Language of document : ECLI:EU:C:2021:116

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 11 de fevereiro de 2021 (1)

Processo C901/19

CF,

DN

contra

Bundesrepublik Deutschland

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga, Alemanha)]

«Diretiva 2011/95/UE — Normas mínimas relativas às condições a preencher para a concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária — Pessoa elegível para proteção subsidiária — Artigo 2.o, alínea f) — Risco real de sofrer ofensa grave — Artigo 15.o, alínea c) — Ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno — Apreciação do grau de violência indiscriminada»






1.        Como medir o grau de violência indiscriminada de um conflito armado, para efeitos da apreciação de um pedido de concessão de proteção subsidiária com base no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95/UE (2)? A obtenção dessa proteção pode depender do preenchimento de um critério quantitativo prévio que define um número mínimo de vítimas — feridos ou mortos —, na zona de combate, por referência à população existente no local, ou implicará, ab initio, uma avaliação global, simultaneamente quantitativa e qualitativa, de todos os aspetos que caracterizam esse conflito armado?

2.        São estas as questões que se colocam no presente processo e que dão ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar a sua jurisprudência proferida na vigência da Diretiva 2004/83/CE (3).

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

3.        O artigo 2.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

b)      “Beneficiário de proteção internacional”, uma pessoa a quem foi concedido o estatuto de refugiado ou o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

[…]

f)      “ Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se aplique o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

[…]»

4.        O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», dispõe, designadamente:

«1.      Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

[…]

3.      A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)      Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido […];

b)      As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)      A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

[…]

4.      O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido ou do risco real de sofrer ofensa grave, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.

[…]»

5.        Nos termos do artigo 15.o da referida diretiva:

«São ofensas graves:

a)      A pena de morte ou a execução; ou

b)      A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou

c)      A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.»

B.      Direito alemão

6.        A Diretiva 2011/95 foi transposta para o ordenamento jurídico alemão pela Asylgesetz (Lei Relativa ao Direito de Asilo) (BGBl. I p. 1798; a seguir «AsylG»).

7.        O § 4, n.os 1 e 3, da AsylG, ao transpor os artigos 2.o e 15.o da Diretiva 2011/95, define as condições de concessão da proteção subsidiária. Esta disposição tem a seguinte redação:

«(1)      Entende‑se que um estrangeiro é elegível para proteção subsidiária quando em relação ao mesmo se verificou existirem motivos significativos para acreditar que corre um risco de sofrer uma ofensa grave no seu país de origem. São ofensas graves:

1.      A pena de morte ou a execução,

2.      A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante, ou

3.      A ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.

[…]»

II.    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8.        Resulta da decisão de reenvio que os recorrentes no processo principal são dois cidadãos afegãos, originários da província de Nangarhar (Afeganistão), cujos pedidos de asilo na Alemanha foram indeferidos pelo Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para as Migrações e os Refugiados). As ações intentadas nos tribunais administrativos de Karlsruhe e de Freiburg não procederam. No órgão jurisdicional de recurso, o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga, Alemanha), os recorrentes pediram a concessão da proteção subsidiária ao abrigo do § 4 da AsylG, caso não lhes fosse reconhecido o estatuto de refugiado.

9.        Neste contexto, esse órgão jurisdicional pretende obter mais esclarecimentos sobre os critérios aplicáveis, no direito da União, para a concessão da proteção subsidiária em caso de violência indiscriminada resultante de um conflito que afeta a população civil, a que se refere o artigo 15.o, alínea c), conjugado com o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95. Com efeito, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou a este respeito e a jurisprudência dos demais órgãos jurisdicionais na matéria não é uniforme. Enquanto, por vezes, se procede a uma apreciação global baseada em todas as circunstâncias do caso, outras abordagens assentam essencialmente numa análise fundada no número de vítimas civis.

10.      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, para se concluir se uma pessoa não especificamente afetada devido a circunstâncias próprias à sua situação pessoal foi objeto de ameaça grave e individual, a jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) relativa ao § 4, n.o 1, primeiro período, e segundo período, ponto 3, da AsylG, que transpõe o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), dessa diretiva, afasta‑se sensivelmente da jurisprudência que se baseia numa apreciação global das circunstâncias específicas de cada caso, efetuada por outros órgãos jurisdicionais, nomeadamente pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

11.      Segundo o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal), a constatação da existência de ameaça grave e individual (sofrida por pessoas que não estão expostas a um risco específico em virtude da sua situação pessoal) pressupõe necessariamente uma avaliação quantitativa do «risco de morte e de lesões», expresso na relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total da população existente nessa zona, devendo o resultado obtido atingir obrigatoriamente um certo nível mínimo. Ora, até à data, o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal), embora não tenha quantificado esse nível mínimo, considerou, porém, que não era suficiente uma probabilidade de morrer ou de sofrer lesões da ordem de 0,12 % ou de 1 em 800 por ano, visto ser amplamente inferior ao nível mínimo necessário. Segundo essa jurisprudência, se esse limiar de probabilidade não for excedido, não se justifica uma avaliação adicional da intensidade do risco, e mesmo uma apreciação global das circunstâncias específicas do caso não poderá levar à constatação da existência de ameaça grave e individual.

12.      Por conseguinte, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se as ameaças graves e individuais dependerem sobretudo do número de vítimas civis, os pedidos dos recorrentes de obtenção de proteção subsidiária deviam ser indeferidos. Em contrapartida, se se proceder a uma apreciação global que também atenda a outras circunstâncias geradoras de riscos, o nível atual de violência que grassa na província de Nangarhar seria tão elevado que os recorrentes, que não têm acesso à proteção no interior do país, seriam gravemente ameaçados devido à sua mera presença no território em questão.

13.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, na verdade, o Tribunal de Justiça já declarou, no Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, a seguir «Acórdão Elgafaji», EU:C:2009:94), que, quando a pessoa em causa não é afetada em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, a existência de uma ameaça grave e individual resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado, na aceção do artigo 15.o da Diretiva 2011/95, pode excecionalmente ser dada como provada quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito seja de um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que essa pessoa poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território em causa, um risco real de sofrer tal ameaça. Todavia, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre os critérios aplicáveis à determinação do nível de violência necessário.

