Language of document : ECLI:EU:C:2013:390

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

13 de junho de 2013 (*)

«Segurança social dos trabalhadores migrantes ― Regulamento (CEE) n.° 1408/71 ― Âmbito de aplicação pessoal ― Atribuição de prestações familiares a um nacional de um Estado terceiro que beneficia do direito de residência num Estado‑Membro ― Regulamento (CE) n.° 859/2003 ― Diretiva 2004/38/CE ― Regulamento (CEE) n.° 1612/68 ― Requisito da duração de residência»

No processo C‑45/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Cour du travail de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 19 de janeiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 30 de janeiro de 2012, no processo

Office national d’allocations familiales pour travailleurs salariés (ONAFTS)

contra

Radia Hadj Ahmed,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, U. Lõhmus, M. Safjan e A. Prechal (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de fevereiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de R. H. Ahmed, por I. de Viron e M. Hernandez Dispaux, avocates,

¾        em representação do Governo belga, por C. Pochet e T. Materne, na qualidade de agentes, assistidos por J. Vanden Eynde, avocat,

¾        em representação do Governo checo, por M. Smolek, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por M. Van Hoof e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO L 392, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), dos artigos 13.°, n.° 2, e 14.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77), em conjugação com o artigo 18.° TFUE, bem como dos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Office national d’allocations familiales pour travailleurs salariés (ONAFTS) a R. H. Ahmed, a respeito da atribuição de prestações familiares garantidas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), revogado pela Diretiva 2004/38, enunciava:

«1.      Têm o direito de se instalar com o trabalhador nacional de um Estado‑Membro empregado no território de outro Estado‑Membro, seja qual for a sua nacionalidade:

a)      O cônjuge e descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo;

[...]»

4        O artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, revogado pelo Regulamento (UE) n.° 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO L 141, p. 1), e cuja redação foi transposta para o artigo 10.° deste último regulamento, previa, no seu primeiro parágrafo:

«Os filhos de um nacional de um Estado‑Membro que esteja ou tenha estado empregado no território de outro Estado‑Membro são admitidos nos cursos de ensino geral, de aprendizagem e de formação profissional nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, desde que residam no seu território.»

5        O artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71, intitulado «Definições», dispõe:

«Para efeitos de aplicação do presente regulamento:

[...]

f)      i)     a expressão ‘membro da família’ designa qualquer pessoa definida ou reconhecida como tal ou designada como membro do agregado familiar pela legislação nos termos da qual as prestações são concedidas [...]; contudo, se essas legislações apenas considerarem como membro da família ou membro do respetivo agregado uma pessoa que viva sob o teto do trabalhador assalariado ou não assalariado ou do estudante, esta condição será considerada preenchida quando a pessoa em causa estiver principalmente a cargo do referido trabalhador. […]

[...]»

6        O artigo 2.° do Regulamento n.° 1408/71, intitulado «Pessoas abrangidas», dispõe, no seu n.° 1:

«O presente regulamento aplica‑se aos trabalhadores […] bem como aos membros da sua família [...]»

7        O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 859/2003 do Conselho, de 14 de maio de 2003, que torna extensivas as disposições dos Regulamentos (CEE) n.° 1408/71 e (CEE) n.° 574/72 aos nacionais de Estados terceiros que ainda não estão abrangidos por estas disposições por razões exclusivas de nacionalidade (JO L 124, p. 1), dispõe:

«[...] [A]s disposições do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 […] são aplicáveis aos nacionais de Estados terceiros que ainda não estejam abrangidos pelas suas disposições por razões exclusivas da sua nacionalidade, bem como aos seus familiares e sobreviventes, desde que residam legalmente num Estado‑Membro e se encontrem numa situação cujos elementos não envolvam apenas um único Estado‑Membro.»

8        O artigo 13.° da Diretiva 2004/38, intitulado «Conservação do direito de residência dos membros da família, em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada», prevê, no seu n.° 2, que, sob certas condições, o divórcio, a anulação do casamento ou a cessação da parceria registada não implicam a perda do direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro.

