Language of document : ECLI:EU:C:2024:290

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

11 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.° TFUE — Interpretação solicitada necessária para que o órgão jurisdicional de reenvio possa proferir a sua decisão — Independência dos juízes — Requisitos de nomeação dos juízes de jurisdição ordinária — Possibilidade de impugnar sentenças ou acórdãos penais condenatórios transitados em julgado no contexto dos processos de execução destas sentenças ou destes acórdãos — Inadmissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial»

Nos processos apensos C‑114/23 [Sapira] i, C‑115/23 [Jurckow] i, C‑132/23 [Kosieski] i e C‑160/23 [Oczka] (i) ,

que têm por objeto quatro pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentados pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisões de 18 de fevereiro de 2023 (C‑114/23 e C‑115/23), de 6 de março de 2023 (C‑132/23) e de 14 de março de 2023 (C‑160/23), que deram entrada no Tribunal de Justiça nos dias 27 de fevereiro de 2023 (C‑114/23 e C‑115/23), 6 de março de 2023 (C‑132/23) e 15 de março de 2023 (C‑160/23), no âmbito de processos penais contra

KB (C‑114/23),

RZ (C‑115/23),

AN (C‑132/23),

CG (C‑160/23),

sendo intervenientes:

Prokuratura Rejonowa Warszawa Ochota (C‑114/23 e C‑160/23),

Prokuratura Okręgowa w Warszawie (C‑115/23 e C‑132/23),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Prokuratura Okręgowa w Warszawie, por A. Bortkiewicz,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como dos princípios da segurança jurídica, da intangibilidade das decisões transitadas em julgado, da proporcionalidade e da autonomia processual.

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de processos de execução de quatro decisões judiciais transitadas em julgado que condenam KB, RZ, AN e CG em determinadas penas.

 Quadro jurídico

3        O artigo 9.°, §§ 1 e 2, da ustawa — Kodeks karny wykonawczy (Lei que aprova o Código da Execução das Penas) de 6 de junho de 1997 (Dz. U. de 2023, posição 127, a seguir «Código da Execução das Penas»), dispõe:

«1.      O processo de execução tem lugar logo que a decisão judicial possa ser executada.

2.      Um acórdão ou um despacho proferido com fundamento no artigo 420.° da ustawa — Kodeks postępowania karnego [Lei que altera o Código de Processo Penal, de 6 de junho de 1997 (Dz. U. de 2022, posição 1375)], relativo ao confisco ou a provas materiais, pode ser objeto de execução a partir do momento em que transita em julgado, salvo disposição da lei em contrário.»

4        Nos termos do artigo 13.°, § 1, do Código da Execução das Penas:

«A autoridade que executa a decisão e as pessoas diretamente visadas pela decisão podem solicitar ao tribunal que proferiu a decisão que se pronuncie sobre as dúvidas relativas à execução da decisão ou sobre as alegações que põem em causa o cálculo da pena. O despacho do tribunal é suscetível de recurso.»

5        O artigo 15.°, § 1, deste código tem a seguinte redação:

«O tribunal põe termo ao processo de execução em caso de prescrição da pena, de falecimento da pessoa condenada ou de qualquer outro motivo que obste ao prosseguimento do processo.»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

6        Por Sentença de 28 de dezembro de 2022 do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), KB foi condenado numa pena de prisão de dois meses, com suspensão da respetiva execução, e numa pena de multa por ter insultado publicamente o Presidente da República da Polónia nos dias 1 e 2 de março de 2022 na rede social Twitter (processo C‑114/23).

7        Por Sentença de 28 de novembro de 2022, aquele tribunal condenou RZ numa pena de prisão de um ano, com suspensão da respetiva execução, e numa pena de multa por ter levado outra pessoa a dispor desfavoravelmente dos seus bens com o intuito de obter benefícios financeiros (processo C‑115/23).

8        Por Sentença de 9 de fevereiro de 2023 do referido tribunal, AN foi condenado numa pena global de onze meses de restrição da liberdade pela prática de dois crimes de burla informática (processo C‑132/23).

9        Estas três sentenças foram proferidas por tribunais singulares pelos juízes LM, nos processos C‑114/23 e C‑132/23, e OP, no processo C‑115/23. Transitaram em julgado sem terem sido objeto de recurso.

