Language of document : ECLI:EU:C:2021:429

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

3 de junho de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos — Artigo 157.o TFUE — Efeito direto — Conceito de trabalho de valor igual — Pedidos destinados a beneficiar de igualdade de remuneração por um trabalho de valor igual — Fonte única — Trabalhadores de sexo diferente com a mesma entidade patronal — Estabelecimentos diferentes — Comparação»

No processo C‑624/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Watford Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho de Watford, Reino Unido), por Decisão de 21 de agosto de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de agosto de 2019, no processo

K e o.,

L, M, N e o.,

O,

P,

Q,

R,

S,

T

contra

Tesco Stores Ltd,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, A. Kumin, T. von Danwitz (relator), P. G. Xuereb e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de K e o., por K. Daurka e B. Croft, solicitors, S. Jones, QC, A. Blake e N. Connor, barristers, e C. Barnard,

–        em representação de L, M, N e o., por E. Parkes, solicitor, K. Bryant, QC, e S. Butler, N. Cunningham e C. Bell, barristers,

–        em representação da Tesco Stores Ltd, por A. Taggart, solicitor, e P. Epstein, QC,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Flynn e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 157.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe cerca de 6 000 trabalhadores à Tesco Stores Ltd, que emprega ou empregou estes últimos nas suas lojas, a respeito de uma reivindicação de igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Disposições relativas à saída do Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia

3        Com a Decisão (UE) 2020/135, de 30 de janeiro de 2020, relativa à celebração do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 1; a seguir «Acordo de Saída»), o Conselho da União Europeia aprovou, em nome da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA), o referido acordo, que foi junto a essa decisão (JO 2020, L 29, p. 7).

4        Nos termos do artigo 86.o, n.os 2 e 3, do Acordo de Saída, sob a epígrafe «Processos pendentes no Tribunal de Justiça da União Europeia»:

«2.      O Tribunal de Justiça da União Europeia continua a ser competente para decidir, a título prejudicial, sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição.

3.      Para efeitos do presente capítulo, considera‑se que um processo é instaurado no Tribunal de Justiça da União Europeia, e que um pedido de decisão prejudicial é apresentado, no momento em que o ato introdutório da instância foi registado pela secretaria do Tribunal de Justiça […]»

5        Nos termos do artigo 126.o do Acordo de Saída, o período de transição teve início na data de entrada em vigor do referido acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.

 Disposições relativas ao princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos

6        O artigo 119.o do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE, atual artigo 157.o TFUE) tinha a seguinte redação:

«Cada Estado‑Membro garantirá, durante a primeira fase, e manterá em seguida a aplicação do princípio da igualdade de remunerações entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos, por trabalho igual.

Por “remuneração” deve entender‑se, para efeitos do disposto no presente artigo, o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

A igualdade de remuneração, sem discriminação em razão do sexo, implica:

[…]

b)      Que a remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho.»

7        O artigo 157.o TFUE dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual.

2.      Para efeitos do presente artigo, entende‑se por “remuneração” o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último.

A igualdade de remuneração sem discriminação em razão do sexo implica que:

[…]

b)      A remuneração do trabalho pago por unidade de tempo seja a mesma para um mesmo posto de trabalho.

[…]»

 Direito do Reino Unido

8        A Section 79 do Equality Act 2010 (Lei de 2010, Relativa à Igualdade de Tratamento), respeitante à questão da comparabilidade, prevê:

«(1)      A presente section é aplicável para efeitos do presente capítulo.

(2)      Se A for um empregado, B é um elemento de comparação se as subsections (3) ou (4) forem aplicáveis.

[…]

(4)      A presente subsection é aplicável se:

(a)      B trabalhar para a entidade patronal de A ou para uma empresa associada da entidade patronal de A;

(b)      B trabalhar num estabelecimento diferente do de A, e

(c)      Em ambos os estabelecimentos forem aplicadas condições comuns (de um modo geral ou entre A e B).

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        A Tesco Stores é um retalhista que vende os seus produtos em linha e em 3 200 lojas situadas no Reino Unido. Estas lojas, de dimensão variável, empregam cerca de 250 000 trabalhadores no total, remunerados numa base horária e que executam diferentes tipos de trabalho. Esta sociedade dispõe igualmente de uma rede de distribuição composta por 24 centros de distribuição com cerca de 11 000 trabalhadores, também remunerados numa base horária e que executam diversos tipos de trabalho.