9        O artigo 14.° da referida diretiva, intitulado «Conservação do direito de residência », dispõe, no seu n.° 2:

«Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se [refere o artigo] 13.° enquanto preencherem as condições [nele] estabelecidas.

[…]»

 Direito belga

10      O artigo 1.° da Lei de 20 de julho de 1971, que institui prestações familiares garantidas (loi du 20 juillet 1971 instituant des prestations familiales garanties; Moniteur belge de 7 de agosto de 1971, p. 9302, a seguir «lei que institui prestações familiares garantidas»), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«[...] [A]s prestações familiares são concedidas, nas condições fixadas na presente lei ou por força desta, a favor do filho que estiver exclusiva ou principalmente a cargo de uma pessoa singular residente na Bélgica.

[...]

A pessoa singular referida no primeiro parágrafo deve ter residido efetivamente na Bélgica, de modo ininterrupto, durante, pelo menos, os últimos cinco anos anteriores à apresentação do pedido de prestações familiares garantidas.

Estão dispensadas deste requisito:

1°      As pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do [Regulamento n.° 1408/71];

2°      Os apátridas;

3°      Os refugiados nos termos da Lei de 15 de dezembro de 1980, relativa ao acesso ao território, à estada, ao estabelecimento e ao afastamento dos estrangeiros [loi du 15 décembre 1980 sur l’accès au territoire, le séjour, l’établissement et l’éloignement des étrangers; Moniteur belge de 31 de dezembro de 1980, p. 14584, a seguir ‘Lei de 15 de dezembro de 1980’];

4°      As pessoas, não referidas no n.° 1, que sejam nacionais de um Estado que tenha ratificado a Carta Social Europeia ou a Carta Social Europeia Revista.

Se as pessoas singulares previstas no n.° 1 forem estrangeiras, devem ser admitidas ou autorizadas a residir ou a estabelecer‑se na Bélgica, em conformidade com o disposto na [Lei de 15 de dezembro de 1980] [...]»

11      Durante o período em causa no litígio no processo principal, a Lei de 30 de dezembro de 2009, que contém disposições diversas (loi du 30 décembre 2009 portant des dispositions diverses; Moniteur belge de 31 de dezembro de 2009, p. 82925), alargou a dispensa do requisito da residência de cinco anos, aditando ao artigo 1.°, sétimo parágrafo, da lei que institui prestações familiares garantidas um quinto ponto, com a seguinte redação:

«as pessoas que solicitem as prestações familiares garantidas a favor de um filho:

a)      nacionais de um Estado ao qual se aplique o [Regulamento n.° 1408/71] ou, não sendo esse o caso, nacionais de um Estado que tenha ratificado a Carta Social Europeia ou a Carta Social Europeia (revista);

b)      apátridas ou refugiadas na aceção da Lei de 15 de dezembro de 1980 [...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      R. H. Ahmed, de nacionalidade argelina, está inscrita na Bélgica, no registo da população, desde 18 de janeiro de 2006, e é, desde então, titular de uma autorização de residência no território belga. Obteve esta autorização de residência por ter vindo para a Bélgica para se reunir ao seu parceiro, à época, de nacionalidade francesa. R. H. Ahmed e o referido parceiro têm um filho em comum, também de nacionalidade francesa, nascido em 18 de dezembro de 2003. No ano de 2006, após ter obtido a referida autorização de residência, a recorrente no processo principal mandou vir para a Bélgica a sua filha, de nacionalidade argelina, nascida em 28 de janeiro de 1993.

13      Enquanto viveu com o seu parceiro, R. H. Ahmed, que nunca teve o estatuto de trabalhador na Bélgica, beneficiou de abonos de família à taxa normal, para os seus dois filhos, com base nas prestações de trabalho realizadas na Bélgica pelo seu parceiro.

14      R. H. Ahmed e o seu parceiro separaram‑se no mês de junho de 2007. Desde 15 de maio de 2007, a interessada, que não está a cargo do seu ex‑parceiro, depende da ajuda social.

