Language of document : ECLI:EU:T:2001:95

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

20 de Março de 2001 (1)

«Bananas - Importação dos Estados ACP e de países terceiros - Cálculo da quantidade anual atribuída - Acção de indemnização - Admissibilidade - Regras da OMC - Possibilidade de invocação - Desvio de poder - Princípios gerais do direito comunitário»

No processo T-18/99,

Cordis Obst und Gemüse Großhandel GmbH, com sede em Ostrau (Alemanha), representada por G. Meier, advogado,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K.-D. Borchardt e H. van Vliet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido de reparação do prejuízo que a demandante terá sofrido devido à Comissão ter instituído, no quadro do seu Regulamento (CE) n.° 2362/98, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32), disposições alegadamente contrárias às regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e a certos princípios gerais do direito comunitário,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1), instituiu, a partir de 1 de Julho de 1993, um sistema comum de importação de bananas que substituiu os diversos regimes nacionais. Foi introduzida uma distinção entre as «bananas comunitárias», colhidas na Comunidade, as «bananas dos países terceiros», provenientes de países terceiros que não os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP), as «bananas tradicionais ACP» e as «bananas não tradicionais ACP». As bananas tradicionais ACP e as bananas não tradicionais ACP correspondem às quantidades de bananas exportadas pelos países ACP que, respectivamente, não excedem ou ultrapassam as quantidades exportadas tradicionalmente por cada um destes Estados, como fixadas no anexo ao Regulamento n.° 404/93.

2.
    Para assegurar uma comercialização satisfatória das bananas comunitárias, bem como das bananas originárias dos Estados ACP e dos outros países terceiros, o Regulamento n.° 404/93 previa a abertura de um contingente pautal anual de 2,2 milhões de toneladas (peso líquido) para as importações de bananas dos países terceiros e de bananas não tradicionais ACP.

3.
    O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93, na sua anterior redacção, operava uma repartição deste contingente pautal, abrindo-o até 66,5% para a categoria de operadores que tivessem comercializado bananas de países terceiros e/ou não tradicionais ACP (categoria A), 30% para a categoria de operadores que tivessem comercializado bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP (Categoria B) e 3,5% para a categoria de operadores estabelecidos na Comunidade que tivessem começado, a partir de 1992, a comercializar bananas que não as bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP (categoria C).

4.
    O artigo 19.°, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 404/93, na sua redacção anterior, tinha o seguinte teor:

«Com base nos cálculos feitos separadamente para cada uma das categorias de operadores referidas no n.° 1 [...] cada operador obtém certificados de importação com base na quantidade média de bananas que vendeu nos três anos anteriores com dados estatísticos disponíveis.»

5.
    O Regulamento (CEE) n.° 1442/93 da Comissão, de 10 de Junho de 1993, que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6), definia, designadamente, os critérios de determinação dos tipos de operadores das categorias A e B que podiam apresentar pedidos de certificado de importação consoante a actividade que estes operadores tinham exercido no decurso do período de referência.

6.
    Este regime de importação foi objecto de um processo de Resolução de Litígios no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), na sequência das queixas apresentadas por alguns países terceiros.

7.
    Este processo conduziu a relatórios do grupo especial da OMC de 22 de Maio de 1997 e a um relatório de 9 de Setembro de 1997 do órgão de recurso permanente da OMC que foi aprovado pelo órgão de resolução de litígios por decisão de 25 de Setembro de 1997. Com esta decisão, o órgão de resolução de litígios declarou incompatíveis com as regras da OMC vários aspectos do sistema comunitário de importação de bananas.

8.
    A fim de se conformar com esta decisão, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1637/98, de 20 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 404/93 (JO L 210, p. 28). Seguidamente, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2362/98, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 404/93 no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32).

9.
    No quadro do novo regime de importação de bananas, a repartição do contingente entre três categorias diferentes de operadores foi suprimida, prevendo o Regulamento n.° 2362/98 uma simples repartição entre «operadores tradicionais»e «novos operadores», como definidos por este regulamento. A subdivisão dos operadores das categorias A e B consoante os tipos de actividades que exerciam no mercado também foi suprimida.

10.
    Assim, o artigo 4.° do Regulamento n.° 2362/98 tem o seguinte teor:

«1. Cada operador tradicional registado num Estado-Membro nos termos do artigo 5.° obterá, para cada ano e relativamente às origens mencionadas no anexo I, uma quantidade de referência única, determinada em função das quantidades de bananas que tiver efectivamente importado durante o período de referência.

