 20 de setembro de 2019, Venezuela/Conselho (T‑65/18, EU:T:2019:649), invocado pelo Conselho e pela Comissão em apoio da sua argumentação, para além do facto de, por Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, EU:C:2021:507), o Tribunal de Justiça ter anulado o acórdão do Tribunal Geral referido pelo Conselho, há que salientar que o litígio em causa nesse processo entre este Estado terceiro e o Conselho era relativo a atos unilaterais que se aplicavam apenas no território da União e que o consentimento de um terceiro a esses atos não era exigido. Por conseguinte, esta comparação não é, de qualquer modo, pertinente (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 217).

252    Por outro lado, o facto alegado pelo Conselho de que o acordo controvertido e a decisão impugnada não prejudicam o resultado do processo de autodeterminação não significa que estes atos não sejam suscetíveis de alterar a situação jurídica da recorrente, enquanto representante de um terceiro a esse acordo e enquanto parte nesse processo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 218).

253    Resulta de tudo o que precede que as três partes da argumentação do Conselho, do Reino de Espanha, da República Francesa, da Comissão e das CPMM, relativas ao primeiro critério da afetação direta devem ser julgadas improcedentes e que a recorrente preenche este critério.

ii)    Quanto ao segundo critério da afetação direta, relativo ao caráter puramente automático e decorrente apenas da regulamentação da União da aplicação da medida contestada

254    Conforme recordado no n.o 176, supra, o Conselho sustenta que o acordo controvertido necessita de medidas de execução para produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, ao passo que a recorrente alega que, pelo simples facto de a decisão impugnada ter por objeto a celebração de um acordo aplicável ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes, é por ela diretamente afetada, sem que sejam necessárias medidas de execução.

255    A este respeito, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 179, supra, o segundo critério da afetação direta requer que a medida contestada não deixe nenhum poder de apreciação aos seus destinatários, tendo em conta o caráter automático da sua execução, que decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias.

256    No caso vertente, no âmbito do exame do primeiro critério da afetação direta, foi constatado, nos n.os 204 a 216, supra, que a afetação do povo do Sara Ocidental e a obrigação de requerer o seu consentimento decorrem exclusivamente das disposições do Acordo de Pesca e do Protocolo de Execução, lidas à luz da Troca de Cartas, instrumentos estes que foram, os três, aprovados pela decisão impugnada, independentemente de medidas de execução adicionais. Em especial, como alega a recorrente, o regulamento impugnado no processo T‑356/19 não pode constituir um obstáculo à sua afetação direta pela decisão impugnada, na medida em que este regulamento é uma medida técnica relativa a um aspeto pontual do Protocolo de Execução, a saber, a repartição entre os Estados‑Membros das possibilidades de pesca concedidas ao abrigo do referido protocolo.

257    De resto, segundo jurisprudência constante, o segundo critério da afetação direta está preenchido quando a possibilidade de os destinatários não darem seguimento ao ato da União for puramente teórica, por não haver nenhuma dúvida quanto à sua vontade de extrair consequências conformes a esse ato (v. Acórdão de 4 de dezembro de 2019, PGNiG Supply & Trading/Comissão, C‑117/18 P, não publicado, EU:C:2019:1042, n.o 30 e jurisprudência referida).

258    Ora, no caso em apreço, na medida em que o acordo controvertido foi celebrado precisamente com o objetivo de permitir aos navios da União retomarem as suas atividades de pesca nas águas adjacentes ao Sara Ocidental e às populações desse território beneficiarem da contrapartida financeira correspondente, impõe‑se constatar que a vontade das autoridades da União e das autoridades do Reino de Marrocos de não darem seguimento aos compromissos daí decorrentes é puramente teórica.

259    Por conseguinte, há que concluir que a recorrente é diretamente afetada pela decisão impugnada.

2)      Quanto à afetação individual da recorrente

260    O Conselho sustenta que a participação da recorrente nas negociações sobre o estatuto do Sara Ocidental não é suscetível de a individualizar a respeito da decisão impugnada e que o acordo controvertido não afeta a sua posição no âmbito dessas negociações. Na tréplica, o Conselho acrescenta que, mesmo supondo que a recorrente seja competente para as questões económicas do Sara Ocidental, decorre, em especial, do n.o 69 do Acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217), que essa competência não basta para demonstrar que o acordo controvertido lhe diz individualmente respeito.

261    A Comissão, a República Francesa, o Reino de Espanha e as CPMM desenvolvem, em substância, a mesma argumentação.

262    A recorrente sustenta que o acordo controvertido lhe diz individualmente respeito, uma vez que resulta dos n.os 100 a 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário que o povo do Sara Ocidental, de que é a representante, deveria dar o seu consentimento em qualquer acordo internacional aplicável ao território do Sara. Assim, tendo em conta o papel que desempenha em relação a esse povo, designadamente na expressão do seu consentimento em estar vinculado por via de tratado, a recorrente apresenta qualidades que lhe são particulares de molde a caracterizá‑la em relação a qualquer outra pessoa, sendo deste modo individualmente afetada pela decisão impugnada. Na réplica, a recorrente acrescenta que, ao proceder às consultas referidas no considerando 11 da decisão impugnada, o Conselho a impediu de exercer a sua competência para expressar o consentimento do povo sarauí e retoma, em substância, a argumentação exposta com vista a demonstrar que é diretamente afetada por essa decisão.

263    Segundo jurisprudência constante, os sujeitos diferentes dos destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito se os afetar em razão de certas qualidades que lhes são particulares ou de uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por esse facto, os individualiza de maneira análoga à do destinatário de tal decisão (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 228 e jurisprudência referida).

264    No caso vertente, enquanto representante do povo de um território não autónomo, que goza do direito à autodeterminação, a recorrente dispõe, ao abrigo do direito internacional, de competências próprias e distintas das competências das partes no acordo controvertido. Assim, pode utilmente invocar, para demonstrar que é individualmente afetada pela decisão impugnada, que esta a impede de exercer, como pretende, as referidas competências (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 229).

265    Ora, no âmbito do exame da afetação direta da recorrente, concluiu‑se que, na medida em que a celebração do acordo controvertido afetava o povo do Sara Ocidental e implicava obter o seu consentimento, a decisão impugnada produzia efeitos diretos na situação jurídica da recorrente enquanto representante desse povo e enquanto parte no processo de autodeterminação nesse território (v. n.os 241 a 250, supra). Por conseguinte, a recorrente deve ser considerada afetada pela decisão impugnada em razão de qualidades que lhe são particulares e que a individualizam de maneira análoga à do destinatário dessa decisão (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 230 e 231).

266    As circunstâncias do litígio que deu origem ao Acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217), invocado pelo Conselho, pela Comissão e pelas CPMM, não são comparáveis às do presente processo. Com efeito, por um lado, as medidas contestadas no âmbito desse litígio não visavam especificamente o território das recorrentes. Por outro lado, e de qualquer modo, a adoção dessas medidas não implicava requerer o consentimento do povo desse território (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 233 a 235).

267    A jurisprudência relativa à afetação individual das associações (v. Acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, EU:C:2007:32, n.o 70 e jurisprudência referida, e Despacho de 3 de abril de 2014, ADEAS/Comissão, T‑7/13, não publicado, EU:T:2014:221, n.o 32 e jurisprudência referida), referido pela Comissão e pela República Francesa, também não é pertinente, uma vez que a afetação individual de uma associação que defende os interesses privados dos seus membros não pode ser comparada à de uma entidade que representa o povo de um território não autónomo. Além disso, tendo em conta o papel da recorrente e as circunstâncias enunciadas nos n.os 241 a 250, supra, as quais são suficientes para a individualizar a respeito da decisão impugnada, o facto de não ter participado nas negociações com vista à celebração do acordo controvertido não lhe pode ser oposto (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 236 e 237).

268    Daqui resulta que a recorrente é não só diretamente, mas igualmente individualmente afetada pela decisão impugnada. Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento de inadmissibilidade do Conselho relativo à sua falta de legitimidade ativa e examinar o mérito do recurso.

3.      Quanto à procedência do recurso

269    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca onze fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à falta de competência do Conselho para adotar a decisão impugnada; o segundo, à violação da sua obrigação de verificar o respeito pelos direitos fundamentais e pelo direito internacional humanitário; o terceiro, à violação da obrigação de executar os acórdãos do Tribunal de Justiça; o quarto, à violação dos direitos fundamentais, enquanto princípios e valores que devem guiar a ação externa da União; o quinto, à violação do princípio da proteção da confiança legítima; o sexto, à aplicação errada do princípio da proporcionalidade; o sétimo, ao não cumprimento da política da pesca; o oitavo, à violação do direito à autodeterminação; o nono, à violação do princípio do efeito relativo dos Tratados; o décimo, à violação do direito internacional humanitário; e o décimo primeiro, à violação das obrigações da União por força do direito da responsabilidade internacional.

a)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência do Conselho para adotar a decisão impugnada

270    A recorrente sustenta que o Conselho, enquanto órgão da União, não tem competência para adotar a decisão impugnada, uma vez que esta tem por objeto a celebração de um acordo internacional aplicável a um território sob a soberania de um povo terceiro, sobre o qual nem a União nem o seu cocontratante têm autoridade.

271    O Conselho sustenta que, através do presente fundamento, a recorrente contesta, na realidade, a competência da União devido à violação do direito à autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados e remete para a sua resposta aos oitavo e nono fundamentos. Por outro lado, salienta que a competência para celebrar acordos internacionais lhe é conferida pelo artigo 218.o, n.o 6, TFUE.

272    Por sua vez, a Comissão sustenta que o direito internacional não se opõe à celebração, pela potência administrante de um território não autónomo, de um acordo internacional aplicável ao referido território. No caso vertente, o Reino de Marrocos deve ser considerado, de facto, a autoridade administrante do Sara Ocidental. A República Francesa defende, em substância, uma posição análoga. As CPMM aprovam, em substância, a resposta do Conselho ao presente fundamento.

273    A este respeito, basta salientar que, no caso vertente, não resulta dos elementos invocados pela recorrente ou dos documentos dos autos que a celebração do acordo controvertido deveria ser excluída em razão do estatuto de organização internacional da União ou de uma regra do direito internacional que proíba expressamente essa celebração, que decorra, designadamente, de uma resolução do Conselho de Segurança ou de um acórdão do TIJ. De resto, deve ser recordado que, como se deduz do n.o 98 do Acórdão Conselho/Frente Polisário e dos n.os 70 a 72 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça não excluiu, por princípio, que a União e o Reino de Marrocos possam celebrar um acordo internacional aplicável ao território do Sara Ocidental ou às águas adjacentes a este (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 247 e 248 e jurisprudência referida).

