Language of document : ECLI:EU:C:2005:131

Arrêt de la Cour

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
3 de Março de 2005 (1)

«Código Aduaneiro Comunitário – Apresentação de mercadorias à alfândega – Conceito – Cigarros declarados sob a denominação ‘utensílios de cozinha’ – Constituição da dívida aduaneira na importação – Devedor da dívida aduaneira»

No processo C-195/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hof van Beroep te Antwerpen (Bélgica), por decisão de 7 de Maio de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de Maio de 2003, no processo

Ministerie van Financiën

contra

Merabi Papismedov e o.,

sendo intervenientes:

KBC Lease Belgium NV,

Volvo Truck Finance Belgium NV,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),



composto por: J.‑P. Puissochet, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, S. von Bahr e U. Lõhmus (relator), juízes,

advogada-geral: J. Kokott,
secretário: R. Grass,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação de M. Papismedov, por E. Gevers, advocaat,

em representação do Governo belga, por A. Snoecx, na qualidade de agente,

em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por X. Lewis, na qualidade de agente, assistido por F. Tuytschaever, advocaat,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de Setembro de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 202.° a 204.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»).

2
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Ministerie van Financiën a M. Papismedov, E. Geldof, A. Ben‑Or, R. Peer, M. Peer, B. Tavdidischvili, J. Janssens, J.‑P. Hoste, F. Decock, J. Joris e G. Vanbelleghem, bem como às sociedades Transocean System Transport BVBA e United Logistic Partners BVBA, a respeito de uma importação clandestina de mercadorias através da sua subtracção à fiscalização aduaneira.


Quadro jurídico

A regulamentação comunitária

3
Os conceitos de «fiscalização pelas autoridades aduaneiras» e de «apresentação na alfândega» são definidos, respectivamente, no artigo 4.°, n.os 13 e 19, do código aduaneiro. Pela primeira, entende‑se «a acção empreendida a nível geral pelas autoridades aduaneiras destinada a assegurar o cumprimento da legislação aduaneira e, se for caso disso, das restantes disposições aplicáveis às mercadorias sob fiscalização aduaneira». Pela segunda, é entendida a «comunicação às autoridades aduaneiras, segundo as modalidades estipuladas, da chegada de mercadorias à estância aduaneira ou a qualquer outro local designado ou aprovado pelas autoridades aduaneiras».

4
O título III do código aduaneiro é dedicado às disposições aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade até que lhes seja atribuído um destino aduaneiro. A introdução propriamente dita das mercadorias e a sua apresentação à alfândega encontram‑se previstas, respectivamente, nos capítulos 1, artigos 37.° a 39.°, e 2, artigos 40.° a 42.°, deste código. Por seu lado, a declaração sumária e a descarga das mercadorias apresentadas à alfândega são reguladas no capítulo 3, artigos 43.° a 47.°, do mesmo código.

5
O artigo 38.° do código aduaneiro prevê:

«1.    As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade devem ser conduzidas, no mais curto prazo, pela pessoa que procedeu a essa introdução, utilizando, se for caso disso, a via determinada pelas autoridades aduaneiras e com conformidade com as regras fixadas por essas autoridades:

a)
Quer à estância aduaneira designada pelas autoridades aduaneiras ou a qualquer outro local designado ou autorizado por essas autoridades;

b)
Quer a uma zona franca, caso a colocação das mercadorias nessa zona franca se deva efectuar directamente:

por via marítima ou aérea,

por via terrestre sem passagem por outra parte do território aduaneiro da Comunidade, quando se tratar de uma zona franca contígua à fronteira terrestre entre um Estado‑Membro e um país terceiro.

2.      Quem tomar a seu cargo o transporte das mercadorias após a sua introdução no território aduaneiro da Comunidade, nomeadamente na sequência de um transbordo, torna‑se responsável pelo cumprimento da obrigação referida no n.° 1.

