Language of document : ECLI:EU:T:2022:447

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

13 de julho de 2022 (*)

«Concorrência — Concentrações — Mercado da indústria farmacêutica — Artigo 22.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Pedido de remessa proveniente de uma autoridade da concorrência não competente, segundo a legislação nacional, para examinar a operação de concentração — Decisão da Comissão de examinar a operação de concentração — Decisões da Comissão de aceitar os pedidos de outras autoridades nacionais da concorrência para se associarem ao pedido de remessa — Competência da Comissão — Prazo de apresentação do pedido de remessa — Conceito de “dar conhecimento” — Prazo razoável — Confiança legítima — Declarações públicas da vice‑presidente da Comissão — Segurança jurídica»

No processo T‑227/21,

Illumina, Inc., com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos), representada por D. Beard, barrister, e P. Chappatte, advogado,

recorrente,

apoiada por

Grail LLC, anteriormente Grail, Inc., com sede em Menlo Park, Califórnia (Estados Unidos), representada por D. Little, solicitor, J. Ruiz Calzado, J. M. Jiménez‑Laiglesia Oñate e A. Giraud, advogados,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, G. Conte e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República Helénica, representada por K. Boskovits, na qualidade de agente,

por

República Francesa, representada por T. Stéhelin, P. Dodeller, J.‑L. Carré e E. Leclerc, na qualidade de agentes,

por

Reino dos Países Baixos, representado por M. Bulterman e P. Huurnink, na qualidade de agentes,

e por

Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Simpson, M. Sánchez Rydelski e M.‑M. Joséphidès, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE destinado à anulação, em primeiro lugar, da Decisão C(2021) 2847 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar o pedido da autoridade da concorrência francesa para examinar a operação de concentração que tem por objeto a aquisição do controlo exclusivo da Grail, Inc., pela Illumina, Inc. (processo COMP/M.10188 — Illumina/Grail), em segundo lugar, das Decisões C(2021) 2848 final, C(2021) 2849 final, C(2021) 2851 final, C(2021) 2854 final e C(2021) 2855 final da Comissão, de 19 de abril de 2021, de aceitar os pedidos das autoridades da concorrência grega, belga, norueguesa, islandesa e neerlandesa para se associarem a esse pedido de remessa, e, em terceiro lugar, do ofício da Comissão de 11 de março de 2021 que informa a Illumina e a Grail do referido pedido de remessa,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: G. De Baere, presidente, V. Kreuschitz (relator), U. Öberg, R. Mastroianni e G. Steinfatt, juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 16 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das concentrações comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      Sem prejuízo do n.o 5 do artigo 4.o e do artigo 22.o, o presente regulamento é aplicável a todas as concentrações de dimensão [europeia] definidas no presente artigo.

2.      Uma concentração tem dimensão [europeia] quando:

a)      O volume de negócios total realizado à escala mundial pelo conjunto das empresas em causa for superior a 5 000 milhões de euros; e

b)      O volume de negócios total realizado individualmente na [União europeia] por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 250 milhões de euros,

a menos que cada uma das empresas em causa realize mais de dois terços do seu volume de negócios total na [União] num único Estado‑Membro.

3.      Uma concentração que não atinja os limiares estabelecidos no n.o 2 tem dimensão [europeia] quando:

a)      O volume de negócios total realizado à escala mundial pelo conjunto das empresas em causa for superior a 2500 milhões de euros;

b)      Em cada um de pelo menos três Estados‑Membros, o volume de negócios total realizado pelo conjunto das empresas em causa for superior a 100 milhões de euros;

c)      Em cada um de pelo menos três Estados‑Membros considerados para efeitos do disposto na alínea b), o volume de negócios total realizado individualmente por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 25 milhões de euros; e

d)      O volume de negócios total realizado individualmente na [União] por pelo menos duas das empresas em causa for superior a 100 milhões de euros,

a menos que cada uma das empresas em causa realize mais de dois terços do seu volume de negócios total na [União] num único Estado‑Membro.

[…]»

2        De acordo com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

«a)      Fusão de duas ou mais empresas ou partes de empresas anteriormente independentes; ou

b)      Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do ativo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo direto ou indireto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.»

3        O artigo 4.o do Regulamento n.o 139/2004 dispõe:

«1.      As concentrações de dimensão [europeia] abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da oferta pública de aquisição ou a aquisição de uma participação de controlo […]

2.      As concentrações que consistam numa fusão, na aceção da alínea a) do n.o 1 do artigo 3.o ou na aquisição do controlo conjunto, na aceção da alínea b) do n.o 1 do artigo 3.o, devem ser notificadas conjuntamente, consoante o caso, pelas partes intervenientes na fusão ou pelas partes que adquirem o controlo conjunto. Nos restantes casos, a notificação deve ser apresentada pela pessoa ou empresa que adquire o controlo do conjunto ou de partes de uma ou mais empresas.

[…]

4.      Antes da notificação de uma concentração, na aceção do n.o 1, as pessoas ou empresas referidas no n.o 2 podem informar a Comissão, através de um memorando fundamentado, que a concentração pode afetar significativamente a concorrência num mercado no interior dum Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto, devendo, por conseguinte ser examinada na sua totalidade ou em parte, por esse Estado‑Membro.

A Comissão deve transmitir sem demora tal memorando a todos os Estados‑Membros. O Estado‑Membro referido no memorando fundamentado deve, no prazo de 15 dias úteis a contar da data de receção do memorando, manifestar o seu acordo ou desacordo relativamente ao pedido de remessa do caso. Se esse Estado‑Membro não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á o seu acordo.

A menos que esse Estado‑Membro manifeste o seu desacordo, a Comissão, se considerar que esse mercado distinto existe e que a concorrência nesse mercado pode ser significativamente afetada pela concentração, poderá decidir remeter o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes desse Estado‑Membro, com vista à aplicação da legislação nacional de concorrência desse Estado.

A decisão de remeter ou de não remeter o caso em conformidade com o terceiro parágrafo deve ser tomada no prazo de 25 dias úteis a contar da receção do memorando fundamentado pela Comissão. A Comissão informa os restantes Estados‑Membros e as pessoas ou empresas em causa da sua decisão. Se a Comissão não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á que decidiu remeter o caso em conformidade com o memorando apresentado pelas pessoas ou empresas em causa.

Se a Comissão decidir ou presumir‑se que decidiu, nos termos do terceiro e quarto parágrafos, remeter o caso, na sua totalidade, não é necessário proceder a uma notificação nos termos do n.o 1 e será aplicável a legislação nacional de concorrência. O disposto nos n.os 6 a 9 do artigo 9.o é aplicável mutatis mutandis.

5.      No caso de uma concentração tal como definida no artigo 3.o que não tenha dimensão [europeia] na aceção do artigo 1.o, e que pode ser apreciada no âmbito da legislação nacional de concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros, as pessoas ou empresas referidas no n.o 2 podem, antes de uma eventual notificação às autoridades competentes, informar a Comissão, através de um memorando fundamentado, que a concentração deve ser examinada pela Comissão.

A Comissão deve transmitir sem demora tal memorando a todos os Estados‑Membros.

Qualquer Estado‑Membro competente para examinar a concentração no âmbito da sua legislação nacional de concorrência pode, no prazo de 15 dias úteis a contar da receção do memorando fundamentado, manifestar o seu desacordo no que respeita ao pedido de remessa do caso.

Sempre que, pelo menos, um desses Estados‑Membros tenha manifestado o seu desacordo nos termos do terceiro parágrafo no prazo de 15 dias úteis, o caso não será remetido. A Comissão deve informar sem demora todos os Estados‑Membros e as pessoas ou empresas em causa de qualquer manifestação de desacordo.

Se nenhum dos Estados‑Membros tiver manifestado o seu desacordo nos termos do terceiro parágrafo no prazo de 15 dias úteis, presumir‑se‑á que a concentração tem dimensão [europeia] e será notificada à Comissão em conformidade com os n.os 1 e 2. Nessa situação, nenhum Estado‑Membro aplicará a sua legislação nacional de concorrência à concentração.»

4        O artigo 9.o do Regulamento n.o 139/2004 tem o seguinte teor:

«1.      A Comissão pode, por via de decisão de que informará sem demora as empresas em causa e as autoridades competentes dos restantes Estados‑Membros, remeter às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa um caso de concentração notificada, nas condições que se seguem.

2.      No prazo de 15 dias úteis a contar da receção da cópia da notificação, um Estado‑Membro pode, por sua própria iniciativa ou a convite da Comissão, informar a Comissão, que o comunicará às empresas em causa, de que:

a)      Uma concentração ameaça afetar significativamente a concorrência num mercado no interior desse Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto; ou

b)      Uma concentração afeta a concorrência num mercado no interior desse Estado‑Membro que apresenta todas as características de um mercado distinto e não constitui uma parte substancial do mercado comum.

3.       Se considerar que, tendo em conta o mercado dos produtos ou serviços em causa e o mercado geográfico de referência na aceção do n.o 7, esse mercado distinto existe e que existe essa ameaça, a Comissão:

a)      Ocupar‑se‑á ela própria do caso nos termos do presente regulamento; ou

b)      Remeterá o caso, na sua totalidade ou em parte, para as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa, com vista à aplicação da legislação nacional de concorrência desse Estado.

Se, ao contrário, considerar que esse mercado distinto ou ameaça não existem, a Comissão tomará uma decisão nesse sentido, que dirigirá ao Estado‑Membro em causa e ocupar‑se‑á ela própria do caso, nos termos do presente regulamento.

Se um Estado‑Membro informar a Comissão, nos termos da alínea b) do n.o 2, de que uma concentração afeta a concorrência num mercado distinto no seu território que não constitui uma parte substancial do mercado comum, a Comissão remeterá, na totalidade ou em parte, o caso relativo ao mercado distinto em causa, se considerar que esse mercado distinto é afetado.

[…]»

5        O artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, sob a epígrafe «Remessa à Comissão», está redigido nos seguintes termos:

«1.      Um ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração, tal como definida no artigo 3.o, que não tenha dimensão comunitária na aceção do artigo 1.o, mas que afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido.

Esse pedido deve ser apresentado no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa.

2.      A Comissão deve informar sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos que recebeu nos termos do n.o 1.

Qualquer outro Estado‑Membro tem de se associar ao pedido inicial num prazo de 15 dias úteis após ter sido informado pela Comissão do pedido inicial.

