Language of document : ECLI:EU:C:2021:468

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

10 de junho de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Inquérito interno do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) — Transmissão de informações pelo OLAF às autoridades judiciárias nacionais — Apresentação de uma denúncia pela Comissão Europeia — Conceitos de funcionário “visado especificamente” e “implicado pessoalmente” — Falta de informação do interessado — Direito da Comissão de apresentar uma denúncia perante as autoridades judiciárias nacionais antes do termo do inquérito do OLAF — Ação de indemnização»

No processo C‑591/19 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral, nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 1 de agosto de 2019,

Comissão Europeia, representada por B. Mongin e J. Baquero Cruz, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Fernando De Esteban Alonso, residente em Saint‑Martin‑de‑Seignanx (França), representado por C. Huglo, avocat,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, L. Bay Larsen, C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 27 de janeiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 11 de junho de 2019, De Esteban Alonso/Comissão (T‑138/18, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:398), pelo qual este a condenou a pagar a Fernando De Esteban Alonso o montante de 62 000 euros a título de indemnização pelo dano moral que este alega ter sofrido devido aos comportamentos ilegais do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e da Comissão.

 Quadro jurídico

2        Instituído pela Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 28 de abril de 1999 (JO 1999, L 136, p. 20), o OLAF está incumbido, designadamente, nos termos do artigo 2.o desta decisão, de efetuar, no interior das instituições, inquéritos administrativos destinados a combater a fraude, a corrupção e qualquer outra atividade ilegal lesiva dos interesses financeiros da União e de investigar factos graves, ligados ao exercício de atividades profissionais, que possam constituir um incumprimento das obrigações dos funcionários e dos agentes da União suscetível de processos disciplinares e, sendo caso disso, penais.

 Regulamento (CE) n.o 1073/1999

3        O Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO 1999, L 136, p. 1) regulava as inspeções, as verificações e as ações levadas a efeito pelos agentes do OLAF no exercício das suas funções. Os inquéritos efetuados pelo OLAF consistem em inquéritos «externos», ou seja, exteriores às das instituições da União, e em inquéritos «internos», ou seja, no interior dessas instituições. Este regulamento, aplicável ratione temporis aos factos do caso em apreço, foi revogado e substituído pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF (JO 2013, L 248, p. 1).

4        O considerando 10 do Regulamento n.o 1073/1999 enunciava:

«Considerando que estes inquéritos devem ser efetuados em conformidade com o Tratado, designadamente com o protocolo relativo aos privilégios e imunidades das comunidades, no respeito do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes […] bem como no pleno respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular do princípio de equidade, do direito da pessoa implicada a expressar‑se sobre os factos que lhe dizem respeito e do direito de que apenas os elementos com valor probatório possam constituir a base das conclusões de um inquérito; que, para o efeito, as instituições, órgãos e organismos devem poder prever as condições e disposições de execução dos inquéritos internos; que, por conseguinte, convém modificar o estatuto, a fim de prever os direitos e obrigações dos funcionários e outros agentes em matéria de inquéritos internos.»

5        O artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Inquéritos internos», previa:

«1.      Nos domínios visados no artigo 1.o, [o OLAF] realizará inquéritos administrativos no interior das instituições, órgãos e organismos […]

Tais inquéritos internos serão efetuados no respeito das normas dos Tratados, designadamente o protocolo relativo aos privilégios e imunidades, bem como do estatuto, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento e em decisões adotadas por cada instituição, órgão e organismo. As instituições concertar‑se‑ão sobre o conteúdo dessa decisão.

[…]

5.      Quando as investigações revelem que um membro, dirigente, funcionário ou agente pode estar implicado pessoalmente, a instituição, órgão ou organismo a que pertença será informado.

Nos casos em que o inquérito exija segredo absoluto ou o recurso a meios de investigação da competência de uma autoridade judiciária nacional, esta informação poderá ser diferida.

[…]»

6        O artigo 9.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Relatório de inquérito e sequência dos inquéritos», dispunha:

«1.      No termo de qualquer inquérito realizado [pelo OLAF], [este] elaborará, sob a autoridade do diretor, um relatório que incluirá nomeadamente os factos verificados, o prejuízo financeiro, se for caso disso, e as conclusões do inquérito, incluindo as recomendações do diretor [do OLAF] sobre o seguimento a dar ao mesmo.

2.      Os relatórios serão elaborados tendo em conta os requisitos processuais exigidos pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Os relatórios assim estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária. Ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais e terão idêntico valor.

3.      Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos externos e todos os respetivos documentos úteis serão transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, em conformidade com a regulamentação relativa aos inquéritos externos.

4.      Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respetivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa. As instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados e informarão o diretor do [OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório, do seguimento dado ao inquérito.»

