Language of document : ECLI:EU:T:2022:454

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

13 de julho de 2022 (*)

«Cláusula compromissória – Agente contratual internacional da EUCAP Somália – Missão abrangida pela política estrangeira e de segurança comum – Não renovação do contrato de trabalho na sequência da saída do Reino Unido da União – Direito de ser ouvido – Igualdade de tratamento – Não discriminação em razão da nacionalidade – Período de transição previsto pelo acordo sobre a saída do Reino Unido da União – Recurso de anulação – Ação de indemnização – Atos indissociáveis do contrato – Inadmissibilidade»

No processo T‑194/20,

JF, representado por A. Kunst, advogada,

recorrente,

contra

EUCAP Somália, representada por E. Raoult, advogada,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto por: R. da Silva Passos (relator), presidente, V. Valančius, I. Reine, L. Truchot e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 9 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso, o recorrente, JF, pede, a título principal, por um lado, com fundamento no artigo 263.° TFUE, a anulação da nota da EUCAP Somália de 18 de janeiro de 2020 (a seguir «nota de 18 de janeiro de 2020») e da carta de 29 de janeiro de 2020 (a seguir «carta de 29 de janeiro de 2020») através das quais esta decidiu não renovar o seu contrato de trabalho (a seguir, conjuntamente consideradas, «atos controvertidos») e, por outro, com fundamento no artigo 268.° TFUE, a reparação dos prejuízos sofridos por este devido a esses atos, e, a título subsidiário, com fundamento no artigo 272.° TFUE, que os atos controvertidos sejam declarados ilegais, bem como a reparação dos prejuízos por ele sofridos devido a esses atos.

I.      Antecedentes do litígio

2        A EUCAP Somália antiga EUCAP NESTOR, é uma missão da União abrangida pela política externa e de segurança comum (PESC), criada pela Decisão 2012/389/PESC do Conselho, de 16 de julho de 2012, sobre a Missão da União Europeia de Reforço das Capacidades [na Somália (EUCAP Somália)] (JO 2012, L 187, p. 40), tomada em aplicação do capítulo 2 do título V do Tratado UE, relativo à PESC. De acordo com o artigo 2.° da Decisão 2012/389/EUCAP, conforme alterada pela Decisão (PESC) 2018/1942 do Conselho de 10 de dezembro de 2018 (JO 2018, L 314, p. 56), a EUCAP Somália tem por objetivo ajudar a Somália a reforçar as suas capacidades em matéria de segurança marítima, a fim de esta poder fazer respeitar mais eficazmente o direito marítimo.

3        Nos termos do artigo 7.°, n.° 3, da Decisão 2012/389, conforme alterada pela Decisão 2018/1942, «[a] EUCAP Somália pode [...] recrutar, numa base contratual, pessoal internacional e pessoal local, caso as funções requeridas não sejam asseguradas pelo pessoal destacado pelos Estados‑Membros». Esta disposição prevê, além disso, que «[e]xcecionalmente, em casos devidamente justificados, quando não existam candidaturas qualificadas dos Estados‑Membros, podem ser recrutados numa base contratual nacionais dos Estados terceiros participantes, se necessário.» O artigo 7.°, n.° 4, da Decisão 2012/389, conforme alterada pela Decisão 2018/1942, precisa que «as condições de trabalho e os direitos e deveres do pessoal internacional e local são estipulados nos contratos entre a EUCAP Somália e os membros do pessoal em causa».

4        Segundo o artigo 12.°‑A da Decisão 2012/389, conforme alterada pela Decisão 2018/1942, «a EUCAP Somália tem a capacidade de adquirir serviços e fornecimentos, celebrar contratos e convénios administrativos, contratar pessoal, ser titular de contas bancárias, adquirir e alienar bens, liquidar obrigações e estar em juízo, na medida do que for necessário para dar execução à presente decisão».

5        Entre [confidencial] e 31 de janeiro de 2020, período durante o qual assinou vários contratos de duração determinada sucessivos, sem período de interrupção, o recorrente foi agente contratual internacional da EUCAP Somália, onde exercia as funções de [confidencial].

6        O artigo 17.° do último contrato de trabalho de recorrente (a seguir «contrato em causa», intitulado «Duração», previa, no seu n.° 1, o seguinte:

«O emprego do funcionário tem início em 1 de [novembro] de 2019 e o contrato dura até 31 de [janeiro] de 2020.»

7        O contrato em causa incluía, no artigo 22.°, n.° 1, uma cláusula compromissória redigida nos termos seguintes:

«Os litígios decorrentes ou relativos a este contrato estão sujeitos à competência do Tribunal de Justiça da União Europeia em conformidade com o artigo 272.º [TFUE].»

8        Na sequência da notificação, em 29 de março de 2017, pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, ao Conselho Europeu, da sua intenção de se retirar da União Europeia em aplicação do artigo 50.°, n.° 2, TUE, a União negociou com esse Estado um acordo de fixação das modalidades dessa saída, em conformidade com esta mesma disposição.

9        A este respeito, por um lado, os quatro últimos contratos de trabalho do recorrente, uma vez que cobriam a totalidade do período que ia de 1 de janeiro de 2019 a 31 de janeiro de 2020, fixavam cada um um termo que correspondia às datas‑limite sucessivamente fixadas para a negociação de um acordo de saída, que se tornavam, na falta de celebração desse acordo ou de uma prorrogação do período de negociação, datas de saída sem acordo, em conformidade com o artigo 50.°, n.° 3, TUE.

10      Por outro lado, os dois últimos contratos de trabalho celebrados pelo recorrente, a saber, o contrato que vai de 13 de abril a 31 de outubro de 2019 e o contrato em causa, incluíam um artigo 18.°, epigrafado «Resolução» e redigido nos termos seguintes:

«18.1.      O presente contrato pode ser rescindido quer pela entidade patronal quer pelo empregado mediante pré‑aviso escrito de um mês, que inclua o motivo da resolução. O empregado deve ser ouvido pelo Chefe de Missão adjunto antes de essa decisão ser tomada, sendo o Chefe de Missão informado a todo o momento.

[…]

18.3      O presente contrato pode nomeadamente ser resolvido antes do seu termo se o Reino Unido deixar de ser membro da União Europeia. A obrigação da entidade patronal de respeitar um pré‑aviso de um mês é suprimida. A entidade patronal deve esforçar‑se por respeitar um pré‑aviso para essa resolução.»

11      Através da nota de 18 de janeiro de 2020, o Chefe de Missão da EUCAP Somália (a seguir «Chefe de Missão») informou os agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido dessa missão de que, em razão da saída provável do Reino Unido da União em 31 de janeiro de 2020, os seus contratos de trabalho, que já previam essa vencimento, chegariam ao fim nessa data, tendo já sido selecionados candidatos para os seus postos.

12      Em 24 de janeiro de 2020, os representantes da União e do Reino Unido assinaram o Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7, a seguir «acordo sobre a saída do Reino Unido»).

13      No mesmo dia, o recorrente apresentou ao seu superior hierárquico um recurso interno não disciplinar contra a nota de 18 de janeiro de 2020, ao abrigo do artigo 21.° do contrato em causa, intitulado «Processo de recurso não disciplinar» e tem a seguinte redação:

«1.      O empregado poderá interpor recurso de um ato que lhe cause prejuízo contra a entidade patronal no prazo de um mês a contar da data do ato. Os recursos deverão ser apresentados à entidade patronal por intermédio do superior imediato do membro do pessoal, exceto no caso de dizerem respeito a esse superior, podendo nesse caso ser apresentados diretamente à entidade patronal. O empregado deve ser ouvido pelo Chefe de Missão adjunto antes de qualquer tomada de decisão, sendo o Chefe de Missão permanentemente informado.

2.      O processo de recurso inicial não tem efeito suspensivo. A entidade patronal notifica ao membro do pessoal a sua decisão fundamentada no prazo de um mês a contar da data em que o recurso foi interposto [...]»