2. Relativamente às importações a efectuar em 1999 no âmbito dos contingentes pautais e das bananas tradicionais ACP, o período de referência é constituído pelos anos de 1994, 1995 e 1996.»

11.
    O artigo 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«2. Com vista ao estabelecimento da sua quantidade de referência, cada operador comunicará à autoridade competente anualmente, antes de 1 de Julho:

a)    o total das quantidades de bananas das origens mencionadas no anexo I que importou efectivamente em cada ano do período de referência;

b)    os documentos comprovativos referidos no n.° 3.

3. A importação efectiva é comprovada:

a)    pela apresentação de uma cópia dos certificados de importação utilizados, para a introdução em livre prática das quantidades indicadas, pelo titular do certificado [...] e

b)    pela prova do pagamento dos direitos aduaneiros aplicáveis no dia do cumprimento das formalidades aduaneiras de importação, quer directamente às autoridades competentes, quer por intermédio de um agente ou mandatário em alfândega.

Os operadores que fizerem prova de que pagaram os direitos aduaneiros aplicáveis aquando da introdução em livre prática de uma dada quantidade de bananas, quer directamente às autoridades competentes, quer por intermédio de um agente ou mandatário em alfândega, sem serem titulares nem cessionários do certificado de importação correspondente utilizado para essa operação [...] são considerados como tendo procedido à importação efectiva dessa quantidade, desde que estejam registados num Estado-Membro em aplicação do Regulamento (CE) n.° 1442/93 e/ou satisfaçam as condições prescritas no presente regulamento para o registo como operador tradicional. Os agentes ou mandatários em alfândega não podem reivindicar a aplicação do presente parágrafo.»

12.
    O artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«Tendo em conta as comunicações efectuadas em aplicação do n.° 2, e em função do volume global dos contingentes pautais e de bananas tradicionais ACP referidos no artigo 2.°, a Comissão fixará, se for caso disso, um coeficiente único de adaptação, a aplicar à quantidade de referência provisória de cada operador.»

Factos e tramitação processual

13.
    A recorrente, Cordis Obst und Gemüse Großhandel GmbH (a seguir «Cordis»), foi fundada em 1 de Novembro de 1990, a seguir à reunificação da Alemanha, e tem sede no território da ex-República Democrática Alemã (a seguir «RDA»). Tem por objecto social o comércio por grosso de frutos e, nomeadamente, o amadurecimento e embalagem de bananas.

14.
    Devido ao regime da economia planificada e centralizada instituído na RDA, não pôde realizar volumes de negócios no sector das bananas no decurso dos anos de 1993 e 1994. O que teve por consequência que as suas quantidades de referência para estes anos foram ínfimas.

15.
    Após a entrada em vigor do Regulamento n.° 2362/98, a recorrente solicitou às autoridades competentes alemãs que estabelecessem a sua quantidade de referência para os anos de 1994 a 1996 em 2 591 427 kg, o que equivale a uma média anual de 863 809 kg. Por decisão de 8 de Dezembro de 1998, as autoridades competentes admitiram uma quantidade de referência provisória para a ano de 1999 de 848 759 kg, da qual deduziram 51 064 kg por aplicação do coeficiente de adaptação de 0,939837 fixado pela Comissão em aplicação do artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98, o que se traduziu numa quantidade de referência de 797 695 kg. A recorrente apresentou reclamação desta decisão em 30 de Dezembro de 1998, sustentando que a redução efectuada era ilegal. Também sustentou que o facto de se ter recuado de um ano o período de referência, ou seja, a tomada em conta dos anos de 1994 a 1996 em vez dos anos de 1995 a 1997, era ilegal e causava-lhe um prejuízo. Com efeito, segundo as autoridades competentes, a quantidade de referência a título do período de 1995 a 1997 seria de 3 393 032 kg, ou seja, para 1995, 823 436 kg, para 1996, 1 127 145 kg e, para 1997, 1 442 451 kg.

16.
    Foi nestas circunstâncias que a demandante, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Janeiro de 1999, intentou a presente acção destinada a obter a reparação do prejuízo sofrido com a adopção, pela Comissão, do Regulamento n.° 2362/98. A demandante invocou, designadamente, a violação de certos acordos que constam do anexo I do acordo que institui a OMC (a seguir «acordo OMC») em apoio da sua acção.

17.
    No seu acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C-149/96, Colect., p. I-8395, n.° 47), o Tribunal de Justiça concluiu que, «tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, [o conjunto dos acordos e memorandos constantes dos anexos I a IV do acordo OMC] não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias».