[…]»

6
O artigo 40.° do referido código dispõe:

«As mercadorias que, por força do n.° 1, alínea a), do artigo 38.°, cheguem a uma estância aduaneira ou a qualquer outro lugar destinado ou autorizado pelas autoridades aduaneiras devem ser apresentadas à alfândega pela pessoa que introduziu as mercadorias no território aduaneiro da Comunidade ou, se for caso disso, pela pessoa responsável pelo transporte das mercadorias, após a respectiva introdução no referido território.»

7
O artigo 43.° do mesmo código tem a seguinte redacção:

«Com ressalva do disposto no artigo 45.°, as mercadorias apresentadas à alfândega, na acepção do artigo 40.°, devem ser objecto de uma declaração sumária.

A declaração sumária deve ser entregue logo que as mercadorias sejam apresentadas à alfândega. Todavia, as autoridades aduaneiras podem conceder para esta entrega um prazo que termine, o mais tardar, no primeiro dia útil seguinte ao da apresentação das mercadorias à alfândega.»

8
O título VII, capítulo 2, do código aduaneiro regula a constituição da dívida aduaneira. Prevê, nomeadamente, o momento da constituição desta dívida e determina o seu devedor. Quando a importação de uma mercadoria sujeita a direitos de importação tiver sido realizada de acordo com o procedimento destinado à sua introdução em livre prática ou à sua sujeição a um regime de importação temporária com isenção parcial desses direitos, aplica‑se o artigo 201.° do código. Pelo contrário, quando as mercadorias tenham sido introduzidas irregularmente ou subtraídas à fiscalização aduaneira, aplicam‑se, respectivamente, os artigos 202.° e 203.° do mesmo código.

9
O referido artigo 202.° prevê:

«1.    É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a)
A introdução irregular no território aduaneiro da Comunidade de uma mercadoria sujeita a direitos de importação

ou

b)
Se se tratar de tal mercadoria colocada numa zona franca ou num entreposto franco, a sua introdução irregular numa outra parte desse território.

Na acepção do presente artigo, entende‑se por introdução irregular qualquer introdução com violação das disposições dos artigos 38.° a 41.° e do segundo travessão do artigo 177.°

2.      A dívida aduaneira considera‑se constituída no momento da introdução irregular.

3.
Os devedores são:

a pessoa que introduziu irregularmente a mercadoria,

as pessoas que tenham participado nessa introdução, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular,

bem como as que tenham adquirido ou detido a mercadoria em causa, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento, no momento em que adquiriram ou receberam a mercadoria, de que se tratava de uma mercadoria introduzida irregularmente.»

10
A dívida aduaneira na importação constitui‑se igualmente, nos termos do artigo 203.° do código aduaneiro, mediante a subtracção à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação e, nos termos do artigo 204.° do mesmo código, o incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida, ou ainda a não observância de uma das condições fixadas para a colocação de uma mercadoria sob esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em razão da utilização da mercadoria para fins especiais, em casos distintos dos visados no referido artigo 203.°, salvo se se provar que o incumprimento ou a não observância não tiveram reais consequências para o funcionamento correcto do depósito temporário ou do regime aduaneiro em questão.

A legislação nacional

11
O artigo 257.°, n.° 3, da Lei geral de 18 de Julho de 1977, relativa aos direitos aduaneiros e aos impostos sobre o consumo (Belgisch Staatsblad, de 21 de Setembro de 1977), confirmada pela Lei de 6 de Julho de 1978 (BelgischStaatsblad, de 12 de Agosto de 1978), prevê:

«Quem, sem autorização prévia da Administração das Alfândegas e dos Impostos sobre o Consumo, der às mercadorias um destino diferente do expressamente indicado nos documentos aduaneiros referidos no n.° 1, incorre nas penas previstas, conforme os casos, no artigo 157.°, nos artigos 220.° a 225.°, 227.° e 277.° ou no artigo 231.°»


O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

12
Os arguidos no processo principal são acusados, como autores, co‑autores, cúmplices ou interessados, da importação clandestina, através da subtracção durante o trânsito, de 709 caixas com 10 000 cigarros cada, escondidas atrás de 29 caixas de utensílios de cozinha.