15      A partir de 1 de outubro de 2007, R. H. Ahmed deixou de receber abono de família para a filha, tendo, contudo, continuado a recebê‑lo para o filho. Foi apresentado junto do ONAFTS um pedido destinado a obter, a partir dessa data, prestações familiares garantidas para a sua filha. Em 7 de abril de 2008, este organismo indeferiu o referido pedido, uma vez que a interessada não preenchia o requisito da residência de cinco anos, previsto no artigo 1.° da lei que institui prestações familiares garantidas.

16      Por requerimento apresentado em 3 de julho de 2008, R. H. Ahmed interpôs recurso da decisão de indeferimento do ONAFTS no Tribunal du travail de Bruxelles, invocando as disposições do Regulamento n.° 1408/71. Simultaneamente e por sugestão do ONAFTS, apresentou junto das autoridades competentes um pedido de derrogação do requisito da duração de residência na Bélgica. No seguimento deste procedimento, R. H. Ahmed obteve as prestações sociais garantidas para a sua filha, após quatro anos de residência, ou seja, a partir de 18 de janeiro de 2010. Consequentemente, o período para o qual estas prestações são reclamadas no âmbito do litígio no processo principal situa‑se entre 1 de outubro de 2007 e 18 de janeiro de 2010.

17      Por sentença de 23 de agosto de 2010, o tribunal du travail de Bruxelles deu provimento ao recurso interposto por R. H. Ahmed. Reportando‑se ao acórdão de 7 de setembro de 2004, Trojani (C‑456/02, Colet., p. I‑7573), este órgão jurisdicional considerou que, uma vez que a interessada tinha sido autorizada a estabelecer‑se na Bélgica, na qualidade de membro da família de um cidadão da União, era equiparada a esse cidadão e tinha direito ao mesmo tratamento que é reservado aos nacionais desse Estado‑Membro.

18      O ONAFTS interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio. Segundo ele, não se pode considerar que a recorrida no processo principal esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1408/71. Exprime dúvidas quanto ao facto de se poder inferir da Diretiva 2004/38 que uma pessoa que não tem a qualidade de cidadão da União seja equiparada a um cidadão da União quando se reúne a uma pessoa com essa qualidade. Alega também que o acórdão Trojani, já referido, diz respeito a uma situação em que estão em causa um cidadão da União e uma prestação de segurança social, ou seja, um caso diferente do da recorrida no processo principal.

19      O órgão jurisdicional de reenvio considera que R. H. Ahmed tem interesse em invocar a aplicação do Regulamento n.° 1408/71, a fim de afastar o requisito de residência de cinco anos previsto no artigo 1.° da lei que institui prestações familiares garantidas.

20      Nestas circunstâncias, a Cour du travail de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Nas circunstâncias em que um nacional de um Estado terceiro (no caso vertente, de nacionalidade argelina) obteve, menos de 5 anos antes, um título de residência num Estado‑Membro (no caso vertente, na Bélgica) para ir viver, fora do quadro do casamento ou da parceria registada, com um cidadão de outro Estado‑Membro (no caso vertente, uma pessoa de nacionalidade francesa), do qual tem um filho (de nacionalidade francesa), esse nacional está abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento [n.°] 1408/71 na qualidade de membro da família de um trabalhador nacional de um Estado‑Membro, para efeito de concessão, como beneficiária, de prestações familiares garantidas para uma filha, nacional de um país terceiro (no caso vertente, de nacionalidade argelina), quando, entretanto, a sua coabitação com o pai do filho de nacionalidade francesa terminou?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, nas circunstâncias referidas na primeira questão, e devido ao facto de o seu agregado incluir o filho de nacionalidade francesa, esse nacional de um Estado terceiro, ou o seu filho nacional de um Estado terceiro, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento [n.°] 1408/71 na qualidade de membros da família de um trabalhador nacional de um Estado‑Membro, para efeito de concessão de prestações familiares garantidas ao filho de nacionalidade argelina?

3)      Em caso de resposta negativa às questões anteriores, nas circunstâncias referidas na primeira questão, essa nacional de um Estado terceiro beneficia, por força [dos artigos 13.°, n.° 2, e 14.°] da Diretiva 2004/38 […], em conjugação com o artigo 12.° CE (atual artigo 18.° [...] TFUE), de tratamento jurídico igual ao reservado aos nacionais enquanto não lhe for retirado o direito de residência, de modo que o Estado belga não pode impor‑lhe um requisito de duração de residência para efeito de concessão das prestações familiares garantidas, quando esse requisito não é exigido aos beneficiários nacionais?