7        O artigo 10.o do Regulamento n.o 1073/1999, intitulado «Transmissão de informações pel[o] [OLAF]», enunciava:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o, 9.o e 11.o do presente regulamento e das disposições contidas no Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96 [do Conselho, de 11 de novembro de 1996, relativo às inspeções e verificações no local efetuadas pela Comissão para proteger os interesses financeiros das Comunidades Europeias contra a fraude e outras irregularidades (JO 1996, L 292, p. 2)], o [OLAF] poderá transmitir a qualquer momento às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa informações obtidas durante os inquéritos externos.

2.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o, 9.o e 11.o do presente regulamento, o diretor d[o OLAF] transmitirá às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa as informações colhidas pel[o OLAF] aquando de inquéritos internos, sobre factos suscetíveis de processo penal. Sob reserva das necessidades do inquérito, informará simultaneamente o Estado‑Membro em causa.

3.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o e 9.o do presente regulamento, o [OLAF] poderá transmitir a qualquer momento à instituição, órgão ou organismo em causa informações obtidas durante inquéritos internos.»

 Decisão 1999/396/CE, CECA, Euratom

8        A Decisão 1999/396/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 2 de junho de 1999, relativa às condições e regras dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e todas as atividades ilegais lesivas dos interesses das Comunidades (JO 1999, L 149, p. 57), prevê, no seu artigo 4.o, sob a epígrafe «Informação ao interessado»:

«No caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente da Comissão, o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito. Em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro, funcionário ou agente da Comissão sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.

Em casos que requeiram a manutenção de absoluto sigilo para efeitos do inquérito e exijam o recurso a meios de investigação da competência de uma autoridade judiciária nacional, a obrigação de convidar o membro, funcionário ou agente da Comissão a exprimir‑se pode ser diferida de acordo com, respetivamente, o presidente da Comissão ou o seu secretário‑geral.»

 Antecedentes do litígio

9        F. De Esteban Alonso é um antigo funcionário da Comissão, reformado desde 1 de agosto de 2006, que exerceu, nomeadamente, as funções de diretor da informática, publicações e relações externas no Serviço de Estatística da União Europeia (Eurostat), de 1 de janeiro de 1993 a 31 de janeiro de 1997, antes de ser nomeado para outras funções na Comissão.

10      Para assegurar a divulgação dos dados estatísticos, o Eurostat recorria ao apoio do Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias (OPOCE). Este serviço tinha criado, em 1996, uma rede de pontos de venda chamados «datashops». As relações entre o Eurostat, o OPOCE e cada datashop eram organizadas por contratos financeiros. Uma auditoria interna do Eurostat realizada em setembro de 1999 revelou irregularidades na gestão financeira dos contratos e levantou suspeitas de desvios de fundos. Consultado em 17 de março de 2000, o OLAF abriu vários inquéritos.

11      No âmbito de um desses inquéritos, relativo ao processo «Eurostat‑Datashop‑Planistat», o diretor‑geral do OLAF transmitiu às autoridades judiciárias francesas, numa nota de 19 de março de 2003, informações sobre factos suscetíveis de receber qualificação penal (a seguir «nota de 19 de março de 2003»). Yves Franchet e Daniel Byk, respetivamente, diretor‑geral e chefe de unidade no Eurostat nessa data, bem como à época dos factos em causa, eram os únicos nomeados nessa nota.

12      Em 4 de abril de 2003, o procureur de la République du tribunal de grande instance de Paris [procurador da República junto do Tribunal de Primeira Instância de Paris (França)] abriu um processo de instrução por factos de recetação e cumplicidade no crime de abuso de confiança. No dia anterior, o diretor‑geral do OLAF tinha enviado ao secretário‑geral da Comissão uma nota de síntese sobre os inquéritos em curso relativos ao Eurostat. Em 10 de julho de 2003, a Comissão apresentou uma denúncia «contra X» ao referido procurador da República, constituindo‑se simultaneamente parte civil.

13      Em 25 de setembro de 2003, o OLAF elaborou o seu relatório final no processo «Eurostat‑Datashop‑Planistat», que foi transmitido às autoridades judiciárias francesas. F. De Esteban Alonso também não era nomeado nesse relatório.

14      Em 29 de janeiro de 2004, em resposta a um pedido do Ministério Público, a Comissão autorizou o levantamento da imunidade de F. De Esteban Alonso, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 2, do Protocolo relativo aos privilégios e imunidades. Este não foi informado de tal facto.

15      Em 9 de setembro de 2008, na sequência da inquirição como testemunha pela polícia, o interessado foi detido e, no dia seguinte, constituído arguido pelo crime de abuso de confiança.

16      Em 9 de setembro de 2013, o juiz de instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris) proferiu um despacho de não pronúncia (a seguir «despacho de não pronúncia») relativamente a todas as pessoas constituídas arguidas, incluindo F. De Esteban Alonso. Por Acórdão de 23 de junho de 2014, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) negou provimento ao recurso interposto desse despacho pela Comissão. Por acórdão de 15 de junho de 2016, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França) negou provimento ao recurso interposto pela Comissão desta última decisão.

