Language of document : ECLI:EU:C:2022:577

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 14 de julho de 2022 (1)

Processo C201/19 P

Servier SAS,

Servier Laboratories Ltd,

Les Laboratoires Servier SAS

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado do perindopril, medicamento para o tratamento de doenças cardiovasculares – Acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes celebrados entre um laboratório de medicamentos originais titular de patentes e sociedades de medicamentos genéricos – Concorrência potencial – Restrição da concorrência por objetivo – Duração da infração – Conceito de infração única – Coimas»






Índice


I. Introdução

II. Antecedentes do litígio

A. Matéria de facto

1. Operadores em causa no presente processo

2. Produto e patentes em causa

3. Litígios em matéria de patentes relativos ao perindopril e lançamento de versões genéricas do perindopril

a) Litígios no IEP

b) Litígios nos órgãos jurisdicionais nacionais

4. Acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes em causa no presente processo, celebrados pela Servier com sociedades de genéricos

a) Acordos celebrados com a Niche/Unichem e com a Matrix

b) Acordo celebrado com a Teva

c) Acordo celebrado com a Lupin

B. Decisão controvertida

C. Acórdão impugnado

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

IV. Apreciação

A. Quanto à declaração da existência da infração

1. Estrutura e admissibilidade da argumentação da Servier

2. Quanto à concorrência potencial (segundo fundamento e primeiras partes dos terceiro, quarto e quinto fundamentos)

a) Quanto ao alcance das patentes no momento da análise da concorrência potencial

b) Quanto à análise das possibilidades reais e concretas das sociedades de genéricos de entrarem no mercado apesar da existência de obstáculos

1) Quanto à existência de um acordo que exclui os potenciais novos operadores do mercado

2) Quanto às diligências preparatórias efetuadas pelas sociedades de genéricos e à sua intenção de ultrapassar os obstáculos

3) Quanto à existência de obstáculos múltiplos

c) Quanto à repartição do ónus da prova

d) Quanto aos argumentos adicionais relativos a cada uma das sociedades de genéricos implicadas

1) Niche/Unichem e Matrix

2) Teva

3) Lupin

e) Conclusão

3. Quanto à qualificação dos acordos como restrições da concorrência por objetivo (primeiro fundamento e segundas partes dos terceiro, quarto e quinto fundamentos)

a) Quanto à experiência e ao caráter «facilmente detetável» de uma restrição da concorrência

b) Quanto aos pagamentos e aos alegados efeitos «positivos» ou «ambivalentes» dos acordos

1) Quanto aos pagamentos

2) Quanto aos alegados efeitos «positivos» ou «ambivalentes» dos acordos

c) Quanto ao exame do objetivo restritivo da concorrência dos acordos em causa

1) Quanto aos acordos Niche/Unichem e Matrix

2) Quanto ao acordo Teva

i) Quanto aos objetivos e aos alegados efeitos «ambivalentes» do acordo Teva

– Quanto aos alegados efeitos «ambivalentes» ou «próconcorrenciais»

– Quanto à alegada falta de nocividade das cláusulas do acordo Teva

ii) Quanto aos pagamentos

3) Quanto ao acordo Lupin

i) Quanto ao pagamento

ii) Quanto às cláusulas do acordo Lupin

d) Conclusão

4. Quanto à data da cessação da infração constituída pelo acordo Lupin (terceira parte do quinto fundamento)

5. Quanto à qualificação do acordo Niche, por um lado, e do acordo Matrix, por outro, de infrações distintas (sexto fundamento)

B. Quanto às coimas

1. Quanto aos erros de direito relativos às coimas invocados pela Servier (sétimo fundamento)

a) Quanto ao princípio da legalidade dos crimes e das penas

b) Quanto ao princípio da proporcionalidade e à apreciação da gravidade das infrações

2. Quanto à coima aplicada à Servier a título do acordo Lupin (terceira parte do quinto fundamento)

3. Conclusão quanto às coimas

C. Conclusão intercalar

V. Quanto às despesas

VI. Conclusão


I.      Introdução

1.        Após os processos Generics (UK) e o. (2) e Lundbeck/Comissão (3), o presente processo, que faz parte de um grupo de nove recursos interpostos contra oito acórdãos do Tribunal Geral (4), diz novamente respeito à apreciação, à luz do direito da concorrência da União, de vários acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes celebrados por um fabricante de medicamentos originais, no caso em apreço a Servier, com sociedades de genéricos.

2.        Como nos processos Generics (UK) e o. e Lundbeck/Comissão, estes acordos surgiram numa situação em que a patente sobre a substância ativa do medicamento em causa, neste caso o perindopril, já tinha caído no domínio público, ao passo que a Servier detinha ainda patentes ditas «secundárias» sobre determinados processos de fabrico deste medicamento.

3.        Em substância, os acordos controvertidos fizeram com que as sociedades de genéricos, que pretendiam entrar no mercado com versões genéricas do referido medicamento, se comprometessem a adiar a sua entrada em contrapartida de transferências de valores por parte da Servier.

4.        Na decisão controvertida (5), a Comissão considerou, por um lado, que os acordos em causa, celebrados pela Servier com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva, com a Krka e com a Lupin, constituíam restrições da concorrência por objetivo e por efeito e, por conseguinte, infrações ao artigo 101.° TFUE.

5.        Por outro lado, considerou que a sua celebração, conjuntamente com outros comportamentos como a aquisição de tecnologias para o fabrico do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) do perindopril, constituía, por parte da Servier, uma estratégia destinada a atrasar a entrada das sociedades de genéricos do perindopril no mercado deste medicamento, no qual a Servier detinha uma posição dominante. Por conseguinte, a Comissão puniu este comportamento como abuso de posição dominante nos termos do artigo 102.° TFUE.

6.        No acórdão recorrido, bem como nos seus outros acórdãos no grupo de processos em causa, o Tribunal Geral confirmou a análise da Comissão no que respeita ao caráter de restrições da concorrência por objetivo dos acordos celebrados pela Servier com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva e com a Lupin. Estas conclusões do Tribunal Geral são impugnadas pela Servier no presente recurso, que tem a função de processo «piloto», bem como por estas sociedades de genéricos nos seus recursos respetivos interpostos dos acórdãos do Tribunal Geral que lhes dizem respeito.

7.        Em contrapartida, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida no que respeita à qualificação de restrição da concorrência por objeto e por efeito dos acordos celebrados pela Servier com a Krka, bem como no que respeita à declaração de existência de abuso de posição dominante por parte da Servier, pelo facto de a Comissão ter cometido erros na definição do mercado relevante.

8.        Estas anulações por parte do Tribunal Geral são contestadas pela Comissão no processo Comissão/Servier e o. (C‑176/19 P), no qual também apresento conclusões hoje, bem como no processo Comissão/Krka (C‑151/19 P). Estes processos levantam questões inéditas a respeito da qualificação como restrição da concorrência por objeto de um acordo de licença celebrado concomitantemente com um acordo de resolução amigável de um litígio relativo a uma patente, à qualificação desse acordo como restrição da concorrência por efeito e à definição do mercado relevante no domínio farmacêutico.

9.        Por seu turno, o presente processo suscita apenas, no essencial, questões já abordadas pelos processos Generics (UK) e o. e Lundbeck/Comissão, cujos princípios devem, portanto, ser aplicados no contexto do caso em apreço.

II.    Antecedentes do litígio

A.      Matéria de facto

10.      O Tribunal Geral expôs os antecedentes do litígio nos n.os 1 a 73 do acórdão impugnado que podem, para efeitos do presente processo de recurso, ser resumidos da seguinte forma.

1.      Operadores em causa no presente processo

11.      O grupo Servier, formado, nomeadamente, pela Servier SAS, a sua sociedade mãe com sede em França, pela Les Laboratoires Servier SAS e pela Servier Laboratories Ltd (a seguir, conjuntamente, «Servier» ou «recorrentes»), reúne sociedades farmacêuticas a nível mundial. A Les Laboratoires Servier é uma sociedade farmacêutica francesa especializada no desenvolvimento de medicamentos originais, nomeadamente para o tratamento de doenças cardiovasculares (6). A Biogaran é uma filial a 100 % da Les Laboratoires Servier encarregada dos genéricos (7).

12.      A Niche Generics Ltd (a seguir «Niche») é uma empresa que se dedica à colocação no mercado e ao fornecimento de produtos farmacêuticos genéricos, primeiro detida a 60 % e, desde 2006, a 100 %, pela sociedade farmacêutica indiana Unichem Laboratories Ltd, que se dedica à investigação e ao fabrico de IFA e de produtos acabados (a seguir «Unichem») (a seguir, conjuntamente, «Niche/Unichem») (8).

13.      A Matrix Laboratories Ltd (a seguir «Matrix») é uma sociedade indiana que desenvolve, produz e comercializa principalmente IFA destinados às sociedades de genéricos. Na sequência de várias aquisições de participações, a Mylan Inc. detém desde 2011 entre 97 e 98 % do capital da Matrix, cuja denominação é Mylan Laboratories Ltd desde 5 de outubro de 2011 (9).

14.      A Teva Pharmaceutical Industries Ltd é uma multinacional farmacêutica que desenvolve, produz e comercializa medicamentos genéricos e IFA destinados à sua própria produção farmacêutica, bem como a outras sociedades. A Teva UK Ltd é uma filial a 100 % da Teva Pharmaceuticals Europe BV, que, por sua vez, é uma filial a 100 % da Teva Pharmaceutical Industries (a seguir, conjuntamente, «Teva»). A Teva é um dos maiores grupos farmacêuticos mundiais a operar no setor dos medicamentos genéricos. Em 26 de janeiro de 2006, a Teva fundiu‑se com a Ivax Europe (a seguir «Ivax»), uma multinacional farmacêutica que fabrica medicamentos genéricos, que, assim, se tornou uma filial a 100 % da Teva (10).

15.      A Lupin Ltd é a sociedade‑mãe, registada na Índia, das sociedades que fazem parte do grupo Lupin, entre as quais a Lupin (Europe) Limited, que se dedica principalmente à venda de IFA e de produtos acabados da Lupin, mas também à concessão de licenças para os processos de autorização de introdução no mercado (AIM) dos produtos da Lupin e à venda direta de pequena dimensão no Reino Unido de produtos acabados da Lupin (a seguir, conjuntamente, «Lupin») (11).

2.      Produto e patentes em causa

16.      A Servier desenvolveu o perindopril, medicamento indicado na medicina cardiovascular, principalmente destinado a combater a hipertensão e a insuficiência cardíaca. O IFA do perindopril apresenta‑se sob a forma de um sal. O sal utilizado inicialmente era a erbumina (ou tert‑butilamina), que apresenta uma forma cristalina devido ao processo utilizado pela Servier para a sua síntese (12).

17.      A patente EP0049658 relativa à molécula do perindopril foi depositada no Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 29 de setembro de 1981. Esta patente devia expirar em 29 de setembro de 2001, mas a sua proteção foi prolongada em vários Estados‑Membros da União Europeia, entre os quais o Reino Unido, até 22 de junho de 2003 (13). Em França, a proteção da referida patente foi prolongada até 22 de março de 2005 e, em Itália, até 13 de fevereiro de 2009 (14). A AIM para comprimidos de perindopril erbumina (2 e 4 mg) para o tratamento da hipertensão arterial foi concedida entre 1988 e 1989 na Europa (15).

18.      Após o depósito da patente de molécula, a Servier depositou várias patentes de processo relativas ao fabrico do perindopril no IEP. As patentes objeto do presente processo são, nomeadamente, as patentes EP0308339, EP0308340 e EP0308341 (a seguir, respetivamente, «patente 339», «patente 340» e «patente 341»), depositadas em 1988 e que deviam expirar em 2008, bem como, e sobretudo, a patente EP1296947 (dita «patente alfa», a seguir «patente 947»), depositada em 2001. A patente 947 abrangia a forma cristalina alfa do perindopril erbumina e os métodos para o fabricar e foi concedida em 4 de fevereiro de 2004 (16).

19.      A Servier apresentou igualmente pedidos de patentes nacionais em vários Estados‑Membros da União, por exemplo na Bulgária, na República Checa, na Estónia, na Hungria, na Polónia e na Eslováquia. Foram assim concedidas patentes em 16 de maio de 2006 na Bulgária, em 17 de agosto de 2006 na Hungria, em 23 de janeiro de 2007 na República Checa, em 23 de abril de 2007 na Eslováquia e em 24 de março de 2010 na Polónia. Estas patentes correspondiam, em substância, às patentes depositadas no IEP (17).

20.      A partir de 2002, a Servier desenvolveu um perindopril de segunda geração, fabricado a partir de um novo sal, a arginina, para o qual apresentou um pedido de patente (EP1354873B) em 17 de fevereiro de 2003. Esta patente foi concedida em 17 de julho de 2004, com termo fixado em 17 de fevereiro de 2023. A introdução do perindopril arginina nos mercados da União iniciou‑se em 2006. Este produto é uma versão genérica bioequivalente do produto de primeira geração, mas vende‑se sob dosagens diferentes devido ao peso molecular diferente do novo sal (18). O perindopril arginina obteve uma AIM em França em 2004 e foi seguidamente autorizado pelo procedimento de reconhecimento mútuo noutros Estados‑Membros (19).

3.      Litígios em matéria de patentes relativos ao perindopril e lançamento de versões genéricas do perindopril

21.      Entre 2003 e 2009, a Servier foi parte num conjunto de litígios relativos ao perindopril, no IEP e em órgãos jurisdicionais nacionais. Tratava‑se essencialmente de pedidos de injunções e de processos relativos à patente 947, instaurados em diferentes Estados‑Membros e que opunham a Servier a uma série de sociedades de genéricos que preparavam o lançamento de uma versão genérica do perindopril (20).

a)      Litígios no IEP

22.      Em primeiro lugar, em 2004, dez sociedades de genéricos, entre as quais a Niche, a Teva e a Lupin, deduziram oposição à patente 947 no IEP, com vista à obtenção da sua revogação na íntegra, invocando fundamentos relativos à falta de novidade e de atividade inventiva e ao caráter insuficiente da descrição da invenção (21).

23.      Em 27 de julho de 2006, a Divisão de Oposição do IEP confirmou a validade da patente 947, na sequência de pequenas alterações das reivindicações iniciais da Servier (a seguir «decisão do IEP de 27 de julho de 2006»). Nove sociedades interpuseram recurso desta decisão, mas a Krka e a Lupin comunicaram que retiravam seus recursos em 11 de janeiro e 5 de fevereiro de 2007, respetivamente, na sequência dos seus acordos com a Servier. Por decisão de 6 de maio de 2009, a Câmara de Recurso Técnica do IEP anulou a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e revogou a patente 947 (a seguir «decisão do IEP de 6 de maio de 2009»). O pedido de revisão desta decisão, apresentado pela Servier, foi indeferido em 19 de março de 2010 (22).

b)      Litígios nos órgãos jurisdicionais nacionais

24.      A validade da patente 947 foi igualmente contestada pelas sociedades de genéricos nos órgãos jurisdicionais de alguns Estados‑Membros, e a Servier apresentou pedidos de injunções provisórias, que por vezes foram acolhidos (23). Contudo, a maior parte destes litígios terminou antes de ser proferida uma decisão definitiva sobre a validade da patente 947 em razão de acordos de resolução amigável celebrados entre a Servier e sociedades de genéricos.

25.      Neste contexto, importa no entanto salientar dois litígios entre a Servier e a Apotex, a única sociedade de genéricos parte num litígio com a Servier no Reino Unido com a qual a Servier não celebrou um acordo de resolução amigável. Estes litígios, um pendente no Reino Unido e outro pendente nos Países Baixos, não foram, portanto, interrompidos pela celebração de acordos de resolução amigável e conduziram subsequentemente à invalidação da patente 947.

26.      Assim, por um lado, em 1 de agosto de 2006, a Servier intentou uma ação de contrafação da patente 947 contra a Apotex, que tinha lançado uma versão genérica do perindopril «de risco» no mercado do Reino Unido, na High Court of Justice (England Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes), Reino Unido], e obteve uma injunção provisória em 8 de agosto de 2006. Todavia, na sequência de um pedido reconvencional de anulação da referida patente apresentado pela Apotex, a patente 947 foi anulada em 6 de julho de 2007, a injunção foi levantada e a Apotex entrou no mercado com o perindopril genérico, o que abriu o mercado aos genéricos no Reino Unido. Em 9 de maio de 2008, a decisão de invalidação da patente 947 foi confirmada em sede de recurso (24).

27.      Por outro lado, em 13 de novembro de 2007, a Katwijk Farma, uma filial da Apotex, apresentou num órgão jurisdicional neerlandês um pedido de anulação da parte neerlandesa da patente 947 e lançou, em 13 de dezembro de 2007, o seu perindopril genérico, sendo que o pedido de injunção provisória da Servier foi indeferido. Em 11 de junho de 2008, a justiça neerlandesa anulou a patente 947 para os Países Baixos na sequência de uma ação judicial concomitante intentada pela Pharmachemia, uma filial da Teva (25).

28.      A partir de maio de 2008, a Sandoz, outra sociedade de genéricos, lançou o seu perindopril genérico em vários Estados‑Membros (26).

4.      Acordos de resolução amigável de litígios em matéria de patentes em causa no presente processo, celebrados pela Servier com sociedades de genéricos

29.      Entre 2005 e 2007, a Servier celebrou acordos de resolução amigável com as sociedades de genéricos Niche/Unichem, Matrix, Teva, Krka e Lupin. Os acordos a que o presente recurso diz respeito são os celebrados pela Servier com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva e com a Lupin.

a)      Acordos celebrados com a Niche/Unichem e com a Matrix

30.      A Niche/Unichem e a Matrix estavam a cooperar no lançamento de uma versão genérica do perindopril. A Matrix desempenhava o papel de fornecedor de IFA e a Niche/Unichem eram responsáveis pela obtenção das AIM e pela distribuição do produto acabado (27).

31.      Além da oposição da Niche no IEP (28), a Servier e a Niche estavam em litígio desde 25 de junho de 2004 na High Court of Justice (England Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes)] a respeito das patentes 339, 340, 341 e 947. A audiência nesse processo tinha sido marcada para 7 e 8 de fevereiro de 2005. A Matrix esteve envolvida nestes processos prestando depoimentos, mas não tinha nenhum processo contencioso próprio a decorrer com a Servier (29).

32.      Em 8 de fevereiro de 2005, a Servier celebrou dois acordos de resolução amigável, um com a Niche/Unichem (a seguir «acordo Niche») e o outro com a Matrix (a seguir «acordo Matrix»). No mesmo dia, a Niche celebrou um contrato de licença e de fornecimento com a Biogaran, filial a 100 % da Les Laboratoires Servier.

33.      Os acordos celebrados pela Servier com a Niche/Unichem e com a Matrix abrangiam todos os países em que as patentes 339, 340, 341 e 947 existiam, com exceção de um Estado não membro do Espaço Económico Europeu (EEE) no caso do acordo Matrix. Previam, em resumo (30), que a Niche/Unichem e a Matrix se absteriam de fabricar ou de fornecer perindopril que a Servier considerava violar as suas patentes, bem como de contestar as patentes da Servier.

34.      Em contrapartida, a Servier obrigava‑se a não intentar ações de contrafação contra a Niche/Unichem e a Matrix e a pagar 11,8 milhões de libras esterlinas (GBP) à Niche/Unichem, por um lado, e 11,8 milhões de GBP à Matrix, por outro. Além disso, no âmbito do acordo com a Biogaran, a Niche obrigou‑se a transferir para a Biogaran processos relativos a três medicamentos e necessários para a obtenção das AIM e de uma AIM francesa para um deles. Por outro lado, a Biogaran devia pagar à Niche uma quantia de 2,5 milhões de GBP, não reembolsável, mesmo em caso de não obtenção das AIM pela Biogaran.

b)      Acordo celebrado com a Teva

35.      Além da oposição da Teva no IEP (31), a Servier e a Ivax estavam em litígio no Reino Unido desde 9 de agosto de 2005 a respeito da patente 947, mas tinham, no entanto, decidido suspender o processo até ser proferida a decisão final no processo de oposição no IEP. Em 15 de agosto de 2007, a Pharmachemie, uma filial da Teva, apresentou um pedido de revogação da patente 947, conforme validada nos Países Baixos, que foi julgado procedente 11 de junho de 2008 (32).

36.      Em 13 de junho de 2006, a Servier e a Teva celebraram um acordo de resolução amigável que abrangia unicamente o Reino Unido (a seguir «acordo Teva»). Este acordo foi celebrado por um período de três anos e era renovável por um período suplementar de dois anos.

37.      Nos termos do referido acordo, a Teva obrigava‑se a abastecer‑se exclusivamente junto da Servier para o perindopril erbumina destinado à distribuição no Reino Unido, durante três anos. Como contrapartida do pagamento pela Servier do montante de 5 milhões de GBP, a Teva obrigou‑se a não vender perindopril genérico (que não fosse fornecido pela Servier) e a não contestar as patentes da Servier no Reino Unido, precisando‑se que não estava impedida de prosseguir um processo de oposição contra as patentes controvertidas no IEP. Além disso, a Servier e a Teva acordaram no pagamento de uma indemnização fixa à Teva em caso de não fornecimento de perindopril a partir de 1 de agosto de 2006, não tendo a Teva, nesse caso, qualquer direito a pôr termo ao acordo de resolução amigável. Na sequência da decisão do IEP de 27 de julho de 2006 que confirmou a patente 947 e da injunção concedida pela High Court of Justice (England Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal das Patentes)] contra a Apotex em 8 de agosto de 2006 (33), a Servier invocou a cláusula de indemnização fixa e, assim, num período de 11 meses, a Teva recebeu o montante de 5,5 milhões de GBP por parte da Servier como contrapartida do não fornecimento de perindopril. No total, a Servier pagou portanto 10,5 milhões de GBP à Teva no âmbito da resolução amigável (34).