18.
    Por carta de 16 de Dezembro de 1999, foram as partes convidadas a apresentar as suas observações sobre as eventuais consequências a retirar deste acórdão. A Comissão e a demandante apresentaram as suas observações respectivas em 6 e 14 de Janeiro de 2000.

19.
    Com base no relatório preliminar do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu dar início à fase oral. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência pública de 4 de Outubro de 2000.

Pedidos das partes

20.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    condenar a Comissão a indemnizar-lhe o prejuízo que sofreu devido a, por um lado, os anos de 1994 a 1996 terem sido escolhidos como período de referência para os operadores tradicionais e, por outro, a Comissão ter reduzido a quantidade de referência admitida a título provisório para 1999 pelas autoridades competentes através da aplicação do coeficiente de adaptação;

-    condenar a Comissão nas despesas.

21.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar a acção inadmissível;

-    a título subsidiário, julgá-la improcedente;

-    condenar a demandante nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

22.
    Sem formalmente suscitar a questão prévia da admissibilidade, a Comissão considera que a presente acção é inadmissível, pois que a recorrente deveria ter começado por procurar impedir a realização do prejuízo que invoca, intentandouma acção perante o órgão jurisdicional nacional competente. Um pedido de indemnização nos termos dos artigos 178.° do Tratado CE (actual artigo 235.° CE) e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (que passou a artigo 228.°, segundo parágrafo, CE) constitui, em seu entender, uma via judicial subsidiária, na medida em que o prejuízo invocado resulta de uma medida administrativa nacional tomada em aplicação do direito comunitário (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 1990, AERPO e o./Comissão, 119/88, Colect., p. I-2189, de 13 de Março de 1992, Vreugdenhil/Comissão, C-282/90, Colect., p. I-1937, n.° 12, bem como os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão, T-571/93, Colect., p. II-2379, e de 4 de Fevereiro de 1998, Laga/Comissão, T-93/95, Colect., p. II-195, n.° 33). Precisa que o estabelecimento das quantidades de referência incumbe às autoridades nacionais competentes, que aplicam a regulamentação comunitária através de um acto administrativo nacional, com base nas disposições do Regulamento n.° 2362/98 (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Abril de 1997, Terres rouges e o./Comissão, T-47/95, Colect., p. II-481, n.os 57 e 59, e do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1999, France/Comafrica e o., C-73/97 P, Colect., p. I-185, n.° 40).

23.
    A Comissão expõe que este carácter subsidiário da acção de indemnização se deve ao facto de a fiscalização do acto administrativo nacional incumbir exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, que podem submeter ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial para apreciação da validade das disposições comunitárias aplicáveis em conformidade com o disposto no artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE) (v. acórdão França/Comafrica e o., já referido, n.° 40). Será apenas quando os órgãos jurisdicionais nacionais não podem garantir uma protecção jurídica suficiente e/ou a possibilidade de obtenção de uma reparação que será admissível a acção intentada directamente nos tribunais comunitários.

24.
    A recorrente contesta a tese da Comissão. Sustenta que não dispõe de qualquer direito de acção perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, terá já impugnado a decisão de atribuição dos certificados das autoridades nacionais pela via um de recurso administrativo gracioso (v. n.° 15 anterior), processo que actualmente já não terá objecto. Segundo a demandante, não é possível, em direito alemão, contestar de outro modo a legalidade desta decisão. A presente acção de indemnização será, portanto, a única via judicial de que dispõe.

25.
    Sublinha que a administração nacional está obrigada a respeitar as condições fixadas pela Comissão no Regulamento n.° 2362/98. Qualquer prejuízo sofrido pela demandante, e que constitui o objecto da presente acção, resultará, portanto, da regulamentação adoptada pela Comissão e não da decisão tomada a nível nacional.

Apreciação do Tribunal

26.
    Importa referir que o comportamento ilegal que no caso em apreço é alegado não emana de um organismo nacional, mas de uma instituição comunitária. Osprejuízos que poderiam eventualmente resultar da implementação da regulamentação comunitária pelas autoridades alemãs serão, assim, imputáveis à Comunidade (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1977, Dietz/Comissão, 126/76, Recueil, p. 2431, n.° 5; publicação sumária em língua portuguesa, Colect. 1977, p. 855; de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, n.° 9, de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n.os 18 e 19, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 71).