13
Em 10 de Junho de 2001, o navio MSC Rafaela chegou a Antuérpia (Bélgica) carregado com contentores. O seu carregamento foi desalfandegado nos serviços aduaneiros pela sociedade MSC Belgium NV. Deste navio foi descarregado um contentor que, segundo a declaração sumária apresentada a estas autoridades, continha 406 caixas de utensílios de cozinha provenientes da China e destinadas à sociedade United Logistic Partners, com sede em Merksem (Bélgica).

14
Em 11 de Junho de 2001, durante a inspecção do contentor pelas autoridades aduaneiras, estas verificaram que atrás de duas filas de caixas que continham utensílios de cozinha se encontravam caixas idênticas mas contendo pacotes de cigarros. O contentor foi seguidamente fechado, selado e colocado sob vigilância. Nenhum dos documentos entregues às autoridades aduaneiras mencionava a presença de um carregamento de 7 090 000 cigarros.

15
No mesmo dia, um documento de trânsito comunitário externo com valor de declaração aduaneira foi emitido para o carregamento em questão nos serviços aduaneiros de Antuérpia. Neste documento, eram indicados a sociedade Transocean System Transport BVBA como declarante da operação de trânsito comunitário externo e o armazém Eurolog, sito em Merksem, como local de destino, local este que é reconhecido como entreposto do tipo «B», autorizado a receber mercadorias que ainda se encontrem sob fiscalização aduaneira.

16
Em 12 de Junho de 2001, J. Janssens apresentou‑se como o condutor de um camião para lhe ser feita a entrega do contentor. Após ter sido carregado, este camião não se dirigiu para o armazém Eurolog, mas para um armazém sito em Schoten (Bélgica), local este que não é reconhecido como entreposto aduaneiro. O mesmo camião foi descarregado na presença de vários outros arguidos no processo principal. Os resultados do inquérito conduzido pelos funcionários da Inspecção Especial das Alfândegas e dos Impostos sobre o Consumo de Antuérpia confirmaram que o contentor em questão continha 29 caixas de utensílios de cozinha e 709 caixas com 10 000 cigarros cada.

17
Os factos deram lugar a um procedimento criminal. A secção de turno do Rechtbank van eerste aanleg te Antwerpen, decidindo em matéria penal, proferiu, em 30 de Julho de 2001, um acórdão do qual foi interposto recurso para o órgão jurisdicional de reenvio. A Administração Aduaneira sustenta que as mercadorias foram introduzidas regularmente no território da Comunidade mas que foram subtraídas à fiscalização aduaneira, na medida em que a remessa para a qual fora emitido um documento de trânsito comunitário externo não foi apresentada no local de destino indicado no documento aduaneiro. Segundo M. Papismedov, os factos em que se baseia a acusação devem ser qualificados de importação clandestina de cigarros e não de subtracção à fiscalização aduaneira.

18
Nestas condições, o Hof van Beroep te Antwerpen decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)
As mercadorias que foram objecto de uma declaração sumária que mencionava uma denominação/denominação comercial inexacta (no caso, utensílios de cozinha em vez de cigarros) ou que foram declaradas sob uma denominação/denominação comercial inexacta para efeitos de um regime aduaneiro (como o regime de trânsito comunitário externo) devem, não obstante a declaração, intencional ou não, da denominação/denominação comercial inexacta, ser consideradas regularmente introduzidas no território da Comunidade e, consequentemente, sob fiscalização aduaneira (depósito temporário ou um regime aduaneiro)?

2)
Caso a primeira questão seja respondida afirmativamente, deve a subtracção à fiscalização aduaneira de mercadorias que foram declaradas, intencionalmente ou não, sob uma denominação/denominação comercial inexacta dar lugar a uma dívida aduaneira nos termos do artigo 203.° do Código Aduaneiro Comunitário e deve a pessoa responsável pelo cumprimento das obrigações que decorrem do depósito temporário das mercadorias ou da utilização do regime aduaneiro ao abrigo do qual as mercadorias foram colocadas (na verdade, sob uma denominação inexacta) ser considerada também devedora da dívida aduaneira?