14      Por carta de 29 de janeiro de 2020, notificada ao recorrente em 31 de janeiro de 2020, o Chefe de Missão negou provimento a esse recurso interno e confirmou ao recorrente que o contrato chegaria ao fim em 31 de janeiro de 2020 devido à saída do Reino Unido da União.

15      Igualmente em 29 de janeiro, o Parlamento Europeu aprovou a conclusão do acordo sobre a saída do Reino Unido.

16      Em 30 de janeiro de 2020, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão (UE) 2929/135, relativa à celebração do Acordo sobre a saída do Reino Unido (JO 2020, L 29, p. 1). Nos termos do artigo 1.° desta decisão, o Acordo sobre a saída foi aprovado em nome da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica.

17      Este Acordo fixa, no seu artigo 126.°, um período de transição que começa na data da entrada em vigor do mesmo acordo e termina em 31 de dezembro de 2020 (a seguir «período de transição»).

18      Em 31 de janeiro de 2020, à meia‑noite, o Reino Unido saiu da União e da Comunidade Europeia da Energia Atómica e, em 1 de fevereiro de 2020, o Acordo sobre a saída do Reino Unido entrou em vigor, em conformidade com o seu artigo 185.°

II.    Pedidos das partes

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular os atos controvertidos e, a título subsidiário, declará‑los ilegais;

–        a título principal, condenar a EUCAP Somália a indemnizá‑la dos prejuízos material e moral sofridos por força da sua responsabilidade extracontratual e, a título subsidiário, condenar a EUCAP Somália a indemnizá‑las pelos mesmos prejuízos por força da sua responsabilidade contratual;

–        condenar a EUCAP Somália nas despesas, acrescidas de juros calculados à taxa de 8 %.

20      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível e, de qualquer modo, manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

–        condenar o recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

21      O presente recurso é composto, a título principal, por um pedido de anulação baseado no artigo 263.º TFUE, bem como por um pedido de indemnização baseado no artigo 268.° TFUE, e, a título subsidiário, por pedidos baseados no artigo 272.° TFUE.

A.      Quanto aos pedidos principais, baseados nos artigos 263.° e 268.° TFUE

22      Sem suscitar formalmente uma exceção na aceção do artigo 130.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a EUCAP Somália contesta admissibilidade do presente recurso na medida em que esta assenta, a título principal, nos artigos 263.o e 268.º TFUE, quando apresenta natureza contratual, uma vez que os atos controvertidos não são separáveis do contrato em causa.

23      O recorrente contesta a argumentação da EUCAP Somália

24      Antes de mais, o recorrente sustenta que o juiz da União já se declarou competente com fundamento nos artigos 263.o e 268.º TFUE no âmbito de recursos de agentes destacados em missões abrangidas pela PESC interpostos de atos de gestão do pessoal. Assim, os recursos de agentes contratuais destas mesmas missões deveriam igualmente ser abrangidos por estas mesmas disposições.

25      Em seguida, o recorrente alega que a sua relação de emprego com a EUCAP Somália era regulado por documentos de direito público e que não negociou livremente os seus contratos de trabalho com a EUCAP Somália.

26      Por fim, segundo o recorrente, os atos controvertidos são decisões administrativas dissociáveis do contrato em causa na medida em que foram adotados em execução de diferentes instruções dirigidas pelo comandante de operação civil ao Chefe de Missão.

1.      Quanto à admissibilidade do pedido de anulação baseado no artigo 263.° TFUE

27      A título preliminar, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, pode ser interposto recurso de anulação baseado no artigo 263.° TFUE de quaisquer adotados pelas instituições, seja qual for a sua natureza ou a sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, SC/Eulex Kosovo, C‑730/18 P, EU:C:2020:505, n.° 31 e jurisprudência referida).

28      Por outro lado, o artigo 272.° TFUE constitui uma disposição específica que permite recorrer ao juiz da União, ao abrigo de uma cláusula compromissória estipulada pelas partes para contratos de direito público ou de direito privado, e isso sem restrições quanto à natureza da ação proposta perante o juiz da União (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, SC/Eulex Kosovo, C‑730/18 P, EU:C:2020:505, n.° 30 e jurisprudência referida).

29      Assim, face a um contrato que vincula o recorrente a uma das instituições, só pode ser interposto recurso para o juiz da União com fundamento no artigo 263.° TFUE se o ato impugnado se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos fora da relação contratual que vincula as partes e que impliquem o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à instituição contratante na sua qualidade de autoridade administrativa (v. Acórdão de 25 de junho de 2020, SC/Eulex Kosovo, C‑730/18 P, EU:C:2020:505, n.° 32 e jurisprudência referida).

30      Por conseguinte, quando, como no caso presente, o recorrente e o recorrido estão vinculados por um contrato, o juiz do contrato tem, em princípio, competência. A hipótese referida no n.° 29, supra, constitui, portanto, uma exceção a este princípio, pelo que as condições que a caracterizam devem ser objeto de interpretação restrita.

31      No caso em apreço, importa sublinhar que o presente recurso tem por objeto a não renovação do contrato em causa para lá do seu termo, validada na nota de 18 de janeiro de 2020, confirmada pela carta de 29 de janeiro de 2020.

32      Em primeiro lugar, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 4, da Decisão 2012/389, conforme alterada pela Decisão 2018/1942, as condições de emprego bem como os direitos e obrigações do pessoal internacional da EUCAP Somália são definidos por contrato. Assim, a relação de emprego entre o recorrente e a EUCAP Somália, que terminou em 31 de janeiro de 2020, revestia natureza contratual.

33      Em segundo lugar, a carta de 29 de janeiro de 2020 seguiu‑se à interposição, pelo recorrente, de um recurso interno não disciplinar com fundamento em estipulações contratuais, a saber, o artigo 21.°, n.° 1, do contrato em causa (v. n.° 13, supra).

34      Em terceiro lugar, os atos controvertidos têm por objeto a não do contrato em causa, na sequência da saída do Reino Unido da União.

35      A este respeito, por um lado, é pacífico entre as partes que a duração dos quatros últimos contratos de trabalho do recorrente, uma vez que, em conjunto, cobrem o período que vai de 1 de janeiro de 2019 a 31 de janeiro de 2020, foi determinada em função das datas limite sucessivamente fixadas para a negociação de um acordo de saída que, na falta de celebração desse acordo ou de uma prorrogação do período de negociação, se convertiam em datas de saída sem acordo, em conformidade com o artigo 50.°, n.° 3, TUE (v. n.° 9, supra). Assim, estava convencionado entre as partes que o período de contratação do recorrente na EUCAP Somália não poderia, em princípio, prosseguir para além da data de saída do Reino Unido da União.

36      Por outro lado, os dois últimos contratos de trabalho do recorrente continham, cada um, no artigo 18.°, n.° 3, uma cláusula nos termos da qual poderiam ser resolvidos antes do seu termo na hipótese de o Reino Unido se tornar num Estado terceiro (v. n.° 10, supra). Embora, como o recorrente sublinha, essa cláusula não tenha sido aplicada, a sua existência demonstra porém que a qualidade de Estado‑Membro do Reino Unido era uma condição contratual da manutenção do emprego do recorrente na EUCAP Somália

37      Em quarto lugar, resulta dos autos que os contratos de trabalho sucessivos do recorrente incluíam, em anexo, um documento intitulado «Descrição do lugar», segundo o qual o lugar de [confidencial] não estava aberto aos nacionais de Estados terceiros.

38      Em quinto lugar, é verdade que, como sublinha o recorrente, na carta de 29 de janeiro de 2020, o Chefe de Missão fez referência a uma instrução do comandante de operação civil, datada de 30 de outubro de 2019, nos termos da qual este último indicava aos chefes das missões abrangidas pela PESC que as renovações de contrato que podiam propor aos seus agentes contratuais internacionais cidadãos do Reino Unido não poderiam ir além de 31 de janeiro de 2020. Todavia, esta circunstância não basta para considerar que os atos controvertidos se situam fora da relação contratual que vincula as partes pelo facto de o Chefe de Missão ter simplesmente executado a referida instrução.

