Language of document : ECLI:EU:C:2015:631

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

Eleanor SHARPSTON

apresentadas em 24 de setembro de 2015 (1)

Processo C‑399/14

Grüne Liga Sachsen e.V. e o.

contra

Freistaat Sachsen

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Alemanha)]

«Diretiva ‘habitats’ — Zonas especiais de conservação — Sítio inscrito na lista de sítios de importância comunitária após ter sido autorizado um projeto de construção no sítio mas antes de terem começado as obras — Eventual necessidade de reexaminar a avaliação inicial do projeto — Normas que regem esse reexame — Consequências da conclusão do projeto, em conformidade com a aprovação definitiva do plano, antes de se poder chegar a uma decisão definitiva quanto à validade da avaliação e do reexame»





1.        A diretiva «habitats» (2) tem como objetivo contribuir para assegurar a biodiversidade, através da conservação de habitats naturais e de fauna e flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros. Para o efeito, estabelece um conjunto de exigências relacionadas com a identificação e a conservação de habitats naturais.

2.        Em especial, deve ser mantida pela Comissão Europeia uma lista de «sítios de importância comunitária», com base em propostas dos Estados‑Membros. Uma vez inscrito nessa lista, um sítio deve ser tratado como uma «zona especial de conservação». Nessas zonas, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para evitar a deterioração dos habitats naturais. Devem também realizar uma avaliação adequada de qualquer plano ou projeto não relacionado com a gestão do sítio, mas suscetível de o afetar de forma significativa. Geralmente, as autoridades nacionais só podem autorizar esse plano ou projeto, se não afetar a integridade do sítio em causa. Contudo, se, apesar de a avaliação ter sido negativa e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por razões imperativas de reconhecido interesse público, o Estado‑Membro em causa tomará todas as medidas compensatórias necessárias.

3.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) alemão diz respeito à construção de uma ponte sobre o rio Elba, planeada e aprovada num momento em que a zona de ambas as margens do rio não estava classificada como um sítio de importância comunitária, mas que foi iniciada e concluída depois de o sítio ter sido inscrito na lista da Comissão.

4.        As autoridades nacionais realizaram uma avaliação preliminar do projeto na primeira fase de aprovação do plano e um reexame posterior na sequência da inscrição na lista da Comissão. Contudo, uma associação para a proteção da natureza continua a contestar a validade da aprovação do plano, alegando, nomeadamente, que as avaliações não cumpriam plenamente as exigências da diretiva «habitats», as quais deviam ter sido integralmente respeitadas na sequência da inscrição na lista da Comissão.

5.        O Bundesverwaltungsgericht solicita orientações relativamente à aplicação daquelas exigências nas circunstâncias em apreço.

 Diretiva «habitats»

6.        O artigo 3.°, n.° 1, da diretiva «habitats» estabelece, em especial:

«É criada uma rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação denominada ‘Natura 2000’. Esta rede, formada por sítios que alojam tipos de habitats naturais constantes do anexo I e habitats das espécies constantes do anexo II, deve assegurar a manutenção ou, se necessário, o restabelecimento dos tipos de habitats naturais e dos das espécies em causa num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural.»

7.        O artigo 4.°, n.° 1, impõe que cada Estado‑Membro proponha uma lista de sítios, indicando os tipos de habitats naturais e as espécies nativas que tais sítios alojam. Os n.os 2 e 3 estabelecem o procedimento segundo o qual será adotada pela Comissão, com base nas listas dos Estados‑Membros, uma lista de sítios de importância comunitária, no prazo de seis anos a contar da notificação da diretiva, com a indicação daqueles que acolherão um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias. Os n.os 4 e 5 estabelecem:

«4.      A partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.° 2, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação, o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo ou mais de habitats naturais a que se refere o anexo I ou de uma ou mais espécies a que se refere o anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, por um lado, e em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios, por outro.

5.      Logo que um sítio seja inscrito na lista prevista no terceiro parágrafo do n.° 2 ficará sujeito ao disposto nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 6.°»

8.        O artigo 6.° tem a seguinte redação:

«1.      Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva.

3.      Os planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projetos, serão objeto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objetivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projetos depois de se terem assegurado de que não afetarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.      Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projeto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a proteção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adotadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

9.        Os anexos I e II da diretiva «habitats» têm por título, respetivamente, «Tipos de habitats naturais de interesse da Comunidade cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação» e «Espécies animais e vegetais de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação». Em cada um dos anexos são indicados, como tendo um estatuto prioritário, certos tipos de habitat e certas espécies.

 Transposição da diretiva «habitats» no Freistaat Sachsen (Estado Livre da Saxónia)

10.      O § 22b da Lei da Proteção da Natureza do Freistaat Sachsen (Sächsisches Naturschutzgesetz, a seguir «SächsNatschG») de 1994 transpõe, essencialmente, o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats».

11.      O n.° 1 da referida disposição impõe a realização de uma avaliação das incidências antes da execução de qualquer projeto num sítio de importância comunitária, e o n.° 2 proíbe essa execução, caso a avaliação das incidências revele um risco de danos graves. Tal proibição apenas pode ser afastada, nos termos do n.° 3, se o projeto for necessário por razões imperativas de reconhecido interesse público e o resultado desejado não puder ser atingido através de meios que envolvam danos menos graves. Se o sítio alojar habitats ou espécies prioritários, apenas podem, em princípio, ser invocadas razões baseadas na saúde pública, segurança pública (incluindo a defesa nacional e a proteção civil) ou efeitos ambientais positivos de relevo (n.° 4). Se a proibição for afastada, devem ser tomadas todas as medidas necessárias para assegurar a coerência da rede Natura 2000 (n.° 5).