10      Os demandantes no processo principal são trabalhadores ou antigos trabalhadores da Tesco Stores, tanto do sexo feminino (a seguir «demandantes no processo principal») como masculino, que trabalham ou trabalhavam nas lojas desta sociedade. Estas partes demandaram a referida sociedade no órgão jurisdicional de reenvio, o Watford Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho de Watford, Reino Unido), a partir de fevereiro de 2018, com o fundamento de que não tinham beneficiado de igualdade de remuneração por trabalho igual, em violação da Lei de 2010 relativa à igualdade de tratamento e do artigo 157.o TFUE.

11      Este órgão jurisdicional suspendeu a instância relativamente aos pedidos dos referidos demandantes do sexo masculino, considerando que o seu resultado dependia do resultado dos pedidos das demandantes no processo principal.

12      Em apoio dos seus pedidos destinados a poder beneficiar de igualdade de remuneração, as demandantes no processo principal alegam, por um lado, que o seu trabalho e o dos trabalhadores masculinos empregados pela Tesco Stores nos centros de distribuição da sua rede têm o mesmo valor e, por outro, que têm o direito de comparar o seu trabalho com o desses trabalhadores, ainda que esse trabalho seja executado em estabelecimentos diferentes, tanto nos termos da Lei de 2010 relativa à igualdade de tratamento como do artigo 157.o TFUE. Com efeito, segundo a Section 79(4) da referida lei, são aplicáveis condições de trabalho comuns nas referidas lojas e centros de distribuição. Além disso, em conformidade com o artigo 157.o TFUE, as condições de trabalho das demandantes no processo principal e dos referidos trabalhadores são imputáveis a uma única fonte, a saber, a Tesco Stores.

13      A referida sociedade contesta a existência de um qualquer direito das demandantes no processo principal de se compararem aos trabalhadores masculinos dos centros de distribuição da sua rede, pelo facto de, desde logo, não existirem condições de trabalho comuns, na aceção da Section 79(4). Em seguida, alega que o artigo 157.o TFUE não tem efeito direto no âmbito dos pedidos baseados num trabalho de valor igual, pelo que as demandantes no processo principal não podem invocar esta disposição perante o órgão jurisdicional de reenvio. Por último, e em qualquer caso, a Tesco Stores sustenta que não pode ser qualificada de «fonte única» à qual sejam imputáveis as condições de trabalho nas lojas e nos centros de distribuição da sua rede.

14      O órgão jurisdicional de reenvio indica que as demandantes no processo principal e os trabalhadores masculinos considerados como termos de comparação, embora empregados em estabelecimentos diferentes, têm a mesma entidade patronal. Além disso, este órgão jurisdicional precisa que adotou medidas de organização do processo para determinar, através de peritagens, se os empregos das demandantes no processo principal têm o mesmo valor que o dos empregos com os quais se comparam.

15      No que diz respeito ao artigo 157.o TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido, existe incerteza quanto ao efeito direto deste artigo, que está associada, em particular, à distinção estabelecida no n.o 18 do Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56), entre as discriminações suscetíveis de serem verificadas recorrendo apenas aos critérios de identidade de trabalho e igualdade de remuneração e as que só podem ser identificadas com base em disposições de aplicação mais explícitas, do direito da União ou nacionais. Ora, os pedidos em causa no processo principal podem estar abrangidos por esta segunda categoria, desprovida de efeito direto.

16      Nestas condições, o Watford Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho de Watford) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 157.o [TFUE] tem efeito direto no que diz respeito aos pedidos baseados no facto de os demandantes executarem um trabalho de valor igual ao dos trabalhadores com os quais aqueles se comparam?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, o critério da fonte única, utilizado no âmbito da comparação efetuada ao abrigo do artigo 157.o, deve ser distinguido da questão diferente […] do valor igual e, em caso de resposta afirmativa a esta questão, este critério tem efeito direto?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

17      A título preliminar, há que observar que resulta do artigo 86.o do Acordo de Saída, que entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020, que o Tribunal de Justiça continua a ser competente para decidir a título prejudicial sobre os pedidos dos órgãos jurisdicionais do Reino Unido apresentados antes do termo do período de transição fixado em 31 de dezembro de 2020, o que é o caso do presente pedido de decisão prejudicial.

 Quanto à primeira questão

18      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 157.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que tem efeito direto nos litígios entre particulares em que é invocada a inobservância do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos por um «trabalho […] de valor igual», conforme previsto neste artigo.