Todos os prazos nacionais relativos à concentração são suspensos até que, em conformidade com o procedimento estabelecido no presente artigo, tenha sido decidido onde a concentração será examinada. Logo que o Estado‑Membro tenha informado a Comissão e as empresas em questão que não pretende associar‑se ao pedido, terminará a suspensão dos prazos nacionais.

3.      A Comissão pode, no prazo máximo de 10 dias úteis após o termo do prazo fixado no n.o 2, decidir examinar a concentração sempre que considere que afeta o comércio entre Estados‑Membros e ameaça afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido. Se a Comissão não tomar uma decisão dentro deste prazo, presumir‑se‑á que decidiu examinar a concentração em conformidade com o pedido.

A Comissão deve informar todos os Estados‑Membros e as empresas em causa da sua decisão. Pode exigir a apresentação de uma notificação nos termos do artigo 4.o

O Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência.

4.      Quando a Comissão examina uma concentração nos termos do n.o 3, será aplicável o disposto no artigo 2.o, nos n.os 2 e 3 do artigo 4.o e nos artigos 5.o, 6.o e 8.o a 21.o O artigo 7.o é aplicável na medida em que a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido.

Nos casos em que não é exigida uma notificação nos termos do artigo 4.o, o prazo fixado no n.o 1 do artigo 10.o para dar início ao processo começa a correr no dia útil seguinte àquele em que a Comissão informar as empresas em causa de que decidiu examinar a concentração nos termos do n.o 3.

5.      A Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.o 1. Nesses casos, a Comissão pode convidar esse Estado‑Membro ou esses Estados‑Membros a apresentarem um pedido nos termos do n.o 1.»

 Antecedentes do litígio

 Quanto às empresas e à concentração em causa

6        A recorrente, Illumina, Inc., propõe soluções em matéria de análise genética e genómica por sequenciação e por microarray.

7        Em 20 de setembro de 2020, a Illumina concluiu um acordo e um plano de fusão com vista à aquisição do controlo exclusivo da Grail LLC (anteriormente Grail, Inc.), que desenvolve testes sanguíneos para a despistagem precoce do cancro, de que já detinha 14,5 % do capital (a seguir «concentração em causa»).

8        Em 21 de setembro de 2020, a Illumina e a Grail (a seguir «empresas em causa») publicaram um comunicado de imprensa em que anunciavam essa concentração.

 Quanto à falta de notificação

9        Como o volume de negócios das empresas em causa não excede os limiares pertinentes, designadamente atendendo ao facto de a Grail não gerar receitas em nenhum Estado‑Membro da União Europeia ou em qualquer outro lugar do mundo, a concentração em causa não tinha dimensão europeia, na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004, e não foi, portanto, de acordo com o disposto no artigo 4.o, n.o 1, desse regulamento, notificada à Comissão Europeia.

10      A concentração em causa também não foi notificada aos Estados‑Membros da União ou aos Estados parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (JO 1994, L 1, p. 3), pois não integrava o âmbito de aplicação das respetivas legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações.

 Quanto ao pedido de remessa à Comissão

11      Em 7 de dezembro de 2020, a Comissão recebeu uma queixa relativa à concentração em causa. Em 17 de dezembro de 2020 teve lugar uma reunião por videoconferência entre a Comissão e o queixoso no contexto da qual este descreveu a suas preocupações em relação a essa concentração. Na sequência dessa reunião, a Comissão procedeu a novas trocas de impressões com o queixoso e, a fim de esclarecer dúvidas acerca da sua eventual competência para examinar a referida concentração, com as autoridades da concorrência alemã, austríaca, eslovena e sueca. Também contactou a Competition and Markets Authority (CMA, autoridade da concorrência e dos mercados, Reino Unido), à qual também tinha sido apresentada a queixa. A Comissão chegou à conclusão preliminar de que a concentração em causa podia ser objeto de uma remessa ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, designadamente por a importância da Grail para a concorrência não se encontrar refletida no seu volume de negócios.

12      Em 19 de fevereiro de 2021, a Comissão informou os Estados‑Membros da concentração em causa, por um lado, apresentando‑a às autoridades nacionais da concorrência no âmbito do grupo de trabalho sobre as concentrações da Rede Europeia de Concorrência e, por outro, enviando‑lhes um ofício nos termos do artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 (a seguir «convite»). Nesse convite, a Comissão explicou as razões pelas quais considerava, à primeira vista, que a concentração parecia preencher os requisitos previstos no artigo 22.o, n.o 1, desse regulamento e convidou os Estados‑Membros a apresentar um pedido de remessa ao abrigo desta última disposição. Em seguida, a Comissão discutiu o referido convite com algumas autoridades nacionais da concorrência.

13      Por mensagem de correio eletrónico de 26 de fevereiro de 2021, a Comissão contactou a recorrente para lhe propor uma conversa telefónica a respeito da concentração em causa. No âmbito dessa conversa, ocorrida em 4 de março de 2021, informou o representante de cada uma das empresas em causa do convite e da possibilidade de um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004.

14      Em 9 de março de 2021, a autoridade da concorrência francesa (a seguir «ACF») solicitou à Comissão, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, que examinasse a concentração em causa (a seguir «pedido de remessa»).

15      Em 10 de março de 2021, a Comissão, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004, informou as autoridades da concorrência dos outros Estados‑Membros, bem como o Órgão de Fiscalização da EFTA do pedido de remessa. Em 11 de março de 2021, a Comissão informou igualmente as empresas em causa do pedido de remessa, recordando‑lhes que a concentração em causa não podia ser realizada porquanto, e na medida em que, a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004, lido em conjugação com o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, segundo período, do referido regulamento, era aplicável (a seguir «ofício de informação»).

16      Por ofícios de 24, 26 e 31 de março de 2021, as autoridades da concorrência belga, grega, islandesa, neerlandesa e norueguesa pediram para se associar ao pedido de remessa, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 2, do Regulamento n.o 139/2004 (a seguir «pedidos de associação»).

17      Em 16 e 29 de março de 2021, as empresas em causa apresentaram à Comissão observações nas quais se opunham ao pedido de remessa. Em 2, 7 e 12 de abril de 2021, a recorrente respondeu aos pedidos de esclarecimento que a Comissão lhe enviou em 26 de março e 8 de abril de 2021.

18      Em 31 de março de 2021, a Comissão publicou as orientações sobre a aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o do Regulamento [n.o 139/2004] para determinadas categorias de casos (JO 2021, C 113, p. 1; a seguir «orientações relativas ao artigo 22.o»).

19      Por Decisão de 19 de abril de 2021, a Comissão aceitou o pedido de remessa (a seguir «decisão impugnada»). Por decisões do mesmo dia relativas, respetivamente, à Bélgica, Grécia, Islândia, Países Baixos e Noruega, também aceitou os pedidos de associação (a seguir, designados conjuntamente com a decisão impugnada, «decisões impugnadas»).

 Quanto às decisões impugnadas

 Quanto à observância do prazo de quinze dias úteis

20      A Comissão considerou que o pedido de remessa de 9 de março de 2021 tinha sido apresentado dentro do prazo de quinze dias úteis previsto no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, pois a concentração em causa, através do convite, tinha sido levada ao conhecimento da República Francesa em 19 de fevereiro de 2021 (n.os 20 e 29 da decisão impugnada). Segundo a Comissão, foi esse convite, baseado numa investigação aprofundada, numa análise específica e em informações fornecidas pelo queixoso, que permitiu à República Francesa proceder a uma análise preliminar dos requisitos previstos no artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 (n.os 26 e 28 da decisão impugnada).

21      A Comissão também entendeu que os pedidos de associação respeitavam o prazo previsto no artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, já que o Reino da Bélgica, a República Helénica, a República da Islândia, o Reino dos Países Baixos e o Reino da Noruega tinham apresentado esses pedidos em 24, 26 e 31 de março de 2021, ou seja, dentro de um prazo de quinze dias úteis a contar da data em que a Comissão os informou, por meio do seu ofício de 10 de março de 2021, do pedido de remessa (n.os 21 e 22 das decisões relativas à Bélgica, Islândia, Países Baixos e Noruega e n.os 16 e 17 da decisão relativa à Grécia).

 Quanto à afetação do comércio entre EstadosMembros e à ameaça de afetação significativa da concorrência

22      A Comissão concluiu que a concentração em causa, por um lado, podia afetar o comércio entre Estados‑Membros (n.os 39 a 45 da decisão impugnada, n.os 33 a 39 das decisões relativas à Bélgica, Islândia, Países Baixos e Noruega e n.os 28 a 34 da decisão relativa à Grécia) e, por outro, ameaçava afetar significativamente a concorrência nos territórios francês, grego, islandês, belga, norueguês e neerlandês enquanto partes do Espaço Económico Europeu (EEE) (n.os 51 e 80 da decisão impugnada, n.os 49 e 78 da decisão relativa à Bélgica, n.os 41 e 70 da decisão relativa à Grécia, n.os 46 e 75 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.os 50 e 79 da decisão relativa aos Países Baixos).

 Quanto ao caráter adequado da remessa

23      A Comissão considerou que a concentração em causa cumpria os critérios da remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 (n.o 109 da decisão impugnada, n.o 107 da decisão relativa à Bélgica, n.o 99 da decisão relativa à Grécia, n.o 104 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 108 da decisão relativa aos Países Baixos).

24      Em primeiro lugar, a Comissão entendeu que os requisitos enunciados no n.o 45 da sua comunicação relativa à remessa de casos de concentrações (JO 2005, C 56, p. 2; a seguir «comunicação relativa à remessa») estavam preenchidos (n.o 85 da decisão impugnada, n.o 83 da decisão relativa à Bélgica, n.o 75 da decisão relativa à Grécia, n.o 80 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 84 da decisão relativa aos Países Baixos). Além disso, os testes de sequenciação do cancro pela NGS eram vistos como um avanço maior na luta contra o cancro, luta essa que constituía uma das prioridades da Comissão no domínio da saúde. Era, portanto, desejável que se procedesse a uma abordagem coerente dos esforços de investigação empreendidos nesta área a nível da União (n.o 84 da decisão impugnada, n.o 82 da decisão relativa à Bélgica, n.o 74 da decisão relativa à Grécia, n.o 79 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 83 da decisão relativa aos Países Baixos).