39      Com efeito, por um lado, a instrução do comandante de operação civil de 30 de outubro de 2019 foi estabelecida na sequência da prorrogação até 31 de janeiro de 2020 da data fixada para a negociação de um acordo de saída, em conformidade com o artigo 50.°, n.° 3, TUE. Foi neste contexto que o comandante de operação civil indicou aos chefes das missões abrangidas pela PESC que a duração dos contratos de trabalho propostos ao seu pessoal com nacionalidade do Reino Unido poderia ir para lá de 31 de janeiro de 2020, sem porém, se pronunciar sobre a possibilidade de eventuais renovações de contratos depois dessa data. Por outro lado, nessa mesma instrução, o comandante de Operação Civil precisou que as renovações dos contratos de trabalho dos agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido estava sujeita a uma avaliação pela missão do interesse do serviço, deixando assim ao chefe da missão uma margem de apreciação quanto à oportunidade de tal renovação através, sendo caso disso, de decisões individuais que se inscrevem no âmbito das relações contratuais estabelecidas com o pessoal em questão.

40      Resulta do exposto que, como acertadamente alega a EUCAP Somália, os atos controvertidos apresentam natureza contratual Tais atos não se destinam, portanto, a produzir efeitos jurídicos vinculativos que se situem fora da relação contratual que vincula o recorrente e a EUCAP Somália e que impliquem o exercício, por esta última, de prerrogativas de poder público. Por conseguinte, tais atos não podem ser considerados como sendo suscetíveis de recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.° TFUE.

41      O pedido apresentado com fundamento no artigo 263.° TFUE e destinado a obter a anulação dos atos controvertidos deve, por conseguinte ser julgado inadmissível.

2.      Quanto à admissibilidade do pedido de anulação baseado no artigo 268.° TFUE

42      Segundo a jurisprudência, para determinar se uma ação de indemnização tem por objeto a responsabilidade contratual da União ou a responsabilidade extracontratual desta, os órgãos jurisdicionais da União devem verificar se essa ação tem por objeto um pedido de indemnização que assente de modo objetivo e global em direitos e obrigações de origem contratual ou de origem extracontratual. Para tal, estes órgãos jurisdicionais devem verificar, através de uma análise dos diferentes elementos dos autos, tais como, designadamente, a regra de direito pretensamente violada, a natureza do prejuízo invocado, o comportamento censurado e as relações jurídicas existentes entre as partes em causa, se existe entre estas um verdadeiro contexto contratual, ligado ao objeto do litígio, cujo exame aprofundado se revele indispensável para decidir do referido recurso (v., neste sentido, Acórdão de 18 abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.° 66).

43      Em especial, os órgãos jurisdicionais da União não podem basear‑se simplesmente nas normas invocadas pelas partes. Assim, a simples invocação de normas jurídicas que não decorram de um contrato pertinente para o caso em apreço, mas que se impõem às partes, não pode ter a consequência de alterar a natureza contratual do litígio. Se assim não fosse, a natureza do litígio seria suscetível de mudar em função das normas invocadas pelas partes (v., neste sentido, Acórdão de 18 de abril de 2013, Comissão/Systran e Systran Luxembourg, C‑103/11 P, EU:C:2013:245, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida).

44      No caso em apreço, através do seu pedido de indemnização, o recorrente pretende obter reparação dos prejuízos moral e material que lhe causaram os atos controvertidos.

45      Ora, como foi referido no n.° 40, supra, esses atos revestem natureza contratual.

46      Além disso, resulta da petição que o prejuízo moral cuja reparação o recorrente pede, decorre designadamente dos próprios fundamentos dos referidos atos, e que consiste igualmente num dano para suas perspetivas profissionais de poder prosseguir a sua relação de emprego com a EUCAP Somália, que era de natureza contratual (v. n.° 32, supra). Quanto ao prejuízo material cuja reparação o recorrente pede, este corresponde, designadamente, aos salários, emolumentos e direitos que este teria recebido se o contrato em causa tivesse sido renovado durante o período de transição.

47      Resulta do exposto que um verdadeiro contexto contratual rodeia o pedido de indemnização do recorrente, na aceção da jurisprudência referida no n.° 42 supra, pelo que esse pedido está abrangido pela responsabilidade contratual da União. Por conseguinte, o pedido de indemnização que o recorrente baseou, a título principal, no artigo 268.º TFUE e que tem por objeto a responsabilidade extracontratual da União pelos comportamentos da EUCAP Somália deve ser julgado inadmissível.

B.      Quanto aos pedidos principais, baseados no artigo 272.° TFUE

48      A título subsidiário, o recorrente apresenta um pedido baseado no artigo 272.º TFUE destinado, por um lado, a impugnar os atos controvertidos, considerados ilegais, e, por outro, a que seja declarada a responsabilidade contratual da EUCAP Somália.

1.      Quanto à competência do Tribunal Geral

49      Nos termos do artigo 272.° TFUE, lido conjuntamente com o artigo 256.° TFUE, o Tribunal Geral é competente para decidir, em primeira instância, com fundamento numa cláusula compromissória que figure num contrato de direito público ou de direito privado celebrado pela União ou por sua conta.

50      No caso em apreço, tendo em conta os termos da claúsula compromissória mencionada no n.° 7, supra, o Tribunal Geral é competente para conhecer dos pedidos subsidiários do recorrente, o que, de resto, a EUCAP Somália não contesta.

2.      Quanto ao direito aplicável

51      Importa recordar que, segundo o artigo 340.°, primeiro parágrafo, TFUE, a responsabilidade contratual da União é regida pela aplicável ao contrato em questão.

52      Os litígios com origem na execução de um contrato devem ser resolvidos, em princípio, com base em cláusulas contratuais (v. Acórdão de 18 de novembro de 2015, Synergy Hellas/Comissão, T‑106/13, EU:T:2015:860, n.° 37 e jurisprudência referida). A interpretação do contrato à luz das disposições do direito nacional aplicável ao contrato apenas se justifica em caso de dúvida sobre o conteúdo do contrato ou do significado de algumas das suas cláusulas, ou quando o contrato, só por si, não permite resolver todos os aspetos do litígio. Por conseguinte, há que proceder à apreciação do bem fundado da petição unicamente das estipulações contratuais e de apenas recorrer ao direito nacional aplicável ao contrato se essas estipulações não permitirem dar solução ao litígio (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2017, Talanton/Comissão, T‑65/15, não publicado, EU:T:2017:491, n.° 43 e jurisprudência referida).

53      Porém, esse princípio não pode levar a que a aplicação das cláusulas de um contrato permita às partes contornarem as disposições imperativas do direito nacional aplicável, as quais não admitem derrogação e em conformidade com as quais as obrigações decorrentes do referido contrato devem ser ou foram executadas.

54      Por outro lado, quando as instituições, órgãos ou organismos da União executam um contrato, ficam sujeitas às obrigações que lhes incumbem por força da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e dos princípios gerais do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, ADR Center/Comissão, C‑584/17 P, EU:C:2020:576, n.° 86). Assim, se as partes decidem, no seu contrato, através de uma cláusula compromissória, atribuir ao juiz da União a competência para conhecer dos litígios relativos a esse contrato, este juiz será competente, independentemente do direito aplicável estipulado no referido contrato, para apreciar eventuais violações da Carta e dos princípios gerais do direito da União (Acórdão de 16 de julho de 2020, Inclusion Alliance for Europe/Comissão, C‑378/16 P, EU:C:2020:575, n.o 81).

55      Em caso de silêncio do contrato, o juiz da União deve, sendo caso disso, determinar o direito aplicável utilizando as regras previstas pelo Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6) (v., neste sentido, Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, Calberson GE/Comissão, T‑164/14, EU:T:2016:85, n.° 25).

56      No caso em apreço, o contrato em causa não especifica a lei que lhe seria aplicável, com exceção das questões de segurança social, de fiscalidade ou de reformas, que são alheias ao presente litígio.

