Language of document : ECLI:EU:T:2009:401

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

14 de Outubro de 2009 (*)

«Política externa e de segurança comum – Medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão para impedir a proliferação nuclear – Congelamento de fundos – Recurso de anulação – Fiscalização jurisdicional – Desvio de poder – Igualdade de tratamento – Proporcionalidade – Direito de propriedade – Direito de defesa – Direito a protecção jurisdicional efectiva – Dever de fundamentação – Competência da Comunidade»

No processo T‑390/08,

Bank Melli Iran, com sede em Teerão (Irão), representado por L. Defalque, advogado,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bishop, E. Finnegan e R. Liudvinaviciute‑Cordeiro, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por V. Jackson, na qualidade de agente, assistida por S. Lee, barrister,

por:

República Francesa, representada por G. de Bergues, L. Butel e E. Belliard, na qualidade de agentes,

e por:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Aalto e E. Cujo, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto a anulação do ponto 4 da tabela B do anexo da Decisão 2008/475/CE do Conselho, de 23 de Junho de 2008, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 423/2007 que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 163, p. 29), na parte em que diz respeito ao Bank Melli Iran e às suas sucursais,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente (relatora), K. Jürimäe e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Junho de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, o Bank Melli Iran, é um banco comercial iraniano detido pelo Estado iraniano.

 Medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão

2        O presente processo inscreve‑se no quadro do regime de medidas restritivas instaurado com vista a fazer pressão sobre a República Islâmica do Irão para que esta última ponha termo às actividades nucleares sensíveis do ponto de vista da proliferação e ao desenvolvimento de sistemas de lançamento de armas nucleares (a seguir «proliferação nuclear»).

3        As origens do regime em causa encontram‑se no seio da Organização das Nações Unidas. Em 23 de Dezembro de 2006, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (a seguir «Conselho de Segurança») adoptou a Resolução 1737 (2006), cujo anexo enumera uma série de pessoas e entidades envolvidas na proliferação nuclear e cujos fundos e recursos económicos (a seguir «fundos») deviam ser congelados. A lista que figura no anexo da Resolução 1737 (2006) foi posteriormente actualizada por várias resoluções, designadamente pela Resolução 1747 (2007) do Conselho de Segurança. Todavia, o recorrente não foi objecto de medidas de congelamento de fundos adoptadas pelo Conselho de Segurança.

4        No que respeita à União Europeia, a Resolução 1737 (2006) foi executada pela Posição Comum 2007/140/PESC do Conselho, de 27 de Fevereiro de 2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 61, p. 49). O seu artigo 5.°, n.° 1, alínea a), prevê o congelamento de todos os fundos e recursos económicos que estejam na posse, sejam propriedade ou se encontrem à disposição ou sob controlo, directa ou indirectamente, das pessoas e entidades designadas na Resolução 1737 (2006) do Conselho de Segurança. O artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140 prevê, além disso, que as mesmas medidas se aplicam designadamente às entidades que o Conselho da União Europeia considere que participam, que estão directamente associadas ou que prestam apoio à proliferação nuclear. Segundo o artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140, a lista de pessoas ou entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma é estabelecida e alterada pelo Conselho, deliberando por unanimidade.

5        No que toca às competências da Comunidade Europeia, a Resolução 1737 (2006) foi implementada pelo Regulamento (CE) n.° 423/2007 do Conselho, de 19 de Abril de 2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 103, p. 1), o qual foi adoptado com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE e cujo conteúdo é, no essencial, idêntico ao da Posição Comum 2007/140. Assim, o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 423/2007 prevê o congelamento dos fundos pertencentes às pessoas, entidades e organismos designados na Resolução 1737 (2006) do Conselho de Segurança, e de todos os fundos e recursos económicos que estejam na posse ou sejam detidos ou controlados por essas pessoas ou entidades O artigo 7.°, n.° 2, desse mesmo regulamento prevê as mesmas medidas no que respeita às entidades identificadas pelo Conselho da União Europeia como estando envolvidas, directamente associadas ou tendo prestado apoio à proliferação nuclear, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140. As entidades visadas por uma medida de congelamento de fundos por força do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 são enumeradas no Anexo V deste diploma.

6        Em derrogação ao artigo 7.° do Regulamento n.° 423/2007, os artigos 9.° e 10.° do mesmo regulamento autorizam as autoridades competentes dos Estados‑Membros, no essencial, a liberar os fundos congelados de modo a permitir, entre outras, às entidades mencionadas no Anexo V honrar obrigações decorrentes de contratos celebrados antes da adopção da medida de congelamento de fundos e fazer face a despesas essenciais.

7        O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 prevê, por um lado, que o Conselho, deliberando por maioria qualificada, elabora, reaprecia e altera a lista do Anexo V em plena conformidade com as decisões do Conselho adoptadas ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140/PESC e, por outro, que a referida lista é reapreciada em intervalos regulares e, pelo menos, de 12 em 12 meses.

8        O artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 obriga o Conselho a indicar os motivos individuais e específicos das decisões tomadas ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do mesmo regulamento, e a dar deles conhecimento às entidades em questão.

9        Além disso, nos termos do ponto 10 da Resolução 1803 (2008) do Conselho de Segurança de 3 de Março de 2008, este último pede «a todos os Estados que dêem provas de vigilância no que respeita às actividades das instituições financeiras com sede no seu território realizadas com todos os bancos domiciliados no Irão, em particular o Banco Melli e o Banco Saderat, bem como com as sucursais e agências destes últimos no estrangeiro, a fim de evitar que essas actividades contribuam para a [proliferação nuclear]».

 Medidas que visam o recorrente

10      Em 23 de Junho de 2008, o Conselho aprovou a Posição Comum 2008/479/PESC, que altera a Posição Comum 2007/140 (JO L 163, p. 43). Por força do anexo da Posição Comum 2008/479, o recorrente foi incluído entre as entidades visadas pelo congelamento de fundos em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140. O congelamento dos fundos do recorrente foi mantido na Posição Comum 2008/652/PESC do Conselho, de 7 de Agosto de 2008, que altera a Posição Comum 2007/140 (JO L 213, p.58).

11      No mesmo dia, o Conselho adoptou também a Decisão 2008/475/CE, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 423/2007 que impõe medidas restritivas contra o Irão (JO L 163, p. 29, a seguir «decisão impugnada»). Nos termos do ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada, o recorrente foi inscrito na lista que figura no Anexo V do referido regulamento, o que tem por consequência o congelamento dos seus fundos.

12      O Conselho apresentou os seguintes fundamentos:

«Forneceu ou tentou fornecer apoio financeiro a empresas que estão implicadas ou que adquirem mercadorias para o programa nuclear e para o programa de mísseis do Irão (AIO, SHIG, SBIG, AEOI, Novin Energy Company, Mesbah Energy Company, Kalaye Electric Company e DIO). O Bank Melli intervém como facilitador nas actividades sensíveis do Irão. Facilitou inúmeras aquisições de materiais sensíveis para o programa nuclear e para o programa de mísseis do Irão. Prestou um leque de serviços financeiros em nome de entidades ligadas à indústria nuclear e à indústria de mísseis do Irão, incluindo a abertura de crédito documentário e a manutenção de contas. Muitas das empresas [enumeradas] supra foram referidas nas Resoluções 1737 e 1747 do [Conselho de Segurança].»

 Tramitação processual e pedidos das partes

13      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 18 de Setembro de 2008, o recorrente interpôs o presente recurso. Por requerimentos separados que deram entrada na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, o recorrente apresentou um pedido de tramitação acelerada, nos termos do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal, e um pedido de medidas provisórias no sentido de que a aplicação do ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada fosse suspensa relativamente a ele.