25      Em segundo lugar, a Comissão recordou que as orientações relativas ao artigo 22.o clarificavam a forma como os critérios enunciados na comunicação relativa à remessa deviam ser aplicados nos casos em que as autoridades nacionais não fossem competentes para analisar uma concentração. Segundo a Comissão, a concentração em causa integra o âmbito de aplicação das referidas orientações, pois implica a aquisição de uma empresa cuja importância para a concorrência não se encontra refletida no seu volume de negócios (n.os 86 e 87 da decisão impugnada, n.os 84 e 85 da decisão relativa à Bélgica, n.os 76 e 77 da decisão relativa à Grécia, n.os 81 e 82 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.os 85 e 86 da decisão relativa aos Países Baixos).

26      Além disso, a Comissão indicou que a concentração em causa não tinha sido concretizada nem notificada noutros Estados‑Membros (n.o 88 da decisão impugnada, n.o 86 da decisão relativa à Bélgica, n.o 78 da decisão relativa à Grécia, n.o 83 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 87 da decisão relativa aos Países Baixos).

27      Em terceiro lugar, a Comissão examinou os argumentos das empresas em causa relativos à observância dos princípios gerais do direito da União e dos direitos de defesa (n.o 89 da decisão impugnada, n.o 87 da decisão relativa à Bélgica, n.o 79 da decisão relativa à Grécia, n.o 84 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 88 da decisão relativa aos Países Baixos).

28      Primeiro, no que toca à sua competência, considerou que o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 permitia aos Estados‑Membros solicitar‑lhe a remessa de um caso concentração «para o qual não fossem competentes», desde que os requisitos legais enunciados nessa disposição se encontrassem preenchidos. Conforme recordado nas orientações relativas ao artigo 22.o, essa conclusão decorria de uma interpretação literal da referida disposição e era confirmada pelo seu histórico legislativo, pela finalidade, pela economia geral e pela interpretação contextual do Regulamento n.o 139/2004, bem como pela prática da Comissão.

29      Em especial, o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, que enuncia de forma exaustiva os requisitos jurídicos que os pedidos de remessa devem satisfazer, não exige que «o Estado‑Membro que faz esse pedido disponha de competência para examinar a concentração em causa», embora reconheça tanto explicita como implicitamente que esse pedido pode emanar de um Estado‑Membro em que não é necessária a notificação da concentração em causa. A Comissão recordou que, após a adoção do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1), o objetivo era permitir‑lhe controlar concentrações passíveis de ter um impacto anticoncorrencial no mercado interno que não podiam ser examinadas pelas autoridades dos Estados‑Membros. Uma interpretação restritiva do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 podia impedir o controlo dessas concentrações e dos respetivos efeitos transfronteiriços. Conforme confirmado no Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, EU:T:1999:327), um Estado‑Membro um sistema de controlo das concentrações já podia solicitar uma remessa à Comissão ao abrigo do Regulamento n.o 4064/89. A Comissão recordou ter aceitado que Estados‑Membros que não possuem um controlo das concentrações se associem a um pedido de remessa de outro Estado‑Membro. Segundo afirma, se o legislador da União tivesse pretendido restringir o âmbito de aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 excluindo esses Estados‑Membros, podia ter utilizado o critério da competência já previsto no artigo 4.o, n.o 5, desse regulamento (n.o 90 da decisão impugnada, n.o 88 da decisão relativa à Bélgica, n.o 80 da decisão relativa à Grécia, n.o 85 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 89 da decisão relativa aos Países Baixos).

30      Segundo, no que toca ao princípio da subsidiariedade, conforme referido no considerando 8 do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão recordou que o legislador da União decidiu que os casos de concentração lhe podiam ser remetidos desde que respeitados os requisitos definidos no artigo 22.o do referido regulamento. O princípio da subsidiariedade apenas se aplica às matérias que não integram a competência exclusiva da União, quando esteja em causa saber se a ação a empreender não pode ser satisfatoriamente realizada pelos Estados‑Membros. Ora, em caso de falta de competência, o exame da concentração em causa não podia ser realizado por estes (n.o 92 da decisão impugnada, n.o 90 da decisão relativa à Bélgica, n.o 82 da decisão relativa à Grécia, n.o 87 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 91 da decisão relativa aos Países Baixos).

31      Terceiro, no que respeita à proteção da confiança legítima das empresas em causa, a Comissão sublinhou que o direito dos Estados‑Membros de lhe remeterem, ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, casos de concentração que não necessitam de ser notificados nesses Estados sempre existiu. A sua prática anterior destinada a desencorajar esses Estados‑Membros sem competência a apresentar pedidos de remessa não significa que tenha excluído a aplicação dessa disposição a qualquer caso futuro. Pelo contrário, no seu Livro Branco de 9 de julho de 2014 rumo a um controlo mais eficaz das concentrações da [União] (COM/2014/0449 final) (a seguir «Livro Branco de 2014»), esse direito foi explicitamente confirmado. A Comissão considerou não ter dado quaisquer garantias precisas, incondicionais e concordantes a excluir determinados pedidos de remessa no futuro. No seu discurso de 11 de setembro de 2020, a vice‑presidente da Comissão também não deu tais garantias, embora tenha referido que seria útil modificar essa prática anterior e que isso não ocorreria de um dia para o outro (n.o 94 da decisão impugnada, n.o 92 da decisão relativa à Bélgica, n.o 84 da decisão relativa à Grécia, n.o 89 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 93 da decisão relativa aos Países Baixos).

32      Quarto, quanto à segurança jurídica, a Comissão entendeu que o tempo decorrido após o anúncio da concentração em causa e os eventuais efeitos negativos para as empresas em causa eram contrabalançados pelos efeitos negativos dessa concentração potencialmente importantes para a concorrência, efeitos esses que necessitavam de ser examinados (n.o 100 da decisão impugnada, n.o 98 da decisão relativa à Bélgica, n.o 90 da decisão relativa à Grécia, n.o 95 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.o 99 da decisão relativa aos Países Baixos).

33      Com efeito, à primeira vista, o impacto potencial da concentração em causa sobre a concorrência no mercado interno e sobre os consumidores europeus era significativo. A Comissão sublinhou ter tido conhecimento dessa concentração em dezembro de 2020, por meio da queixa. Tinha de imediato examinado as circunstâncias do caso e, após ter informado que essa concentração não excedia os limiares pertinentes de nenhum dos Estados‑Membros, tinha‑lhes enviado o convite. Além disso, atendendo a que a concentração em causa não podia concretizar‑se devido a um processo que se encontrava pendente nos órgãos jurisdicionais americanos, o impacto do decurso do tempo para as empresas em causa era limitado (n.os 97 a 99 da decisão impugnada, n.os 95 a 97 da decisão relativa à Bélgica, n.os 87 a 89 da decisão relativa à Grécia, n.os 92 a 94 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.os 96 a 98 da decisão relativa aos Países Baixos).

34      Quinto, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, a Comissão considerou que a interpretação estrita proposta pelas empresas em causa era contrária à letra do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, bem como à finalidade e à economia geral dessa disposição. A sua apreciação conformava‑se com esse princípio porquanto tinha em conta, designadamente, as questões de saber se a concentração em causa já tinha sido realizada, se tinha sido notificada num ou mais Estados‑Membros que não solicitaram a sua remessa e se implicava um objetivo com um «potencial concorrencial significativo» que não encontra reflexo no respetivo volume de negócios. A Comissão especificou, no essencial, que, entre as inúmeras concentrações sem dimensão europeia na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004, só um pequeno número, por um lado, satisfazia os requisitos previstos no artigo 22.o do referido regulamento e, por outro, podia considerar‑se adequado a uma remessa de acordo com as orientações relativas ao artigo 22.o Esses casos podiam, portanto, considerar‑se excecionais (n.os 102 e 103 da decisão impugnada, n.os 100 e 101 da decisão relativa à Bélgica, n.os 92 e 93 da decisão relativa à Grécia, n.os 97 e 98 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.os 101 e 102 da decisão relativa aos Países Baixos).

35      Sexto, a Comissão julgou improcedentes os argumentos das empresas em causa segundo os quais o respetivo direito de serem ouvidas e os princípios da equidade e da boa administração tinham sido violados. Sublinhou ter informado a recorrente, em 26 de fevereiro de 2021, do envio do seu convite, ou seja, antes da receção do pedido de remessa. A Comissão considerou que a sua abordagem estava, portanto, em conformidade com o n.o 27 das orientações relativas ao artigo 22.o, segundo o qual, se um pedido de remessa estiver a ser considerado, informará as partes na operação o mais rapidamente possível. O objetivo desse número era, aliás, o de assinalar uma eventual obrigação de suspender a concentração. Além disso, a Comissão tinha informado atempadamente as empresas em causa do pedido de remessa, pedido esse que lhes foi rapidamente transmitido após a sua receção (n.os 104 a 108 da decisão impugnada, n.os 102 a 106 da decisão relativa à Bélgica, n.os 94 a 98 da decisão relativa à Grécia, n.os 99 a 103 das decisões relativas à Islândia e à Noruega e n.os 103 a 107 da decisão relativa aos Países Baixos).

 Tramitação processual e pedido das partes

36      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de abril de 2021, a recorrente interpôs o presente recurso.

37      Por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente solicitou que o presente processo fosse julgado segundo uma tramitação acelerada, em conformidade com o disposto nos artigos 151.o e 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por Decisão de 3 de junho de 2021, o Tribunal deferiu esse pedido.

38      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de junho de 2021, a Grail, Inc. pediu para intervir no presente processo em apoio da recorrente. Por Despacho de 2 de julho de 2021, o presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral autorizou essa intervenção. Por meio de uma medida de organização do processo do mesmo dia, a Grail, Inc. foi autorizada, em aplicação do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, lido em conjugação com o artigo 145.o, n.o 1, e o artigo 89.o, n.o 3, alínea b), do mesmo regulamento, a apresentar um articulado de intervenção.

39      Sob proposta da Terceira Secção, o Tribunal Geral decidiu, ao abrigo do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação alargada.

40      Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 22 de junho, 6 de julho, 21 de julho e 29 de julho de 2021, o Reino dos Países Baixos, a República Francesa, a República Helénica e o Órgão de Fiscalização da EFTA pediram para intervir no presente processo em apoio do pedido da Comissão. Por Decisões de 12 e 22 de julho, bem como de 6 de agosto de 2021 e por Despacho de 25 de agosto de 2021, o presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral autorizou essas intervenções. Por medidas de organização do processo, respetivamente, de 16 de julho, de 23 de julho, de 13 de agosto e de 25 de agosto de 2021, o Reino dos Países Baixos, a República Francesa, a República Helénica e o Órgão de Fiscalização da EFTA foram autorizados, ao abrigo do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, lido em conjugação com o artigo 145.o, n.o 1, e o artigo 89.o, n.o 3, alínea b), do referido regulamento, a apresentar um articulado de intervenção.