57      Porém, em apoio dos seus pedidos subsidiários baseados no artigo 272.º TFUE, o recorrente invoca exclusivamente fundamentos relativos a violações do direito da União, em especial dos princípios gerais desse direito e da Carta. Além disso, não se afigura que, para resolver o presente litígio, seja necessário aplicar disposições imperativas de direito nacional.

58      Em resposta a uma pergunta que foi feita na audiência, as partes confirmaram que, para examinar a responsabilidade contratual eventual da EUCAP Somália, bastava analisar o contrato em causa, o qual inclui, designadamente, por força do seu artigo 1.°, os procedimentos operacionais  padrão da EUCAP Somália.

59      Nestas condições, não é necessário determinar qual é o direito nacional que é aplicável ao presente litígio, o qual pode ser resolvido com base no contrato em causa, nos procedimentos operacionais padrão da EUCAP Somália para os quais o contrato remete, bem como na Carta e nos princípios gerais do direito da União.

3.      Quanto à admissibilidade

60      Sem suscitar formalmente uma exceção na aceção do artigo 130.°, n.° 1, do regulamento de Processo, a EUCAP Somália contesta igualmente a admissibilidade do presente recurso na medida em que este assenta, a título subsidiário, no artigo 272.º TFUE.

61      Em primeiro lugar, a EUCAP Somália contesta que o recorrente possa interpor o presente recurso invocando um fundamento subsidiário. Neste sentido, por um lado, alega que a interposição do mesmo recurso invocando dois fundamentos jurídicos, um principal e outro subsidiário, equivale a pedir ao Tribunal que determine o fundamento jurídico adequado. Por outro lado, sublinha que a incerteza ligada ao fundamento jurídico do recurso complicou a maneira como teve de organizar a sua defesa em resposta aos pedidos subsidiários do recorrente, baseados no artigo 272.° TFUE.

62      Em segundo lugar, a EUCAP Somália alega que a requalificação do recurso está excluída dado que, entre os cinco fundamentos invocados pelo recorrente, nenhum se refere, com precisão suficiente, a violações de regras que que regem a relação contratual que o vincula à EUCAP Somália

63      O recorrente contesta a argumentação da EUCAP Somália

64      Em primeiro lugar, é verdade que, como sublinha a EUCAP Somália é ao recorrente que cabe fazer a escolha do fundamento jurídico do seu recurso e não ao juiz da União escolher ele próprio a base legal mais adequada (v. Acórdão de 15 de março de 2005, Espanha/Eurojust, C‑160/03, EU:C:2005:168, n.° 35 e jurisprudência referida).

65      Porém, no caso vertente, essa escolha foi efetivamente feita pelo recorrente, cuja petição, designadamente a parte desta relativa aos pedidos em apoio do presente recurso, mostra claramente que o recorrente escolheu basear o seu recurso, a título principal, nos artigos 263.° e 268.°, e, a título subsidiário, no artigo 272.º TFUE.

66      A este respeito, contrariamente ao que sustenta a EUCAP Somália, o principio recordado no n.° 64, supra, não proíbe, em si, que o recorrente interponha o seu recurso invocando um fundamento jurídico, ao mesmo tempo que apresenta, a título subsidiário e em caso de inadmissibilidade deste, o mesmo recurso invocando outro fundamento jurídico (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2007, Citymo/Comissão, T‑271/04, EU:T:2007:128, n.os 66 e 67).

67      Além disso, deve ser rejeitado o argumento da EUCAP Somália segundo o qual a apresentação de pedidos subsidiários baseados no artigo 272.° TFUE não lhe permitiu organizar a sua defesa. Com efeito, por um lado, os atos controvertidos, visados pelo presente recurso na parte em que este é baseado, a título subsidiário, no artigo 272.° TFUE, são idênticos aos que são visados por esse recurso na parte em que este se baseia, a título principal, nos artigos 263.o e 268.º TFUE. Por outro lado, o recorrente sublinhou que os seus fundamentos relativos a violações do direito da União, apresentados em apoio dos seus pedidos principais baseados nos artigos 263.° e 268.° TFUE, deviam ser vistos como fundamentos relativos a violações de contratos na hipótese de o seu recurso ser examinado com fundamento no artigo 272.° TFUE que aquele escolheu a título subsidiário.

68      Observe‑se, além disso, que a EUCAP Somália efetivamente contestou o bem fundado dos diferentes fundamentos apresentados pelo recorrente em apoio do seu recurso.

69      Em segundo lugar, no que diz respeito ao argumento da EUCAP Somália reproduzido no n.° 62, supra, relativo à natureza dos fundamentos apresentados pelo recorrente, observe‑se que, em apoio dos seus pedidos baseados no artigo 272.° TFUE, o recorrente invoca fundamentos relativos, designadamente, a violações do direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, bem como do princípio da igualdade de tratamento e do principio da não discriminação, respetivamente garantidos pelo artigo 20.° e pelo artigo 21.° da Carta. Além disso, o recorrente invoca um fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, que constitui um princípio geral do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 26 de fevereiro de 2016, Šumelj e o./Comissão, T‑546/13, T‑108/14 e T‑109/14, EU:T:2016:107, n.° 72 e jurisprudência referida).

70      Ora, como resulta da jurisprudência referida no n.° 54, supra, ao invocar, em apoio dos seus pedidos baseados no artigo 272.° TFUE, a violação de princípios garantidos pela Carta e dos princípios gerais do direito da União, o recorrente invoca efetivamente regras que a administração da União deve respeitar num quadro contratual. Por conseguinte, sob pena de violar o princípio da proteção jurisdicional efetiva, garantido pelo artigo 47.° da Carta, o recorrente não pode ser impedido de invocar a violação desses princípios em apoio dos seus pedidos baseados no artigo 272.° TFUE, pelo facto de poder invocar validamente apenas uma inexecução das cláusulas do seu contrato ou uma violação do direito aplicável a este (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2020, ADR Center/Comissão, C‑584/17 P, EU:C:2020:576, n.os 85 a 89).

71      Nestas condições, o presente recurso é admissível na parte em que assenta no artigo 272.° TFUE.

4.      Quanto ao mérito

72      Conforme recordado no n.° 48, supra, o recorrente apresenta pedidos subsidiários destinados, por um lado, a impugnar os atos controvertidos, considerados ilegais, e, por outro, a que a União incorra em responsabilidade contratual por esses atos.

73      Em apoio dos seus pedidos, o recorrente invoca, em substância, quatro fundamentos relativos, o primeiro, à violação do direito de ser ouvido, o segundo, à violação do princípio da igualdade de tratamento e de não discriminação, o terceiro, à violação do Acordo sobre a saída do Reino Unido e, o quarto, à violação do princípio da proteção da confiança legítima.

a)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito a ser ouvido 

74      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente sustenta que deveria ter sido ouvido antes da redação da nota de 18 de janeiro de 2020. Neste sentido, por um lado, sublinha que essa nota o afetava desfavoravelmente na medida em que teve por efeito pôr termo de modo brusco ao seu emprego, que há muitos anos ocupava na EUCAP Somália A este respeito, nega ter sido ouvido numa reunião de 13 de janeiro de 2020, na presença de todo o pessoal e por ocasião de um almoço de trabalho em 24 de janeiro seguinte e defende que os certificados do Chefe de Missão relativos a essa reunião são inadmissíveis em razão do caráter tardio da sua apresentação no Tribunal Geral. Por outro lado, alega que o artigo 21.° do contrato em causa impunha que fosse ouvido pelo Chefe de Missão antes de este último adotar a nota de 18 de janeiro de 2020.

75      A EUCAP Somália contesta esta argumentação.

76      A fim de examinar o primeiro fundamento, relativo a uma violação do direito de ser ouvido, importa começar por fazer referência às estipulações contratuais, bem como verificar se e em que medida essas estipulações garantiam ao recorrente esse direito antes de ser redigida a nota de 18 de janeiro de 2020. De qualquer modo, haverá que examinar se o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta impunha à EUCAP Somália que ouvisse o recorrente antes da redação dessa nota.