14      Por decisão de 14 de Outubro de 2008, o Tribunal (Segunda Secção) deferiu o pedido de submissão do litígio a tramitação acelerada nos termos do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo, autorizando os Estados‑Membros intervenientes no litígio a apresentarem observações.

15      Por despacho do presidente do Tribunal de 15 de Outubro de 2008, o pedido de medidas provisórias apresentado pelo recorrente foi indeferido, reservando‑se para final a decisão quanto às despesas.

16      Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal em 20 de Outubro, em 13 e em 18 de Novembro de 2008, respectivamente, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão das Comunidades Europeias pediram para intervir no processo em apoio do Conselho. Por despachos de 12 de Novembro, 8 e 11 de Dezembro de 2008, o presidente da Segunda Secção do Tribunal admitiu essas intervenções.

17      A contestação foi apresentada em 5 de Novembro de 2008. As observações do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e da República Francesa foram apresentadas, respectivamente, em 4 de Dezembro de 2008 e em 5 de Janeiro de 2009.

18      Em 4 de Fevereiro de 2009, o recorrente pediu ao Tribunal autorização para juntar ao processo determinados documentos complementares relativos às suas relações com as entidades designadas na decisão impugnada, pelo facto de os mesmos não terem podido ser apresentados numa fase anterior do processo. Este pedido foi deferido por decisão da Segunda Secção do Tribunal de 17 de Fevereiro de 2009.

19      Em 5 de Maio de 2009, a Segunda Secção do Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem proceder a medidas de instrução prévias. Decidiu igualmente pedir ao recorrente que respondesse por escrito a determinadas questões, pedido que o recorrente satisfez no prazo estabelecido pelo Tribunal.

20      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal, na audiência de 3 de Junho de 2009.

21      Na petição, o recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal, anular o ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada na parte em que lhe diz respeito, bem como às suas filiais e sucursais;

–        a título subsidiário, declarar a inaplicabilidade ao presente litígio do artigo 7.°, n.° 2, e do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007;

–        em qualquer caso, condenar o Conselho nas despesas.

22      Na audiência, o recorrente, por um lado, desistiu do seu segundo pedido, esclarecendo que a excepção de ilegalidade suscitada contra o artigo 7.°, n.° 2, e o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 devia ser considerada um fundamento através do qual pedia a anulação da decisão impugnada por falta de base jurídica. Por outro lado, desistiu do seu primeiro pedido na parte em que visava a anulação da decisão impugnada na parte em que esta diz respeito às suas filiais.

23      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

24      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

25      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

26      O recorrente apresenta observações preliminares relativas à competência do Tribunal para fiscalizar a legalidade da decisão impugnada. As suas alegações quanto ao mérito podem ser agrupadas em cinco fundamentos, relativos, o primeiro, à violação de formalidades essenciais, do Tratado CE, das disposições jurídicas relativas à sua aplicação e do artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140, a desvio de poder e à falta de base jurídica da decisão impugnada; o segundo, à violação do princípio da igualdade de tratamento; o terceiro, à violação do princípio da proporcionalidade e do direito de propriedade; o quarto, à violação dos direitos de defesa, do direito a protecção jurisdicional efectiva e do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007; e, o quinto, à falta de competência da Comunidade.

27      O Conselho, apoiado pelos intervenientes, contesta a justeza dos fundamentos invocados pelo recorrente.

28      O Tribunal entende que, antes de apreciar os fundamentos invocados pelo recorrente, há que examinar a pertinência dos documentos por ele apresentados em 4 de Fevereiro de 2009.

 Quanto à pertinência dos documentos apresentados pelo recorrente em 4 de Fevereiro de 2009

29      Os documentos apresentados em 4 de Fevereiro de 2009 consistem em três declarações do director‑geral do recorrente e dos representantes das suas sucursais em Paris (França) e em Hamburgo (Alemanha), que resumem as relações comerciais do recorrente com as entidades designadas na decisão impugnada. Em resposta a uma questão colocada na audiência, o recorrente explicou que esses documentos tinham sido apresentados, antes de mais, para demonstrar que a medida de congelamento dos fundos que o afectava não era justificada, sendo limitadas as relações que mantinha com as entidades designadas na decisão impugnada. Além disso, no entendimento do recorrente, as declarações em causa sustentam também o terceiro fundamento, uma vez que delas resulta, por um lado, que o congelamento dos seus fundos não era necessário para atingir o objectivo prosseguido pelo Conselho e, por outro lado, que esse mesmo objectivo poderia ser alcançado com medidas menos restritivas. Por fim, os documentos em causa são também pertinentes no quadro do quarto fundamento, uma vez que ilustram as dificuldades com que se viu confrontado ao ser obrigado a carrear uma «prova negativa», devido ao facto de não ter tido acesso aos elementos probatórios que servem de fundamento ao Conselho, admitindo que existam.

30      Importa realçar que a petição não contém um fundamento que ponha em causa a constatação do Conselho de acordo com a qual o recorrente forneceu apoio financeiro à proliferação nuclear, quando esta constatação constitui o fundamento da decisão impugnada na parte respeitante ao recorrente, e que, por conseguinte, tal fundamento podia ter sido invocado quando o recurso foi interposto, eventualmente esclarecendo que as provas complementares iriam ser apresentadas logo que estivessem disponíveis. Supondo ainda, neste contexto, que tal fundamento tivesse sido apresentado pela primeira vez na audiência, deve ser rejeitado como inadmissível por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, não tendo o recorrente sequer invocado que se baseava em elementos de direito ou de facto que se revelaram durante o processo. Nestas circunstâncias, os documentos apresentados em 4 de Fevereiro de 2009 não podem ser tomados em consideração para apreciar se as relações do recorrente com as entidades designadas na decisão impugnada justificavam o congelamento dos seus fundos.

31      A mesma conclusão é aplicável no que concerne à pertinência dos documentos em causa para a apreciação do terceiro fundamento. Com efeito, na petição, o recorrente limitou‑se a sustentar que a decisão impugnada era desproporcionada uma vez que ultrapassava as obrigações e as recomendações formuladas pelo Conselho de Segurança na Resolução 1803 (2008). Ao invés, o recorrente não apresentou nenhuma alegação que pusesse em causa o alcance das suas relações comerciais com as entidades designadas, tal como definido na decisão impugnada. Por outro lado, na medida em que o recorrente não sustentou na audiência que essas alegações se baseavam em elementos de direito ou de facto que se revelaram durante o processo, resulta do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo que constituem um fundamento novo, que seria, de todo o modo, inadmissível. Assim, também não há que tomar em consideração no exame do terceiro fundamento os documentos apresentados em 4 de Fevereiro de 2009.

32      No que toca ao quarto fundamento, o recorrente sustentou efectivamente na petição que, para interpor o seu recurso no Tribunal, teve de carrear uma «prova negativa» de que não fornecia apoio à proliferação nuclear, o que é particularmente difícil, senão mesmo impossível, de demonstrar. Por conseguinte, os documentos apresentados em 4 de Fevereiro de 2009 podem ser tomados em consideração neste contexto.

 Quanto à intensidade da fiscalização jurisdicional

 Argumentos das partes

33      O recorrente refere que a legalidade de toda e qualquer regulamentação adoptada pelas instituições comunitárias, incluindo a que tem por objectivo a execução de uma resolução do Conselho de Segurança, está sujeita à fiscalização integral dos tribunais comunitários no quadro do sistema completo de vias de recurso estabelecido pelo Tratado CE.

34      O Conselho não contesta a competência do Tribunal para fiscalizar a legalidade da decisão impugnada. Lembra, todavia, que ele próprio dispõe de um amplo poder de apreciação quanto aos elementos que deve tomar em consideração com vista à adopção de medidas restritivas económicas ou financeiras.

