Language of document : ECLI:EU:T:1998:25

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada)

6 de Fevereiro de 1998
(1)

«Decisão 94/90/CECA/CE/EURATOM da Comissão, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão — Decisão que recusa o acesso a documentos — Protecção do interesse público (processos judiciais)»

No processo T-124/96,

Interporc Im- und Export GmbH, sociedade de direito alemão, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por Georg M. Berrisch, advogado em Hamburgo, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Guy Harles, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Ulrich Wölker, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 29 de Maio de 1996, que confirma a sua recusa de conceder à recorrente o acesso a alguns dos seus documentos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção Alargada),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, C. P. Briët, P. Lindh, A. Potocki, e J. D. Cooke, juízes,

secretário: A. Mair, administrador

vistos os autos e após a audiência de 21 de Outubro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    Na acta final do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, os Estados-Membros incorporaram, nos termos seguintes, uma declaração (n.° 17) relativa ao direito de acesso à informação:

«A Conferência considera que a transparência do processo decisório reforça o carácter democrático das instituições e a confiança do público na administração. Por conseguinte, a Conferência recomenda que a Comissão apresente ao Conselho, o mais tardar até 1993, um relatório sobre medidas destinadas a facilitar o acesso do público à informação de que dispõem as instituições.»

2.
    Na sequência desta declaração, a Comissão empreendeu um estudo comparativo das regras sobre o acesso do público à informação nos Estados-Membros e em certos países terceiros e publicou os resultados das suas pesquisas na comunicação 93/C 156/05, que dirigiu ao Conselho, ao Parlamento e ao Comité Económico e Social, acerca do acesso do público aos documentos das instituições (JO C 156, p. 5, a seguir «comunicação de 1993»). Nessa comunicação, a Comissão concluía que se afigurava indicado promover um acesso mais importante aos documentos a nível comunitário.

3.
    Em 2 de Junho de 1993, a Comissão adoptou a comunicação 93/C 166/04 relativa à transparência na Comunidade (JO C 166, p. 4). Nessa comunicação, a Comissão elaborou os princípios de base que regulam o acesso aos documentos.

4.
    Em 6 de Dezembro de 1993, a Comissão e o Conselho redigiram e adoptaram em comum um código de conduta respeitante ao acesso do público aos documentos da Comissão e do Conselho (a seguir «código de conduta») e comprometeram-se a tomar as medidas necessárias para pôr em prática os princípios enunciados pelo código de conduta até 1 de Janeiro de 1994.

5.
    Para assegurar a aplicação prática deste compromisso, a Comissão adoptou, em 8 de Fevereiro de 1994, com base no artigo 162.° do Tratado CE, a Decisão 94/90/CECA, CE, EURATOM, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58, a seguir «Decisão 94/90»). O artigo 1.° desta decisão adopta formalmente o código de conduta cujo texto se encontra junto à decisão.

6.
    O código de conduta enuncia o princípio geral seguinte:

«O público terá o acesso mais amplo possível aos documentos da Comissão e do Conselho. Entende-se por 'documento‘ qualquer escrito, qualquer que seja o respectivo suporte, que contenha dados existentes, detido pela Comissão ou pelo Conselho.»

7.
    As circunstâncias que podem ser invocadas por uma instituição para justificar a recusa dum pedido de acesso a documentos estão enumeradas no código de conduta nos seguintes termos:

«As instituições recusam o acesso a qualquer documento cuja divulgação possa prejudicar:

—    a protecção do interesse público (segurança pública, relações internacionais, estabilidade monetária, processos judiciais, inspecções e inquéritos),

—    a protecção do indivíduo e da vida privada,

—    a protecção do sigilo comercial e industrial,

—    a protecção dos interesses financeiros da Comunidade,

—    a protecção da confidencialidade solicitada pela pessoa singular ou colectiva que forneceu a informação ou exigida pela legislação do Estado-Membro que forneceu a informação.