17      Em 15 de setembro de 2008, e posteriormente em 12 de dezembro de 2013, F. De Esteban Alonso apresentou pedidos de assistência baseados no artigo 24.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), que foram indeferidos pela Comissão. O interessado interpôs recurso do segundo indeferimento, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal da Função Pública por Despacho de 15 de julho de 2015, De Esteban Alonso/Comissão (F‑35/15, EU:F:2015:87), que o Tribunal Geral confirmou em sede de recurso por Acórdão de 9 de setembro de 2016, De Esteban Alonso/Comissão (T‑557/15 P, não publicado, EU:T:2016:456).

18      Em 22 de dezembro de 2016, F. De Esteban Alonso apresentou um pedido de indemnização dos prejuízos sofridos em consequência do comportamento do OLAF e da Comissão, ao abrigo do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto. Dado que a Autoridade Investida do Poder de Nomeação indeferiu esse pedido, o interessado apresentou uma reclamação contra a decisão de indeferimento. Por Decisão de 29 de novembro de 2017, a referida autoridade indeferiu essa reclamação.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

19      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de fevereiro de 2018, F. De Esteban Alonso interpôs um recurso com fundamento no artigo 270.o TFUE, destinado a obter a reparação dos danos morais, físicos e materiais que pretensamente sofreu devido às irregularidades cometidas pelo OLAF e pela Comissão, pelo facto de, por um lado, não ter sido ouvido antes da transmissão às autoridades francesas dos elementos que lhe são imputados e, por outro, a Comissão ter prosseguido os processos penais que foram instaurados de maneira injustificada contra ele. Tais danos foram calculados pelo interessado em 1 102 291,68 euros.

20      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral constatou que estavam preenchidos os três requisitos em que assenta a responsabilidade da União, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado no que se refere a uma parte do dano moral. Consequentemente, julgou parcialmente procedente o pedido do interessado a título desse dano e condenou a Comissão a pagar‑lhe a quantia de 62 000 euros.

21      No que respeita ao caráter ilegal do comportamento do OLAF e da Comissão, o Tribunal Geral considerou, em primeiro lugar, que o OLAF tinha violado o artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396 e os direitos de defesa quando transmitiu o dossiê «Eurostat‑Datashop‑Planistat» às autoridades judiciárias francesas e, no mínimo, não tinha respeitado a sua obrigação de informar F. De Esteban Alonso em conformidade com esta disposição. Tendo em conta as funções que exercia à época dos factos, o interessado devia, segundo o Tribunal Geral, ser «equiparado» às pessoas «especificamente visadas» nas conclusões extraídas na sequência do inquérito conduzido pelo OLAF na aceção do artigo 4.o, primeiro parágrafo, segundo período, da Decisão 1999/396, ou deveria, no mínimo, ter sido considerado implicado pessoalmente nos factos na origem desse inquérito e, a esse título, ter sido rapidamente informado, em aplicação do artigo 4.o, primeiro parágrafo, primeiro período, dessa decisão. Em segundo lugar, o Tribunal Geral concluiu que a Comissão tinha violado o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 ao apresentar uma denúncia com constituição de parte civil nos órgãos jurisdicionais franceses antes de ter sido emitido o relatório final do OLAF, quando não dispunha de elementos de prova suficientes.

22      No que respeita ao dano moral sofrido por F. De Esteban Alonso e ao nexo de causalidade entre as ilegalidades acima referidas e esse dano, o Tribunal Geral considerou, em primeiro lugar, que a denúncia com constituição de parte civil apresentada pela Comissão perante as autoridades judiciárias francesas antes de o inquérito do OLAF ter sido concluído tinha ofendido a honra e a reputação profissional do interessado. Em segundo lugar, o Tribunal Geral concluiu que a transmissão pelo OLAF da nota de 19 de março de 2003 às referidas autoridades sem que F. De Esteban Alonso tivesse sido ouvido ou, no mínimo, informado, lhe tinha causado um dano moral privando‑o da possibilidade de se defender e de se exprimir sobre os factos que fundamentaram os processos que lhe foram movidos.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

23      Com o seu recurso, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, negue provimento ao recurso interposto em primeira instância por F. De Esteban Alonso e condene este último na totalidade das despesas nas duas instâncias.

24      F. De Esteban Alonso conclui pedindo, a título principal, que seja negado provimento ao recurso e, em caso de anulação do acórdão recorrido, que seja dado provimento na íntegra ao seu recurso interposto no Tribunal Geral. Pede, além disso, a condenação da Comissão na totalidade das despesas.