274    Por estas razões, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

275    Importa prosseguir a apreciação do mérito do recurso procedendo à análise do terceiro fundamento.

b)      Quanto ao terceiro fundamento, relativo, em substância, à violação, pelo Conselho, da sua obrigação de se conformar às exigências deduzidas pela jurisprudência do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados

276    A recorrente sustenta que, ao celebrar com o Reino de Marrocos um acordo expressamente aplicável ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes sem o seu consentimento, o Conselho violou a obrigação de execução dos acórdãos do Tribunal de Justiça que decorre do artigo 266.o TFUE. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a inclusão implícita desse território no âmbito de aplicação dos acordos celebrados entre a União e o Reino de Marrocos é juridicamente impossível, por força do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. A recorrente deduz daí que, pelas mesmas razões, uma aplicação expressa de tais acordos ao referido território e às águas adjacentes está, por maioria de razão, excluída. Por outro lado, na primeira parte da petição, nas considerações preliminares da réplica e nas observações sobre os articulados de intervenção, a recorrente alega, em especial, que a celebração do acordo controvertido é contrária à jurisprudência na medida em que não respeita o estatuto separado e distinto do Sara Ocidental e que foi adotada sem o consentimento do povo desse território no referido acordo.

277    O Conselho sustenta que, ao celebrar um acordo que inclui expressamente no seu âmbito de aplicação as águas adjacentes ao Sara Ocidental, após ter obtido o consentimento das populações desse território, se conformou com os Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK.

278    Mais precisamente, nas considerações preliminares da contestação, intituladas «Questões horizontais», o Conselho sustenta, em primeiro lugar, que as consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE, que tinham por objetivo assegurar a mais ampla participação possível das instâncias e organizações representativas das populações em causa, sem prejuízo do desfecho do processo de autodeterminação, permitiram obter o seu consentimento, em conformidade com o Acórdão Conselho/Frente Polisário e no respeito pelos princípios pertinentes do direito internacional. Em segundo lugar, o Conselho alega que a situação atual do Sara Ocidental não permite consultar diretamente o povo em causa ou através de um representante institucional do povo desse território. Em terceiro lugar, as instituições puderam fazer uso da sua margem de apreciação para procederem a consultas baseadas num critério objetivo, relativo aos benefícios para as populações desse território, e, a este respeito, conformaram‑se com os princípios do direito internacional aplicáveis. Em quarto lugar, na tréplica, o Conselho afirma que só o Reino de Marrocos, que é a autoridade administrativa «de facto» no território do Sahara Ocidental, tem a capacidade jurídica e os meios administrativos e aduaneiros para celebrar um acordo de pesca com a União. Em quinto lugar, a recorrente não preenche os requisitos enunciados pela jurisprudência para invocar regras de direito internacional.

279    A Comissão desenvolve, em substância, a mesma análise que a do Conselho no que respeita ao processo que conduziu à celebração do acordo controvertido, à invocabilidade dos princípios do direito internacional e à fiscalização jurisdicional das decisões de celebração destes acordos. No âmbito dos oitavo e nono fundamentos, a Comissão põe igualmente em causa, especificamente, a invocabilidade do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. Acrescenta, no ponto 1.2 das suas considerações preliminares, que o acordo controvertido é conforme com os princípios do direito internacional público consagrados pelo artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e pela Resolução III da Ata Final da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. A Comissão alega, no essencial, que estas disposições não se opõem à gestão dos recursos das águas adjacentes ao Sara Ocidental pelo Reino de Marrocos e pela União no quadro de um acordo internacional, uma vez que essa gestão tem em conta os interesses da população desse território, e que as teses da recorrente criam um vazio jurídico na governação dessas águas. Além disso, a Convenção sobre o Direito do Mar não utiliza o conceito de consentimento. Por último, a Comissão sustenta que a recorrente está equivocada sobre as consequências a retirar dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK., que se limitaram a interpretar os acordos aplicáveis ao território do Reino de Marrocos e às águas sob a sua soberania ou sob a sua jurisdição à luz dos princípios do direito internacional pertinentes, mas que não tiveram por objeto a validade desses acordos.

280    O Reino de Espanha e a República Francesa desenvolvem, em substância, uma argumentação análoga à do Conselho e da Comissão no que respeita à aplicação dos princípios de direito internacional, à fiscalização jurisdicional da decisão impugnada e à validade das consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE.

281    As CPMM aderem, em parte, à análise do Conselho relativa ao processo de consulta que precedeu a celebração do acordo controvertido. Além disso, afirmam que os eleitos locais, que participaram nessa consulta, são os representantes legítimos da população do Sara Ocidental e gozam de legitimidade democrática. Por outro lado, no que respeita especificamente ao terceiro fundamento, as CPMM sustentam, designadamente, que o artigo 266.o TFUE não é aplicável ao caso em apreço. Por último, no âmbito do nono fundamento, as CPMM alegam que o princípio do efeito relativo dos Tratados não é aplicável e que, de qualquer modo, o acordo controvertido não é oponível à recorrente

282    A título preliminar, importa salientar que uma parte da argumentação do Conselho, da República Francesa, da Comissão e das CPMM levanta, em definitivo, a questão de saber se o presente fundamento não é inoperante. Há, portanto, que examinar esta questão antes de se pronunciar, sendo caso disso, sobre a procedência do referido fundamento.

1)      Quanto aos argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e das CPMM relativos ao caráter inoperante do terceiro fundamento

283    Os argumentos do Conselho e dos intervenientes põem em causa as bases jurídicas do presente fundamento em três aspetos. Em primeiro lugar, o artigo 266.o TFUE não é aplicável. Em segundo lugar, os acórdãos referidos pela recorrente não podem ser utilmente invocados para efeitos de contestação da validade dos acordos entre a União e o Reino de Marrocos. Em terceiro lugar, a recorrente não pode invocar os princípios do direito internacional consuetudinário cuja violação alega no caso vertente.

284    Em primeiro lugar, no que respeita à aplicabilidade do artigo 266.o TFUE, há que salientar que, no Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), o Tribunal Geral declarou que, no âmbito do seu terceiro fundamento, que assentava nas mesmas bases jurídicas que o presente fundamento, a recorrente não podia deduzir do artigo 266.o TFUE uma obrigação, para as instituições, de executar os Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK ou os despachos do Tribunal Geral referidos no n.o 52, supra, nomeadamente, porque nenhuma destas decisões dos órgãos jurisdicionais da União anulou um ato da União ou declarou a invalidade de tal ato. Concluiu daí que, na medida em que se baseava nas disposições deste artigo, esse fundamento era inoperante (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 262 a 265 e jurisprudência referida).

285    No entanto, uma vez que a argumentação desenvolvida em apoio desse fundamento era baseada numa acusação relativa, em substância, à violação, pelas instituições, da sua obrigação de se conformarem com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às regras de direito internacional aplicáveis ao acordo em causa nesse processo, o Tribunal Geral declarou que a recorrente podia utilmente invocar essa violação, dado que o juiz da União tem competência para fiscalizar, no âmbito de um recurso de anulação, a conformidade do ato impugnado com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e que a decisão que era impugnada no processo em causa tinha sido precisamente adotada para retirar as consequências dessa jurisprudência, e mais especificamente do Acórdão Conselho/Frente Polisário. O Tribunal Geral concluiu, portanto, que, não obstante a referência errada ao artigo 266.o TFUE, o terceiro fundamento, na medida em que é relativo, em substância, à acusação acima referida, não é inoperante (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 267 a 272).

286    Na medida em que, no âmbito do presente fundamento, a recorrente se refere à execução das mesmas decisões dos órgãos jurisdicionais da União que as invocadas no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), há que julgar improcedente o presente fundamento, na medida em que se baseia no artigo 266.o TFUE, pelas mesmas razões que as enunciadas no n.o 284, supra.

287    Em contrapartida, importa salientar que, como resulta do n.o 276, supra, a recorrente invoca, em substância, no âmbito do presente fundamento, a violação, pelas instituições, da sua obrigação de se conformarem com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação dos acordos entre a União e o Reino de Marrocos à luz das regras de direito internacional aplicáveis, enunciadas nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK. Além disso, como decorre dos considerandos 3 e 5 da decisão impugnada (v. n.o 116, supra), o acordo controvertido foi negociado e celebrado pelas instituições com vista a retirar as consequências do segundo desses acórdãos, que tinha excluído a aplicação do Acordo de Pesca de 2006 e do protocolo de 2013 ao território do Sara Ocidental e às águas adjacentes, pelo facto de esta ser contrária ao princípio da autodeterminação e ao princípio do efeito relativo dos Tratados, tal como interpretados no primeiro desses acórdãos. Daqui resulta que, por motivos análogos aos enunciados nos n.os 267 a 272 do Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), o presente fundamento, na medida em que é relativo à referida violação, não é inoperante.

288    Em segundo lugar, os argumentos da Comissão e das CPMM, relativos ao facto de, nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça ter procedido à interpretação do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados no contexto da interpretação dos acordos em causa nesses processos e não da fiscalização da sua validade, só podem ser rejeitados. Com efeito, por um lado, as instituições são obrigadas a conformarem‑se não só com a interpretação das regras do direito da União adotada pelo Tribunal de Justiça, mas também com a interpretação das regras do direito internacional que vinculam a União, tendo o juiz da União competência para apreciar a compatibilidade com esta interpretação de um acordo celebrado em nome da União. Por outro lado, as regras de direito internacional interpretadas nesses processos pelo Tribunal de Justiça, que são pertinentes para se pronunciar sobre a aplicação implícita desse acordo, celebrado com o Reino de Marrocos, ao Sara Ocidental, são pertinentes, por maioria de razão, para examinar a legalidade de uma estipulação de um acordo entre as mesmas partes que preveja expressamente essa aplicação territorial (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 273 a 275).

289    Em terceiro lugar, no que respeita à invocabilidade do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados, pode ser recordado que, no contexto de um acordo em matéria de política comercial, celebrado, em nome da União, para se conformar com a interpretação adotada destes princípios pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Tribunal Geral declarou que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça deduziu da interpretação do Acordo de Associação à luz dos referidos princípios, obrigações claras, precisas e incondicionais que se impõem no âmbito das relações da União com o Reino de Marrocos, a saber, por um lado, o respeito do estatuto separado e distinto do Sara Ocidental e, por outro, a obrigação de se assegurar do consentimento do seu povo em caso de execução do Acordo de Associação nesse território (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 281 e jurisprudência referida).

290    O Tribunal Geral deduziu desta constatação que, para defender os direitos conferidos ao povo do Sara Ocidental pelo princípio da autodeterminação e pelo princípio do efeito relativo dos Tratados, a recorrente devia ter a faculdade de invocar a violação dessas obrigações claras, precisas e incondicionais contra a decisão que era impugnada no processo que deu origem ao Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), na medida em que essa alegada violação é suscetível de afetar o referido povo, enquanto terceiro a um acordo celebrado entre a União e o Reino de Marrocos. Além disso, considerou que a jurisprudência relativa à invocabilidade dos princípios do direito internacional consuetudinário enunciada nos n.os 107 a 109 do Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), não se opunha a essa conclusão. Com efeito, o Tribunal Geral declarou que as considerações que constam desses números assentavam numa apreciação das circunstâncias específicas do caso, relativas à natureza dos princípios do direito internacional invocados e do ato impugnado, bem como à situação jurídica dos recorrentes no processo principal, que não eram comparáveis às do processo T‑279/19 (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 282 a 291 e jurisprudência referida).