As instituições podem igualmente recusar o acesso a um documento para salvaguardar o interesse da instituição no que respeita ao sigilo das suas deliberações.»

8.
    Em 4 de Março de 1994, a Comissão elaborou uma comunicação sobre a melhoria do acesso aos documentos (JO C 67, p. 5, a seguir «comunicação de 1994»)

precisando os critérios de aplicação da Decisão 94/90. Nessa comunicação afirma que «qualquer pessoa pode... solicitar o acesso a qualquer documento não publicado da Comissão, incluindo os documentos preparatórios ou outros documentos explicativos». Em seguida, «a Comissão garante que os pedidos de consulta de documentos serão tratados de forma justa e rápida». A este respeito, a publicação precisa que «os autores de pedidos de acesso a documentos da Comissão receberão uma resposta no prazo de um mês». Quanto às excepções previstas pelo código de conduta, a comunicação informa que «a Comissão pode considerar que o acesso a um determinado documento deve ser recusado, pelo facto de a sua divulgação prejudicar os interesses públicos ou privados, ou o bom funcionamento da instituição...». Quanto a este ponto, a comunicação sublinha que «a aplicação das excepções não é automática e cada pedido de acesso a um documento será analisado em função dos seus méritos próprios».

Factos que estão na origem do recurso

9.
    Todos os anos a Comunidade abre o que se entendeu designar como contingente «Hilton». No quadro deste contingente, certas quantidades de carne de bovino de alta qualidade («Hilton Beef») provenientes da Argentina podem ser importadas para a Comunidade com isenção de direitos. A fim de obter esta isenção, é necessária a apresentação de um certificado de autenticidade passado pelas autoridades argentinas.

10.
    Tendo sido informada da descoberta de falsificações de certificados de autenticidade, a Comissão, em colaboração com as autoridades aduaneiras dos Estados-Membros, iniciou investigações a este propósito no fim do ano de 1992/princípio do ano de 1993. Quando as autoridades aduaneiras chegaram à conclusão de que lhes haviam sido apresentados certificados de autenticidade falsificados, procederam a cobranças a posteriori de direitos de importação.

11.
    Depois de terem sido descobertas estas falsificações, as autoridades alemãs exigiram à recorrente direitos de importação a posteriori. Esta pediu uma redução dos direitos de importação alegando que tinha apresentado os certificados de autenticidade de boa fé e que algumas lacunas no controlo eram imputáveis às autoridades argentinas competentes e à Comissão.

12.
    Por decisão de 26 de Janeiro de 1996, dirigida à República Federal da Alemanha, a Comissão considerou que o pedido de redução dos direitos de importação apresentado pela recorrente não era justificado.

13.
    Por carta de 23 de Fevereiro de 1996, dirigida ao Secretário-Geral da Comissão e aos Directores-Gerais das Direcções-Gerais (a seguir «DG») I, VI e XXI, o advogado da recorrente pediu acesso a certos documentos relativos ao controlo das importações de carne de bovino («Hilton Beef») e às investigações que conduziram às decisões das autoridades alemãs de proceder a cobranças de direitos de importação a posteriori. O pedido referia-se a dez categorias de documentos, a

saber: 1) as declarações dos Estados-Membros relativas às quantidades de carne de bovino «Hilton» importadas da Argentina entre 1985 e 1992; 2) as declarações das autoridades argentinas sobre as quantidades de carne de bovino «Hilton» que foram exportadas para a Comunidade no decurso do mesmo período; 3) os registos internos da Comissão elaborados com base nessas declarações; 4) os documentos relativos à abertura do contingente «Hilton»; 5) os documentos relativos à designação dos organismos responsáveis pela emissão dos certificados de autenticidade; 6) os documentos relativos à convenção celebrada entre a Comunidade e a Argentina relativa a uma redução do contingente na sequência da descoberta das falsificações; 7) os eventuais relatórios das investigações respeitantes ao controlo pela Comissão, entre 1991 e 1992, do contingente «Hilton»; 8) os documentos relativos às investigações respeitantes a eventuais irregularidades nas importações efectuadas entre 1985 e 1988; 9) os avisos da DG VI e da DG XXI no que respeita às decisões adoptadas noutros processos semelhantes; e 10) as actas das reuniões do grupo de peritos dos Estados-Membros que ocorreram em 2 e 4 de Dezembro de 1995.