3)
Caso a primeira questão seja respondida afirmativamente, se as autoridades aduaneiras concluírem que as mercadorias que se encontram sob fiscalização aduaneira foram declaradas, intencionalmente ou não, sob uma denominação/denominação comercial inexacta e que, apesar disso, (ainda) não foram subtraídas à fiscalização aduaneira, tendo as autoridades aduaneiras ainda acesso às mercadorias, deve entender‑se que surgiu uma dívida aduaneira relativamente às mercadorias declaradas sob uma denominação/denominação comercial inexacta, nos termos do artigo 204.° do Código Aduaneiro Comunitário, ou que em relação a estas mercadorias ainda não existe qualquer dívida aduaneira?

4)
Caso a primeira questão seja respondida negativamente, deve entender‑se que as mercadorias que foram declaradas, intencionalmente ou não, sob uma denominação/denominação comercial inexacta foram irregularmente introduzidas no território aduaneiro da Comunidade (por outras palavras, que foram introduzidas em violação do disposto nos artigos 38.° a 41.° e no artigo 177.°, [primeiro parágrafo,] segundo travessão, do Código Aduaneiro Comunitário), surgindo assim uma dívida aduaneira sobre estas mercadorias por força do artigo 202.° do Código Aduaneiro Comunitário e sendo a pessoa que apresentou a declaração sumária ou a declaração para um regime aduaneiro, naturalmente com a indicação de uma denominação/denominação comercial inexacta, considerada devedora aduaneira apenas na medida em que possa ser qualificada de devedora na acepção do artigo 202.°, n.° 3, do Código Aduaneiro Comunitário?»


Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

19
Na sua primeira questão, o Hof van Beroep te Antwerpen pergunta essencialmente se mercadorias apresentadas à alfândega, para as quais tenha sido apresentada uma declaração sumária e emitido um documento de trânsito comunitário externo, devem ser consideradas regularmente introduzidas na Comunidade quando, na documentação entregue às autoridades aduaneiras, as mercadorias são designadas sob uma denominação inexacta, no caso em apreço, «utensílios de cozinha» em vez de «cigarros».

20
Resulta da decisão de reenvio que o Hof van Beroep te Antwerpen parece considerar que existe uma ligação entre a sujeição à fiscalização aduaneira das mercadorias que chegam ao território aduaneiro da Comunidade e a regularidade da sua introdução neste território. Por conseguinte, há que examinar previamente se essa ligação existe.

21
A fiscalização pelas autoridades aduaneiras é definida no artigo 4.°, n.° 13, do código aduaneiro como a acção empreendida a nível geral pelas autoridades aduaneiras destinada a assegurar o cumprimento da regulamentação aduaneira. Nos termos do artigo 37.° do mesmo código, as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ficam, desde essa introdução, sujeitas à fiscalização aduaneira. No âmbito desta fiscalização, podem ser sujeitas a controlo por parte das referidas autoridades nos termos das disposições em vigor e permanecem sob vigilância o tempo necessário para determinar o seu estatuto aduaneiro e, tratando‑se de mercadorias não comunitárias, até mudarem de estatuto aduaneiro ou serem colocadas numa zona franca ou num entreposto franco, ou serem reexportadas ou destruídas.

22
Decorre da leitura conjugada dos referidos artigos que as mercadorias que chegam ao território da Comunidade ficam sujeitas à fiscalização aduaneira desde a sua introdução neste território, quer esta tenha sido realizada regularmente quer em violação dos artigos 38.° a 41.° e 177.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, do código aduaneiro, o que as autoridades fiscalizadoras devem apurar através do controlo que exercem. Por conseguinte, a sujeição de mercadorias a essa fiscalização não está ligada à regularidade da introdução destas últimas no referido território.