12.      As autoridades do Freistaat Sachsen são ainda (por despachos ministeriais aprovados em 2003) obrigadas a respeitar o Guia para a aplicação das disposições relativas à criação e proteção da rede ecológica europeia Natura 2000 (Arbeitshilfe zur Anwendung der Vorschriften zum Aufbau und Schutz des Europäischen ökologischen Netzes Natura 2000). De acordo com o capítulo 3.3 do referido guia, devem ser aplicadas aos sítios «potencialmente» abrangidos pela diretiva «habitats» (incluindo os sítios notificados à Comissão, mas ainda não inscritos por esta na lista) as mesmas normas aplicadas aos sítios de importância comunitária (incluindo o § 22b, n.os 3 a 5, da SächsNatschG).

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

13.      O Bundesverwaltungsgericht esclarece que a Grüne Liga Sachsen é uma associação para a proteção da natureza que contesta a aprovação do plano, concedida em 25 de fevereiro de 2004, para a construção da ponte «Waldschlößchenbrücke», que atravessa o rio Elba e a sua várzea ao longo das suas margens, em Dresden, na Saxónia.

14.      A aprovação do plano baseou‑se numa avaliação concluída em janeiro de 2003, que examinou os possíveis efeitos do projeto de construção nos objetivos de proteção e conservação da zona de conservação «Elbtal zwischen Schöna und Mühlberg» (vale do Elba entre Schöna e Mühlberg), incluindo a referida várzea, que, na altura, estava classificada a nível nacional, mas não tinha ainda sido inscrita na lista pela Comissão. Se fosse identificado um risco de ocorrência de prejuízos significativos, seguir‑se‑ia uma avaliação nos termos do artigo 6.° da diretiva «habitats». O relatório pericial revelou que o projeto não afetava de forma significativa ou duradoura os objetivos de conservação da zona.

15.      A Grüne Liga Sachsen recorreu da decisão de aprovação do plano, em abril de 2004. Nos termos do direito processual nacional, esse recurso não tinha efeito suspensivo. Consequentemente, a Grüne Liga apresentou também um pedido de medidas provisórias para diferir o início dos trabalhos de construção.

16.      Em dezembro de 2004, a Comissão inscreveu a zona na lista de sítios de importância comunitária, na sequência de uma notificação da Alemanha (de acordo com o despacho de reenvio) de março de 2003.

17.      O pedido de medidas provisórias, apresentado pela Grüne Liga Sachsen, para diferir o início dos trabalhos de construção foi indeferido pelo Sächsisches Oberverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Superior da Saxónia), em segunda e última instância, em 12 de novembro de 2007. Os trabalhos na ponte começaram no final desse ano.

18.      Na sequência de relatórios periciais posteriores, a autoridade competente tomou a decisão, em 14 de outubro de 2008, de realizar uma reavaliação mais restrita dos prejuízos relacionados com o projeto de construção, por referência ao momento da decisão de aprovação do plano. O projeto foi novamente aprovado, a título excecional, sujeito a determinadas medidas.

19.      Na sequência de uma alteração dos planos efetuada em setembro de 2010, a Grüne Liga Sachsen apresentou um novo pedido de aplicação de uma medida suspensiva, o qual foi de também indeferido pelo Sächsisches Oberverwaltungsgericht, em segunda e última instância, em outubro de 2010.

20.      Não foi dado provimento nem ao pedido principal nem ao recurso da Grüne Liga Sachsen. O Bundesverwaltungsgericht conhece agora do recurso de «revision» interposto por esta, e considera que nem a avaliação de 2003 nem o reexame de 2008 cumpriram os requisitos estabelecidos pela diretiva «habitats». A avaliação de 2003, que concluiu que não haveria efeitos negativos significativos ou duradouros, não realizou uma análise mais detalhada. O reexame de 2008, apesar de ter concluído que existiam efeitos negativos significativos (que poderiam ser objeto de medidas compensatórias, na aceção do artigo 6.°, n.° 4, da diretiva «habitats»), apenas analisou dois tipos de habitat e uma espécie.

21.      Consequentemente, a fim de determinar de forma mais precisa as exigências da diretiva «habitats», o Bundesverwaltungsgericht pretende obter uma decisão prejudicial quanto às seguintes questões.

«1)      Deve o artigo 6.°, n.° 2, da [diretiva ‘habitats’] ser interpretado no sentido de que um projeto de construção de uma ponte, autorizado antes da inscrição de um sítio na lista dos sítios de importância comunitária e não diretamente relacionado com a gestão do sítio, deve ser submetido, antes da sua realização, a uma avaliação das respetivas incidências, quando o sítio tenha sido inscrito na lista após a concessão da autorização mas antes do início dos trabalhos, quando o sítio tenha sido inscrito na lista após a concessão da autorização, e antes da concessão da autorização apenas tiver sido realizada uma avaliação de perigosidade/verificação prévia?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

Deve a autoridade nacional competente, ao proceder ao reexame posterior, atender ao disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 6.° da diretiva ‘habitats’, quando já os tenha aplicado preventivamente aquando da avaliação da perigosidade/verificação prévia à concessão da autorização?

3)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão e de resposta negativa à segunda:

Que exigências devem ser impostas, por força do artigo 6.°, n.° 2, da diretiva ‘habitats’, ao reexame posterior de uma autorização concedida para um projeto e a que momento a avaliação se deve referir?

4)      No contexto de um procedimento complementar que visa sanar um erro detetado num reexame posterior, com base no artigo 6.°, n.° 2, da diretiva ‘habitats’, ou numa avaliação das incidências com base no artigo 6.°, n.° 3, da diretiva ‘habitats’, deve ter‑se em conta, através das modificações correspondentes das exigências do reexame, que a obra devia ser realizada e posta em funcionamento porque a decisão de aprovação do plano era imediatamente executória e um processo de medidas provisórias foi indeferido sem possibilidade de recurso? O anterior é aplicável, em todo o caso, a um necessário reexame posterior das alternativas para efeitos de uma decisão nos termos do artigo 6.°, n.° 4, da diretiva ‘habitats’?»