14.
    Por carta de 22 de Março de 1996, o Director-Geral da DG VI recusou o pedido de acesso à correspondência trocada com as autoridades argentinas e às actas dos debates que precederam a concessão e a abertura dos contingentes «Hilton» e ainda à correspondência trocada com as autoridades argentinas após a descoberta dos certificados de autenticidade falsificados. Esta recusa invocava a excepção relativa à protecção do interesse público (relações internacionais). Quanto ao restante, o Director-Geral recusou também o acesso aos documentos emanados dos Estados-Membros ou das autoridades argentinas, com o fundamento de que a recorrente deveria dirigir o seu pedido directamente aos autores destes documentos.

15.
    Por carta de 25 de Março de 1996, o Director-Geral da DG XXI recusou o pedido de acesso ao relatório das investigações internas relativas às falsificações elaborado pela Comissão, invocando a excepção da protecção do interesse público (actividades de inspecção e inquérito) e a excepção da protecção do indivíduo e da sua vida privada. No que respeita às tomadas de posição da DG VI e da DG XXI relativamente a outros pedidos de redução de direitos de importação, bem como às actas das sessões do comité de peritos dos Estados-Membros, o Director-Geral da DG XXI recusou o acesso aos documentos invocando a excepção da protecção do interesse da instituição relativo ao segredo das suas deliberações. Quanto ao restante, recusou o acesso aos documentos emanados dos Estados-Membros com o fundamento de que a recorrente devia dirigir o seu pedido directamente aos autores desses documentos.

16.
    Por carta de 27 de Março de 1996, o advogado da recorrente apresentou um pedido de confirmação nos termos do código de conduta ao Secretário-Geral da Comissão. Nessa carta, contestou os fundamentos das razões invocadas pelos directores-gerais das DG VI e da DG XXI para recusar o acesso aos documentos.

17.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Abril de 1996, a recorrente, agindo conjuntamente com outras duas empresasalemãs, interpôs recurso de anulação da decisão da Comissão de 26 de Janeiro de 1996 (processo Primex e o/Comissão, T-50/96).

18.
    Por carta de 29 de Maio de 1996, o Secretário-Geral da Comissão indeferiu o pedido de confirmação. Esta carta (a seguir «decisão impugnada») está redigida nos seguintes termos:

«Após análise do vosso pedido, lamento dever informar que confirmo a decisão da DG VI e da DG XXI pelos motivos que seguem.

Todos os documentos pedidos respeitam a uma decisão da Comissão de 26 de Janeiro de 1996 [documento COM C(96) 180 final], que, entretanto, é objecto de um recurso de anulação interposto pelo vosso mandatário (processo T-50/96).

Por conseguinte, e sem prejuízo de outras excepções que poderiam justificar a recusa de acesso aos documentos pedidos, é aplicável a excepção relativa à protecção do interesse público (processos judiciais). O código de conduta não pode obrigar a Comissão, no âmbito de um processo em curso, a transmitir à parte contrária documentos relativos ao litígio.»

19.
    Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Junho de 1996, a recorrente, no âmbito do processo T-50/96, pediu que o Tribunal ordenasse a junção de alguns documentos aos autos, a título de medida de organização do processo.

Tramitação processual e pedidos das partes

20.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 9 de Agosto de 1996, a recorrente interpôs o presente recurso. O processo foi atribuído a uma secção composta de três juízes. Depois de ter ouvido as partes, o Tribunal decidiu, por deliberação de 2 de Julho de 1997, remeter o processo à terceira secção alargada, composta de cinco juízes.

21.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

22.
    As partes foram ouvidas em alegações e deram resposta às questões orais do Tribunal na audiência pública de 28 de Janeiro de 1997.