14.      Foi neste contexto que o Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 15.o, alínea c), e o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva [2011/95] opõem‑se à interpretação e aplicação de uma disposição de direito nacional segundo a qual uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado (no sentido de que, pela sua mera presença no território em causa, o civil correria um risco real de exposição a tal ameaça), nos casos em que essa pessoa não é especificamente visada devido às circunstâncias concretas da sua situação pessoal, só pode existir se já tiver sido confirmado um número mínimo de vítimas civis (mortos e feridos)?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão prejudicial: deve a apreciação da questão de saber se tal ameaça se irá concretizar ser efetuada com base na ponderação global de todas as circunstâncias do caso concreto? Na negativa: que outros requisitos são impostos pelo direito da União para efetuar essa apreciação?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

15.      Os Governos alemão, francês e neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e orais na audiência realizada em 19 de novembro de 2020, na qual os recorrentes no processo principal também foram ouvidos.

IV.    Análise

A.      Observações preliminares

16.      O órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, que revogou e substituiu a Diretiva 2004/83, com efeitos a partir de 21 de dezembro de 2013. É certo que esta alteração de norma não deu lugar a nenhuma alteração no regime jurídico da concessão da proteção subsidiária, nem sequer na numeração das disposições em causa. Assim, o teor do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 é rigorosamente idêntico ao do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83.

17.      A este propósito, é interessante notar que esse artigo 15.o da Diretiva 2004/83 era uma das três disposições referidas no artigo 37.o dessa diretiva, que obrigava a Comissão a apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório sobre a aplicação desse diploma e a propor as alterações eventualmente necessárias (4). Nesse contexto, a Comissão veio referir, numa Comunicação de 17 de junho de 2008, intitulada «Plano de ação em matéria de asilo — Uma abordagem integrada da proteção na UE» (5), que «poderá ser necessário, nomeadamente, clarificar melhor as condições de elegibilidade para beneficiar de proteção subsidiária, visto que a redação das atuais disposições relevantes permite divergências significativas na interpretação e aplicação deste conceito nos Estados‑Membros».

18.      Apesar desta conclusão e do renovado pedido de clarificação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83 apresentado pelas entidades consultadas, a proposta de diretiva de 21 de outubro de 2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional (6), mencionava, finalmente, que era inútil alterar essa disposição, dada a solução acolhida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Elgafaji. O legislador da União de 2011 acolheu essa proposta e, portanto, optou pelo statu quo normativo em virtude de uma jurisprudência que deveria prestar os esclarecimentos necessários, mas que o órgão jurisdicional de reenvio considera manifestamente insuficientes, dados os termos do pedido de decisão prejudicial. A intensidade dos debates na audiência demonstra, de resto, que o referido órgão jurisdicional não é o único a interrogar‑se sobre o sentido do Acórdão Elgafaji.

B.      Quanto ao alcance das questões prejudiciais

19.      Na audiência, por iniciativa do Governo neerlandês e em relação à resposta a dar à segunda questão prejudicial, ocorreram efetivamente discussões importantes sobre o sentido exato de um aspeto específico do Acórdão Elgafaji. Importa sublinhar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça pretendeu clarificar o âmbito de aplicação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, que define uma das três ofensas graves cuja caracterização pode implicar a concessão de proteção subsidiária à pessoa que as sofre.

20.      O Tribunal de Justiça indicou, assim, que o caso a que o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 se refere, constituído por uma «ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física» do requerente, «cobre um risco de ofensa mais geral» do que os mencionados nas alíneas a) e b) do mesmo diploma. Nesse sentido, o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 refere‑se mais genericamente à «ameaça […] contra a vida ou a integridade física de um civil, e não [a] determinadas violências». Essa ameaça é inerente a uma situação geral de conflito armado internacional ou interno gerador de uma violência qualificada de «indiscriminada», termo que implica que pode afetar pessoas «independentemente da sua situação pessoal» (7). Daqui decorre que a caracterização da ameaça grave e individual não depende da condição de o requerente da proteção subsidiária fazer prova de que é visado especificamente devido a elementos próprios da sua situação pessoal.

21.      Todavia, a simples verificação objetiva de que existe um risco decorrente da situação geral não basta, em princípio, para se concluir que estão preenchidos os requisitos enunciados no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95. Segundo o Tribunal de Justiça, a existência dessa ameaça pode excecionalmente ser dada como provada «quando o grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito armado em curso […] seja de um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que um civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer tal ameaça» (8).

22.      Resulta, portanto, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 não implica uma apreciação da situação pessoal do requerente, pelo menos num primeiro momento. Com efeito, dada a necessidade de uma interpretação sistemática em comparação com as duas outras situações previstas no artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95, o Tribunal de Justiça acrescentou, no n.o 39 do Acórdão Elgafaji, que «quanto mais o requerente puder eventualmente demonstrar que é especificamente afetado em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, menos elevado será o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da proteção subsidiária».

23.      Tanto nas suas observações escritas como na audiência, o Governo neerlandês sustentou que o dispositivo desse acórdão, segundo o qual a aplicação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 não está subordinada à condição de o requerente fazer prova de que é visado especificamente em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, contraria o referido parágrafo. A menos que esta disposição seja desprovida de qualquer efeito útil, só pode dizer respeito à apreciação de um risco de ameaça fundada unicamente na consideração de circunstâncias materiais, objetivas, de caráter geral, sem se atender a nenhum dos elementos pessoais do requerente de proteção. Esta análise é contestada pela Comissão, que vê no n.o 39 do Acórdão Elgafaji a expressão do conceito de «escala móvel» ou «degressiva» (9), que pode incluir, além das referidas circunstâncias, elementos individuais próprios ao interessado.