10      CG, por sua vez, foi condenado, por Acórdão de 30 de dezembro de 2022 do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia, Polónia) numa pena de prisão de oito anos pela prática de maus tratos físicos e psíquicos a um lactente (processo C‑160/23). Este acórdão, proferido em sede de recurso por uma secção composta por três juízes, JL, KS e MP, também transitou em julgado.

11      O Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, é chamado a pronunciar‑se sobre a execução das quatro decisões judiciais transitadas em julgado mencionadas nos n.os 6 a 10 do presente acórdão.

12      O referido órgão jurisdicional sublinha que tanto os juízes singulares do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia), LM e OP, como os três juízes do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia), JL, KS e MP (a seguir, em conjunto, «juízes em causa»), foram nomeados por decisões do presidente da República da Polónia sob proposta do Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia), na sua composição que decorre da ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura e outras leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3). No entanto, é facto assente que este órgão não é independente.

13      Resulta do exposto que um tribunal composto por um juiz nomeado sob proposta do Conselho Nacional da Magistratura, na composição que decorre da lei referida no número anterior, não dispõe de uma composição regular e não pode ser considerado um tribunal independente e imparcial, na aceção, designadamente, do artigo 47.° da Carta.

14      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio assinala, no seu pedido de decisão prejudicial no processo C‑160/23, que, em vários acórdãos, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) já revogou acórdãos proferidos em sede de recurso por uma secção do Sąd Apelacyjny w Warszawie (Tribunal de Recurso de Varsóvia) da qual fazia parte o juiz JL, nomeadamente num processo julgado por uma secção composta pelos juízes KS e MP. O Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) destaca o contexto em que o juiz JL foi nomeado, a sua ligação ao poder político e a sua atividade enquanto membro do Conselho Disciplinar dos Juízes de jurisdição ordinária. Estas considerações também se aplicam ao juiz KS. No que respeita ao juiz MP, o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) teve em conta a irregularidade da sua nomeação e do exercício da sua atividade no Conselho Nacional da Magistratura, o qual viola a independência dos tribunais e dos juízes.

15      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o direito polaco, interpretado à luz do direito da União e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, permite que os tribunais com competência em matéria penal apreciem uma exceção relacionada com a inobservância dos requisitos do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE e do artigo 47.° da Carta, que pode ser invocada pelo arguido, pelas outras partes no processo e pelo próprio juiz. Todavia, no presente caso, não foi arguida nenhuma exceção neste sentido no âmbito dos quatro processos penais que resultaram nas decisões judiciais transitadas em julgado que são objeto dos processos de execução nos processos principais e os juízes em causa não analisaram o cumprimento daqueles requisitos.

16      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário esclarecer se, ao abrigo do direito da União, o cumprimento dos referidos requisitos pode ser apreciado, se for o caso, oficiosamente, em momento posterior, designadamente no âmbito de processos de execução de decisões judiciais. No entender deste órgão jurisdicional, isto deveria ser possível.

17      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio teria, por conseguinte, de declarar sem efeito as decisões judiciais transitadas em julgado que são objeto dos processos de execução que lhe foram submetidos, devido ao contexto irregular em que os juízes em causa foram nomeados. Consequentemente, os processos teriam de ser encerrados e a responsabilidade penal de KB, RZ, AN e CG teria de ser objeto de novas decisões judiciais.

18      Nestas circunstâncias, o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, [TUE], o artigo 47.° da [Carta] e os princípios gerais do direito da União da segurança jurídica, da intangibilidade das decisões transitadas em julgado, da proporcionalidade e da autonomia processual ser interpretados no sentido de que se opõem a qualquer disposição nacional que, no contexto de um processo de execução de uma decisão de condenação transitada em julgado num processo penal, impeça o órgão jurisdicional de apreciar se a decisão executória foi proferida por um órgão jurisdicional que cumpre os requisitos de ter sido previamente estabelecido por lei, de ser independente e imparcial, e, caso se estabeleça que os requisitos indicados não foram cumpridos, em conformidade com a jurisprudência constante do [Tribunal de Justiça], daí retirar todas as consequências, incluindo não aplicar a decisão assim proferida e arquivar o processo de execução?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a realização dessa apreciação depende de a pessoa condenada ou qualquer outra pessoa habilitada tomar essa iniciativa ou, à luz dos referidos princípios do direito da União, no contexto de um processo de execução de uma decisão de condenação transitada em julgado, o órgão jurisdicional é obrigado a proceder oficiosamente a essa apreciação?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

 Quanto à apensação dos processos C114/23, C115/23, C132/23 e C160/23

19      Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 4 e 18 de abril de 2023, os processos C‑114/23, C‑115/23, C‑132/23 e C‑160/23 foram apensados para efeitos das fases oral e escrita do processo, bem como do acórdão.