4)      Em caso de resposta negativa às questões anteriores, nas circunstâncias referidas na primeira questão, essa nacional de um Estado terceiro beneficia, na qualidade de mãe de um cidadão da [União], por força dos artigos 20.° e 21.° da [Carta], do princípio da igualdade de tratamento de modo que o Estado belga não pode impor‑lhe um requisito de duração de residência para efeito de concessão das prestações familiares garantidas a outro dos seus filhos, nacional de um país terceiro, quando esse requisito não é exigido para um filho [que tem a nacionalidade de um Estado‑Membro]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

21      Com as suas duas primeiras questões, que há que examinar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação uma nacional de um Estado terceiro (a seguir «mãe») ou a sua filha, que também é nacional de um Estado terceiro (a seguir «filha»), quando se encontrem na seguinte situação:

¾        a mãe tenha obtido, há menos de 5 anos, um título de residência num Estado‑Membro, para se reunir, fora do quadro do casamento ou de uma parceria registada, a um nacional de outro Estado‑Membro (a seguir «nacional de outro Estado‑Membro»), do qual tem um filho com a nacionalidade deste último Estado‑Membro (a seguir «filho comum»);

¾        apenas o nacional de outro Estado‑Membro tenha o estatuto de trabalhador;

¾        a coabitação entre a mãe e o nacional de outro Estado‑Membro tenha terminado entretanto; e

¾        a filha e o filho comum façam parte do agregado familiar da mãe.

22      A este respeito, há que lembrar que o conceito de «membro da família» de um trabalhador, na aceção do Regulamento n.° 1408/71, se encontra definido no artigo 1.°, alínea f), i), do referido regulamento como «qualquer pessoa definida ou reconhecida como tal ou designada como membro do agregado familiar pela legislação nos termos da qual as prestações são concedidas [...]; contudo, se essas legislações apenas considerarem como membro da família ou membro do respetivo agregado uma pessoa que viva sob o teto do trabalhador assalariado ou não assalariado […], esta condição será considerada preenchida quando a pessoa em causa estiver principalmente a cargo do referido trabalhador».

23      Assim, num primeiro momento, esta disposição remete expressamente para a legislação nacional, ao designar como «membro da família» «qualquer pessoa definida ou reconhecida como tal ou designada como membro do agregado familiar pela legislação nos termos da qual as prestações são concedidas» (acórdão de 26 de novembro de 2009, Slanina, C‑363/08, Colet., p. I‑11111, n.° 25).

24      Num segundo momento, o artigo 1.°, alínea f), i), do Regulamento n.° 1408/71 introduz uma correção segundo a qual, «contudo, se essas legislações [nacionais] apenas considerarem como membro da família ou membro do respetivo agregado uma pessoa que viva sob o teto do trabalhador assalariado ou não assalariado, esta condição será considerada preenchida quando a pessoa em causa estiver principalmente a cargo do referido trabalhador» (acórdão Slanina, já referido, n.° 26).

25      O requisito imposto pelo artigo 1.°, alínea f), i), do Regulamento n.° 1408/71 estará então preenchido, como salientam corretamente o Governo checo e a Comissão Europeia, se, nas circunstâncias do processo principal, a mãe ou a filha puderem ser consideradas, nos termos e em aplicação da lei nacional, como «membros da família» do nacional de outro Estado‑Membro e, em caso negativo, se se puder considerar que estão «principalmente a cargo» deste último (v., neste sentido, acórdão Slanina, já referido, n.° 27).

26      Embora o processo no Tribunal de Justiça apresente indícios de que este requisito não se encontra preenchido no processo principal, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificá‑lo.