291    Do mesmo modo, o Tribunal Geral considerou que a conclusão enunciada no n.o 290, supra, não era posta em causa pelos argumentos da Comissão e da Comader relativos à invocabilidade específica, por um lado, do princípio da autodeterminação e, por outro, do princípio do efeito relativo dos Tratados. Com efeito, em primeiro lugar, no que respeita ao princípio da autodeterminação, o Tribunal Geral considerou que, de qualquer modo, o facto de o direito consagrado por este princípio ser um direito coletivo e o facto de abrir um processo cujo desfecho não estava definido, eram irrelevantes nesse caso, uma vez que o terceiro que a recorrente representava era precisamente titular deste direito e dele gozava efetivamente, independentemente do resultado do processo em curso. Em segundo lugar, no que respeita ao princípio do efeito relativo dos Tratados, o Tribunal Geral considerou, em substância, que o caráter eventualmente inoponível do acordo sobre as preferências pautais ao povo do Sara Ocidental na ordem internacional não podia obstar a que a recorrente invocasse este princípio perante o juiz da União (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 293 a 296 e jurisprudência referida).

292    As considerações recordadas nos n.os 289 a 291, supra, são aplicáveis à invocabilidade do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados contra a decisão impugnada, tendo em conta a aplicabilidade dos referidos princípios no âmbito de um acordo de pesca celebrado entre a União e o Reino de Marrocos, declarada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 63 a 72 do Acórdão Western Sahara Campaign UK.

293    De qualquer modo, no âmbito do presente fundamento, a recorrente formula uma alegação relativa, em substância, à violação, pelas instituições, da sua obrigação de se conformarem com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação dos acordos entre a União e o Reino de Marrocos à luz das regras de direito internacional aplicáveis e, em especial, da sua obrigação de se conformarem com o Acórdão Western Sahara Campaign UK, em apoio de um recurso interposto contra uma decisão adotada para retirar as consequências desse acórdão. Por conseguinte, neste contexto, não lhe pode ser negado o direito de pôr em causa a legalidade da decisão impugnada, invocando, no âmbito desta alegação, tais regras, de natureza fundamental, quando a União está vinculada por essas regras e essa decisão foi adotada para se conformar com a interpretação que o Tribunal de Justiça lhes deu (v., por analogia, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 292 e jurisprudência referida).

294    Por conseguinte, no âmbito do presente fundamento, a recorrente pode utilmente invocar os Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK e a interpretação que neles é acolhida do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados em apoio do presente fundamento. Este fundamento não é, portanto, inoperante.

2)      Quanto à procedência dos argumentos invocados pela recorrente em apoio do presente fundamento

295    A argumentação da recorrente que veio em apoio do presente fundamento contém, em substância, três partes, relativas, em primeiro lugar, à impossibilidade de a União e o de Reino de Marrocos celebrarem um acordo aplicável ao Sara Ocidental e às águas adjacentes, em segundo lugar, à violação do estatuto separado e distinto desse território, contrariamente ao princípio da autodeterminação, e, em terceiro lugar, à violação da exigência de que o povo desse território deve consentir no acordo controvertido, enquanto terceiro a esse acordo, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados.

i)      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à impossibilidade de a União e de o Reino de Marrocos celebrarem um acordo aplicável ao Sara Ocidental e às águas adjacentes

296    Com a primeira parte, a recorrente sustenta que, como resulta dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, a aplicação ao Sara Ocidental e às águas adjacentes de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos é juridicamente impossível devido, em especial, à violação do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados. Mais especificamente, no que respeita ao Acórdão Western Sahara Campaign UK, a recorrente afirma que o Tribunal de Justiça excluiu, no seu n.o 72, tal acordo baseando‑se no facto de que, em qualquer caso, o Reino de Marrocos tinha categoricamente recusado considerar‑se de qualquer outro modo que não fosse o de soberano do referido território. Ora, o acordo controvertido visa, na realidade, «perenizar» a aplicação de facto do Acordo de Pesca de 2006 e dos seus protocolos à parte do território em causa controlada por este país terceiro e às águas adjacentes, que tinha sido excluída pelo acórdão acima referido.

297    O Conselho, apoiado pela República Francesa, pela Comissão e pelas CPMM, alega que os acórdãos referidos no n.o 296, supra, não excluíram a aplicação ao Sara Ocidental de acordos entre a União e o Reino de Marrocos.

298    A este respeito, basta salientar que, no âmbito da jurisprudência relativa aos acordos celebrados em nome da União com o Reino de Marrocos no âmbito do Acordo de Associação, os órgãos jurisdicionais da União não se pronunciaram sobre litígios relativos a acordos entre a União e o Reino de Marrocos que contivessem uma estipulação expressa que incluísse o Sara Ocidental no âmbito de aplicação territorial desse acordo. Assim, no âmbito desta jurisprudência, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral apenas declararam que as regras de direito internacional aplicáveis se opunham a que esse território não autónomo fosse considerado como implicitamente abrangido pelo âmbito de aplicação territorial de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos, quando esse âmbito de aplicação estava expressamente limitado, no que diz respeito a este país terceiro, ao seu território ou às águas sob a sua soberania ou sob a sua jurisdição (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 300 a 304 e jurisprudência referida).

299    Por outro lado, como foi recordado nos n.os 301 e 305 do Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho (T‑279/19), o Tribunal de Justiça declarou, nos n.os 94 a 98 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, que a regra codificada no artigo 29.o da Convenção de Viena não se opunha a que um tratado vincule um Estado em relação a um outro território que não fosse o seu se tal intenção resultasse desse tratado.

300    Deve, portanto, concluir‑se que, contrariamente ao que a recorrente afirma, não se pode considerar que o acordo controvertido «valida» uma prática excluída pela jurisprudência. Com efeito, por um lado, esta não excluiu totalmente que um acordo entre a União e o Reino de Marrocos possa aplicar‑se legalmente ao Sara Ocidental ou às águas adjacentes. Por outro lado, essa aplicação não resulta, no caso em apreço, de uma simples «prática», mas dos termos explícitos do próprio acordo controvertido, refletindo a vontade comum das partes, designadamente da União (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 305 e jurisprudência referida).

301    Estas considerações não são postas em causa, no caso vertente, pelo n.o 72 do Acórdão Western Sahara Campaign UK (v. n.o 48, supra). Com efeito, nesse número do referido acórdão, o Tribunal de Justiça apenas afastou a hipótese do Conselho e da Comissão segundo a qual as águas adjacentes ao Sara Ocidental podiam ser consideradas sob a jurisdição do Reino de Marrocos, enquanto potência administrante «de facto» ou potência ocupante desse território, uma vez que este último tinha «categoricamente» excluído estas qualificações. Em contrapartida, no mesmo número, o Tribunal de Justiça não excluiu a possibilidade de essas águas poderem ser incluídas num acordo de pesca entre a União e o Reino de Marrocos que as distingue expressamente das águas sob a soberania ou sob a jurisdição deste Estado terceiro.

302    Por conseguinte, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

303    Importa proceder à análise da terceira parte do presente fundamento.

ii)    Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação da exigência segundo a qual o povo do Sara Ocidental devia consentir no acordo controvertido, enquanto terceiro ao mesmo, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados

304    Com a terceira parte do terceiro fundamento, a recorrente contesta, tanto na petição como na réplica, a validade das consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE e a pertinência do Relatório de 8 de outubro de 2018 que dá conta, nomeadamente, destas. Com efeito, essas consultas e esse relatório centraram‑se nos benefícios do acordo controvertido, quando o único critério pertinente, enunciado pelo Tribunal de Justiça, é o consentimento do povo do Sara Ocidental. Além disso, segundo a recorrente, essas consultas, para as quais as instituições e o Reino de Marrocos não eram, segundo a recorrente, competentes, não puderam ter por objeto ou por efeito obter o referido consentimento, em especial devido ao facto de que, por um lado, este último não podia resultar de um processo informal de consulta e, por outro, este último dizia respeito a entidades instituídas ao abrigo da lei marroquina e não inclui a parte desse povo que vivia fora da zona controlada pelo Reino de Marrocos. Além disso, no considerando 11 da decisão impugnada, o Conselho alterou a natureza e o alcance das referidas consultas, considerando‑as uma manifestação do consentimento da «população em causa». Estas considerações do Conselho não são conformes com os Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, designadamente, o n.o 106 do primeiro destes acórdãos.

305    O Conselho, o Reino de Espanha, a República Francesa, a Comissão e as CPMM sustentam, em substância, que as consultas efetuadas respeitam os princípios de direito internacional aplicáveis, tendo em conta a situação particular do Sara Ocidental, que não permitia recolher diretamente o consentimento do seu povo e ao poder de apreciação importante das instituições (v. n.os 277 a 281, supra).

306    O exame da presente parte implica apreciar, em primeiro lugar, a aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados no presente caso, em segundo lugar, as modalidades segundo as quais as instituições pretenderam, neste caso, conformar‑se, de acordo com a expressão do considerando 11 da decisão impugnada, com as «considerações expostas no [A]córdão [Western Sahara Campaign UK]» e, em terceiro lugar, a procedência da argumentação recordada no n.o 304, supra.

–       Quanto à aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados ao presente caso

307    Antes de mais, importa recordar que, contrariamente ao que sustentam as CPMM e conforme resulta dos n.os 100 a 107 do Acórdão Conselho/Frente Polisário e dos n.os 63, 69, 71 e 72 do Acórdão Western Sahara Campaign UK, o princípio do efeito relativo dos Tratados é aplicável no caso vertente. Em especial, o facto alegado de que, tendo em conta a sua posição sobre o Sara Ocidental, o Reino de Marrocos não pretendeu conceder nem direitos nem obrigações ao povo desse território não tem nenhuma relevância para a aplicabilidade deste princípio no âmbito da interpretação, pelos órgãos jurisdicionais da União, à luz do direito internacional, de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos aplicável ao Sara Ocidental e às águas adjacentes, tal como o acordo controvertido (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 310).