 Quanto aos pedidos de aplicação da tramitação prejudicial acelerada

20      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que os presentes reenvios prejudiciais fossem submetidos a tramitação prejudicial acelerada prevista no artigo 105.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio dos seus pedidos, referiu que os litígios nos processos principais são de direito penal, que têm por objeto direitos fundamentais e que é do interesse geral que os autores dos crimes sejam responsabilizados penalmente com a maior brevidade possível.

21      O artigo 105.o, n.° 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos.

22      Segundo jurisprudência constante, a tramitação acelerada constitui um instrumento processual destinado a responder a uma situação de urgência extraordinária [Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal — Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.° 48 e jurisprudência referida).

23      No caso em apreço, nos dias 4 e 18 de abril de 2023, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidas a juíza‑relatora e a advogada‑geral, que não havia que deferir os pedidos mencionados no n.° 20 do presente acórdão. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não apresentou fundamentos concretos quanto às circunstâncias dos litígios nos processos de execução no âmbito dos processos principais que exigem que os pedidos de decisão prejudicial sejam tratados dentro de prazos curtos. Além disso, o facto de os litígios nos processos principais estarem abrangidos pelo direito penal não justifica, por si só, que sejam submetidos a tramitação acelerada (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.° 26). Por último, o mero interesse dos particulares, certamente legítimo, em determinar o mais rapidamente possível o alcance dos direitos que lhes são conferidos pelo direito da União não é suscetível de demonstrar a existência de uma circunstância excecional (Acórdão de 28 de abril de 2022, Phoenix Contact, C‑44/21, EU:C:2022:309, n.° 16).

 Quanto ao pedido de informações no processo C160/23

24      Na sequência de um pedido de informações do Tribunal de Justiça, enviado em 4 de abril de 2023 ao órgão jurisdicional de reenvio, este último forneceu, nomeadamente, esclarecimentos sobre o seu papel nos processos de execução. Este órgão jurisdicional indicou que é competente para aplicar as medidas previstas no Código da Execução das Penas no que respeita às decisões judiciais transitadas em julgado proferidas no âmbito de processos penais pelas secções do Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia). Trata‑se de medidas como, primeiro, a prolação da decisão que determina a execução da pena, segundo, a colocação da pessoa condenada, pelos órgãos de polícia criminal, num estabelecimento prisional para ali cumprir a pena decretada, terceiro, a execução da decisão judicial quando está em causa o pagamento de custas judiciais ao Estado por parte da pessoa condenada, quarto, a apreciação, se for o caso, de um pedido de adiamento da execução de penas privativas de liberdade e, quinto, a emissão de um mandado de detenção para efeitos de procura da pessoa condenada em caso de fuga desta.

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

25      O Governo Polaco alega, em substância, que as questões relacionadas com a organização judiciária dos Estados‑Membros são da competência exclusiva destes últimos e não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação material do direito da União.

26      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, embora a organização da justiça nos Estados‑Membros seja, na verdade, da competência destes últimos, não é menos verdade que, no exercício dessa competência, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar as obrigações que para eles decorrem do direito da União e que o mesmo se pode dizer, nomeadamente, no que respeita às regras nacionais relativas à adoção das decisões de nomeação dos juízes e, sendo caso disso, das regras relativas à fiscalização jurisdicional aplicável no contexto desses processos de nomeação [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 57 e jurisprudência referida].

27      Além disso, resulta claramente da redação das questões submetidas que estas não têm por objeto a interpretação do direito polaco, mas antes das normas e dos princípios gerais do direito da União a que se referem.

28      Resulta do exposto que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre os pedidos de decisão prejudicial.

 Quanto à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial

29      A Prokuratura Okręgowa w Warszawie (Procuradoria Regional de Varsóvia, Polónia) e o Governo Polaco contestam a admissibilidade dos presentes pedidos de decisão prejudicial sustentando, em substância, que não é necessário responder às questões prejudiciais.