 Apreciação do Tribunal

35      No que se refere à intensidade da fiscalização jurisdicional, devem distinguir‑se dois tipos de elementos no Regulamento n.° 423/2007. Com efeito, por um lado, os artigos deste regulamento prevêem regras gerais que definem as modalidades das medidas restritivas por ele criadas. Por outro, o anexo V do Regulamento n.° 423/2007, que enumera as entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos adoptadas ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento, constitui um conjunto de actos de aplicação das regras gerais referidas a entidades específicas.

36      No que toca às regras gerais que definem as modalidades das medidas restritivas, o Conselho dispõe de um amplo poder de apreciação quanto aos elementos a considerar com vista à adopção de sanções económicas e financeiras com base nos artigos 60.° CE e 301.° CE, em conformidade com uma posição comum adoptada no âmbito da política externa e de segurança comum (PESC). Uma vez que o juiz comunitário não pode, em particular, substituir‑se ao Conselho no que respeita à apreciação das provas, factos e circunstâncias que justificam a adopção dessas medidas, a fiscalização exercida pelo Tribunal deve limitar‑se à verificação do respeito pelas regras processuais e de fundamentação, da exactidão material dos factos, bem como da inexistência de erro manifesto na apreciação dos factos e de desvio de poder. Essa fiscalização restrita aplica‑se, em especial, à apreciação das considerações de oportunidade em que essas decisões assentam (v., por analogia, acórdão de Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2006, Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, T‑228/02, Colect., p. II‑4665, a seguir «acórdão OMPI», n.° 159).

37      Quanto à fiscalização da legalidade da decisão pela qual uma entidade é inscrita na lista do anexo V do Regulamento n.° 423/2007 por força do seu artigo 7.°, n.° 2, incumbe ao Tribunal verificar, à luz dos fundamentos de anulação invocados pela entidade em causa ou suscitados oficiosamente, designadamente, que a situação em causa corresponde a uma das quatro hipóteses previstas no artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) a d), do Regulamento n.° 423/2007. Isto implica que a fiscalização jurisdicional da legalidade da decisão em questão abrange a apreciação dos factos e das circunstâncias invocados para a justificar, bem como a verificação das provas e das informações em que assenta essa apreciação. O Tribunal deve igualmente certificar‑se de que os direitos de defesa e a correspondente exigência de fundamentação foram respeitados, bem como, sendo esse o caso, da justeza das considerações imperativas excepcionalmente invocadas pelo Conselho para se lhes sutrair (v., por analogia, acórdão OMPI, já referido no n.° 36, n.° 154).

38      No presente processo, a alegação relativa à falta de base jurídica da decisão impugnada significa contestar a legalidade de determinadas regras gerais do Regulamento n.° 423/2007. Por conseguinte, na sua apreciação, importa aplicar a fiscalização restrita descrita no n.° 36, supra. Quanto ao resto, aos fundamentos que põem em causa a legalidade da decisão que levou o recorrente a ser inscrito na lista do anexo V do Regulamento n.° 423/2007 aplicam‑se as considerações expostas no n.° 37, supra.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais, do Tratado CE, das disposições jurídicas relativas à sua aplicação e do artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140, a desvio de poder e à falta de base jurídica da decisão impugnada

 Argumentos das partes

39      O recorrente sustenta que o Regulamento n.° 423/2007, no qual assenta a decisão impugnada, tem três bases jurídicas, a saber, os artigos 60.° CE e 301.° CE e a Posição Comum 2007/140. Realça que, de acordo com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007, a lista das entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos por força do artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento é elaborada pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada. Ao invés, o artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140 exige que a lista das pessoas ou entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140, que é efectivamente a mesma que a prevista no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007, seja elaborada pelo Conselho deliberando por unanimidade.

40      O recorrente alega, neste contexto, que, quando um acto assenta numa pluralidade de bases jurídicas que prevêem regras de voto diferentes, deve optar‑se pelo procedimento mais estrito. Daí deduz que, na medida em que o Conselho não respeitou a regra da unanimidade instituída no artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140 no momento da adopção da decisão impugnada, cometeu uma violação de formalidades essenciais, do Tratado CE e das disposições jurídicas relativas à sua aplicação. Por outro lado, no entender do recorrente, o Conselho cometeu também desvio de poder, uma vez que violou o procedimento especialmente previsto pelo Tratado UE no contexto da PESC para tomar uma decisão com efeito directo, instrumento jurídico que não existe neste âmbito.

41      O recorrente acrescenta que, na medida em que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 prevê a deliberação por maioria qualificada, apesar de dar execução à PESC, e em que, não respeita, assim, as regras procedimentais instituídas pela Posição Comum 2007/140, não pode constituir uma base jurídica válida da decisão impugnada. Do mesmo modo, o artigo 15.°, n.° 2, e o artigo 7.°, n.° 2, do dito regulamento não podem constituir uma base jurídica válida da decisão impugnada, porquanto permitiram a adopção da medida de congelamento de fundos que visa o recorrente, apesar de este não ter sido designado na Resolução 1737 (2006), referenciada no sexto considerando do Regulamento n.° 423/2007, mas unicamente mencionado na Resolução 1803 (2008).

42      Por último, o recorrente alega que o acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, a seguir «acórdão Kadi»), não é pertinente no âmbito do presente fundamento, uma vez que a decisão em causa no processo em que foi proferida se baseava na tripla base jurídica constituída pelos artigos 60.° CE, 301.° CE e 308.° CE e tinha, por conseguinte, sido adoptada por unanimidade.

43      O Conselho, apoiado pelos intervenientes, contesta a justeza dos argumentos do recorrente defendendo que foi aplicada a regra de voto adequada, tal como determinada nos artigos 60.° CE e 301.° CE, que constituem a base jurídica da decisão impugnada,

 Apreciação do Tribunal

44      A título preliminar, há que salientar que, contrariamente ao que o recorrente alega, o acórdão Kadi, já referido no n.° 42, é claramente pertinente no presente caso, uma vez que o Tribunal de Justiça nele se pronunciou, em especial, sobre o âmbito de aplicação dos artigos 60.° CE e 301.° CE. Assim, segundo o Tribunal de Justiça, estas disposições visam a adopção de medidas contra países terceiros, podendo este último conceito incluir os dirigentes desses países bem como indivíduos e entidades associados a esses dirigentes ou controlados directa ou indirectamente por estes (acórdão Kadi, já referido no n.° 42, n.° 166).

45      Os artigos 60.° CE e 301.° CE têm a particularidade de constituir uma ponte entre as acções da Comunidade que envolvem medidas económicas e os objectivos do Tratado UE em matéria de relações externas, designadamente a PESC (v., neste sentido, acórdão Kadi, já referido no n.° 42, n.° 197). Com efeito, os artigos 60.° CE e 301.° CE são disposições que perspectivam expressamente que uma acção da Comunidade pode vir a revelar‑se necessária com vista a realizar um dos objectivos especificamente atribuídos à União pelo artigo 2.° UE, a saber, a execução de uma política externa e de segurança comum.

46      Todavia, esta circunstância não prejudica da coexistência da União e da Comunidade enquanto ordenamentos jurídicos integrados mas distintos, assim como a arquitectura constitucional dos pilares, pretendidas pelos autores dos tratados actualmente em vigor (v., neste sentido, acórdão Kadi, já referido no n.° 42, n.° 202). Por conseguinte, embora a acção da Comunidade no âmbito dos artigos 60.° CE e 301.° CE ponha em prática um dos objectivos da União, ela é empreendida com base no pilar comunitário. Assim, a legalidade dos actos adoptados neste quadro, tais como o Regulamento n.° 423/2007 e os actos que lhe dão execução, deve ser apreciada à luz das condições prescritas pelas disposições desse pilar, inclusive no que se refere à regra de voto adequada.