38.      Em 23 de fevereiro de 2007, a Servier e a Teva celebraram um aditamento ao acordo Teva, que confirmava a aplicação efetiva da obrigação de compra exclusiva, estipulando uma data em que a Teva poderia começar a distribuir o perindopril genérico fornecido pela Servier. Esta data devia, ou ser fixada unilateralmente pela Servier, ou corresponder à data de revogação ou de expiração da patente 947, ou ser aquela em que a Apotex começasse a distribuir perindopril genérico no Reino Unido na sequência da resolução do litígio que a opunha à Servier (35). A Teva entrou finalmente no mercado do Reino Unido com perindopril genérico fornecido pela Servier na sequência da invalidação da patente 947 para o Reino Unido em 6 de julho de 2007 no litígio com a Apotex (36).

c)      Acordo celebrado com a Lupin

39.      Para além da sua oposição no IEP (37), a Lupin intentou num órgão jurisdicional britânico, em 18 de outubro de 2006, uma ação de declaração de invalidade da patente 947, tal como validada no Reino Unido, e de declaração de não contrafação da referida patente pela versão genérica do perindopril que pretendia comercializar neste país (38).

40.      Em 30 de janeiro de 2007, a Servier e a Lupin assinaram uma resolução amigável em matéria de patentes que abrangia todos os países, com exclusão de um país que não pertence ao EEE (a seguir «acordo Lupin»).

41.      Nos termos daquele acordo, a Lupin aceitou não vender perindopril genérico (até à introdução no mercado do perindopril genérico pela Servier ou por terceiros ou até à expiração/invalidação das patentes da Servier) e não contestar uma série de patentes detidas pela Servier. O acordo previa, além disso, que as partes recorreriam a «todos os meios razoáveis» para celebrar um acordo de distribuição nos termos do qual a Servier começaria a fornecer perindopril à Lupin assim que o perindopril genérico fosse introduzido no mercado pela Servier ou por terceiros. Tal acordo acabou por não ser assinado e a Lupin nunca entrou no mercado do perindopril.

42.      Por outro lado, a Servier e Lupin celebraram igualmente, no âmbito do acordo Lupin, um acordo de cessão de direitos de propriedade intelectual e um acordo de licença. Nos termos destes acordos, a Servier pagou à Lupin um montante de 40 milhões de euros pela compra dos pedidos de patentes desta última relativos ao perindopril e a Lupin obteve uma retrocessão de licença sobre os pedidos comprados (39).

B.      Decisão controvertida

43.      Em 9 de julho de 2014, a Comissão adotou a decisão controvertida (40).

44.      No que respeita ao presente processo de recurso, a Comissão considerou que os acordos celebrados por Servier com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva e com a Lupin constituíam restrições da concorrência por objetivo e por efeito.

45.      Por outro lado, a Comissão considerou igualmente que os acordos celebrados pela Servier com a Krka constituíam uma restrição da concorrência por objetivo e por efeito e que a Servier tinha infringido o artigo 102.° TFUE ao elaborar e implementar, através, nomeadamente, de aquisição de tecnologia e desses acordos de resolução amigável, uma estratégia de exclusão que abrangia o mercado das formulações de perindopril em França, nos Países Baixos, na Polónia e no Reino Unido e o mercado da tecnologia do IFA do perindopril.

46.      Por conseguinte, a Comissão concluiu que a Servier tinha infringido os artigos 101.° e 102.° TFUE e aplicou‑lhe coimas por estas infrações.

C.      Acórdão impugnado

47.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de setembro de 2014, a Servier interpôs recurso da decisão controvertida. No Tribunal Geral, os pedidos da Servier foram apoiados pela European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA).

48.      Com o acórdão impugnado, o Tribunal Geral, decidindo em secção alargada, em primeiro lugar, anulou 1) o artigo 4.° da decisão controvertida (que declarava uma infração pela Servier ao artigo 101.° TFUE a título dos acordos com a Krka); 2) o artigo 6.° da decisão controvertida (que declarava a infração pela Servier ao artigo 102.° TFUE), e 3) o artigo 7.°, n.° 4, alínea b), e n.° 6, da decisão controvertida (que aplicava as coimas à Servier por estas duas infrações).

49.      Em segundo lugar, o Tribunal Geral 4) reduziu o montante da coima aplicada à Servier a título do acordo com a Matrix, referido no artigo 2.° da decisão controvertida, pelo artigo 7.°, n.° 2, alínea b), da referida decisão. Em terceiro lugar, 5), negou provimento ao recurso quanto ao restante e, em quarto lugar, 6) e 7), condenou a Servier, a Comissão e a EFPIA a suportarem as suas próprias despesas.

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

50.      Por petição de 28 de fevereiro de 2019, a Servier interpôs recurso do acórdão impugnado, continuando a ser apoiada pela EFPIA.

51.      Paralelamente, os outros destinatários da decisão controvertida que foram vencidos no Tribunal Geral interpuseram igualmente recursos dos acórdãos do Tribunal Geral que negaram provimento aos seus recursos da referida decisão, ao passo que a Comissão interpôs recursos da anulação pelo Tribunal Geral das partes da decisão controvertida relativas aos acordos com a Krka e ao artigo 102.° TFUE (41).

52.      Por requerimento de 22 de maio de 2019, o Reino Unido pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. A intervenção foi admitida por decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de junho de 2019.

53.      A Servier pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        A título principal, atendendo aos primeiro a quinto fundamentos que contestam a existência de uma violação do artigo 101.° TFUE:

–        anular os n.os 4, 5 e 6 do dispositivo do acórdão impugnado;

–        anular os artigos 1.°, alínea b), 2.°, alínea b), 3.°, alínea b) e 5.°, alínea b) e, consequentemente, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), n.° 2, alínea b), n.° 3, alínea b) e n.° 5, alínea b), da decisão controvertida, ou se assim não for, remeter o processo para o Tribunal Geral para que este decida sobre os efeitos dos acordos em causa;

–        A título subsidiário, atendendo ao sexto fundamento:

–        anular os n.os 4 e 5 do dispositivo do acórdão impugnado, na parte em que este confirmou as conclusões da Comissão a respeito da existência de infrações distintas e de coimas cumulativas pelos acordos Niche e Matrix e, consequentemente, anular os artigos 1.°, alínea b), 2.°, alínea b), 7.°, n.° 1, alínea b), e n.° 2, alínea b), da decisão controvertida;

–        A título ainda mais subsidiário:

–        anular os n.os 4 e 5 do dispositivo do acórdão impugnado bem como o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), n.° 2, alínea b), e n.° 5, alínea b), da decisão controvertida atendendo ao sétimo fundamento, primeira e segunda partes, que contestam o princípio e o montante de todas as coimas;

–        anular o n.° 5 do dispositivo do acórdão impugnado e os artigos 5.°, alínea b) e 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida atendendo à quarta parte do quinto fundamento relativa à duração da infração alegada e ao cálculo da coima relativa ao acordo celebrado entre a Servier e a Lupin e, consequentemente, fixar a coima no exercício da sua plena jurisdição.

–        E em qualquer dos casos:

–        condenar a Comissão nas despesas.

54.      A EFPIA pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular os n.os 4, 5 e 6 do dispositivo do acórdão impugnado,

–        anular os artigos 1.°, alínea b), 2.°, alínea b), 3.°, alínea b) e 5.°, alínea b) e, consequentemente, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), n.° 2, alínea b), n.° 3, alínea b) e n.° 5, alínea b), da decisão controvertida, ou se assim não for, remeter o processo para o Tribunal Geral para que este decida sobre os efeitos dos acordos em causa; e

–        condenar a Comissão nas despesas do presente processo e da primeira instância.

55.      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso e,

–        condenar as recorrentes nas despesas da Comissão tanto no Tribunal Geral como no Tribunal de Justiça.

56.      O Reino Unido apoia estes pedidos da Comissão.

57.      Em 13 de setembro de 2021, o Tribunal de Justiça convidou as partes a apresentarem as suas observações sobre o Acórdão Generics (UK) e o. bem como sobre os Acórdãos do grupo Lundbeck/Comissão (42).

58.      Em 20 e 21 de outubro de 2021, numa audiência comum, foram ouvidas as observações das partes dos nove recursos interpostos contra os oito acórdãos do Tribunal Geral relativos à decisão controvertida, bem como as suas respostas às perguntas do Tribunal de Justiça.

IV.    Apreciação

59.      A Servier alega que o Tribunal Geral confirmou erradamente a conclusão da Comissão segundo a qual os acordos celebrados com a Niche/Unichem, com a Matrix, com a Teva e com a Lupin constituíam infrações ao artigo 101.° TFUE e que podia aplicar coimas à Servier por tais infrações.

60.      A Servier estrutura a sua argumentação em torno de sete fundamentos, dos quais os seis primeiros dizem respeito à declaração da existência das infrações (A), ao passo que o sétimo diz respeito às coimas (B).

A.      Quanto à declaração da existência da infração

1.      Estrutura e admissibilidade da argumentação da Servier

61.      No âmbito dos seus dois primeiros fundamentos, a Servier imputa ao Tribunal Geral, de forma geral, erros de direito cometidos na análise do objetivo anticoncorrencial dos acordos (primeiro fundamento) e da concorrência potencial entre as partes (segundo fundamento).

62.      Seguidamente, com os seus terceiro a quinto fundamentos, a Servier invoca tais erros quanto a cada um dos acordos em causa, a saber, quanto aos acordos Niche e Matrix (terceiro fundamento), ao acordo Teva (quarto fundamento) e ao acordo Lupin (quinto fundamento). Na terceira parte do seu quinto fundamento, a Servier alega, além disso, que o Tribunal Geral cometeu erros na determinação da data da cessação da infração constituída pelo acordo Lupin.

63.      Com o seu sexto fundamento, a Servier invoca, a título subsidiário, erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral relativos à qualificação dos acordos Niche e Matrix como infrações distintas.

64.      A título preliminar, a Comissão alega que os primeiro e segundo fundamentos são parcialmente inadmissíveis na medida em que a Servier neles critica de forma teórica e abstrata erros alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral sem se referir a números precisos do acórdão impugnado. Além disso, a Servier repete argumentos já apresentados ao Tribunal Geral e por este julgados improcedentes sem explicar que erro o Tribunal Geral cometeu ao rejeitá‑los.

65.      Estas críticas são justificadas no que respeita a uma parte dos argumentos apresentados pela Servier, e não só no âmbito dos seus primeiro e segundo fundamentos, mas também no âmbito dos seus terceiro, quarto e quinto fundamentos. Com efeito, com uma parte da sua argumentação, a Servier tece considerações gerais e enumera muitos números do acórdão impugnado alegadamente errados sem fundamentar em que consistem concretamente os erros cometidos pelo Tribunal Geral nesses números. Do mesmo modo, em vários pontos da sua petição, a Servier limita‑se a repetir argumentos já invocados no Tribunal Geral e a remeter para os seus articulados e numerosos anexos apresentados neste último.

66.      Todavia, como a própria Comissão admite, pondo de parte estas considerações, que são efetivamente inadmissíveis, uma leitura conjugada dos argumentos invocados pela Servier no âmbito dos seus diferentes fundamentos revela que a Servier associa as suas alegações gerais relativas ao exame, por parte do Tribunal Geral, da concorrência potencial e do objetivo anticoncorrencial dos acordos, ao exame, por parte deste, de um certo número de aspetos das suas relações e acordos específicos com as sociedades de genéricos em causa. Neste contexto, a Servier identifica os fundamentos do acórdão visados e os erros alegadamente cometidos nesses fundamentos.

67.      É certo que o exame desta argumentação se torna complicado devido à apresentação destes argumentos em diferentes passagens do recurso. Assim, no que respeita à concorrência potencial, há que ler conjuntamente o segundo fundamento e as primeiras partes dos terceiro, quarto e quinto fundamentos. Do mesmo modo, no que respeita ao objetivo anticoncorrencial dos acordos, há que remeter para o primeiro fundamento e para as segundas partes dos terceiro, quarto e quinto fundamentos. Todavia, ao proceder a tal leitura, é possível identificar as críticas concretas da Servier a respeito do acórdão impugnado e há que reconhecer que, nesta medida, a argumentação da Servier é, com efeito, admissível. Por conseguinte, em seguida, ao examinar os diferentes fundamentos da Servier, a parte admissível da sua argumentação será examinada, precisando‑se que esta argumentação se situa frequentemente numa zona cinzenta entre qualificação jurídica e apreciação dos factos.

68.      Feitos estes esclarecimentos, importa examinar, antes de mais, os argumentos da Servier relativos à concorrência potencial (2), antes de passar aos seus argumentos relativos ao objetivo anticoncorrencial dos acordos (3), à data da cessação da infração constituída pelo acordo Lupin (4) e, por último, à qualificação do acordo Niche, por um lado, e do acordo Matrix, por outro, como infrações distintas (5).

2.      Quanto à concorrência potencial (segundo fundamento e primeiras partes dos terceiro, quarto e quinto fundamentos)

69.      A Servier alega, antes de mais, que, quando examinou se a Servier e as sociedades de genéricos eram concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos, o Tribunal Geral cometeu três erros. O Tribunal Geral não teve devidamente em conta o alcance das patentes (a), concluiu erradamente que as diligências preparatórias por parte das sociedades de genéricos comprovavam uma capacidade real de entrar no mercado (b), e inverteu o ónus da prova (c). Seguidamente, a Servier tenta subdividir estes erros no que respeita à apreciação da sua relação de concorrência com cada uma das sociedades de genéricos implicadas (d).

a)      Quanto ao alcance das patentes no momento da análise da concorrência potencial

70.      A Servier começou por alegar que o Tribunal Geral ignorou o alcance das patentes, ao não tomar em conta os obstáculos em matéria de patentes na sua análise da capacidade das sociedades de genéricos de entrarem rapidamente no mercado. Mesmo antes de uma decisão quanto à sua validade e ao caráter contrafeito de um medicamento genérico, a capacidade de entrar no mercado dessas sociedades pode ser afetada por uma patente considerada forte ou por injunções provisórias que proíbam as sociedades de genéricos de entrar no mercado.

71.      A este respeito, há que recordar que, para verificar se uma empresa que é parte num acordo constitui um potencial concorrente num determinado mercado, importa verificar se não existem barreiras intransponíveis à entrada nesse mercado (43) e se, sem o acordo em causa, teriam existido possibilidades reais e concretas de a empresa em questão entrar nesse mercado e concorrer com as empresas que aí estão estabelecidas. Esta verificação deve ser efetuada atendendo ao contexto económico e jurídico concreto em que foi celebrado o acordo em causa (44).

72.      Por conseguinte, ao examinar a concorrência potencial entre um titular de patentes que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público, por um lado, e as sociedades que pretendem entrar no mercado com medicamentos genéricos que contêm esse princípio ativo, por outro, que celebraram acordos como os que estão em causa no caso em apreço, não podem decerto ser ignoradas as referidas patentes, que fazem incontestavelmente parte do contexto económico e jurídico em causa (45).

73.      Todavia, neste contexto, há que tomar igualmente em conta o facto de a presunção de validade de uma patente de um processo de fabrico de um medicamento não equivaler a uma presunção de ilegalidade de genéricos desse medicamento que o titular da patente considera violarem o mesmo. Litígios sobre esta questão, tanto no que respeita à validade das patentes de processo como ao caráter contrafeito dos medicamentos genéricos, ou seja, a questão de saber se foram fabricados segundo os processos ainda protegidos por patentes, são, pelo contrário, comuns, ou constituem até um indício da existência de uma relação de concorrência potencial entre as partes (46).

74.      Daqui resulta que, em tais circunstâncias, a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser considerada uma barreira intransponível para a entrada no mercado de medicamentos genéricos que contenham esse princípio ativo (47).

75.      O exame da existência de uma concorrência potencial entre o titular de tal patente e as sociedades que pretendem entrar no mercado com genéricos, que celebraram acordos como os que estão em causa no caso em apreço, deve precisamente incidir sobre a questão de saber se, apesar da existência dos direitos de patente em causa, essas sociedades dispunham de possibilidades reais e concretas de entrarem no mercado no momento da celebração dos acordos. A existência de tais possibilidades pode ser demonstrada por um conjunto de indícios concordantes que inclui, nomeadamente, as diligências preparatórias efetuadas pelas sociedades de genéricos bem como a perceção da situação por estas e pelo titular da patente (48).

76.      Ora, contrariamente ao que alega a Servier, no caso em apreço, o Tribunal Geral procedeu devidamente a esse exame nos n.os 432 e seguintes (no que respeita à Niche/Unichem), 579 e seguintes (no que respeita à Teva) e 718 e seguintes (no que respeita à Lupin) do acórdão impugnado. O Tribunal Geral examinou minuciosamente se estas sociedades dispunham de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado apesar dos obstáculos constituídos não apenas pelas patentes da Servier mas também por obstáculos de ordem técnica, associados ao desenvolvimento dos seus produtos, e de ordem regulamentar, associados à obtenção de AIM para estes produtos.

b)      Quanto à análise das possibilidades reais e concretas das sociedades de genéricos de entrarem no mercado apesar da existência de obstáculos

77.      Resulta do exposto que o Tribunal Geral não se limitou, como alega a Servier, a aplicar o critério de uma mera intenção de entrar no mercado puramente teórica num horizonte indefinido. Longe de se limitar a possibilidades de entrada no mercado puramente hipotéticas, separadas do seu contexto, o Tribunal Geral, pelo contrário, examinou precisamente se as diligências concretas empreendidas pelas sociedades de genéricos comprovavam as suas possibilidades reais e concretas de entrarem no mercado apesar da existência das patentes da Servier. Ao proceder a este exame, o Tribunal Geral baseou‑se em elementos objetivos cuja existência material não é posta em causa pela Servier, tais como, nomeadamente, os investimentos já realizados, as diligências efetuadas a fim de obter uma AIM e os contratos celebrados com parceiros comerciais.

78.      As diferentes críticas avançadas pela Servier a este respeito não são reveladoras de erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral ao proceder a esse exame.

1)      Quanto à existência de um acordo que exclui os potenciais novos operadores do mercado

79.      Importa desde já observar que, contrariamente ao que sustenta a Servier, o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente que, numa situação como a que está em causa, a celebração por operadores de um acordo que tem por objetivo manter um deles fora do mercado não só constitui um indício forte como é, aliás, o «elemento com maior valor probatório» da existência de uma relação de concorrência entre eles. Constitui igualmente tal indício o facto de um fabricante de medicamentos originais proceder a transferências de valores em proveito de uma sociedade de genéricos como contrapartida do adiamento da entrada desta última no mercado. Essa vontade revela, com efeito, a perceção que o fabricante de medicamentos originais tem do risco que a sociedade de genéricos em causa representa para os seus interesses comerciais, perceção essa que é relevante para apreciar a existência de concorrência potencial (49).

80.      Esta lógica é perfeitamente coerente, uma vez que estes elementos corroboram justamente o facto de a sociedade de genéricos em causa dispor de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado e não se deparar com barreiras intransponíveis. Efetivamente, não é plausível que, se a sociedade de genéricos não pudesse entrar no mercado e não constituísse, portanto, uma ameaça para o fabricante de medicamentos originais, este celebrasse com ela um acordo destinado a mantê‑la fora do mercado mediante pagamento. Por conseguinte, ao apreciar a existência de uma relação de concorrência potencial entre operadores económicos, estes indícios devem ser tidos em conta na mesma fase do exame e do mesmo modo que as possibilidades reais e concretas de as sociedades de genéricos entrarem no mercado e que a inexistência de barreiras intransponíveis. Todos estes elementos constituem efetivamente, considerados de modo conjugado, o conjunto de indícios em que a Comissão se pode basear para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre operadores dos quais um já está presente num mercado em que os outros se preparam para entrar.

81.      Por conseguinte, a afirmação do Tribunal Geral feita no n.° 450 do acórdão impugnado segundo a qual a celebração pela Servier dos acordos controvertidos com as sociedades de genéricos era um elemento relevante para apreciar a concorrência potencial entre estes operadores não enferma de qualquer erro.

2)      Quanto às diligências preparatórias efetuadas pelas sociedades de genéricos e à sua intenção de ultrapassar os obstáculos

82.      Em seguida, contrariamente às alegações da Servier, a existência de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado é comprovada pelo facto de, no momento da celebração dos acordos, as sociedades de genéricos terem efetuado diligências preparatórias suficientes que lhes permitiam aceder ao mercado num prazo suscetível de exercer uma pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais. Tais diligências permitem demonstrar a firme determinação e a capacidade própria dessas sociedades de acederem ao mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, mesmo que existam patentes de processo detidas pelo fabricante de medicamentos originais (50).