30      Assim, a Procuradoria Regional de Varsóvia alega, em substância, que o objetivo dos processos de execução é garantir a implementação de decisões judiciais transitadas em julgado proferidas no âmbito de processos penais, e não decidir um litígio para proferir uma decisão quanto ao mérito. O órgão jurisdicional de reenvio, enquanto tribunal de execução, está vinculado pelo conteúdo das decisões judiciais transitadas em julgado que são objeto de execução e não é competente para fiscalizar a validade das mesmas.

31      Por seu turno, o Governo Polaco sustenta, essencialmente, que as questões prejudiciais são hipotéticas. Os pedidos de decisão prejudicial não revelam nenhuma preocupação concreta quanto à independência dos tribunais que proferiram as decisões judiciais transitadas em julgado em causa nos processos principais. As dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio incidem apenas sobre o facto de os juízes em causa terem sido nomeados sob proposta de um órgão em que metade dos membros foram eleitos pelo poder legislativo. No entanto, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta nomeação não é, em si mesma, suscetível de constituir uma violação do direito a um tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei.

32      Cumpre realçar que o Tribunal de Justiça tem sublinhado reiteradamente que o processo instituído pelo artigo 267.° TFUE constitui um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir e que a justificação do reenvio prejudicial não se baseia na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas na necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 62 e jurisprudência referida].

33      Como decorre dos próprios termos do artigo 267.° TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 63 e jurisprudência referida].

34      O Tribunal de Justiça recordou que resulta simultaneamente dos termos e da sistemática do artigo 267.° TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão prejudicial [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 64 e jurisprudência referida].

35      No caso em apreço, decorre dos esclarecimentos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que este é chamado a pronunciar‑se no âmbito de processos de execução de decisões judiciais penais condenatórias transitadas em julgado, das quais já não cabe recurso. Segundo este órgão jurisdicional, a composição das secções que proferiram aquelas decisões poderia ter sido fiscalizada nos processos penais principais, que, de acordo com os autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, são diferentes dos processos de execução.

36      Em contrapartida, tendo em conta os elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta fiscalização parece estar excluída no contexto da execução das referidas decisões. Assim, este órgão jurisdicional não alude a nenhuma norma do direito processual polaco que lhe confira competência para proceder a uma análise da conformidade, nomeadamente com o direito da União, daquelas decisões. Além disso, em linha com as explicações fornecidas pelo referido órgão jurisdicional, em resposta ao pedido de informações mencionado no n.° 24 do presente acórdão, as suas competências no contexto da execução destas decisões resumem‑se à aplicação das medidas previstas no Código da Execução das Penas.

37      Atendendo a estes elementos, não se afigura que o órgão jurisdicional de reenvio seja competente, ao abrigo das normas de direito polaco, para apreciar a legalidade, à luz, nomeadamente, do direito da União, das secções que proferiram as sentenças e o acórdão penais condenatórios transitados em julgado que são objeto dos processos de execução que lhe foram submetidos.

38      Assim, as questões submetidas nos presentes processos apensos referem‑se intrinsecamente a uma fase anterior a esses processos de execução, que foi encerrada a título definitivo, e que é diferente dos referidos processos de execução. Por conseguinte, não correspondem a uma necessidade inerente à resolução dos litígios nos processos principais, mas visam obter do Tribunal de Justiça uma apreciação geral e distanciada das necessidades desses processos [v., por analogia, Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 78 e jurisprudência referida].

39      Resulta do exposto que as questões excedem o âmbito da missão jurisdicional que incumbe ao Tribunal de Justiça por força do artigo 267.° TFUE [v., por analogia, Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 79 e jurisprudência referida].

40      Atento o exposto, cumpre declarar que os presentes pedidos de decisão prejudicial são inadmissíveis.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Os pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisões de 18 de fevereiro de 2023 (C114/23 e C115/23), de 6 de março de 2023 (C132/23) e de 14 de março de 2023 (C160/23), são inadmissíveis.

Assinaturas


*      Língua dos processos: polaco.


i       Os nomes do presente processo são nomes fictícios. Não correspondem aos nomes verdadeiros de nenhuma das partes no processo.