23
O Governo belga sustenta, à luz do artigo 202.° do código aduaneiro, o qual define a introdução irregular de mercadorias como a que é efectuada em violação dos artigos 38.° a 41.° e 177.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, do mesmo código, que existe introdução regular no território aduaneiro da Comunidade quando estas disposições são respeitadas, ou seja, quando a mercadoria tiver atravessado uma das fronteiras externas e tiver sido conduzida aos serviços aduaneiros. Dado que a obrigação de entregar uma declaração sumária, prevista nos artigos 43.° e seguintes do referido código, não faz parte das obrigações cuja violação pode ter como consequência a introdução irregular de mercadorias neste território, a indicação de uma denominação comercial inexacta das mercadorias nesse documento não altera em nada o carácter regular da sua introdução no referido território. No seu entender, a introdução irregular equivale portanto à importação clandestina através de vias ou de passagens de fronteira não reconhecidas.

24
Esta tese tem por efeito restringir de forma excessiva o alcance do artigo 202.° do código aduaneiro.

25
Várias disposições do código aduaneiro permitem delimitar o conceito de «introdução irregular». É o caso, como o Governo belga referiu com razão, do artigo 202.° deste código, que a define como qualquer introdução, em violação das disposições dos artigos 38.° a 41.° e 177.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, do mesmo código, de uma mercadoria sujeita a direitos de importação quer no território aduaneiro da Comunidade quer noutra parte desse território se a mercadoria estiver colocada numa zona franca ou num entreposto franco.

26
Assim, constitui introdução irregular a importação de mercadorias que não respeita as etapas seguintes previstas no código aduaneiro. Em primeiro lugar, segundo o artigo 38.°, n.° 1, deste código, as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade devem ser conduzidas, no mais curto prazo, quer à estância aduaneira designada quer a uma zona franca. Em segundo lugar, em conformidade com o artigo 40.° do referido código, quando as mercadorias cheguem à estância aduaneira devem ser apresentadas à alfândega nesse local. A apresentação de mercadorias à alfândega é definida no artigo 4.°, n.° 19, do mesmo código como a comunicação às autoridades aduaneiras, segundo as modalidades estipuladas, da chegada de mercadorias a essa estância ou a qualquer outro local designado ou aprovado.

27
Resulta da própria letra de todas as disposições referidas que, para poder considerar que uma mercadoria foi introduzida regularmente no território aduaneiro da Comunidade, esta deve, logo que chega, ser conduzida a uma estância aduaneira ou a uma zona franca e ser apresentada à alfândega. Esta última obrigação, que incumbe ao responsável pela introdução ou à pessoa que toma a seu cargo o transporte, tem como objectivo assegurar que as autoridades aduaneiras tenham sido informadas não só da chegada de mercadorias mas também de todos os dados pertinentes quanto ao tipo de artigo ou produto em causa e à quantidade das mercadorias. Com efeito, são estas informações que vão permitir a identificação correcta destas para efeitos da sua classificação pautal e, eventualmente, do cálculo dos direitos de importação.

28
Tendo‑lhe sido submetido um processo que tinha como objecto a introdução no território aduaneiro da Comunidade de cigarros dissimulados num veículo e encontrados pelas autoridades aduaneiras de um Estado‑Membro por ocasião de um controlo, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que a verdadeira natureza das mercadorias apresentadas à alfândega não resultava dos documentos entregues e que as autoridades aduaneiras não tinham sido avisadas desta natureza pelos interessados, se devia considerar que estas mercadorias não tinham sido objecto de uma comunicação de apresentação à alfândega na acepção do artigo 40.° do código aduaneiro (v. acórdão de 4 de Março de 2004, Viluckas e Jonusas, C‑238/02 e C‑246/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28).

29
É verdade que, como o Governo belga refere, o conceito de introdução irregular visa especificamente apenas a violação dos artigos 38.° a 41.° e 177.°, primeiro parágrafo, segundo travessão, do código aduaneiro, ao passo que a obrigação de entregar uma declaração sumária às autoridades aduaneiras é regulada pelos artigos 43.° e seguintes do mesmo código. Este governo sustenta que, por conseguinte, a introdução de mercadorias na Comunidade deve ser considerada regular se as mercadorias tiverem sido colocadas num local designado ou autorizado pelas referidas autoridades ou numa zona franca e se tiverem sido objecto de uma comunicação de chegada sem que exista uma obrigação de as declarar sob uma denominação geral ou comercial determinada.