41      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de agosto de 2021, a Computer & Communications Industry Association pediu para intervir no presente processo em apoio do pedido da recorrente. Por Despacho de 6 de outubro de 2021, o presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral indeferiu esse pedido de intervenção.

42      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de agosto de 2021, a recorrente informou o Tribunal Geral do facto de ter adquirido, no mesmo dia, a totalidade das partes sociais da Grail, Inc., ao mesmo tempo que celebrou um acordo relativo à separação dos elementos do ativo.

43      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de outubro de 2021, a recorrente apresentou um pedido de medidas de organização do processo. A Comissão apresentou as suas observações sobre esse pedido em 19 de outubro de 2021. Em 29 de outubro de 2021, a recorrente apresentou observações sobre as referidas observações da Comissão.

44      As intervenientes apresentaram os respetivos articulados nos prazos fixados.

45      Em 7 de outubro de 2021, a Comissão requereu o afastamento da Grail enquanto interveniente. A recorrente, a República Helénica e a Grail apresentaram as suas observações sobre esse requerimento em 3 e 4 de novembro de 2021.

46      Tendo dois membros da secção cessado funções e um novo presidente sido eleito, o presidente da Terceira Secção, por Decisão de 19 de outubro de 2021, e em aplicação do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, lido em conjugação com o artigo 27.o, n.o 5, do referido regulamento, designou dois outros juízes para completar a formação de julgamento.

47      Em 11 de novembro de 2021, o Tribunal Geral (Terceira Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

48      No mesmo dia, o Tribunal Geral, no contexto das medidas de organização do processo ao abrigo do artigo 89.o, n.o 3, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo, interrogou por escrito a Comissão acerca de determinados aspetos do litígio. A Comissão respondeu a essas questões dentro do prazo fixado.

49      Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de dezembro de 2021, a recorrente apresentou um pedido de medidas de organização do processo. A Comissão, o Órgão de Fiscalização da EFTA, a Grail, a República Francesa e o Reino dos Países Baixos apresentaram as suas observações sobre esse pedido em 9 e 10 de dezembro de 2021.

50      As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões que o Tribunal Geral lhes colocou verbalmente na audiência de 16 de dezembro de 2021.

51      A recorrente, apoiada pela Grail, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular as decisões impugnadas e o ofício de informação;

–        condenar a Comissão nas despesas.

52      A Comissão, apoiada pelo Órgão de Fiscalização da EFTA, a República Helénica, a República Francesa e o Reino dos Países Baixos, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso por ser, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao pedido destinado a retirar o estatuto de interveniente à Grail

53      A Comissão, apoiada pela República Helénica, alega, no essencial, que, após a carta da recorrente de 18 de agosto de 2021 a informar o Tribunal Geral que tinha adquirido, no mesmo dia, a totalidade das partes sociais da Grail, Inc. (v. n.o 42, supra), esta tinha passado a designar‑se Grail LLC, ou seja, passara a ser uma nova entidade inteiramente controlada pela recorrente, pelo que a Grail tinha perdido a qualidade de interveniente que lhe fora reconhecida no Despacho de 2 de julho de 2021 (v. n.o 38, supra). Assim, do ponto de vista tanto económico como jurídico, a intervenção tinha perdido o seu objeto e os interesses da Grail LLC passaram a confundir‑se com os da recorrente, que os representava plenamente no âmbito do presente processo. Não tendo a Grail LLC apresentado um novo pedido de intervenção no prazo previsto no artigo 143.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Comissão conclui que o estatuto da Grail enquanto interveniente lhe devia ser formalmente retirado.

54      A recorrente e a Grail contestam os argumentos da Comissão, pois sendo a Grail LLC o sucessor legal da Grail, Inc., o interesse na solução do presente litígio subsiste. De acordo com as próprias declarações da Comissão, a Grail LLC é uma entidade distinta, independente e autónoma da recorrente, que efetua operações e prossegue uma estratégia distintas, sob uma direção independente.

55      Por um lado, basta sublinhar que a Grail LLC é uma pessoa coletiva, nos termos do direito das sociedades dos Estados Unidos da América, que é o sucessor legal da Grail, Inc. Assim, em conformidade com jurisprudência assente (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2012, Marine Harvest Norway e Alsaker Fjordbruk/Conselho, T‑113/06, não publicado, EU:T:2012:135, n.os 24 a 33), em 18 de agosto de 2021, a Grail LLC sucedeu à Grail, Inc. na qualidade de seu sucessor universal.

56      A este propósito, já foi declarado que um recurso de anulação interposto por uma pessoa coletiva pode ser prosseguido pelo seu sucessor universal, nomeadamente caso essa pessoa coletiva deixe de existir sendo o conjunto dos seus direitos e obrigações transmitidos para um novo titular, sendo que o referido sucessor universal substitui necessariamente de pleno direito o seu antecessor (v., neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2012, Marine Harvest Norway e Alsaker Fjordbruk/Conselho, T‑113/06, não publicado, EU:T:2012:135, n.o 28 e jurisprudência referida).

57      Por outro lado, embora a Grail LLC seja, decerto, integralmente controlada pela recorrente, não deixa de ser verdade que é uma entidade jurídica distinta com capacidade jurídica e que pode ter interesse na resolução da causa, conforme disposto no artigo 40.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, lido em conjugação com o artigo 53.o, primeiro parágrafo, do referido Estatuto. Isto é tanto mais verdadeiro quanto a recorrente celebrou um acordo relativo à separação dos elementos do ativo (v. n.o 42, supra) e a Comissão tomou, através da sua Decisão C(2021) 7675 final, de 29 de outubro de 2021 (processo COMP/M.10493 — Illumina/Grail), medidas provisórias ao abrigo do artigo 8.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004, que obrigavam a que a Grail LLC fosse preservada como entidade distinta, independente e autónoma da recorrente, prosseguindo operações e uma estratégia distintas, sob uma direção independente.

58      Daqui resulta que, no contexto do presente litígio, na sua qualidade de sucessor universal, a Grail LLC substituiu a Grail, Inc. enquanto interveniente à qual o dispositivo do Despacho do presidente da Terceira Secção alargada do Tribunal Geral de 2 de julho de 2021 (v. n.o 38, supra) é aplicável. A este respeito, importa precisar que a Grail LLC conserva, enquanto contraparte na concentração em causa, o seu interesse na resolução da causa ao mesmo título que o seu antecessor legal, a Grail, Inc. (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 21 de março de 2012, Marine Harvest Norway e Alsaker Fjordbruk/Conselho, T‑113/06, não publicado, EU:T:2012:135, n.o 30).

59      Por conseguinte, o pedido da Comissão destinado a retirar à Grail o estatuto de interveniente deve ser julgado improcedente.

 Quanto à admissibilidade

60      Sem formalmente suscitar uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a Comissão, apoiada pela República Helénica e pela República Francesa, alega que o presente recurso é inadmissível. Afirma, em primeiro lugar, que o pedido de remessa não é um ato da Comissão, em segundo lugar, que o ofício de informação foi substituído pela decisão impugnada e, em terceiro lugar, que as decisões impugnadas são atos preparatórios cujas ilegalidades podiam ser suscitadas no âmbito de um recurso interposto da decisão final sobre a concentração em causa.

61      A recorrente, apoiada pela Grail, considera que o presente recurso é admissível.

62      Em primeiro lugar, no que toca ao pedido de remessa, resulta da versão resumida da petição, designadamente do facto de no seu n.o 214 ter sido omitido o pedido relativo a essa remessa, que, no contexto da presente tramitação acelerada, o mesmo não faz parte do objeto do recurso. Por conseguinte, os argumentos da Comissão relativos a esse mesmo pedido são inoperantes e devem ser julgados improcedentes.

63      Em segundo lugar, no que respeita às decisões impugnadas, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, consideram‑se atos recorríveis na aceção do artigo 263.o TFUE todas as disposições adotadas pelas instituições da União, qualquer que seja a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos (Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão, C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 54; de 25 de outubro de 2017, Roménia/Comissão, C‑599/15 P, EU:C:2017:801, n.o 47, e de 22 de abril de 2021, thyssenkrupp Electrical Steel e thyssenkrupp Electrical Steel Ugo/Comissão, C‑572/18 P, EU:C:2021:317, n.o 46).

64      Para determinar se um ato produz efeitos vinculativos, importa considerar a sua substância. Esses efeitos devem ser apreciados em função de critérios objetivos, como o conteúdo desse ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da sua adoção, bem como os poderes da instituição autora (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão, C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 55; de 25 de outubro de 2017, Roménia/Comissão, C‑599/15 P, EU:C:2017:801, n.o 48, e de 22 de abril de 2021, thyssenkrupp Electrical Steel e thyssenkrupp Electrical Steel Ugo/Comissão, C‑572/18 P, EU:C:2021:317, n.o 48).

65      No caso de um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva, é necessário que os efeitos jurídicos vinculativos desse ato sejam suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 37, e de 25 de fevereiro de 2021, VodafoneZiggo Group/Comissão, C‑689/19 P, EU:C:2021:142, n.o 48 e jurisprudência referida).

66      Assim, constituem, em princípio, atos recorríveis as medidas que fixam definitivamente a posição de uma instituição no termo de um procedimento administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente, com exceção das medidas intercalares cujo objetivo é preparar a decisão final, que não produzem tais efeitos. Por conseguinte, as medidas intercalares que exprimem uma avaliação da instituição e cujo objetivo é preparar a decisão final não constituem, em princípio, atos que possam ser objeto de um recurso de anulação (v. Acórdão de 6 de maio de 2021, ABLV Bank e o./BCE, C‑551/19 P e C‑552/19 P, EU:C:2021:369, n.o 39 e jurisprudência referida).

67      No caso em apreço, as decisões impugnadas foram adotadas em conformidade com o disposto no artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004. Resulta dessa disposição que a apreciação das concentrações pela Comissão ao abrigo desse artigo assume a forma de decisão. Ora, nos termos do primeiro período do quarto parágrafo do artigo 288.o TFUE uma «decisão é obrigatória em todos os seus elementos». Por conseguinte, o legislador da União teve a intenção de atribuir caráter vinculativo a essas decisões (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 44).