22.      Foram apresentadas observações escritas pela Grüne Liga Sachsen, pelo Freistaat Sachsen (recorrido no processo principal), pela República Checa e pela Comissão, tendo todas apresentado observações orais na audiência de 17 de junho de 2015.

 Informações adicionais fornecidas nas observações das partes

23.      Nas suas observações, tanto a Grüne Liga Sachsen como o Freistaat Sachsen desenvolveram o enquadramento factual do pedido de decisão prejudicial. Apesar de o Tribunal de Justiça não ser competente para se pronunciar sobre a matéria de facto, poderá ser útil ter uma visão mais completa do contexto.

24.      Em primeiro lugar, a Grüne Liga Sachsen alega que o sítio foi notificado à Comissão em junho de 2002, e não em março de 2003 como afirma o Bundesverwaltungsgericht.

25.      De acordo com o que foi referido pela Comissão na audiência, a Grüne Liga Sachsen parece estar correta a esse respeito. A Comissão informou o Tribunal de Justiça de que tinha recebido uma «primeira compilação» em março de 2002 (o que poderá explicar a possível confusão com março de 2003) e uma proposta formal da Alemanha em junho de 2002. Em todo o caso, é consensual que o sítio foi inscrito na lista de sítios de importância comunitária da Comissão em dezembro de 2004. Além disso, afigura‑se que este ponto não é pertinente para as questões submetidas, uma vez que, em qualquer uma das hipóteses, o projeto da ponte foi aprovado (em fevereiro de 2004), após a notificação e antes da inscrição na lista pela Comissão.

26.      No respeitante à natureza do sítio e aos efeitos da construção da ponte, a Grüne Liga Sachsen clarifica que as várzeas em questão são um habitat do tipo «prados de feno pobres de baixa altitude», que aloja várias espécies de pássaros e insetos, e que os objetivos de conservação do sítio se encontram ameaçados pela perda de área, pelo facto de estar dividido pela ponte e por as obras na ponte interferirem com os habitats de determinadas espécies de peixe.

27.      Por sua vez, o Freistaat Sachsen enuncia as medidas compensatórias e de prevenção tomadas para atenuar os efeitos da ponte: limites de velocidade a determinadas horas, arbustos para guiar o voo dos morcegos, restabelecimento e desenvolvimento de zonas diferentes dos prados de feno pobres de baixa altitude e o desenvolvimento de habitats de «cursos de água de margens vasosas». O Freistaat Sachsen esclarece que a ponte era necessária para diminuir os engarrafamentos e melhorar as ligações entre os distritos de ambos os lados do rio, e que os objetivos de conservação do sítio em questão (que se estende ao longo de 180 km das margens do rio, incluindo troços urbanos como os de Dresden, onde o rio é atravessado por outras 8 pontes) dizem respeito a 14 tipos de habitat e a 19 espécies enumerados, respetivamente, nos anexos I e II da diretiva «habitats» (3).

28.      Tanto a Grüne Liga Sachsen como o Freistaat Sachsen concordam que, na sua avaliação anterior à aprovação do plano, a autoridade competente se baseou na legislação nacional que transpõe o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats», apesar de o sítio não se encontrar ainda inscrito na lista como sítio de importância comunitária. Concluiu‑se, naquela fase, que o projeto não afetaria o sítio de forma significativa na aceção do artigo 6.°, n.° 3. A decisão de 2008 de realizar um reexame visou dar seguimento a relatórios periciais posteriores que tinham chegado a uma conclusão diferente e pretendeu dar cumprimento às exigências do artigo 6.°, n.° 4. Contudo, como foi esclarecido na audiência, a Grüne Liga Sachsen considera (e o órgão jurisdicional de reenvio tomou‑o como premissa) que a avaliação inicial e o reexame de 2008 não cumpriram totalmente tais disposições, enquanto o Freistaat Sachsen é da opinião de que as cumpriram em todos os aspetos.

 Apreciação

 Estrutura, aplicabilidade e alcance dos artigos 4.° e 6.° da diretiva «habitats»

29.      O artigo 4.°, n.° 1, da diretiva «habitats» impõe que os Estados‑Membros submetam uma lista de sítios à Comissão, no prazo de três anos a contar da notificação dessa diretiva. A Alemanha não cumpriu esse prazo (4), mas, na minha opinião, tal não é pertinente para a questão que aqui se coloca, exceto na medida em que as autoridades alemãs não podem retirar qualquer benefício do facto de não terem cumprido pontualmente as suas obrigações. Nos termos do artigo 4.°, n.os 2 e 3, a Comissão deve elaborar uma lista de sítios de importância comunitária em cada Estado‑Membro, no prazo de seis anos a contar da notificação da diretiva. O artigo 4.°, n.° 4, impõe que os Estados‑Membros, de seguida, designem esses sítios como zonas especiais de conservação, no prazo máximo de seis anos. O artigo 6.°, n.° 1, nos termos do qual os Estados‑Membros devem estabelecer medidas de conservação para essas zonas, aplica‑se, assim, desde a data dessa designação. Contudo, de acordo com o artigo 4.°, n.° 5, o artigo 6.°, n.os 2, 3 e 4 aplica‑se logo que o sítio tenha sido inscrito na lista de sítios de importância comunitária — mas não antes (5).

30.      Assim, no presente caso, o artigo 6.°, n.os 2, 3 e 4, da diretiva «habitats» aplicava‑se ao sítio em causa desde dezembro de 2004, data em que foi inscrito na lista da Comissão, e o artigo 6.°, n.° 1, desde a data em que o sítio foi posteriormente designado como zona especial de conservação.