77      No caso em apreço importa sublinhar que recorrente e a EUCAP Somália estavam vinculadas por uma relação de emprego contratual em conformidade com o artigo 7.°, n.° 4, da Decisão 2018/1942, conforme alterada pela Decisão 2018/1942, as condições de emprego, bem como os direitos e obrigações do recorrente estavam definidas no contrato em causa (v., n.° 32, supra).

78      A este respeito, primeiro, o artigo 17.° do contrato em causa previa que a duração deste se situava entre 1 de novembro de 2019 e 31 de janeiro de 2020. Nenhuma outra cláusula desse contrato era relativa ao seu termo nem previa a possibilidade de que este fosse renovado.

79      Em seguida, importa salientar que é certo que os procedimentos operacionais padrão n.º 4.4 da EUCAP Somália, que faziam parte do contrato em causa tinham por objetivo «padronizar os procedimentos sobre […] a renovação do contrato de trabalho dos agentes contratuais», a fim «de assegurar que o procedimento para a […] renovação do contrato seja realizado de modo transparente e responsável seguindo as melhores práticas.» Estava, designadamente, previsto que o procedimento de renovação de contrato era desencadeado pelo serviço dos recursos humanos, devendo este último encetar um diálogo com os agentes cujo contrato de trabalho estivesse a ponto de expirar, convidando‑os a iniciar o seu «relatório de avaliação do desempenho»

80      Porém, é pacífico entre as partes que esse procedimento só estava vocacionado para ser aplicado quando a decisão de renovação do contrato dependesse da avaliação dos desempenhos do agente. Não é o caso dos atos controvertidos, que foram adotados em consequência da saída do Reino Unido da União e que diziam respeito a todo o pessoal contratual da EUCAP Somália nacional desse Estado. Daqui resulta que o recorrente não tinha o direito de ser ouvido no âmbito desse procedimento.

81      Além disso, contrariamente ao que o recorrente alega, o artigo 21.°, n.° 1, do contrato em causa não impunha ao Chefe de Missão que o ouvisse antes da redação da nota de 18 de janeiro de 2020. Com efeito, essa cláusula dizia respeito aos recursos internos não disciplinares contra os atos lesivos e previa uma audição pelo Chefe de Missão adjunto unicamente depois da interposição desse recurso.

82      Por último, também não decorre do artigo 18.°, n.° 1, do contrato em causa, cujos termos estão reproduzidos no n.° 10, supra, que o Chefe de Missão deveria ter ouvido o recorrente antes de emitir a nota de 18 de janeiro de 2020. Com efeito, essa cláusula impunha à EUCAP Somália que ouvisse o recorrente e que respeitasse o pré‑aviso de um mês na hipótese de ser posto termo ao contrato em causa antes do fim do prazo deste, o que não sucedeu no caso vertente.

83      Por conseguinte, não resulta das cláusulas do contrato em causa nem dos procedimentos operacionais padrão da EUCAP Somália, para os quais o contrato remete, que o Chefe de Missão era obrigado a ouvir o recorrente antes de emitir a nota de 18 de janeiro de 2020.

84      No que respeita ao direito de ser ouvido conforme garantido pela Carta, o seu artigo 41.°, n.° 2, alínea a), que é de aplicação geral, reconhece «o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente». Assim, o respeito do direito de ser ouvido, que deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação aplicável, exige que seja dada previamente à pessoa em causa a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos que possam ser tidos em consideração a seu respeito no ato a adotar (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.° 51, e de 19 de dezembro de 2019, Probelte/Comissão, T‑67/18, EU:T:2019:873, n.° 86).

85      No caso vertente, importa começar por salientar que, através dos atos controvertidos, a EUCAP Somália não privou o recorrente de um direito, do qual ele não beneficiava, de que o contrato em causa fosse renovado, como resulta do n.° 78, supra. Do mesmo modo, como resulta dos n.os 79 e 80, supra, embora existisse um procedimento interno à EUCAP Somália para a renovação dos contratos de trabalho dos agentes contratuais internacionais, esse procedimento não era pertinente no âmbito da adoção dos atos controvertidos.

86      No que respeita, mais especialmente, à nota de 18 de janeiro de 2020, antes da qual o recorrente sustenta que devia ter sido ouvida, o Chefe de Missão notificou aos agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido da EUCAP Somália, incluindo o recorrente, que deixaria expirara os seus contratos de trabalho, em conformidade com o termo convencionado nestes últimos e conhecido do recorrente desde a sua assinatura do contrato em causa. O Chefe de Missão precisou igualmente que já tinham sido selecionados candidatos para os seus lugares.

87      Importa, alem disso, observar que as condições da manutenção do recorrente no lugar estavam estreitamente ligadas às modalidades da saída do Reino Unido da União. Com efeito, como ele próprio reconhece no âmbito do presente recurso, a duração dos seus quatro últimos contratos de trabalho estava ajustada ao calendário das negociações relativas a essa saída (v. n.° 9, supra). Neste contexto, o recorrente podia esperar que o desenrolar e o resultado das negociações entre a União e o Reino Unido ‑ cuja data limite se fixava em 31 de janeiro de 2020, fosse o termo do contrato em causa ‑ tivessem incidência na escolha feita pela EUCAP Somália de lhe propor ou não uma renovação desse contrato.

88      Acresce que, no momento da redação da nota de 18 de janeiro de 2020, ou seja, menos de duas semanas antes do termo do contrato em causa, o recorrente não se tinha manifestado a propósito da renovação desse contrato, como este admitiu em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal Geral na audiência. Dos autos também não resulta que, entre o início do contrato em causa, em 1 de novembro de 2019, e a nota de 18 de janeiro de 2020, o recorrente tenha solicitado ao Chefe de Missão informações relativas a uma eventual renovação do contrato em causa após o termo deste.

89      Daqui resulta que, na nota de 18 de janeiro de 2020, o Chefe de Missão se limitou a recordar as estipulações do contrato em causa relativas à data de expiração e que essa nota não contém nenhum elemento relativamente às referidas estipulações. Assim, a escolha da EUCAP Somália de não usar a possibilidade que detinha de renovar o contrato em causa, conforme consignada na nota de 18 de janeiro de 2020, não era, na aceção do artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta, uma medida tomada contra o recorrente que o afetava desfavoravelmente.

90      Por conseguinte, o artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta não impunha à EUCAP Somália que ouvisse o recorrente previamente à redação da nota de 18 de janeiro de 2020. A EUCAP Somália podia, por conseguinte, deixar expirar o contrato em causa na data nele convencionada.

91      De qualquer modo, importa recordar que uma violação do direito de ser ouvido só é suscetível de invalidar um ato se estiver provado que o processo teria podido conduzir a um resultado diferente caso essa violação não tivesse existido (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2020, Adraces/Comissão, T‑714/18, não publicado, EU:T:2020:591, n.° 89 e jurisprudência referida).

92      No caso em apreço, é verdade que, se tivesse sido ouvido antes da redação da nota de 18 de janeiro de 2020, o recorrente teria podido invocar argumentos ligados à possibilidade de manter no lugar os agentes nacionais do Reino Unido durante o período de transição, em conformidade com o Acordo de Saída do Reino Unido.

93      Porém, essa circunstância, só por si, não basta para demonstrar que o processe poderia ter chegado a um resultado diferente.

94      Com efeito, como foi declarado nos n.os 78 e 85, supra, o recorrente não tinha nenhum direito adquirido à renovação do contrato em causa. Em segundo lugar, antes da redação da nota de 18 de janeiro de 2020 ainda não era certo que o Acordo sobre a saída do Reino Unido entrasse em vigor, uma vez que este só foi concluído pelo Conselho em 30 de janeiro seguinte (v. n.° 16, supra). Assim, só na véspera do termo do contrato em causa é que a possibilidade jurídica de lhe propor uma renovação do contrato se concretizou. Em terceiro lugar, resulta dos autos que, antes da redação da nota de 18 de janeiro de 2020, a EUCAP Somália já tinha procedido ao recrutamento de um nacional da União para suceder ao recorrente no seu lugar em caso de saída do Reino Unido da União.