 Quanto ao presente recurso

25      A Comissão invoca três fundamentos de recurso.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

26      O primeiro fundamento de recurso é relativo a um erro de qualificação jurídica em que incorreu o Tribunal Geral ao declarar que F. De Esteban Alonso deveria ter sido equiparado às pessoas visadas especificamente na nota de 19 de março de 2003 ou, no mínimo, considerado implicado pessoalmente nos factos imputados e informado, a esse título, das investigações suscetíveis de o implicar, em conformidade com o artigo 4.o da Decisão 1999/396 da Comissão. A Comissão sustenta que este não se enquadra em nenhuma destas duas categorias de pessoas.

27      Esta instituição alega que a nota de 19 de março de 2003 não nomeou F. De Esteban Alonso e que o OLAF, além do mais, não dispôs de elementos, durante o ano de 2003, que permitissem presumir que o interessado estava implicado pessoalmente. No seu Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257), o Tribunal Geral considerou que existia uma obrigação de informar os dois funcionários em causa nesse processo apenas porque a nota de 19 de março de 2003 continha conclusões que os visavam especificamente. Isto é precisamente o que os distingue de F. De Esteban Alonso, que não foi nomeado nessa nota.

28      Para poder concluir que F. De Esteban Alonso devia, não obstante, ser equiparado a uma pessoa visada especificamente ou, no mínimo, implicado pessoalmente, respetivamente, nos n.os 76 e 83 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral baseou‑se num conjunto de elementos desconhecidos do OLAF à data da transmissão da nota de 19 de março de 2003 e que só aparecem no despacho de não pronúncia proferido pelo juiz nacional dez anos mais tarde. Ora, a legalidade de um ato é apreciada à luz dos elementos conhecidos do seu autor na data da sua adoção. O Tribunal Geral substituiu‑se ilegalmente à instituição ao examinar a legalidade do comportamento da Comissão à luz de factos de que esta não tinha conhecimento.

29      Apenas era evidente e indiscutível, à data da transmissão desta nota, o facto de F. De Esteban ter sido, de janeiro de 1993 a janeiro de 1997, diretor do Eurostat, numa posição hierárquica que o colocava entre dois funcionários suspeitos. Segundo a Comissão, esta circunstância não é suficiente para poder considerar que «[a implicação] pessoal [do interessado] era mais do que provável», segundo os termos utilizados no n.o 71 do acórdão recorrido, nem que deveria ter «sido equiparado […] às pessoas [visadas] especificamente nas conclusões do OLAF», como indicado pelo Tribunal Geral no n.o 77 do mesmo acórdão. O referido Tribunal confundiu as pessoas cujo testemunho podia ser utilizado na investigação com aquelas sobre as quais recaíam suspeitas suficientemente sérias. Ora, estas duas categorias de pessoas encontram‑se em situações jurídicas diferentes, nomeadamente no plano das garantias processuais. Do mesmo modo, na data da transmissão da referida nota, o OLAF não dispunha de elementos suficientes para poder considerar F. De Esteban Alonso «implicado pessoalmente». A «possibilidade de implicação pessoal» não se podia deduzir da mera constatação de que o interessado ocupava um determinado cargo no serviço em causa.

30      Segundo F. De Esteban Alonso, embora não fosse «visado especificamente» pelas conclusões do relatório do OLAF, não deixava de estar «implicado pessoalmente». A nota de 19 de março de 2 003 visava‑o implícita, mas necessariamente, tendo em conta a sua qualidade de diretor da informática, publicações e relações externas do Eurostat e de superior hierárquico de Byk. Foi por esta razão que, em 4 de abril de 2013, foi aberto a seu respeito um processo de instrução na sequência da transmissão dessa nota pelo OLAF às autoridades judiciárias francesas. Do mesmo modo, foi constituído arguido com base nas informações que figuram na referida nota. Contrariamente ao que sustenta a Comissão no seu recurso, o Tribunal Geral baseou‑se em elementos contidos na mesma nota e simplesmente corroborados pelo despacho de não pronúncia.

31      Na sua réplica, a Comissão alega que a nota de 19 de março de 2003 não contém nenhuma referência implícita a F. De Esteban Alonso. Nessa data, não tinha sido estabelecida nenhuma ligação, nem sequer remota, entre o interessado e o objeto do inquérito.

32      Na sua tréplica, F. De Esteban Alonso observa que a Comissão o tinha dispensado do seu dever de reserva, sem que disso tivesse sido informado, desde 29 de janeiro de 2004, ou seja, muito tempo antes de ter sido instado a comparecer perante o juiz de instrução, o que demonstra que a Comissão tinha plena consciência de que era implicado ab initio pela nota de 19 de março de 2003.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

33      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de qualificação jurídica dos factos ao considerar F. De Esteban Alonso «visado especificamente», na aceção do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396, na nota de 19 de março de 2003 ou, no mínimo, «implicado pessoalmente», na aceção da mesma disposição, o que determinaria a obrigação de o OLAF o informar dos factos suscetíveis de lhe serem imputados.

34      A título preliminar, há que recordar que, nos termos desta disposição, «[n]o caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente da Comissão, o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito» e que «[e]m qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro, funcionário ou agente da Comissão sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito».