83.      Como o Tribunal Geral recordou corretamente nos n.os 384, 444, 458 e 728 do acórdão impugnado, neste contexto, a intenção de um operador de entrar no mercado é um fator suscetível de corroborar a constatação da sua capacidade de o fazer (51). Por conseguinte, a Servier não pode acusar o Tribunal Geral de ter cometido erros na sua apreciação da perceção pelas sociedades de genéricos dos riscos em matéria de patentes. Além disso, resulta destes números bem como dos n.os 445 e seguintes e 729 e seguintes do acórdão impugnado que o Tribunal Geral constatou que, mesmo afastando os elementos apresentados pela Comissão para demonstrar que as sociedades de genéricos tinham confiança no desfecho favorável dos litígios em matéria de patentes, as diligências técnicas e contenciosas efetuadas por estas sociedades demonstravam, todavia, a sua intenção de entrar no mercado.

84.      Contrariamente às afirmações da Servier, o Tribunal Geral reconheceu acertadamente que estas diligências demonstram que estas sociedades não estavam de modo algum desencorajadas pelos diferentes obstáculos em matéria de patentes, regulamentares e técnicos à entrada no mercado e tinham, pelo contrário, a firme determinação de os ultrapassar.

3)      Quanto à existência de obstáculos múltiplos

85.      A Servier alega, todavia, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao examinar as dificuldades em matéria de patentes, técnicas, regulamentares e financeiras com que se deparavam as sociedades de genéricos, mais precisamente a Niche e a Matrix, separadamente e não tomadas no seu conjunto. Mesmo que cada dificuldade não fosse individualmente inultrapassável, isso não significava que estas sociedades tivessem capacidade para ultrapassar todas essas dificuldades.

86.      Segundo a Comissão, este argumento não foi apresentado em primeira instância e é, portanto, inadmissível. Todavia, na medida em que o referido argumento constitui a ampliação de um fundamento apresentado no Tribunal Geral e critica a aplicação do artigo 101.° TFUE por este, a Servier pode invocá‑lo em sede de recurso (52).

87.      No entanto, quanto ao mérito, este argumento não pode ser acolhido.

88.      Assim, o Tribunal Geral procedeu, nos n.os 442 e seguintes (no que respeita à Niche/Unichem), 589 e seguintes (no que respeita à Teva) e 726 e seguintes (no que respeita à Lupin) do acórdão impugnado a um exame minucioso e detalhado dos diferentes obstáculos em matéria de patentes, técnicos, regulamentares e financeiros com os quais estas sociedades, segundo a Servier, se deparavam ao prepararem a sua entrada no mercado com os seus produtos. Ao proceder a esse exame, o Tribunal Geral concluiu que as diligências ininterruptas empreendidas pelas referidas sociedades para fazer face a essas dificuldades demonstravam que estas últimas não eram obstáculos intransponíveis que tornassem impossível essa entrada no mercado.

89.      Ora, desse modo, o Tribunal Geral baseou‑se num grande número de elementos factuais que não foram postos em causa pela Servier.

90.      Nestas circunstâncias, a Servier não pode acusar o Tribunal Geral de não ter examinado melhor os diferentes obstáculos no seu conjunto.

91.      Como a Comissão acertadamente alega, a Servier não explica por que razão nem de que modo estes obstáculos, considerados no seu conjunto, podiam revelar‑se inultrapassáveis, ao passo que o Tribunal Geral observou, sem cometer erros de direito, que as sociedades de genéricos estavam prontas a ultrapassá‑los individualmente. A Servier também não explica, aliás, em que deveria ter consistido concretamente esse exame e em que medida teria sido diferente do exame efetuado pelo Tribunal Geral.

92.      De resto, a Comissão tem razão quando alega que adotou precisamente uma abordagem «holística» ao demonstrar como as sociedades de genéricos, nomeadamente a Niche, tinham empreendido diligências tanto a nível de patentes (ações contenciosas) como técnico (resolução dos obstáculos técnicos), regulamentar (discussões com as autoridades nacionais para obter as AIM) ou financeiro (contactos com a sociedade‑mãe a fim de ser apoiada). O Tribunal Geral, aliás, não só verificou o mérito dos elementos assim apresentados pela Comissão, como, além disso, analisou as interdependências entre os diferentes planos, por exemplo, rejeitando, no n.° 494 do acórdão impugnado, as alegações da Servier segundo as quais as dificuldades financeiras da Niche a impediam de fazer face aos riscos de despesas judiciais e de indemnizações inerentes ao contencioso em matéria de patentes.

93.      A alegação de inexistência de uma análise de conjunto dos obstáculos à entrada no mercado das sociedades de genéricos deve, portanto, ser também julgada improcedente.

c)      Quanto à repartição do ónus da prova

94.      A Servier alega que o Tribunal Geral, depois de ter aceitado que tinham sido realizadas diligências para demonstrar as possibilidades reais e concretas das sociedades de genéricos de entrar no mercado, ter exigido que a Servier, para infirmar esta constatação, provasse que a entrada destas sociedades no mercado se deparava com obstáculos intransponíveis. Ora, isto assemelha‑se a exigir uma prova negativa (probatio diabolica). Desta forma, o Tribunal Geral inverteu o ónus da prova e violou o princípio segundo o qual o ónus da prova da existência de possibilidades reais e concretas das sociedades de genéricos de entrarem no mercado incumbe à Comissão.

95.      Esta argumentação é completamente infundada.

96.      Como o Tribunal Geral reconheceu corretamente no n.° 386 do acórdão impugnado, é decerto verdade que o ónus da prova da existência de possibilidades reais e concretas de entrada de um concorrente no mercado incumbe à Comissão. Todavia, como o Tribunal Geral também reconheceu acertadamente no referido número, embora a Comissão tenha reunido um conjunto de indícios concordantes que confirmavam diligências que visavam a produção e a comercialização do produto em causa num prazo suficientemente curto para pressionar o operador presente no mercado, a Comissão, na falta de provas contrárias relativas a dificuldades técnicas, regulamentares, comerciais ou financeiras, demonstrou de forma bastante a existência de tais possibilidades nas circunstâncias do caso em apreço.

97.      Contrariamente à opinião da Servier, esta repartição do ónus da prova é perfeitamente conforme com os princípios solidamente estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de infrações ao direito da concorrência da União. É certo que daí decorre que incumbe à Comissão fazer prova das infrações que declara e apresentar os elementos de prova adequados a demonstrar, juridicamente, a existência de factos constitutivos de uma infração (53). Para esse efeito, deve reunir provas suficientemente precisas e concordantes para basear a firme convicção da ocorrência da infração alegada (54). Todavia, quando a Comissão reúne tais elementos, incumbe aos operadores em causa suscitar a questão da insuficiência das provas utilizadas pela Comissão para demonstrar os elementos constitutivos da infração (55).

98.      Assim, mesmo que o ónus legal da prova caiba, segundo estes princípios, quer à Comissão quer à empresa em causa, os elementos de facto invocados por uma parte podem ser de natureza a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, uma vez que, no caso contrário, é possível concluir que foi cumprido o ónus da prova (56).

99.      Ora, no caso em apreço, resulta precisamente do exame dos argumentos da Servier, efetuado nos n.os 70 a 93 e 108 a 117 das presentes conclusões, que o Tribunal Geral não cometeu erros quando confirmou que a Comissão tinha demonstrado suficientemente que as sociedades de genéricos dispunham, no momento da celebração dos acordos, de possibilidades reais e concretas de entrarem no mercado. Por conseguinte, foi também acertadamente que o Tribunal Geral confirmou que, nestas circunstâncias, incumbia à Servier apresentar elementos suscetíveis de invalidar esta conclusão (57).

100. Numa leitura mais aprofundada, a argumentação apresentada pela Servier no caso em apreço procede sobretudo de uma confusão entre os conceitos de concorrência atual e potencial. Assim, a Servier engana‑se a respeito do facto de, para demonstrar a existência de concorrência potencial, a Comissão dever apenas demonstrar que as sociedades de genéricos dispunham de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado num prazo suscetível de exercer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais. Em contrapartida, não é de forma alguma exigido que demonstre igualmente com certeza que as diligências empreendidas pelas sociedades de genéricos serão efetivamente coroadas de êxito e que estas sociedades entrarão efetivamente no mercado em causa (58).

101. Na mesma ordem de ideias, contrariamente ao que alega a Servier, a Comissão não tem de demonstrar que as diligências empreendidas por uma sociedade de genéricos para entrar no mercado terão necessariamente sucesso «a curto prazo». O que importa é que essas diligências demonstram a possibilidade de entrar no mercado num prazo suscetível de exercer uma pressão concorrencial. Ora, enquanto tais diligências continuarem, por exemplo, enquanto discussões com a autoridade reguladora para a obtenção de uma AIM ou esforços envidados para ultrapassar dificuldades técnicas relativas aos aspetos do produto genérico, as mesmas comprovam a possibilidade de entrar no mercado num prazo suscetível de exercer pressão concorrencial. Isto é ainda mais verdade se, no exame do conjunto de indícios que demonstram a existência de uma concorrência potencial, a existência das referidas diligências for confrontada com provas que revelem a perceção, pelo fabricante do medicamento original, de que existe uma ameaça constituída pelas sociedades de genéricos, como por exemplo o facto de este tentar celebrar acordos com essas sociedades para atrasar a sua entrada no mercado (59).

102. Por conseguinte, a Servier não pode alegar que o Tribunal Geral cometeu um erro quando confirmou, no n.° 481 do acórdão impugnado, a recusa da Comissão de deferir o pedido, formulado pela Servier, de apresentação da correspondência entre a Niche ou os seus parceiros e as autoridades reguladoras nacionais em causa. Com efeito, é errado afirmar que a Comissão deveria ter avaliado as possibilidades de sucesso da Niche de ultrapassar os obstáculos regulamentares relativos à obtenção de uma AIM interrogando estas autoridades.

103. A Comissão não tem, com efeito, de avaliar as possibilidades de sucesso ou o resultado provável de um procedimento de AIM instaurado junto das autoridades nacionais por uma sociedade de genéricos. Basta que exponha diligências concretas empreendidas por tal sociedade (apresentação de um pedido de AIM, correspondência com a autoridade reguladora em causa) para dispor de uma AIM num prazo suscetível de exercer uma pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais (60). A este respeito, um atraso na obtenção da AIM não demonstra de modo algum que a sociedade de genéricos deixou de constituir uma fonte de concorrência potencial, nomeadamente se a referida sociedade, como as sociedades em causa no caso em apreço, empreender diligências para resolver as dificuldades que causaram o atraso (v. n.° 109 das presentes conclusões).

104. Neste contexto, o argumento relativo ao facto de serem as sociedades de genéricos e não a Servier que estão em melhores condições para expor eventuais dificuldades com que se deparavam, nomeadamente com os seus pedidos de AIM, também não é suscetível de demonstrar uma inversão do ónus da prova em detrimento da Servier. Com efeito, a argumentação neste sentido parte igualmente da premissa errada segundo a qual, para demonstrar a existência de uma concorrência potencial, é necessário demonstrar com certeza que as diligências efetuadas pelas sociedades de genéricos teriam sido coroadas de êxito, e que bastaria expor dificuldades ou atrasos neste contexto para invalidar a constatação da existência de uma concorrência potencial.

105. Ora, como acaba de ser demonstrado, e contrariamente ao que alega a Servier, enquanto as sociedades de genéricos continuarem as suas diligências junto das autoridades reguladoras e não as abandonarem devido a eventuais dificuldades, continuam a provar a sua determinação firme e a sua capacidade própria de entrar no mercado. Por conseguinte, a correspondência entre as sociedades de genéricos e as autoridades reguladoras, mesmo admitindo que revelava dificuldades, não era suscetível de infirmar a constatação da existência de uma concorrência potencial.

106. De resto, e em qualquer caso, decorre do n.° 481 do acórdão impugnado que a Servier teve acesso, durante o procedimento administrativo na Comissão, ao quadro que resumia o conteúdo destas trocas de correspondência apresentado pela Niche, do qual resultava que os problemas identificados pelas autoridades reguladoras nacionais não impediram a Niche de lhes dar resposta, nem o procedimento de AIM de prosseguir.

107. Por conseguinte, a argumentação relativa a uma inversão do ónus da prova e à violação do direito a uma boa administração deve também ser julgada improcedente.

d)      Quanto aos argumentos adicionais relativos a cada uma das sociedades de genéricos implicadas

108. À luz das considerações precedentes, os argumentos adicionais apresentados pela Servier a respeito da qualidade de concorrente potencial de cada uma das sociedades de genéricos implicadas também não revelam que o Tribunal Geral tenha concluído erradamente que, no momento da celebração dos acordos, estas sociedades tinham efetuado diligências preparatórias suficientes que lhes permitiam aceder ao mercado num prazo suscetível de exercer uma pressão concorrencial sobre a Servier.

1)      Niche/Unichem e Matrix

109. Por um lado, contrariamente ao que a Servier sustenta, o Tribunal Geral considerou acertadamente que as diligências empreendidas pela Niche e pela Matrix para ultrapassar dificuldades técnicas alterando o processo e a forma do produto da Matrix, referidas nos n.os 446 e 447 do acórdão impugnado, longe de demonstrarem que as patentes da Servier eram obstáculos intransponíveis, demonstravam, pelo contrário, a determinação firme e a capacidade própria da Niche e da Matrix de entrarem no mercado apesar da existência destas patentes. O mesmo se diga da realização de esforços numa fase avançada do desenvolvimento do medicamento genérico e da participação ativa no procedimento de concessão da AIM (n.os 459 a 480 do acórdão impugnado). Neste contexto, atrasos no procedimento de AIM não infirmam de modo algum a qualidade de concorrente potencial da Niche e da Matrix, uma vez que, como acaba de ser observado nos n.os 100 a 103 das presentes conclusões, não é necessário demonstrar que as diligências para obter uma AIM serão finalizadas em tempo útil ou coroadas de sucesso para qualificar as sociedades que efetuam essas diligências de concorrentes potenciais.

110. Por outro lado, contrariamente ao que a Servier alega, as considerações do Tribunal Geral no n.° 446 do acórdão impugnado não revelam nenhuma desvirtuação. Assim, as diligências efetuadas pela Niche evocadas neste número, cuja existência material não é posta em causa pela Servier, confirmam a determinação da Niche em ultrapassar os obstáculos associados às patentes da Servier e em «abrir caminho» para entrar no mercado obtendo uma declaração de não contrafação, uma anulação ou uma invalidação da patente 947. Contrariamente ao que alega a Servier, o Tribunal Geral não abordou, nesse número, a questão de saber se a Niche estava «de boa‑fé». O Tribunal Geral também não tratou dos elementos apresentados pela Servier a este respeito (recusa da Niche de fornecer uma descrição detalhada do seu processo de fabrico, de permitir uma inspeção às suas fábricas ou de fornecer uma amostra do seu produto). Independentemente do facto de tais elementos não poderem ser examinados pela primeira vez em sede de recurso de decisão do Tribunal Geral, há que observar que os mesmos não põem em causa as constatações do Tribunal Geral no referido número e não revelam qualquer desvirtuação.

2)      Teva

111. Antes de mais, a crítica da Servier, que consiste em sustentar que o Tribunal Geral lhe impôs erradamente o ónus de demonstrar que a entrada da Teva no mercado se deparava com obstáculos intransponíveis, nos n.os 589 e seguintes do acórdão impugnado, não pode ser acolhida. Como no caso das outras sociedades de genéricos, o Tribunal Geral constatou, com efeito, após um exame detalhado dos elementos apresentados pela Servier, que estes não eram suscetíveis de pôr em causa a constatação da Comissão segundo a qual as diligências empreendidas pela Teva comprovavam a determinação e a capacidade desta para aceder ao mercado.

112. Além disso, o Tribunal Geral também não cometeu erros, como alega a Servier, quando constatou, nos n.os 590 e seguintes do acórdão impugnado, que o risco de uma injunção provisória não tinha afetado as possibilidades reais e concretas da Teva de entrar no mercado, uma vez que apresentou elementos que comprovavam a vontade dessa empresa de assumir esse risco. A Servier limita‑se, de resto, a remeter de forma geral para a sua argumentação no Tribunal Geral quanto a este aspeto, sem demonstrar erros cometidos pelo Tribunal Geral. Em qualquer caso, como o Tribunal de Justiça reconheceu, a existência de injunções não exclui de modo algum a existência de uma concorrência potencial, uma vez que se trata de medidas provisórias que em nada prejudicam a procedência de uma ação de contrafação (61).

113. Do mesmo modo, contrariamente ao que afirma a Servier, o raciocínio do Tribunal Geral exposto nos n.os 601 a 603 do acórdão impugnado, segundo o qual os atrasos nos procedimentos de AIM não podiam bastar para excluir a qualidade de concorrente potencial da Teva quando esta se esforçava por ultrapassar as dificuldades encontradas, não revela nenhum erro pelas razões já indicadas nos n.os 100 a 103 e 109 das presentes conclusões. A Servier limita‑se, aliás, a remeter para a sua petição e para os seus anexos em primeira instância para afirmar que as provas por ela apresentadas no Tribunal Geral demonstraram que estas dificuldades afetavam as possibilidades reais e concretas da Teva de entrar no mercado, sem fornecer explicações quanto a estas provas ou demonstrar erros do Tribunal Geral na sua apreciação.

114. Seguidamente, as desvirtuações alegadamente cometidas pelo Tribunal Geral no exame dos problemas técnicos com que se deparou o produto da Teva não são identificáveis nem à luz das alegações da Servier, nem à luz dos números do acórdão aí referidos. Assim, por um lado, a Servier alega que o Tribunal Geral desvirtuou, nos n.os 586 e 609 a 612 do acórdão impugnado, as provas que demonstravam que a Teva não tinha stock de perindopril viável, sem se referir a qualquer prova que tivesse sido desvirtuada. Por outro lado, a Servier alega que o Tribunal Geral desvirtuou a mensagem de correio eletrónico enviada pela Teva à Hetero em 15 de outubro de 2007, ou seja, posteriormente à celebração do acordo Teva, mensagem em que a Teva indicou que renunciava ao lançamento do seu produto. Ora, é precisamente esta renúncia que era prevista por este acordo (62). Por conseguinte, a análise do Tribunal Geral segundo a qual a mensagem de correio eletrónico em questão visava implementar o referido acordo não enferma de nenhuma desvirtuação.

115. Por último, contrariamente às críticas da Servier, no n.° 610 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral não recusou tomar em consideração provas posteriores ao acordo, mas limitou‑se a considerar, com razão, que uma troca de correspondência que refletia a perceção pela Teva da situação concorrencial posterior à celebração do acordo não podia demonstrar que a Teva tinha renunciado a comercializar o seu produto no momento da referida celebração (63).

3)      Lupin

116. No que respeita à apreciação da qualidade de concorrente potencial da Lupin, a Servier limita‑se, no essencial, a remeter para as suas alegações gerais relativas à concorrência potencial, que já foram analisadas nos n.os 70 a 84 das presentes conclusões.

117. Quanto ao restante, a Servier alega que o Tribunal Geral considerou erradamente que a Lupin tinha possibilidades reais e concretas de comercializar o seu produto em toda a União, quando só estava presente no Reino Unido e o estabelecimento de parcerias continuava a ser teórico e especulativo. Ora, o Tribunal Geral relatou negociações entre a Lupin e potenciais parceiros comerciais a este respeito, que constituíam diligências concretas que demonstravam a determinação e a capacidade da Lupin de entrar no mercado (64). Neste contexto, o n.° 745 do acórdão impugnado não revela nenhuma desvirtuação da argumentação da Servier que alegue que a Lupin se deparou com obstáculos comerciais intransponíveis, uma vez que é precisamente o que a Servier continua a alegar no âmbito do presente recurso e o Tribunal Geral examinou e refutou nos n.os 745 e seguintes do acórdão impugnado.

e)      Conclusão

118. Decorre das considerações precedentes que a argumentação da Servier relativa à concorrência potencial, apresentada no âmbito do seu segundo fundamento e das primeiras partes dos seus terceiro, quarto e quinto fundamentos, deve ser integralmente julgada improcedente.

3.      Quanto à qualificação dos acordos como restrições da concorrência por objetivo (primeiro fundamento e segundas partes dos terceiro, quarto e quinto fundamentos)

119. No âmbito do seu primeiro fundamento e das segundas partes dos seus terceiro, quarto e quinto fundamentos, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu erros quando confirmou a conclusão da Comissão segundo a qual os acordos controvertidos constituíam restrições da concorrência por objetivo.

120. A este respeito, segundo a Servier, em primeiro lugar, o Tribunal Geral não teve devidamente em conta a falta de experiência com acordos como os que estão em causa e o facto de, por essa razão, a restrição da concorrência não ser facilmente detetável (a). Em segundo lugar, era impossível concluir que os acordos tinham um objetivo anticoncorrencial atendendo aos seus efeitos positivos ou, pelo menos, ambivalentes (b). Por último, em terceiro lugar, o Tribunal Geral cometeu um erro ao centrar‑se demasiado nos pagamentos ou outras vantagens incentivadoras concedidas pela Servier às sociedades de genéricos (c).

a)      Quanto à experiência e ao caráter «facilmente detetável» de uma restrição da concorrência

121. Antes de mais, a Servier alega, remetendo, nomeadamente, para as conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão (65), que o acórdão impugnado enferma de uma primeira série de erros na medida em que aceita a qualificação de restrição por objetivo dos acordos controvertidos, não obstante a falta de experiência adquirida e de ciência económica, e embora a alegada restrição de concorrência não fosse facilmente detetável.