24.      Pela minha parte, considero que a letra do n.o 39 do Acórdão Elgafaji é intrinsecamente explícita e que o número seguinte confirma o sentido evocado pela Comissão (10). Com efeito, nesse n.o 40, o Tribunal de Justiça refere a possibilidade de, ao proceder à avaliação do pedido de proteção subsidiária, ser tida em conta a existência, em relação à pessoa do requerente, de anterior perseguição, ofensa grave ou ameaça direta nesse sentido. Considera que esse passado prejudicial constitui, designadamente, um indício sério do risco real de sofrer ofensa grave, mencionado no artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2011/95, «perante o qual a exigência de uma violência indiscriminada requerida para poder beneficiar da proteção subsidiária é suscetível de ser menos elevada». Afigura‑se, assim, que o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado em conjugação com o artigo 4.o desta, como adiante se verá, e que elementos de natureza pessoal podem também, eventualmente, ser tidos em conta na apreciação da existência de uma ameaça grave e individual na aceção da primeira disposição.

25.      Em todo o caso, esta discussão não é, em meu entender, pertinente no contexto da resposta a dar ao órgão jurisdicional de reenvio, no que toca à sua utilidade para a solução do litígio no processo principal. Importa sublinhar que, após ter indicado que não era possível conceder a proteção subsidiária aos requerentes ao abrigo das disposições nacionais de transposição do artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95, o órgão jurisdicional de reenvio explica, em primeiro lugar, que os interessados não são mais especificamente afetados, em razão da sua situação pessoal, na aceção do Acórdão Elgafaji, pela violência indiscriminada que grassa na província, sendo expressamente referido o n.o 39 deste último (11).

26.      Evoca em seguida a sua convicção, fundada numa apreciação global da situação geral em matéria de segurança no Afeganistão, e, portanto, em elementos não relacionados com a pessoa dos requerentes, de que, se estes voltassem para a província de Nangarhar, correriam, devido à sua mera presença, um risco real de sofrer uma ameaça grave e individual resultante da violência indiscriminada gerada pelo conflito (12), colocando‑se, assim, na situação definida no n.o 35 do Acórdão Elgafaji. O alcance das questões prejudiciais fica, pois, limitado à determinação de critérios impessoais de avaliação do nível de violência indiscriminada do conflito armado. Nesse contexto, a resposta que se espera do Tribunal de Justiça relativamente à interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 não implica, em meu entender, nenhuma discussão acerca do significado do n.o 39 do Acórdão Elgafaji (13).

27.      Importa, por último, sublinhar que resulta do pedido de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 e pretende, precisamente, obter mais esclarecimentos sobre os critérios aplicáveis em direito da União no que toca às condições de obtenção da proteção subsidiária em caso de violência indiscriminada contra a população civil resultante de um conflito armado. Em sua opinião, essas questões não encontram uma resposta inequívoca na jurisprudência existente do Tribunal de Justiça, já que este não se pronunciou sobre os referidos critérios no Acórdão Elgafaji. É à luz destas explicações que devem ser interpretadas as questões prejudiciais, cuja articulação, devido à formulação ambígua da segunda questão, pode suscitar dificuldades.

28.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à interpretação de uma prática nacional segundo a qual a constatação da existência de uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado, na aceção dessa disposição, no caso em que essa pessoa não é especificamente visada devido a elementos próprios da sua situação, pressupõe que a relação entre o número de vítimas — mortas ou feridas —, na zona em causa, e o número da população total dessa zona atinja um certo limiar mínimo (14).

29.      Em caso de resposta afirmativa a esta primeira questão e da consequente necessidade de proceder a uma apreciação global dos diferentes elementos que caracterizam a situação em causa, o órgão jurisdicional de reenvio questiona no essencial o Tribunal de Justiça, através da sua segunda questão, sobre a natureza das circunstâncias que poderão ser pertinentes para efeitos da caracterização da referida ameaça.

C.      Quanto à primeira questão prejudicial

30.      Resulta do artigo 18.o da Diretiva 2011/95, conjugado com a definição da expressão «pessoa elegível para proteção subsidiária», constante do artigo 2.o, alínea f), dessa diretiva, e da expressão «estatuto de proteção subsidiária», que figura no artigo 2.o, alínea g), da mesma, que o estatuto de proteção subsidiária a que essa diretiva se refere deve, em princípio, ser conferido a qualquer nacional de um país terceiro ou apátrida que, caso volte para o seu país de origem ou para o país em que tinha a sua residência habitual, corra o risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o da mencionada diretiva (15). Entre os três tipos de ofensas graves definidas no artigo 15.o da Diretiva 2011/95 figura, na alínea c), a ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno.

31.      Em conformidade com jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (16). Importa, portanto, proceder a uma interpretação literal, sistemática e teleológica do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, conjugado com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, tendo em conta o acervo jurisprudencial pertinente para a resolução do litígio no processo principal. Essa análise parece‑me dever levar à conclusão de que a concessão da proteção subsidiária não pressupõe um número mínimo de vítimas, conclusão que encontra apoio no exame da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferida à luz do artigo 3.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e pelas recomendações do EASO.

1.      Quanto à interpretação literal

32.      Parece‑me adequado sublinhar que as disposições em causa da Diretiva 2011/95 se referem à existência de um «risco real» de o requerente de proteção internacional sofrer uma ofensa grave, definida como uma ameaça grave e individual contra «a vida ou a integridade física» de um civil. O conceito de «risco real» remete para o nível de prova exigido para efeitos da avaliação, de natureza factual, dos riscos, e corresponde a um critério de probabilidade que não é possível reduzir a uma simples eventualidade. Um recenseamento do número de vítimas civis num determinado território afigura‑se ser, a este propósito, um elemento não especulativo, mas que, pelo contrário, faz parte da realidade e, portanto, é suscetível de caracterizar o risco em causa. Quanto à referência a uma ameaça contra «a vida ou a integridade física» de um civil, é possível concluir que o número de civis mortos não é o único parâmetro pertinente, podendo a referida expressão incluir outras ofensas à integridade física, ou mesmo de natureza psicológica (17).

33.      Embora estas considerações tenham interesse real, afigura‑se que a interpretação literal do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, conjugado com o artigo 2.o, alínea f), da mesma, não oferece uma resposta suficiente e unívoca à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

2.      Quanto à interpretação sistemática

34.      Segundo jurisprudência constante, qualquer decisão sobre a concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária deve basear‑se numa apreciação individual que visa determinar se, tendo em conta a situação pessoal do requerente, estão preenchidos os requisitos para a concessão do referido estatuto. Resulta, pois, do regime de concessão do estatuto uniforme de asilo ou de proteção subsidiária definido pelo legislador da União que a avaliação do pedido de proteção internacional, exigida pelo artigo 4.o da Diretiva 2011/95, tem por objeto determinar se o requerente — ou, se for o caso, a pessoa em nome da qual aquele apresenta o pedido — receia, com razão, ser pessoalmente perseguido ou corre pessoalmente um risco real de ofensa grave (18).