308    A aplicação, no caso vertente, do princípio do efeito relativo dos Tratados também não é posta em causa pelas considerações preliminares da Comissão a propósito do caráter pretensamente não resolvido em direito internacional da relação entre um território não autónomo e as suas águas adjacentes, designadamente, pelas suas considerações relativas à inexistência de referência ao conceito de consentimento na Convenção sobre o Direito do Mar, em especial na Resolução III da Ata Final da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

309    Com efeito, basta recordar que, tal como concluído no n.o 233, supra, resulta da análise dos princípios do direito consuetudinário consagrados pela Convenção sobre o Direito do Mar e das estipulações desta convenção, conforme interpretadas, designadamente, pelo Tribunal de Justiça (v. n.os 221 a 232, supra), que os direitos do Estado costeiro consagrados pela Convenção sobre o Direito do Mar, nomeadamente, os direitos relativos à exploração dos recursos haliêuticos situados nas zonas definidas por esta convenção são suscetíveis de ser exercidos em proveito dos povos dos territórios não autónomos que possuam um litoral marítimo, à semelhança do Sara Ocidental. No entanto, na hipótese de os direitos do povo em causa serem exercidos em seu proveito por Estados terceiros, o referido povo, em conformidade com o princípio da autodeterminação e com o princípio do efeito relativo dos Tratados, deve expressar o seu consentimento no exercício por eles desses direitos. De qualquer modo, como já foi declarado reiteradamente no presente acórdão, o acordo controvertido aplica‑se não só às águas adjacentes ao referido território, mas também à parte terrestre deste último.

310    Em seguida, na falta de indicação do Tribunal de Justiça ou de tomada de posição dos órgãos da ONU sobre os critérios relativos às modalidades de expressão do consentimento do povo do Sara Ocidental, importa recordar que, por força do princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos Tratados, de que a regra constante no artigo 34.o da Convenção de Viena constitui uma expressão especial, os Tratados não devem prejudicar nem beneficiar terceiros sem o seu consentimento (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 311 a 313).

311    A este respeito, pode deduzir‑se das disposições dos artigos 35.o e 36.o da Convenção de Viena que o consentimento do povo do Sara Ocidental no acordo controvertido só pode ser presumido no caso de as partes nesse acordo tiverem tido a intenção de lhe conferir um direito, salvo indicação em contrário, e que, em contrapartida, esse consentimento deve ser expresso relativamente às obrigações que essas mesmas partes pretendam impor‑lhe. Com efeito, além de os princípios codificados pela Convenção de Viena asa respeito das relações convencionais entre Estados poderem aplicar‑se a outros sujeitos de direito internacional, não decorre do n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário uma diferença de conteúdo entre o conceito de «terceiro» aplicado pelo Tribunal de Justiça ao povo em causa e o conceito de «Estado terceiro» na aceção desta convenção (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 314 a 317).

312    Ora, independentemente do facto de, no caso vertente, a recorrente ter recusado participar nas consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE antes da celebração do acordo controvertido, há que salientar que este último não confere nenhum direito ao povo do Sara Ocidental, enquanto terceiro ao referido acordo, e que o seu consentimento não pode, portanto, ser presumido, em conformidade com o princípio expresso no artigo 36.o, n.o 1, da Convenção de Viena (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 318 e 323).

313    Com efeito, por um lado, os direitos de pesca concedidos ao abrigo do Acordo de Pesca nas águas adjacentes ao Sara Ocidental são‑no em benefício da União e dos Estados‑Membros. Por outro lado, a gestão das atividades de pesca nestas águas, designadamente no âmbito da definição das zonas de gestão aplicáveis a essas águas, é exercida pelas autoridades marroquinas no quadro das suas leis e regulamentações nacionais, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, do referido acordo.

314    Por outro lado, conforme recordado no n.o 215, supra, as diferentes componentes da contrapartida financeira são pagas às autoridades marroquinas, como resulta do artigo 4.o, n.o 4, e do artigo 8.o, n.o 3, do Protocolo de Execução e do ponto E do capítulo I do anexo deste protocolo. Além disso, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, e dos artigos 6.o a 8.o do Protocolo de Execução, a afetação desta contrapartida é efetuada pelas autoridades do Reino de Marrocos, sob o controlo da comissão mista instituída pelo artigo 13.o do Acordo de Pesca, que é constituída por representantes desse Estado terceiro e da União, e em conformidade com o princípio da repartição geográfica e social equitativa enunciado no artigo 12.o, n.o 4, do mesmo acordo.

315    Ora, com resulta da Troca de Cartas (v. n.o 70, supra), o Reino de Marrocos exerce essas responsabilidades com fundamento na sua posição segundo a qual «a região do Sara constitui parte integrante do território nacional sobre a qual exerce plenamente os seus direitos de soberania como no resto do território nacional».

316    A este respeito, pode salientar‑se, nomeadamente, que não resulta das estipulações do Acordo de Pesca ou do Protocolo de Execução e dos seus anexos e apêndices que o princípio da repartição geográfica e social equitativa da contrapartida financeira seja aplicado de maneira diferenciada no território do Sara Ocidental e no território de Marrocos, na aceção do artigo 94.o do Acordo de Associação.

317    Assim, o Reino de Marrocos não assume as responsabilidades e as competências que lhe incumbem por força do acordo controvertido, no que diz respeito ao território do Sara Ocidental e as águas adjacentes, para o exercício dos direitos do povo desse território em benefício deste. Com efeito, como decorre da sua posição expressa na Troca de Cartas e conforme recordado de resto pelas CPMM (v. n.o 307, supra), o Reino de Marrocos não tenciona reconhecer‑lhe direitos no que respeita à exploração dos recursos haliêuticos nessas águas e à repartição dos benefícios daí decorrentes. Além disso, os direitos que este acordo pode eventualmente criar para os operadores estabelecidos no referido território dizem respeito a particulares e não a um terceiro que nele deve consentir. Quanto aos benefícios para as populações desse território que podem resultar do mesmo, trata‑se de efeitos puramente socioeconómicos, além do mais indiretos, e que não podem ser equiparados a direitos (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 320 e 321).

318    Em contrapartida, na medida em que confere a uma das partes competência sobre o território de um terceiro, que, portanto, não tem, ele próprio, o direito de exercer nem, sendo caso disso, de delegar o seu exercício, o acordo controvertido impõe ao terceiro em causa, como sublinha a recorrente, uma obrigação, independentemente da circunstância, alegada pelo Conselho, de não estar, nesta fase, em condições de assumir ele próprio ou através do seu representante essas competências. O seu consentimento no acordo controvertido deve, portanto, ser expresso (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 322 e 323).

319    Por último, no que respeita ao conteúdo e ao alcance do conceito de consentimento, tal como utilizado nos artigos 34.o a 36.o da Convenção de Viena e referido no n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, há que recordar que, como resulta do terceiro parágrafo do preâmbulo desta convenção, o princípio do livre consentimento constitui um princípio «universalmente reconhecido» que desempenha um papel fundamental em matéria de direito dos Tratados. Além disso, importa salientar que, quando uma regra de direito internacional dá execução ao princípio do livre consentimento, essa regra implica, em primeiro lugar, que a expressão do consentimento de uma parte ou de um terceiro condicione a validade do ato para o qual é requerido, em segundo lugar, que a validade do próprio consentimento dependa do seu caráter «livre e autêntico» e, em terceiro lugar, que o referido ato seja oponível à parte ou ao terceiro que nele tenha validamente consentido (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 324, 325 e jurisprudência referida).

320    O consentimento do povo do Sara Ocidental, enquanto terceiro ao acordo controvertido, na aceção do n.o 106 do Acordo Conselho/Frente Polisário, deve, portanto, em princípio, satisfazer as mesmas exigências e produzir os mesmos efeitos jurídicos que os enunciados no n.o 319, supra (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 326).

321    É à luz destas considerações que importa presentemente examinar as diligências concretas efetuadas pelo Conselho e pela Comissão para se conformarem com as exigências deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio do efeito relativo dos Tratados.

–       Quanto às consultas realizadas pelo Conselho e pela Comissão para se conformarem com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK

322    Em primeiro lugar, importa recordar que, no considerando 11 da decisão impugnada, o Conselho indicou que «a Comissão, em ligação com o [SEAE], tomou todas as medidas razoáveis e possíveis no contexto atual para associar de modo adequado a população em causa, a fim de determinar o seu consentimento». Além disso, o Conselho precisou, neste considerando, que «[f]oram realizadas amplas consultas no Sara Ocidental e no Reino de Marrocos e os intervenientes socioeconómicos e políticos que nelas participaram pronunciaram‑se claramente a favor da celebração do [a]cordo [controvertido]», mas que, «[t]odavia, a [recorrente] e alguns outros intervenientes não aceitaram participar no processo de consulta». Como se deduz destas indicações, foi este «processo de consulta» que permitiu, segundo o Conselho, conformar‑se com as «considerações expostas» nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, designadamente com as do n.o 106 do primeiro destes acórdãos.

323    Em segundo lugar, como resulta da contestação e dos documentos comprovativos apresentados, o Conselho acompanhou a sua Decisão, de 16 de abril de 2018, que autoriza a abertura de negociações com o Reino de Marrocos com vista à alteração do Acordo de Parceria no setor da pesca e à celebração de um Protocolo de Execução do referido acordo, de diretrizes de negociação. Essas diretrizes previam, nomeadamente, por um lado, que «a Comissão avalia as eventuais incidências do [a]cordo [controvertido], em especial no que respeita aos benefícios para as populações em causa e a exploração dos recursos naturais dos territórios em causa», e, por outro, que esta instituição «deve assegurar que, em conformidade com os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça, no momento da sua proposta relativa à assinatura e à celebração, as populações em causa no acordo tenham sido associadas de maneira apropriada».

324    Em terceiro lugar, no Relatório de 8 de outubro de 2018, a Comissão indicou, no que respeita à segunda das diretrizes de negociação mencionadas no n.o 323, supra:

«Na ausência de uma alternativa viável que permitisse consultar diretamente a população do Sara Ocidental, os serviços da Comissão e o SEAE realiza[ram] consultas com um amplo leque de organizações representativas da sociedade civil sarauí, parlamentares, operadores económicos e organizações […]

[Esta]s consultas concentraram‑se no objetivo principal de trocar pontos de vista e observações sobre o interesse que poderia ter para as populações do Sara Ocidental e para a economia do território a celebração [do acordo controvertido].

Embora a [recorrente] tenha sido convidada pelo SEAE e pela Comissão para realizar consultas em Bruxelas, nenhuma resposta positiva foi recebida […] Do mesmo modo, organizações da sociedade civil que se pronunciaram contra a extensão do [acordo controvertido] às águas adjacentes ao Sara Ocidental foram convidadas a irem a Bruxelas, mas nenhuma aceitou o convite.

Por outro lado, as autoridades de Marrocos procederam às suas próprias consultas com as instâncias nacionais, regionais e profissionais interessadas pelo [acordo controvertido].»

325    Com efeito, a Comissão indicou no Relatório de 8 de outubro de 2018:

«[O] objetivo desta abordagem tripartida era ser tão inclusivo, substancial e credível quanto possível, num contexto político e jurídico extremamente complexo.

Desde o início, foi precisado que o processo de consulta não visava determinar o estatuto político e constitucional definitivo do território do Sara Ocidental, mas verificar se as populações em causa no acordo eram favoráveis ao alargamento do [Acordo de Pesca de 2006] às águas adjacentes ao Sara Ocidental.»