122. Assim, segundo a Servier, o caráter inédito das questões suscitadas pelos acordos de resolução amigável é demonstrado por múltiplos elementos, como o reenvio prejudicial no processo Generics (UK) e o. Do mesmo modo, o caráter dificilmente detetável da restrição da concorrência pelos acordos de resolução amigável é comprovado, nomeadamente, pelo facto de a Comissão ter necessitado de várias centenas de páginas para articular o seu raciocínio. O próprio Tribunal Geral reconheceu, no n.° 1666 do acórdão impugnado, que o caráter ilícito dos acordos em causa podia não se revelar, de forma clara, a um observador externo como a Comissão ou juristas especializados.

123. No entanto, esta argumentação não pode proceder, porque, como o Tribunal de Justiça já afirmou expressamente, não é de modo algum exigido que o mesmo tipo de acordos já tenha sido condenado pela Comissão para que os mesmos possam ser considerados restrições da concorrência por objetivo, e isto mesmo que estes sejam concluídos num contexto específico como o dos direitos de propriedade intelectual (66). A jurisprudência não exige que um acordo deve ser, à primeira vista ou sem qualquer margem para dúvida, suficientemente nocivo para a concorrência sem que se proceda a um exame aprofundado do seu conteúdo, da sua finalidade e do contexto económico e jurídico em que se insere, para poder ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.° TFUE (67).

b)      Quanto aos pagamentos e aos alegados efeitos «positivos» ou «ambivalentes» dos acordos

124. Com a uma subsequente série de argumentos, a Servier alega, por um lado, que o Tribunal Geral cometeu um erro ao qualificar os acordos controvertidos de restrições da concorrência por objetivo quando estes acordos tiveram efeitos positivos ou, pelo menos, ambivalentes sobre a concorrência.

125. Por outro lado, a Servier sustenta que o Tribunal Geral concluiu erradamente que os referidos acordos constituíam restrições por objetivo porque previam pagamentos ou outras vantagens incentivadoras em proveito das sociedades de genéricos em troca de cláusulas de não contestação das patentes da Servier e de não comercialização dos produtos dessas sociedades. Deste modo, segundo a Servier, o Tribunal Geral ignorou o contexto em matéria de patentes dos acordos e confundiu os conceitos de limitação comercial e de restrição da concorrência.

126. Importa recordar que resulta dos Acórdãos Generics (UK) e o. (68) e Lundbeck/Comissão (69) que acordos de resolução amigável como os que estão em causa no caso em apreço constituem restrições da concorrência por objetivo

–        se resultar de todos os elementos disponíveis que o saldo positivo das transferências de valores efetuadas pelo fabricante de medicamentos originais a favor da sociedade de medicamentos genéricos se explica apenas pelo interesse comercial das partes nesse acordo em não concorrer com base no mérito,

–        a menos que o acordo de resolução amigável em causa seja acompanhado de efeitos pró‑concorrenciais comprovados que suscitem dúvidas razoáveis quanto ao seu caráter suficientemente nocivo para a concorrência.

127. À luz destes princípios, a argumentação da Servier relativa aos pagamentos (1) bem como aos alegados efeitos «positivos» ou «ambivalentes» dos acordos controvertidos (2) não pode proceder.

1)      Quanto aos pagamentos

128. Daqui resulta que há que rejeitar a argumentação da Servier segundo a qual uma transferência de valor por parte do fabricante de medicamentos originais a favor da sociedade de genéricos no âmbito de um acordo de resolução amigável de um litígio em matéria de patentes não pode ser decisiva para a qualificação de tal acordo de restrição da concorrência por objetivo.

129. Os antecedentes em matéria de patentes de tais acordos e o interesse público na resolução extrajudicial de litígios em matéria de patentes em nada alteram o facto de esses acordos serem anticoncorrenciais se as transferências de valores do fabricante do medicamento original para a sociedade de genéricos se explicarem unicamente pelo interesse comercial desses operadores em não fazerem concorrência entre si. Neste contexto, não se exige, como alega a Servier, que o montante destas transferências de valores corresponda aos benefícios esperados das sociedades de genéricos (70).

130. Contrariamente ao que a Servier sustenta, no caso em apreço, o Tribunal Geral aplicou, portanto, o critério correto para determinar se os acordos controvertidos tinham um objetivo anticoncorrencial. O Tribunal Geral explicou assim, em substância, nos n.os 263 a 273, em particular nos n.os 265 e 272 do acórdão impugnado, que se deve considerar que uma sociedade de genéricos foi incentivada por um pagamento a sujeitar‑se às cláusulas de não comercialização e de não contestação se o pagamento que recebeu não for justificado por outra contrapartida além da que consiste em abster‑se de fazer concorrência ao titular da patente.

131. A este respeito, o Tribunal Geral indicou, nos n.os 277 a 280 do acórdão impugnado, que um pagamento dito «compensatório», que transita do fabricante de medicamentos originais para a sociedade de genéricos, poderia ser considerado justificado se cobrisse os custos inerentes à resolução amigável do litígio, por exemplo, as despesas processuais suportadas pela sociedade de genéricos no âmbito do litígio em matéria de patentes, desde que os montantes dessas despesas fossem fixados pelas partes e não fossem excessivos.

132. O Tribunal Geral considerou igualmente, nos n.os 798 a 810, em particular nos n.os 804 e 806 do acórdão impugnado, o caso da associação entre um acordo de resolução amigável de um litígio em matéria de patentes, que inclui cláusulas de não comercialização e de não contestação, e um acordo comercial que implica a transferência de um bem, que representa um valor económico, da sociedade de genéricos para o fabricante de medicamentos originais. No caso em apreço, o acordo Lupin revestiu a forma de tal associação (71).

133. O Tribunal Geral explicou que, perante esse esquema contratual, há que examinar se o pagamento efetuado pelo fabricante de medicamentos originais a favor da sociedade de genéricos excede o valor económico normal do bem trocado, ou seja, o valor que esse bem teria representado no âmbito de uma transação efetuada em condições normais de mercado. Segundo o Tribunal Geral, pode concluir‑se pela existência de um pagamento injustificado a favor da sociedade de genéricos se o montante do pagamento efetuado pelo fabricante de medicamentos originais a seu favor exceder o valor económico normal do bem trocado. Esse pagamento pode ser qualificado de incentivo para aceitar a obrigação de não concorrência resultante do acordo de resolução amigável associado ao acordo comercial se a parte não justificada do pagamento for suficientemente significativa para constituir um incentivo.

134. A grelha de análise assim estabelecida pelo Tribunal Geral é perfeitamente adequada para a análise de acordos como os que estão em causa no caso em apreço. Esta grelha corresponde, em substância, à confirmada pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos Generics (UK) e o. e Lundbeck/Comissão. O Tribunal de Justiça indicou igualmente nesses acórdãos que, para apreciar se as transferências de valores previstas num acordo de resolução amigável, como os que estão em causa no caso em apreço, se podem explicar apenas pelo interesse comercial das partes nesse acordo em não concorrer, importa tomar em consideração todas as transferências de valores efetuadas entre as partes, independentemente de estas terem ou não sido monetárias. Segundo o Tribunal de Justiça, nessa apreciação, há que determinar se o saldo positivo das transferências de valores do fabricante de medicamentos originais em proveito da sociedade de genéricos se pode justificar pela existência de eventuais contrapartidas por parte desta sociedade (72).

135. Daqui resulta que importa julgar improcedente a alegação segundo a qual o Tribunal Geral fez uma análise errada dos pagamentos.

2)      Quanto aos alegados efeitos «positivos» ou «ambivalentes» dos acordos

136. No que respeita aos alegados efeitos «positivos» ou «ambivalentes» dos acordos controvertidos, a Servier alega, em primeiro lugar, que a nocividade dos acordos ditos «pay for delay» se prende com o atraso da entrada no mercado. Ora, no caso em apreço, não houve nenhum atraso de entrada no mercado após a invalidação da patente 947 pelo IEP.

137. Uma vez que, apesar dos acordos, o processo de contestação da patente 947 no IEP continuou a correr com as sociedades que deduziram oposição à patente e que não celebraram acordos com a Servier que proibiam esta continuação, a desistência das sociedades de genéricos que celebraram tais acordos não podia ter tido por objetivo impedir ou atrasar a contestação da patente.

138. Ora, como o Tribunal Geral corretamente observou, nomeadamente no n.° 644 do acórdão impugnado, esta argumentação baseia‑se em circunstâncias hipotéticas e imprevisíveis à data da celebração dos acordos, que não podem ser tidas em conta no âmbito da análise do objetivo restritivo da concorrência.

139. Além disso, como a Comissão acertadamente observa, a referida argumentação não pode proceder, uma vez que equivale a confundir a nocividade intrínseca de um acordo de exclusão do mercado, contra pagamento, com a possibilidade de tal acordo não produzir efeitos significativos reais na concorrência num momento posterior, devido a circunstâncias independentes da vontade das partes, por exemplo quando a patente é anulada na sequência da ação de um terceiro.

140. Como explicámos nas nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (73), para analisar o objetivo anticoncorrencial de um acordo de resolução amigável de um litígio em matéria de patentes, importa verificar se, pela celebração desse acordo, as partes substituíram os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas. Se assim for, a situação criada pelos acordos não resulta do jogo normal da concorrência, mas de uma concertação através da qual as partes eliminaram os riscos desse jogo. A questão de saber se a situação em termos de patentes teria necessariamente sido diferente na falta do acordo devido a uma evolução posterior da situação em matéria de patentes não é, então, decisiva para apreciar a capacidade do acordo para restringir a concorrência.

141. Para apreciar essa capacidade para restringir a concorrência, não é, com efeito, decisivo saber se os fabricantes de genéricos teriam ou não podido entrar no mercado na falta do acordo devido à evolução da situação em matéria de patentes (por definição desconhecida no momento da celebração do acordo). Em contrapartida, é decisivo saber se a abstenção de entrada dos genéricos no mercado resulta do jogo normal da concorrência ou de uma concertação anticoncorrencial (74).

142. Em segundo lugar, a Servier alega que, nomeadamente, os acordos Teva e Lupin tiveram efeitos pró‑concorrenciais devido a algumas das suas cláusulas. À semelhança do que fez o Tribunal Geral, estas alegações devem ser analisadas tendo em conta as cláusulas específicas dos acordos em causa.

c)      Quanto ao exame do objetivo restritivo da concorrência dos acordos em causa

143. À luz das considerações precedentes, importa agora examinar os argumentos pelos quais a Servier visa demonstrar que o Tribunal Geral cometeu erros ao qualificar os acordos celebrados com a Niche/Unichem e a Matrix (1), a Teva (2) e a Lupin (3) de infrações da concorrência por objetivo.

1)      Quanto aos acordos Niche e Matrix

144. A Servier alega que o Tribunal Geral cometeu erros ao declarar que o pagamento feito pela Servier à Niche e à Matrix se explicava unicamente pelo seu interesse em não concorrerem entre si e que o mesmo era a verdadeira causa dos seus acordos de resolução amigável. Mais especificamente, a Servier sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro ao não considerar que o seu pagamento era a contrapartida de despesas da Niche e da Matrix, como por exemplo indemnizações que estas poderiam ter de vir a pagar a terceiros distribuidores.

145. Como foi indicado no n.° 34, supra, no âmbito do acordo Niche, a Servier pagou 11,8 milhões de GBP à Niche/Unichem. No âmbito do acordo Matrix, pagou 11,8 milhões de GBP à Matrix. Além disso, no âmbito do acordo celebrado no mesmo dia entre a Niche e a Biogaran, esta última pagou 2,5 milhões de GBP à Niche.

146. No que respeita, antes de mais, ao acordo celebrado pela Servier com a Niche, o Tribunal Geral examinou, nos n.os 527 e seguintes do acórdão impugnado, a questão de saber se o pagamento efetuado pela Servier à Niche era justificado por outro motivo que não fosse incentivar a Niche a sujeitar‑se às cláusulas de não comercialização e de não contestação contidas no acordo. Deste modo, o Tribunal Geral analisou a questão de saber se o montante pago pela Servier à Niche podia ser explicado por despesas inerentes à resolução amigável.

147. A este respeito, o Tribunal Geral considerou, por um lado, nos n.os 536 e 537 do acórdão impugnado, que as despesas invocadas a este título pela Niche e pela Servier eram, antes de mais, os custos de desenvolvimento do perindopril da Niche e da indemnização devida aos seus clientes. O Tribunal Geral considerou que estas despesas não eram inerentes à resolução amigável do litígio relativo à patente. Por outro lado, o Tribunal Geral constatou, no n.° 538 do acórdão impugnado, que as despesas de assessoria jurídica invocadas pela Niche e pela Servier não podiam ser inerentes ao acordo de resolução amigável, uma vez que diziam respeito a um período anterior aos litígios que opunham a Niche e a Servier.

148. No n.° 539 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral indicou, a título acessório, que, mesmo que os montantes alegados de 1,1 milhões de GBP a título de assessoria jurídica e os custos de desenvolvimento do produto e de indemnização dos clientes, avaliados, respetivamente, em 1,2 e em 1,3 milhões de GBP pela Comissão no considerando 1336 da decisão recorrida, fossem considerados justificados, o seu montante total de 3,6 milhões de GBP seria ainda claramente inferior ao montante de 11,8 milhões de GBP pago pela Servier à Niche.

149. No que respeita, seguidamente, ao acordo celebrado entre a Niche e a Biogaran, o Tribunal Geral concluiu, nos n.os 542 a 544 do acórdão impugnado que o pagamento efetuado pela Biogaran a favor da Niche tinha constituído um incentivo suplementar para esta aceitar as cláusulas restritivas do acordo Niche.

150. No que respeita, por último, ao acordo Matrix, o Tribunal Geral concluiu, no n.° 546 do acórdão impugnado, que as partes não tinham apresentado nenhum elemento suscetível de justificar o montante de 11,8 milhões de GBP pago pela Servier à Matrix.

151. Antes de mais, há que constatar que, no âmbito do presente recurso, a Servier não invoca nenhum elemento suscetível de demonstrar que a conclusão do Tribunal Geral referida no número anterior relativa ao acordo Matrix é errada. A Servier limita‑se a invocar de forma geral e vaga um risco de indemnização da Matrix. Nestas condições, deve ser julgada improcedente a sua alegação segundo a qual o pagamento efetuado pela Servier em proveito da Matrix foi erradamente qualificado como incentivo para esta última aceitar o compromisso de não concorrência.

152. Em seguida, a Servier também não invoca nenhum elemento suscetível de pôr em causa a conclusão do Tribunal Geral, referida no n.° 149, supra, segundo a qual o pagamento da Biogaran à Niche constituía um incentivo suplementar para esta aceitar o seu compromisso de não concorrência.

153. Por último, no que respeita ao pagamento de 11,8 milhões de GBP efetuado pela Servier em proveito da Niche, nenhum dos elementos avançados pela Servier no âmbito do presente recurso é suscetível de demonstrar que enferma de erros a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual este pagamento só era justificado pelo compromisso de não concorrência por parte da Niche.

154. Assim, a argumentação no sentido de que o Tribunal Geral cometeu um erro ao considerar que as despesas de desenvolvimento do perindopril da Niche e as indemnizações devidas aos terceiros não podiam justificar o pagamento da Servier é inoperante. Como foi indicado no n.° 148, supra, o Tribunal Geral constatou que mesmo que estas despesas (bem como as despesas de assessoria jurídica alegadas) fossem deduzidas do montante de 11,8 milhões de GBP pago pela Servier, subsistiria sempre um montante de 8,2 milhões de GBP que não encontra outra explicação senão o compromisso de não concorrência assumido pela Niche.

155. Neste contexto, deve ser julgado improcedente o argumento da Servier segundo o qual o n.° 537 do acórdão impugnado enferma de fundamentação insuficiente e de desvirtuação dos factos, na medida em que rejeita os montantes superiores de estimativas de indemnizações potenciais alegadas pela Servier. O Tribunal Geral explicou de forma suficiente que não aceitava esses montantes, uma vez que se tratava de meras reclamações. Do mesmo modo, não se vislumbra de que modo o Tribunal Geral desvirtuou a carta a que a Servier se refere, nos termos da qual uma empresa exigia uma indemnização muito superior ao montante considerado pela Comissão, quando a própria Servier reconhece que se tratava apenas de uma reclamação.

156. Por uma questão de exaustividade, observamos que a constatação do Tribunal Geral, exposta nos n.os 280, 531 e 537 do acórdão impugnado, segundo a qual as despesas de desenvolvimento do produto da Niche e de eventuais indemnizações devidas a terceiros não podem ser consideradas inerentes à resolução amigável, pelo que o seu reembolso pela Servier à Niche não pode ser justificado, não se afigura ferida de qualquer erro.

157. Com efeito, como a própria Servier admite, o pagamento de indemnizações a terceiros em razão do não fornecimento do produto da Niche podia ter sido devido mesmo sem uma resolução amigável com a Servier. Ora, não se afigura plausível que a Servier tivesse aceitado pagar estas despesas à Niche se esta tivesse decidido, de forma autónoma e sem ser incentivada pela Servier, não comercializar este produto porque estava convencida da força das patentes da Servier.

158. É certo que, como indica a Servier, uma sociedade de genéricos que decide, após uma avaliação autónoma do risco em matéria de patentes com o qual se depara, pôr termo de forma amigável a um litígio em curso relativo a uma patente, pode pretender precaver‑se contra as consequências financeiras dessa resolução amigável. Todavia, em tal situação, não existe nenhuma razão económica razoável que leve o fabricante de medicamentos originais a indemnizar a referida sociedade por essas consequências resultantes da sua própria escolha, a não ser fornecer‑lhe um incentivo para celebrar a resolução amigável que não tem outra contrapartida senão o compromisso de não fazer concorrência.

159. Com efeito, importa distinguir a causa que deu origem à obrigação da Niche de indemnizar terceiros da causa do reembolso destas despesas da Niche pela Servier. É decerto verdade que a obrigação da Niche de indemnizar terceiros pelo não fornecimento poderia surgir se a Niche decidisse de forma autónoma não os fornecer e ter, portanto, outra justificação diferente da vontade da Niche e da Servier em não concorrerem entre si. Todavia, o facto de ser a Servier que reembolsa estas despesas à Niche não pode ter outra «justificação» senão o compromisso de não concorrência, uma vez que estas despesas não são inerentes à resolução amigável e não correspondem a nenhuma outra contrapartida oferecida pela Niche à Servier. O mesmo raciocínio é válido para as despesas de desenvolvimento do produto da Niche.

160. Por conseguinte, estas despesas de desenvolvimento do produto e de indemnização de terceiros em caso de não fornecimento não fazem parte, a priori, das despesas cujo reembolso pelo fabricante de medicamentos originais pode ser considerado justificado no âmbito de uma resolução amigável como a que está em causa (75).

161. Por último, o argumento da Servier segundo o qual o Tribunal Geral deveria ter avaliado se o montante pago correspondia a mais de 10 anos de vendas e mais de 20 anos de margem de lucro bruta deve ser julgado improcedente pela razão já indicada no n.° 129, supra. Do mesmo modo, o argumento segundo o qual a Niche aceitou o pagamento devido às dificuldades com que se deparava não pode proceder. Não é pelo facto de a celebração de um acordo ser uma solução racional e rentável em termos económicos e comerciais para as partes que esse acordo escapa à aplicação do artigo 101.° TFUE (76).

162. Daqui resulta que a argumentação da Servier relativa aos acordos Niche e Matrix deve ser julgada improcedente.

2)      Quanto ao acordo Teva

163. Como se indicou nos n.os 36 a 38, supra, nos termos do acordo Teva, a Teva não devia contestar as patentes da Servier nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido nem vender o seu próprio perindopril neste país, em troca de um pagamento de 5 milhões de GBP por parte da Servier. Numa data posterior, a Servier podia optar por fornecer o perindopril genérico à Teva para que esta o distribuísse, ou pagar‑lhe, em caso de não fornecimento, uma indemnização fixa. A Teva não tinha a faculdade de resolver o acordo em caso de não fornecimento. Subsequentemente, a Servier exerceu esta possibilidade de não fornecimento e pagou à Teva, durante um certo período, uma indemnização fixa mensal de 500 000 GBP cujo montante final ascendia a 5,5 milhões de GBP. No total, a Servier pagou, portanto, 10,5 milhões de GBP à Teva no âmbito do acordo Teva.

164. Nos n.os 646 a 698 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral considerou que os argumentos da Servier destinados a contestar o caráter restritivo da concorrência do acordo Teva não podiam ser acolhidos.

165. A Servier alega agora que o Tribunal Geral ignorou os objetivos e os efeitos ambivalentes deste acordo (i) e concluiu erradamente que os pagamentos efetuados pela Servier em proveito da Teva constituíam pagamentos compensatórios (ii).

i)      Quanto aos objetivos e aos alegados efeitos «ambivalentes» do acordo Teva

166. A Servier alega que o Tribunal Geral ignorou o objetivo essencial do acordo Teva, que era a celebração de um acordo de fornecimento que permitia à Teva entrar no mercado com a primeira vaga de genéricos e com um produto comercialmente mais atrativo, e à Servier beneficiar de um distribuidor de primeiro plano no Reino Unido. Nestas condições, as cláusulas da resolução amigável não podiam ser consideradas nocivas para a concorrência.