30
Este último ponto de vista não pode ser acolhido. A apresentação das mercadorias à alfândega, prevista no artigo 40.° do código aduaneiro, comporta efectivamente, tendo em conta os artigos 43.° e 45.° do referido código, uma obrigação conexa de entregar a curto prazo uma declaração sumária ou de cumprir no mesmo prazo as formalidades destinadas a atribuir às mercadorias em causa um destino aduaneiro, isto é, caso seja pedida a sua sujeição a um regime aduaneiro, de apresentar uma declaração aduaneira. Resulta da própria letra do artigo 43.°, segundo parágrafo, deste código que as duas operações são realizadas, regra geral, simultaneamente, uma vez que o prazo que as autoridades aduaneiras podem conceder para essa entrega termina, o mais tardar, no primeiro dia útil seguinte ao da apresentação das mercadorias à alfândega. Por outro lado, por força do artigo 44.°, n.° 1, do referido código, a declaração sumária deve conter o enunciado dos dados necessários à identificação das mercadorias.

31
Por conseguinte, quando a apresentação das mercadorias à alfândega, prevista no artigo 40.° do código aduaneiro, é acompanhada da entrega de uma declaração sumária ou de uma declaração aduaneira que dá uma descrição do tipo de mercadorias que não tem qualquer correspondência com a realidade, a comunicação às autoridades aduaneiras da chegada de mercadorias, na acepção do artigo 4.°, n.° 19, do mesmo código, é inexistente. Nestas circunstâncias, não é possível considerar que as informações necessárias à identificação das mercadorias foram fornecidas às referidas autoridades pelo simples facto de terem sido entregues determinados documentos. Com efeito, é ainda necessário que as declarações contidas nos documentos que acompanharam a apresentação à alfândega sejam exactas. Quando estas declarações não mencionam a presença de uma parte significativa das mercadorias apresentadas à alfândega, deve considerar‑se que estas foram introduzidas irregularmente.

32
Nestas condições, deve responder‑se à primeira questão que mercadorias apresentadas à alfândega, para as quais tenha sido apresentada uma declaração sumária e emitido um documento de trânsito comunitário externo, não devem ser consideradas regularmente introduzidas no território aduaneiro da Comunidade quando, na documentação entregue às autoridades aduaneiras, as mercadorias tenham sido designadas sob uma denominação inexacta.

33
Não há que apreciar as segunda e terceira questões, tendo em conta que foram colocadas para a hipótese de o Tribunal de Justiça responder afirmativamente à primeira questão.

Quanto à quarta questão

34
A quarta questão está subdividida em duas partes. Na primeira parte desta questão, o Hof van Beroep te Antwerpen pergunta, no essencial, se a dívida aduaneira relativa a mercadorias apresentadas à alfândega e declaradas sob uma denominação inexacta, concretamente, «utensílios de cozinha» em vez de «cigarros», é fundada no artigo 202.° do código aduaneiro. Na segunda parte da referida questão, pergunta essencialmente se a pessoa que entregou a declaração sumária ou a declaração aduaneira com a indicação da denominação inexacta, que não seja expressamente referida na enumeração do referido artigo 202.°, n.° 3, pode, não obstante, ser considerada devedora da dívida aduaneira na medida em que preencha a definição deste conceito dada pela mesma disposição.

Quanto à primeira parte da quarta questão

35
Conforme se concluiu na resposta à primeira questão, mercadorias apresentadas à alfândega e designadas sob uma denominação inexacta na documentação entregue às autoridades competentes, concretamente, «utensílios de cozinha» em vez de «cigarros», não foram introduzidas regularmente na Comunidade. Se a introdução destas mercadorias foi irregular, aplica‑se o artigo 202.° do código aduaneiro, que prevê os factos constitutivos da dívida aduaneira. Resulta deste artigo que a dívida aduaneira relativa à referida operação é necessariamente fundada neste artigo 202.°

36
Há portanto que responder à primeira parte da quarta questão que a dívida aduaneira relativa a mercadorias apresentadas à alfândega e declaradas sob uma denominação inexacta é fundada no artigo 202.° do código aduaneiro.