68      Importa também sublinhar que as decisões impugnadas incluem a concentração em causa no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 139/2004, embora esta não possua dimensão europeia na aceção do seu artigo 1.o, de modo que esse regulamento não é aplicável por defeito. Em especial, as decisões impugnadas têm por efeito submeter essa concentração, de acordo com o disposto no artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do referido regulamento, ao artigo 2.o, ao artigo 4.o, n.os 2 e 3, e aos artigos 5.o, 6.o e 8.o a 21.o desse mesmo regulamento, os quais fixam os critérios de apreciação da referida concentração, os poderes decisórios da Comissão, bem como o procedimento e as eventuais sanções. Do mesmo modo, a obrigação de suspensão, prevista no artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004, é, segundo o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, segundo período, desse regulamento, aplicável à concentração em causa, impedindo a sua realização enquanto não for declarada compatível com o mercado interno.

69      Em contrapartida, conforme sustentado pela recorrente, se as decisões impugnadas não existissem, a concentração em causa não seria examinada pela Comissão no contexto do Regulamento n.o 139/2004, nem ficaria sujeita às obrigações e potenciais sanções previstas nesse regulamento, incluindo à obrigação de suspensão, mas poderia ter imediatamente lugar na União.

70      Por conseguinte, uma vez que todas as decisões que provocam uma modificação do regime jurídico aplicável ao exame de uma operação de concentração podem afetar a situação jurídica das partes na operação em causa, as decisões impugnadas produzem efeitos jurídicos vinculativos em relação à recorrente que são suscetíveis de afetar os seus interesses, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 30 de setembro de 2003, Cableuropa e o./Comissão, T‑346/02 e T‑347/02, EU:T:2003:256, n.os 61 e 64).

71      Além disso, ao pôr termo ao processo de remessa desencadeado pelo pedido de remessa apresentado ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, e que permitiu, em conformidade com o disposto no seu n.o 2, a apresentação dos pedidos de associação, as decisões impugnadas fixam definitivamente a posição da Comissão relativamente à remessa da concentração em causa. Com efeito, através dessas decisões, a Comissão, tendo em conta as observações das empresas em causa, aceitou os referidos pedidos e, por conseguinte, decidiu examinar a concentração em causa. De acordo com o procedimento previsto no artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, o local do exame da concentração encontra‑se assim definido, o que implica a transferência para a Comissão da competência para esse exame (v. n.os 68 a 70, supra). O caráter definitivo e irreversível das referidas decisões é confirmado, por um lado, pelo prazo de dez dias úteis, previsto no n.o 3, primeiro parágrafo, primeiro período, do referido artigo, em que a Comissão era obrigada a tomar uma decisão sobre a remessa, e, por outro, pelo facto de, na falta de uma tomada de posição, se presumir, de acordo com essa disposição, que essa decisão de exame foi adotada.

72      Assim, as decisões impugnadas põem termo ao processo de remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, que é um procedimento especial distinto daquele que permite à Comissão decidir sobre a autorização ou sobre a proibição da operação de concentração (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 11, e de 22 de abril de 2021, thyssenkrupp Electrical Steel e thyssenkrupp Electrical Steel Ugo/Comissão, C‑572/18 P, EU:C:2021:317, n.o 49).

73      Contrariamente ao entendimento da Comissão e da República Helénica, as decisões impugnadas não são comparáveis a uma decisão de dar início ao procedimento formal de exame, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, como o processo de controlo das concentrações comporta duas fases, uma decisão tomada com base nessa disposição nem constitui o termo último desse processo de controlo, nem prejudica a decisão final ao abrigo do artigo 8.o desse regulamento. Assim, uma decisão ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento é uma medida preparatória que tem como único objetivo o início de uma instrução destinada a apurar os elementos que virão a permitir à Comissão pronunciar‑se em decisão final sobre a compatibilidade da operação com o mercado interno (v., neste sentido, Despachos de 31 de janeiro de 2006, Schneider Electric/Comissão, T‑48/03, EU:T:2006:34, n.o 79, e de 27 de novembro de 2017, HeidelbergCement/Comissão, T‑902/16, não publicado, EU:T:2017:846, n.os 18, 21 e 22 e jurisprudência referida). Em contrapartida, as decisões impugnadas não se inscrevem no contexto da apreciação da compatibilidade da concentração em causa com o mercado interno, mas têm por objeto decidir definitivamente sobre a remessa dessa concentração pondo termo ao processo especial previsto no artigo 22.o do mesmo regulamento (v. n.os 71 e 72, supra). Com essas decisões, a Comissão, ao expor as razões que a levaram a considerar estarem satisfeitos os requisitos definidos nesse artigo, acolheu os pedidos de remessa e de associação, o que teve por efeito submeter a referida concentração ao Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 68, supra). As referidas decisões não constituem, portanto, medidas intercalares preparatórias da decisão de mérito, mas fixam a posição definitiva da Comissão sobre o pedido de remessa.

74      Por outro lado, o presente recurso não obriga o juiz da União a fazer uma apreciação nem sobre posições provisórias da Comissão, nem sobre questões relativamente às quais esta ainda não teve ocasião de se pronunciar, pelo que não poderia ter por consequência antecipar os debates quanto ao fundo e criar confusão entre as diferentes fases do procedimento administrativo e do processo judicial (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 20; de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 51, e de 15 de março de 2017, Stichting Woonpunt e o./Comissão, C‑415/15 P, EU:C:2017:216, n.o 45). Em especial, este recurso não é suscetível de levar o Tribunal Geral a pronunciar‑se sobre a questão da compatibilidade da concentração em causa com o mercado interno, que será objeto do processo de análise previsto no artigo 6.o do Regulamento n.o 139/2004, mas apenas sobre a legalidade da aceitação do pedido de remessa e do recurso à Comissão ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, bem como da modificação do regime jurídico aplicável que implica (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.o 52).

75      Em todo o caso, mesmo que se devesse considerar que as decisões impugnadas são atos intermédios prévios à decisão que põe termo ao processo de análise iniciado ao abrigo do artigo 6.o do Regulamento n.o 139/2004, importa recordar que um ato intermédio que produz efeitos jurídicos autónomos é suscetível de ser objeto de um recurso de anulação na medida em que não se pode sanar a ilegalidade associada a esse ato num recurso da decisão final de que este constitui uma fase de elaboração (Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento, C‑650/18, EU:C:2021:426, n.o 46). Ora, contrariamente ao que sustenta a Comissão, na medida em que as decisões impugnadas acarretam a aplicação do Regulamento n.o 139/2004 à concentração em causa e em que, em especial, a aplicação do artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004, lido em conjugação com o seu artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, segundo período, tem efeito suspensivo (v. n.o 68, supra), um recurso de anulação da decisão que põe termo ao processo de análise iniciado ao abrigo do artigo 6.o do Regulamento n.o 139/2004 não permite sanar as consequências do atraso na realização da concentração em causa devido à observância dessa obrigação de suspensão. As decisões impugnadas devem, portanto, poder ser objeto de um recurso de anulação.

76      Por conseguinte, as decisões impugnadas são atos recorríveis na aceção do artigo 263.o TFUE.

77      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela argumentação que a Comissão retira do Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, EU:T:1999:327). Com efeito, em primeiro lugar, nesse acórdão, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre a questão de saber se uma decisão de um Estado‑Membro favorável a um pedido de remessa é um ato recorrível. Em segundo lugar, também não era necessário considerar os efeitos jurídicos vinculativos dessa decisão, uma vez que o referido acórdão era relativo, conforme a própria Comissão admite, a um recurso interposto de uma decisão de mérito, concretamente uma declaração de incompatibilidade com o mercado interno com base no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89, que obstava à realização da concentração em causa de forma permanente. Em terceiro lugar, no processo que esteve na origem do Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, EU:T:1999:327), a violação do artigo 22.o desse regulamento foi invocada para contestar a competência da Comissão para dar início a um processo nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do referido regulamento e tinha por objeto a questão de saber se a Comissão tinha verificado de forma bastante se o pedido de remessa provinha de um Estado‑Membro. Por conseguinte, esse acórdão respondia a uma questão muito específica, não comparável à que se coloca no caso em apreço.

78      O presente recurso é, por conseguinte, admissível na medida em que é interposto das decisões impugnadas.

79      Em terceiro lugar, quanto ao ofício de informação, cabe recordar que serviu para informar as empresas em causa do pedido de remessa, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004. É certo que essa informação despoleta, por força do artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, desse regulamento, a obrigação de suspensão prevista no artigo 7.o do referido regulamento. Todavia, conforme a Comissão corretamente sustenta, o referido ofício não fixa a sua posição final sobre a apreciação da concentração em causa e não submete definitivamente a mencionada concentração à referida obrigação, mas tão só de forma provisória, a fim de salvaguardar o efeito útil de uma eventual decisão de remessa. Com efeito, a esse mesmo ofício seguiu‑se, no caso em apreço, a adoção das decisões impugnadas, por meio das quais a Comissão aceitou a remessa e submeteu definitivamente a concentração em causa ao âmbito de aplicação desse mesmo regulamento, incluindo à obrigação de suspensão (v. n.os 68 e 72, supra). Por conseguinte, o ofício de informação mais não representa do que uma etapa intermédia do processo de remessa, que termina com a tomada de posição definitiva da Comissão sobre o pedido de remessa, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004.

80      Logo, o ofício de informação constitui uma medida intercalar e preparatória das decisões impugnadas, na aceção da jurisprudência referida no n.o 66, supra. Por conseguinte, as eventuais ilegalidades que inquinam esse ofício podem, de acordo com a jurisprudência, ser invocadas como fundamento do recurso dirigido contra essas decisões, que, por seu lado, constituem atos recorríveis (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 12, e de 22 de abril de 2021, thyssenkrupp Electrical Steel e thyssenkrupp Electrical Steel Ugo/Comissão, C‑572/18 P, EU:C:2021:317, n.o 50).

81      Por conseguinte, o presente recurso é inadmissível na parte em que tem por objeto o ofício de informação.

82      Atento tudo o que precede, o presente recurso deve ser declarado admissível na parte em que tem por objeto a anulação das decisões impugnadas e inadmissível na parte em que tem por objeto o ofício de informação.