31.      A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que, nos casos em que um projeto seja autorizado antes de o sítio ser inscrito na lista pela Comissão, o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats», não impõe diretamente nenhuma obrigação na sequência dessa inscrição (6). Consequentemente, no presente caso, o artigo 6.°, n.° 3 não criou nenhuma obrigação de realizar uma avaliação quando o sítio foi inscrito na lista pela Comissão, em dezembro de 2004, uma vez que o projeto já tinha sido aprovado em fevereiro do mesmo ano.

32.      Acresce que essa inscrição na lista também não dá origem a nenhuma obrigação de reexaminar se as licenças de construção existentes afetam os sítios em causa (7).

33.      Contudo, quando uma zona tenha sido notificada ao abrigo da diretiva «habitats», mas a Comissão não tenha ainda decidido a sua inscrição na lista, o Estado‑Membro em questão não pode autorizar intervenções suscetíveis de comprometer seriamente as características ecológicas dessa zona (8). No presente caso, a aprovação do projeto da ponte foi concedida após a notificação e, consequentemente, estava sujeita àquela condição.

34.      Além disso, depois da inscrição de um sítio na lista de sítios de importância comunitária da Comissão, a execução de um projeto autorizado antes de tal inscrição encontra‑se abrangida pelo artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats», o qual estabelece uma obrigação geral de proteção que consiste em evitar a deterioração e a perturbação que possam ter efeitos significativos à luz dos objetivos da diretiva (9). O Tribunal de Justiça afirmou igualmente que a «obrigação de reapreciação a posteriori se [pode] basear no artigo 6.°, n.° 2, da diretiva ‘habitats’» (10) — apesar de, tal como a Comissão realça, não ter ainda especificado em que circunstâncias teria origem tal obrigação.

35.      Por último, as disposições do artigo 6.° da diretiva «habitats» devem ser interpretadas como um conjunto coerente à luz dos objetivos de conservação prosseguidos pela diretiva. Com efeito, os n.os 2 e 3 do artigo 6.° pretendem assegurar o mesmo nível de proteção dos habitats naturais e dos habitats das espécies, enquanto o n.° 4, do mesmo artigo apenas constitui uma disposição derrogatória do segundo período do referido n.° 3 (11).

36.      Consequentemente, a situação do processo principal afigura‑se ser a seguinte.

37.      Em primeiro lugar, as autoridades competentes não podiam aprovar o projeto da ponte em fevereiro de 2004, se houvesse algum risco de comprometer seriamente as características ecológicas do sítio.

38.      Em segundo lugar, o artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats» aplicava‑se desde dezembro de 2004, e as autoridades estavam, por conseguinte, obrigadas a tomar «as medidas adequadas para evitar [...] a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objetivos da presente diretiva». Esta exigência poderá, em certas circunstâncias (que terão de ser esclarecidas pelo Tribunal de Justiça ao decidir o presente caso), implicar uma obrigação de realizar um reexame da autorização já concedida.

39.      Em terceiro lugar, o artigo 6.°, n.° 3, da diretiva «habitats» não impõe diretamente qualquer obrigação relativamente à condução ou ao reexame do procedimento de aprovação do projeto da ponte em fevereiro de 2004, e o artigo 6.°, n.° 4, que apenas estabelece uma derrogação ao segundo período do artigo 6.°, n.° 3, também poderá não ter relevância direta. Contudo, as disposições do artigo 6.°, n.° 3 — e, em consequência, possivelmente, as do artigo 6.°, n.° 4 — poderão ser relevantes para a determinação das exigências do artigo 6.°, n.° 2, uma vez que o nível de proteção conferido pelos n.os 2 e 3 do artigo 6.° é o mesmo.

 Quanto à primeira questão: É necessário reexaminar as incidências de um projeto sobre um sítio inscrito na lista depois de o projeto ter sido aprovado, mas antes de ser executado?

40.      O órgão jurisdicional de reenvio deseja apurar, essencialmente, se, nas circunstâncias do processo principal, o artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats» impõe que a avaliação inicial do projeto seja reexaminada depois de o sítio ter sido inscrito pela Comissão na lista de sítios de importância comunitária e antes das obras começarem.

41.      Relativamente a estas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio refere, em especial, que apenas foi realizada inicialmente uma «avaliação de perigosidade/verificação prévia» e não, aparentemente, uma avaliação que respeitasse todas as exigências do artigo 6.°, n.° 3, caso essa disposição fosse aplicável à data relevante. O Freistaat Sachsen considera que a avaliação inicial cumpria todas essas exigências. Qualquer decisão a este respeito é da exclusiva competência do órgão jurisdicional nacional, mas considerarei ambas as hipóteses, de forma a apresentar uma resposta mais completa.

42.      Em primeiro lugar, na hipótese de a avaliação inicial ter cumprido todas as exigências do artigo 6.°, n.° 3 (e, na medida do necessário, do artigo 6.°, n.° 4), da diretiva «habitats», e tendo em conta o facto de os n.os 2 e 3 do artigo 6.° estarem concebidos para garantir o mesmo nível de proteção, dir‑se‑ia, em princípio, não haver nada no artigo 6.°, n.° 2 (o qual apenas requer que sejam tomadas medidas adequadas para evitar a deterioração e perturbação) que implicasse uma necessidade geral de reexaminar essa avaliação, com o fundamento puramente formal de que o sítio tinha sido, entretanto, inscrito na lista de sítios de importância comunitária.