23.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão impugnada;

—    declarar que a Comissão não tem o direito de recusar o acesso aos documentos citados na carta que em 23 de Fevereiro de 1996 o advogado da recorrente dirigiu ao Secretário-Geral da Comissão;

—    condenar a recorrente nas despesas.

24.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar inadmissível o pedido de injunção;

—    julgar o recurso improcedente quanto ao restante;

—    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao primeiro pedido, que visa a anulação da decisão impugnada

25.
    Em apoio de seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos. O primeiro baseia-se na violação do código de conduta e da Decisão 94/90. O segundo fundamento apoia-se na violação do artigo 190.° do Tratado. O terceiro fundamento, apresentado durante a audiência, baseia-se na violação dos direitos da defesa, na medida em que o Secretário-Geral se baseou, para proferir a decisão impugnada, num novo fundamento de recusa que não tinha sido invocado anteriormente.

26.
    Nas circunstâncias do presente caso, o Tribunal considera que os dois primeiros fundamentos devem ser apreciados em conjunto.

Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, baseados na violação do código de conduta e da decisão 94/90 e na violação do artigo 190.° do Tratado

Argumentos das partes

— Quanto à violação da decisão 94/90 e do código de conduta

27.
    A recorrente recorda, antes de mais, que a Comissão recusou o seu pedido de acesso aos documentos apenas com o fundamento de que se aplicava a excepção relativa à protecção do interesse público (processos judiciais). Todavia, ao fazê-lo, a Comissão violou as disposições relativas às excepções ao direito de acesso aos documentos previstas pelo código de conduta e, por conseguinte, a decisão 94/90.

28.
    A recorrente recorda que a Decisão 94/90 e o código de conduta são juridicamente vinculativos para a Comissão. Estes documentos impõem à Comissão a obrigação legal de conceder o acesso mais amplo possível aos documentos na sua posse [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão, T-105/95, Colect., p. II-313, n.° 55, e de 19 de Outubro de 1995, Carvel e Guardian Newspapers/Conselho, T-194/94, Colect., p. I-2765, que respeita

a uma decisão equivalente adoptada pelo Conselho (Decisão 93/731/CE, de 20 de Dezembro de 1993, relativa ao acesso do público aos documentos do Conselho, JO L 340, p. 43)].

29.
    As excepções ao direito de acesso aos documentos devem ser interpretadas de forma restritiva, a fim de não contrariar o objectivo específico do código de conduta, que é conferir ao público «o acesso mais amplo possível aos documentos».

30.
    A recorrente sustenta que a Comissão não pode invocar excepções de forma generalizada. A fim de determinar se a divulgação de um documento é abrangida por uma das excepções, a Comissão deve, em primeiro lugar, ponderar os interesses que a excepção em questão se destina a proteger e o objectivo geral do código de conduta e, em segundo lugar, estabelecer, relativamente a cada documento, as «razões imperiosas» pelas quais se mostram preenchidas as condições de aplicação da excepção (despacho do Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 1990, Zwartveld e o., C-2/88, Imm, Colect., p. I-4405, n.os 11 e 12).

31.
    É sem razão que a Comissão, ao invocar a excepção da protecção do interesse público (processos judiciais), se considera autorizada a recusar o acesso a qualquer documento que se refira a uma decisão que é objecto de recurso de anulação. A posição da Comissão é, com efeito, susceptível de prejudicar a tramitação do processo judicial.

32.
    Tendo recusado o acesso aos documentos pedidos com o fundamento de que poderiam eventualmente ser utilizados contra a Comissão na sua qualidade de recorrida num processo judicial, a decisão impugnada pode ter como consequência que várias decisões da Comissão sejam susceptíveis de escapar ao controlo jurisdicional. A Comissão não deve, na sua qualidade de administração pública agindo no interesse geral, ter o direito de subtrair a esse controlo os documentos que aprova, conservando-os secretos.