95      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral considera que, mesmo admitindo que o recorrente tenha disposto do direito de ser ouvido antes da redação da nota de 18 de janeiro de 2020, o processo não teria podido conduzir a um resultado diferente se tivesse podido exercer esse direito.

96      Tendo em conta o que precede, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente. Uma vez que esta conclusão não assenta nos certificados do Chefe de Missão relativos a uma reunião de 13 de janeiro de 2020 e a um almoço de trabalho de 24 de janeiro seguinte, não é necessário pronunciar‑se sobre a admissibilidade destes documentos, contestada pelo recorrente.

b)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação

97      No âmbito do seu segundo fundamento, em primeiro lugar, o recorrente sustenta que os atos controvertidos constituem uma discriminação na medida em que têm por objeto a não renovação do contrato em causa em razão da sua qualidade de nacional do Reino Unido, ao passo que os seus colegas de nacionalidades diferentes foram mantidos no lugar. Acrescenta que os atos controvertidos não podem ser utilmente baseados no Acordo de Saída do Reino Unido, na medida em que, nos termos deste último, o Reino Unido devia ser tratado como um Estado‑Membro até ao termo do período de transição, pelo que, durante esse período, a situação dos agentes nacionais do Reino Unido e dos agentes contratuais de outros Estados‑Membros era comparável.

98      Em segundo lugar, o recorrente alega que os atos controvertidos violam o princípio da igualdade de tratamento, na medida em que 20 agentes contratuais internacionais de missões abrangidas pela PESC, diferentes da EUCAP Somália, igualmente nacionais do Reino Unido, obtiveram a prorrogação dos seus contratos de trabalho durante o período de transição.

99      Em terceiro lugar, o recorrente contesta que a EUCAP Somália possa basear‑se pela primeira vez, na fase contenciosa, na especificidade das suas funções de [confidencial] e na derrogação prevista no artigo 127.°, n.° 7, alínea b), do Acordo sobre a saída do Reino Unido da União, sem se ter referido a esses fundamentos nos atos controvertidos.

100    A EUCAP Somália contesta a argumentação do recorrente, sublinhando, designadamente, que se encontrava numa situação especial em razão da natureza sensível das suas funções de [confidencial], que impedia a renovação do seu contrato, em conformidade com o artigo 127.°, n.° 7, alínea b), do Acordo sobre a saída do Reino Unido da União. A este respeito, a EUCAP Somália alega que a referência a este artigo constitui apenas um complemento da fundamentação que já figura nos atos controvertidos, para justificar a não renovação do contrato em causa.

101    A título preliminar, no que respeita à fundamentação suplementar apresentada pela EUCAP Somália no decurso da instância, importa observar que o artigo 21.°, n.° 2, do contrato em causa, cujos termos estão reproduzidos no n.° 13, supra, impunha à EUCAP Somália que fundamentasse a sua resposta ao recurso interno que o recorrente interpôs com fundamento no n.° 1 deste mesmo artigo.

102    Além disso, importa recordar que a obrigação que cabe à administração de fundamentar as suas decisões está, designadamente, prevista no artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta, e impõe‑se por conseguinte a essa administração, incluindo quando esta atua num quadro contratual, como foi salientado no n.° 54, supra, (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, Universität Koblenz‑Landau/EACEA, T‑606/18, não publicado, EU:T:2021:105, n.os 27 a 32).

103    A este respeito, o dever de fundamentação tem por objetivo permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade de uma decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se essa decisão está bem fundamentada ou se padece de um vício que permita impugnar a sua legalidade (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2020, Comissão/Di Bernardo, C‑114/19 P, EU:C:2020:457, n.° 51 e jurisprudência referida). Assim, em conformidade com jurisprudência consolidada no âmbito de recursos de anulação, que pode ser transposta para o quadro contratual do caso em apreço, o dever de fundamentação opõe‑se a que uma instituição substitua, na fase contenciosa, por uma fundamentação inteiramente nova a fundamentação inicial da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de fevereiro de 1990, Culin/Comissão, C‑343/87, EU:C:1990:49, n.° 15; de 21 de março de 1996, Farrugia/Comissão, T‑230/94, EU:T:1996:40, n.° 36, e de 22 de abril de 2015, Tomana e o./Conselho Comissão, T‑190/12, EU:T:2015:222, n.º 151 e jurisprudência referida).

104    No caso em apreço, o Tribunal Geral considera oportuno examinar o segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, à luz dos fundamentos considerados nos atos controvertidos antes, se for caso disso, de examinar se é necessário ter em conta a fundamentação suplementar adiantada pela EUCAP Somália no decurso da instância e, por conseguinte, determinar se essa fundamentação pode ser tida em conta ou se deve ser afastada por ser inteiramente nova.

105    A este respeito, importa recordar que, com a nota de 18 de janeiro de 2020, os agentes contratuais internacionais da EUCAP Somália nacionais do Reino Unido foram todos, independentemente das funções que exerciam, informados de que os seus contratos de trabalho não seriam renovados e que terminariam no termo aí convencionado, a saber, em 31 de janeiro de 2020. Nessa nota, o Chefe de Missão começou por considerar que o Reino Unido deveria tornar‑se num Estado terceiro a contar de 1 de fevereiro de 2020 e que, em conformidade com a Decisão 2012/389, o recrutamento de nacionais de Estados terceiros como agentes contratuais internacionais só a título excecional era permitido, quando nenhum candidato nacional de um Estado‑Membro pudesse ser selecionado. Em seguida, indicou que o Acordo sobre a saída do Reino Unido previa um período de transição ao longo do qual um acordo‑quadro de participação poderia ser concluído entre a União e esses Estado quanto à participação dos seus nacionais nas missões abrangidas pela PESC, provavelmente depois de um período de negociação. Por fim, informou os agentes contratuais em questão de que tinham sido selecionados candidatos para os seus lugares.

106    Na carta de 29 de janeiro de 2020, o Chefe de Missão, depois de ter retomado os fundamentos que figuram na nota de 18 de janeiro de 2020, precisou ao recorrente que a não renovação do contrato em causa era baseada numa avaliação operacional da missão no interesse do serviço quanto às renovações de contratos posteriores, em conformidade com uma instrução do comandante de operações civis de 30 de outubro de 2019 e seguindo as recomendações do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE). O Chefe de Missão concluiu aí que a nota de 18 de janeiro de 2020 tinha sido tomada «tendo em conta os riscos e as incertezas que continuavam a existir quanto às negociações entre o [Reino Unido] e a [União], o seu calendário e a possibilidade de um Brexit duro, tendo em conta as dificuldades ligadas à sucessão de contratos de curta duração devida às incertezas e ao calendário dos desenvolvimentos do Brexit, tendo em conta [os] anos de serviço [do recorrente] e tendo em conta a necessidade do serviço de assegurar a continuidade das operações».

107    Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da não discriminação constituem duas designações de um mesmo princípio geral do direito, que proíbe, por um lado, tratar diferentemente situações semelhantes e, por outro, tratar da mesma maneira situações diferentes, salvo se razões objetivas justifiquem esses tratamentos [v., neste sentido, Acórdãos de 27 de janeiro de 2005, Europe Chemi‑Con (Deutschland)/Conselho, C‑422/02 P, EU:C:2005:56, n.° 33, e de 20 de novembro de 2017, Voigt/Parlamento, T‑618/15, EU:T:2017:821, n.° 98].

108    Em especial, o artigo 21.°, n.° 2, da Carta proíbe qualquer discriminação exercida em razão da nacionalidade. Esta disposição, que visa situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União nas quais um nacional de um Estado‑Membro é sujeito a um tratamento discriminatório em relação aos nacionais de outro Estado‑Membro unicamente com fundamento na sua nacionalidade, não está vocacionado para se aplicar no caso de uma eventual diferença de tratamento entre os nacionais dos Estados‑Membros e os dos Estados terceiros (v., neste sentido, Acórdão de 20 de novembro de 2017, Petrov e o./Parlamento, T‑452/15, EU:T:2017:822, n.os 39 e 40 jurisprudência referida)

109    É à luz destas considerações que há que examinar se, tendo em conta os fundamentos descritos nos n.os 105 e 106, supra, os atos controvertidos, por um lado, constituem uma discriminação em razão da nacionalidade do recorrente e, por outro, implicam uma desigualdade de tratamento entre os agentes nacionais do Reino unido das diferentes missões abrangidas pela PESC.