19      Como resulta da decisão de reenvio, a Tesco Stores alegou no processo principal que o artigo 157.o TFUE não tem efeito direto em circunstâncias, como as que prevalecem no âmbito do litígio no processo principal, em que os trabalhadores comparados executam um trabalho diferente. Em apoio desta alegação, a sociedade demandada no processo principal sustenta, nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, que o critério do «trabalho de valor igual», contrariamente ao relativo a um «trabalho igual», necessita de ser especificado por disposições do direito nacional ou do direito da União. Por outro lado, as considerações feitas pelo Tribunal de Justiça nos n.os 18 a 23 do Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56) e a sua jurisprudência posterior corroboram essa interpretação. Em especial, segundo esta sociedade, em substância, a invocação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos no âmbito da comparação de um trabalho de valor igual assenta numa alegação de discriminação que só pode ser identificada em função de disposições mais explícitas do que o artigo 157.o TFUE.

20      Antes de mais, há que observar que a própria redação do artigo 157.o TFUE não pode sustentar essa interpretação. Nos termos deste artigo, os Estados‑Membros assegurarão a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos, por trabalho igual ou de valor igual. Por conseguinte, este artigo impõe, de forma clara e precisa, uma obrigação de resultado e tem caráter imperativo tanto no que se refere a um «trabalho igual» como a um «trabalho […] de valor igual».

21      Assim, o Tribunal de Justiça já declarou que, tendo o artigo 157.o TFUE caráter imperativo, a proibição de discriminação entre trabalhadores masculinos e femininos se impõe não só em relação à atuação das autoridades públicas, mas também a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo coletivo o trabalho assalariado, bem como aos contratos entre particulares (Acórdão de 8 de maio de 2019, Praxair MRC, C‑486/18, EU:C:2019:379, n.o 67 e jurisprudência referida).

22      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta disposição tem efeito direto ao criar, na esfera jurídica dos particulares, direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais têm por missão salvaguardar (v., neste sentido, Acórdão de 7 de outubro de 2019, Safeway, C‑171/18, EU:C:2019:839, n.o 23 e jurisprudência referida).

23      O princípio instituído pela referida disposição é suscetível de ser invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais, designadamente em caso de discriminações que tenham a sua fonte imediata em disposições legislativas ou convenções coletivas de trabalho, bem como no caso de o trabalho ser prestado num mesmo estabelecimento ou serviço, privado ou público (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56, n.o 40, e de 13 de janeiro de 2004, Allonby, C‑256/01, EU:C:2004:18, n.o 45).

24      Nos n.os 18 e 21 a 23 do Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne (43/75, EU:C:1976:56), o Tribunal de Justiça referiu, em especial, que as discriminações que têm a sua fonte em disposições de caráter legislativo ou em convenções coletivas de trabalho figuram entre as suscetíveis de serem verificadas recorrendo apenas aos critérios de identidade de trabalho e de igualdade de remuneração fornecidos pelo artigo 119.o do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE, atual artigo 157.o TFUE), por oposição às que só podem ser identificadas com base em disposições de aplicação mais explícitas. Acrescentou que o mesmo se aplica no caso de uma remuneração desigual de trabalhadores masculinos e femininos por trabalho igual, prestado num mesmo estabelecimento ou serviço, privado ou público, e que, perante tal situação, o juiz se encontrava habilitado para determinar todos os elementos de facto que lhe permitam apreciar se um trabalhador do sexo feminino recebe uma remuneração inferior à de um trabalhador do sexo masculino que desempenha tarefas idênticas.

25      Ora, o Tribunal de Justiça precisou que, em tal situação, o juiz podia determinar todos os elementos de facto que lhe permitissem apreciar se um trabalhador do sexo feminino recebe uma remuneração inferior à de um trabalhador do sexo masculino que executa um trabalho igual ou de valor igual (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 1981, Worringham e Humphreys, 69/80, EU:C:1981:63, n.o 23).

26      Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 119.o do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 141.o CE, atual artigo 157.o TFUE) impõe a aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos no caso de um trabalho igual ou, em conformidade com a sua jurisprudência constante, de um trabalho de valor igual (v., neste sentido, Acórdão de 4 de fevereiro de 1988, Murphy e o., 157/86, EU:C:1988:62, n.o 9).

27      Por outro lado, este artigo estabelece o princípio de que um trabalho igual ou um trabalho a que seja atribuído um valor igual deve ser remunerado da mesma maneira, quer seja executado por um homem ou por uma mulher, o que constitui uma manifestação específica do princípio geral da igualdade que proíbe o tratamento diferente de situações comparáveis, a menos que essa diferenciação seja objetivamente justificada (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2001, Brunnhofer, C‑381/99, EU:C:2001:358, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).

28      Há que recordar igualmente que o alcance dos conceitos de «trabalho igual», de «mesmo posto de trabalho» e de «trabalho […] de valor igual», referidos no artigo 157.o TFUE, revestem um caráter puramente qualitativo, na medida em que se prende exclusivamente com a natureza das prestações de trabalho efetivamente realizadas pelos interessados (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 2001, Brunnhofer, C‑381/99, EU:C:2001:358, n.o 42 e jurisprudência referida).