43.      Contudo, é muito provável que o estado de conservação de um sítio (12) possa evoluir entre a data da avaliação inicial e aquela em que as obras começam. No presente caso, passaram mais de quatro anos entre as duas datas. O artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats» impõe uma obrigação permanente de garantir o mesmo nível de proteção que o artigo 6.°, n.° 3, e seria contrário aos objetivos da diretiva permitir que a aprovação do plano permanecesse inalterada e este só fosse executado depois de ocorrer uma alteração significativa no estado de conservação do sítio. Consequentemente, uma alteração nas circunstâncias do sítio ou dos detalhes do projeto poderia implicar a necessidade de reexame da avaliação à luz da situação alterada, como uma «medida adequada» exigida pelo artigo 6.°, n.° 2, de forma a evitar a deterioração dos habitats ou a perturbação das espécies. Cabe ao órgão jurisdicional nacional competente, como o único juiz da matéria de facto, apurar se tais alterações ocorreram num determinado caso concreto.

44.      A este respeito, não penso que possa ser dada alguma importância à questão de saber se a alteração terá ocorrido antes ou depois da inscrição como sítio de importância comunitária: o que importa é se ocorreu depois da data da avaliação inicial e antes da data em que as obras começaram.

45.      Esta abordagem deve obviamente aplicar‑se a fortiori se a alteração tiver ocorrido e a avaliação inicial não tiver cumprido integralmente o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats».

46.      Contudo, é também importante considerar a situação em que a avaliação inicial não cumpriu totalmente as referidas disposições, mas não ocorreu qualquer alteração nas circunstâncias do sítio ou dos detalhes do projeto após a data da referida avaliação, e em que o único facto (eventualmente) relevante é a inscrição do sítio na lista de sítios de importância comunitária.

47.      Nessa situação, apesar de o Tribunal de Justiça ter sustentado que o artigo 6.°, n.° 3, da diretiva «habitats» não impõe um reexame da avaliação inicial, também admitiu a possibilidade de que tal obrigação poderia resultar do artigo 6.°, n.° 2, o qual está concebido para garantir o mesmo nível de proteção (13).

48.      Creio que essa obrigação não pode ser absoluta. Exigir um reexame em todos os casos equivaleria a aplicar o artigo 6.°, n.° 3, da diretiva «habitats» a situações fora do âmbito explícito da sua aplicação temporal, e seria contrário à jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 31 e 32 supra.

49.      Contudo, um órgão jurisdicional nacional competente deve poder sempre ordenar esse reexame, se a avaliação inicial ficar tão aquém do nível exigido pelo artigo 6.°, n.os 3 e 4, que resulte numa ameaça de deterioração significativa dos habitats ou de perturbação das espécies, uma vez que, na eventualidade de tal ameaça, o artigo 6.°, n.° 2 exige que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para evitar a deterioração e a perturbação. O mesmo é aplicável se a avaliação inicial não tiver identificado claramente as incidências que o projeto provavelmente teria sobre os habitats e as espécies no sítio, deixando indeterminada a possível existência de tal ameaça. Nessas circunstâncias, o reexame da avaliação inicial afigura‑se ser uma medida adequada a tomar, apesar de deverem também ser concebidas alternativas. Por exemplo, uma ameaça muito específica pode ser apropriadamente controlada por meio de uma medida preventiva adequada, mas claramente circunscrita, mas também poderão existir situações em que a única medida adequada seja anular completamente a autorização inicial e ordenar a realização de uma avaliação completamente nova.

 Quanto à segunda questão: É necessário observar o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats» num reexame posterior, quando tais disposições tenham já sido utilizadas como base para a avaliação prévia?

50.      A segunda questão do órgão jurisdicional de reenvio pressupõe que as circunstâncias exigem o reexame das incidências do projeto, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats». Também parte do pressuposto de que, ao realizar a avaliação inicial, a autoridade competente procurou observar as disposições do artigo 6.°, n.os 3 e 4. Em tais circunstâncias, questiona: essa autoridade está vinculada por essas disposições ao realizar o reexame?

51.      A este respeito, concordo com o entendimento do Freistaat Sachsen e da Comissão, segundo o qual não há fundamento para atribuir qualquer relevância aos objetivos ou intenções da autoridade ao realizar a sua avaliação inicial.

52.      Decorre da resposta que proponho para a primeira questão que apenas pode ser usado um critério objetivo para decidir se é necessário um reexame: a avaliação inicial cumpriu ou não integralmente o artigo 6.°, n.° 3 (e, se for caso disso, o artigo 6.°, n.° 4), da diretiva «habitats» e, em caso negativo, as deficiências eram suficientemente graves para criar uma ameaça de deterioração significativa dos habitats ou perturbação das espécies, ou para deixar indeterminada a probabilidade de tal ameaça?

53.      Contudo, também decorre da jurisprudência que as exigências eventualmente impostas pela diretiva «habitats» em relação ao reexame são as que constam do artigo 6.°, n.° 2, e não (diretamente, pelo menos) as do artigo 6.°, n.os 3 e 4. Exigir a observância estrita destas últimas disposições, unicamente com base na intenção subjacente à avaliação inicial, seria aparentemente contrário ao princípio da segurança jurídica que o Tribunal de Justiça sublinhou neste contexto (14).

54.      Não obstante, se fosse imposta tal exigência, não com base na diretiva «habitats», mas sim no direito ou na prática administrativa nacionais (15), tal não poderia, de forma alguma, colidir com as disposições do artigo 6.° da Diretiva, uma vez que o nível de proteção que tanto o artigo 6.°, n.° 2, como o artigo 6.°, n.° 3 estão concebidos para garantir é o mesmo. Por conseguinte, o argumento da Grüne Liga Sachsen de que, na medida em que tenham procurado observar as exigências do artigo 6.°, n.os 3 e 4, quando da sua avaliação inicial, as autoridades são obrigadas a respeitar essas exigências num reexame posterior não pode ser liminarmente rejeitado, se tiver fundamento no direito interno. Apenas se pode dizer que não decorre da própria diretiva «habitats».