27      Em contrapartida, como salienta corretamente o Governo belga, resulta do artigo 1.°, alínea f), i), do Regulamento n.° 1408/71, conforme interpretado no n.° 25 do presente acórdão, que a mera circunstância de o filho comum fazer parte do agregado familiar da mãe não é pertinente, enquanto tal, para a qualificação da mãe ou da filha de «membro da família», na aceção desta disposição, do nacional de outro Estado‑Membro.

28      Quanto a uma eventual aplicação do Regulamento n.° 859/2003, a que se refere também o órgão jurisdicional de reenvio, há que salientar que, por força do artigo 1.° do referido regulamento, este alarga o âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71 a nacionais de Estados terceiros, desde que estes não estejam já abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal deste último regulamento unicamente em razão da sua nacionalidade.

29      Ora, a eventual não aplicação do Regulamento n.° 1408/71 à mãe ou à filha não depende da sua nacionalidade, mas do facto de estas não poderem ser consideradas membros da família, na aceção do artigo 1.°, alínea f), i), deste regulamento, do nacional de outro Estado‑Membro.

30      Além disso, por força do artigo 1.° do Regulamento n.° 859/2003, um nacional de um Estado terceiro deve preencher dois requisitos para que as normas do Regulamento n.° 1408/71 sejam aplicáveis a ele e também aos membros da sua família. Assim, esse nacional deve, por um lado, residir legalmente num Estado‑Membro e, por outro, não se encontrar numa situação em que todos os elementos se circunscrevem a um único Estado‑Membro. Tal ocorre, designadamente, quando a situação de um nacional de um Estado terceiro apresente conexão apenas com um Estado terceiro e um único Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 18 de novembro de 2010, Xhymshiti, C‑247/09, Colet., p. I‑11845, n.° 28).

31      Quanto ao primeiro destes requisitos, há que constatar que, segundo as informações que constam da decisão de reenvio, tanto a mãe como a filha residiam legalmente na Bélgica durante o período pertinente para o processo principal.

32      Quanto ao segundo requisito, a situação da mãe e a da filha, conforme resulta do processo de que dispõe o Tribunal de Justiça, apresentam conexão apenas com um Estado terceiro e um único Estado‑Membro, a saber, respetivamente, a República Argelina Democrática e Popular e o Reino da Bélgica.

33      Nestas circunstâncias, não se pode considerar que o Regulamento n.° 859/2003 alargue o âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1408/71 a pessoas como a mãe ou a filha.

34      Consequentemente, há que responder às duas primeiras questões que o Regulamento n.° 1408/71 deve ser interpretado no sentido de que a mãe ou a filha, uma vez que se encontram na situação descrita no n.° 21 do presente acórdão, não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal deste regulamento, exceto se puderem ser consideradas, nos termos e em aplicação da lei nacional, «membros da família» do nacional de outro Estado‑Membro ou, em caso negativo, se se puder considerar que estão «principalmente a cargo» deste.

 Quanto à terceira questão

35      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 13.°, n.° 2, e 14.° da Diretiva 2004/38, em conjugação com o artigo 18.° TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe à mãe, quando se encontre na situação descrita no n.° 21 do presente acórdão, um requisito de duração de residência de cinco anos para efeitos de concessão das prestações familiares garantidas, ao passo que não o impõe aos seus próprios nacionais.

36      A este respeito, como salientam corretamente os Governos belga e checo e a Comissão, resulta expressamente da letra do artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38 que o direito de residência dos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro só se mantém, por força desta norma e sob certas condições, em caso de divórcio, anulação do casamento ou cessação da parceria registada.

37      Ora, como confirma o próprio enunciado da primeira questão, as circunstâncias em causa no processo principal não revelam a existência de um casamento ou de uma parceria registada entre a mãe e o nacional de outro Estado‑Membro. Nestas circunstâncias, a mãe não pode invocar um direito de residência nos termos do artigo 13.°, n.° 2, da Diretiva 2004/38, nem nos termos do artigo 14.° desta diretiva, o qual, no seu n.° 2, se limita a lembrar a necessidade de as pessoas em causa preencherem os requisitos enunciados, designadamente, no artigo 13.° da referida diretiva, para poderem beneficiar da manutenção do direito de residência.