35.      O artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 enumera os elementos que as autoridades competentes devem ter em conta na apreciação individual de um pedido de proteção internacional, entre os quais figuram «todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem» (19). O Tribunal de Justiça apoiou‑se precisamente nesse texto, no Acórdão Elgafaji, para enunciar que, ao proceder à avaliação individual de um pedido de proteção subsidiária, pode «designadamente» ter‑se em conta a dimensão geográfica da situação de violência indiscriminada bem como o destino efetivo do requerente em caso de expulsão para o país em causa, como resulta do artigo 8.o, n.o 1, dessa diretiva.

36.      A este propósito, importa sublinhar que se a proteção não estiver disponível na zona de residência do país de origem do requerente, a autoridade nacional competente deve averiguar, ao abrigo do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, se existe uma parte desse país que seja segura. A autoridade nacional competente pode decidir que um requerente não necessita de proteção internacional se, no seu país de origem, houver uma parte do território onde ele não tenha um receio fundado de ser perseguido e não corra um risco real de sofrer ofensa grave, ou tenha acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave. No âmbito dessa apreciação, o artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva enuncia que os Estados‑Membros devem, no momento em que tomam a decisão sobre o pedido, ter em conta as «condições gerais nessa parte do país» e a situação pessoal do requerente, em conformidade com o artigo 4.o desse mesmo diploma.

37.      A leitura conjugada dos artigos 4.o, 8.o e 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 parece‑me confirmar a solução da obrigatoriedade de uma abordagem global da situação conflitual em causa, com a tomada em consideração de uma pluralidade de fatores situados no mesmo plano, solução que o Tribunal de Justiça, ao que me parece, confirmou sem se referir expressamente às duas primeiras disposições no Acórdão de 30 de janeiro de 2014, Diakité (C‑285/12, EU:C:2014:39).

38.      Após ter determinado o sentido e o alcance do conceito de «conflito armado» a que se refere o artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83, o Tribunal de Justiça indicou que tal conflito só podia levar à concessão da proteção subsidiária se o grau de violência indiscriminada que o caracteriza atingisse o nível exigido no Acórdão Elgafaji. Também considerou que a prova da existência de um conflito armado não obrigava a uma apreciação específica da intensidade dos confrontos, independente da apreciação que tinha por objeto medir o referido grau de violência. Ao ilustrar e precisar a sua abordagem, o Tribunal de Justiça enumerou diversos elementos concretos úteis para medir o grau de violência que grassa em determinado território, afastando a necessidade de os analisar autonomamente para demonstrar a existência de um conflito, a saber: a intensidade dos confrontos armados, o nível de organização das forças armadas em presença ou a duração do conflito. O ensinamento indireto e implícito que se retira do Acórdão Diakité é que a avaliação do grau de intensidade da violência indiscriminada não pode ficar circunscrita ao único critério quantitativo prévio do número de vítimas por referência à população presente em determinado território (20).

3.      Quanto à interpretação teleológica

39.      Em primeiro lugar, resulta do considerando 12 da Diretiva 2011/95 que um dos seus principais objetivos consiste em assegurar que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional (21).

40.      Atento esse objetivo, afigura‑se primordial garantir uma interpretação homogénea do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 no conjunto dos Estados‑Membros. Mais exatamente, como enunciado no considerando 13 dessa diretiva, «[a] aproximação das normas sobre o reconhecimento do estatuto de refugiado e do estatuto de proteção subsidiária, bem como das normas relativas ao seu conteúdo, deverá contribuir para limitar os movimentos secundários de requerentes de proteção internacional entre os Estados‑Membros, nos casos em que tais movimentos são exclusivamente devidos às diferenças existentes entre os seus regimes jurídicos». Ora, o condicionamento da concessão da proteção subsidiária à existência prévia de um número mínimo de vítimas, determinado unilateral e discricionariamente pelas autoridades nacionais competentes, poderá ir contra esse objetivo.

41.      Como o Governo francês acertadamente sublinha, os requerentes de proteção internacional podem, com efeito, ser incitados a abandonar o primeiro país onde chegaram, para se deslocarem para outros Estados‑Membros onde esse número mínimo não se aplica ou cujo limiar de exigência seja menos elevado, provocando assim movimentos secundários que a Diretiva 2011/95 pretende evitar ao aproximar as normas relativas ao reconhecimento e ao conteúdo do estatuto da proteção subsidiária. Esse resultado, na medida em que tem origem numa diferença entre os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros, parece‑me contrariar diretamente o objetivo fixado no referido considerando 13 e privaria significativamente as disposições em causa da Diretiva 2011/95 do seu efeito útil.

42.      Em segundo lugar, resulta dos considerandos 5, 6 e 24 da Diretiva 2011/95 que os critérios mínimos de concessão da proteção subsidiária devem permitir completar a proteção dos refugiados consagrada na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951, identificando as pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e concedendo‑lhes um estatuto adequado (22). A interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 e, consequentemente, também a do âmbito de aplicação do mecanismo da proteção subsidiária deve, portanto, ser efetuada à luz do objetivo expresso da referida diretiva de assegurar uma proteção internacional a quem realmente dela necessite.

43.      Ora, parece‑me que uma interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 que se reconduza à aplicação de um critério quantitativo que assenta na existência necessária e prévia de um número mínimo de vítimas levanta, a este respeito, sérias dificuldades. Sublinho que o Governo alemão, ao mesmo tempo que nas suas observações escritas evoca um critério objetivo, apropriado e verificável, cita um excerto de uma decisão do Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal), revelador dessas dificuldades, segundo o qual é necessário «determinar quantitativamente, no mínimo aproximadamente, por um lado, o número total de civis que vivem na região em causa e, por outro, os atos de violência indiscriminada perpetrados pelas partes no conflito contra a vida ou a integridade física dos civis nessa região».