27.
    Como o juiz comunitário tem competência exclusiva para decidir, por força do artigo 215.° do Tratado, as acções de indemnização por danos imputáveis à Comunidade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Asteris e o./Grécia e CEE, 106/87 a 120/87, Colect., p. 5515, n.° 14, e Vreugdenhil/Comissão, já referido, n.° 14), as vias de direito nacionais não poderiam ipso facto permitir assegurar à demandante uma protecção eficaz dos seus direitos (v. acórdão exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 72).

28.
    A este propósito, como a Comissão admitiu na audiência, mesmo caso o Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo prejudicial, considerasse que a regulamentação aplicável era de natureza a causar um prejuízo, o tribunal nacional não estaria habilitado a tomar ele próprio as medidas necessárias para reparar completamente o dano alegado pela demandante no caso em apreço, pelo que uma acção directa perante o Tribunal de Primeira Instância com base no disposto no artigo 215.° do Tratado seria, também nesta hipótese, necessária (v., neste sentido, acórdão Dietz/Comissão, já referido, n.° 5).

29.
    Portanto, não colhe a alegação da inadmissibilidade da presente acção avançada pela Comissão.

Quanto à responsabilidade extracontratual da Comunidade

30.
    A demandante sustenta que o comportamento ilegal da Comissão resulta, por um lado, de uma violação do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e do Acordo sobre os Procedimentos referentes às Licenças de Importação, que figuram no anexo I do acordo OMC e, por outro lado, de uma fixação arbitrária dos períodos de referência e de uma violação da obrigação de fundamentação.

Quanto à possibilidade de invocar certos acordos que figuram no anexo I do acordo OMC

Argumentos das partes

31.
    A demandante sustenta que as disposições do GATT constituem normas jurídicas de nível superior, cujas proibições de discriminação e a cláusula da nação mais favorecida devem ser consideradas normas que protegem os particulares.

32.
    Considera que o acordo OMC e os seus anexos constituem uma verdadeira ordem comercial mundial, dotada do seu próprio ordenamento jurídico e da sua própria competência jurisdicional. O novo direito da OMC não será negociável, mas comportará proibições estritas que só poderão ser limitadas ou provisoriamente afastadas por actos da OMC e não por medidas unilaterais de um país membro. Algumas disposições deste novo direito serão, portanto, imediatamente aplicáveis em direito comunitário.

33.
    No que toca às eventuais consequências a retirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido (v. n.° 17 supra), a demandante, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal, admitiu que o Tribunal de Justiça decidiu que as disposições da OMC não produzem efeito directo geral no ordenamento jurídico comunitário.

34.
    Todavia, acrescenta que o referido acórdão não é contrário à argumentação desenvolvida em apoio da sua acção, nos termos da qual as instituições da Comunidade cometeram um desvio de poder. O facto de o sistema comunitário de importação de bananas ter sido declarado incompatível com as regras da OMC através de uma decisão com força de caso julgado e de a Comissão se ter comprometido a eliminar as infracções em causa proíbe, segundo a demandante, que estas instituições adoptem novas disposições contrárias às referidas regras.

35.
    Na audiência, a demandante desenvolveu este argumento, afirmando que, no caso em apreço, tendo-se a Comunidade comprometido perante o Órgão de Resolução de Litígios a eliminar as disposições da sua regulamentação contrárias às regras da OMC, terá, na execução deste compromisso, violado a proibição de venire contra factum proprium, adoptando um regulamento que comporta infracções a estas regras. Explicou que o princípio contido neste aforismo, como emanação do princípio da boa fé, constitui um princípio de direito comunitário à luz do qual a legalidade dos actos da Comunidade pode ser apreciada pelo juiz comunitário. Terá, portanto, o direito de invocar uma violação das regras da OMC também com este fundamento.

36.
    Aliás, a demandante precisa que não procura demonstrar que a demandada prosseguiu finalidades ilícitas. A sua tese é de que a Comissão, com todo o conhecimento de causa, violou as regras da OMC para atingir os seus fins, ou seja, a organização do mercado das bananas. Este comportamento constituirá uma nova categoria de desvio de poder.

37.
    Este desvio de poder implicará uma obrigação de reparação a cargo da Comissão, independentemente da questão de saber se as regras da OMC em questão sedestinam a proteger os particulares. Com efeito, o particular beneficiará de uma protecção absoluta quanto aos desvios de poder das instituições da Comunidade.

38.
    A Comissão invoca que as regras da OMC não produzem efeito directo no ordenamento jurídico comunitário e, portanto, não podem ser invocadas pelos particulares.