29      Por conseguinte, resulta de jurisprudência constante que, contrariamente ao que alega a Tesco Stores, o efeito direto produzido pelo artigo 157.o TFUE não se limita às situações em que os trabalhadores de sexo diferente comparados executam um «trabalho igual», com exclusão de um «trabalho […] de valor igual».

30      Neste contexto, a questão de saber se os trabalhadores em causa executam um «trabalho igual» ou um «trabalho […] de valor igual», conforme previsto no artigo 157.o TFUE, faz parte de uma apreciação factual do juiz. A este respeito, há que recordar que cabe ao órgão jurisdicional nacional, o único competente para apurar e apreciar os factos, determinar se, tendo em conta a natureza das atividades concretamente exercidas pelos trabalhadores em questão, lhes pode ser atribuído um valor igual (v., neste sentido, Acórdãos de 31 de maio de 1995, Royal Copenhagen, C‑400/93, EU:C:1995:155, n.o 42, e de 26 de junho de 2001, Brunnhofer, C‑381/99, EU:C:2001:358, n.o 49 e jurisprudência referida).

31      Por outro lado, cumpre sublinhar que se deve distinguir esta apreciação da qualificação da obrigação jurídica resultante deste artigo 157.o TFUE, que impõe, como salientado no n.o 20 do presente acórdão, de forma clara e precisa, uma obrigação de resultado.

32      A interpretação precedente é corroborada pelo objetivo prosseguido pelo artigo 157.o TFUE, a saber, a eliminação, para um trabalho igual ou trabalho de valor igual, de qualquer discriminação em razão do sexo em todos os elementos e condições de remuneração.

33      A este respeito, há que salientar que o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos por um trabalho igual ou trabalho de valor igual a que se refere essa disposição faz parte dos fundamentos da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2006, Cadman, C‑17/05, EU:C:2006:633, n.o 28 e jurisprudência referida).

34      Além disso, importa sublinhar, por um lado, que, segundo o artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, a União promove, nomeadamente, a igualdade entre homens e mulheres. Por outro lado, o artigo 23.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece que deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração.

35      À luz destes elementos, há que considerar que a interpretação segundo a qual cumpre distinguir, no que diz respeito ao efeito direto do artigo 157.o TFUE, consoante o princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e femininos seja invocado para um «trabalho igual» ou para um «trabalho […] de valor igual», é suscetível de prejudicar o efeito útil deste artigo e a realização do objetivo que prossegue.

36      Por outro lado, importa recordar que, quando as diferenças verificadas nas condições de remuneração de trabalhadores que efetuam um trabalho igual ou um trabalho de valor igual não podem ser atribuídas a uma fonte única, falta uma entidade que seja responsável pela desigualdade e que possa restabelecer a igualdade de tratamento, pelo que essa situação não é abrangida por esta disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de setembro de 2002, Lawrence e o., C‑320/00, EU:C:2002:498, n.os 17 e 18, e de 13 de janeiro de 2004, Allonby, C‑256/01, EU:C:2004:18, n.o 46). Daqui resulta que uma situação em que as condições de remuneração de trabalhadores de sexo diferente que executam um trabalho igual ou um trabalho de valor igual podem ser atribuídas a uma fonte única é abrangida pelo artigo 157.o TFUE e que o trabalho e a remuneração desses trabalhadores podem ser comparados com base neste artigo, mesmo que estes últimos executem o seu trabalho em estabelecimentos diferentes.

37      Por conseguinte, há que considerar que o artigo 157.o TFUE pode ser invocado nos órgãos jurisdicionais nacionais num litígio baseado num trabalho de valor igual executado por trabalhadores de sexo diferente que tenham a mesma entidade patronal e em estabelecimentos diferentes dessa entidade patronal, uma vez que esta constitui uma fonte única.

38      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que a Tesco Stores parece constituir, na sua qualidade de entidade patronal, uma fonte única à qual podem ser atribuídas as condições de remuneração dos trabalhadores que executam o seu trabalho nas lojas e nos centros de distribuição de que dispõe e que pode ser responsável por uma eventual discriminação proibida nos termos do artigo 157.o TFUE, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

39      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 157.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que tem efeito direto em litígios entre particulares nos quais é invocada a inobservância do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos por um «trabalho de valor igual», conforme previsto neste artigo.

 Quanto à segunda questão

40      Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão prejudicial.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 157.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que tem efeito direto em litígios entre particulares nos quais é invocada a inobservância do princípio da igualdade de remuneração entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos por um «trabalho de valor igual», conforme previsto neste artigo.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.