1)      Quanto à pretensa discriminação em razão da nacionalidade

110    Observe‑se desde já que só em 1 de fevereiro de 2020 é que o Reino Unido se retirou da União, tornando‑se, assim, um Estado terceiro (Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C‑709/20, EU:C:2021:602, n.° 47).

111    Assim, no momento da adoção dos atos controvertidos, isto é, em 18 e 29 de janeiro de 2020, o recorrente ainda era um nacional de um Estado‑Membro da União, pelo que, em apoio da sua contestação do bem fundado desses atos, pode invocar o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.

112    Além disso, como resulta dos n.os 105 e 106, supra, os atos controvertidos foram adotados em razão da qualidade de nacional do Reino unido do recorrente.

113    Porém, a circunstância de o Chefe de Missão ter adotado esses atos em consideração da nacionalidade do recorrente não implica necessariamente que estes sejam constitutivos de uma discriminação em razão da nacionalidade.

114    Com efeito, na medida em que o recorrente considera ter sido objeto de tratamento diferente em relação aos agentes nacionais de outros Estados‑Membros na EUCAP Somália, importa ainda verificar se se podia considerar que o recorrente se encontrava numa situação comparável à desses outros agentes.

115    Ora, o recorrente era um cidadão de um Estado‑Membro que tinha desencadeado um processo de saída da União ao abrigo do artigo 50.°, o que é de molde a colocá‑lo objetivamente numa situação diferente da dos nacionais dos outros Estados‑Membros.

116    Com efeito, o Acordo sobre a saída do Reino Unido foi assinado pela União e esse Estado em 24 de janeiro de 2020 (v. n.° 12, supra) antes de ser concluído pelo Conselho em 30 de janeiro de 2020 (v. n.° 16, supra). Assim, até uma data próxima do termo do contrato em causa, fixada em 31 de janeiro de 2020, não estava excluído que a saída do Reino Unido da União se verificasse sem que um acordo fosse concluído, o que teria impossibilitado, salvo a título excecional, de propor ao recorrente uma renovação do contrato em causa, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 3, da Decisão 2012/389 (v. n.° 3, supra).

117    Por conseguinte, o recorrente, que fazia parte do pessoal contratual nacional do Reino Unido da EUCAP Somália, não estava objetivamente numa situação comparável à dos agentes contratuais internacionais nacionais de outro Estado‑Membro nesta missão, pelo que o Chefe de Missão podia decidir não renovar o contrato de trabalho do recorrente após 31 de janeiro de 2020, sem que isso seja constitutivo de uma discriminação em razão da nacionalidade.

118    De resto, é pacífico entre as partes que os contratos de todos os agentes nacionais do Reino Unido da EUCAP Somália, cuja situação era, a este respeito, comparável à do recorrente, expiraram em 31 de janeiro de 2020.

119    Tendo em conta o que precede, ao adotar os atos controvertidos, o Chefe de Missão não violou o princípio da discriminação em razão da nacionalidade.

2)      Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento face aos agentes nacionais do Reino Unido de outras missões abrangidas pela PESC

120    Quanto ao argumento da recorrente relativo à manutenção no lugar, durante o período de transição, de agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido noutras missões abrangidas pela PESC, importa verificar se o recorrente se encontrava numa situação comparável à desses outros agentes a respeito dessa manutenção.

121    A este respeito, por um lado, importa salientar que nenhum ato jurídico da União, na aceção do artigo 288.º TFUE, foi adotado a fim de fixar um estatuto único para o pessoal contratual das missões abrangidas pela PESC, como a EUCAP Somália.

122    Por outro lado, como, em substância, sublinhou acertadamente a EUCAP Somália, as missões abrangidas pela PESC são cada uma, objeto de uma decisão do Conselho tomada ao abrigo do artigo 43.°, n.° 2, TUE e que define, segundo essa disposição, «o seu objetivo e âmbito, bem como as respetivas regras gerais de execução».

123    No caso da EUCAP Somália, os artigos 7.° e 12.° A da Decisão 2012/389, conforma alterada pela Decisão 2018/1942, conferem‑lhe a capacidade jurídica para concluir contratos com o fim de empregar pessoal (v. n.os 3 e 4, supra). Além disso, resulta do artigo 6.° da mesma decisão que o Chefe de Missão dispõe de competência geral em matéria de gestão do pessoal.

124    Ora, o recorrente não demonstrou de modo nenhum em que é que, tendo em conta a existência de disposições próprias a cada missão da União e a autonomia destas no recrutamento e na gestão do seu pessoal contratual, a situação interna e as necessidades destas missões em matéria de pessoal eram comparáveis às da EUCAP Somália A abordagem quanto à manutenção em funções dos agentes nacionais do Reino Unido durante o período de transição podia, portanto, variar de uma missão abrangida pela PESC para outra.

125    Nestas condições, o recorrente não pode invocar, em apoio de uma pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento, medidas adotadas noutras missões da União que não sejam a EUCAP Somália, em relação aos seus agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido.

126    Tendo em conta o que precede, o segundo fundamento deve ser afastado tendo em conta os motivos acolhidos nos atos controvertidos. Não é, por conseguinte, necessário determinar se a fundamentação suplementar adiantada pela EUCAP Somália no decurso da instância, relativa à natureza sensível das funções do recorrente e à aplicação do artigo 127.°, n.° 1, alínea b), do Acordo sobre a saída do Reino Unido, pode ser tomada em consideração.

c)      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do Acordo sobre a saída do Reino Unido

127    Segundo o recorrente, nos atos controvertidos, a EUCAP Somália violou o Acordo sobre a saída do Reino Unido ao ignorar a possibilidade, prevista nesse Acordo, de continuar a empregar nacionais do Reino Unido durante o período de transição. Por um lado, sustenta que, segundo uma leitura conjugada dos n.os 2 e 6 do artigo 127.° do Acordo sobre a saída do Reino Unido, os nacionais deste Estado deviam ser considerados nacionais de Estados‑Membros durante o período de transição, em especial no que respeita às disposições de direito da União relativas à PESC. Por outro lado, o recorrente sublinha que o artigo 129.°, n.° 7, do mesmo Acordo excluía unicamente, durante o período de transição, a disponibilização pelo Reino Unido dos seus nacionais para ocuparem certos lugares de comando junto de missões abrangidas pela PESC mas não excluía a manutenção, por estes últimos, dos seus agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido noutros lugares, durante o referido período.

128    A EUCAP Somália contesta a argumentação do recorrente.

129    A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, os acordos internacionais celebrados pela União vinculam as instituições da União.

130    Ora, no caso vertente, o Acordo sobre a saída do Reino Unido só foi concluído pelo Conselho em 30 de janeiro de 2020 (v. n.° 16, supra). Assim, à data da adoção dos atos controvertidos, em 18 e 29 de janeiro de 2020, a EUCAP Somália ainda não estava vinculada por esse Acordo, pelo que não pode ser acusada de ter violado este último.

131    De qualquer modo, no que respeita ao âmbito de aplicação temporal de novas regras, é estabelecida uma distinção consoante estas sejam regras processuais ou regras substantivas. As primeiras são, em geral, supostamente aplicáveis a todos os litígios pendentes no momento em que entram em vigor, diferentemente das segundas, que são normalmente interpretadas no sentido de que se aplicam aos efeitos futuros das situações constituídas sob a égide da lei anterior e às situações jurídicas novas, mas não a situações adquiridas antes da entrada em vigor dessas regras, exceto na medida em que resulte claramente dos termos, da finalidade ou da economia das referidas regras que tal efeito lhes deve ser atribuído (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2021, Beeren‑, Wild‑, Feinfrucht, C‑825/19, EU:C:2021:869, n.° 31 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2005, Comissão/Huhtamaki Dourdan, C‑315/03, não publicado, EU:C:2005:284, n.° 51 e jurisprudência referida).