39.
    Observa que resulta de jurisprudência constante que as disposições do GATT de 1947 estavam destituídas de carácter incondicional e que não lhes podia ser reconhecido o valor de normas de direito internacional imediatamente aplicáveis nas ordens jurídicas internas das partes contratantes (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973). A Comissão entende que esta jurisprudência também se aplica ao acordo OMC e aos seus anexos, dado que estes actos apresentam as mesmas particularidades das disposições do GATT de 1947 que conduziram a que fosse negado a estas últimas um efeito directo.

40.
    Em resposta à questão colocada pelo Tribunal no que toca às eventuais consequências a retirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, a Comissão afirmou que este acórdão confirma amplamente a sua tese. Em seu entender, resulta deste acórdão que as disposições do acordo OMC não constituem um critério para a apreciação da legalidade do direito comunitário derivado. O que também significará que a declaração, pelo Órgão de Resolução de Litígios, da incompatibilidade com as regras da OMC de um acto comunitário de direito derivado não implica que este acto deva ser considerado como ilegal no ordenamento comunitário e, portanto, não pode provocar a responsabilidade da Comunidade com base no disposto no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado.

41.
    No que respeita à argumentação da recorrente assente num pretenso desvio de poder, a Comissão entende que a responsabilidade da Comunidade só pode resultar deste vício nas mesmas condições que são aplicáveis a qualquer violação de direitos ou de princípios garantidos no ordenamento jurídico comunitário.

42.
    A alegação de um pretenso desvio de poder não dispensará, portanto, que a demandante demonstre que as disposições que, em seu entender, foram violadas se destinam a proteger os particulares.

43.
    De igual modo e na audiência, a Comissão afirmou que a demandante não pode invocar o princípio nemini licet venire contra factum proprium a fim de afastar esta condição.

Apreciação do Tribunal

44.
    Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência pacífica, a determinação da responsabilidade extracontratual da Comunidade pressupõe que a demandante prove a ilegalidade do comportamento reprovado à instituição em causa, arealidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T-113/96, Recueil, p. II-125, n.° 54).

45.
    No seu acórdão de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e o./Comissão, (C-352/98 P, Colect., p. I-0000, n.os 41 e 42), o Tribunal de Justiça decidiu que o direito à reparação pressupõe que a regra de direito violada tenha por objecto conferir direitos aos particulares e que a violação desta regra seja suficiente caracterizada.

46.
    No que toca à primeira condição, importa considerar que resulta da jurisprudência comunitária que o acordo OMC e os seus anexos não se destinam a conferir direitos aos particulares que estes possam invocar nos tribunais.

47.
    A este propósito, importa afirmar que, no acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 36), o Tribunal de Justiça considerou que o acordo OMC e os seus anexos, apesar de apresentarem diferenças significativas em relação às disposições do GATT de 1947, nem por isso deixam de atribuir um papel importante à negociação entre as partes.

48.
    No que diz respeito, mais especificamente, à aplicação no ordenamento jurídico comunitário dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, o Tribunal de Justiça salientou no acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 42), que, nos termos do seu preâmbulo, o acordo OMC, incluindo os seus anexos, continua a basear-se, tal como o GATT de 1947, no princípio das negociações realizadas 'numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas‘, distinguindo-se assim, no que se refere à Comunidade, dos acordos celebrados por esta com países terceiros que instauram uma certa asimetria das obrigações ou criam relações especiais de integração na Comunidade.

49.
    O Tribunal de Justiça referiu seguidamente que não sofre contestação que algumas partes contratantes, que, do ponto de vista comercial, se contam entre os mais importantes parceiros da Comunidade, concluíram, à luz do objecto e da finalidade dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, que estes não fazem parte das normas à luz das quais os respectivos órgãos jurisdicionais controlam a legalidade das normas jurídicas internas. Considerou que esta falta de reciprocidade dos parceiros comerciais da Comunidade no que diz respeito aos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC que se baseiam no «princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas» e que, por aí, se distinguem dos acordos celebrados pela Comunidade, pode, porém, levar a um desequilíbrio na aplicação das regras da OMC. Com efeito, admitir que a tarefa de assegurar a conformidade do direito comunitário com estas regras incumbe directamente ao juiz comunitário equivaleria a privar os órgãos legislativos ou executivos da Comunidade da margem demanobra de que gozam os órgãos correspondentes dos parceiros comerciais da Comunidade (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.os 43, 45 e 46).

50.
    Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, os acordos incluídos nos anexos do acordo OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 47).