38      A tomada em consideração do artigo 18.° TFUE, ao qual se refere o órgão jurisdicional de reenvio na sua terceira questão, não pode pôr em causa esta conclusão.

39      Com efeito, a circunstância de uma pessoa como a recorrida no processo principal ter disposto, durante o período pertinente para efeitos do processo principal, de um título de residência na Bélgica não tem por consequência poder invocar, nos termos do artigo 18.° TFUE, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.

40      É certo que, no n.° 46 do acórdão Trojani, já referido, o Tribunal de Justiça declarou, no essencial, que um cidadão da União, quando possui um cartão de residência num Estado‑Membro, pode invocar o artigo 18.° TFUE, para beneficiar de uma prestação social nas mesmas condições que os cidadãos desse Estado‑Membro.

41      Todavia, esta interpretação do artigo 18.° TFUE, cujo contexto é o da cidadania da União (v., neste sentido, acórdão de 15 de março de 2005, Bidar, C‑209/03, Colet., p. I‑2119, n.os 37 e 39), não pode ser transposta, enquanto tal, para uma situação em que um nacional de um Estado terceiro possui um título de residência num Estado‑Membro.

42      Posto isto, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído no artigo 267.° TFUE, compete a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Por conseguinte, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua terceira questão à interpretação da Diretiva 2004/38, tal não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, em particular da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do referido direito que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, acórdão de 14 de outubro de 2010, Fuß, C‑243/09, Colet., p. I‑9849, n.os 39 e 40 e jurisprudência referida).

43      Ora, a Comissão alega que, a fim de se opor a que lhe fosse imposto um requisito de duração de residência de cinco anos para efeitos da concessão das prestações familiares garantidas, a mãe poderia invocar o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, baseando‑se num direito de residência decorrente do artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68.

44      A este respeito, há que ter presente que o objetivo do Regulamento n.° 1612/68, a saber, a livre circulação de trabalhadores, exige, para que esta possa ser assegurada no respeito da liberdade e da dignidade, condições ótimas de integração da família do trabalhador comunitário no Estado‑Membro de acolhimento (v. acórdãos de 13 de novembro de 1990, di Leo, C‑308/89, Colet., p. I‑4185, n.° 13, e de 17 de setembro de 2002, Baumbast e R, C‑413/99, Colet., p. I‑7091, n.° 50).

45      Para que essa integração seja bem sucedida, é indispensável que o filho de um trabalhador migrante tenha a possibilidade de fazer a escolaridade obrigatória e prosseguir estudos no Estado‑Membro de acolhimento, como prevê expressamente o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, por forma a terminá‑los com aproveitamento (acórdão de 15 de março de 1989, Echternach e Moritz, 389/87 e 390/87, Colet., p. 723, n.° 21, e acórdão Baumbast e R, já referido, n.° 51).

46      Segundo a jurisprudência, este direito de acesso ao ensino implica um direito de residência independente do filho de um trabalhador migrante ou de um ex‑trabalhador migrante, sempre que esse filho deseje prosseguir os seus estudos no Estado‑Membro de acolhimento, bem como um direito de residência correlativo do progenitor que tem a guarda efetiva desse filho (v. acórdão de 23 de fevereiro de 2010, Teixeira, C‑480/08, Colet., p. I‑1107, n.os 36 e 53).

47      Segundo a Comissão, tanto a filha como o filho comum e, consequentemente, também a mãe, uma vez que esta tem a guarda efetiva destes filhos, beneficiam desse direito de residência fundado no artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68.

48      Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, esta interpretação não pode, contudo, ser defendida relativamente à filha.

49      Com efeito, por um lado, é dado assente que o pai da filha não é o nacional de outro Estado‑Membro. Por conseguinte, em relação a esta pessoa, ela não tem a qualidade de filho de um nacional de um Estado‑Membro que esteja ou tenha estado empregado no território de outro Estado‑Membro, na aceção do artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68.

50      Por outro lado, como alega a Comissão, é certo que o direito de se instalar com o trabalhador migrante, de que beneficiam, nos termos do artigo 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1612/68, «[o] cônjuge e descendentes menores de vinte e um anos ou a cargo», deve ser interpretado no sentido de que beneficia tanto os descendentes desse trabalhador como os do seu cônjuge (acórdão Baumbast e R, já referido, n.° 57).