35      Esta disposição estabelece uma distinção entre dois casos, aos quais atribui consequências jurídicas diferentes. Por um lado, o funcionário da Comissão visado especificamente por um inquérito do OLAF deve ser ouvido antes de, na sequência do inquérito, serem extraídas conclusões a seu respeito. Por outro lado, o funcionário da Comissão implicado pessoalmente deve ser rapidamente informado desde que isso não crie o risco de prejudicar o inquérito.

36      Tanto num como no outro caso, há que considerar que, tendo em conta o objeto da Decisão 1999/396, relativa às condições e regras dos inquéritos internos, um funcionário da Comissão só pode ser objeto das qualificações mencionadas no artigo 4.o dessa decisão durante um inquérito do OLAF e, o mais tardar, no termo deste.

37      No que respeita, em primeiro lugar, à equiparação de F. De Esteban Alonso às pessoas visadas especificamente, não se pode deixar de observar que este não foi nomeado na nota de 19 de março de 2003.

38      Assim, foi devido a uma interpretação extensiva do conceito de pessoa «visada especificamente» que o Tribunal Geral reconheceu ao interessado essa qualidade. Segundo o n.o 77 do acórdão recorrido, tal equiparação é justificada tendo em conta as funções que F. De Esteban Alonso exercia no momento dos factos, que o colocavam hierarquicamente entre o seu superior direto, Y. Franchet, diretor do Eurostat, e o seu subordinado D. Byk, chefe de unidade, ambos nomeados na nota de 19 de março de 2003.

39      Todavia, como salientou o advogado‑geral nos n.os 40 e 41 das suas conclusões, uma aceção tão ampla do conceito de funcionário «visado especificamente» conduziria a confundir este conceito com o de funcionário ou agente «implicado pessoalmente» e privaria de utilidade a distinção estabelecida entre estas duas situações no artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396. Por conseguinte, a qualificação de F. De Esteban Alonso de funcionário «visado especificamente» assenta numa interpretação errada desta disposição.

40      Por conseguinte, o Tribunal Geral, com base numa interpretação errada do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396, incorreu num erro de qualificação jurídica dos factos ao considerar que, na aceção desta disposição, F. De Esteban Alonso era «visado especificamente» na nota de 19 de março de 2003.

41      No que se refere, em segundo lugar, à qualificação do recorrente de funcionário «[implicado] pessoalmente nos factos na origem do presente processo», adotada a título subsidiário pelo Tribunal Geral no n.o 83 do acórdão recorrido, há que fazer as seguintes observações.

42      Tendo em conta, como resulta do n.o 36 do presente acórdão, o elemento temporal ligado a essa qualificação, o Tribunal Geral não podia, como alega a Comissão, basear‑se em considerações do despacho de não pronúncia.

43      Ora, decorre unicamente das constatações de facto efetuadas nos n.os 75 e 76 do acórdão recorrido que resulta da nota de 19 de março de 2003 e do relatório final do OLAF que F. De Esteban Alonso ocupava, no Eurostat, um cargo hierárquico importante e próximo de duas pessoas nomeadas nessa nota e nesse relatório final e que a referida nota se referia a «funcionários comunitários» implicados sem os identificar claramente. Estes elementos, embora pudessem levar a pensar que o interessado podia fornecer informações úteis no âmbito de um inquérito penal, não eram, em contrapartida, suficientes para o considerar «implicado pessoalmente», isto é, no caso em apreço, como possível coautor dos atos fraudulentos ou dos abusos de confiança de cuja prática se suspeitava.

44      A este respeito, há que salientar que a responsabilidade pessoal de F. De Esteban Alonso nos factos imputados resultava tão pouco evidente da nota de 19 de março de 2003 e do relatório final do OLAF, que o interessado só foi constituído arguido pelas autoridades judiciárias francesas em 9 de setembro de 2008, e apenas depois de ter sido ouvido como testemunha. A denúncia contra X com constituição de parte civil, apresentada pela Comissão em 10 de julho de 2003, não é suscetível de pôr em causa esta apreciação, uma vez que não visava pessoalmente o interessado.

45      Daqui resulta que a apreciação do Tribunal Geral enferma de um segundo erro de qualificação jurídica dos factos ao declarar que, tendo em conta os resultados do inquérito, F. De Esteban Alonso devia ser considerado implicado pessoalmente nos factos investigados.

46      Resulta das considerações que antecedem que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado procedente.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

47      O segundo fundamento do recurso é relativo ao erro de direito em que incorreu o Tribunal Geral ao considerar, nos n.os 97 a 109 do acórdão recorrido, que o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 obstava a que a Comissão apresentasse uma denúncia perante as autoridades judiciárias nacionais, constituindo‑se parte civil, antes de o relatório final do OLAF ter sido apresentado.