326    Em quarto lugar, no Relatório de 8 de outubro de 2018, a Comissão faz o balanço dessas consultas, concluindo que «a primeira parte [desta], que consiste em consultas realizadas pelas autoridades marroquinas, permitiu observar um vasto consenso no apoio da nova parceria de pesca sustentável, incluindo a sua extensão às águas adjacentes ao território do Sara Ocidental» e que, «no que respeita aos resultados das consultas realizadas pelo SEAE e [ela própria], um apoio muito forte à extensão do [acordo controvertido] às águas adjacentes ao Sara Ocidental também pôde ser observado». Por outro lado, afirma que «[a recorrente] e vários outros agentes sensíveis à sua causa recusaram participar no processo de consulta sem apresentar argumentos contra [o acordo controvertido]», considerando que «[esta] recusa parece estar ligada a reservas de natureza política [relacionadas com] a questão do estatuto final do Sara Ocidental».

327    Assim, como expõe a Comissão no seu articulado de intervenção, o SEAE e ela própria consideraram que, «por força do seu princípio da neutralidade política e da não ingerência, deviam efetuar consultas tão “inclusivas” quanto possível sem tomar partido» no «conflito de legitimidade que op[unha] [o Reino de] Marrocos à recorrente». Assim, na medida em que «cada uma das [p]artes no processo das Nações Unidas (Reino de Marrocos e [recorrente]) reivindicava, por sua própria conta, a exclusividade da representatividade das populações às quais o acordo dizia respeito», consideraram que «privilegiar [a] interpretaçã[o] [de uma dessas partes] teria inevitavelmente conduzido a União a tomar partido no diferendo político» e que «[r]econhecer a [recorrente] como única interlocutora teria sido contrário à abordagem geral da União que nunca reconheceu a organização em questão senão como uma das "partes" no processo das Nações Unidas». Assim, partindo do princípio que «nenhuma [destas] [p]artes tinha o apanágio da legitimidade», a Comissão e o SEAE optaram pela solução que consiste «em alargar a base da consulta para além dos interlocutores promovidos por uma ou outra das [p]artes, estendendo‑a, na medida do possível, à sociedade civil abrangida pelos acordos e aos seus representantes».

328    A este respeito, desde logo, pode deduzir‑se destas considerações que as instituições consideraram que não era possível, na prática, recolher, diretamente ou apenas por intermédio da recorrente, o consentimento do povo do Sara Ocidental, enquanto terceiro ao acordo controvertido, em razão da situação particular desse território, mas que, em contrapartida, a consulta das «populações em causa» a fim de recolher o seu «consentimento» nesse acordo permitia, atendendo a essa situação, conformarem‑se, na medida do possível, com as exigências que podiam ser deduzidas, designadamente, do n.o 106.o do Acórdão Conselho/Frente Polisário (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 336).

329    Em seguida, pode daí deduzir‑se que o conceito de «populações em causa» referido pelas instituições inclui, no essencial, as populações que se encontram atualmente no território do Sara Ocidental, independentemente da sua pertença ao povo desse território, sem prejuízo da «[recolha da] opinião da população sarauí refugiada» que possibilita, segundo a Comissão, «[a] inclu[são] [da] recorrente entre as partes consultadas». Assim, este conceito distingue‑se do conceito de «povo do Sara Ocidental», por um lado, na medida em que é suscetível de incluir todas as populações locais afetadas, positivamente ou negativamente, pela aplicação do acordo controvertido nesse território e, por outro, na medida em que não possui o conteúdo político deste segundo conceito, que decorre, nomeadamente, do direito à autodeterminação reconhecido ao referido povo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 337).

330    Por último, como salientou a recorrente, em substância, as consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE assentam numa abordagem comparável à exigida pelo artigo 11.o, n.o 3, TUE e pelo artigo 2.o do Protocolo n.o 2 do TFUE, sobre a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, nos termos dos quais a Comissão deve proceder a amplas consultas às partes interessadas, nomeadamente, antes de propor um ato legislativo. De resto, como ilustram os diferentes excertos de propostas de celebração de acordos de pesca, em nome da União, apresentados pela recorrente, a União sistematizou esta prática no âmbito de tais propostas (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 338).

331    No entanto, essa abordagem implica apenas, em princípio, recolher as opiniões das diferentes partes em causa e tê‑las em conta, em especial para a adoção do ato previsto, sem que essa tomada em consideração produza efeitos jurídicos comparáveis ao da expressão do consentimento de uma parte terceira, exigida para a adoção de tal ato. Por conseguinte, a expressão «consentimento da população em causa», que consta do considerando 11 da decisão impugnada, não pode ser interpretada no sentido de que reveste o conteúdo jurídico do conceito de consentimento indicado no n.o 319, supra. Em especial, como resulta das conclusões do Relatório de 8 de outubro de 2018, o conceito de consentimento referido pela decisão impugnada deve ser entendido, nesse contexto particular, no sentido de que remete apenas para a opinião maioritariamente favorável das instituições e das organizações consideradas pela Comissão e pelo SEAE como representativas das referidas populações e que foram consultadas tanto por estes últimos como pelo Reino de Marrocos. Ora, não se pode considerar que, em si mesma, esta opinião condiciona a validade do acordo controvertido e da decisão impugnada e vincula essas instituições e essas organizações ou as próprias «populações em causa», pelo que o referido acordo lhes seria oponível (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 339 e 340).

332    É no âmbito do exame do mérito da presente parte que importa verificar se o sentido particular conferido ao conceito de consentimento pela decisão impugnada, conforme definido no n.o 331, supra, é compatível com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada pelo Tribunal de Justiça.

–       Quanto à questão de saber se o sentido particular conferido ao conceito de consentimento na decisão impugnada é compatível com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK

333    A presente parte do terceiro fundamento suscita, no essencial, a questão de saber se, atendendo à situação particular do Sara Ocidental, o Conselho pôde fazer uso da sua margem de apreciação para interpretar a exigência de um consentimento do povo desse território no acordo controvertido no sentido de que implicava apenas recolher a opinião maioritariamente favorável das «populações em causa».

334    A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, embora a jurisprudência reconheça às instituições uma margem de apreciação importante em domínios que implicam avaliações complexas, nomeadamente, políticas e económicas, tais como as relações externas e a política de pesca, a fiscalização jurisdicional do erro manifesto de apreciação exige que as instituições da União, autoras do ato em causa, estejam em condições de demonstrar ao juiz da União que o ato foi adotado mediante um exercício efetivo do seu poder de apreciação, o qual pressupõe a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação que esse ato pretendeu regular. Além disso, o poder de apreciação das instituições pode ser limitado, incluindo no âmbito desses domínios, por um conceito jurídico que estabeleça critérios objetivos (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 342 a 347 e jurisprudência referida).

335    Ora, no caso vertente, a margem de apreciação do Conselho para celebrar um acordo com o Reino de Marrocos que se aplique expressamente ao Sara Ocidental e às águas adjacentes é enquadrada juridicamente pelas obrigações claras, precisas e incondicionais, deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados no que diz respeito a tais acordos. Em especial, no que respeita à exigência de que o povo desse território devia consentir nesse acordo, cabia, é certo ao Conselho apreciar se a situação atual desse território justificava uma adaptação das modalidades da expressão desse consentimento e se estavam reunidas as condições para considerar que o mesmo tinha sido expresso. Todavia, não lhe cabia decidir se o consentimento podia ser dispensado, sob pena de violar esta exigência (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 348 e 349).

336    Em segundo lugar, foi recordado, no n.o 238, supra, a situação particular do Sara Ocidental, designadamente, o «conflito de legitimidade, que opõe as duas partes no processo de autodeterminação, a saber, o Reino de Marrocos e a recorrente. Em especial, há que salientar que não existe, até à data, um acordo entre estas partes em que uma delas tenha consentido no exercício pela outra, em benefício desse território não autónomo, das competências exigidas por um acordo internacional com a União que lhe seja aplicável, designadamente, em matéria de gestão dos recursos haliêuticos situados nas águas adjacentes a este (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 350 e 351).

337    A este respeito, como decorre dos considerandos 5 e 10 da decisão impugnada (v. n.o 60, supra), o Conselho considerou que o único meio, por um lado, para que as frotas da União possam prosseguir as atividades de pesca nas águas adjacentes do Sara Ocidental e, por outro, para que esse território e as suas populações possam continuar a beneficiar do apoio setorial proporcionado pelo acordo e para garantir uma exploração sustentável dos recursos haliêuticos dessas águas, era celebrar um novo acordo de pesca com o Reino de Marrocos. Com efeito, como pode ser deduzido dos argumentos do Conselho e da Comissão, estes consideram que este país terceiro, ao contrário da recorrente, está em condições de exercer as competências exigidas por este acordo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 352).

338    Porém, como resulta do no n.o 328, supra, as instituições consideraram igualmente que a situação particular do Sara Ocidental não lhes permitia, na prática, recolher o consentimento do povo desse território, enquanto terceiro ao acordo controvertido, diretamente ou por intermédio da recorrente, e que lhes cabia realizar consultas tão inclusivas quanto possível das populações locais para não se ingerirem no conflito de legitimidade entre a recorrente e o Reino de Marrocos (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 353).

339    No entanto, os diferentes elementos relativos à situação particular do Sara Ocidental alegados pelo Conselho e pela Comissão para justificar a decisão referida no n.o 338, supra, não podem ser acolhidos.

340    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento do Conselho e da Comissão de que a exigência de consentimento não é suscetível de se aplicar da mesma maneira a um Estado ou a um território não autónomo, este deve ser rejeitado pelos fundamentos já expostos no n.o 311, supra.

341    Em segundo lugar, o argumento das CPMM de que as populações em causa consentiram implicitamente nos direitos conferidos pelo acordo controvertido ao beneficiar da contrapartida financeira aplicada de facto ao Sara Ocidental há vários anos, deve, de qualquer modo, ser rejeitado pelos fundamentos expostos nos n.os 312 a 317, supra.

342    Em terceiro lugar, no que respeita à argumentação do Conselho e da Comissão relativa à dificuldade de identificação dos membros do povo do Sara Ocidental, há que salientar, por um lado, à semelhança da recorrente, que o direito à autodeterminação é um direito coletivo e que o referido povo viu ser‑lhe reconhecido, pelas instâncias da ONU, este direito e, por via disso, a sua existência, independentemente das individualidades que o compõem e do seu número. Além disso, deduz‑se do n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário que o Tribunal de Justiça considerou, implicitamente, que esse povo era um sujeito de direito autónomo capaz de expressar o seu consentimento num acordo internacional independentemente da questão da identificação dos seus membros. Por conseguinte, não se pode deduzir do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça, que o consentimento desse povo deva ser necessariamente obtido através da consulta direta dos seus membros. A dificuldade invocada pelas instituições não pode, portanto, constituir, em si mesma, um obstáculo à expressão desse consentimento (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 357).