47      Decorre do anteriormente referido que, contrariamente ao que sustenta o recorrente, a Posição Comum 2007/140, que é parte do segundo pilar da União, não constitui uma base jurídica do Regulamento n.° 423/2007 e dos actos que lhe dão execução, o que implica que a regra de voto aplicável à adopção da referida posição comum e à sua modificação é irrelevante. Com efeito, a existência de uma posição comum ou de uma acção comum adoptada previamente no âmbito da PESC é apenas uma condição estabelecida pelo artigo 301.° CE, definindo este também a regra de voto aplicável à adopção dos actos aprovados para a sua execução.

48      Ora, no caso presente, não se contesta que o Regulamento n.° 423/2007 e a decisão impugnada foram adoptados por maioria qualificada, em conformidade com a regra fixada no artigo 301.° CE. Também não é contestado que a adopção do mesmo regulamento foi precedida pela adopção por unanimidade da Posição Comum 2007/140 e que a adopção da decisão impugnada foi precedida pela votação por unanimidade da Posição Comum 2008/479, através da qual o recorrente foi inscrito na lista das entidades visadas pela medida de congelamento de fundos por força do artigo 5.°, n.° 1, alínea b), da Posição Comum 2007/140. Nestas circunstâncias, é de concluir que foram respeitados os requisitos prescritos no artigo 301.° CE.

49      Por conseguinte, improcede a alegação do recorrente baseada na violação da regra de voto aplicável.

50      Quanto aos outros fundamentos do recorrente, importa lembrar que um acto só enferma de desvio de poder caso se revele, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2004, Swedish Match, C‑210/03, Colect., p. I‑11893, n.° 75, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, Thermenhotel Stoiser Franz e o./Comissão, T‑158/99, Colect., p. II‑1, n.° 164 e jurisprudência referida). Ora, no presente caso, o recorrente não apresentou elementos que sugiram que, ao adoptar a decisão impugnada, o Conselho prosseguia um objectivo diverso do de impedir a proliferação nuclear ao congelar os fundos de entidades que considerava que estavam envolvidas ou directamente associadas ou que forneciam apoio às actividades em causa, em conformidade com o procedimento previsto para o efeito pelo Tratado CE e pelo Regulamento n.° 423/2007.

51      Por fim, na medida em que o recorrente sustenta que o artigo 15.°, n.° 2, e o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 não podem constituir uma base jurídica válida da decisão impugnada, dado que permitem ao Conselho adoptar medidas de congelamento de fundos que ultrapassam as medidas aprovadas pelo Conselho de Segurança, há que realçar que nada nos artigos 60.° CE e 301.° CE permite considerar que a competência que estas disposições conferem à Comunidade está circunscrita à execução das medidas decididas pelo Conselho de Segurança. Assim, o Conselho era competente para adoptar não só o artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 423/2007, que dá execução à Resolução 1737 (2006) ao ordenar o congelamento dos fundos das entidades nela designadas, como também o artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento, que permite a adopção de medidas de congelamento de fundos visando outras entidades que, no entender do Conselho, estão envolvidas, estão directamente associadas ou fornecem apoio à proliferação nuclear.

52      Neste quadro, é por certo verdade que o sexto considerando do Regulamento n.° 423/2007 impõe ao Conselho o exercício do poder que lhe é atribuído pelo artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento «[tendo em conta] os objectivos da Resolução 1737 (2006)». Contudo, a obrigação de prosseguir os objectivos desta resolução não implica de modo algum que o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 apenas possa ser aplicado relativamente às entidades visadas por medidas restritivas adoptadas pelo Conselho de Segurança ao abrigo dessa mesma resolução. A ausência de medidas tomadas pelo Conselho de Segurança ou a ausência de uma tomada de posição específica por este podem, quando muito, ser tidas em conta, com outros elementos pertinentes, no quadro da apreciação que visa determinar se estão ou não preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007.

53      Tendo em conta as considerações anteriores, improcede o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

54      O recorrente sustenta que foi objecto de uma «discriminação arbitrária e injustificada» na medida em que, apesar de a Resolução 1803 (2008) do Conselho de Segurança exortar os Estados a manterem‑se vigilantes relativamente a todos os bancos domiciliados no Irão, designadamente em relação a ele e ao Banco Saderat, foi o único banco iraniano cujos fundos foram congelados. Ora, este tratamento desigual dos bancos que se encontram em situações absolutamente idênticas causou‑lhe um prejuízo material e moral considerável.

55      O Conselho, apoiado pelos intervenientes, contesta a justeza dos argumentos do recorrente, lembrando que a medida de congelamento de fundos em causa no presente caso resulta de ter considerado, no termo de uma apreciação independente a que procedeu no âmbito do poder que lhe tinha sido atribuído pelo artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007, que o recorrente forneceu apoio à proliferação nuclear.

 Apreciação do Tribunal

56      De acordo com a jurisprudência, o princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio fundamental de direito, proíbe que situações comparáveis sejam tratadas de maneira diferente ou que situações diferentes sejam tratadas de forma igual, a menos que tal diferença de tratamento seja objectivamente justificada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, Colect., p. II‑2823, n.° 150).

57      Como alega o Conselho, apoiado pelos intervenientes, o critério determinante para a aplicação do artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 423/2007, e portanto o critério de comparação aplicável para determinar a eventual existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, consiste em saber se a entidade em causa está envolvida, directamente associada ou presta apoio à proliferação nuclear.

58      No caso presente, o recorrente foi reconhecido, na decisão impugnada, como uma entidade que presta apoio à proliferação nuclear e, tal como se concluiu no n.° 30, supra, não apresentou um fundamento admissível que pusesse em causa a justeza desta constatação.

59      Nestas circunstâncias, mesmo admitindo que o Conselho não tenha efectivamente adoptado medidas de congelamento de fundos relativamente a determinados bancos iranianos que estão envolvidos ou directamente associados ou que prestam apoio à proliferação nuclear, tal circunstância não pode ser validamente invocada pelo recorrente, porquanto o princípio da igualdade de tratamento deve conciliar‑se com o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de terceiro (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 160; Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 334, e de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 367).

60      Donde resulta que o segundo fundamento deve ser considerado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do direito de propriedade

 Argumentos das partes

61      O recorrente entende que a decisão impugnada é desproporcionada na medida em que impõe o congelamento dos seus fundos, ao passo que a Resolução 1803 (2008) do Conselho de Segurança, que a decisão impugnada aplica, se limita a exigir dos Estados que estes dêem provas de vigilância em relação às suas actividades. Com efeito, esta resolução não pede nem recomenda o congelamento dos fundos do recorrente e também não pede que o recorrente seja tratado diferentemente dos outros bancos sediados no Irão. Por conseguinte, a decisão impugnada é «abusiva» no seu entender, uma vez que lhe causa um prejuízo material e moral significativo ao restringir, sem justificação e de modo desproporcionado, em particular o seu direito de propriedade.

62      Na audiência, o recorrente alegou que o congelamento dos seus fundos não era necessário para alcançar o objectivo prosseguido pelo Conselho e que este objectivo podia ser alcançado com medidas menos restritivas, como controlos a posteriori das transacções efectuadas ou a sua verificação por um terceiro independente.

63      O Conselho, apoiado pelos intervenientes, contesta a justeza dos argumentos do recorrente, defendendo que o congelamento dos seus fundos é adequado e necessário para impedir a proliferação nuclear, dado o apoio por ele prestado às empresas que nela participam. Do mesmo modo, essa medida de congelamento de fundos é justificada e proporcionada atendendo à importância da manutenção da paz e da segurança internacional, não existindo outra medida que possa garantir que o objectivo prosseguido será alcançado.