55.      No que diz respeito à diretiva, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, as exigências pertinentes são as do artigo 6.°, n.° 2, e estas são o objeto da terceira questão. Contudo, realço desde já que, se se verificasse que a medida adequada a tomar, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 2, era anular a aprovação inicial e ordenar a realização de um processo completamente novo, então este último (que, por definição, seria iniciado depois de o sítio ter sido inscrito na lista de sítios de importância comunitária) teria necessariamente de respeitar diretamente o artigo 6.°, n.os 3 e 4.

 Quanto à terceira questão: Quais as exigências impostas pelo artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats» sobre um reexame posterior, e qual a data a que tal reexame se deve reportar?

56.      Antes de mais, assinalo que o Tribunal de Justiça afirmou claramente, em relação aos planos e projetos que não estão abrangidos pelo artigo 6.°, n.os 3 e 4, da diretiva «habitats» quando são adotados, que «não se pode excluir que um Estado‑Membro, por analogia com o processo derrogatório previsto no artigo 6.°, n.° 4, desta diretiva, invoque, num processo de direito nacional de avaliação dos efeitos ambientais de um plano ou de um projeto suscetível de afetar de maneira significativa os interesses de conservação de um sítio, uma razão de interesse público e, se, em substância, estiverem preenchidos os requisitos previstos nessa última disposição, possa autorizar uma atividade que deixaria, consequentemente, de ser proibida pelo n.° 2 do mesmo artigo. Todavia, para se poder verificar se os requisitos previstos no artigo 6.°, n.° 4, da Diretiva 92/43 estão reunidos, os efeitos desse plano ou projeto devem ter sido analisados previamente, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, desta diretiva» (16).

57.      Creio que o tipo de situação a que o Tribunal de Justiça se refere naquela jurisprudência corresponde, em grande medida, à reavaliação realizada em outubro de 2008 no caso do processo principal, conforme descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, na medida em que tal reavaliação respeitou as disposições do artigo 6.°, n.° 4, da diretiva «habitats» e confirmou a aprovação do plano, a título de derrogação, com base nas medidas compensatórias a adotar.

58.      Nessas circunstâncias, afigura‑se resultar necessariamente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, apesar de a necessidade de reexame ou reavaliação em outubro de 2008 poder ter derivado diretamente do artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats», o processo tinha de cumprir todas as exigências do artigo 6.°, n.os 3 e 4.

59.      Contudo, essa conclusão não pode ser válida para todos os casos, por razões semelhantes às que adiantei acima, especialmente no n.° 48. Pode, por exemplo, haver situações em que seja necessário um reexame, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats», simplesmente com o objetivo de verificar se as medidas que devem ser tomadas, de acordo com tal disposição, evitam efetivamente qualquer deterioração dos habitats ou perturbação das espécies na aceção daquela disposição, mas seja desnecessária uma nova avaliação das incidências do projeto, para os efeitos previstos no artigo 6.°, n.° 3, e não esteja em causa estabelecer uma derrogação com base no artigo 6.°, n.° 4.

60.      O segundo ponto a analisar no contexto desta questão é o da data em relação à qual a reavaliação deve ser feita. No presente caso, a reavaliação deveria ter considerado o estado de conservação do sítio e as incidências do projeto da ponte tal como existiam e eram determináveis em 2003 ou 2004, respetivamente, quando a avaliação inicial das incidências foi realizada e a aprovação do plano foi concedida, ou em 2008, quando a reavaliação foi realizada e numa altura em que as obras na ponte já tinham começado? Claramente, a data escolhida é suscetível de influenciar o resultado da reavaliação.

61.      Na minha opinião, a resposta resulta da natureza das obrigações impostas pelo artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats», que é a disposição com base na qual qualquer reexame ou reavaliação se poderá tornar necessário, em circunstâncias similares às do processo principal. Tais obrigações respeitam à monitorização contínua do sítio em causa, e as medidas a ser tomadas para evitar a deterioração dos habitats ou a perturbação das espécies apenas podem ser as que forem adequadas no momento em que são tomadas, à luz de tal monitorização contínua.

62.      Para resumir e em termos ligeiramente diferentes: na medida em que, nas circunstâncias do processo principal, fosse necessário um reexame da avaliação inicial, a necessidade desse reexame resultaria do artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats» e, por isso, deveria basear‑se obrigatoriamente na situação que existia à data (2008); mas, na medida em que tal reexame conduzisse a uma derrogação com base no artigo 6.°, n.° 4, todas as exigências do artigo 6.°, n.° 3, deveriam ser respeitadas.

 Quanto à quarta questão: Qual a relevância, no processo principal, do facto de o projeto ter sido concluído porque a aprovação do plano era definitiva e exequível?

63.      A quarta questão do órgão jurisdicional de reenvio pressupõe não só que era necessário um reexame da avaliação inicial no seguimento da inscrição do sítio na lista de sítios de interesse comunitário, mas também que o reexame efetivamente realizado em 2008 não cumpria integralmente as exigências da diretiva «habitats». Pretende saber se o facto de se terem esgotado todas as vias de recurso previstas no direito nacional antes das obras terem começado e antes do reexame, pelo que a aprovação do plano era, então, definitiva, deve ser tomado em conta na presente fase, em que a ponte já está concluída e aberta ao trânsito. Em especial, deseja apurar se tal facto pode afetar a validade de uma derrogação concedida ao abrigo do artigo 6.°, n.° 4, da diretiva.