51.
    Resulta deste acórdão que, não tendo as regras da OMC, em princípio, por finalidade conferir direitos aos particulares, a sua eventual violação não é susceptível de determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

52.
    Nas suas observações sobre as consequências a retirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, a demandante reconheceu que as disposições da OMC não produziam efeito directo geral no ordenamento jurídico comunitário. Todavia, sustentou que a sua acção assentava numa nova categoria de desvio de poder, constituída pelo facto, para a Comissão, de ter adoptado um regulamento em infracção a uma decisão que declara o sistema comunitário incompatível com as regras da OMC e ao seu compromisso de eliminar as infracções assim declaradas (v. n.os 34 a 36 supra) em violação da proibição de venire contra factum proprium.

53.
    Este argumento não pode ser acolhido. Em primeiro lugar, resulta de jurisprudência constante que um acto de uma instituição comunitária só está viciado de desvio de poder se for adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1997, Itália/Comissão, C-285/94, Colect., p. I-3519, n.° 52) e que apenas se pode concluir haver desvio de poder com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94 a T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 168).

54.
    Ora, no caso em apreço, a demandante não demonstra, nem sequer alega, que a Comissão tenha adoptado o Regulamento n.° 2362/98 ou algumas das suas disposições com fins diversos dos invocados, ou seja, adoptar todas as disposições necessárias para a execução do regime de importação de bananas na Comunidade que foi instituído pelo Regulamento n.° 404/93, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 1637/98.

55.
    De igual modo, o argumento da recorrente de que se trata no caso em apreço de uma nova categoria de desvio de poder também não colhe.

56.
    Com efeito, admitir a argumentação da recorrente equivaleria a desvirtuar a própria definição do desvio de poder, que implica a fiscalização, pelo juiz comunitário, da finalidade de um acto e não do seu conteúdo.

57.
    Aliás, importa também rejeitar o argumento da demandante de que a Comunidade terá cometido um desvio de poder, ao adoptar um regulamento que comporta infracções às regras da OMC ou ao manter infracções já declaradas, quando se terá comprometido a respeitar estas regras.

58.
    A este propósito, basta recordar que é só no caso de a Comunidade ter decidido cumprir uma determinada obrigação, assumida no quadro da OMC, ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49).

59.
    Ora, nem os relatórios do grupo especial da OMC de 22 de Maio de 1997, nem o relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso Permanente da OMC, adoptado em 25 de Janeiro de 1997 pelo Órgão de Resolução de Litígios, continham obrigações específicas às quais a Comissão, no Regulamento n.° 2362/98, terá «decidido dar execução», na acepção da jurisprudência (v., no que respeita ao GATT de 1947, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 31). De igual modo, este último não remete expressamente para obrigações precisas que resultem dos relatórios dos órgãos da OMC nem para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC.

60.
    De onde resulta que, no caso em apreço, a demandante não pode fundamentar a sua acção na pretensa violação de certos acordos que figuram no anexo I do acordo OMC nem num pretenso desvio de poder.

Quanto à fixação arbitrária do período de referência e à violação da obrigação de fundamentação

Argumentos das partes

61.
    A demandante sustenta que, ao optar pelos anos de 1994 a 1996 como período de referência, a demandada imiscuiu-se no sistema anterior da organização comum do mercado das bananas e alterou-o profundamente. Em aplicação do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 404/93, na sua redacção anterior, o período de referência relevante para o ano de 1999 deveria corresponder aos anos de 1995 a 1997. No quadro do sistema do «período de referência móvel», que implicava que o período de referência trienal era avançado de um ano todos os anos, os operadores eram fortemente incitados a melhorar os seus volumes de comercialização de bananas, servindo estes últimos de referência dois anos mais tarde. Ao recuar no tempo o período de referência e ao instituir um período ad hoc susceptível de ser mantido ou alterado e que, em todo o caso, já não é previsível, a Comissão, segundo a demandante, reduziu a nada a esperança legítima dos operadores que se inseriamna categoria A. Alguns operadores, entre os quais a demandante, terão por esta razão sido particularmente afectados.

62.
    A este propósito, a demandante contesta que a realidade das importações efectuadas no decurso do ano de 1997 não era conhecida. Em todo o caso, o conhecimento da realidade das importações efectuadas não seria necessário para a atribuição pela Comissão de direitos de importação aos operadores tradicionais, tendo em conta o sistema de repartição.