48      Em primeiro lugar, o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 limita‑se a prever que as instituições devem dar aos inquéritos «o seguimento, nomeadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados», e não impede a Comissão de recorrer aos órgãos jurisdicionais penais nacionais antes do encerramento do inquérito do OLAF.

49      Em segundo lugar, a interpretação adotada pelo Tribunal Geral levaria à situação paradoxal e não prevista nos textos de que, na falta de um inquérito do OLAF em curso, uma instituição teria plena liberdade para apresentar uma denúncia a todo o tempo, ao passo que perderia automaticamente esse direito a partir da abertura de um inquérito do OLAF e até termo deste último.

50      Em terceiro lugar, a denúncia não tem caráter definitivo e pode ser alterada a todo o tempo.

51      Em quarto lugar, o direito da Comissão de apresentar denúncia com constituição de parte civil decorre diretamente do direito primário, uma vez que está consagrado no artigo 335.o TFUE, nos termos do qual a União, «representada pela Comissão», «goza da mais ampla capacidade jurídica reconhecida às pessoas coletivas pelas legislações nacionais […] podendo, designadamente, […] estar em juízo». Esta faculdade não pode de forma alguma ser limitada por um ato de direito derivado. Por conseguinte, a Comissão deve poder apresentar denúncias a todo o momento, se o considerar oportuno e desde que as condições previstas pelo direito nacional estejam preenchidas.

52      Em quinto lugar, no n.o 100 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral deduziu erradamente do artigo 25.o do anexo IX do Estatuto que a transmissão de informações a uma autoridade judiciária que permitisse a abertura ou a ampliação de um processo penal nacional não podia ocorrer antes do encerramento do inquérito do OLAF.

53      Em sexto lugar, além da interpretação errada do artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 feita pelo Tribunal Geral, a Comissão considera que não há nenhuma razão válida para limitar a faculdade de a Comissão apresentar denúncias nos órgãos jurisdicionais nacionais. Primeiro, no direito francês, a denúncia é, exceto nos casos em que o denunciante dispõe de provas suficientes para recorrer diretamente ao juiz penal mediante citação direta, o único meio de o denunciante obter uma indemnização. Segundo, no direito francês, uma denúncia não é necessariamente apresentada contra pessoas identificadas. Pode ser apresentada contra X, o que a Comissão teve precisamente o cuidado de fazer no caso em apreço. Terceiro, a apresentação de uma denúncia no início do inquérito pode ser necessária para salvaguardar os direitos da Comissão, independentemente dos condicionalismos de um inquérito administrativo cujo controlo escapa a esta instituição, nomeadamente no que respeita à sua duração. A interpretação que o Tribunal Geral fez tem praticamente como consequência transferir para o OLAF o poder de apresentar denúncia, o que o legislador da União nunca previu.

54      F. De Esteban Alonso sustenta que o Tribunal Geral declarou, nos n.os 123 a 125 do Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257), que a nota de 19 de março de 2003 dizia respeito a um inquérito interno. Ora, foi com base nessa nota que a sua imunidade foi levantada e que foi convocado no âmbito do cumprimento de uma carta rogatória. Por conseguinte, por força desse acórdão e das disposições internas próprias do OLAF, devia ter sido informado e ouvido sobre os factos que lhe diziam respeito antes da transmissão da referida nota às autoridades judiciárias francesas.

55      As garantias associadas ao processo disciplinar deveriam necessariamente aplicar‑se, a fortiori, quando o resultado de um inquérito interno conduz à intervenção de uma autoridade judicial nacional. A obrigação de aguardar as conclusões do relatório de inquérito interno antes de submeter o assunto ao juiz e a obrigação de permitir à pessoa objeto desse inquérito ser informada das acusações que lhe são feitas são garantias processuais essenciais para a proteção dos direitos fundamentais e não privam a Comissão do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva. Por conseguinte, o n.o 109 do acórdão recorrido não enferma de um erro de direito.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

56      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999, «[o]s relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respetivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa» e que «[a]s instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados e informarão o diretor do [OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório».

57      Antes de mais, há que observar que, como o Tribunal Geral salientou no n.o 100 do acórdão recorrido, nem a referida disposição nem nenhuma outra disposição proíbem expressamente a instituição em causa de submeter o assunto à autoridade judiciária antes do fim do inquérito do OLAF, se considerar que dispõe de informações ou de elementos que possam justificar a abertura de um inquérito judicial ou constituir elementos de prova úteis a esse inquérito.

58      Em seguida, como salientou o advogado‑geral no n.o 59 das suas conclusões, tal proibição também não pode ser inferida dos termos do artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999. Esta disposição prevê apenas a obrigação de a instituição em causa dar aos inquéritos internos do OLAF o seguimento, designadamente judicial, requerido pelos respetivos resultados e não tem por objeto limitar o poder da Comissão de instaurar, antes do fim do inquérito do OLAF, processos judiciais ou participar, nomeadamente como parte civil, num processo judicial.