64.      Antes de mais, não me parece concebível que o facto de a aprovação do plano se ter tornado definitiva à luz do direito processual nacional possa de alguma forma ser usado para restringir a necessidade de cumprir o artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats». Se assim fosse, a eficácia da diretiva seria posta em causa, e seria possível haver regras diferentes em Estados‑Membros diferentes, um resultado totalmente contrário ao objetivo de criar e manter uma «rede ecológica europeia coerente de zonas especiais de preservação». As exigências da diretiva devem aplicar‑se, a todo o tempo, de igual forma, em todos os Estados‑Membros.

65.      Além disso, o artigo 6.°, n.° 2, estabelece obrigações permanentes. Mesmo quando a aprovação do plano tenha sido concedida através de um processo inteiramente conforme com o artigo 6.°, n.os 3 e 4, os Estados‑Membros devem continuar a tomar as medidas adequadas para evitar a deterioração dos habitats e a perturbação das espécies. O mesmo é verdade a fortiori quando o processo não esteja inteiramente conforme com as referidas disposições e precise de ser retificado. Apesar de a segurança jurídica inerente a uma aprovação definitiva de um plano ser um fator a ter em conta, não pode afastar a necessidade de monitorização permanente e de medidas de prevenção contínuas. Em contrapartida, dependendo das circunstâncias, pode dar origem à necessidade de compensar aqueles que lançaram o projeto com base em expectativas legítimas geradas por essa aprovação.

66.      Mas os pontos suscitados no contexto desta questão vão mais longe. Trata‑se não apenas do facto de a aprovação do projeto se ter tornado definitiva no processo principal, mas também de a ponte ter sido construída (com a consequente deterioração dos habitats e perturbação das espécies, embora consideradas justificadas por razões imperativas de reconhecido interesse público) e estar aberta ao trânsito (sendo possível que se mantenham os efeitos sobre os habitats e as espécies). Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio colocou a hipótese de a identificação de vícios na avaliação inicial e no reexame poder conduzir à anulação da aprovação do plano, com consequências significativas, tanto ecológicas como económicas, se se concluísse que a ponte teria de ser demolida.

67.      Se essa hipótese se confirmasse, teriam de ser consideradas as medidas a tomar, em conformidade com a diretiva «habitats».

68.      Essas medidas teriam de ser «adequadas», na aceção do artigo 6.°, n.° 2, da diretiva «habitats». Teriam de ser determinadas com base na situação existente à data. Por outras palavras, seria necessário ter em conta o facto de a ponte ter sido construída, e pesar as consequências ambientais de a deixar intacta (e a funcionar) contra as consequências de a fechar (ou de limitar o seu uso) ou até de a destruir. As medidas teriam de ser, tanto quanto possível, as que evitassem a deterioração dos habitats e a perturbação das espécies. Contudo, nos casos em que já tivesse ocorrido deterioração ou perturbação, teriam de ser tidas em conta a exigência do artigo 4.°, n.° 4, de estabelecer prioridades para a manutenção ou restabelecimento de um estado de conservação favorável dos habitats ou das espécies, e as exigências de gestão impostas pelo artigo 6.°, n.° 1.

69.      É bastante plausível que, na sequência dessa ponderação de interesses e prioridades, se chegasse à conclusão de que se deveria manter a ponte, sob a condição de serem aplicadas medidas de prevenção e de gestão adequadas. Mas se não fosse esse o caso, qualquer proposta para demolição teria necessariamente, na minha opinião, de ser considerada — tal como a proposta inicial de construir a ponte teve de ser considerada — como «planos ou projetos não diretamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas suscetíveis de afetar esse sítio de forma significativa» na aceção do artigo 6.°, n.° 3, da diretiva «habitats», e teria ela própria de ser sujeita ao escrutínio imposto por essa disposição antes de ser concretizada.

70.      Contudo, concordo com a Comissão quando afirma que, ao pesar as várias opções, o custo económico de, por exemplo, demolir a ponte e compensar o promotor não tem, em princípio, relevância. Apesar de as mesmas «razões imperativas de reconhecido interesse público» que foram tidas em conta na avaliação inicial poderem ainda ser invocadas no âmbito do artigo 6.°, n.° 4, da diretiva «habitats», essas razões não podem ser reforçadas pelo óbvio interesse público em economizar custos (e, de qualquer modo, tal interesse não seria provavelmente considerado um reconhecido interesse público se fosse aplicável o artigo 6.°, n.° 4, segundo parágrafo, no caso de um tipo de habitat prioritário e/ou de uma espécie prioritária). A adoção da referida abordagem equivaleria a favorecer a manutenção de projetos ambientalmente prejudiciais, com o único fundamento de que seria demasiado dispendioso corrigir o facto de as exigências da diretiva não terem sido devidamente respeitadas.

 Conclusão

71.      À luz de todas as considerações precedentes, entendo que o Tribunal de Justiça deve responder às questões suscitadas pelo Bundesverwaltungsgericht nos seguintes termos:

Nos casos em que um plano ou projeto não diretamente relacionado com a gestão de um sítio Natura 2000, mas que seja suscetível de afetar de modo significativo o mesmo, tenha sido autorizado depois de o sítio ter sido notificado à Comissão, mas antes de ter sido inscrito na lista de sítios de importância comunitária, com base numa avaliação das incidências realizada entre as duas datas, e as obras só tenham começado depois da inclusão do sítio nessa lista, as disposições da Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, devem ser interpretadas da seguinte forma:

1)      Quando a avaliação inicial e o processo de autorização tenham cumprido integralmente o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da referida diretiva, o artigo 6.°, n.° 2 não impõe, regra geral, que seja realizado um reexame desse processo; contudo, uma alteração nas circunstâncias do sítio ou nos detalhes do projeto poderá exigir um reexame, à luz da situação alterada, como uma medida adequada para evitar a deterioração dos habitats ou a perturbação das espécies. Se o processo inicial não tiver cumprido o artigo 6.°, n.os 3 e 4, o reexame constitui uma medida adequada imposta pelo artigo 6.°, n.° 2, caso as deficiências do processo sejam suficientemente graves para criar uma ameaça de deterioração significativa dos habitats ou de perturbação das espécies, ou não tenham permitido identificar as incidências do projeto sobre os habitats ou as espécies.