 Apreciação do Tribunal

64      A título preliminar, resulta dos n.os 51 e 52, supra, que o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 atribui ao Conselho um poder autónomo, cujo exercício é independente da adopção pelo Conselho de Segurança de medidas restritivas que visem as entidades em causa. Com efeito, o objectivo do artigo 7.°, n.° 2, do referido regulamento e da decisão impugnada, que foi tomada ao abrigo deste artigo, não é aplicar as resoluções do Conselho de Segurança em matéria de proliferação nuclear, mas unicamente assegurar que os objectivos prosseguidos por uma das resoluções em causa, a saber, a Resolução 1737 (2006), sejam alcançados através da adopção de medidas restritivas autónomas.

65      Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, nem o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007 nem a decisão impugnada aplicam a Resolução 1803 (2008), o que significa que o conteúdo e os objectivos desta resolução não constituem um critério à luz do qual deva ser apreciada a compatibilidade da decisão impugnada com o princípio da proporcionalidade.

66      Nos termos da jurisprudência, por força do princípio da proporcionalidade, que é parte integrante dos princípios gerais do direito comunitário, a legalidade da proibição de uma actividade económica está subordinada à condição de que as medidas de proibição sejam adequadas e necessárias à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos severa e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos prosseguidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 13). É, portanto, à luz destes critérios que cabe apreciar os outros argumentos do recorrente.

67      A este respeito, em primeiro lugar, é de observar que o Regulamento n.° 423/2007 tem por objectivo impedir a proliferação nuclear e o seu financiamento e exercer assim pressão sobre a República Islâmica do Irão para que ponha termo às actividades em causa. Este objectivo, que corresponde aos objectivos prosseguidos pela Resolução 1737 (2006) e que se inscreve no âmbito mais geral dos esforços ligados à manutenção da paz e da segurança internacional, é legítimo.

68      Em segundo lugar, o congelamento dos fundos das entidades reconhecidas como entidades envolvidas, directamente associadas ou prestadoras de apoio à proliferação nuclear constitui uma medida adequada e necessária para a realização do objectivo acima referido. Com efeito, esta medida é adequada para garantir que os fundos das entidades visadas não serão utilizados para promover a proliferação nuclear. Além do mais, como se concluiu nos n.os 30 e 31, supra, os argumentos do recorrente de acordo com os quais, por um lado, ele não prestava apoio à proliferação nuclear e, por outro, a medida de congelamento dos fundos não era, em qualquer caso, necessária na sua situação específica, foram apresentados intempestivamente, sendo, assim, inadmissíveis.

69      Em terceiro lugar, resulta também do n.° 31, supra, que o recorrente não apresentou argumentos admissíveis relativos à existência de medidas menos severas que impedissem a utilização dos seus fundos para promover a proliferação nuclear.

70      Em quarto lugar, no tocante aos inconvenientes causados ao recorrente e à restrição dos seus direitos fundamentais, entre os quais o direito de propriedade e o direito de exercer uma actividade económica, importa observar que, de acordo com jurisprudência assente, os referidos direitos são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito o tribunal comunitário assegura. Assim, o respeito dos direitos fundamentais constitui uma condição da legalidade dos actos comunitários (v. acórdão Kadi, já referido no n.° 42, n.° 284 e jurisprudência citada). Todavia, resulta também da jurisprudência que os direitos fundamentais não são prerrogativas absolutas e que o seu exercício pode ser objecto de restrições justificadas por objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade. Assim, qualquer medida restritiva económica ou financeira comporta, por definição, efeitos que afectam o direito de propriedade e o livre exercício das actividades profissionais, causando assim prejuízos, em especial às entidades que exercem as actividades que as medidas restritivas em causa visam impedir. A importância dos objectivos prosseguidos pela regulamentação controvertida é susceptível de justificar consequências negativas, mesmo consideráveis, para determinados operadores (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Julho de 1996, Bosphorus, C‑84/95, Colect., p. I‑3953, n.os 21 a 23, e Kadi, já referido no n.° 42, n.os 355 e 361).

71      No presente caso, a liberdade de exercício de uma actividade económica bem como o direito de propriedade do recorrente são restringidos consideravelmente devido à adopção da decisão impugnada, uma vez que ele não pode, designadamente, dispor dos seus fundos situados no território da Comunidade ou detidos por nacionais comunitários, salvo autorizações especiais, e que as suas sucursais, domiciliadas no referido território, não podem concluir novas transacções com os seus clientes. Todavia, dada a importância primordial da manutenção da paz e da segurança internacional, os inconvenientes causados não são excessivos relativamente aos objectivos visados, tanto mais que, por um lado, essas restrições apenas se referem a uma parte dos activos do recorrente e, por outro, os artigos 9.° e 10.° do Regulamento n.° 423/2007 prevêem determinadas excepções que permitem às entidades visadas pelas medidas de congelamento de fundos fazer face a despesas essenciais.

72      Tendo em conta as considerações que precedem, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa, do direito a protecção jurisdicional efectiva e do dever de fundamentação previsto pelo artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007

 Argumentos das partes

73      O recorrente alega que, violando as regras decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Conselho não o informou, em momento algum, dos elementos que tinha contra ele e que justificavam o congelamento dos seus fundos, uma vez que não foi notificado da decisão impugnada. Além disso, o Conselho não esclareceu que tipo de apoio financeiro tinha sido prestado pelo recorrente ou qual era o seu papel, quais os produtos que eram objecto das transacções em causa e quais as entidades, para além das oito designadas, que estavam envolvidas. Assim, o Conselho não permitiu ao recorrente conhecer as razões pelas quais os seus fundos foram congelados, quando o Conselho de Segurança tinha apenas exortado os Estados a uma «simples vigilância».

74      O recorrente acrescenta que não teve acesso às provas constantes do processo do Conselho e que não foi ouvido. Esclarece que não contactou o Conselho a fim de poder exercer os seus direitos. Neste quadro, em primeiro lugar, alega que as medidas regulamentares aplicáveis não prevêem o acesso ao processo e que se proceda a uma audição, sendo esta circunstância, em seu entender, contrária ao princípio do respeito dos direitos de defesa e, por conseguinte, uma violação do direito a protecção jurisdicional efectiva. Em segundo lugar, o recorrente realça que os esforços feitos nesse sentido pela sua filial situada no Reino Unido, o Melli Bank plc, junto do Conselho e de alguns Estados‑Membros antes da adopção da decisão impugnada, foram infrutíferos, o que o levou a privilegiar a via jurisdicional. Em terceiro lugar, alega que, não obstante o ónus da prova que cabe ao Conselho, este não apresentou ao Tribunal elementos de prova que apoiassem a fundamentação acolhida na decisão impugnada, obrigando‑o a carrear uma «prova negativa», o que é difícil, senão impossível, de oferecer. Em quarto lugar, o recorrente sustenta não ter podido apresentar o seu ponto de vista ao Conselho antes de verificar uma a uma as suas relações com as entidades designadas na decisão impugnada. Ora, as verificações em causa não poderiam concluir‑se no prazo de recurso.

75      O recorrente entende que, na medida em que não lhe foram comunicados os factos que lhe são imputados, em que não teve acesso aos elementos de prova constantes do processo do Conselho e em que não foi ouvido, não pôde dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista, o que resulta, em seu entender, numa violação dos seus direitos de defesa, designadamente do direito a ser ouvido. Pela mesma razão, afirma não estar actualmente em condições de exercer o seu direito de interpretar recurso no Tribunal em condições satisfatórias, invocando, assim, uma violação do direito a protecção jurisdicional efectiva. Realça ainda, neste contexto, que o Conselho não pode justificar as violações acima mencionadas pela necessidade de atingir um efeito surpresa, uma vez que o Primeiro‑Ministro do Reino Unido já tinha anunciado em 16 de Junho de 2008 o congelamento dos seus fundos.

76      Por fim, o recorrente sustenta que o facto de o Conselho não ter indicado as razões individuais e específicas que justificam o congelamento dos seus fundos, comparado com a mera obrigação de vigilância exigida pelo Conselho de Segurança e com o tratamento dos outros bancos sediados no Irão, e de não as ter levado ao seu conhecimento, resulta também numa violação da obrigação de fundamentação prevista no artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007.