343    Em quarto lugar, no que respeita à necessidade de não se ingerirem no «conflito de legitimidade» entre a recorrente e o Reino de Marrocos referente ao Sara Ocidental, invocada pelo Conselho, pela Comissão e pela República Francesa, basta salientar que, uma vez que a União não pode reconhecer, em conformidade com o direito internacional e com a respetiva interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça, as reivindicações do Reino de Marrocos sobre esse território, as instituições não podem abster‑se de proceder às diligências adequadas com vista a assegurar o consentimento do povo desse território, invocando o risco de ingerência no diferendo que opõe a recorrente a esse país terceiro a respeito dessas reivindicações (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 358).

344    Em quinto lugar, o argumento do Conselho segundo o qual o Sara Ocidental é, nesta fase, um território não autónomo e, portanto, não dispõe da capacidade de expressar o seu consentimento da mesma maneira que um Estado independente, só pode ser rejeitado. Com efeito, por um lado, esta argumentação assenta, em última análise, na premissa errada de que o povo do Sara Ocidental não goza ainda do direito à autodeterminação porque o processo relativo ao estatuto definitivo desse território não chegou ao seu termo, que é contrária ao reconhecimento deste direito pelos órgãos da ONU, declarado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Conselho/Frente Polisário. Por outro lado, no que respeita à alegada incapacidade da recorrente e do povo que representa para celebrar um tratado em matéria de pesca ou exercer as competências que este implica, não se deduz do princípio do efeito relativo dos Tratados, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, que o consentimento do povo em causa, enquanto terceiro ao acordo, deva necessariamente ser ele próprio recolhido através de um tratado (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 295 e 359 a 361).

345    Em sexto lugar, o facto de as instituições considerarem que o Reino de Marrocos é a «potência administrante de facto» no Sara Ocidental não parece uma circunstância de natureza a excluir a necessidade de o povo desse território consentir no acordo controvertido. Com efeito, uma vez que o Reino de Marrocos exclui, por seu lado, o exercício dessas competências e reivindica direitos soberanos no referido território, a sua posição é inconciliável com a qualidade de potência administrante. Em todo o caso, mesmo admitindo que o Reino de Marrocos desempenhe esse papel, «de facto», em relação ao território em causa, esta circunstância não torna desnecessário o consentimento do seu povo no acordo controvertido, tendo em conta o princípio da autodeterminação e o princípio do efeito relativo dos Tratados (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 362 e 363).

346    Em sétimo lugar, no âmbito do exame da legitimidade ativa da recorrente, foi declarado, por um lado, que a sua participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental não significa que não possa representar esse povo no contexto de um acordo entre a União e o Reino de Marrocos e, por outro, que não resulta dos documentos dos autos que os órgãos da ONU tenham reconhecido outras organizações para além dela habilitadas a representar o referido povo (v. n.os 241 e 243, supra). Por conseguinte, não era impossível recolher o consentimento deste último por intermédio da recorrente. O argumento do Conselho e da Comissão de que esta hipótese confere um «direito de veto» a esta organização sobre a aplicação do acordo controvertido ao referido território e às suas águas adjacentes, só pode ser rejeitado. Com efeito, basta recordar, a este respeito, que, conforme declarado no n.o 335, supra, não cabia ao Conselho decidir se era possível dispensar o consentimento do povo do Sara Ocidental para celebrar o acordo controvertido. Por conseguinte, a alegada circunstância de que a competência da requerente para expressar esse consentimento lhe confere um «direito de veto» a este respeito não pode justificar tal decisão (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 364).

347    Daqui resulta que os elementos relativos à situação particular do Sara Ocidental invocados pelo Conselho e pela Comissão não são de natureza a excluir a possibilidade de o povo do Sara Ocidental expressar o seu consentimento no acordo, enquanto terceiro a este.

348    Em terceiro lugar, conforme declarado no n.o 331, supra, as consultas efetuadas pela Comissão e pelo SEAE tiveram apenas por objeto recolher a opinião das «populações em causa» a respeito do acordo controvertido e não o consentimento do povo do Sara Ocidental no mesmo. Por conseguinte, como sustenta, com razão, a recorrente, essas consultas não podem ser consideradas conformes com as exigências deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 366).

349    A argumentação do Conselho, apoiado pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pela Comissão e pelas CPMM, de que as consultas em causa respeitam os princípios pertinentes do direito internacional não pode pôr em causa esta conclusão.

350    A este respeito, o Conselho sustenta, por um lado, que a consulta realizada pela União é conforme com os princípios pertinentes do direito internacional, uma vez que foi conduzida junto de instâncias representativas das populações em causa e com o objetivo de obter um consentimento. O Conselho deduz, em especial, estes critérios da Convenção n.o 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra a 27 de junho de 1989, e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Assembleia‑Geral da ONU em 13 de setembro de 2007. Assim, a consulta em questão teve por objetivo assegurar a mais ampla participação possível das instâncias e das organizações representativas das populações em causa. Neste quadro, o Reino de Marrocos consultou, em especial, os eleitos regionais, designados por sufrágio universal direto em 2015, e dos quais uma parte significativa é oriunda das tribos locais. A Comissão e o SEAE consultaram um amplo leque de organizações locais políticas e sociopolíticas e de representantes da sociedade civil, bem como a recorrente.

351    Por outro lado, segundo o Conselho, as instituições basearam‑se num critério objetivo, a saber, o do caráter benéfico ou não do Acordo de Pesca para as populações do Sara Ocidental, o qual é, em sua opinião, é conforme com os princípios que podem ser extraídos da carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU.

352    No que respeita à argumentação do Conselho referida no n.o 350, supra, basta salientar que os critérios que este último deduz dessa convenção e dessa declaração, a saber, que qualquer consulta deve ser levada a cabo junto das instâncias representativas das populações em causa e deve ter por objetivo a obtenção do seu consentimento, não correspondem às exigências deduzidas pelo Tribunal de Justiça do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 370).

353    Com efeito, por um lado, há que salientar que, como já foi reiteradamente indicado, o Conselho não confere ao conceito de consentimento os efeitos jurídicos que estão associados, em princípio, em direito internacional, a este conceito, uma vez que não se refere, no caso vertente, ao consentimento de um terceiro ao acordo controvertido, na aceção do n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, mas à opinião maioritariamente favorável das populações locais (v. n.os 328 a 331, supra). Além disso, como sublinha a recorrente, no Relatório de 8 de outubro de 2018, a Comissão não faz referência ao conceito de consentimento. Assim, apenas se refere ao «apoio» ou ao «suporte» das entidades consultadas pelas autoridades marroquinas na celebração do acordo controvertido, bem como ao «apoio muito forte» dos seus «interlocutores» e dos do SEAE à «inclusão das águas adjacentes [ao] Sara Ocidental» (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 371 e 372).

354    Por outro lado, há que recordar que, como alega a recorrente, o conceito de «populações em causa», referido pelas instituições, não coincide com o conceito de «povo do Sara Ocidental», cujo conteúdo implica o direito à autodeterminação (v. n.o 329, supra). Em especial, importa salientar, em primeiro lugar, que as consultas realizadas junto das autoridades locais e regionais pelo Reino de Marrocos, parte no acordo controvertido, não podiam ter por objeto a obtenção do consentimento de um terceiro a esse acordo, mas, quando muito, associar à celebração do acordo as coletividades locais e os organismos públicos interessados que dependem deste Estado. Em segundo lugar, deve ser observado que as entidades e organismos consultados pela Comissão são, quando muito, representativos de diferentes interesses socioeconómicos e próprios da sociedade civil, sem que estas entidades e organismos se considerem eles próprios ou devam ser considerados instâncias representativas do povo do Sara Ocidental e habilitadas a expressar o seu consentimento, o que é, aliás, confirmado pelos critérios de seleção dessas entidades ou organismos, indicados pela Comissão nas suas respostas escritas de 25 de janeiro de 2021 a perguntas do Tribunal de Justiça feitas no âmbito de uma medida de organização do processo (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 373 a 379).

355    Além do mais, no que respeita aos argumentos da recorrente relativos às ligações das entidades e organismos consultados pela Comissão e pelo SEAE com as autoridades marroquinas, resulta das precisões fornecidas pela Comissão no quadro das suas respostas escritas de 25 de janeiro de 2021 sobre o estatuto e as atividades das referidas entidades e organismos que a maioria destes são organismos públicos de direito marroquino, que exercem as suas atividades sob a tutela dessas autoridades, ou autoridades independentes marroquinas e que uma parte significativa desses organismos públicos tem competência nacional.

356    Além disso, como a própria Comissão indica no Relatório de 8 de outubro de 2018, a recorrente e as associações que partilham da sua opinião recusaram participar nas consultas que por ela organizadas.

357    No entanto, por um lado, importa salientar que não é contestado que, como indica a recorrente na réplica, esta deu a conhecer a sua oposição à celebração do acordo controvertido. Nomeadamente, numa carta de 7 de junho de 2018 dirigida ao SEAE, a recorrente indicou, em substância, que, à luz dos princípios que eram, em seu entender, consagrados pelo Tribunal de Justiça, a saber, designadamente, o caráter separado e distinto do Sara Ocidental e o respeito, como único critério, do consentimento desse povo, não podia aceitar que essas trocas se realizassem na perspetiva de «uma eventual inclusão do Sara Ocidental nos acordos negociados entre a [União] e o Reino de Marrocos» e no quadro de um projeto que evoca as «províncias do Sul» e com a consideração da opinião das «populações locais» por intermédio do SEAE e das instituições marroquinas. Por conseguinte, mesmo que a recorrente não tenha aceitado participar nas consultas organizadas pela Comissão e pelo SEAE, cabia à Comissão e ao Conselho ter devidamente em conta a sua posição, tanto mais que, ao contrário das outras entidades consultadas, podia legitimamente ser considerada uma «instância representativa» do povo em causa.

358    Por outro lado, importa salientar que, como indica, em substância, a recorrente, o Relatório de 8 de outubro de 2018 não considera a declaração pública de 28 de novembro de 2018, adotada por 95 «organizações não governamentais da sociedade civil sarauí» (The Saharawi civil society NGOs) e anexada à petição, na qual estas organizações pediram ao Conselho e ao Parlamento para não adotarem o acordo controvertido que visa, de acordo com os seus termos, «pilhar» os recursos haliêuticos do povo do Sara Ocidental e «incluir ilegalmente o Sara Ocidental no seu âmbito de aplicação territorial».

359    Por conseguinte, impõe‑se constatar que essas consultas e os resultados que delas se retiram no Relatório de 8 de outubro de 2018 refletem mais o ponto de vista de instituições e de organismos públicos marroquinos do que de organismos oriundos da sociedade civil do Sara Ocidental. Além disso, o Relatório de 8 de outubro de 2018 não tem em consideração o ponto de vista da recorrente, quando esta tinha dado a conhecer precisamente as razões da sua oposição à celebração do acordo controvertido.

360    De qualquer modo, como a recorrente alega, essas consultas não foram realizadas junto de «instâncias representativas» do povo do Sara Ocidental, mas, quando muito, junto de «partes em causa» que as instituições podiam, aliás, associar à celebração do acordo controvertido, conforme os tratados, independentemente das «considerações» do Tribunal de Justiça referidas no considerando 11 da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 383).