Quanto à segunda parte da quarta questão

37
Nos termos do artigo 202.°, n.° 3, do código aduaneiro, a dívida aduaneira em caso de introdução irregular de mercadorias na Comunidade tem como devedores três categorias de pessoas, a saber, os autores dessa introdução, aqueles que nela participaram, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular, bem como os que tenham adquirido ou detido a mercadoria em causa, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento de que se tratava de uma mercadoria introduzida irregularmente.

38
Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, resulta da redacção desta disposição que o legislador comunitário quis definir em termos amplos as pessoas susceptíveis de serem consideradas devedoras de uma dívida aduaneira, em caso de introdução irregular de mercadorias tributáveis em direitos de importação (acórdão de 23 de Setembro de 2004, Spedition Ulustrans, C‑414/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25). O legislador também quis fixar exaustivamente as condições de determinação das pessoas devedoras da dívida aduaneira (acórdão Spedition Ulustrans, já referido, n.° 39).

39
O Tribunal de Justiça também já recordou que o artigo 202.°, n.° 3, primeiro travessão, do código aduaneiro visa a «pessoa» que procede à introdução regular, sem especificar se se trata de uma pessoa singular ou de uma pessoa colectiva. Assim, pode igualmente ser considerada devedora da dívida aduaneira qualquer «pessoa» na acepção da referida disposição, isto é, aquela que possa ser considerada, pela sua actuação, na origem da introdução irregular da mercadoria (acórdão Spedition Ulustrans, já referido, n.° 26). No que se refere à interpretação desta disposição, o Tribunal de Justiça já declarou igualmente que mesmo que outras pessoas possam, relativamente às mesmas mercadorias, ser declaradas devedoras com base nas outras disposições do referido n.° 3 do artigo 202.°, a pessoa que introduziu materialmente as mercadorias sem as declarar continua a ser devedora por força das disposições do primeiro travessão deste número (acórdão Viluckas e Jonusas, já referido, n.° 29).

40
Ao invés, a qualificação de «devedor» na acepção do artigo 202.°, n.° 3, segundo e terceiro travessões, do código aduaneiro está subordinada a condições que assentam em elementos de apreciação subjectiva, a saber, que as pessoas singulares ou colectivas tenham conscientemente participado nas operações de introdução irregular das mercadorias ou de aquisição ou de detenção de mercadorias introduzidas irregularmente. Estes elementos são de molde a excluir, em determinados casos, a qualificação de devedor (acórdão Spedition Ulustrans, já referido, n.os 27 e 28).

41
Atendendo às considerações que precedem, há que responder à segunda parte da quarta questão que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, atentas as circunstâncias do caso no processo principal, se a pessoa que entregou a declaração sumária ou a declaração aduaneira esteve na origem da introdução irregular da mercadoria pelo facto de ter indicado uma denominação inexacta. Se este não for o caso, compete ao referido órgão examinar se, com essa acção, a pessoa participou na introdução das mercadorias sabendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular.


Quanto às despesas

42
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas com a apresentação de observações ao Tribunal, com excepção das das referidas partes, não são reembolsáveis.




Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)
Mercadorias apresentadas à alfândega, para as quais tenha sido apresentada uma declaração sumária e emitido um documento de trânsito comunitário externo, não devem ser consideradas regularmente introduzidas no território aduaneiro na Comunidade quando, na documentação entregue às autoridades aduaneiras, as mercadorias tenham sido designadas sob uma denominação inexacta.

2)
A dívida aduaneira relativa a mercadorias apresentadas à alfândega e declaradas sob uma denominação inexacta é fundada no artigo 202.° do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário.

3)
Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, atentas as circunstâncias do caso no processo principal, se a pessoa que entregou a declaração sumária ou a declaração aduaneira esteve na origem da introdução irregular da mercadoria pelo facto de ter indicado uma denominação inexacta. Se este não for o caso, compete ao referido órgão examinar se, com essa acção, a pessoa participou na introdução das mercadorias sabendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento do seu carácter irregular.


Assinaturas.


1
Língua do processo: neerlandês.