167. Como acertadamente alega a Comissão, a Servier tenta com a sua argumentação «isolar» as diferentes cláusulas do acordo Teva para as apresentar, separadamente, como neutras do ponto de vista da concorrência. No entanto, a Servier não apresenta nenhum elemento suscetível de pôr em causa as constatações pelas quais o Tribunal Geral demonstrou que, considerado no seu todo, este acordo tinha efetivamente por objetivo obter um compromisso de não concorrência da Teva em proveito da Servier, contra pagamento, quando o possível fornecimento de perindopril pela Servier à Teva não só era hipotético como era também insuscetível de dar origem a efeitos pró‑concorrenciais.

168. Há que concluir que os elementos apresentados pela Servier no âmbito do presente processo de recurso, na medida em que possam ser entendidos no sentido de que visam criticar a qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal Geral e não só obter uma nova apreciação destes factos, não permitem demonstrar que estas constatações do Tribunal Geral estão erradas.

–       Quanto aos alegados efeitos «ambivalentes» ou «próconcorrenciais»

169. Nos n.os 667 a 671 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral constatou que os alegados efeitos potenciais do acordo Teva não podiam ser qualificados de não restritivos de concorrência, ou mesmo de pró‑concorrenciais. A Servier tinha alegado a este respeito que a futura decisão do IEP quanto à validade da patente 947 era, por natureza, desconhecida das partes. O acordo Teva teve efeitos pró‑concorrenciais ao permitir uma entrada no mercado da Teva independentemente do sentido dessa decisão. Ora, o Tribunal Geral considerou que, qualquer que fosse o sentido da decisão posterior do IEP, imprevisível à data do acordo, nenhuma das opções previstas pelo acordo Teva era suscetível de levar a uma situação que pudesse ser qualificada de «pró‑concorrencial». Com efeito, este acordo impedia sempre a Teva de entrar no mercado com o seu produto ou com o produto de um terceiro, e uma entrada da Teva com o produto fornecido pela Servier não criava uma situação de concorrência entre a Teva e a Servier.

170. Contrariamente ao que sustenta a Servier, esta apreciação do Tribunal Geral não enferma de erros. O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que uma entrada controlada de uma sociedade de genéricos no mercado com uma quantidade limitada de produtos, resultante de uma concertação com o fabricante de medicamentos originais organizada no âmbito de um acordo que impede a entrada independente dessa sociedade no mercado, não pode ser considerada pró‑concorrencial (77). Contrariamente ao que alega a Servier, se, em tal situação, as quantidades de produtos a fornecer pelo fabricante de medicamentos originais à sociedade de genéricos fossem limitadas (como no caso em apreço (78)), esta sociedade não teria nenhum interesse em praticar uma concorrência pelos preços (79).

171. Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que as partes num acordo, como o do caso em apreço, não podem invocar eventuais evoluções futuras em termos de direito das patentes, desconhecidas no momento da celebração do acordo, das quais dependeria a sua nocividade em termos de direito da concorrência (80). Como se indicou nos n.os 139 a 141, supra, importa verificar se, com a celebração deste acordo, as partes substituíram os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas, ao passo que a questão de saber se a situação em termos de patentes teria necessariamente sido diferente na falta do acordo não é decisiva (81).

–       Quanto à alegada falta de nocividade das cláusulas do acordo Teva

172. No que respeita à cláusula de não contestação, cuja nocividade é contestada pela Servier, o Tribunal Geral observou, nos n.os 646 a 653 do acórdão impugnado, que o facto de esta cláusula não impedir a prossecução pela Teva do processo no IEP não lhe retirava o seu caráter restritivo. Ora, esta constatação é correta, uma vez que a referida cláusula impedia a Teva de alegar nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido que o seu produto não era contrafeito e a impedia de invocar nesses órgãos jurisdicionais, a título incidental, a invalidade das patentes da Servier. Além disso, pela razão indicada no número anterior, eventuais evoluções futuras em termos de patentes, como as que, no caso em apreço, podem resultar da prossecução do processo no IEP, não são determinantes para a análise de um acordo que tem por objetivo restringir a concorrência.

173. No que respeita às cláusulas de compra exclusiva e de não comercialização, cuja nocividade é igualmente posta em causa pela Servier, o Tribunal Geral pôde concluir, sem cometer erros, nos n.os 654 a 666 do acórdão impugnado, que estas cláusulas tinham sido corretamente analisadas pela Comissão como uma única obrigação de não concorrência. Em conformidade com as referidas cláusulas, a Servier podia livremente optar por fornecer o perindopril à Teva ou por lhe pagar uma indemnização fixa em caso de não fornecimento. Devido à obrigação de compra exclusiva, a Teva não podia abastecer‑se junto de outros fornecedores, mesmo em caso de não fornecimento pela Servier.

174. Como a Comissão acertadamente indica, a consequência destas disposições era que a Servier tinha «a chave para abrir à Teva a porta de entrada no mercado». Ora, era evidente que a Servier não tinha qualquer intenção de o fazer e que só forneceria o seu produto à Teva para distribuição se um terceiro conseguisse abrir esta porta entrando no mercado. Neste caso, a Servier queria garantir as suas quotas de mercado através da distribuição do seu próprio produto genérico pela sociedade de genéricos «amiga» Teva (82).

175. Contrariamente às alegações da Servier, o Tribunal Geral não cometeu erros ao declarar, no n.° 666 do acórdão impugnado, que o facto de o acordo Teva se limitar ao perindopril erbumina não retirava a este acordo o seu caráter anticoncorrencial. O Tribunal Geral considerou acertadamente que, mesmo que a Teva tivesse podido entrar no mercado com um perindopril composto por um sal distinto da erbumina durante o período abrangido pelo acordo, não deixa de ser verdade que este acordo a impedia de concorrer com a Servier com o perindopril erbumina e restringia a concorrência a este respeito. Ora, o produto que a Teva tencionava comercializar no momento da celebração do referido acordo era precisamente o perindopril erbumina, só tendo desenvolvido outro sal mais tarde.

ii)    Quanto aos pagamentos

176. No que respeita aos pagamentos efetuados no âmbito do acordo Teva, a Servier alega, por um lado, que o Tribunal Geral cometeu um erro na qualificação da indemnização fixa que pagou à Teva.

177. Nos n.os 684 a 686 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral constatou que a indemnização fixa paga pela Servier à Teva por não fornecimento, cujo montante final ascende a 5,5 milhões de GBP, representava um pagamento efetuado à Teva em troca do seu compromisso de não concorrer com a Servier. Este pagamento era a contrapartida da não entrada da Teva no mercado conforme prevista pelas cláusulas de compra exclusiva e de não resolução.

178. Ora, a Servier não apresenta nenhum elemento suscetível de invalidar estas considerações, uma vez que não alega nenhuma outra contrapartida que tenha recebido da Teva em troca desse pagamento. Nestas condições, o Tribunal Geral considerou corretamente que este pagamento se explicava unicamente pelo interesse comercial das partes no acordo em não concorrerem pelos seus méritos. O facto de esse pagamento ter revestido a forma de uma indemnização por não fornecimento, unicamente devida em caso de não fornecimento é, a este respeito, indiferente.

179. Por outro lado, a Servier alega que o Tribunal Geral qualificou erradamente de pagamento compensatório o pagamento inicial de 5 milhões de GBP pago pela Servier à Teva. O objetivo deste pagamento era contribuir para as despesas associadas à resolução pela Teva dos seus acordos com um fornecedor de IFA e com um fornecedor de formulações acabadas, para as despesas de destruição das existências do produto da Teva e das custas judiciais. Além disso, para a Servier, o montante era justificado pelo facto de evitar um litígio e de garantir o acordo de fornecimento com a Teva.

180. Esta argumentação é inoperante.

181. Com efeito, não é necessário determinar se um pagamento por parte do fabricante de medicamentos originais a favor da sociedade de genéricos, que corresponde às despesas de destruição do seu produto e à indemnização de terceiros por esta, pode ser considerado justificado no âmbito de um acordo como o que está em causa. Pelas razões já expostas nos n.os 156 a 160, supra, isso já é, em si, duvidoso. Como a Comissão indicou acertadamente no considerando 1599 da decisão controvertida, referido nos n.os 680 e 689 do acórdão impugnado, estas despesas não correspondem a nenhum valor comercial que a Servier tenha recebido da Teva.

182. Todavia, no caso em apreço, o Tribunal Geral observou, nos n.os 687 a 698 do acórdão impugnado, que a Teva não tinha, em qualquer caso, comunicado nenhum valor relativo aos custos alegadamente compensados pelo montante inicial de 5 milhões de GBP pago pela Servier à Teva. Assim, o Tribunal Geral considerou que, mesmo que se devesse ter em conta uma avaliação pela Comissão das despesas suscetíveis, segundo a Teva, de ser abrangidas pelos custos que deviam ser compensados pela Servier a título da resolução amigável, incluindo o valor das existências a destruir, estas representavam no total menos de 40 % do montante inicial.

183. Ora, a Servier não apresentou, nem no Tribunal Geral nem no Tribunal de Justiça, nenhum elemento suscetível de pôr em causa estas constatações ou de justificar melhor o montante inicial pago à Teva.

184. Resulta das considerações precedentes que as alegações pelas quais a Servier critica a qualificação do acordo Teva como restrição de concorrência por objetivo devem ser julgadas improcedentes.

3)      Quanto ao acordo Lupin

185. Segundo a Servier, o Tribunal Geral cometeu igualmente erros ao qualificar o acordo Lupin de restrição da concorrência por objetivo. Por um lado, o Tribunal Geral concluiu erradamente que o pagamento efetuado pela Servier em proveito da Lupin não se podia explicar senão pela vontade das partes em não concorrer (i). Por outro lado, o Tribunal Geral declarou erradamente que as cláusulas do acordo Lupin eram nocivas e interpretou mal o âmbito de aplicação do referido acordo (ii).

i)      Quanto ao pagamento

186. Resulta das constatações não questionadas do acórdão impugnado e da decisão controvertida que a Servier e a Lupin celebraram no mesmo dia, sob a forma de um acordo único, dois acordos. O primeiro era um acordo de resolução amigável que incluía cláusulas de não comercialização de perindopril genérico e de não contestação de patentes da Servier pela Lupin; o segundo era um acordo de cessão de tecnologia através do qual a Servier adquiriu à Lupin três pedidos de patentes apresentados por esta última. No âmbito deste último acordo, a Servier pagou à Lupin 40 milhões de euros (83).

187. Nos n.os 805 a 828 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral procedeu a uma análise detalhada e minuciosa do possível valor económico desses pedidos de patentes à luz de todos os argumentos das partes a este respeito. Após essa análise, chegou à conclusão de que não era possível identificar qualquer valor económico dos referidos pedidos.

188. Assim, o Tribunal Geral constatou, nomeadamente, que a Lupin não tinha cedido patentes mas simples pedidos de patentes e não tinha dado nenhuma garantia de que seria concedida uma patente, de que a mesma seria válida ou de que os produtos ou os processos reivindicados não seriam contrafeitos (n.os 805 e 818); de que o montante pago era superior aos investimentos realizados por outra sociedade de genéricos comparável para desenvolver o seu próprio perindopril (n.° 817); de que a Servier não tinha apresentado nenhum elemento preciso que permitisse demonstrar que a aquisição dos pedidos de patentes da Lupin pelo montante de 40 milhões de euros podia razoavelmente ser considerada um investimento rentável ou, pelo menos, que lhe pudesse proporcionar rendimentos suscetíveis de compensar o seu custo elevado (n.° 820); de que a referência pela Servier a outras transações que seriam comparáveis ao acordo de cessão celebrado com a Lupin não era pertinente, nomeadamente porque a própria Servier tinha sido parte nestas transações algumas das quais, além disso, tinham sido qualificadas de infrações ao direito da concorrência pela Comissão (n.° 821), e de que o parecer de um consultor em matéria de propriedade intelectual apresentado pela Servier estava formulado em termos demasiado gerais e tinha apenas um valor probatório limitado (n.° 822).

189. O Tribunal Geral concluiu por conseguinte, em substância, no n.° 827 do acórdão impugnado, que a única contrapartida que podia explicar a transferência de valor de 40 milhões de euros efetuada pela Servier em proveito da Lupin nos termos do acordo de cessão era o compromisso de não concorrência assumido pela Lupin nos termos do acordo de resolução amigável celebrado no mesmo dia.

190. No âmbito do presente recurso, a Servier não apresenta nenhum elemento suscetível de demonstrar que esta conclusão enferma de erros.

191. Por um lado, a Servier alega que o Tribunal Geral não podia qualificar o pagamento de 40 milhões de euros de pagamento compensatório, uma vez que a Servier demonstrou o seu interesse pelos pedidos de patentes e apresentou exemplos de transações celebradas em termos semelhantes e o parecer de um perito.

192. Ora, com estes argumentos, a Servier limita‑se a repetir a sua argumentação já apresentada em primeira instância sem sustentar em que consistem os erros alegadamente cometidos pelo Tribunal Geral, o que é inadmissível em sede de recurso de decisões do Tribunal Geral. Em qualquer caso, o Tribunal Geral podia considerar, sem cometer erros, nos n.os 821 a 823 do acórdão impugnado, que estes elementos apresentados pela Servier não permitiam demonstrar de forma objetiva qualquer valor económico dos pedidos de patentes comprados pela Servier à Lupin pelo montante de 40 milhões de euros.

193. Por outro lado, a crítica da Servier quanto à afirmação do Tribunal Geral exposta no n.° 816 do acórdão impugnado, segundo a qual este montante excedia os lucros que a Lupin podia esperar da sua entrada independente no mercado durante os dois a três primeiros anos de comercialização, é inoperante. Com efeito, o Tribunal Geral não se baseou nessa constatação para demonstrar a falta de prova do valor económico dos pedidos de patentes transferidos, mas em todos os elementos indicados no n.° 188, supra. A comparação com os lucros esperados da Lupin era apenas um elemento suplementar que corroborava o caráter elevado do pagamento efetuado pela Servier a seu favor.

194. Daqui resulta que o Tribunal Geral concluiu com razão, nomeadamente no n.° 827 do acórdão impugnado, que o pagamento efetuado pela Servier em proveito da Lupin constituía um incentivo à não concorrência, uma vez que resultava dos elementos examinados que este pagamento não podia ser explicado pelo valor económico dos pedidos de patentes transferidos pela Lupin para a Servier.

195. O facto de o Tribunal Geral ter, neste contexto, utilizado os conceitos de transação concluída (ou não) em condições normais de mercado e de pagamento incentivador, em vez da terminologia utilizada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Generics (UK) e o. («saldo líquido» das respetivas transferências de valores) em nada altera o facto de, em substância, o Tribunal Geral ter efetivamente aplicado o mesmo critério preconizado pelo Tribunal de Justiça no referido acórdão. Este critério consiste em determinar se a transferência de valor da Servier em proveito da Lupin se explicava por outro motivo que não fosse o interesse dessas partes em não fazerem concorrência (84). Por conseguinte, tentar procurar diferenças, quanto à substância do referido critério, entre o Acórdão Generics (UK) e o. e o acórdão impugnado, com base nestas ligeiras diferenças de terminologia, assemelha‑se a um formalismo excessivo e a um jogo de palavras.

196. No caso em apreço, resulta do n.° 806 do acórdão impugnado que o conceito de «transação concluída em condições normais de mercado» permitiu ao Tribunal Geral determinar, através do exame dos elementos resumidos no n.° 188, supra, se a transferência de valor efetuada pela Servier em proveito da Lupin correspondia a um qualquer valor económico dos pedidos de patentes transferidos. Isto não significa que a Comissão seja sempre obrigada a recorrer a este conceito quando determina se uma transferência de valor tem outra contrapartida, diferente de um compromisso de não concorrência.

197. É certo que, como já foi indicado no n.° 134, supra, nos seus Acórdãos Generics (UK) e o. e Lundbeck/Comissão, o Tribunal de Justiça indicou que, para apreciar as transferências de valores efetuadas nos termos de um acordo de resolução amigável, importa tomar em consideração todas as transferências de valores efetuadas entre as partes, tenham estas sido monetárias ou não. Segundo o Tribunal de Justiça, nessa apreciação, há que determinar se o saldo das transferências de valores do fabricante de medicamentos originais em proveito da sociedade de genéricos se pode justificar pela existência de eventuais contrapartidas por parte desta sociedade (85).

198. Todavia, no caso em apreço, não se pode censurar o Tribunal Geral por não ter quantificado numericamente o saldo positivo líquido da transferência de valor efetuada pela Servier em proveito da Lupin, uma vez deduzido o suposto valor dos pedidos de patentes transmitidos pela Lupin para a Servier em contrapartida dessa transferência.

199. Com efeito, decorre dos elementos tomados em conta pelo Tribunal Geral resumidos no n.° 188, supra, e não contestados pela Servier, que o Tribunal Geral constatou que a Servier não demonstrou que os pedidos de patentes comprados à Lupin tinham um qualquer valor económico que pudesse ter sido deduzido dos 40 milhões de euros transferidos pela Servier para a Lupin a este título.

200. Todavia, mesmo admitindo que se deva partir do princípio de que tais pedidos de patentes têm necessariamente um valor económico que deve ser deduzido da quantia paga pela Servier à Lupin, quanto mais não seja o valor correspondente aos investimentos realizados pela Lupin para desenvolver a tecnologia coberta pelas mesmas, há que recordar que o Tribunal Geral considerou, no n.° 817 do acórdão impugnado, que o montante de 40 milhões de euros transferido para a Lupin era superior aos investimentos realizados por outra sociedade de genéricos comparável para desenvolver o seu próprio perindopril.

201. A este respeito, o Tribunal Geral cita o considerando 1962 da decisão controvertida, que se refere ao custo do desenvolvimento do perindopril da Krka, que ascendia aproximadamente a entre 1 e 4 milhões de euros. Por conseguinte, mesmo admitindo que se deva deduzir este montante do montante transferido pela Servier para a Lupin, o que corresponde, em substância, ao raciocínio do Tribunal Geral no n.° 817 do acórdão impugnado, o saldo líquido desta transferência ascendia ainda a, pelo menos, 36 milhões de euros que não encontram outra explicação senão a compra pela Servier da ameaça concorrencial que a Lupin representava.

202. Esta conclusão não pode ser infirmada pelo facto de os n.os 59 a 61 do acórdão impugnado se referirem a acordos de aquisição de tecnologias que respeitavam, nomeadamente, à aquisição pela Servier de um pedido de patente e do correspondente conhecimento especializado por um montante de 13 milhões de euros. Com efeito, na falta de quaisquer indicações sobre o valor dos pedidos de patentes a que o acordo Lupin respeitava, não se pode considerar que os mesmos tivessem também necessariamente um valor desta ordem de grandeza. Do mesmo modo, o montante de 50 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) evocado no n.° 61 do acórdão impugnado apenas diz respeito a um protocolo de acordo de aquisição de tecnologia que acabou por nunca ser celebrado, pelo que não pode servir de maneira geral de indicação para avaliar o valor dos pedidos de patentes. Tendo em conta os elementos resumidos no n.° 188, supra, e os princípios que regem o ónus da prova (86), o Tribunal Geral pôde, assim, considerar, sem cometer erros a este respeito, que não estava demonstrado que o saldo líquido do montante transferido pela Servier para a Lupin, mesmo subtraindo o suposto valor do custo do desenvolvimento da tecnologia abrangida pelas patentes da Lupin, era justificado por outras contrapartidas por parte da Lupin da que consistia no seu compromisso de não fazer concorrência.

203. Daqui resulta que a alegação relativa ao caráter errado da apreciação do pagamento no âmbito do acordo Lupin deve ser julgada improcedente.

ii)    Quanto às cláusulas do acordo Lupin

204. Em primeiro lugar, a Servier alega que o Tribunal Geral não podia qualificar de anticoncorrencial a cláusula do acordo Lupin que prevê a não contestação das patentes da Servier pela Lupin, uma vez que esta cláusula não impedia a prossecução da contestação da patente 947 no IEP por outros oponentes. Ora, esta argumentação deve ser julgada improcedente, mutatis mutandis, pelas mesmas razões já expostas nos n.os 171 e 172, supra.

205. Em segundo lugar, a Servier alega que o Tribunal Geral também não podia considerar que a cláusula de não comercialização dos produtos da Lupin era anticoncorrencial, uma vez que, como o próprio Tribunal Geral reconheceu, autorizava, sob certas condições, a entrada antecipada da Lupin no mercado.

206. Com esta argumentação, a Servier tenta pôr em causa a apreciação dos factos pelo Tribunal Geral, nomeadamente no que diz respeito à interpretação por ele feita das cláusulas do acordo Lupin (87). Todavia, mesmo admitindo que a argumentação em causa pudesse ser entendida no sentido de que visa a qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal Geral, a mesma estaria condenada ao insucesso.