2)      O facto de as autoridades que conduziram o processo inicial terem procurado cumprir o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da Diretiva 92/43 não dá origem a uma obrigação, ao abrigo dessa diretiva, de cumprir as mesmas disposições num reexame posterior desse processo; contudo, não é incompatível com a diretiva que tal obrigação resulte do direito nacional.

3)      Se um reexame do processo inicial constituir uma medida adequada exigida pelo artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 92/43, esse reexame deve basear‑se na situação existente à data em que é realizado. Quando conduza à aplicação, por analogia, de uma derrogação nos termos do artigo 6.°, n.° 4, dessa diretiva, tem também de respeitar todas as exigências do artigo 6.°, n.° 3.

4)      Quando tal reexame se mostre, por sua vez, deficiente depois de o projeto estar concluído, o facto de a autorização se ter tornado definitiva e já não poder ser impugnada ao abrigo do direito nacional não é relevante para a determinação das medidas a tomar, ao abrigo da Diretiva 92/43. Tais medidas devem ser adequadas para evitar a continuação da deterioração dos habitats ou a perturbação das espécies no sítio, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, desta diretiva, devem visar, se for caso disso, o restabelecimento de um estado de conservação favorável e, se envolverem a demolição do projeto concluído, devem ser sujeitas à avaliação prevista no artigo 6.°, n.° 3. Neste último caso, o custo económico da demolição não pode constituir uma razão imperativa de reconhecido interesse público, na aceção do artigo 6.°, n.° 4.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7).


3 —      Segundo as informações fornecidas no sítio Internet da Agência Europeia do Ambiente (http://eunis.eea.europa.eu/sites/DE4545301), dois dos tipos de habitat e duas das espécies constam dos anexos da diretiva «habitats» como tendo estatuto prioritário. Afigura‑se, contudo, improvável que os dois tipos de habitat prioritários («Florestas de vertentes, depósitos rochosos ou ravinas de Tilio‑Acerion» e «Florestas aluviais de Alnus glutinosa e Fraxinus excelsior») se encontrem presentes nas proximidades da ponte controvertida sobre o Elba, na cidade de Dresden. Por outro lado, as duas espécies prioritárias (Euplagia quadripunctaria e Osmoderma eremita) podem perfeitamente proliferar por todo o sítio, tal como confirmado pela Comissão na audiência, pelo menos no que respeita à Euplagia quadripunctaria.


4 —      V. acórdão Comissão/Alemanha (C‑71/99, EU:C:2001:433).


5 —      Acórdão Dragaggi e o. (C‑117/03, EU:C:2005:16, n.os 23 a 25). Saliente‑se, contudo, que se afigura existir uma incoerência entre os artigos 4.° e 6.° da diretiva «habitats», na medida em que o artigo 6.°, n.° 2, diz respeito expressamente a zonas de conservação, enquanto o artigo 4.°, n.° 5, torna aquela disposição aplicável logo que um sítio tenha sido inscrito na lista de sítios de importância comunitária, o que pode acontecer até seis anos antes da designação como zona especial de conservação.


6 —      Acórdãos Comissão/Áustria (C‑209/04, EU:C:2006:195, n.os 56 e 57 e jurisprudência aí referida), e Stadt Papenburg (C‑226/08, EU:C:2010:10, n.os 48 e 49).


7 —      Acórdão Comissão/Reino Unido, C‑6/04, EU:C:2005:626, n.os 57 a 59.


8 —      Acórdãos Dragaggi e o. (C‑117/03, EU:C:2005:16, n.os 26 e 27); Bund Naturschutz in Bayern e o. (C‑244/05, EU:C:2006:579, n.os 44, 47 e 51); e Stadt Papenburg (C‑226/08, EU:C:2010:10, n.° 49).


9 —      Acórdão Stadt Papenburg (C‑226/08, EU:C:2010:10, n.° 49 e jurisprudência aí referida).


10 —      Acórdão Comissão/Reino Unido (C‑6/04, EU:C:2005:626, n.° 58); v. ainda conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Reino Unido (C‑6/04, EU:C:2005:372, n.° 55).


11 —      Acórdãos Sweetman e o. (C‑258/11, EU:C:2013:220, n.° 32 e jurisprudência aí referida), e Briels e o. (C‑521/12, EU:C:2014:330, n.° 19).


12 —      De acordo com o artigo 1.°, alínea e), da diretiva «habitats», entende‑se por «estado de conservação de um habitat natural» o efeito do conjunto de influências que atuam sobre o habitat natural em causa, bem como sobre as espécies típicas que nele vivem, suscetíveis de afetar a longo prazo a sua repartição natural, a sua estrutura e as suas funções, bem como a sobrevivência a longo prazo das suas espécies típicas.


13 —      V. n.° 34, supra, e jurisprudência aí referida.


14 —      V., por exemplo, acórdão Comissão/Áustria (C‑209/04, EU:C:2006:195, n.° 57 e jurisprudência aí referida).


15 —      V. n.os 10 a 12, supra. O Tribunal de Justiça aceitou que uma administração nacional pode estar vinculada por uma prática geral ao aplicar o direito da UE — v. acórdão The Rank Group (C‑259/10 e C‑260/10, EU:C:2011:719, n.° 62 e jurisprudência aí referida).


16 —      Acórdão Cascina Tre Pini (C‑301/12, EU:C:2014:214, n.° 34), que refere o acórdão Comissão/Espanha (C‑404/09, EU:C:2011:768, n.os 156 e 157).