 Quanto ao mérito

 Resumo dos fundamentos de anulação

83      No contexto do presente processo com tramitação acelerada, a recorrente apresenta três fundamentos de recurso.

84      Com o primeiro fundamento, a recorrente alega que a Comissão não tem competência para dar início, ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, a um inquérito sobre uma concentração que não cumpre os requisitos que permitem ao Estado‑Membro que requereu a sua remessa à Comissão examiná‑lo ao abrigo da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações. Com o segundo fundamento, a recorrente entende que a remessa da concentração em causa foi requerida tardiamente e, a título subsidiário, que o atraso com que a Comissão enviou o convite viola o princípio da segurança jurídica e o direito a uma boa administração. Com o terceiro fundamento, a recorrente acusa a Comissão de ter violado os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, uma vez que o membro da Comissão responsável pela concorrência indicou que a política da Comissão não sofreria alterações antes da aprovação das orientações relativas ao artigo 22.o

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência da Comissão

85      A recorrente, apoiada pela Grail, alega que a Comissão interpretou erradamente o Regulamento n.o 139/2004 ao considerar, nas decisões impugnadas, poder aceitar um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o desse regulamento quando os Estados‑Membros que apresentam tal pedido não estão habilitados, por força da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, a examinar a concentração objeto do referido pedido. No essencial, a recorrente considera que, nessa situação, o objetivo residual do artigo 22.o do referido regulamento apenas permite a um Estado‑Membro que não dispõe desse sistema de controlo apresentar um pedido de remessa a fim de evitar que uma concentração que afete o seu território não seja objeto de qualquer análise. Em contrapartida, quando um Estado‑Membro adotou a sua própria legislação em matéria de controlo das concentrações, e, portanto, definiu as circunstâncias em que controla as concentrações que não possuem dimensão europeia, exerce a sua competência que lhe permite controlar as concentrações e os seus interesses ficam suficientemente protegidos. Para esse Estado‑Membro, os pedidos de remessa estão limitados aos casos abrangidos pela sua legislação de controlo, cujo âmbito de aplicação foi definido pelo legislador nacional. Não lhe era necessário um poder residual de remessa do exame de uma concentração à Comissão. Além disso, a recorrente e a Grail consideram que a posição da Comissão é incompatível com o objetivo de «balcão único», baseado em limiares de volume de negócios, e com o objetivo que consiste em permitir às autoridades nacionais competentes delegar o seu poder de apreciação na Comissão quando esta esteja mais bem colocada para apreciar uma concentração. Contestam a interpretação que a Comissão faz da letra do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 e acusam‑na de não ter em conta o seu contexto. Mais consideram que a posição defendida pela Comissão é igualmente contrária aos princípios da segurança jurídica, da subsidiariedade e da proporcionalidade e carece de uma alteração legislativa. Como o artigo 22.o desse regulamento tem caráter excecional, deve ser interpretado de forma estrita.

86      A Comissão, apoiada pela República Helénica, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos e o Órgão de Fiscalização da EFTA, responde, em substância, que a recorrente ignora o primado da interpretação literal e despreza o teor claro e preciso da primeira parte do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004. Como se trata de uma disposição legal que define os requisitos da sua competência, não seria necessária uma alteração legislativa. O referido artigo não estabelece qualquer distinção consoante o Estado‑Membro disponha, ou não, de um sistema nacional de controlo das concentrações e a interpretação da recorrente não era conciliável com o princípio da aplicação uniforme do direito da União e do EEE. Ao solicitar a remessa de uma operação à Comissão, o Estado‑Membro exerce uma competência possuidora de uma base autónoma em direito da União. Segundo a Comissão e a República Helénica, não é possível uma interpretação estrita para resolver a questão de saber se existe competência e esse tipo de interpretação não implica a introdução de exigências adicionais numa disposição quando aí não se encontram previstas. O sistema de balcão único não é um objetivo do Regulamento n.o 139/2004, mas um seu elemento importante. Além disso, a República Helénica, a República Francesa e o Órgão de Fiscalização da EFTA sublinham que os mecanismos de remessa funcionam como mecanismos de correção eficazes para permitir um controlo efetivo de todas as concentrações, em função do seu impacto na estrutura da concorrência na União.

87      No âmbito do presente fundamento, o Tribunal Geral é chamado a interpretar o âmbito do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, ao abrigo do qual a ACF formulou o seu pedido de remessa. Mais precisamente, o Tribunal Geral é chamado a examinar a questão de saber se, por força dessa disposição, a Comissão é competente para examinar uma concentração que tenha sido objeto de um pedido de remessa proveniente de um Estado‑Membro que dispõe de um sistema nacional de controlo das concentrações, embora essa concentração não integre o âmbito de aplicação dessa legislação nacional.

88      A este propósito, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tenha em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revelar elementos pertinentes para a sua interpretação [v. Acórdão de 25 de junho de 2020, A e o. (Turbinas eólicas em Aalter e Nevele), C‑24/19, EU:C:2020:503, n.o 37 e jurisprudência referida]. Importa, portanto, proceder a uma interpretação literal, contextual, teleológica e histórica do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004.

–       Quanto à interpretação literal

89      Importa observar que o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, na medida em que prevê que «[u]m ou mais Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que examine qualquer concentração, tal como definida no artigo 3.o, que não tenha dimensão [europeia] na aceção do artigo 1.o, mas que afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido», enuncia quatro requisitos cumulativos para autorizar a remessa de uma concentração à Comissão. Primeiro, o pedido de remessa deve provir de um ou mais Estados‑Membros, segundo, a operação objeto desse pedido deve corresponder à definição de concentração constante do artigo 3.o desse regulamento sem atingir os limiares de dimensão europeia fixados no artigo 1.o do referido regulamento, terceiro, essa concentração deve afetar o comércio entre Estados‑Membros e, quarto, a referida concentração deve ameaçar afetar de forma significativa a concorrência no território do ou dos Estados‑Membros que formularam o pedido de remessa.

90      Da letra dessa disposição não resulta, portanto, que, para que um Estado‑Membro possa remeter uma concentração à Comissão, essa concentração deva integrar o âmbito de aplicação da legislação relativa ao controlo das concentrações do referido Estado‑Membro, nem que este deva possuir esse sistema de controlo.

91      Pelo contrário, a expressão «qualquer concentração», conforme utilizada na primeira parte do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, indica, conforme a Comissão defende, que uma concentração pode ser objeto de uma remessa independentemente da existência ou do âmbito da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, desde que os requisitos cumulativos evocados no n.o 89, supra, se encontrem satisfeitos.

92      Em contrapartida, o requisito adicional preconizado pela recorrente e pela Grail, ou seja, que a concentração objeto de um pedido de remessa deve integrar o âmbito de aplicação da legislação relativa ao controlo das concentrações do Estado‑Membro que apresentou esse pedido, não resulta da letra do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004.

93      Além disso, como essa disposição não distingue os Estados‑Membros consoante tenham aprovado ou não uma legislação nacional para esse efeito, mesmo um Estado‑Membro que não disponha desse sistema, como o Grão‑Ducado do Luxemburgo, pode pedir a remessa de uma concentração à Comissão ao abrigo dessa disposição, o que a recorrente aceita.

94      Por conseguinte, sem permitir uma conclusão definitiva, a interpretação literal do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 indica que um Estado‑Membro pode remeter à Comissão qualquer concentração que cumpra os requisitos cumulativos ali enunciados, e isto independentemente da existência ou do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

95      Em seguida, o Tribunal Geral entende ser oportuno proceder a uma interpretação histórica, uma vez que esta é capaz de fornecer algumas precisões quanto à intenção do legislador da União quando aprovou o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, que importa ter em consideração no âmbito das interpretações teleológica e contextual desta disposição.

–       Quanto à interpretação histórica

96      Em primeiro lugar, o primeiro regulamento relativo ao controlo das operações de concentração de empresas, ou seja, o Regulamento n.o 4064/89, previa, no seu artigo 22.o, um mecanismo que permitia a remessa dos processos de concentração à Comissão. O n.o 3 desse artigo tinha o seguinte teor:

«Se verificar, a pedido de um Estado‑Membro, que uma operação de concentração, tal como definida no artigo 3.o mas sem dimensão comunitária na aceção do artigo 1.o, cria ou reforça uma posição dominante, dando assim origem a entraves significativos a uma concorrência efetiva no território do Estado‑Membro em questão, a Comissão pode, na medida em que essa concentração afete o comércio entre Estados‑Membros, tomar as decisões previstas nos n.o 2, segundo parágrafo, e n.os 3 e 4, do artigo 8.o»

97      Este mecanismo de remessa tinha sido especialmente concebido para os Estados‑Membros que ainda não dispunham de um sistema de controlo das concentrações [v. n.o 97 do Livro Verde da Comissão de 31 de janeiro de 1996 relativo à revisão do Regulamento sobre as concentrações, COM(96) 19 final; n.o 84 do Livro Verde da Comissão de 11 de dezembro de 2001 sobre a revisão do Regulamento n.o 4064/89 do Conselho, COM(2001) 745 final (a seguir «Livro Verde de 2001»), e n.o 21 da proposta da Comissão de regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento CE das concentrações») (JO 2003, C 20, p. 4; a seguir «proposta de 2003»)]. Mais precisamente, parece que o referido mecanismo de remessa decorre do desejo do Reino dos Países Baixos, que então não dispunha de um tal sistema, de sujeitar as concentrações com impacto negativo no seu território a um exame pela Comissão, desde que essas concentrações também afetassem o comércio entre Estados‑Membros, razão pela qual o referido mecanismo se denominou de «cláusula neerlandesa» [v. n.o 133 do documento de trabalho dos serviços da Comissão que acompanhou a comunicação da Comissão ao Conselho — Relatório sobre a aplicação do Regulamento n.o 139/2004 de 30 de junho de 2009, SEC(2009) 808 final/2].

98      O facto de o mecanismo de remessa, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89, se destinar principalmente aos Estados‑Membros que não dispunham do seu próprio sistema de controlo das concentrações não obstava, todavia, a que outros Estados‑Membros recorressem igualmente a esse mecanismo. Isto é confirmado pela utilização da expressão «em especial» no n.o 97 do Livro Verde da Comissão de 31 de janeiro de 1996 relativo à revisão do Regulamento das concentrações (v. n.o 97, supra), segundo o qual essa disposição «é geralmente considerad[a] como um instrumento útil, em especial para os Estados‑Membros que não dispõem atualmente de um sistema de controlo das concentrações». Nenhum elemento desse regulamento indicia que o legislador da União tivesse a intenção de reservar esse mecanismo a esses primeiros Estados ou de os privilegiar a esse respeito, designadamente numa situação como a aqui em apreço. Pelo contrário, o termo «Estado‑Membro», conforme utilizado na referida disposição, abrange todos os Estados‑Membros sem estabelecer qualquer distinção em função da existência, ou não, de um tal sistema de controlo. Assim, o considerando 29 do Regulamento n.o 4064/89 reconhece à Comissão o poder de intervir «a pedido de um Estado‑Membro interessado, nos casos em que uma concorrência efetiva corre o risco de ser entravada de modo significativo no território desse Estado‑Membro».