207. Com as suas alegações, a Servier parece querer demonstrar que o Tribunal Geral cometeu um erro ao não reconhecer que os efeitos pró‑concorrenciais comprovados das cláusulas do acordo Lupin, que ele próprio constatou, punham em causa a qualificação do referido acordo como restritivo da concorrência pelo seu objetivo.

208. Ora, nos n.os 830 a 857 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral considerou, após uma análise minuciosa das cláusulas do acordo Lupin, que, mesmo admitindo que o referido acordo pudesse ser interpretado no sentido de que permite uma entrada no mercado da Lupin, com os seus próprios produtos, antecipada em relação à duração previsível da validade da patente 947, a natureza hipotética dos acontecimentos que podiam permitir tal entrada antecipada impedia que se concluísse pela neutralização do efeito restritivo da cláusula de não comercialização (n.os 849 a 851 e 856). A entrada antecipada da Lupin (admitindo que era permitida pelo acordo em certas circunstâncias) dependia, em qualquer caso, da introdução no mercado por um terceiro de um produto genérico, ou seja, de uma circunstância simultaneamente externa às partes no contrato e aleatória (n.° 857). A Servier não põe em causa os elementos factuais em que o Tribunal Geral baseou estas constatações, que não revelam qualquer desvirtuação.

209. O argumento da Servier relativo a uma alegada desvirtuação da troca de correspondência entre a Servier e a Lupin a respeito da entrada da Sandoz no mercado (n.os 852 a 854 do acórdão impugnado) deve ser julgado improcedente. Resulta da leitura do excerto desta troca de correspondência que figura no n.° 853 do acórdão impugnado que o Tribunal Geral não desvirtuou de forma alguma este documento ao constatar que o mesmo revelava as incertezas da Lupin quanto à sua possibilidade de entrar antecipadamente no mercado francês sem violar o acordo. Além disso, resulta do resumo que figura no número anterior que esta alegação é inoperante. O Tribunal Geral concluiu que, mesmo admitindo que as cláusulas do acordo permitissem uma entrada antecipada, as circunstâncias que tornavam possível essa entrada eram hipotéticas e independentes da vontade das partes.

210. Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral não cometeu erros ao concluir que a cláusula de não comercialização não era suscetível de pôr em causa a qualificação do acordo Lupin como restritivo da concorrência por objetivo. Como se indicou no n.° 126, supra, só a presença de efeitos pró‑concorrenciais comprovados que possam suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência de um acordo é suscetível de pôr em causa tal qualificação. Ora, o Tribunal Geral constatou no n.° 857 do acórdão impugnado, à luz dos elementos resumidos no n.° 208, supra, que uma entrada antecipada da Lupin no mercado (admitindo que era permitida pelas cláusulas do acordo) não resultava de uma escolha clara das partes mas de circunstâncias hipotéticas e aleatórias. Por conseguinte, o Tribunal Geral concluiu acertadamente que as partes não podiam invocá‑la para demonstrar a inexistência de caráter restritivo da concorrência do acordo.

211. O argumento da Servier segundo o qual o Tribunal Geral devia ter analisado a probabilidade de ocorrência dos diferentes cenários não é suscetível de invalidar esta conclusão. Como já foi indicado nos n.os 139 a 141 e 171, supra, no âmbito da apreciação da natureza restritiva da concorrência de um acordo como o acordo Lupin, a Comissão não tem de analisar os cenários futuros prováveis em termos de direito das patentes.

212. Em terceiro lugar, a Servier também não pode invocar o alegado caráter pró‑concorrencial do seu compromisso de fornecer produtos à Lupin, nem a alegada natureza pró‑concorrencial das licenças alegadamente concedidas a título gratuito à Lupin sobre as suas outras patentes, para arguir alegados erros do Tribunal Geral na qualificação das cláusulas do acordo Lupin. No âmbito do presente processo de recurso, a Servier limita‑se a contestar as conclusões do Tribunal Geral a este respeito, expostas nos n.os 858 a 863 do acórdão impugnado, sem apresentar elementos suscetíveis de infirmar o seu mérito. Nestas condições, a Servier não põe validamente em causa a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual quer a possibilidade de fornecimento quer a possibilidade de dispor de licenças sobre outras patentes (admitindo que era prevista pelas cláusulas do acordo) dependiam tanto da existência de condições futuras hipotéticas como da entrada antecipada no mercado referida no n.° 208, supra.

213. Finalmente, em quarto e último lugar, também não pode proceder o argumento da Servier segundo o qual o Tribunal Geral cometeu um erro na apreciação do âmbito de aplicação do acordo Lupin. Com efeito, não é determinante saber se o Tribunal Geral concluiu acertadamente, nos n.os 870 a 877 do acórdão impugnado, que o âmbito de aplicação do acordo Lupin excedia o âmbito da patente 947, o que a Servier contesta. Como o Tribunal Geral constatou, em substância, no n.° 878 do acórdão impugnado, mesmo admitindo que o âmbito de aplicação do referido acordo não excedia o da referida patente, isso não teria retirado ao acordo o seu caráter anticoncorrencial. Com efeito, embora seja verdade que a celebração, pelo titular de uma patente com um alegado contrafator, de um acordo de resolução amigável que não ultrapasse o âmbito e o prazo de validade remanescente da patente constitui a expressão do direito de propriedade intelectual desse titular e autoriza‑o, nomeadamente, a opor‑se a qualquer contrafação, não é menos verdade que a referida patente não autoriza o seu titular a celebrar contratos que violem o artigo 101.° TFUE (88).

214. Daqui resulta que nenhum dos argumentos da Servier que contestam a qualificação do acordo Lupin como restrição de concorrência por objetivo pode ser acolhido.

d)      Conclusão

215. Resulta das considerações precedentes que a argumentação da Servier que contesta a qualificação dos acordos controvertidos de restrições da concorrência por objetivo deve ser integralmente julgada improcedente.

4.      Quanto à data da cessação da infração constituída pelo acordo Lupin (terceira parte do quinto fundamento)

216. A Servier alega que o Tribunal Geral cometeu erros quando determinou a data de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin em certos Estados‑Membros.

217. No considerando 3136 da decisão controvertida, a Comissão explicou que, no caso em apreço, a cessação das infrações era determinada pela data a partir da qual as sociedades de genéricos que eram partes nos acordos controvertidos estavam em condições de adotar um comportamento concorrencial nos diferentes mercados em causa.

218. Resulta do considerando 2127 e do quadro reproduzido no considerando 3134 da decisão controvertida que a Comissão constatou que a infração constituída pelo acordo Lupin para os mercados da União estava demonstrada para o período compreendido entre a celebração do referido acordo em 30 de janeiro de 2007 (89) e 6 de maio de 2009, data da anulação da patente 947 pelo IEP. Todavia, a Comissão considerou que a infração tinha cessado mais cedo em certos países, nomeadamente, na parte relevante para a argumentação da Servier no âmbito do presente fundamento (90), em França, em 16 de setembro de 2008, data da entrada da Sandoz no mercado (91).

219. Ora, como resulta do considerando 410 da decisão controvertida, a Sandoz entrou igualmente no mercado de outros Estados‑Membros antes de 6 de maio de 2009, a saber, na parte relevante para a argumentação da Servier no âmbito do presente fundamento (92), na Irlanda em junho de 2008, na Bélgica em julho de 2008, na Hungria em dezembro de 2008, e na República Checa em janeiro de 2009.

220. Por conseguinte, conforme resulta do n.° 891 do acórdão impugnado, a Servier alegou no Tribunal Geral que a Comissão devia ter concluído que a infração constituída pelo acordo Lupin tinha igualmente cessado na Irlanda, na Bélgica, na Hungria e na República Checa no momento em que a Sandoz entrou nos mercados destes Estados‑Membros. Todavia, esta argumentação foi julgada improcedente pelo Tribunal Geral.

221. No caso em apreço, a Servier alega que, ao decidir nesse sentido, o Tribunal Geral cometeu erros. Substituiu o raciocínio da Comissão pela sua própria fundamentação, de resto contraditória, sem explicar as razões pelas quais essa instituição tinha motivos para aceitar a data de entrada da Sandoz no mercado como cessação da infração em França, mas não na Irlanda, na Bélgica, na Hungria nem na República Checa.

222. O Tribunal Geral considerou, nos n.os 892 e seguintes do acórdão impugnado, que importava determinar se a Comissão tinha concluído erradamente que a infração tinha continuado para além das datas de entrada da Sandoz nos Estados‑Membros em causa. A este respeito, constatou que o genérico da Sandoz não incluía nenhum dos cristais alfa protegidos pela patente 947. Prosseguiu, declarando que poderia resultar de uma leitura conjugada dos artigos 1.6 e 4.1, alínea c), do acordo Lupin (93) que este permitia uma entrada da Lupin no mercado com os seus próprios produtos quando um produto genérico tivesse entrado no mercado sem ser confrontado com um pedido de injunção por parte da Servier.

223. Todavia, o Tribunal Geral considerou que existia uma incerteza quanto à questão de saber se esta interpretação do acordo era correta e se a cláusula de não comercialização que nele figurava permitia à Lupin entrar no mercado em caso de entrada no mercado de um produto como o da Sandoz. O Tribunal Geral concluiu, por conseguinte, que, devido a esta incerteza, a Lupin podia recear que a cláusula de não comercialização continuaria a impedir‑lhe a entrada no mercado em tal caso, tanto mais que a Servier podia sempre apresentar um pedido de injunção, mesmo contra um produto não contrafeito.

224. Segundo o Tribunal Geral, estas incertezas da Lupin quanto à sua possibilidade de entrar no mercado na sequência da entrada da Sandoz eram comprovadas, no que respeita ao mercado francês, por uma troca de correspondência entre a Lupin e a Servier mencionada no n.° 853 do acórdão impugnado (94). Resultava dessa troca de correspondência que a aplicação que a Lupin continuava a fazer da cláusula de não comercialização no mercado francês só parece ter cessado, quando muito, a partir do início de abril de 2009.

225. O Tribunal Geral retirou daí a conclusão de que, a fortiori, a Servier não tinha apresentado nenhum elemento que permitisse demonstrar que, antes de 6 de maio de 2009, a Servier e a Lupin consideravam que a cláusula de não comercialização já não estava em vigor nos quatro outros mercados em que a Sandoz tinha entrado. Segundo o Tribunal Geral, a circunstância de esta cláusula ter permanecido em vigor devido às incertezas ligadas à ambiguidade do acordo bastava para permitir à Comissão constatar que o acordo de vontades entre a Servier e a Lupin e, assim, a infração, continuavam apesar das entradas da Sandoz nestes quatro mercados.

226. Ora, como alega acertadamente a Servier, não figura na decisão o fundamento segundo o qual foram a ambiguidade e as incertezas quanto à aplicação do acordo na sequência da entrada da Sandoz nos mercados em causa que permitiram considerar que a infração tinha continuado a verificar‑se nos referidos mercados após a entrada em causa. Assim, o Tribunal Geral substituiu efetivamente a fundamentação da Comissão pela sua própria fundamentação, o que constitui um erro de direito (95).

227. Acresce que, como a Servier também indica, com razão, este fundamento, que o Tribunal Geral baseou, nomeadamente, numa troca de correspondência entre a Servier e a Lupin relativa ao mercado francês (v. n.° 224, supra), contradiz a afirmação exposta no considerando 2127 da decisão controvertida segundo a qual a infração constituída pelo acordo Lupin cessou no mercado francês na sequência da entrada da Sandoz neste mercado (96).

228. Daqui resulta que não só o Tribunal Geral substituiu a fundamentação da decisão controvertida pela sua própria fundamentação como, além disso, esta fundamentação é contraditória e não permite compreender as razões pelas quais a Comissão aceitou, nessa decisão, a data da entrada no mercado da Sandoz como data da cessação da infração em França, mas não na Irlanda, na Bélgica, na Hungria nem na República Checa. É, portanto, impossível verificar o mérito das considerações quanto a este aspeto, o que fere o acórdão impugnado de falta de fundamentação adicional (97).

229. Por conseguinte, a terceira parte do quinto fundamento é procedente e implica, em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, primeiro período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a anulação parcial do acórdão impugnado por falta de fundamentação na medida em que julgou improcedente o pedido da Servier de anulação da decisão controvertida na parte em que considera o dia 6 de maio de 2009 como data de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin quanto à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa.

230. Nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, desse estatuto, o Tribunal de Justiça pode, em tais circunstâncias, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado. Ora, é o que sucede no caso em apreço, uma vez que resulta da análise da decisão controvertida que esta enferma igualmente de falta de fundamentação quanto à questão de saber a razão pela qual a Comissão considerou a data de entrada no mercado da Sandoz como data de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin em França, mas não nos outros quatro países em que a Sandoz entrou no mercado antes de 6 de maio de 2009.

231. Por outro lado, nem a decisão controvertida nem as explicações fornecidas pela Comissão nos seus articulados e na audiência no presente processo de recurso permitem esclarecer este aspeto.

232. A Comissão remete para o considerando 1039 da decisão controvertida, segundo o qual o artigo 4.1, alínea c), do acordo Lupin devia ser interpretado no sentido de que a Lupin estava autorizada a comercializar o seu próprio perindopril num determinado território, nomeadamente, se e quando um terceiro independente vendesse perindopril e a Servier não apresentasse um pedido de injunção para o impedir.

233. A Comissão indica, sem explicar porquê, que, tendo em conta esta interpretação, a cláusula de não comercialização continuou a aplicar‑se mesmo após a entrada da Sandoz no mercado na Irlanda, na Bélgica, na Hungria e na República Checa, mas não em França. A este respeito, a Comissão remete para o considerando 2327 da decisão recorrida, que observa que, em França, a Servier não podia bloquear a chegada da Sandoz com base na patente 947, uma vez que o produto da Sandoz não era suscetível de violar esta patente.

234. Todavia, com base nesta indicação, continua a ser impossível compreender as razões pelas quais a Servier poderia ter bloqueado, com base nesta patente, a entrada da Sandoz nos outros quatro Estados‑Membros em causa, quando o produto com o qual a Sandoz entrava nestes mercados era claramente o mesmo que o comercializado em França. Na audiência, a Comissão reiterou a explicação segundo a qual a diferença residiu no facto de, em França, a entrada da Sandoz ter aberto o mercado à concorrência, quando tal não sucedeu nos outros países. Ora, esta explicação não foi suportada nem na decisão controvertida, nem nos articulados da Comissão, nem na audiência.

235. Daqui resulta que a decisão controvertida deve ser parcialmente anulada na medida em que comporta uma falta de fundamentação quanto às datas de cessação consideradas para a infração constituída pelo acordo Lupin no que respeita à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa.

236. As consequências desta anulação parcial sobre o montante da coima aplicada à Servier a título do acordo Lupin são determinadas nos n.os 282 e seguintes, infra, na parte das presentes conclusões consagrada às coimas.

5.      Quanto à qualificação do acordo Niche, por um lado, e do acordo Matrix, por outro, de infrações distintas (sexto fundamento)

237. No âmbito do seu sexto fundamento, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando confirmou, nos n.os 1293 e seguintes do acórdão impugnado, a qualificação dos acordos celebrados pela Servier com a Niche/Unichem, por um lado, e com a Matrix, por outro, como infrações distintas. Segundo a Servier, o Tribunal Geral devia ter reconhecido que estes acordos constituíam uma infração única ao artigo 101.° TFUE.

238. Resulta da jurisprudência que uma violação do artigo 101.° TFUE pode resultar não apenas de um ato isolado mas igualmente de uma série de atos se estes últimos se inscrevem num plano de conjunto em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência e prosseguem um único objetivo económico (98). O pressuposto relativo ao conceito de objetivo único implica que se deve verificar se não existem elementos que caracterizem os diferentes comportamentos que fazem parte da infração e que sejam suscetíveis de indicar que os comportamentos adotados por outras empresas não partilham do mesmo objetivo ou do mesmo efeito anticoncorrencial e, consequentemente, não se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objetivo idêntico que falseia o jogo da concorrência no mercado interno (99).

239. Importa precisar que, como resulta da jurisprudência referida no número anterior, a questão de saber se diferentes comportamentos anticoncorrenciais devem ser qualificados de infrações distintas ou de infração única é uma questão de direito relacionada com a qualificação jurídica dos elementos constitutivos da infração, cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais da União (100). Como o Tribunal Geral reconheceu nos n.os 1256 e seguintes do acórdão impugnado, as partes em causa devem, portanto, poder contestar esta qualificação. Isto é tanto mais importante quanto essa contestação é suscetível de afetar o exercício pela Comissão do seu poder de apreciação na determinação das coimas.

240. Do mesmo modo, como explicou, em substância, o advogado‑geral G. Pitruzzella, não é possível determinar de forma abstrata se o facto de qualificar vários comportamentos de infrações separadas seria mais favorável para as empresas em causa do que adotar a qualificação de infração única, uma vez que isso depende das circunstâncias de cada caso concreto. Por conseguinte, a Comissão não pode, de forma discricionária e por razões de oportunidade, optar livremente por qualificar comportamentos de infrações distintas em vez de infração única ou vice‑versa. A Comissão deve, pelo contrário, demonstrar, sob a fiscalização do juiz da União, que estão preenchidos os critérios estabelecidos para qualificar um comportamento de uma ou de outra forma (101).

241. Esclarecido este aspeto, há que constatar que, no caso em apreço, os elementos apresentados pela Servier não demonstram que o Tribunal Geral tenha cometido um erro quando confirmou a conclusão da Comissão segundo a qual os acordos Niche e Matrix não constituíam uma infração única, mas duas infrações distintas ao artigo 101.° TFUE.

242. Segundo a Servier, estes acordos, que foram assinados no mesmo dia pelo mesmo representante da Niche e da Matrix e que visavam impedir a entrada no mercado do produto desenvolvido conjuntamente por estas últimas, prosseguiam um objetivo idêntico, eram complementares e geravam uma coordenação entre o comportamento da Niche e da Matrix face à Servier.

243. Nos n.os 1296 e seguintes do acórdão impugnado, o Tribunal Geral considerou que era decerto inegável que a Servier prosseguia um objetivo idêntico com os acordos Niche e Matrix, a saber, resolver de modo definitivo o litígio em curso e evitar qualquer contencioso futuro relativo ao produto da Niche/Matrix bem como eliminar este produto enquanto fonte de concorrência potencial mediante pagamento. Todavia, o Tribunal Geral constatou que esta circunstância não permitia, por si só, demonstrar que também tinha havido um plano comum entre a Niche e a Matrix quando assinaram os seus acordos respetivos com a Servier. Ora, para poder qualificar várias infrações de infração única, todas essas infrações devem prosseguir o mesmo objetivo global (102).

244. Depois de ter examinado o conteúdo dos acordos Niche e Matrix bem como as circunstâncias que rodearam a sua assinatura, o Tribunal Geral chegou à conclusão de que estes elementos também não demonstravam que a Niche e a Matrix prosseguiam um plano comum com estes acordos.

245. Os elementos apresentados pela Servier no presente processo de recurso não são suscetíveis de demonstrar que esta conclusão enferma de erros.

246. A Servier alega que, ao analisar a questão de saber se existia um plano comum entre a Niche e a Matrix, o Tribunal Geral atribuiu demasiada importância à intenção subjetiva destas sociedades, quando a qualificação de infração única só pode assentar em critérios objetivos.

247. A Servier remete, a este respeito, para o n.° 246 do Acórdão Siemens/Comissão (103), em que o Tribunal Geral constatou que a qualificação de um conjunto de acordos como infração única não podia depender da existência de uma intenção subjetiva das partes de participarem em tal infração única, mas devia basear‑se em fatores objetivos, entre os quais o objetivo comum dos referidos acordos. Ora, contrariamente ao que alega a Servier, o exame da existência desse objetivo comum comporta efetivamente uma dimensão subjetiva relativa à intenção e à motivação das partes, que diz respeito à questão de saber se estas partes pretendiam contribuir, através da celebração dos acordos em causa, para a realização de um objetivo económico comum.

248. Por outras palavras, para declarar uma infração única, é certo que não há que demonstrar que as diferentes partes que participaram nessa infração tinham a intenção de participar num comportamento anticoncorrencial comum. Todavia, da jurisprudência referida no n.° 238, supra, decorre que deve ser demonstrado que essas partes tinham a intenção de contribuir, através dessa participação, para um objetivo comum e para a realização de um objetivo económico único. A prova de tal intenção pode, por sua vez, basear‑se em qualquer elemento suscetível de demonstrar que os comportamentos em causa, no caso em apreço os acordos Niche e Matrix, tinham como razão de ser a vontade de implementar esse objetivo comum e esse objetivo económico único.

249. Assim, por exemplo, no processo relativo às casas de banho invocado pela Servier, o Tribunal Geral declarou, com efeito, que existia uma infração única apesar do envolvimento de diferentes subgrupos de produtos complementares para a instalação de uma casa de banho. O Tribunal Geral pôde precisamente chegar a esta conclusão no referido processo porque as práticas em causa prosseguiam o plano de conjunto e o objetivo único de coordenar, no âmbito do mesmo sistema de distribuição, os aumentos de preços que as partes no cartel faturavam aos grossistas que eram seus clientes comuns (104).