63.
    A demandante também põe em causa a necessidade, invocada pela Comissão, de fazer coincidir o período de referência com o período significativo para a fixação das partes de mercado dos principais países fornecedores. Sustenta que esta pretensa necessidade não terá qualquer justificação nos considerandos do Regulamento n.° 2362/98.

64.
    Aliás, a demandante considera que os efeitos da irregularidade de que enferma o Regulamento n.° 2362/98 são tanto mais graves quanto este regulamento não prevê mecanismos para remediar, a título de um caso de rigor excessivo, as grosseiras injustiças que resultam para os operadores do recuo de um ano do período de referência. O artigo 30.° do Regulamento n.° 404/93 confere, segundo a demandante, amplos poderes à Comissão. Estes poderes apenas servirão, contudo, para facilitar a passagem das condições dos mercados existentes antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 404/93 para o regime estabelecido neste regulamento. No caso do Regulamento n.° 2362/98, tratar-se-á, pelo contrário, de uma revisão da própria organização do mercado das bananas.

65.
    Por último, a demandante considera que a Comissão violou a sua obrigação de fundamentação, pois que, no Regulamento n.° 2362/98, não explicou a razão da necessidade de optar pelos anos de 1994 a 1996 como período de referência.

66.
    A Comissão considera que importa rejeitar como destituída de fundamento a crítica referente à fixação arbitrária do período de referência.

67.
    Em primeiro lugar e no que toca à argumentação da demandante de que a opção pelo período de 1994 a 1996 terá frustrado as legítimas expectativas dos antigos operadores da categoria A, a Comissão refere que não existe qualquer expectativa legítima na manutenção de um determinado regime de períodos de referência.

68.
    Seguidamente, a Comissão expõe que a opção pelos anos de 1994 a 1966 se justifica por várias razões.

69.
    Em primeiro lugar, é com base nas quantidades que foram exportadas pelos principais países fornecedores de bananas de países terceiros para a Comunidade nos anos de 1994 a 1996 que as partes do contingente pautal destes países terão sido calculadas. Segundo a Comissão, mais não podia do que optar pelo mesmoperíodo de referência para conceder a título individual os certificados de importação aos operadores.

70.
    Em segundo lugar, ter-se-á visto impelida a optar pelo período de 1994 a 1996 pelo facto de, no momento da adopção do Regulamento n.° 2362/98, os volumes definitivos no que toca às importações efectivas realizadas na Comunidade não eram conhecidos para este período, sendo os volumes referentes a 1997 apenas provisórios.

71.
    A Comissão sustenta que as quantidades de referência dos diferentes operadores não podem ser determinadas com base no modo de repartição da anterior organização de mercado, pois que os dados quantificados só serão disponíveis no termo de uma campanha de comercialização, quando as quantidades efectivamente importadas são definitivamente estabelecidas. Será apenas com base nestes números que será possível determinar as quantidades importadas por cada operador nos termos das condições previstas no artigo 5.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2362/98.

72.
    No que toca à pretensa falta de um mecanismo de reparação das graves injustiças pretensamente causadas pelo sistema, a Comissão objecta que as dificuldades transitórias que podem surgir por ocasião de uma reforma fundamental da organização de mercado podem, em princípio, ser reguladas por aplicação do regime previsto para os casos de rigor excessivo. Acrescenta, todavia, que o abandono do ano de 1997 como ano de referência para a concessão dos certificados para 1999 não pode constituir, por si só, um tal caso de rigor. Com efeito, o reconhecimento de um caso de rigor excessivo pressupõe um exame detalhado de todas as circunstâncias que caracterizam a situação do operador em causa.

73.
    Por último, a Comissão refuta, por estar destituída de fundamento, a crítica respeitante à violação da obrigação de fundamentação. Com efeito, em primeiro lugar e segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a eventual insuficiência da fundamentação de um acto regulamentar não é susceptível de acarretar a responsabilidade da Comunidade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1982, Kind/CEE, 106/81, Recueil, p. 2885, e AERPO e o./Comissão, já referido). Seguidamente, as razões que conduziram a Comissão a optar pelo período de referência em questão estão retomadas no terceiro considerando do Regulamento n.° 2362/98 de um modo que satisfaz as exigências impostas pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no que toca à obrigação de fundamentação decorrente do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1998, Itália/Conselho, C-352/96, Colect., p. I-6937, n.° 40).