51      A este respeito, basta contudo salientar que, em circunstâncias como as em causa no processo principal, a mãe não é, nem nunca foi, cônjuge do nacional de outro Estado‑Membro, não podendo o parceiro no quadro de uma simples coabitação ser considerado «cônjuge» na aceção do artigo 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1612/68 (v., neste sentido, acórdão de 17 de abril de 1986, Reed, 59/85, Colet., p. 1283, n.° 16). A filha não pode, portanto, ser considerada filha de um trabalhador migrante ou de um ex‑trabalhador migrante.

52      Em contrapartida, quanto ao filho em comum, há que salientar que, conforme resulta do processo de que o Tribunal de Justiça dispõe, ele é efetivamente o filho de um nacional de um Estado‑Membro que está ou esteve empregado no território de outro Estado‑Membro, na aceção do artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68. Todavia, para que a mãe, enquanto progenitor que tem a guarda efetiva deste filho, possa beneficiar de um direito de residência fundado nesta disposição, é necessário que o filho tenha começado a frequentar o sistema de ensino do Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, acórdão de 6 de setembro de 2012, Czop e Punakova, C‑147/11 e C‑148/11, n.° 29).

53      Ora, o Tribunal de Justiça não dispõe de informações suficientes sobre a situação do filho em comum e, mais particularmente, no que diz respeito à sua escolaridade, o que, nesta fase do processo no Tribunal de Justiça, confere caráter hipotético a uma interpretação das consequências que poderia ter para o litígio no processo principal a existência de um direito de residência da mãe fundado no artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68.

54      Tendo em conta o conjunto das considerações precedentes, há que responder à terceira questão que os artigos 13.°, n.° 2, e 14.° da Diretiva 2004/38, em conjugação com o artigo 18.° TFUE, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe à mãe, quando se encontre na situação descrita no n.° 21 do presente acórdão, um requisito de duração de residência de cinco anos para efeitos da concessão das prestações familiares garantidas, ao passo que não o impõe aos seus próprios cidadãos.

 Quanto à quarta questão

55      Tendo em conta as respostas dadas às questões precedentes, não há que responder à quarta questão.

56      Com efeito, há que lembrar que os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União, incluindo a Carta, são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações (v., neste sentido, acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, n.° 19 e jurisprudência referida).

57      Ora, conforme resulta das respostas às questões precedentes, o Tribunal de Justiça não dispõe de informações que lhe permitam concluir que uma situação como a que está em causa no processo principal é efetivamente regulada pelo direito da União.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que uma nacional de um Estado terceiro ou a sua filha, que também é nacional de um Estado terceiro, quando se encontrem na seguinte situação:

¾        esta nacional de um Estado terceiro tenha obtido, há menos de 5 anos, um título de residência num Estado‑Membro, para se reunir, fora do quadro do casamento ou de uma parceria registada, a um nacional de outro Estado‑Membro, do qual tem um filho com a nacionalidade deste último Estado‑Membro;

¾        apenas o nacional de outro Estado‑Membro tenha o estatuto de trabalhador;

¾        a coabitação entre a referida nacional de um Estado terceiro e o nacional de outro Estado‑Membro tenha terminado entretanto; e

¾        os dois filhos façam parte do agregado familiar da mãe;

não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação pessoal deste regulamento, exceto se esta nacional de um Estado terceiro ou a sua filha puderem ser consideradas, nos termos e em aplicação da lei nacional, «membros da família» do nacional de outro Estado‑Membro ou, em caso negativo, se se puder considerar que estão «principalmente a cargo» deste.

2)      Os artigos 13.°, n.° 2, e 14.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, em conjugação com o artigo 18.° TFUE, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe a uma nacional de um Estado terceiro, quando se encontre na situação descrita no n.° 1 do dispositivo do presente acórdão, um requisito de duração de residência de cinco anos para efeitos da concessão das prestações familiares garantidas, ao passo que não o impõe aos seus próprios nacionais.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.