250. Ora, no caso em apreço, o Tribunal Geral constatou precisamente, baseando‑se em elementos que não foram postos em causa pela Servier, que o conteúdo dos acordos Niche e Matrix e as circunstâncias que rodearam a sua celebração não demonstravam que, através destes acordos, a Niche e a Matrix pretendiam implementar esse objetivo comum e esse objetivo económico único. De resto, a Servier também não indica quais poderiam ter sido esses objetivos. Como o Tribunal Geral constatou, é certo que não há dúvida de que, antes da celebração dos seus acordos respetivos com a Servier, a Niche e a Matrix prosseguiam o objetivo comum de colocar no mercado o perindopril genérico fabricado pela Matrix e comercializado pela Niche.

251. Todavia, não se afigura possível determinar um eventual objetivo comum que estas sociedades pudessem prosseguir em seguida através da assinatura dos respetivos acordos com a Servier. Como o Tribunal Geral indicou, diferentes elementos não contestados dos autos demonstram que a Matrix, que só foi informada das negociações em curso entre a Servier e a Niche dois dias antes da assinatura do seu próprio acordo com a Servier, mais do que prosseguir um qualquer plano comum com a Niche, aproveitou a oportunidade oferecida pela Servier. Isto é confirmado pelo facto de a participação da Matrix nas negociações com a Servier ter incidido principalmente sobre o montante da transferência de valor.

252. Por outro lado, também não é possível compreender as razões pelas quais o abandono do seu projeto comum de desenvolvimento e de comercialização de um perindopril genérico tivesse podido, por sua vez, constituir um novo «projeto comum» para a Niche e para a Matrix, uma vez que tal abandono não pode ser um projeto ou um objetivo em si mesmo. Assim, afigura‑se antes que a Niche e a Matrix aproveitaram, cada uma delas por sua vez, a oportunidade oferecida pela Servier de obterem uma transferência de valor bastante significativa por ser comercialmente mais vantajosa do que a prossecução do seu próprio projeto de entrarem no mercado (105).

253. Por conseguinte, o argumento da Servier segundo o qual os acordos Niche e Matrix partilhavam o objetivo comum de resolver o litígio com a Servier e de evitar um contencioso futuro com esta última relativo ao seu produto também não permite concluir que estes acordos constituíam uma infração única ao artigo 101.° TFUE. Assim, mesmo que cada um desses acordos prosseguisse efetivamente esse objetivo separadamente, não se vislumbra qual teria sido o seu objetivo comum a este respeito. Como acaba de ser demonstrado, o mero facto de o litígio com a Servier ter por objeto o produto desenvolvido conjuntamente pela Niche e pela Matrix não permite demonstrar tal objetivo comum.

254. Resulta do que precede que o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

B.      Quanto às coimas

255. No que respeita às coimas aplicadas à Servier pela celebração dos acordos controvertidos, há que examinar, por um lado, os erros de direito invocados pela Servier no âmbito do seu sétimo fundamento (1). Por outro lado, importa determinar as consequências do acolhimento da terceira parte do quinto fundamento, relativa às datas de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin para o novo cálculo da coima aplicada à Servier a este título (2).

1.      Quanto aos erros de direito relativos às coimas invocados pela Servier (sétimo fundamento)

256. No âmbito do seu sétimo fundamento, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu erros, por um lado, porque não anulou a coima fixada pela Comissão atendendo ao princípio da legalidade dos crimes e das penas. Por outro lado, o Tribunal Geral não tomou suficientemente em conta o princípio da proporcionalidade e não censurou a apreciação feita pela Comissão da gravidade das infrações.

257. Antes de abordar esta argumentação, importa recordar que o exercício pelo Tribunal Geral da competência de plena jurisdição que lhe é conferida pelo artigo 261.° TFUE só é fiscalizada pelo Tribunal de Justiça em matéria de erros manifestos (106). Pode considerar‑se que existem tais erros, em primeiro lugar, se o Tribunal Geral tiver ignorado a extensão dos seus poderes no contexto da sua competência de plena jurisdição (107), em segundo lugar, se não tiver tomado suficientemente em consideração todos os elementos pertinentes (108) e, em terceiro lugar, se tiver aplicado critérios jurídicos errados (109), em especial à luz dos princípios da igualdade de tratamento (110) e da proporcionalidade (111).

258. Daqui resulta que não compete ao Tribunal de Justiça, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, por motivos de equidade, substituir pela sua própria apreciação a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre o montante das coimas aplicadas a empresas. Assim, só se o Tribunal de Justiça considerar que o nível da sanção é, não apenas inadequado, mas também excessivo, a ponto de ser desproporcionado, é que haverá que concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito (112).

a)      Quanto ao princípio da legalidade dos crimes e das penas

259. Segundo a Servier, o Tribunal Geral cometeu um erro ao não acolher a sua argumentação segundo a qual a imposição de sanções pelos acordos controvertidos violava o princípio da legalidade dos crimes e das penas. As questões colocadas por esses acordos eram tão novas e complexas que o caráter ilícito dos referidos acordos era imprevisível. O Tribunal Geral reconheceu essa imprevisibilidade no n.° 1666 do acórdão impugnado, sem daí retirar, contudo, qualquer consequência, o que, segundo a Servier, fere o acórdão impugnado de falta de fundamentação.

260. Esta argumentação não pode proceder.

261. É certo que resulta da jurisprudência que, embora o princípio da legalidade dos crimes e das penas, atualmente consagrado no artigo 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não possa ser interpretado no sentido de que proscreve a clarificação gradual das regras em matéria de responsabilidade penal, este princípio opõe‑se no entanto à aplicação retroativa da interpretação jurisprudencial de uma norma que prevê uma infração cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atenta, designadamente, a interpretação da disposição legal em causa então acolhida na jurisprudência (113).

262. Todavia, há que concluir que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro ao aplicar o critério de previsibilidade, assim estabelecido, às circunstâncias do caso em apreço e ao declarar que, neste caso, o princípio da legalidade dos crimes e das penas não se opunha à sanção dos acordos controvertidos com base no artigo 101.° TFUE.

263. Assim, resulta das considerações do Tribunal Geral já analisadas acima que este concluiu com razão que os acordos controvertidos tinham por objetivo incentivar as sociedades de genéricos a absterem‑se de entrar de forma independente no mercado durante os períodos acordados, mediante transferências de valor por parte da Servier que não tinham outra contrapartida senão a referida abstenção.

264. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal Geral aplicou uma metodologia simples e evidente, que consistia em examinar se as transferências de valor efetuadas pela Servier em proveito das sociedades de genéricos em conformidade com os acordos de resolução amigável ou com os acordos que lhes estavam associados eram inerentes à resolução dos litígios, ou seja, se se explicavam por outro motivo e tinham outra contrapartida para a Servier que não fosse o compromisso das sociedades de genéricos de não fazerem concorrência. Esta metodologia impõe‑se de forma lógica na apreciação de transferências de valor entre empresas que celebram um acordo nos termos do qual uma delas deve abster‑se de entrar no mercado (114).

265. Aplicando esta metodologia, o Tribunal Geral chegou, sem cometer erros, à conclusão de que as transferências de valor efetuadas pela Servier em proveito das sociedades de genéricos não tinham outra contrapartida senão a abstenção destas últimas de entrarem no mercado. Por conseguinte, o Tribunal Geral pôde concluir acertadamente que tinha sido acordado nos acordos controvertidos que a Servier pagaria às sociedades de genéricos para que não entrassem no mercado, pelo que se trata de acordos de exclusão do mercado.

266. Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral não cometeu erros ao concluir, nos n.os 1661 a 1666 do acórdão impugnado, que, enquanto parte nestes acordos, a Servier não podia ignorar que podiam ser abrangidos pela proibição prevista no artigo 101.° TFUE. Com efeito, uma leitura literal desta disposição permite compreender perfeitamente que os acordos entre concorrentes que visam excluir alguns deles do mercado são ilegais.

267. A complexidade dos acordos controvertidos e do seu contexto, destacada pela Servier, não é suscetível de pôr em causa esta apreciação.

268. Como o Tribunal Geral reconheceu, em substância, nos n.os 1661, 1666 e 1667 do acórdão impugnado, essa complexidade podia decerto explicar a extensão da decisão controvertida, uma vez que o caráter ilícito dos acordos controvertidos podia não se revelar, de forma clara, a um observador externo. Isto não afeta, contudo, o facto de, na análise desses acordos, para efeitos da aplicação do direito da concorrência, a Comissão ter aplicado princípios simples e bem estabelecidos. Segundo estes princípios, os acordos devem ser qualificados de restrições da concorrência por objetivo quando resulte da sua análise – por complexa que seja – que as transferências de valores efetuadas por um operador económico em proveito de outro operador económico se explicam apenas pelo interesse comercial destes operadores em não concorrerem com base no mérito (115).

269. Resulta do exposto que o Tribunal Geral não cometeu erros quando concluiu que a Servier não podia ignorar que, se a única contrapartida das transferências de valor por ela efetuadas a favor das sociedades de genéricos consistia na abstenção destas últimas de entrarem no mercado, os acordos que previam tais transferências eram restritivos da concorrência, quer tivessem ou não tido antecedentes complexos em termos de direito das patentes.

270. Por conseguinte, a alegação relativa à violação do princípio da legalidade dos crimes e das penas deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto ao princípio da proporcionalidade e à apreciação da gravidade das infrações

271. A Servier alega ainda que o acórdão impugnado enferma de erros na medida em que o Tribunal Geral julgou improcedentes os seus fundamentos relativos à proporcionalidade das coimas e à apreciação da gravidade das infrações em causa.

272. Segundo a Servier, o Tribunal Geral deveria ter tido em conta, para apreciar a proporcionalidade das coimas aplicadas à Servier, a complexidade e a novidade das questões colocadas pelos acordos controvertidos, a inexistência de caráter secreto dos mesmos, bem como os direitos de patente e as diminutas quotas de mercado da Servier.

273. Estes elementos não são, no entanto, suscetíveis de revelar erros que o Tribunal Geral tenha cometido na apreciação da proporcionalidade das coimas atendendo à gravidade das infrações em causa.

274. Em primeiro lugar, o Tribunal Geral concluiu, em substância, nos n.os 1786 e seguintes do acórdão impugnado, que, na medida em que o objetivo anticoncorrencial dos acordos em causa e o seu caráter previsível para a Servier estavam demonstrados, os antecedentes destes acordos em termos de patentes e o seu caráter secreto ou não secreto eram indiferentes para efeitos da apreciação da sua gravidade e não eram suscetíveis de pôr em causa a proporcionalidade das coimas aplicadas pela Comissão.

275. Deste modo, o Tribunal Geral tomou corretamente em conta todos os elementos pertinentes e não cometeu qualquer erro na sua apreciação. Como já se constatou nos n.os 267 e 268, supra, a Servier não pode invocar o contexto em matéria de patentes ou a sua alegada complexidade para contestar a natureza intrinsecamente anticoncorrencial dos acordos controvertidos.

276. Neste contexto, contrariamente ao que a Servier sustenta, é perfeitamente indiferente que a patente em causa seja fictícia ou não. É pacífico que uma patente, ainda que não fictícia, não confere ao seu titular o direito de se precaver contra ações destinadas a contestar a sua validade através de pagamentos em proveito de concorrentes (116).

277. Em segundo lugar, a Servier alega que o Tribunal Geral cometeu um erro ao recusar tomar em conta as diminutas quotas de mercado da Servier para efeitos do cálculo das coimas. Assim, o Tribunal Geral constatou, nos n.os 1602 e 1603 do acórdão impugnado, no âmbito da sua análise do mercado de produtos relevante para efeitos da aplicação do artigo 102.° TFUE, que a Comissão tinha cometido um erro na definição deste mercado e que o seu cálculo das quotas de mercado da Servier era, portanto, necessariamente errado. No entanto, no n.° 1954 do acórdão impugnado, o Tribunal Geral recusou‑se a tomar em conta esta conclusão para efeitos do cálculo das coimas, apesar de ter constatado que as quotas de mercado da Servier eram muito menores do que o que a Comissão tinha constatado.

278. Ora, independentemente da questão de saber se o Tribunal Geral constatou corretamente o caráter errado da definição do mercado de produtos adotada pela Comissão para efeitos da aplicação do artigo 102.° TFUE, que não é abordada no presente recurso (117), há que concluir que, em qualquer caso, o Tribunal Geral não cometeu erros quando considerou, no n.° 1954 do acórdão impugnado, que as coimas aplicadas à Servier não eram desproporcionadas independentemente da dimensão determinada das quotas de mercado da Servier.

279. Deste modo, o Tribunal Geral referiu‑se, nomeadamente, à tomada em conta pela Comissão do facto de a Servier ter cometido várias infrações, distintas, é certo, mas relativas ao mesmo produto e, em grande medida, às mesmas zonas geográficas e aos mesmos períodos. Como o Tribunal Geral recordou no n.° 1951 do acórdão impugnado, neste contexto, para evitar um resultado potencialmente desproporcionado, a Comissão decidiu limitar, para cada infração, a proporção do valor das vendas da Servier tida em conta para determinar o montante de base da coima. A Comissão efetuou, assim, uma correção que conduziu a uma redução média de 54,5 % da totalidade dos valores das vendas relativas às diferentes infrações ao artigo 101.° TFUE (considerando 3128 da decisão recorrida).

280. Por último, em terceiro lugar, a alegação da Servier segundo a qual as coimas deveriam ter sido reduzidas porque os acordos punidos não tinham alegadamente gerado qualquer atraso de entrada no mercado deve igualmente ser julgada improcedente. Com efeito, como foi indicado nos n.os 139 a 141, 171 e 211, supra, do ponto de vista do direito da concorrência, o que importa não é saber se, na falta dos acordos, as sociedades de genéricos teriam entrado no mercado mais cedo devido a evoluções futuras em termos de patentes, desconhecidas no momento da celebração dos acordos e independentes da vontade das partes. A questão decisiva é a de saber se a possibilidade dessa entrada foi eliminada na sequência de uma substituição, pelas partes, dos riscos do jogo normal da concorrência por uma cooperação prática entre elas. Invocar evoluções em termos de patentes que ocorreram após a celebração de um acordo, de forma independente deste, equivale a confundir a nocividade intrínseca de um acordo de exclusão do mercado, contra pagamento, e a sua capacidade para produzir efeitos restritivos no momento da sua celebração com a possibilidade de tal acordo não produzir efeitos significativos reais sobre a concorrência num momento posterior, devido a circunstâncias independentes da vontade das partes, por exemplo, quando a patente é anulada graças à ação de um terceiro.

281. Resulta do que precede que a alegação relativa a erros do Tribunal Geral na apreciação da gravidade das infrações e da proporcionalidade das coimas deve igualmente ser julgada improcedente, tal como o fundamento relativo aos alegados erros do Tribunal Geral na apreciação das coimas no seu conjunto.

2.      Quanto à coima aplicada à Servier a título do acordo Lupin (terceira parte do quinto fundamento)

282. Resulta das observações constantes dos n.os 229 e 235 das presentes conclusões que a terceira parte do quinto fundamento deve ser acolhida e que o acórdão impugnado e a decisão controvertida devem ser anulados na medida em que consideraram que a data de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin devia ser fixada em 6 de maio de 2009 quanto à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa.

283. Nos seus articulados e pedidos (118), a Servier pede ao Tribunal de Justiça que fixe novamente como data de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin nos referidos países as datas de entrada da Sandoz no mercado, a saber, em conformidade com o considerando 410 da decisão controvertida, junho de 2008 quanto à Irlanda, julho de 2008 quanto à Bélgica, dezembro de 2008 quanto à Hungria e janeiro de 2009 quanto à República Checa.

284. Todavia, devido à insuficiência de fundamentação da decisão controvertida no que respeita à cessação da infração constituída pelo acordo Lupin nestes países, não é possível ao juiz da União verificar se a Comissão determinou acertadamente, nessa decisão, as datas de cessação da infração. Do mesmo modo, não é possível determinar a justeza de outras eventuais datas de cessação da referida infração.

285. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça não pode determinar as datas de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin quanto aos quatro países em causa e fixar novamente a coima em conformidade, como pedido pela Servier. Nestas condições, a coima aplicada à Servier pela decisão controvertida deve ser parcialmente anulada na medida em que foi aplicada pela prática da referida infração nos referidos países.

286. Para este efeito, importa recordar que, no caso em apreço, resulta do considerando 3063 da decisão controvertida que a Comissão aplicou a metodologia estabelecida pelas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (119) (120).

287. Além disso, resulta dos considerandos 3119 e seguintes da decisão controvertida que a Comissão aplicou à Servier uma coima a título de cada um dos cinco acordos controvertidos, que foram entendidos como cinco infrações distintas ao artigo 101.° TFUE, e uma coima a título da infração ao artigo 102.° TFUE. No que respeita às cinco coimas aplicadas a título dos acordos controvertidos, a Comissão, em primeiro lugar, em conformidade com a metodologia das Orientações para o cálculo das coimas, determinou um montante de base, correspondente à soma de um montante variável e (se for caso disso) de um montante adicional. O montante variável corresponde a uma parte ajustada do valor das vendas dos bens afetados pelas infrações respetivas, multiplicada pela sua duração. Na medida em que, no caso em apreço, a Comissão não tomou em conta circunstâncias agravantes nem atenuantes, nem outros fatores modificadores, os montantes finais das coimas correspondem aos montantes de base.

288. Por último, resulta dos considerandos 3124 e seguintes e do artigo 7.° da decisão controvertida, bem como de um quadro apresentado pela Comissão no Tribunal Geral, que a Comissão efetuou esse cálculo para cada Estado‑Membro afetado por cada um dos acordos respetivos e, em seguida, somou os montantes assim obtidos para fixar os montantes das coimas aplicadas a título de cada um dos acordos (121). O montante da coima aplicada à Servier a título da infração constituída pelo acordo Lupin para a totalidade dos países afetados pela referida infração ascende a 37 102 100 EUR [artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida].

289. A fim de tomar em conta a anulação parcial da decisão controvertida em conformidade com as considerações precedentes, há, por conseguinte, que anular a coima aplicada à Servier na medida em que foi aplicada pela infração constituída pelo acordo Lupin na Irlanda, na Bélgica, na Hungria e na República Checa, o que corresponde a um montante de [confidencial] euros.

290. O quadro seguinte mostra como esse montante é obtido.


Valor das vendas ajustado

Montante variável

Duração

Montante final

IE

[confidencial]

11 %

2,25

[confidencial]

BE

[confidencial]

11 %

2,25

[confidencial]

HU

[confidencial]

11 %

2,25

[confidencial]

CS

[confidencial]

11 %

2,25

[confidencial]

Soma IE + BE + HU + CS




[confidencial]

Soma de todos os países abrangidos pelo acordo Lupin




37 102 100

291. Seguidamente, caberá à Comissão, por força do artigo 266.° TFUE, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação. Quando, como no caso em apreço, a anulação da decisão controvertida assenta num vício processual, como a insuficiência de fundamentação, e o juiz da União não se pronuncia ele próprio sobre a existência material da infração e sobre a sanção, a instituição de que emana o ato anulado pode retomar o procedimento na fase da ilegalidade declarada e exercer de novo o seu poder sancionatório (122).

3.      Conclusão quanto às coimas

292. Decorre destas considerações que a coima aplicada à Servier a título do acordo Lupin deve ser anulada e que a argumentação da Servier relativa às coimas deve ser julgada improcedente quanto ao resto, pelo que a parte restante das coimas, conforme determinada pela Comissão e pelo Tribunal Geral, permanece inalterada.

C.      Conclusão intercalar

293. Em conformidade com as constatações efetuadas nos n.os 229, 235 e 289 das presentes conclusões, na sequência do acolhimento da terceira parte do quinto fundamento, importa, antes de mais, anular o n.° 5 do dispositivo do acórdão impugnado na medida em que nega provimento ao pedido da Servier de anulação da decisão controvertida na parte em que considera o dia 6 de maio de 2009 como data de cessação da infração constituída pelo acordo Lupin quanto à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa e fixa em conformidade a coima aplicada à Servier pela referida infração.

294. Em seguida, o artigo 5.°, alínea b), e o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da decisão controvertida devem ser anulados na medida em que fixam a data da cessação da infração cometida pela Servier, através do acordo Lupin, no que diz respeito à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa, em 6 de maio de 2009, e tomam em conta esta data para o cálculo da coima aplicada à Servier a título desta infração (123).

295. Por último, uma vez que nenhum dos outros fundamentos invocados pela Servier pode proceder, deve ser negado provimento ao recurso da decisão do Tribunal Geral quanto ao restante.

V.      Quanto às despesas

296. Nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do seu Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

297. Antes de mais, ao abrigo do artigo 184.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do referido Regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado atendendo às circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suportará uma fração das despesas da outra parte.

298. No caso em apreço, a Servier obteve ganho de causa no que respeita à terceira parte do seu quinto fundamento, relativa à data da cessação da infração constituída pelo acordo Lupin na Irlanda, na Bélgica, na Hungria e na República Checa, sendo que o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio e anular a decisão controvertida quanto a este aspeto. Todavia, a Servier foi vencida no que respeita ao resto da sua argumentação apresentada nos seus sete fundamentos no total.

299. Quanto às despesas relativas ao processo em primeira instância, importa precisar que o presente processo de recurso só lhes diz respeito na parte em que se referem aos fundamentos de primeira instância em causa no referido processo de recurso.