Apreciação do Tribunal

74.
    Resulta de jurisprudência constante que, gozando as instituições comunitárias de uma margem de apreciação na opção pelos meios necessários à realização da sua política, os operadores económicos não podem invocar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente, que pode ser alterada por decisões tomadas por estas instituições no âmbito do seu poder de apreciação (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1982, Faust/Comissão, 52/81, Recueil, p. 3745, n.° 27, Alemanha/Conselho, já referido, n.° 80, e de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho, C-122/95, Colect., p. I-973, n.° 77).

75.
    O que vale especialmente num domínio como o das organizações comuns de mercado, cujo objectivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Crispoltoni e o., C-133/93, C-300/93 e C-362/93, Colect., p. I-4863, n.° 57, e de 29 de Fevereiro de 1996, França e Irlanda/Comissão, C-296/93 e C-307/93, Colect., p. I-795, n.° 59).

76.
    No caso em apreço, inserindo-se a determinação do período de referência a tomar em conta, para a atribuição aos operadores dos certificados de importação, da escolha dos meios necessários à realização da política das instituições comunitárias no que toca à organização comum do mercado das bananas, estas dispunham, a este respeito, de uma margem de apreciação. Nestas condições, a recorrente não podia invocar uma confiança legítima na manutenção da deslocação no tempo do período de referência tido em conta para os fins da emissão dos certificados de importação, como prevista na versão inicial do Regulamento n.° 404/93. Portanto, não podia legitimamente confiar em que, após a alteração do sistema comum de importação de bananas, o ano de 1997 seria incluído no período de referência para a atribuição dos certificados de importação para o ano de 1999.

77.
    Além disso, o argumento da recorrente de que, ao optar pelos anos de 1994 a 1996 como período de referência, a Comissão tomou uma decisão arbitrária não tem fundamento. Com efeito, a recorrente não apresentou elementos susceptíveis de demonstrar que a afirmação da Comissão, de que não conhecia a realidade das importações efectuadas no decurso do ano de 1997, é errada. Como a Comissão precisou na audiência, devido à alteração do sistema de importação de bananas na Comunidade, os números para o ano de 1997 não foram recolhidos pelos serviços desta instituição nem pelos de todos os Estados-Membros devido ao facto de, à época, se ter considerado que estes números não eram necessários no quadro do novo sistema. O período de 1994-1996 constituía, portanto, o período mais recente para o qual a Comissão dispunha dos números das importações efectivamente realizadas. Além disso, a recorrente, na sua argumentação, não pôs em causa a explicação da Comissão de que o período de referência previsto para os operadores devia corresponder ao período a tomar em consideração para a determinação das partes do contingente pautal dos principais países fornecedores (v. n.° 69 supra).

78.
    A recorrente também não pode alegar que o Regulamento n.° 2362/98 não previa mecanismos para remediar, a título de casos de rigor excessivo, as grosseiras injustiças que resultarão, para os operadores, do recuo de um ano relativamente ao período de referência. A este propósito, importa considerar, como afirmou a Comissão, que as dificuldades transitórias que podem surgir por ocasião da reestruturação da organização dos mercados podem em princípio ser reguladas, a título individual, por aplicação do regime dos casos de rigor previsto no artigo 20.°, alínea d), do Regulamento n.° 404/93, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 1637/98, embora tal pressuponha um exame detalhado de todas as circunstâncias que caracterizam a situação do operador em causa (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1996, T. Port, C-68/95, Colect., p. I-6065). Ora, a demandante, que não demonstrou que a sua situação corresponda a um caso de rigor, não pode invocar a pretensa falta destes mecanismos a fim de accionar a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

79.
    Por último, importa rejeitar a crítica da demandante assente na violação da obrigação de fundamentação, na medida em que a Comissão, no Regulamento n.° 2362/98, não terá explicado a razão da necessidade de optar pelos anos de 1994 a 1996 como período de referência. A este propósito, basta recordar que, tratando-se de um vício puramente formal, a eventual insuficiência da fundamentação de um acto regulamentar não é susceptível de acarretar a responsabilidade da Comunidade (v. acórdão Kind/CEE, já referido, n.° 14).

80.
    Resulta das precedentes considerações que a responsabilidade da Comunidade não pode decorrer do vício de uma fixação arbitrária do período de referência ou de uma violação da obrigação de fundamentação.

81.
    Não tendo a demandante demonstrado um comportamento ilegal susceptível de acarretar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, não procede a sua acção.

Quanto às despesas

82.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    A acção é julgada improcedente.

2)    A demandante suportará as suas próprias despesas, bem como as da Comissão.

Lindh
García-Valdecasas
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Março de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: alemão.