59      Por último, nem a circunstância, admitindo que demonstrada, de a Comissão não ter podido instaurar o processo disciplinar antes do encerramento dos inquéritos do OLAF, nem o artigo 25.o do anexo IX do Estatuto, que dispõe que «[s]e o funcionário for perseguido judicialmente pelos mesmos factos, só será tomada uma decisão final depois de o tribunal competente ter proferido uma sentença final», dizem respeito à questão de saber se uma instituição como a Comissão pode apresentar denúncia numa autoridade judiciária nacional antes do fim de um inquérito do OLAF. Por conseguinte, foi erradamente que o Tribunal Geral acreditou poder encontrar aí argumentos a favor da sua interpretação do artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999.

60      Resulta do que antecede que o Tribunal Geral incorreu num erro de direito ao considerar que o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 proíbe a Comissão de apresentar uma denúncia com constituição de parte civil perante um juiz nacional, antes da apresentação do relatório final do OLAF.

61      Todavia, embora o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 não limite o direito de a Comissão apresentar uma denúncia contra um dos seus funcionários, esta deve ter em conta o seu dever de solicitude para com ele. Este dever reflete o equilíbrio dos direitos e obrigações recíprocos que o Estatuto criou nas relações entre os agentes do serviço público e a sua administração. Juntamente com o princípio da boa administração, este dever implica que, quando decide sobre a situação de um funcionário, a autoridade tome em consideração todos os elementos suscetíveis de determinar a sua decisão e que, ao fazê‑lo, tenha em conta não apenas o interesse do serviço mas também o do funcionário em causa (Acórdãos de 23 de outubro de 1986, Schwiering/Tribunal de Contas, 321/85, EU:C:1986:408, n.o 18, e de 4 de fevereiro de 1987, Maurissen/Tribunal de Contas, 417/85, EU:C:1987:61, n.o 12).

62      Tendo em conta o seu dever de solicitude, quando um inquérito do OLAF tenha sido aberto e ainda estiver em curso, a Comissão só pode apresentar denúncia contra um dos seus funcionários nominalmente identificado, sem correr o risco de cometer um erro de apreciação, se os resultados desse inquérito forem já suficientemente previsíveis para serem antecipados e se a implicação pessoal do referido funcionário se afigurar pouco duvidosa. No caso em apreço, importa, todavia, realçar que a Comissão não pode ser acusada de tal, uma vez que a denúncia com constituição de parte civil que apresentou não visava F. De Esteban Alonso, mas era dirigida contra X.

63      Resulta das considerações que antecedem que o segundo fundamento de recurso deve igualmente ser julgado procedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

64      Com o terceiro fundamento de recurso, invocado a título subsidiário, a Comissão sustenta que o Tribunal Geral não podia julgar procedente a ação de indemnização de F. De Esteban Alonso, uma vez que não existia um nexo de causalidade suficientemente direto entre o comportamento da instituição e o prejuízo invocado.

65      Segundo o Acórdão de 4 de outubro de 2006, Tillack/Comissão (T‑193/04, EU:T:2006:292, n.o 70), os relatórios finais do OLAF constituem apenas recomendações ou pareceres que não têm por efeito vincular a autoridade judiciária nacional quanto ao seguimento a dar‑lhes. Compete exclusivamente às autoridades judiciárias nacionais decidir o tipo de ação a levar a cabo. Referindo‑se aos n.os 122 a 125 do mesmo acórdão, a Comissão sustenta que, por esta razão, o Tribunal Geral pôde decidir que um demandante não tinha demonstrado a existência de um nexo de causalidade suficientemente direto entre a transmissão das informações às autoridades judiciárias nacionais efetuada pelo OLAF, em aplicação do artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1073/1999, e o prejuízo alegado. Este raciocínio deve aplicar‑se por analogia à denúncia contra X com constituição de parte civil da Comissão em causa no presente processo.

66      Além disso, nem a nota de 19 de março de 2003 nem o relatório final do OLAF nomearam F. De Esteban Alonso ou permitiam identificá‑lo como tendo participado nos factos denunciados. Aliás, a Comissão apresentou queixa contra X e não contra o interessado. Só na sequência da intervenção das autoridades nacionais e, precisamente, da decisão de o constituir arguido é que F. De Esteban Alonso foi diretamente implicado. Por conseguinte, a transmissão da nota de 19 de março de 2003 não é a causa do «sentimento de injustiça, de impotência e de frustração» de que se queixa o interessado, contrariamente ao que é afirmado no n.o 131 do acórdão recorrido. Foi também erradamente que, no n.o 130 desse acórdão, o Tribunal Geral imputou a ofensa à honra e à reputação profissional do interessado à denúncia da Comissão, e não à constituição de arguido de F. De Esteban Alonso pelas autoridades judiciárias.