300. Tendo em conta estas circunstâncias, afigura‑se justificado que a Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS suportem solidariamente as suas próprias despesas e quatro quintos das despesas da Comissão relativas ao presente processo de recurso e ao processo em primeira instância, na medida em que estas despesas se referem aos fundamentos a que o presente processo de recurso diz respeito. Em contrapartida, a Comissão suportará um quinto das suas próprias despesas relativas ao presente processo de recurso e ao processo em primeira instância, na medida em que estas despesas se referem aos fundamentos a que o presente processo de recurso diz respeito.

301. Seguidamente, nos termos do artigo 184.°, n.° 4, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que um interveniente em primeira instância que tenha participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça suporte as suas próprias despesas. Tendo a EFPIA participado na fase escrita do presente processo de recurso, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso.

302. Por último, resulta das disposições conjugadas do artigo 140.°, n.° 1, e do artigo 184.°, n.° 1, do Regulamento de Processo que os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, há que decidir que o Reino Unido suportará as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso.

VI.    Conclusão

303. Com base nas considerações precedentes, propomos ao Tribunal de Justiça que decida nos seguintes termos:

1)      É anulado o n.° 5 do dispositivo do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, EU:T:2018:922), na medida em que nega provimento ao pedido de anulação da Decisão C (2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo nos termos dos artigos 101.° e 102.° TFUE [processo AT.39612 – Perindopril (Servier)], na parte em que esta decisão considera o dia 6 de maio de 2009 como data de cessação da infração referida no seu artigo 5.°, alínea b), quanto à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa e fixa em conformidade a coima aplicada pelo seu artigo 7.°, n.° 5, alínea b) à Servier SAS e à Les Laboratoires Servier SAS.

2)      É anulado o n.° 6 do dispositivo do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, EU:T:2018:922) na medida em que diz respeito às despesas efetuadas pela Servier SAS, pela Servier Laboratories Ltd, pela Les Laboratoires Servier SAS e pela Comissão Europeia em primeira instância relativas aos fundamentos de primeira instância objeto do presente processo de recurso.

3)      São anulados o artigo 5.°, alínea b), e o artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da Decisão C(2014) 4955 final na medida em que consideram o dia 6 de maio de 2009 como data de cessação da infração referida no mencionado artigo 5.°, alínea b), quanto à Irlanda, à Bélgica, à Hungria e à República Checa, e fixam em conformidade a coima aplicada pelo referido artigo 7.°, n.° 5, alínea b), à Servier SAS e aos Laboratoires Servier SAS.

4)      A coima aplicada pela Comissão nos termos do artigo 7.°, n.° 5, alínea b), da Decisão C(2014) 4955 final à Servier SAS e aos Laboratoires Servier SAS é anulada na medida em que foi aplicada pela prática da infração referida no artigo 5.°, alínea b), da mencionada decisão na Irlanda, na Bélgica, na Hungria e na República Checa.

5)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

6)      A Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS suportarão, solidariamente, as suas próprias despesas e quatro quintos das despesas da Comissão relativas ao processo em primeira instância, na medida em que estas despesas se referem aos fundamentos de primeira instância a que o presente processo de recurso diz respeito.

7)      A Servier SAS, a Servier Laboratories Ltd e a Les Laboratoires Servier SAS suportarão, solidariamente, as suas próprias despesas e quatro quintos das despesas da Comissão relativas ao processo de recurso.

8)      A Comissão suportará um quinto das suas próprias despesas relativas ao processo em primeira instância, na medida em que estas despesas se referem aos fundamentos a que o presente processo de recurso diz respeito.

9)      A Comissão suportará um quinto das suas próprias despesas relativas ao processo de recurso.

10)      A European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportarão as suas próprias despesas relativas ao processo de recurso.


1      Língua original: francês.


2      Acórdão de 30 de janeiro de 2020 (C‑307/18, a seguir «Acórdão Generics (UK) e o.», EU:C:2020:52).


3      Acórdãos de 25 de março de 2021 (C‑591/16 P, a seguir «Acórdão Lundbeck/Comissão», EU:C:2021:243); Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, não publicado, EU:C:2021:241); Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, não publicado, EU:C:2021:242); Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2021:244); Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245), e Merck/Comissão (C‑614/16 P, não publicado, EU:C:2021:246).


4      Acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão (T‑691/14, a seguir «acórdão impugnado», EU:T:2018:922) (colocado em questão pelo presente recurso bem como pelo recurso no processo C‑176/19 P, Comissão/Servier e o.); Biogaran/Comissão (T‑677/14, EU:T:2018:910) (recurso C‑207/19 P, Biogaran/Comissão); Teva UK e o./Comissão (T‑679/14, não publicado, EU:T:2018:919) (recurso C‑198/19 P, Teva UK e o./Comissão); Lupin/Comissão (T‑680/14, não publicado, EU:T:2018:908) (recurso C‑144/19 P, Lupin/Comissão); Mylan Laboratories e Mylan/Comissão (T‑682/14, não publicado, EU:T:2018:907) (recurso C‑197/19 P, Mylan Laboratories e Mylan/Comissão); Krka/Comissão (T‑684/14, não publicado, EU:T:2018:918) (recurso C‑151/19 P, Comissão/Krka); Niche Generics/Comissão (T‑701/14, não publicado, EU:T:2018:921) (recurso C‑164/19 P, Niche Generics/Comissão), e Unichem Laboratories/Comissão (T‑705/14, não publicado, EU:T:2018:915) (recurso C‑166/19 P, Unichem Laboratories/Comissão).


5      Decisão C(2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo nos termos dos artigos 101.º e 102.º TFUE [processo AT.39612 – Perindopril (Servier)] (a seguir «decisão controvertida»).


6      N.º 1 do acórdão impugnado, bem como considerandos 11 e segs. da decisão controvertida.


7      Considerando 14 da decisão controvertida.


8      N.º 8 do Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Niche Generics/Comissão (T‑701/14, não publicado, EU:T:2018:921), e n.º 8 do Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Unichem Laboratories/Comissão (T‑705/14, não publicado, EU:T:2018:915), bem como considerandos 31 e segs. da decisão controvertida.


9      N.os 8 e 9 do Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Mylan Laboratories e Mylan/Comissão (T‑682/14, não publicado, EU:T:2018:907), bem como considerandos 27 e segs. da decisão controvertida.


10      N.os 8 e 9 do Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Teva UK e o./Comissão (T‑679/14, não publicado, EU:T:2018:919), bem como considerandos 37 e segs. da decisão controvertida.


11      N.º 8 do Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Lupin/Comissão (T‑680/14, não publicado, EU:T:2018:908), e considerandos 23 e segs. da decisão controvertida.


12      N.os 2 e 3 do acórdão impugnado, bem como considerandos 1 e segs., 86 e segs. e 2143 e segs. da decisão controvertida.


13      Como permitia o Regulamento (CEE) n.º 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 1992, L 182, p. 1).


14      N.º 4 do acórdão impugnado e considerandos 92 e segs. da decisão controvertida.


15      Considerando 98 da decisão controvertida.


16      N.os 5 a 8 do acórdão impugnado, bem como considerandos 94, 118 e segs. e 124 e segs. da decisão controvertida.


17      N.º 8 do acórdão impugnado e considerando 120 da decisão controvertida.


18      N.os 9 e 10 do acórdão impugnado, bem como considerandos 8, 88 e 218 e segs. da decisão controvertida.


19      Considerando 100 da decisão controvertida.


20      N.os 11 a 27 do acórdão impugnado, bem como considerandos 129, 151 e segs., 157 e segs. , e quadros nos considerandos 156 e 201 da decisão controvertida.


21      N.os 11 e 12 do acórdão impugnado, bem como considerandos 158 e segs. da decisão controvertida.


22      N.º 12 do acórdão impugnado e considerandos 162 a 170 e 962 da decisão controvertida.


23      N.os 16 a 21 e 24 a 27 do acórdão impugnado, bem como considerandos 171 a 202 da decisão controvertida.


24      N.os 25 e 26 do acórdão impugnado, bem como considerandos 175 e segs. da decisão controvertida.


25      N.º 27 do acórdão impugnado e considerandos 193 e segs. da decisão controvertida.


26      Considerando 410 da decisão controvertida.


27      Considerandos 423 e segs. da decisão controvertida.


28      V. n.º 22 das presentes conclusões.


29      N.os 16 e segs. do acórdão impugnado, bem como considerandos 483 e segs. da decisão controvertida.


30      Para uma descrição pormenorizada, remete‑se para os n.os 29 e segs. do acórdão impugnado, bem como para os considerandos 422 e 546 e segs. da decisão controvertida.


31      V. n.º 22 das presentes conclusões.


32      N.os 20 e 21 do acórdão impugnado, bem como considerando 677 da decisão controvertida. V., quanto ao litígio com a Pharmachemie, n.º 27 das presentes conclusões.


33      V. n.os 23 e 26 das presentes conclusões.


34      N.os 37 e segs. do acórdão impugnado, bem como considerandos 652 e 741 e segs. da decisão controvertida.


35      N.º 42 do acórdão impugnado, bem como considerandos 749 e 770 e segs. da decisão controvertida.


36      V. n.º 26 das presentes conclusões, bem como considerandos 776 e segs. da decisão controvertida.


37      V. n.º 22 das presentes conclusões.


38      N.º 24 do acórdão impugnado, bem como considerandos 1013 e segs. da decisão controvertida.


39      N.os 52 e segs. do acórdão impugnado, bem como considerandos 975 e 1037 e segs. da decisão controvertida.


40      V. nota 5 das presentes conclusões.


41      V. nota 4 das presentes conclusões.


42      Acórdãos de 25 de março de 2021, Lundbeck/Comissão; Sun Pharmaceutical Industries e Ranbaxy (UK)/Comissão (C‑586/16 P, não publicado, EU:C:2021:241); Generics (UK)/Comissão (C‑588/16 P, não publicado, EU:C:2021:242); Arrow Group e Arrow Generics/Comissão (C‑601/16 P, não publicado, EU:C:2021:244); Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão (C‑611/16 P, EU:C:2021:245), e Merck/Comissão (C‑614/16 P, não publicado, EU:C:2021:246).


43      Acórdãos de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.os 31, 32, e 34); Generics (UK) e o. (n.º 45), e Lundbeck/Comissão (n.º 57); v., igualmente, Acórdãos de 28 de junho de 2016, Portugal Telecom/Comissão (T‑208/13, EU:T:2016:368, n.º 181), e Telefónica/Comissão (T‑216/13, EU:T:2016:369, n.º 221).


44      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 36, 37 e 39) e Lundbeck/Comissão (n.º 55).


45      V. Acórdão Generics (UK) e o. (n.º 50) e as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.º 83).


46      V. Acórdão Generics (UK) e o. (n.os 48, 49, 51 e 52) e as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 67 a 85).


47      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.º 46) e Lundbeck/Comissão (n.º 58).


48      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 42 a 44, 46, 50 e 55 a 57) e Lundbeck/Comissão (n.os 57, 74 a 76 e 88); v., igualmente, as nossas Conclusões nos processos Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 83 e 86 a 88), e Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2020:428, n.os 59, 78 e 79).


49      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 55 a 57); Lundbeck/Comissão (n.os 57 e 78), e de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão (C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.os 33 e 34).


50      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 43 e 44) e Lundbeck/Comissão (n.º 57).


51      Acórdão Lundbeck/Comissão (n.os 74 e 75).


52      Acórdãos de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.º 25), e de 10 de abril de 2014, Areva e o./Comissão (C‑247/11 P e C‑253/11 P, EU:C:2014:257, n.º 114).


53      Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.º 58), e de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie//Comissão (C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.º 71).


54      V., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão (29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.º 20), e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão (C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.º 127).


55      V., neste sentido, Acórdãos de 6 de janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer (C‑2/01 P e C‑3/01 P, EU:C:2004:2, n.º 63); de 24 de junho de 2015, Fresh Del Monte Produce/Comissão e Comissão/Fresh Del Monte Produce (C‑293/13 P e C‑294/13 P, EU:C:2015:416, n.os 135 a 140), e de 27 de janeiro de 2021, The Goldman Sachs Group/Comissão (C‑595/18 P, EU:C:2021:73, n.º 92). V., igualmente, Acórdão de 16 de junho de 2015, FSL e o./Comissão (T‑655/11, EU:T:2015:383, n.º 181 e jurisprudência referida).


56      Acórdãos de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o. (C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, EU:C:2009:610, n.º 83); de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.º 80), e de 18 de janeiro de 2017, Toshiba/Comissão (C‑623/15 P, não publicado, EU:C:2017:21, n.º 52).


57      Acórdão Lundbeck/Comissão (n.os 78 e 79).


58      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.º 38) e Lundbeck/Comissão (n.os 63, 83 e 84).


59      V. n.os 75 e 79 a 81 das presentes conclusões.


60      Acórdão Generics (UK) e o. (n.º 44).


61      Acórdão Generics (UK) e o. (n.º 53).


62      V. n.º 37 das presentes conclusões.


63      V., neste sentido, Acórdão Lundbeck/Comissão (n.os 67 e segs.).


64      V. n.º 82 das presentes conclusões e jurisprudência referida.


65      C‑67/13 P, EU:C:2014:1958, n.º 56.


66      Acórdão Lundbeck/Comissão (n.os 129 e segs).


67      V. as nossas Conclusões no processo Lundbeck/Comissão (C‑591/16 P, EU:C:2020:428, n.os 156 e 157, bem como jurisprudência referida).


68      Acórdão Generics (UK) e o. (n.º 111).


69      Acórdão Lundbeck/Comissão (n.os 114, 115 e 137).


70      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.º 94) e Lundbeck/Comissão (n.º 115).


71      V. n.os 41 e 42 das presentes conclusões.


72      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 90 a 92) e Lundbeck/Comissão (n.os 115 e 134).


73      C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 126 e segs.


74      V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 124 a 128 e 176).


75      V., sobre os custos cujo reembolso pode ser justificado, Acórdão Generics (UK) e o. (n.os 84 a 92).


76      V. Acórdão de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão (T‑472/13, EU:T:2016:449, n.º 380 e jurisprudência referida).


77      Acórdão Generics (UK) e o. (n.os 107 a 110); v., igualmente, as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 168 a 172).


78      V. n.º 655 do acórdão impugnado e considerando 1614 da decisão controvertida.


79      V. as nossas conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.º 169).


80      V., neste sentido, Acórdão Generics (UK) e o. (n.os 119 e 120.).


81      V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 124 a 128 e 176).


82      Considerando 1561 da decisão controvertida.


83      V. n.os 40 a 42 das presentes conclusões.


84      V., quanto a este aspeto, n.os 133 e 134 das presentes conclusões.


85      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 90 a 92) e Lundbeck/Comissão (n.os 115 e 134).


86      V. n.os 97 e 98 das presentes conclusões bem como jurisprudência referida.


87      A interpretação destas cláusulas é abrangida pela apreciação dos factos que incumbe ao Tribunal Geral: v. Acórdão de 29 de outubro de 2015, Comissão/ANKO (C‑78/14 P, EU:C:2015:732, n.º 23).


88      Acórdãos Generics (UK) e o. (n.º 97) e Lundbeck/Comissão (n.º 121).


89      V. n.º 40 das presentes conclusões. No considerando 2127 da decisão controvertida, a Comissão considerou, todavia, que a infração tinha começado mais tarde em Malta e em Itália.


90      A Comissão considerou igualmente que a infração tinha cessado mais cedo no Reino Unido, em 6 de julho de 2007, data da anulação da patente 947 no Reino Unido (n.º 26 das presentes conclusões), bem como nos Países Baixos, em 12 de dezembro de 2007, data de entrada com risco da Apotex no mercado (n.º 27 das presentes conclusões, que se refere aos considerandos 193 e segs. da decisão controvertida, indicando que essa entrada teria ocorrido em 13 de dezembro de 2007).


91      V. n.º 28 das presentes conclusões.


92      A Sandoz entrou igualmente no mercado nos Países Baixos e no Reino Unido em maio de 2008; todavia, considerou‑se que, nestes países, a infração já tinha, em qualquer caso, cessado nesta data (v. nota 90 das presentes conclusões).


93      Resumidos no n.º 54 do acórdão impugnado e reproduzidos no considerando 1038 da decisão controvertida.


94      Esta troca de correspondência já foi mencionada no n.º 209 das presentes conclusões.


95      Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sigma Alimentos Exterior/Comissão (C‑50/19 P, EU:C:2021:792, n.º 63).


96      Isto não prejudica o mérito da interpretação do próprio conteúdo da troca de cartas por parte do Tribunal Geral (v. n.º 209 das presentes conclusões).


97      V., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France (C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.º 63), e de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.º 130).


98      V., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni (C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.os 81 a 83), de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.º 258), e de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão (C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.º 248).


99      Acórdão de 16 de junho de 2022, Toshiba Samsung Storage Technology e Toshiba Samsung Storage Technology Korea/Comissão (C‑700/19 P, EU:C:2022:484, n.º 107 e jurisprudência referida).


100      V., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2022, Sony Corporation e Sony Electronics/Comissão (C‑697/19 P, EU:C:2022:478, n.º 67).


101      Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella nos processos Sony Corporation e Sony Electronics/Comissão, Sony Optiarc e Sony Optiarc America/Comissão, Quanta Storage/Comissão e Toshiba Samsung Storage Technology e Toshiba Samsung Storage Technology Korea/Comissão (C‑697/19 P a C‑700/19 P, EU:C:2021:452, n.os 100 e segs.); v., igualmente, Acórdão de 16 de setembro de 2013, Masco e o./Comissão (T‑378/10, EU:T:2013:469, n.º 57); v. igualmente, neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, InnoLux/Comissão (T‑91/11, EU:T:2014:92, n.º 138), e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão (T‑128/11, EU:T:2014:88, n.º 224).


102      V. jurisprudência referida no n.º 238 das presentes conclusões.


103      Acórdão de 3 de março de 2011 (T‑110/07, EU:T:2011:68).


104      Acórdão de 16 de setembro de 2013, Masco e o./Comissão (T‑378/10, EU:T:2013:469, n.os 59 e segs.).


105      V. n.os 144 a 162 das presentes conclusões.


106      Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.º 365).


107      V., a este respeito, as nossas Conclusões nos processos Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão (C‑105/04 P, EU:C:2005:751, n.º 137), bem como Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P, EU:C:2013:248, n.º 190); v., no mesmo sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.os 155 e 156), bem como de 24 de outubro de 2013, Kone e o./Comissão (C‑510/11 P, não publicado, EU:C:2013:696, n.os 40 e 42).


108      Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.º 128); de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 244 e 303), bem como de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão (C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, EU:C:2009:500, n.º 125).


109      Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.º 128); de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 244 e 303), bem como de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão (C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, EU:C:2009:500, n.º 125).


110      Acórdãos de 16 de novembro de 2000, Weig/Comissão (C‑280/98 P, EU:C:2000:627, n.os 63 e 68), bem como Sarrió/Comissão (C‑291/98 P, EU:C:2000:631, n.os 97 e 99).


111      Acórdãos de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie//Comissão (C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.º 126), bem como de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão (C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.º 165).


112      Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.º 129); de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.º 245); de 30 de maio de 2013, Quinn Barlo e o./Comissão (C‑70/12 P, não publicado, EU:C:2013:351, n.º 57), bem como de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch Austria/Comissão (C‑626/13 P, EU:C:2017:54, n.º 86).


113      Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 217 e 218), e de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.º 41).


114      V., a este respeito, n.os 129 a 134 e 195 das presentes conclusões.


115      V., a este respeito, Acórdãos Generics (UK) e o. (n.os 87 e 88) e Lundbeck/Comissão (n.os 114 e 167).


116      V. as nossas Conclusões no processo Generics (UK) e o. (C‑307/18, EU:C:2020:28, n.os 113 e 114, bem como jurisprudência referida).


117      V., quanto a este aspeto, as nossas Conclusões apresentadas hoje no processo paralelo C‑176/19 P, Comissão/Servier e o.


118      V. n.º 53 das presentes conclusões.


119      Regulamento do Conselho de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.º e 102.º TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).


120      JO 2006, C 210, p. 2.


121      V. anexo G.1, apresentado pela Comissão em resposta à pergunta do Tribunal Geral de 28 de junho de 2016. V., igualmente, quadro apresentado pela Servier no anexo P.03 à sua petição de recurso da decisão do Tribunal Geral, baseado no modo de cálculo utilizado pela Comissão no referido anexo G.1. Com este modo de cálculo, o montante final da coima imposta a título do acordo Lupin quanto a cada Estado‑Membro é obtido do seguinte modo: [(Valor das vendas ajustado x Montante variável) x Duração] + [Valor das vendas x Montante adicional] (sendo o montante adicional fixado em 0 no âmbito do acordo Lupin; v. considerando 3139 da decisão controvertida). Os montantes assim obtidos quanto a cada Estado‑Membro são seguidamente adicionados quanto a cada um dos acordos.


122      Acórdãos de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, EU:C:2002:582, n.os 60 a 62 e 693 a 695), e de 24 de setembro de 2019, Printeos e o./Comissão (T‑466/17, EU:T:2019:671, n.os 56 a 58).


123      Sem prejuízo das consequências da presente anulação sobre a declaração da infração constituída pelo acordo Lupin relativamente à Lupin (Acórdão de 14 de setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C‑310/97 P, EU:C:1999:407, n.os 49 e segs.).