77      O Conselho, apoiado pelos intervenientes, contesta a justeza dos argumentos do recorrente. Por um lado, alega, a este propósito, que cumpriu o dever de fundamentação previsto no artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 com a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial da União Europeia, que está disponível, nomeadamente, na Internet no próprio dia da publicação. Com efeito, de acordo com o Conselho, o referido regulamento não exige uma notificação individual, dado que, em determinados casos, não é conhecido qualquer endereço que permita uma notificação individual e que, de todo o modo, a ignorância da lei não aproveita a ninguém. Por outro lado, as razões em que se baseia no quadro da luta contra a proliferação nuclear são menos prejudiciais do que as que estão em causa aquando da adopção de medidas semelhantes no âmbito da luta contra o terrorismo, que são objecto de uma notificação individual.

78      Por outro lado, segundo o Conselho, a publicação da fundamentação da decisão impugnada no Jornal Oficial permitiu ao recorrente tomar conhecimento dos factos que lhe são imputados, de modo que os seus direitos de defesa e o seu direito a protecção jurisdicional efectiva foram respeitados. O Conselho insiste, neste contexto, no facto de o recorrente não ter pedido a reapreciação da medida de congelamento dos seus fundos, apesar de esta possibilidade estar prevista no aviso à atenção das pessoas, entidades e organismos incluídos pelo Conselho na lista de pessoas, entidades e organismos a que se aplica o n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 423/2007 (anexo V) (JO 2008, C 159, p. 1).

 Apreciação do Tribunal

79      Em primeiro lugar, importa examinar a alegação relativa à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007. Com efeito, dada a interdependência entre os diferentes direitos processuais em causa no presente caso, a existência de uma fundamentação suficiente levada ao conhecimento do recorrente em tempo útil é pertinente no que se refere a todas as alegações efectuadas no quadro do presente fundamento.

80      O dever de fundamentar um acto lesivo, conforme previsto no artigo 253.° CE, e no caso concreto mais precisamente no artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente que lhe permita saber se o acto está bem fundamentado ou se, eventualmente, enferma de um vício passível de contestação da sua validade perante o juiz comunitário e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização sobre a legalidade desse acto. O dever de fundamentação assim instituído constitui um princípio essencial do direito comunitário que apenas admite derrogações com base em considerações imperativas. Assim, a fundamentação deve, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que o acto que lhe é lesivo, não podendo a sua falta ser sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos do acto no decurso do processo perante o juiz comunitário. Por outro lado, o respeito pelo dever de fundamentação é ainda mais importante no caso de uma primeira decisão pela qual os fundos de uma entidade são congelados, uma vez que constitui a única garantia que permite ao interessado utilizar utilmente as vias de recurso à sua disposição para contestar a legalidade da decisão em causa, pois não dispõe de um direito de audição prévia à sua adopção (v., neste sentido e por analogia, acórdão OMPI, já referido no n.° 36, n.os 138 a 140 e a jurisprudência aí citada).

81      Assim, salvo considerações imperativas relativas à segurança da Comunidade ou dos seus Estados‑Membros ou à condução das suas relações internacionais que se oponham à comunicação de certos elementos (v., por analogia, acórdão Kadi, já referido no n.° 42, n.° 342), o Conselho é obrigado, por força do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, a comunicar à entidade visada razões específicas e concretas quando da adopção de uma decisão de congelamento de fundos como a decisão impugnada. Assim, o Conselho deve mencionar os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da medida e as considerações que o levaram a tomá‑la. Na medida do possível, essa fundamentação deve ser comunicada ou concomitantemente à adopção da medida em causa ou o mais depressa possível após a sua adopção (v., neste sentido e por analogia, acórdão OMPI, já referido no n.° 36, n.os 143 a 148 e jurisprudência aí citada).

82      No entanto, a fundamentação deve ser adaptada à natureza do acto em causa e ao contexto em que o mesmo foi adoptado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa ou individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que o carácter suficiente de uma fundamentação deve ser apreciado à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em especial, um acto lesivo está suficientemente fundamentado quando tiver sido adoptado num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adoptada a seu respeito (v. acórdão OMPI, já referido no n.° 36, n.° 141 e jurisprudência aí citada).

83      Tal como foi sublinhado no n.° 57, supra, a execução do artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 423/2007 exige que a entidade em causa esteja envolvida, directamente associada ou preste apoio à proliferação nuclear. Por conseguinte, além da indicação da base jurídica da medida adoptada, o dever de fundamentação a que o Conselho está sujeito incide precisamente sobre esta circunstância. Ao invés, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o Conselho não está obrigado a fundamentar nem a sua opção de ultrapassar as medidas aprovadas pela Resolução 1803 (2008), pois que se constatou, no n.° 65, supra, que a decisão impugnada não aplicava esta resolução, nem a opção de tratar o recorrente diferentemente dos outros bancos iranianos.

84      No presente caso, o Conselho indicou, quer no título da decisão impugnada quer no seu segundo considerando, que as medidas tomadas tinham por base o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 423/2007. Esclareceu também, no ponto 4 da tabela B do anexo da decisão impugnada, as razões individuais e específicas que o levaram a considerar que o recorrente prestava apoio à proliferação nuclear. Com efeito, o Conselho mencionou, em primeiro lugar, o tipo de apoio dado pelo recorrente, a saber, a prestação de serviços financeiros, incluindo a abertura de crédito documentário e a manutenção de contas, em segundo lugar, as actividades ligadas à proliferação nuclear relacionadas com esses serviços, a saber, a compra de materiais sensíveis, e, em terceiro lugar, os beneficiários do apoio fornecido pelo recorrente, a saber, as oito entidades nominalmente designadas.

85      Nestas circunstâncias, o Tribunal entende que a fundamentação da decisão impugnada no que se refere ao recorrente é suficiente à luz da jurisprudência citada nos n.os 80 a 82, supra, e da redacção do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007.

86      Em contrapartida, a afirmação do Conselho, apoiada pelos intervenientes, de que foi cumprida a obrigação de dar a conhecer ao recorrente os fundamentos, com a publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial, não pode ser aceite. Com efeito, uma decisão como a decisão impugnada, que aprova uma versão alterada do anexo V do Regulamento n.° 423/2007, produz efeitos erga omnes, dado que se dirige a um conjunto de destinatários determinado de forma geral e abstracta, que estão obrigados a congelar os fundos das entidades incluídas na lista do referido anexo. Todavia, tal decisão não tem um carácter exclusivamente geral, uma vez que o congelamento dos fundos visa entidades nominalmente designadas, que são afectadas directa e individualmente pelas medidas restritivas individuais contra elas aprovadas (v., neste sentido e por analogia, acórdãos Kadi, já referido no n.° 42, n.os 241 a 244, e OMPI, já referido no n.° 36, n.° 98). Além disso, o congelamento de fundos tem consequências consideráveis para as entidades em causa, dado que é susceptível de restringir o exercício dos seus direitos fundamentais. Nestas circunstâncias, dada a necessidade de assegurar o respeito dos referidos direitos, quer materiais quer processuais, lembrada no n.° 70, supra, é de considerar que o Conselho está obrigado, na medida do possível, a levar ao conhecimento das entidades por elas afectadas as medidas de congelamento de fundos, mediante uma notificação individual.