44.      Este excerto põe em evidência uma dupla problemática estatística, a da obtenção de dados fiáveis e exatos relativos tanto ao número de vítimas civis como ao número de pessoas presentes no país ou território em causa e que se encontrem no meio de violentos confrontos que geram inevitavelmente deslocações da população em pânico. Esta situação suscita a questão da existência de fontes de informação objetivas e independentes, presentes perto das zonas de combate, para contabilizar com fiabilidade os dados em causa (23). Como é óbvio, a obtenção de elementos objetivos, fiáveis e devidamente atualizados sobre as circunstâncias locais que caracterizam um conflito armado, além dos relativos ao número de vítimas e à população presente no local, também se revela delicada. Mas, em minha opinião, é inegável que subordinar a obtenção da proteção subsidiária à satisfação prévia de um único critério quantitativo, que é, ele próprio, incerto quanto à sua fiabilidade, não é a melhor maneira de identificar as pessoas que realmente necessitam de proteção internacional.

45.      Por último, importa sublinhar que o método descrito na decisão de reenvio é o da determinação de um rácio, ou seja, a relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total da população existente nessa zona. Esse rácio será considerado satisfatório ou não, consoante seja superior ou inferior a um limiar definido de forma unilateral e discricionária pela autoridade nacional competente, sem que o referido limiar seja sequer mencionado como tal, o que está longe de se assemelhar, em minha opinião, a um critério alegadamente objetivo (24). Este método deve ser diferenciado daquele que tem apenas por objeto uma contabilização do número total de vítimas, o qual constitui, sem prejuízo de uma fiabilidade suficiente, um dos indícios objetivos do grau de violência indiscriminada de um conflito armado.

46.      Em terceiro lugar, cabe referir que, em conformidade com o disposto no artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95, o regime de proteção subsidiária visa precaver o indivíduo contra um risco real de ofensa grave caso volte para o seu país de origem, o que implica que existem motivos significativos para acreditar que a pessoa em causa, se voltasse para esse país, correria esse risco (25). Afigura‑se, assim, que a análise a efetuar pela autoridade nacional competente consiste em apreciar uma situação hipotética futura, que implica necessariamente uma forma de prospetiva.

47.      Esta análise necessariamente dinâmica não pode, em meu entender, resumir‑se a uma simples avaliação quantitativa de um número de vítimas por referência a uma determinada população e a um determinado momento, mais ou menos afastado do momento em que a autoridade ou o órgão jurisdicional nacional se tem de pronunciar (26). A apreciação da necessidade de proteção internacional deve poder abranger aspetos não quantificáveis como a última evolução de um conflito armado que, se ainda não se traduziu num aumento de vítimas, é suficientemente significativa para caracterizar um risco real de ofensas graves para a população civil (27).

4.      Quanto à interpretação da Diretiva 2011/95 à luz da proteção dos direitos fundamentais

48.      Como resulta do considerando 16 da Diretiva 2011/95, a interpretação das disposições dessa diretiva deve ser efetuada no respeito dos direitos reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (28), referindo‑se o órgão jurisdicional de reenvio, a este propósito, no pedido de decisão prejudicial, ao artigo 4.o da Carta.

49.      As anotações relativas à Carta, no que se refere ao seu artigo 4.o, que, de acordo com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta, foram elaboradas com vista a orientar a interpretação desta última e devem ser tidas devidamente em conta tanto pelos órgãos jurisdicionais da União como pelos dos Estados‑Membros, mencionam expressamente que o direito constante do artigo 4.o corresponde ao que é garantido pelo artigo 3.o da CEDH, cuja letra é idêntica: «Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes». Por força do artigo 52.o, n.o 3, da Carta, tem, portanto, o mesmo sentido e o mesmo alcance que este último artigo (29).

50.      Importa, contudo, recordar que, ao responder ao órgão jurisdicional de reenvio que o interrogava sobre a articulação entre a proteção prevista no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83 e a garantida pelo artigo 3.o da CEDH, o Tribunal de Justiça esclareceu, no Acórdão Elgafaji, que o referido artigo 15.o, alínea c), estabelece um caso de proteção subsidiária que não corresponde ao da proibição da tortura ou dos tratos desumanos ou degradantes garantida pelo artigo 3.o da CEDH e deve, portanto, ser interpretado de modo autónomo, respeitando, porém, os direitos fundamentais tal como garantidos pela CEDH (30).

51.      A este propósito, é interessante notar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem indicou claramente não estar «convencido» de que o artigo 3.o da CEDH não oferecia uma proteção comparável à concedida ao abrigo do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2004/83. Sublinhou que o limiar fixado nesta última disposição e no artigo 3.o da CEDH podia, em circunstâncias excecionais, ser alcançado em consequência de uma situação de violência geral tão intensa que qualquer pessoa que voltasse para a região em causa ficaria em perigo apenas devido à sua presença (31). Atenta esta proximidade de análise, afigura‑se que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para apreciar o grau de violência geral pode fornecer elementos de resposta às questões prejudiciais colocadas no presente processo. Ora, é pacífico que o método adotado por este órgão jurisdicional assenta numa apreensão global do conjunto dos dados pertinentes, que podem variar de um processo para outro e não estão reduzidos a um aspeto quantitativo (32).

52.      Resulta das considerações anteriores que a determinação da existência de ofensas graves na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 pressupõe uma análise global e cruzada do conjunto dos factos pertinentes suscetível de caracterizar ou não a existência de uma violência indiscriminada de um nível tão elevado que os civis correm o risco de sofrer ofensas graves pela sua mera presença no território em causa. A concessão da proteção subsidiária não pressupõe o preenchimento de um requisito prévio de um certo número mínimo de vítimas por referência a uma determinada população.