132    No que respeita, no caso em apreço, às disposições do Acordo sobre a saída do Reino Unido invocadas pelo recorrente, por um lado, observe‑se que o artigo 127.° deste Acordo, epigrafado «Âmbito de aplicação da transição», prevê o seguinte:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, o direito da União é aplicável ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição.

[…]

2.      Se a União e o Reino Unido chegarem a um acordo para reger as suas futuras relações nos domínios da política externa e de segurança comum e da política comum de segurança e defesa que se torne aplicável durante o período de transição, as disposições do título V, capítulo 2, do TUE e dos atos adotados com base nessas disposições deixam de ser aplicáveis ao Reino Unido a partir da data de aplicação desse acordo.

[…]

6.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, durante o período de transição, as referências a Estados‑Membros no direito da União aplicável nos termos do n.° 1, incluindo as disposições transpostas e aplicadas pelos Estados‑Membros, entendem‑se como incluindo o Reino Unido.»

133    Por outro lado, o artigo 129.° do mesmo Acordo, epigrafado «Disposições específicas relativas à ação externa da União», prevê o seguinte, no seu n.° 7:

«Durante o período de transição, o Reino Unido deve destaca comandantes de operações civis, chefes de missão, comandantes de operações ou comandantes de forças para missões ou operações realizadas ao abrigo dos artigos 42.°, 43.° e 44.° […] TUE, não deve disponibilizar as sedes operacionais para tais missões ou operações e não funciona como nação quadro para agrupamentos táticos da União. Durante o período de transição, o Reino Unido não destaca o chefe de quaisquer ações operacionais ao abrigo do artigo 28.° […] TUE.»

134    Assim, o artigo 127.°, n.os 2 e 6, e o artigo 129.°, n.º 7, do Acordo sobre a saída do Reino Unido regem as condições nas quais o direito da União se aplica ao Reino Unido durante o período de transição e constituem, por conseguinte, regras substantivas. Além disso, não resulta dos termos, nem da finalidade, nem da economia destas disposições que estas deveriam aplicar‑se a situações jurídicas adquiridas anteriormente à entrada em vigor do Acordo sobre a saída do reino Unido. Pelo contrário, as referidas disposições têm por objeto o período de transição que começa, segundo o artigo 126.° desse Acordo, na data da sua entrada em vigor (v. n.º 17, supra).

135    Daqui decorre que, por força do princípio recordado no n.° 131, supra, o artigo 127.°, n.os 2 e 6, e o artigo 129.°, n.° 7, do Acordo sobre a saída do Reino Unido se tornaram aplicáveis no momento da entrada em vigor desse Acordo, em 1 de fevereiro de 2020 (v. n.° 18, supra). Consequentemente, em conformidade com o mesmo princípio, a violação destas disposições não pode ser invocada em apoio de um recurso que diz respeito a uma data anterior a essa data.

136    Ora, no caso vertente, os atos controvertidos, que datam de 18 de janeiro de 2020 e de 29 de janeiro de 2020, e que têm por objeto a não renovação do contrato em causa que, em aplicação do seu artigo 17.°, expirou em 31 de janeiro seguinte, são anteriores à entrada em vigor, em 1 de fevereiro de 2020, do Acordo sobre a saída do Reino Unido. Do mesmo modo, a violação desse Acordo pelos atos controvertidos nã pode ser acolhida.

137    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve, de qualquer modo, ser afastado sem que seja necessário conhecer da questão de saber se uma violação do Acordo sobre a saída do Reino Unido pode ser invocada no âmbito de uma ação baseada no artigo 272.° TFUE.

d)      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

138    O recorrente sustenta que, através da não renovação do seu contrato consecutiva aos atos controvertidos, a EUCAP Somália violou o princípio da proteção da confiança legítima. Por um lado, entre setembro de 2016 e setembro de 2019, recebeu garantias precisas quanto à manutenção em funções dos agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Unido durante o período de transição em caso de conclusão de um acordo sobre a saída do Reino Unido. Por outro lado, tendo em conta as diferentes renovações do seu contrato em função das datas limite sucessivamente fixadas para a negociação desse Acordo, bem como a sua antiguidade na EUCAP Somália, o recorrente podia ter a expectativa legítima de que o seu contrato fosse renovado durante o período de transição.

139    A EUCAP Somália contesta a argumentação do recorrente.

140    A este respeito, recordo que, segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima pressupõe que garantias precisas, incondicionais e concordantes, que emanem de fontes autorizadas e fiáveis, tenham sido fornecidas ao interessado pelas autoridades competentes da União. Em contrapartida, ninguém pode invocar a violação deste princípio na falta dessas garantias (v. Acórdão de 16 de julho de 2020, ADR Center/Comissão, C‑584/17 P, EU:C:2020:576, n.° 75 e jurisprudência referida).

141    No caso vertente, nem a antiguidade do recorrente na EUCAP Somália ne a circunstância de o seu contrato de trabalho ter sido renovado durante os períodos sucessivos de negociação de um acordo de saída entre o Reino Unido e a União podem ser equiparados a garantias precisas, incondicionais e concordantes, na aceção da jurisprudência referida no n.° 140, supra. Além disso, embora o recorrente afirme que a antiga Chefe de Missão da EUCAP Somália forneceu aos agentes contratuais internacionais nacionais do Reino Undo dessa missão a garantia de que os seus contratos de trabalho seriam renovados durante o período de transição, não baseia as suas afirmações em elementos de prova.

142    O único elemento concreto invocado pelo recorrente é o correio eletrónico do Chefe de Divisão do SEAE para o pessoal das missões abrangidas pela PESC. Ora, por um lado, a decisão de propor ao recorrente uma renovação do contrato em causa durante o período de transição era da competência do Chefe de Missão e não da de um Chefe de Divisão do SEAE. Por outro lado, esse correio eletrónico não permite considerar que o recorrente teria recebido garantias precisas de que o contrato em causa seria renovado durante o período de transição. Pelo contrário, no referido correio eletrónico, o Chefe de Divisão do SEAE para o pessoal das missões abrangidas pela PESC indicou claramente que a manutenção de agentes nacionais do Reino Unido, destacados ou contratuais, nessas missões seria sujeito a uma apreciação do interesse de serviço pelos Chefes de Missão. Por conseguinte, não se pode considerar que o recorrente recebeu garantias precisas, na aceção da jurisprudência referida no n.° 140, supra, de que o contrato lhe seria renovado durante o período de transição.

143    Em consequência, o quarto fundamento deve ser afastado.

5.      Conclusão

144    Dado que improcederam todos os fundamentos apresentados pelo recorrente em apoio dos seus pedidos formulados ao abrigo do artigo 272.°, deve ser negado provimento ao recurso.

 IV.      Quanto às despesas

145    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da EUCAP Somália.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      JF é condenado nas despesas.

da Silva Passos

Valančius

Reine

Truchot

 

      Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de julho de 2022.

Assinaturas


Índice


I. Antecedentes do litígio

II. Pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto aos pedidos principais, baseados nos artigos 263.° e 268.° TFUE

1. Quanto à admissibilidade do pedido de anulação baseado no artigo 263.° TFUE

2. Quanto à admissibilidade do pedido de anulação baseado no artigo 268.° TFUE

B. Quanto aos pedidos principais, baseados no artigo 272.° TFUE

1. Quanto à competência do Tribunal Geral

2. Quanto ao direito aplicável

3. Quanto à admissibilidade

4. Quanto ao mérito

a) Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito a ser ouvido

b) Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação

1) Quanto à pretensa discriminação em razão da nacionalidade

2) Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento face aos agentes nacionais do Reino Unido de outras missões abrangidas pela PESC

c) Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do Acordo sobre a saída do Reino Unido

d) Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

5. Conclusão

IV. Quanto às despesas




*      Língua do processo: inglês.