99      Atenta a criação sucessiva de sistemas nacionais de controlo das concentrações nos Estados‑Membros e o facto de, já à data do surgimento do Livro Verde de 2001, só o Grão‑Ducado do Luxemburgo não dispor de um tal sistema, a Comissão observou, no n.o 85 do Livro Verde de 2001, que, «[n]a prática, […] o âmbito potencial para a utilização do n.o 3 do artigo 22.o na sua forma inicial [era] muito limitado». Ora, a diminuição da sua importância prática para a grande maioria dos Estados‑Membros, graças ao facto de disporem desses sistemas nacionais de controlo, não significava necessariamente, contrariamente ao que a recorrente parece considerar, que o recurso ao artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89 lhes passasse a ficar vedado.

100    Em segundo lugar, os objetivos do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89 foram sendo sucessivamente alargados ao longo do tempo.

101    Com efeito, quando o número de sistemas nacionais de controlo das concentrações aumentou no interior da União, também se considerou que esse mecanismo de remessa era uma forma de reforçar a aplicação do direito comunitário da concorrência às operações com impacto transfronteiriço, bem como de garantir o princípio de «balcão único» e evitar o exame paralelo da mesma concentração por autoridades da concorrência de diversos Estados‑Membros. Esses objetivos encontram‑se refletidos, conforme exposto no n.o 86 do Livro Verde de 2001, nas modificações introduzidas pelo Regulamento (CE) n.o 1310/97 do Conselho, de 30 de junho de 1997, que altera o Regulamento (CEE) n.o 4064/89 (JO 1997, L 180, p. 1), que introduziu a possibilidade de diversos Estados‑Membros apresentarem pedidos de remessa conjuntos (v. considerando 13 do Regulamento n.o 1310/97).

102    Assim, o mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89 destinava‑se a permitir aos Estados‑Membros pedir à Comissão que examinasse uma concentração com efeitos transfronteiriços numa situação em que os limiares previstos no artigo 1.o desse regulamento, que, em princípio, delimitam o âmbito de aplicação do referido regulamento, não tinham sido atingidos. O artigo 1.o do Regulamento n.o 4064/89 refletia esse papel, na medida em que previa a aplicação desse regulamento a todas as operações de concentração de dimensão comunitária «sem prejuízo do artigo 22.o».

103    Contrariamente ao que a recorrente parece considerar quando refere o objetivo do Regulamento n.o 1310/97 de evitar notificações múltiplas e permitir o exame das concentrações pela autoridade mais bem colocada, conforme referido no comunicado de imprensa que acompanhou a proposta de 2003, os diversos objetivos prosseguidos pelo mecanismo de remessa não se excluem mutuamente, antes se completam. Com efeito, segundo o n.o 86 do Livro Verde de 2001, a intenção do legislador era simultaneamente de reforçar a aplicação do direito comunitário da concorrência em casos com efeitos transfronteiras, de reforçar o princípio do balcão único e de resolver o problema de notificações múltiplas (v. igualmente n.o 101, supra). Isto também encontra confirmação no facto de os objetivos terem sido sucessivamente ampliados ao longo do tempo, sem se ter renunciado aos objetivos iniciais desse mecanismo (v. n.os 97 a 99 e 101, supra).

104    Assim, a evolução dos objetivos do mecanismo de remessa previsto no artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89 não pode ser entendida no sentido de restringir o seu âmbito de aplicação, mas sim no sentido de realçar o objetivo de examinar concentrações com efeitos transfronteiriços.

105    Em terceiro lugar, esta interpretação é corroborada pela sequência dada à proposta de 2003 no contexto da revisão do Regulamento n.o 4064/89 e da adoção do Regulamento n.o 139/2004.

106    Com efeito, primeiro, a versão proposta em 2003 do artigo 22.o distinguia entre, por um lado, no seu n.o 1, um pedido de remessa apresentado por um ou vários Estados‑Membros em condições semelhantes às do atual artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e, por outro, no seu n.o 3, os pedidos de remessa emanados de pelo menos três «Estados‑Membros com competência para apreciar a concentração nos termos da respetiva legislação nacional em matéria de concorrência», situação em que se revelava uma dimensão europeia que sustentava a competência exclusiva da Comissão.

107    Ora, quando da adoção do Regulamento n.o 139/2004, esse n.o 3 não foi incluído no artigo 22.o, mas integrado, numa versão alterada, no artigo 4.o, n.o 5, do referido regulamento, que se refere, portanto, às concentrações que podem ser apreciadas ao abrigo da legislação nacional de concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros. Em contrapartida, a parte restante do artigo 22.o da proposta de 2003, designadamente o seu n.o 1, foi incluída sem alterações maiores. Ora, ao contrário do que ocorre no texto do artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004, o legislador da União não fez referência, no artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, à competência do Estado‑Membro no âmbito da sua legislação nacional. O que indica que o referido legislador não pretendia restringir o direito desse Estado‑Membro de pedir a remessa de «qualquer concentração» à Comissão.

108    Segundo, na proposta de 2003, a Comissão não acolheu a ideia de um «sistema obrigatório 3+», que consiste em conferir automaticamente uma dimensão europeia às concentrações notificáveis em pelo menos três Estados‑Membros, conforme proposto no Livro Verde de 2001 (v., designadamente, n.os 60 e 62 do referido Livro Verde). Considerou que esse sistema implicava a necessidade de se determinar se a concentração atingia os limiares de notificação em pelo menos três Estados‑Membros e que o facto de basear a sua competência em critérios ou conceitos nacionais diferentes para efeitos da interpretação dos limiares nacionais de notificação punha em causa a segurança jurídica, designadamente atento o risco de interpretações diferentes do direito nacional por ela própria, pelos Estados‑Membros e pelas partes na concentração (n.os 13 a 15 da proposta de 2003).

109    A Comissão privilegiou assim um recurso acrescido aos mecanismos de remessa, e designadamente ao previsto no artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 (n.o 18 da proposta de 2003), o qual, contrariamente ao «sistema obrigatório 3+», não parecia, portanto, implicar uma interpretação dos limiares nacionais de notificação. Tal corrobora a análise segundo a qual é possível efetuar uma remessa de uma concentração não abrangida pelo âmbito de aplicação da legislação relativa ao controlo das concentrações do Estado‑Membro que solicitou a sua remessa. Em contrapartida, a interpretação defendida pela recorrente careceria precisamente de uma interpretação prévia, pela Comissão, do âmbito da legislação nacional do Estado‑Membro requerente e podia suscitar interpretações divergentes por parte da Comissão e dos Estados‑Membros, problemática descrita no n.o 59 e na nota 11 do Livro Verde de 2001. Esta interpretação faria, portanto, depender a aplicação do referido artigo de requisitos que foram expressamente rejeitados no contexto do processo legislativo.

110    Além disso, o Tribunal Geral declarou, no Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, EU:T:1999:327, n.o 84), que não competia à Comissão decidir sobre a competência de uma autoridade nacional da concorrência para introduzir um pedido de remessa baseado no artigo 22.o do Regulamento n.o 4064/89, cabendo‑lhe apenas verificar se esse pedido era, à primeira vista, proveniente de um Estado‑Membro.

111    Terceiro, no n.o 21 da proposta de 2003, a Comissão recordou que «[u]ma das funções iniciais [desse artigo] consistia em permitir que os Estados‑Membros que não dispõem de legislação nacional de controlo das concentrações [lhe] remetessem […] os casos com efeitos no comércio entre Estados‑Membros». Ao indicar que só o Grão‑Ducado do Luxemburgo se encontrava ainda nessa situação, considerou que «não deverá ser completamente excluída a possibilidade de um único Estado‑Membro remeter casos para a Comissão». Se isto demonstra que o artigo 22.o do Regulamento n.o 4064/89 devia originariamente servir principalmente os Estados‑Membros que não dispunham de um sistema próprio de controlo das concentrações, a referência a «uma» das funções iniciais confirma a conclusão, enunciada nos n.os 98 e 99, supra, de que a aplicabilidade desse mesmo artigo não se limita a essa situação, mas abrange todos os Estados‑Membros, mesmo os que dispõem de um tal sistema.

112    Quarto, no n.o 22 da proposta de 2003, a Comissão sublinhou que o sistema de remessa simplificado que propunha se destinava, nomeadamente, a tornar a remessa do artigo 22.o aplicável na fase anterior à notificação, na medida em que «a principal deficiência do sistema consist[ia] no facto de as […] disposições em matéria de remessa apenas poderem ser aplicadas após a concentração ter sido notificada». Esta conclusão limita‑se a descrever a situação existente antes da adoção do Regulamento n.o 139/2004, caracterizada, conforme também se indica no referido n.o 22, por «uma grande perda de tempo e de eficácia administrativa», bem como por «uma sobrecarga e custos desnecessários às empresas objeto da concentração», uma vez que essas partes não dispunham da possibilidade de requerer a remessa de uma concentração numa fase precoce, disso informando diretamente a Comissão, sem passar pelas autoridades nacionais. Esta situação refere‑se apenas, portanto, às concentrações notificáveis no plano nacional. Ora, a adoção do artigo 4.o, n.os 4 e 5, do referido regulamento solucionou este problema ao permitir às partes numa concentração pedir para efetuar a sua remessa anteriormente à notificação. Em contrapartida, o artigo 22.o deste mesmo regulamento não viu o seu conteúdo ser alterado de forma substancial (v. n.o 107, supra). Importa recordar que o legislador da União definiu requisitos de aplicação diferentes para a remessa, ao abrigo desse artigo 22.o, de uma concentração à Comissão por um Estado‑Membro. Com efeito, por força do referido artigo, um Estado‑Membro que não disponha de legislação nacional em matéria de controlo das concentrações também pode, conforme resulta do n.o 21 da proposta de 2003, proceder a um pedido de remessa (v. n.o 111, supra), o que necessariamente obsta a qualquer notificação anterior nesse Estado.

113    Quinto, o n.o 24 da proposta de 2003 explica que, «os Estados‑Membros poderiam remeter para a Comissão, na primeira fase da aplicação do artigo 22.o, casos que não atingem os limiares de volume de negócios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 1.o do Regulamento das Concentrações mas que são suscetíveis de ter efeitos transfronteiras significativos». Assim, esse número confirma o objetivo de permitir à Comissão examinar concentrações transfronteiriças que não atinjam os limiares do sistema de controlo das concentrações da União (v. n.os 102 e 104, supra).