361    Resulta dos n.os 353 a 360, supra, que as consultas realizadas a pedido do Conselho pela Comissão e pelo SEAE não podem ser consideradas como tendo permitido recolher o consentimento do povo do Sara Ocidental no acordo controvertido, em conformidade com o princípio do efeito relativo dos Tratados, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 384).

362    No que respeita, presentemente, à interpretação do direito internacional defendida pelo Conselho com base na carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU, apoiado, a este respeito, pela Comissão e pela República Francesa, importa salientar que, em primeiro lugar, as instituições não podem subtrair‑se à obrigação de se conformarem com a interpretação pelo Tribunal de Justiça das regras de direito internacional aplicáveis, substituindo esta interpretação por critérios diferentes retirados dessa carta, cujo alcance não é, de resto, equivalente ao dos pareceres consultivos do TIJ, em segundo lugar, essa carta versava sobre a questão da legalidade dos contratos de direito privado celebrados entre organismos públicos marroquinos e sociedades petrolíferas e não sobre a legalidade dos acordos internacionais celebrados pelo Reino de Marrocos, em terceiro lugar, essa carta se baseava em analogias com a questão da legalidade das atividades de uma potência administrante relativas aos recursos minerais de um território não autónomo, quando, no presente caso, o país terceiro em causa não pode ser considerado tal potência, e, em quarto lugar, de qualquer modo, decorre expressamente das conclusões dessa carta que os princípios do direito internacional aplicáveis exigem não só que a exploração dos recursos naturais desse território seja conforme com os interesses do povo do Sara Ocidental, mas também com a sua vontade (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 385 a 389).

363    Por conseguinte, o Conselho e a Comissão não podem, de qualquer modo, basear‑se na carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU para justificar a conformidade das consultas efetuadas com os princípios do direito internacional aplicáveis. É, portanto, com razão que a recorrente sustenta que as instituições não podiam substituir a exigência da expressão desse consentimento, enunciada pelo Tribunal de Justiça no n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, pelo critério dos benefícios do acordo controvertido para as populações em causa (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 390).

364    Resulta de tudo o que precede que, ao adotar a decisão impugnada, o Conselho não teve suficientemente em conta todos os elementos pertinentes relativos à situação do Sara Ocidental e considerou, erradamente, que dispunha de uma margem de apreciação para decidir se era necessário se conformar com a exigência de que o povo desse território devia expressar o seu consentimento na aplicação do acordo controvertido a esse território, enquanto terceiro ao acordo controvertido, em conformidade com a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça do princípio do efeito relativo dos Tratados em ligação com o princípio da autodeterminação. Em especial, em primeiro lugar, o Conselho considerou erradamente que a situação atual desse território não permitia garantir a existência do consentimento do referido povo e, em particular, por intermédio da recorrente. Em segundo lugar, ao considerar que as consultas realizadas pela Comissão e pelo SEAE tinham permitido respeitar o princípio do efeito relativo dos Tratados, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, designadamente, no n.o 106 do Acórdão Conselho/Frente Polisário, o Conselho está errado tanto sobre o alcance dessas consultas como sobre o da exigência enunciada nesse número. Em terceiro lugar, o Conselho considerou erradamente que podia substituir essa exigência pelos critérios alegadamente enunciados na carta de 29 de janeiro de 2002 do consultor jurídico da ONU. Daqui resulta que a presente parte do terceiro fundamento é procedente e pode levar à anulação da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.o 391).

365    Decorre de tudo o que precede que, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a admissibilidade das novas provas oferecidas pela recorrente e dos elementos que apresentou espontaneamente Ana sequência da audiência de alegações (v. n.os 89 e 92, supra) e sem que seja necessário examinar a segunda parte do terceiro fundamento e os outros fundamentos da petição, há que anular a decisão impugnada.

4.      Quanto à manutenção no tempo dos efeitos da decisão impugnada

366    Nos termos do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, o Tribunal Geral pode indicar, quando o considerar necessário, quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes.

367    A este respeito, decorre da jurisprudência que os efeitos de um ato impugnado, designadamente a decisão de celebração de um acordo internacional, podem ser mantidos, inclusive oficiosamente, por motivos de segurança jurídica, quando os efeitos imediatos da sua anulação originarem consequências negativas graves (v. Acórdão de hoje, Frente Polisário/Conselho, T‑279/19, n.os 394 e 396 e jurisprudência referida).

368    No caso vertente, basta salientar que a anulação da decisão impugnada com efeitos imediatos é suscetível de ter consequências graves na ação externa da União e de pôr em causa a segurança jurídica dos compromissos internacionais que assumiu e que vinculam as instituições e os Estados‑Membros. As observações da recorrente relativas ao pedido da Comissão de aplicação, pelo Tribunal Geral, do artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE não podem pôr em causa esta conclusão.

369    Nestas circunstâncias, há que aplicar o artigo 264.o, segundo parágrafo, TFUE, mantendo os efeitos da decisão impugnada durante um período que não pode exceder o prazo previsto no artigo 56.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ou, se um recurso for interposto dentro desse prazo, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça que decida desse recurso.

B.      Quanto ao recurso no processo T356/19

370    A título preliminar, há que salientar que, conforme exposto no n.o 177, supra, no âmbito do processo T‑344/19, a recorrente alegou, em apoio da sua afetação direta pela decisão impugnada, que o regulamento impugnado não pode ser interpretado no sentido de que constitui uma medida intermédia suscetível de obstar à sua afetação direta pela decisão impugnada.

371    No entanto, no âmbito do presente processo, a recorrente expõe que, na hipótese de o Tribunal Geral considerar que o regulamento impugnado constitui uma medida intermédia, interpõe, a título subsidiário, o presente recurso.

372    Interrogada na audiência sobre a incidência, para o presente recurso, da sua afetação direta pela decisão impugnada no processo T‑344/19, na hipótese de o Tribunal Geral considerar que o regulamento impugnado não é um obstáculo a esta afetação direta, a recorrente indicou que, em seu entender, daí resultaria que não poderia interpor o presente recurso que, de qualquer modo, este último deixaria de ter objeto. No entanto, há que realçar que a recorrente não pediu que o Tribunal Geral declarasse que o recurso tinha ficado sem objeto.

373    Por outro lado, importa sublinhar que, embora a anulação da decisão impugnada, pelo presente acórdão, possa obstar à boa execução do regulamento impugnado [v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 4 de setembro de 2018, Comissão/Conselho (Acordo com o Cazaquistão), C‑244/17, EU:C:2018:662, n.o 51], não tem por efeito implicar, por si só, a nulidade do regulamento. De resto, este regulamento, cuja adoção é anterior à da referida decisão, tem como base jurídica, não a própria decisão, mas o Protocolo de Execução e, em especial, as estipulações do seu artigo 3.o relativas às possibilidades de pesca atribuídas aos navios que arvoram pavilhão dos Estados‑Membros, que visa executar (v. n.os 71 e 72, supra). Por conseguinte, os pedidos da recorrente para efeitos da anulação deste regulamento mantêm o seu objeto e há que decidir dos mesmos.

374    Sem apresentar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, o Conselho invoca dois fundamentos de inadmissibilidade contra o presente recurso relativos, um, à falta de capacidade judiciária da recorrente e outro, à sua falta de legitimidade para agir judicialmente contra o ato impugnado.

375    Importa examinar o segundo fundamento de inadmissibilidade do Conselho.

376    O Conselho conclui pela falta de afetação direta e individual da recorrente pelo regulamento impugnado. Por um lado, sustenta que o regulamento só produz efeitos jurídicos em relação aos Estados‑Membros e não em relação a outras pessoas. De qualquer modo, a recorrente não exerce nenhuma atividade no setor económico em causa nem dele se prevalece. Os efeitos do referido regulamento na sua situação são apenas indiretos e políticos. Por outro lado, o Conselho afirma que este ato requer a adoção de medidas intermédias pelos Estados‑Membros e que estes têm a faculdade de não utilizar todas as possibilidades de pesca que lhes são atribuídas. Além disso, o Conselho alega que o regulamento impugnado não afeta a recorrente por uma situação de facto que a caracteriza ou por qualidades que lhe são específicas, nomeadamente, devido à sua participação nas negociações sobre o estatuto do Sara Ocidental, que nada têm a ver com o objeto do presente litígio.

377    Por seu lado, a recorrente sustenta que é diretamente e individualmente afetada pelo regulamento impugnado. No que respeita, por um lado, à sua afetação direta, a recorrente alega que, na medida em tem por objeto distribuir, entre os Estados‑Membros, possibilidades de pesca que dizem diretamente respeito à exploração dos recursos haliêuticos do povo do Sara Ocidental, este regulamento afeta esse povo e produz, portanto, efeitos diretos na sua própria situação jurídica, enquanto única representante desse povo. Além disso, a aplicação do referido regulamento tem caráter puramente automático. No que respeita, por outro lado, à sua afetação individual, a recorrente afirma que, como decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça, só o referido povo pode consentir num acordo internacional aplicável ao seu território e aos seus recursos naturais. Em seu entender, essa faculdade inclui o direito do povo em causa de se opor à repartição, sem o seu consentimento, das possibilidades de pesca dos seus recursos haliêuticos. Ora, tendo em conta o seu papel na expressão desse consentimento, a recorrente apresenta qualidades que lhe são particulares e suscetíveis de a caracterizar em relação a qualquer outra pessoa, pelo que o regulamento impugnado a afeta individualmente.

378    O Reino de Espanha, a República Francesa e a Comissão apoiam, em substância, a argumentação do Conselho. A Comissão indica, porém, que, em seu entender, o regulamento impugnado, atendendo aos seus efeitos limitados, não produz sequer efeitos indiretos ou políticos na situação da recorrente. O Reino de Espanha sublinha, por seu lado, que a recorrente não fica privada do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, que poderá, sendo caso disso, exercer a respeito dos atos de aplicação do referido regulamento.

379    A título preliminar, importa, começar por sublinhar que os requisitos de admissibilidade do recurso de uma pessoa singular ou coletiva contra o regulamento impugnado devem ser determinados tendo em conta a natureza específica deste ato, e não tendo em conta a natureza da decisão impugnada no processo T‑344/19.

380    A este respeito, há que sublinhar que, diversamente de uma decisão relativa à celebração de um acordo internacional, como a decisão impugnada no processo T‑344/19, o regulamento impugnado, que foi adotado para executar na União o acordo controvertido, não é um elemento constitutivo da expressão de um concurso de vontades de sujeitos de direito internacional, mas um ato de alcance geral adotado no quadro das competências internas da União, obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros, em conformidade com a definição do termo «regulamento» referida no artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE.

381    Com efeito, na medida em que procede à repartição por Estado‑Membro das possibilidades de pesca previstas no artigo 3.o do Protocolo de Execução, o regulamento impugnado aplica‑se a situações determinadas objetivamente e produz efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas consideradas de forma geral e abstrata (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 10 de março de 2020, IFSUA/Conselho, T‑251/18, EU:T:2020:89, n.o 35).