53.      Esta interpretação encontra apoio nos relatórios do EASO (33) que recomendam aos órgãos jurisdicionais, no que respeita à avaliação do nível de violência, que adotem uma abordagem global e inclusiva, tanto quantitativa como qualitativa, e tenham em conta um vasto leque de variáveis pertinentes, sem se limitarem a um exame puramente quantitativo do número de mortos e feridos entre os civis (34). O EASO remete, a este propósito, para decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e de órgãos jurisdicionais nacionais, declarando, manifestamente com pesar, que o Tribunal de Justiça «não auxilia os órgãos jurisdicionais a perceber como devem proceder», o que nos leva à segunda questão prejudicial.

D.      Quanto à segunda questão prejudicial

54.      Como exposto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95 e pretende obter mais esclarecimentos sobre as condições de aplicação dessa disposição, considerando, a este respeito, insuficientes os fundamentos do Acórdão Elgafaji. Esse pesar, ou crítica, também se deteta numa parte da doutrina e na análise do EASO, que considera que o Tribunal de Justiça «não forneceu nenhuma orientação sobre os critérios de avaliação do nível de violência num conflito armado» (35).

55.      Aborda‑se aqui a problemática particularmente delicada da distinção entre a missão de interpretação do direito da União, que, nos processos prejudiciais, cabe ao Tribunal de Justiça, e a aplicação desse direito, que, em princípio, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, distinção por vezes difícil de apreender e cuja efetivação implica proceder a uma correta análise do processo prejudicial em causa e do seu contexto jurisprudencial.

56.      O presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, que contém um conceito jurídico muito genérico, devendo recordar‑se que esse texto é fruto de um compromisso entre os Estados‑Membros que, manifestamente, optaram por confiar aos órgãos jurisdicionais o cuidado de determinar os seus contornos exatos. A este propósito, o Tribunal de Justiça procedeu, no Acórdão Elgafaji, a uma interpretação deste conceito que, à luz dos termos do dispositivo do acórdão, se poderá qualificar de ampla. Este dispositivo inclui, aliás, a menção «apreciado pelas autoridades nacionais competentes […] ou pelos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro», a propósito do grau de violência indiscriminada que caracteriza o conflito, formulação que habitualmente traduz a vontade do Tribunal de Justiça de deixar ao órgão jurisdicional de reenvio a incumbência de apreciar os dados factuais de que depende o resultado da aplicação desse acórdão interpretativo. Esta interpretação foi completada, pelo menos implicitamente, no Acórdão Diakhité (36), em que o Tribunal de Justiça evoca a intensidade dos confrontos armados, o nível de organização das forças armadas em presença e a duração do conflito enquanto elementos a considerar na apreciação do risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95.

57.      Acontece que o presente pedido de decisão prejudicial (37), as observações da doutrina e do EASO revelam que os esclarecimentos prestados pelo Tribunal de Justiça são considerados insuficientes ou nem sequer foram reconhecidos, o que pode indiciar uma certa falta de clareza dos acórdãos em causa. Pela minha parte, parece‑me efetivamente difícil considerar que existe uma jurisprudência suficientemente elaborada no que se refere à interpretação do conceito de «risco real» de sofrer ofensa grave constante da referida disposição. Uma vez que este conceito determina o âmbito de aplicação da proteção subsidiária em direito da União, poderá ser oportuno clarificar a sua interpretação. O Tribunal de Justiça, ao dar indicações adicionais sobre as circunstâncias suscetíveis de ser tidas em conta quando da aplicação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, está a favorecer uma aplicação homogénea dessa disposição na União e cumpre, assim, o objetivo de identificação de critérios comuns aos Estados‑Membros, enunciado no considerando 12 da referida diretiva.

58.      Nesta ótica, se o Tribunal de Justiça pretendesse clarificar a sua jurisprudência, poderia fundar‑se utilmente nas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que veio indicar que a situação de violência generalizada podia ser apreciada à luz da utilização ou não, pelas partes no conflito, de métodos e táticas de guerra que aumentem o risco da existência de vítimas civis ou que visem diretamente os civis, do caráter habitual ou não da utilização desses métodos pelas partes no conflito, do caráter localizado ou generalizado dos combates, do número de vítimas civis mortas, feridas ou deslocadas devido aos combates. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem esclareceu que esses critérios não correspondiam a uma lista exaustiva que devia ser aplicada em todos os casos (38). Por outro lado, embora esses critérios constituam, a priori, um conjunto de indícios pertinentes, só devem ser tidos em conta se assentarem em dados fiáveis e atualizados, provenientes das mais variadas fontes independentes e objetivas (39).

59.      Para definir esses critérios, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem remeteu diretamente para uma decisão do Tribunal da Imigração e do Asilo britânico (40). Quanto a este aspeto, os órgãos jurisdicionais nacionais combinam diversos fatores a fim de medir o grau de violência que afeta o país ou a região em causa. Resulta da análise da jurisprudência de diversos Estados‑Membros (41) que são igualmente tidos em conta o número de vítimas civis, mortas e feridas, nas zonas geográficas pertinentes, as deslocações provocadas pelo conflito armado, os métodos e táticas de guerra assim como as suas consequências para os civis, a violação dos direitos do homem, a capacidade do Estado ou das organizações que controlam o território para proteger os civis e a assistência prestada pelas organizações internacionais. A grande variedade dos critérios examinados pelas autoridades nacionais demonstra que o método de apreciação global é utilizado pela maioria das autoridades nacionais quando se pronunciam sobre um pedido de proteção subsidiária que corresponde à hipótese prevista no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95. Esta abordagem global e dinâmica pressupõe uma análise cruzada do conjunto dos dados pertinentes recolhidos pelas autoridades nacionais. Por outras palavras, as circunstâncias assinaladas quando do pedido de proteção subsidiária não devem ser consideradas isoladamente, mas ser conjugadas entre si a fim de se determinar a existência de ameaça grave e individual na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95.

60.      Em conclusão, a última questão que se coloca é a de saber se o esclarecimento que legitimamente se espera do Tribunal de Justiça acerca da apreciação do grau de violência necessário se deve traduzir numa formulação interpretativa mais explícita, mas sempre de caráter geral, ou numa enumeração de elementos concretos de avaliação da intensidade do conflito, como os indicados nas presentes conclusões, que mantêm um certo grau de generalidade. Embora não tenha a certeza de que uma ou outra destas opções seja suscetível de prevenir o reenvio ao Tribunal de Justiça de novas questões prejudiciais sobre o conceito de «risco real» de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, a minha preferência vai para a segunda solução, que consiste apenas numa simples recapitulação e complemento dos critérios de apreciação já enunciados pelo Tribunal de Justiça (42). É óbvio que essa enumeração não tem caráter exaustivo.