67      F. De Esteban Alonso recorda que o dano moral relativo ao estado de incerteza e de inquietação de um agente, prolongado indevidamente por uma decisão da Comissão, já foi reconhecido pela jurisprudência. No seu Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257), o Tribunal Geral declarou que os demandantes tinham experimentado sentimentos de injustiça e de frustração e sofrido uma ofensa à sua honra e à sua reputação profissional devido ao comportamento ilegal do OLAF e da Comissão e, consequentemente, condenou a Comissão a reparar esse dano moral. No caso em apreço, a decisão de dar início a um processo judicial quando o inquérito interno conduzido pelo OLAF ainda não estava concluído, e depois de recorrer do despacho de não pronúncia e de interpor recurso de cassação, quando a Comissão não dispunha de elementos de informação suficientemente precisos e pertinentes, teria necessariamente causado um prejuízo muito sério à honorabilidade e à reputação profissional do interessado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

68      Em conformidade com o terceiro fundamento do recurso, o Tribunal Geral incorreu num erro de direito ao julgar procedente a ação de indemnização do recorrente, quando não existe um nexo de causalidade entre, por um lado, a transmissão da nota de 19 de março de 2003 às autoridades judiciárias francesas e a decisão da Comissão de apresentar uma denúncia «contra X», sem ter informado F. De Esteban Alonso, e, por outro, o dano moral invocado por este último.

69      É verdade que o Tribunal Geral declarou, no n.o 130 do acórdão recorrido, que o facto de a Comissão ter apresentado uma denúncia com constituição de parte civil perante as autoridades judiciárias francesas, antes de o inquérito do OLAF ter sido concluído, tinha causado a F. De Esteban Alonso uma ofensa à sua honra e à sua reputação profissional e que esse dano resultava diretamente do comportamento da Comissão. No número seguinte do seu acórdão, o Tribunal Geral considerou que o facto de o OLAF ter transmitido às referidas autoridades judiciárias a nota de 19 de março de 2003, que implicava o interessado sem que tivesse sido ouvido ou, pelo menos, informado, tinha causado a este último um dano moral, resultante do facto de não ter podido defender‑se nem pronunciar‑se sobre os factos que fundamentaram o processo contra ele instaurado, e que esse dano resultava do comportamento ilegal do OLAF.

70      Todavia, nem a ofensa à honra e à reputação profissional de F. De Esteban Alonso nem o sentimento de injustiça, de impotência e de frustração que este experimentou, segundo o n.o 131 do acórdão recorrido, resultante do facto de não ter podido ser ouvido, são consequência direta do comportamento do OLAF ou da Comissão. Importa, com efeito, recordar que a nota de 19 de março de 2003 não nomeava nem permitia identificar o interessado e que a denúncia da Comissão, além de não ser dirigida contra ele, mas contra X, também não o nomeava. Em contrapartida, foi a constituição de arguido de F. De Esteban Alonso, decidida pelas autoridades francesas em 2008, e, depois, o seu processo que causaram diretamente os prejuízos invocados.

71      Daqui resulta que o Tribunal Geral considerou erradamente que existia um nexo de causalidade direto entre os comportamentos do OLAF e da Comissão durante o ano de 2003 e o dano moral sofrido pelo interessado.

72      Por conseguinte, o terceiro fundamento do recurso deve igualmente ser julgado procedente.

73      Resulta das considerações que antecedem que o acórdão recorrido deve ser anulado.

 Quanto ao recurso no Tribunal Geral

74      Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado.

75      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça pode pronunciar‑se definitivamente sobre o litígio, o qual está em condições de ser julgado.

76      Resulta do que antecede que o OLAF não cometeu nenhuma ilegalidade ao decidir transmitir às autoridades judiciárias nacionais a nota de 19 de março de 2003 e que a Comissão não violou o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 ao apresentar uma denúncia com constituição de parte civil, em 10 de julho seguinte, perante essas autoridades. Por outro lado, como decidiu o Tribunal Geral, o recorrente não demonstra de forma bastante que a Comissão cometeu uma falta ao impugnar nos órgãos jurisdicionais penais franceses, em primeira instância, e, depois, em cassação, o despacho de não pronúncia.

77      Por conseguinte, não está preenchido o primeiro requisito da responsabilidade da União, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições. Por conseguinte, o recurso só pode ser julgado improcedente, sem que seja necessário examinar os restantes requisitos da responsabilidade da União.

 Quanto às despesas

78      Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

79      No caso em apreço, há que ter em conta o facto de o recorrente ter sido arguido no âmbito de um processo penal instaurado pelo OLAF e pela Comissão, que durou oito anos e que terminou com o despacho de não pronúncia. Nestas condições, há que prever que cada parte suportará as suas próprias despesas, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 11 de junho de 2019, De Esteban Alonso/Comissão (T138/18, EU:T:2019:398), é anulado.

2)      É negado provimento ao recurso no processo T138/18.

3)      Cada parte suporta as suas próprias despesas, relativas tanto ao processo em primeira instância como ao presente recurso.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.