33.
    Deve interpretar-se a excepção em questão em conformidade com o ponto 2.2 da comunicação de 1993 que enumera os interesses que se considerou deverem ser protegidos pela referida excepção nos direitos dos Estados-Membros. Essa excepção só cobre, com efeito, as informações cuja divulgação possa prejudicar inquéritos e acções penais.

34.
    Finalmente, a posição da Comissão no presente processo é contrariada pelas observações que apresentou no processo Primex e o./Comissão, já referido, quanto ao pedido de medidas de organização do processo destinadas a obter a apresentação dos mesmos documentos. Com efeito, neste último processo, a Comissão considerou que os documentos não eram relevantes para o processo.

35.
    Admitindo embora a importância política de que se reveste o acesso do público aos documentos na posse das instituições comunitárias, a Comissão interroga-se quanto

à importância jurídica do princípio do acesso aos documentos, tal como resulta das declarações relativas à transparência. Quanto ao valor jurídico da Decisão 94/90, sublinha que esta decisão foi adoptada no âmbito do poder de organização interna da instituição, que a habilita a tomar as medidas apropriadas para assegurar o seu funcionamento interno no interesse de uma boa administração (acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1996, Países Baixos/Conselho, C-58/94, Colect., p. I-2169, n.° 37).

36.
    A Comissão argumenta, em primeiro lugar, que a excepção da protecção do interesse público (processos judiciais) a autoriza, no âmbito da Decisão 94/90, a não pôr à disposição do público — e da recorrente — os documentos que se referem a um processo pendente. Para que esta excepção seja aplicável, basta, na sua opinião, que os documentos solicitados digam respeito ao litígio em questão ou se relacionem com o seu objecto. É esse o presente caso.

37.
    Qualquer outra interpretação poderia comprometer seriamente os seus direitos de defesa e, por conseguinte, o interesse público. Mesmo se os seus direitos de defesa não são provavelmente lesados pela divulgação de cada um dos documentos, a Comissão considera que não poderia defender-se de forma apropriada se, como pretende a recorrente, tivesse de provar a importância de cada documento para o processo contencioso. A este respeito, a Comissão contesta que seja obrigada a invocar «razões imperiosas» para poder recusar um pedido de acesso aos documentos.

38.
    A comunicação de 1993 não conduz a uma interpretação diferente. A excepção constante do código de conduta tem, com efeito, um âmbito de aplicação mais amplo do que as excepções correspondentes previstas em direito nacional, uma vez que o código de conduta não contém a precisão restritiva «segredo de justiça» que foi acrescentada na descrição das excepções correspondentes em direito nacional.

39.
    Em segundo lugar, a Comissão alega que o problema de saber se a recorrente pode obter o acesso aos documentos pedidos deve ser resolvido com base nas disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância relativas às medidas de organização do processo, e não com base nas do código de conduta. Este código não constitui, e não é destinado a constituir, o diploma apropriado para resolver a questão suscitada neste caso.

40.
    Dado que foram pedidas medidas de organização do processo pelas recorrentes no âmbito do processo Primex e o./Comissão, já referido, compete ao Tribunal decidir em que medida pode dar sequência a este pedido com base no seu Regulamento de Processo. A questão de saber se os documentos pedidos pela recorrente são realmente relevantes para o recurso interposto da decisão de 26 de Janeiro de 1996 (v. supra, n.° 12) só pode ser decidida, na sua opinião, no âmbito do referido processo.

—    Quanto à violação do artigo 190.° do Tratado

41.
    A recorrente argumenta que a fundamentação da decisão impugnada não cumpre as exigências que decorrem do artigo 190.° do Tratado.

42.
    Por um lado, a redacção da decisão impugnada não permite saber se as particularidades deste caso concreto foram analisadas. Por outro lado, a Comissão não precisou as razões pelas quais considera que se aplica a excepção relativa à protecção do interesse público (processos judiciais).