382    Ora, o regulamento impugnado tem por fundamento o artigo 43.o, n.o 3, TFUE, que não faz referência ao processo legislativo ordinário nem ao processo legislativo especial e, de resto, prevê a adoção de medidas pelo Conselho sem mencionar a participação do Parlamento. Tal regulamento não pode, portanto, constituir um ato legislativo (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.os 58 a 62). Consequentemente, tal ato de alcance geral, que não é um ato legislativo, constitui um ato regulamentar, o que implica apenas verificar, em conformidade com o artigo 263.o, quarto parágrafo, terceiro membro de frase, TFUE, que afeta diretamente a recorrente e que não comporta medidas de execução (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 22 e 28, e de 10 de março de 2020, IFSUA/Conselho, T‑251/18, EU:T:2020:89, n.os 32 a 36 e jurisprudência referida).

383    A este respeito, como foi recordado no n.o 179, supra, o requisito da afetação direta deve ser examinado à luz de dois critérios, a saber, por um lado, a medida da União contestada deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente e, por outro, não deve deixar nenhum poder de apreciação aos seus destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre exclusivamente da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias.

384    No que respeita ao primeiro destes critérios, importa salientar que o regulamento impugnado visa apenas repartir entre os Estados‑Membros as possibilidades de pesca determinadas pelo artigo 3.o do Protocolo de Execução.

385    Assim, o regulamento impugnado não é suscetível de produzir, por si só, efeitos na determinação dessas possibilidades de pesca, e ainda menos na determinação da zona de pesca abrangida pelo acordo de pesca no seu todo ou das zonas de gestão estabelecidas no interior da referida zona de pesca em função das diferentes categorias de pesca aplicáveis.

386    Por outro lado, tal ato, adotado no âmbito do exercício das competências internas da União, diz apenas respeito às relações entre a União e os seus Estados‑Membros e não às relações entre a União e o Reino de Marrocos ou às suas relações com o povo do Sara Ocidental. Com efeito, embora a determinação das possibilidades de pesca dos navios que arvoram pavilhão dos Estados‑Membros na zona de pesca fixada pelo acordo de pesca implique uma troca de direitos e de obrigações recíprocas entre as partes neste acordo, a repartição dessas possibilidades entre os Estados‑Membros constitui uma questão puramente interna da União, que não é da competência do Estado terceiro acima referido nem pode afetar, por si só, o referido povo.

387    É certo que, como afirma a recorrente, as possibilidades de pesca repartidas entre os Estados‑Membros pelo regulamento impugnado são suscetíveis de dizer respeito à exploração dos recursos haliêuticos das águas adjacentes ao Sara Ocidental, pelo menos as que são relativas às categorias 3 a 6 de pesca referidas pelas fichas técnicas de pesca correspondentes.

388    Todavia, essa exploração dos recursos haliêuticos do Sara Ocidental não resulta, em si mesma, da repartição dessas possibilidades de pesca entre os Estados‑Membros operada pelo regulamento impugnado, mas da determinação da zona de pesca e dos limites das zonas de gestão no interior deste, efetuada pelo acordo controvertido, determinação essa que inclui as águas adjacentes a esse território.

389    Por conseguinte, mesmo que a recorrente sustente, com razão, por um lado, que a exploração dos recursos haliêuticos do Sara Ocidental afeta o povo desse território e, por outro, que esta exploração a afeta a ela, enquanto representante legítima deste povo, não se pode deduzir daí, contudo, que o regulamento impugnado produz diretamente efeitos na sua situação jurídica a esse título. O primeiro critério da afetação direta não está, portanto, preenchido no caso em apreço.

390    Além disso, no que respeita ao segundo critério, é certo que, contrariamente ao que o Conselho afirma, o regulamento impugnado, em si mesmo, não necessita da adoção de nenhuma medida intermédia, uma vez que a repartição entre os Estados‑Membros das possibilidades de pesca tem caráter puramente automático, que decorre diretamente do artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento.

391    Todavia, impõe‑se constatar que, em razão das outras medidas necessárias para a execução do acordo controvertido, incluindo o seu Protocolo de Execução, o efeito do regulamento impugnado na exploração dos recursos haliêuticos abrangidos pelo referido acordo só pode ser, de qualquer modo, muito indireto.

392    Com efeito, como precisa o Conselho, o direito de um navio arvorando pavilhão de um Estado‑Membro em causa explorar os recursos haliêuticos abrangidos pelo acordo controvertido está sujeito, além disso, a um procedimento de autorização, regulado pelos artigos 10.o e 11.o do Regulamento (UE) 2017/2403 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017, relativo à gestão sustentável das frotas de pesca externas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1006/2008 do Conselho (JO 2017, L 347, p. 81), procedimento esse que necessita da adoção de medidas pelos Estados‑Membros, pela Comissão e pelo Reino de Marrocos. Por outro lado, como indica igualmente o Conselho, resulta do artigo 12.o do mesmo regulamento que os Estados‑Membros têm a faculdade de não utilizar a totalidade das possibilidades de pesca que lhes são atribuídas.

393    De qualquer modo, conforme concluído no n.o 259, supra, a recorrente é diretamente afetada pela decisão impugnada no processo T‑344/19, na medida em que essa decisão tem por objeto a celebração do acordo controvertido que se aplica ao Sara Ocidental e às águas adjacentes, independentemente das medidas adotadas pela União para a sua execução. Assim, uma medida de execução deste acordo, como o regulamento impugnado, não desempenha nenhum papel na aplicação do referido acordo às águas adjacentes ao território em causa e, portanto, aos seus recursos haliêuticos, a qual decorre automaticamente e sem a adoção de regras intermediárias das disposições deste acordo.

394    Resulta do que precede que a recorrente não é diretamente afetada pelo regulamento impugnado. Por conseguinte, o presente recurso não é admissível e deve ser julgado improcedente.

 Quanto às despesas

395    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

396    Tendo o Conselho sido vencido no processo T‑344/19, há que condená‑lo nas despesas da instância neste processo, em conformidade com o pedido da recorrente.

397    Tendo a recorrente sido vencida no processo T‑356/19, há que condená‑la nas despesas da instância neste processo, em conformidade com o pedido do Conselho.

398    Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Reino de Espanha, a República Francesa e a Comissão suportarão as suas próprias despesas.

399    Segundo o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suporte as suas próprias despesas.

400    No presente caso, há que decidir que as CPMM suportarão as suas próprias despesas no processo T‑344/19.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão (UE) 2019/441 do Conselho, de 4 de março de 2019, relativa à celebração do Acordo de Parceria no domínio da Pesca Sustentável entre a União Europeia e o Reino de Marrocos, do seu protocolo de execução e da troca de cartas que acompanha o Acordo, é anulada.

2)      Os efeitos da Decisão 2019/441 são mantidos durante um período que não pode exceder o prazo previsto no artigo 56.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia ou, se um recurso for interposto dentro desse prazo, até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça que decida desse recurso.

3)      O recurso no processo T356/19 é improcedente.

4)      O Conselho da União Europeia é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Frente Popular para a Libertação de Saguiaelhamra e Rio de Oro (Frente Polisário) no processo T344/19.

5)      A Frente Polisário é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Conselho no processo T356/19.

6)      O Reino de Espanha, a República Francesa e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

7)      A Chambre des pêches maritimes de la Méditerranée, a Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Nord, a Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Centre e a Chambre des pêches maritimes de l’Atlantique Sud suportarão as suas próprias despesas no processo T344/19.

Costeira

Gratsias

Kancheva

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de setembro de 2021.

Assinaturas

Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Contexto internacional

B. Acordo de Associação e Acordo de Pesca de 2006

1. Acordo de Associação

2. Acordo de Pesca de 2006

C. Litígios relacionados com o Acordo de Associação

1. Processos T512/12 e C104/16 P

2. Processo C266/16

3. Despachos nos processos T180/14, T275/18 e T376/18

D. Decisão impugnada e acordo controvertido

E. Regulamento impugnado

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto ao recurso no processo T344/19

1. Quanto à admissibilidade de determinados anexos à réplica

2. Quanto à admissibilidade do recurso

a) Quanto ao âmbito de aplicação territorial do acordo controvertido

b) Quanto ao alcance dos pedidos de anulação

c) Quanto ao primeiro fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de capacidade judiciária da recorrente

d) Quanto à validade do mandato conferido pela recorrente ao seu advogado

e) Quanto ao segundo fundamento de inadmissibilidade do Conselho, relativo à falta de legitimidade ativa da recorrente

1) Quanto à afetação direta da recorrente

i) Quanto ao cumprimento, pela recorrente, do primeiro critério da afetação direta, segundo o qual a medida contestada deve produzir diretamente efeitos na sua situação jurídica

– Quanto à primeira parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos intrínsecos de uma decisão de celebração, em nome da União, de um acordo internacional

– Quanto à segunda parte da argumentação do Conselho, relativa aos efeitos jurídicos específicos do acordo controvertido, tendo em conta a sua aplicação territorial ao Sara Ocidental e às águas adjacentes

– Quanto à terceira parte da argumentação do Conselho, relativa à não alteração da situação jurídica da recorrente, tendo em conta o seu papel limitado à participação no processo de autodeterminação do Sara Ocidental

ii) Quanto ao segundo critério da afetação direta, relativo ao caráter puramente automático e decorrente apenas da regulamentação da União da aplicação da medida contestada

2) Quanto à afetação individual da recorrente

3. Quanto à procedência do recurso

a) Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência do Conselho para adotar a decisão impugnada

b) Quanto ao terceiro fundamento, relativo, em substância, à violação, pelo Conselho, da sua obrigação de se conformar às exigências deduzidas pela jurisprudência do princípio da autodeterminação e do princípio do efeito relativo dos Tratados

1) Quanto aos argumentos do Conselho, da República Francesa, da Comissão e das CPMM relativos ao caráter inoperante do terceiro fundamento

2) Quanto à procedência dos argumentos invocados pela recorrente em apoio do presente fundamento

i) Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à impossibilidade de a União e de o Reino de Marrocos celebrarem um acordo aplicável ao Sara Ocidental e às águas adjacentes

ii) Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação da exigência segundo a qual o povo do Sara Ocidental devia consentir no acordo controvertido, enquanto terceiro ao mesmo, na aceção do princípio do efeito relativo dos Tratados

– Quanto à aplicação do princípio do efeito relativo dos Tratados ao presente caso

– Quanto às consultas realizadas pelo Conselho e pela Comissão para se conformarem com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK

– Quanto à questão de saber se o sentido particular conferido ao conceito de consentimento na decisão impugnada é compatível com a interpretação do princípio do efeito relativo dos Tratados adotada pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK

4. Quanto à manutenção no tempo dos efeitos da decisão impugnada

B. Quanto ao recurso no processo T356/19

Quanto às despesas


*      Língua do processo: francês.