87      Os argumentos invocados pelo Conselho não são susceptíveis de infirmar esta conclusão. Com efeito, em primeiro lugar, o facto de a notificação individual se revelar impossível em determinados casos não põe em causa o interesse das entidades numa tal notificação e não é, portanto, pertinente no caso em que é conhecido o endereço da entidade em causa. Em segundo lugar, a regra segundo a qual a ignorância da lei não aproveita a ninguém não pode ser invocada contra o recorrente, uma vez que a decisão impugnada tem, relativamente a ele, o carácter de um acto individual. Em terceiro lugar, a distinção invocada pelo Conselho em relação às medidas de congelamento de fundos adoptadas no quadro da luta contra o terrorismo é inoperante, podendo o carácter difamatório ou não dos fundamentos acolhidos ser apenas eventualmente pertinente para apreciar a oportunidade da publicação da fundamentação no Jornal Oficial. Ao invés, a exigência de uma notificação individual das medidas de congelamento de fundos resulta do facto de as mesmas afectarem individualmente e de modo considerável os direitos das entidades em causa. Ora, sendo comparáveis os efeitos das medidas de congelamento de fundos adoptadas ao abrigo do Regulamento n.° 423/2007 e os das medidas adoptadas no quadro da luta contra o terrorismo, há que levar as medidas adoptadas ao conhecimento das entidades visadas do mesmo modo nos dois casos.

88      Face ao que precede, é de considerar que o Conselho não respeitou o dever de dar a conhecer os fundamentos da decisão impugnada ao recorrente, que decorre do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, uma vez que não procedeu a uma notificação individual, apesar de resultar do próprio conteúdo da referida decisão que conhecia o endereço da sede do recorrente.

89      Todavia, resulta dos anexos do pedido de medidas provisórias, apresentado pelo recorrente no processo T‑390/08 R, que, por carta de 24 de Junho de 2008, a Comissão bancária francesa informou a sucursal do recorrente em Paris da adopção da decisão impugnada e da sua publicação no Jornal Oficial, no mesmo dia. Assim, o recorrente foi informado, em tempo útil e por uma fonte oficial, da adopção da decisão impugnada, bem como da possibilidade de consultar a sua fundamentação no Jornal Oficial. Além disso, afigura‑se que consultou efectivamente o conteúdo da referida decisão, de que anexou uma cópia à petição.

90      Nestas circunstâncias excepcionais, há que concluir que o facto de o Conselho não ter levado ao conhecimento do recorrente os fundamentos da decisão impugnada mediante uma notificação individual não teve como consequência privar este último da possibilidade de conhecer, em tempo útil, a fundamentação daquela decisão e de apreciar a justeza da medida de congelamento de fundos que contra ele foi adoptada. Por conseguinte, a omissão do Conselho não justifica a anulação da decisão impugnada.

91      Em segundo lugar, importa lembrar que, de acordo com jurisprudência assente, o respeito pelos direitos de defesa, designadamente o direito a ser ouvido, em qualquer processo instaurado contra uma entidade e susceptível de culminar na adopção de um acto lesivo dos interesses desta, constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação relativa ao processo em causa (v., neste sentido, acórdão OMPI, já referido no n.° 36, n.° 91 e jurisprudência aí citada).

92      O princípio do respeito dos direitos de defesa exige, designadamente, que os factos imputados à entidade interessada para fundamentar o acto lesivo lhe sejam comunicados, na medida do possível, em simultâneo com a adopção da decisão inicial de congelamento dos fundos ou o mais depressa possível após a adopção desta última. Todavia, considerações imperativas relativas à segurança ou à condução das relações internacionais da Comunidade ou dos seus Estados‑Membros podem opor‑se à comunicação de determinados elementos aos interessados (v., neste sentido e por analogia, acórdãos Kadi, já referido no n.° 42, n.° 342, e OMPI, já referido no n.° 36, n.os 93 e 137).

93      Por outro lado, na medida em que a primeira decisão pela qual se congelam os fundos de uma entidade, tal como a decisão impugnada, deve poder beneficiar de um efeito surpresa, não é exigível que, previamente à adopção da decisão em causa, os factos que lhe são imputados sejam comunicados à entidade em questão e que ela seja ouvida (v., neste sentido e por analogia, acórdãos Kadi, já referido no n.° 42, n.os 338 a 341, e OMPI, já referido no n.° 36, n.os 128 e 137).

94      Neste contexto, é de rejeitar liminarmente a afirmação segundo a qual a necessidade de atingir um efeito surpresa não pode ser invocada em razão das afirmações alegadamente feitas pelo Primeiro‑Ministro do Reino Unido em 16 de Maio de 2008. Com efeito, a veracidade destas afirmações não foi demonstrada pelo recorrente, que não invoca sequer, por outro lado, que tenham sido feitas em nome do Conselho, ou até da Comunidade.

95      No âmbito da tomada de uma decisão ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) ou b), do Regulamento n.° 423/2007, a comunicação das acusações deve referir‑se a informações precisas ou a elementos do processo que demonstrem que as condições de aplicação desta disposição estão preenchidas no caso da entidade visada (v., neste sentido e por analogia, acórdão OMPI, já referido no n.° 36, n.° 126).

96      Ora, decorre das considerações feitas nos n.os 84 a 90, supra, que esta exigência foi respeitada no caso concreto. Com efeito, dado que, em primeiro lugar, a decisão impugnada foi suficientemente fundamentada, que, em segundo lugar, foi chamada atempadamente a atenção do recorrente por parte da Comissão bancária francesa para o facto de que a decisão impugnada tinha sido tomada e publicada, inclusive a sua fundamentação, no Jornal Oficial e que, em terceiro lugar, o recorrente consultou efectivamente a referida decisão, é de considerar que aquele dispunha de informações suficientemente precisas quanto aos elementos que levaram o Conselho a considerar a aplicabilidade no caso concreto do artigo 7.°, n.° 2, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 423/2007.

97      A este respeito, é de rejeitar a alegação do recorrente de acordo com a qual o Conselho estava obrigado a permitir‑lhe oficiosamente o acesso aos elementos do seu processo. Com efeito, quando foram comunicadas informações suficientemente precisas que permitem ao interessado dar a conhecer, em tempo útil, a sua posição sobre as acusações feitas pelo Conselho, o princípio do respeito dos direitos de defesa não implica a obrigação de este último facultar espontaneamente o acesso a todos os documentos constantes do seu processo. Só a pedido do interessado é que o Conselho está obrigado a dar acesso a todos os documentos administrativos não confidenciais referentes à medida em causa (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 2002, Hyper/Comissão, T‑205/99, Colect., p. II‑3141, n.os 63 a 65 e jurisprudência aí citada). A comunicação espontânea dos elementos do processo constituiria efectivamente uma exigência excessiva, pois, no momento em que é tomada uma medida de congelamento de fundos, não existe a certeza de que a entidade visada vai querer verificar, através do expediente do acesso ao processo, os elementos de facto subjacentes às acusações que lhe são feitas pelo Conselho.

98      Quanto ao direito de audição, a entidade visada por uma primeira decisão que congela os seus fundos tem o direito a ser ouvida pelo Conselho posteriormente à decisão em causa. Todavia, de acordo com a jurisprudência, este não está obrigado a proceder a uma audição oficiosa, tendo em conta a possibilidade que as entidades em causa também têm de interpor de imediato recurso para o Tribunal (v., neste sentido e por analogia, acórdão OMPI, já referido n.° 36, n.os 130 e 137). Por outro lado, importa sublinhar que o Conselho adoptou e publicou no Jornal Oficial, no dia da publicação da decisão impugnada, o aviso à atenção das pessoas, entidades e organismos incluídos pelo Conselho na lista de pessoas, entidades e organismos a que se aplica o n.° 2 do artigo 7.°, do Regulamento n.° 423/2007 (anexo V). Este aviso prevê que as entidades em causa podem pedir uma reapreciação da sua inscrição na lista do anexo V do referido regulamento e permite‑lhes, assim, exercer efectivamente o seu direito de audição.

99      Resulta do que precede que, no caso presente, o exercício do direito de acesso ao processo e o exercício do direito de audição estavam subordinados à apresentação pelo recorrente de um pedido nesse sentido junto do Conselho. Ora, respondendo a uma questão do Tribunal, o recorrente admitiu que não tinha apresentado tal pedido.