43.
    Em especial, a Comissão, violando as suas obrigações, omitiu, em relação a cada um dos documentos, o fornecimento das «razões imperiosas» pelas quais a divulgação podia prejudicar a protecção do interesse público.

44.
    Finalmente, a recorrente alega que a Comissão não pode, neste processo, basear-se noutras excepções previstas pelo código de conduta, já que a decisão impugnada está, a esse respeito, insuficientemente fundamentada.

45.
    A Comissão contesta ter violado o artigo 190.° do Tratado. A fundamentação resume claramente, com efeito, a questão essencial. Quanto às queixas exprimidas pela recorrente, segundo as quais a decisão não analisa as «particularidades» do caso concreto, a Comissão considera que não tem obrigação de provar, relativamente a cada documento, que a respectiva divulgação poderia prejudicar o interesse público.

Apreciação do Tribunal

46.
    O Tribunal recorda que a Decisão 94/90 é um acto que confere aos cidadãos o direito de acesso aos documentos na posse da Comissão (acórdão WWF UK/Comissão, já referido, n.° 55).

47.
    O facto de o artigo 162.° do Tratado ter sido considerado como base jurídica desta decisão não pode alterar esta conclusão. Com efeito, mesmo que a Decisão 94/90 tivesse sido adoptada com fundamento no poder de organização interna da Comissão, nada obsta a que uma regulamentação relativa à organização interna dos trabalhos de uma instituição implique efeitos jurídicos relativamente a terceiros (acórdão Países Baixos/Conselho, já referido, n.° 38).

48.
    Resulta da estrutura da Decisão 94/90 que a mesma se destina a aplicar-se de uma forma geral aos pedidos de acesso aos documentos. Nos termos dessa decisão, qualquer pessoa pode pedir o acesso a qualquer documento não publicado da Comissão, sem que tenha de fundamentar o pedido [v. a este respeito, a comunicação de 1993 (JO C 156, p. 6) e a comunicação de 1994 (JO C 67, p. 5)].

49.
    Em conformidade com as disposições do código de conduta, o direito de acesso aos documentos está, todavia, sujeito a excepções. Estas devem ser interpretadas

restritivamente, de forma que a aplicação do princípio geral que consiste em conferir ao público «o acesso mais amplo possível aos documentos da Comissão» não seja frustrado (acórdão WWF UK/Comissão, já referido, n.° 56).

50.
    Tal como já se concluiu no n.° 57 do referido acórdão WWF UK/Comissão, existem duas categorias de excepções constantes do código de conduta (v. supra n.° 7).

51.
    A primeira categoria, na qual se inclui a excepção invocada neste caso, prevê que «as instituições recusam o acesso a qualquer documento cuja divulgação possa prejudicar [... nomeadamente] a protecção do interesse público (segurança pública, relações internacionais, estabilidade monetária, processos judiciais, inspecções e inquéritos)»

52.
    Resulta de utilização do verbo poder no condicional que a Comissão está obrigada, antes de decidir sobre um pedido de acesso a documentos, a apreciar, relativamente a cada documento solicitado, se, à luz das informações de que dispõe, a sua divulgação é efectivamente susceptível de prejudicar um dos interesses protegidos pela primeira categoria de excepções. Se for esse o caso, a Comissão é obrigada a recusar o acesso ao documento em questão, já que o código de conduta estipula que, neste caso, as instituições «recusam» o acesso.

53.
    Essa decisão da instituição deve ser fundamentada, nos termos do artigo 190.° do Tratado CE. Segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida por esta disposição deve revelar, de forma clara e inequívoca, o percurso lógico seguido pela autoridade comunitária de que emana o acto impugnado, de modo a permitir, por um lado, aos interessados conhecer as razões justificativas da medida adoptada a fim de defenderem os seus direitos e, por outro, possibilitar ao Tribunal de Justiça o exercício da sua fiscalização (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão, C-278/95P, Colect. p. I-2507, n.° 17; e acórdão WWF UK/Comissão, já referido, n.° 66).