V.      Conclusão

61.      À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda da seguinte forma às duas questões prejudiciais submetidas pelo Verwaltungsgerichtshof Baden‑Württemberg (Tribunal Administrativo Superior de Bade‑Vurtemberga, Alemanha):

1)      O artigo 15.o, alínea c), conjugado com o artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática nacional segundo a qual a constatação da existência de uma ameaça grave e individual contra a vida ou a integridade física de um civil, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado, na aceção dessa disposição, no caso em que essa pessoa não é especificamente visada devido às circunstâncias concretas da sua situação, pressupõe que a relação entre o número de vítimas na zona em causa e o número total da população existente nessa zona atinja um determinado limiar.

2)      A verificação do nível do grau de violência indiscriminada do conflito armado, para efeitos da determinação da existência de um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, implica uma avaliação global, tanto quantitativa como qualitativa, do conjunto dos factos pertinentes que caracterizam esse conflito, a partir da recolha de dados objetivos, fiáveis e atualizados, como, designadamente, a dimensão geográfica da situação de violência indiscriminada, o destino efetivo do requerente caso volte para o país ou região em causa, a intensidade dos confrontos armados, a duração do conflito, o nível de organização das forças armadas em presença, o número de civis mortos, feridos ou deslocados devido aos combates e a natureza dos métodos ou táticas de guerra utilizados pelos beligerantes.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).


3      Diretiva do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12).


4      Considerou‑se que esse artigo 37.o da Diretiva 2004/83 refletia a perceção que o legislador da União tinha das potenciais dificuldades de interpretação do artigo 15.o dessa diretiva, redigido de forma ambígua e fruto de um compromisso entre os Estados‑Membros (J. Périlleux, «L’interprétation de la notion de “conflit armé interne” et de “violence aveugle” de la protection subsidiaire: le droit international humanitaire est‑il une référence obligatoire?», Revue belge de droit international, 2009/1, Bruylant, pp. 113‑143).


5      COM(2008) 360 final.


6      COM(2009) 551 final.


7      Acórdão Elgafaji, n.os 33 e 34.


8      Acórdão Elgafaji, n.o 43.


9      Esta perspetiva foi também a defendida pelo Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo (EASO), no seu relatório de janeiro de 2015, intitulado «Artigo 15.o, alínea c), da Diretiva que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos requerentes de asilo (2011/95/UE) — Análise judiciária» (pp. 26 e 27), e no de abril de 2018, intitulado «Requisitos a preencher para beneficiar da proteção internacional» (p. 31). Este conceito de escala móvel ou degressiva traduz‑se no seguinte: ou se está perante territórios onde o grau de violência indiscriminada atinge um nível tão elevado que existem motivos significativos para acreditar que um civil que volte para o país ou, eventualmente, para a região em causa corre, devido à sua mera presença nesses territórios, um risco real de sofrer uma ameaça grave mencionada no artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95; ou perante territórios onde se exerce uma violência indiscriminada que, todavia, não atinge um nível tão elevado, a propósito da qual devem verificar‑se elementos individuais suplementares. Esta distinção foi utilizada, nomeadamente em França, pela Cour nationale du droit d’asile (Tribunal Nacional do Direito de Asilo; a seguir «TNDA») (v. Decisão da Grande Secção do TNDA, de 19 de novembro de 2020, M.N., n.o 19009476, n.o 10).


10      De resto, o Tribunal de Justiça reafirmou univocamente a sua posição no Acórdão de 30 de janeiro de 2014, Diakité (C‑285/12, EU:C:2014:39, n.o 31).


11      V. n.o 13 da decisão de reenvio.


12      V. n.os 14 a 20 da decisão de reenvio.


13      A dúvida do órgão jurisdicional de reenvio insere‑se no âmbito de aplicação do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, que o Governo neerlandês admite plenamente e considera mesmo como o único possível.


14      Na audiência, o representante do Governo alemão indicou, no essencial, que o órgão jurisdicional de reenvio não tinha apreendido corretamente a jurisprudência do Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal) evocada no seu despacho e tinha referido uma decisão sua de 20 de maio de 2020 que introduzia esclarecimentos que contrariavam a abordagem da aplicação sistemática de um critério quantitativo prévio como fator de exclusão da proteção subsidiária. Importa recordar, a este propósito, que o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade do direito da União à luz da situação de facto e de direito descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a fim de fornecer a este último os elementos úteis à resolução do litígio que lhe foi submetido (Acórdão de 28 de julho de 2016, Kratzer, C‑423/15, EU:C:2016:604, n.o 27), sendo da competência do juiz nacional qualquer apreciação dos factos ou do direito nacional (Acórdão de 19 de setembro de 2019, Lovasné Tóth, C‑34/18, EU:C:2019:764, n.o 42). Além disso, não restam dúvidas quanto à persistência do litígio no processo principal, dado que o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a proferir uma decisão suscetível de tomar em consideração o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça a título prejudicial.


15      Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali (C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 36).


16      Acórdão de 10 de setembro de 2014, Ben Alaya (C‑491/13, EU:C:2014:2187, n.o 22 e jurisprudência referida).


17      Esta asserção não existe em todas as versões linguísticas do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95. Assim, na versão espanhola, vem indicado: «las amenazas graves e individuales contra la vida o la integridad física de un civil […]».


18      Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova (C‑652/16, EU:C:2018:801, n.os 48 e 49).


19      V., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F (C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 33).


20      Acórdão de 30 de janeiro de 2014, Diakité (C‑285/12, EU:C:2014:39, n.os 30, 32 e 35).


21      Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali (C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 35).


22      Acórdão de 30 de janeiro de 2014, Diakité (C‑285/12, EU:C:2014:39, n.o 33).


23      A este respeito, o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 enuncia que os Estados‑Membros devem obter informações precisas e atualizadas junto de fontes relevantes, designadamente o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e o EASO.