100    Os argumentos invocados pelo recorrente para justificar esta omissão não podem ser admitidos. Assim, a alegação de que os diplomas aplicáveis não previam procedimentos de acesso ao processo e de audição é errada no que se refere ao direito de audição, como resulta do n.° 98, supra. De resto, se é certo não estar expressamente previsto nenhum procedimento de acesso ao processo, foi recordado no n.° 91, supra, que esta circunstância não prejudica o dever do Conselho de assegurar o respeito dos direitos de defesa. Assim, admitindo que o argumento do recorrente deve ser interpretado como uma excepção de ilegalidade, o mesmo deve ser rejeitado, pois a falta de disposições expressas não prejudica o dever de respeito dos direitos de defesa, designadamente do direito à comunicação das acusações, que visa também permitir ao interessado beneficiar do direito a protecção jurisdicional efectiva (v. n.° 105, infra).

101    As diligências feitas pela filial do recorrente no Reino Unido são também irrelevantes, uma vez que a filial em causa tem uma personalidade jurídica independente, o que implica que se dirigiu às instituições e aos Estados‑Membros em seu próprio nome e não em nome da entidade‑mãe. Por outro lado, como admite o recorrente, as diligências em causa são anteriores à decisão impugnada. Ora, verificou‑se no n.° 93, supra, que, antes da decisão impugnada, o recorrente não beneficiava, de qualquer modo, de um direito à comunicação dos factos que lhe eram imputados, nem de um direito de audição.

102    Quanto ao facto de o Conselho não ter apresentado espontaneamente elementos probatórios em apoio da fundamentação da decisão impugnada, resulta dos n.os 97, supra, e 107, infra, que a tal não estava obrigado quer antes quer após a interposição do presente recurso.

103    O recorrente também não explica a razão pela qual necessidade de verificar uma a uma as suas relações com as entidades designadas na decisão impugnada o impediu de solicitar o acesso ao processo do Conselho ou de pedir uma audição. Pelo contrário, essas diligências teriam podido facilitar as investigações a fazer, graças aos documentos consultados ou aos esclarecimentos obtidos.

104    Atento o que precede, é de concluir que, dado que o recorrente não apresentou um pedido nesse sentido ao Conselho, este não estava obrigado a facultar‑lhe o acesso ao processo ou a proceder a uma audição, o que implica a improcedência da alegação relativa violação dos direitos de defesa.

105    Em terceiro lugar, de acordo com jurisprudência assente, o princípio da protecção jurisdicional efectiva constitui um princípio geral do direito comunitário, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que foi consagrado pelos artigos 6.° e 13.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 14 de Novembro de 1950, tendo sido, de resto, reafirmado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1). A eficácia da fiscalização jurisdicional implica que a autoridade comunitária em causa está obrigada a comunicar os fundamentos do congelamento de fundos à entidade interessada, na medida do possível, ou no momento em que esta inclusão é decidida ou, pelo menos, logo que possível após ter sido tomada, a fim de permitir aos seus destinatários exercerem, dentro dos prazos, o seu direito de recurso. O respeito desta obrigação de comunicar os referidos fundamentos é de facto necessário, quer para permitir aos destinatários das medidas restritivas defenderem os seus direitos nas melhores condições possíveis e de decidirem com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz comunitário, quer para permitir plenamente a este último exercer a fiscalização da legalidade do acto comunitário em causa que lhe incumbe por força do Tratado CE (v., neste sentido e por analogia, acórdão Kadi, já referido no n.° 42 supra, n.os 335 a 337 e jurisprudência aí citada).

106    Ora, resulta dos n.os 84 a 90 e 96, supra, que o recorrente dispôs, em tempo útil, de informações suficientemente precisas quanto aos fundamentos do congelamento dos seus fundos. Por outro lado, não tendo solicitado o acesso ao processo do Conselho, não pode alegar que tal acesso lhe foi recusado. Além disso, o Tribunal entende estar em condições de exercer plenamente a sua fiscalização. Nestas circunstâncias, é de concluir que o direito do recorrente a protecção jurisdicional efectiva não foi violado pelo Conselho.

107    Na medida em que o recorrente invoca ainda, neste contexto, que o Conselho não apresentou, no decurso do processo no Tribunal, nenhum elemento de prova em apoio dos fundamentos indicados na decisão impugnada, é de observar que a apresentação desses elementos apenas seria necessária se o recorrente invocasse um fundamento admissível que pusesse em causa a justeza da consideração de que fornecia apoio à proliferação nuclear. Com efeito, nessas circunstâncias, sem que o recorrente seja obrigado a carrear uma prova negativa, o Conselho está obrigado, em conformidade com o exposto no n.° 37, supra, a apresentar os elementos de prova e as informações em que baseou a sua apreciação com vista à sua fiscalização pelo tribunal comunitário. Todavia, como resulta do n.° 30, supra, tal fundamento não foi apresentado no caso vertente. Por conseguinte, o não oferecimento de provas pelo Conselho não é susceptível de revelar uma violação do direito a protecção jurisdicional efectiva e a respectiva alegação deve, assim, improceder sem necessidade de se apreciar se os documentos apresentados em 4 de Fevereiro de 2009 sustentavam a alegação segundo a qual o recorrente estava obrigado a carrear uma prova negativa no presente caso.

108    Tendo em conta as considerações que precedem, improcede o quarto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à falta de competência

 Argumentos das partes

109    O recorrente sustenta que o Conselho não é competente para impor «sanções penais», tais como o congelamento dos fundos, no quadro do Tratado CE. Por conseguinte, quando o Conselho congelou os fundos do recorrente através da decisão impugnada e do Regulamento n.° 423/2007, adoptados no quadro de competências atribuídas pelo Tratado CE, excedeu a sua competência, cometendo um desvio de poder e violando as formalidades essenciais e as disposições do referido tratado.

110    O Conselho, apoiado pelos intervenientes, contesta a justeza da argumentação do recorrente, salientado que o congelamento de fundos não constitui uma sanção penal.

 Apreciação do Tribunal

111    Importa observar que, na medida em que os fundos das entidades visadas pelas medidas restritivas previstas pelo Regulamento n.° 423/2007 não são confiscados enquanto produtos do crime, mas congelados, a título cautelar, estas medidas não constituem uma sanção penal. Do mesmo modo, não implicam qualquer acusação desta natureza (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho 2007, Sison/Conselho, T‑47/03, não publicado na Colectânea, n.° 101).

112    Por conseguinte, o argumento da recorrente segundo o qual o congelamento dos seus fundos constitui uma sanção penal é infundado. Tal implica que o presente fundamento deve ser rejeitado, e que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

113    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação do recorrente e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas do Conselho, incluindo as referentes ao processo de medidas provisórias.

114    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão das Comunidades Europeias suportarão as suas próprias despesas, incluindo as referentes ao processo de medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Bank Melli Iran suportará, além das suas próprias despesas, as despesas incorridas pelo Conselho da União Europeia, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

3)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão das Comunidades Europeias suportarão as suas próprias despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Pelikánová

Jürimäe

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Outubro de 2009.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Medidas restritivas adoptadas contra a República Islâmica do Irão

Medidas que visam o recorrente

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à pertinência dos documentos apresentados pelo recorrente em 4 de Fevereiro de 2009

Quanto à intensidade da fiscalização jurisdicional

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais, do Tratado CE, das disposições jurídicas relativas à sua aplicação e do artigo 7.°, n.° 2, da Posição Comum 2007/140, a desvio de poder e à falta de base jurídica da decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade e do direito de propriedade

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa, do direito a protecção jurisdicional efectiva e do dever de fundamentação previsto pelo artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quinto fundamento, relativo à falta de competência

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.