54.
     A fundamentação de uma decisão que recusa o acesso aos documentos deve, por isso, conter — pelo menos relativamente a cada categoria de documentos em causa — as razões específicas pelas quais a Comissão considera que a divulgação dos documentos pedidos é abrangida por uma das excepções previstas pela primeira categoria de excepções (acórdão WWF UK/Comissão, já referido, n.os 64 e 74), a fim de permitir ao destinatário da decisão assegurar-se de que a apreciação referida no n.° 52 supra teve efectivamente lugar e apreciar a boa razão dos fundamentos da recusa.

55.
    Ora, neste caso concreto, é forçoso concluir que a decisão impugnada apenas contém a conclusão segundo a qual a excepção da protecção do interesse público (processos judiciais) se aplica (v. supra n.° 18). Com efeito, não fornece qualquer explicação, nem mesmo por categorias de documentos, que permitam verificar se, uma vez que apresentam uma conexão com a decisão cuja anulação é pedida no

âmbito do processo Primex e o./Comissão, já referido, todos os documentos solicitados, alguns dos quais datam de há vários anos, estão efectivamente abrangidos pela excepção invocada.

56.
    Nestas circunstâncias, deve concluir-se que a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada.

57.
    Resulta do exposto que se deve anular a decisão impugnada, sem necessidade de apreciar a justeza do fundamento baseado na violação dos direitos de defesa.

Quanto ao segundo pedido, que visa obter a declaração de que a Comissão não está autorizada a recusar o acesso aos documentos mencionados na carta da recorrente de 23 de Fevereiro de 1996 dirigida ao Secretário-Geral da Comissão

58.
    Em apoio deste pedido, a recorrente argumenta que, nos termos do código de conduta, compete ao Secretário-Geral, quando lhe é apresentado um pedido de confirmação, rever o indeferimento inicial do pedido de acesso aos documentos solicitados. Daí resulta que o Secretário-Geral deve tomar uma decisão definitiva quanto às razões em que entende basear o indeferimento definitivo do pedido.

59.
    Na opinião da recorrente, não se pode por isso admitir, sob pena de privar de qualquer efeito útil o processo previsto pela Decisão 94/90, que a Comissão possa, na sequência de um acórdão de anulação, invocar, num processo adminsitrativo subsequente, outros fundamentos para justificar o indeferimento de um pedido de acesso aos documentos. No caso contrário, a recorrente seria obrigada a recorrer de novo ao Tribunal o que, na sua opinião, não pode ser exigido.

60.
    A fim de evitar outro processo judicial, a recorrente pede, por isso, que o Tribunal declare que a Comissão não tem o direito de recusar o acesso aos diversos documentos mencionados na carta de 23 de Fevereiro de 1996 (v. supra n.° 13), já que a Comissão esgotou o direito de recusar o acesso aos documentos com outro fundamento.

61.
    No que respeita a este pedido, que visa a que sejam dirigidas injunções à Comissão, o Tribunal observa que o mesmo é inadmissível, dado que, no âmbito da competência de anulação que lhe é conferida pelo artigo 173.° do Tratado, o órgão jurisdicional comunitário não tem poderes para dirigir injunções às instituições comunitárias (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1987, Consorzio Cooperative d'Abruzzo/Comissão, 15/85, Colect. p. 1005, n.° 18), e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1995, France-Aviation/Comissão, T-346/94, Colect. p. II-2841, n.° 42).

Quanto às despesas

62.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte contrária o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida no essencial dos seus pedidos e tendo-o requerido a recorrente, deve a Comissão ser condenada nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada),

decide:

1)    É anulada a decisão da Comissão de 29 de Maio de 1996 que recusa à recorrente o acesso a certos documentos na posse da Comissão.

2)    É negado provimento ao recurso na parte em que pede que sejam dirigidas injunções à Comissão.

3)    A Comissão é condenada nas despesas.

Vesterdorf
Briët
Lindh

Potocki

Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Fevereiro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: alemão.