24      Na decisão de reenvio, faz‑se referência a uma decisão do Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal) de 17 de novembro de 2011 em que esse órgão jurisdicional entendeu que a probabilidade de morrer ou de ser ferido, de cerca de 0,12 % ou de cerca de 1 em 800 por ano, era amplamente inferior ao nível mínimo necessário ou apenas revelava um risco de sofrer uma ofensa tão afastado do limiar de probabilidade pertinente que a não tomada em consideração de outras circunstâncias não podia influenciar o resultado. É incontestável que nem o limiar de probabilidade pertinente nem, por maioria de razão, os motivos que levaram à adoção desse limiar estão definidos. É, portanto, legítimo perguntar por que é que um rácio de 1 em 800 por ano é considerado insuficiente para caracterizar uma violência indiscriminada de particular intensidade.


25      V., por analogia, Acórdão de 24 de abril de 2018, MP (Proteção subsidiária de uma vítima de anteriores torturas) (C‑353/16, EU:C:2018:276, n.o 31).


26      Importa sublinhar que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), define o alcance do direito do requerente de proteção a interpor um recurso efetivo, especificando que os Estados‑Membros asseguram que o órgão jurisdicional onde seja interposto o recurso da decisão relativa ao pedido de proteção internacional proceda à «análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional». A expressão «ex nunc» põe em evidência a obrigação do órgão jurisdicional de proceder a uma apreciação que tenha eventualmente em consideração os novos elementos surgidos após a decisão que é objeto do recurso. Quanto ao adjetivo «exaustiva», confirma que o órgão jurisdicional é obrigado a examinar tanto os elementos que a autoridade responsável pela determinação teve ou poderia ter tido em conta como os surgidos após a adoção da decisão por essa autoridade [Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Reagrupamento familiar — Irmã de refugiado) (C‑519/18, EU:C:2019:1070, n.o 52].


27      É possível, nomeadamente, pensar numa rutura recente de um acordo de cessar‑fogo a que se seguiu uma penetração de forças armadas num território determinado, que implicou a deslocação em massa da população civil.


28      Acórdão de 1 de março de 2016, Alo e Osso (C‑443/14 e C‑444/14, EU:C:2016:127, n.o 29).


29      V., neste sentido, Acórdão de 27 de maio de 2014, Spasic (C‑129/14 PPU, EU:C:2014:586, n.o 54).


30      Acórdão de 17 de fevereiro de 2009, Elgafaji (C‑465/07, EU:C:2009:94, n.os 28 e 44).


31      TEDH, 28 de junho de 2011, Sufi e Elmi c. Reino Unido (CE:ECHR:2011:0628JUD000831907, § 226).


32      TEDH, 28 de junho de 2011, Sufi e Elmi c. Reino Unido (CE:ECHR:2011:0628JUD000831907, § 241).


33      Acórdão de 13 de setembro de 2018, Ahmed (C‑369/17, EU:C:2018:713, p. 56).


34      Relatórios do EASO de janeiro de 2015, intitulado «Article 15, point c), de la directive qualification aux conditions que doivent remplir les demandeurs d’asile (2011/95/EU) — Analyse judiciaire» [Artigo 15.o, alínea c), da Diretiva Qualificação quanto às condições a preencher pelos requerentes de asilo — Análise judiciária] (v., designadamente, pp. 33 a 35), e de abril de 2018, intitulado «Conditions à remplir pour bénéficier de la protection international» (Condições a preencher para beneficiar da proteção internacional) (v., designadamente, p. 32).


35      V., designadamente, Boutruche‑Zarevac, «The Court of Justice of the EU and the Common European Asylum System: Entering the Third Phase of Harmonisation?» (2009‑2010) 12 CYELS 53, 63, e relatório do EASO de janeiro de 2015, intitulado «Article 15, point c), de la directive qualification aux conditions que doivent remplir les demandeurs d’asile (2011/95/EU) — Analyse judiciaire» [Artigo 15.o, alínea c), da Diretiva Qualificação quanto às condições a preencher pelos requerentes de asilo — Análise judiciária] (v., designadamente, pp. 33 a 35).


36      Acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de janeiro de 2014 (C‑285/12, EU:C:2014:39).


37      Resulta da decisão de reenvio que as dúvidas manifestadas são de ordem interpretativa, no sentido de que o reenvio prejudicial não visa determinar a correta aplicação do conceito de «risco real» de sofrer ofensa grave, na aceção do artigo 15.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, a situações factuais muito precisas do litígio no processo principal, antes tendo por objeto um pedido de esclarecimento dos critérios que devem presidir à interpretação desse conceito, devido a uma interpretação inicial demasiado genérica. Estamos, pois, perante a situação de um reenvio prejudicial que tem por objeto um pedido de interpretação da interpretação feita pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Elgafaji.


38      TEDH, 28 de junho de 2011, Sufi e Elmi c. Reino Unido (CE:ECHR:2011:0628JUD000831907, § 241).


39      Esta necessidade é frequentemente recordada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. No seu Acórdão de 23 de agosto de 2016, J.K. e o. c. Suécia (CE:ECHR:2016:0823JUD005916612), sublinhou, portanto, «que, para apreciar a importância a atribuir aos dados sobre o país em questão, há que atender à respetiva fonte, especialmente à sua independência, fiabilidade e objetividade. No que respeita aos relatórios, a autoridade e a reputação do autor, a seriedade dos inquéritos que estão na sua origem, a coerência das respetivas conclusões e a sua confirmação através de outras fontes são outros tantos elementos pertinentes».


40      Asylum and Immigration Tribunal, 25 de novembro de 2011, AMM and others, UKUT 445.


41      O relatório intitulado «Article 15, point c), de la directive qualification aux conditions que doivent remplir les demandeurs d’asile (2011/95/EU) — Analyse judiciaire», elaborado pelo EASO (janeiro de 2015), inclui em anexo uma análise da jurisprudência em diversos Estados‑Membros.


42      Importa sublinhar que se trata, de facto, de critérios de interpretação que devem orientar os órgãos jurisdicionais nacionais na apreciação que devem fazer das circunstâncias factuais de cada caso, para efeitos da resolução dos litígios que lhes sejam submetidos.