114    Sexto, à semelhança do artigo 1.o do Regulamento n.o 4064/89, o artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004 prevê a aplicação desse regulamento a todas as operações de concentração de dimensão europeia «[s]em prejuízo […] do artigo 22.o». O facto de essa formulação ter ficado praticamente inalterada ao longo do tempo e só ter sido completada, no Regulamento n.o 139/2004, pelo aditamento de uma referência ao artigo 4.o, n.o 5, deste regulamento (v. n.o 121, infra) indica que o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 se destina a permitir à Comissão examinar concentrações transfronteiriças que não atinjam os limiares do referido regulamento (v. n.o 102, supra).

115    Em quarto lugar, quanto à posição posterior da Comissão sobre o mecanismo de remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, conforme figura na comunicação relativa à remessa, no relatório de 18 de junho de 2009 sobre a aplicação do Regulamento n.o 139/2004 [COM(2009) 281 final], no Livro Branco de 2014, no documento de trabalho dos serviços da Comissão relativo à síntese da avaliação dos aspetos processuais e jurisdicionais do controlo das concentrações [da União] de 26 de março de 2021 [SWD(2021) 67 final] e nas orientações relativas ao artigo 22.o, importa recordar que esses documentos foram publicados após a adoção deste regulamento e, portanto, não podiam ser tidos em conta pelo legislador da União nessa fase. Por conseguinte, não são pertinentes para a interpretação histórica do referido regulamento e, por conseguinte, para a resolução do presente litígio.

116    Atento o conjunto das considerações que precedem, a interpretação histórica tende a confirmar que o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 permite aos Estados‑Membros, independentemente do âmbito da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, remeter à Comissão concentrações que não atingem os limiares de volume de negócios do artigo 1.o desse regulamento, mas que podem ter efeitos transfronteiriços significativos.

117    Esta conclusão não é posta em causa pelos considerandos invocados pela recorrente para demonstrar que a transferência dos poderes, no contexto de uma remessa, não se destina a ser utilizada quando um Estado‑Membro não tem competência para examinar a concentração em causa de acordo com o seu próprio sistema de controlo das concentrações. Com efeito, à semelhança do que a Comissão alega, o considerando 27 do Regulamento n.o 4064/89, segundo o qual os Estados‑Membros não podem aplicar a sua legislação nacional sobre concorrência às operações de concentração de dimensão comunitária, só diz respeito ao artigo 21.o do referido regulamento, o qual regula a repartição de competências entre a Comissão e os Estados‑Membros. A referência à proteção dos interesses dos Estados‑Membros constante do considerando 10 do Regulamento n.o 1310/97 reforça o objetivo de permitir que um Estado‑Membro faça examinar pela Comissão as concentrações com efeitos negativos no seu território. Encontra‑se uma referência semelhante no considerando 11 do Regulamento n.o 139/2004, que será examinado, em conjunto com os outros considerandos pertinentes do referido regulamento, no âmbito da interpretação teleológica (v. n.os 140 a 148, infra).

–       Quanto à interpretação contextual

118    Em primeiro lugar, no que toca à base jurídica do Regulamento n.o 139/2004, está indicado logo no início do preâmbulo que esse regulamento se baseia nos artigos 83.o e 308.o CE [atuais artigos 103.o e 352.o TFUE].

119    A este propósito, note‑se que, conforme se explica no considerando 7 do Regulamento n.o 139/2004, os artigos 81.o e 82.o CE [atuais artigos 101.o e 102.o TFUE], embora sendo aplicáveis a determinadas concentrações, «não são suficientes para abranger todas as operações suscetíveis de se revelarem incompatíveis com o regime de concorrência não falseada previsto no Tratado [CE]». Por conseguinte, este regulamento devia ter por base não apenas o artigo 83.o CE, mas também o artigo 308.o CE, por força do qual a União se pode dotar dos poderes de ação adicionais necessários à realização dos seus objetivos.

120    Ora, contrariamente ao que a recorrente parece entender, o facto de o Regulamento n.o 139/2004 também se basear no artigo 308.o CE não afeta a interpretação do artigo 22.o do referido regulamento, antes demonstrando apenas que o legislador da União pretendia recorrer a uma base jurídica suficientemente ampla para o sistema de controlo das concentrações da União, o que está em conformidade com o Protocolo (n.o 27) relativo ao mercado interno e à concorrência (JO 2016, C 202, p. 308), segundo o qual o mercado interno inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada e, para esse efeito, a União, se necessário, toma medidas ao abrigo do disposto nos Tratados, incluindo do artigo 352.o TFUE.

121    Em segundo lugar, o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, que define o âmbito de aplicação desse regulamento, faz expressamente referência ao seu artigo 22.o Mais precisamente, ficou previsto que, «[s]em prejuízo do n.o 5 do [seu] artigo 4.o e do [seu] artigo 22.o, o [referido] regulamento é aplicável a todas as concentrações de dimensão [europeia] definidas no presente artigo». Uma concentração tem dimensão europeia quando os limiares de volume de negócios previstos no artigo 1.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento são excedidos.

122    O artigo 4.o, n.o 5, e o artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 permitem a remessa à Comissão de uma concentração «que não tenha dimensão [europeia] na aceção do artigo 1.o [desse regulamento]». Essas disposições não se baseiam, portanto, em limiares de volume de negócios, mas noutros requisitos aí enunciados (v. n.o 126, infra).

123    Daqui decorre que o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 139/2004 e, por conseguinte, a competência de análise da Comissão no que toca às concentrações dependem, a título principal, do facto de serem excedidos os limiares de volume de negócios que definem a dimensão europeia e, a título subsidiário, dos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.o, n.o 5, e no artigo 22.o deste regulamento, que completam os referidos limiares ao autorizarem o exame, pela Comissão, de determinadas concentrações que não possuem dimensão europeia.

124    Por conseguinte, o artigo 22.o, dado o facto de ser expressamente mencionado no artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, faz parte das disposições desse regulamento que determinam a competência da Comissão em matéria de controlo das concentrações.

125    Em terceiro lugar, o artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004, que também permite, a pedido das partes e antes da sua notificação, que um Estado‑Membro remeta à Comissão uma concentração que não possui dimensão europeia, não é capaz de sustentar a interpretação do artigo 22.o deste regulamento defendida pela recorrente e pela Grail.

126    Com efeito, os respetivos requisitos de aplicação dessas duas disposições distinguem‑se fundamentalmente, porquanto a primeira prevê expressamente que a concentração objeto da remessa deve poder ser «apreciada no âmbito da legislação nacional de concorrência de, pelo menos, três Estados‑Membros», enquanto a segunda se aplica a «qualquer concentração […] que afete o comércio entre Estados‑Membros e ameace afetar significativamente a concorrência no território do Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentam o pedido [de remessa]». A menção, no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004, da legislação nacional da concorrência não figura no artigo 22.o desse regulamento. Esta diferença decorre, por um lado, da escolha do legislador da União de não restringir a possibilidade de um Estado‑Membro solicitar a remessa do exame de uma concentração à Comissão ao abrigo do artigo 22.o do referido regulamento (v. n.o 107, supra) bem como, por outro, das distintas finalidades dessas disposições. Enquanto o artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 visa, como a própria recorrente admite, permitir às partes numa concentração solicitar, numa fase precoce, a sua remessa à Comissão para evitar múltiplas notificações a diferentes autoridades nacionais competentes (v. considerando 16 deste regulamento e n.o 112, supra), o artigo 22.o do referido regulamento prossegue igualmente o objetivo mencionado nos n.os 102, 113 e 114, supra, de permitir o exame das concentrações transfronteiriças.

127    Em quarto lugar, o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 também não está alinhado pelos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.o, n.o 4, e no artigo 9.o deste regulamento, que regem a remessa de uma concentração de dimensão europeia às autoridades competentes de um Estado‑Membro.

128    Com efeito, embora, de acordo com o artigo 4.o, n.o 4, terceiro parágrafo, e com o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, essa concentração possa, respetivamente, a pedido das partes ou por iniciativa da Comissão, ser remetida «para as autoridades competentes» de um Estado‑Membro, o artigo 22.o, n.o 1, não faz referência a tais autoridades, mas a «[u]m ou mais Estados‑Membros» que «podem solicitar» a remessa de uma concentração à Comissão. Além disso, ao contrário do artigo 4.o, n.o 4, primeiro parágrafo, e do artigo 9.o, n.o 1, o artigo 22.o, n.o 1, não inclui a precisão «[a]ntes da notificação», nem pressupõe a existência de uma «concentração notificada», antes estando redigido mais abertamente na medida em que se aplica a «qualquer concentração».

129    Por conseguinte, o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 não pode ser interpretado à luz dos mecanismos de remessa previstos no artigo 4.o, n.o 4, e no artigo 9.o do referido regulamento. É o que decorre, nomeadamente, do facto de a referida disposição não exigir expressamente nem que a autoridade nacional da concorrência seja competente para examinar a concentração objeto da remessa, nem que essa concentração seja notificada.

130    Em quinto lugar, no que respeita à articulação entre o artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 e as outras disposições do referido artigo, importa, primeiro, observar que o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do referido regulamento determina que um pedido de remessa «deve ser apresentado no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa». Esta disposição regula, portanto, por um lado, as situações em que as concentrações são notificadas à autoridade nacional da concorrência competente e integram, assim, o âmbito de aplicação do sistema de controlo das concentrações desse Estado‑Membro e, por outro, conforme a Comissão e a República Francesa sustentam, as situações em que as concentrações não são notificadas, mas apenas dadas a conhecer ao Estado‑Membro em causa, ou porque não integram o âmbito de aplicação do referido sistema, ou porque esse sistema não existe. Por conseguinte, deste parágrafo não se pode inferir que o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 só se aplica aos Estados‑Membros que dispõem de um sistema nacional de controlo das concentrações quando as concentrações em causa integram o âmbito do referido sistema.

131    Segundo, a recorrente e a Grail não podiam extrair argumentos do facto de o artigo 22.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 estabelecer que «[a] Comissão deve informar sem demora as autoridades competentes dos Estados‑Membros e as empresas em causa dos pedidos [de remessa] que recebeu nos termos do n.o 1 [desse artigo]», pois a referência às «autoridades competentes» apenas pretende garantir que as autoridades nacionais normalmente encarregadas dos casos de concentração sejam informadas pela Comissão da existência de um pedido de remessa. Esta informação permite a essas autoridades tomar posição sobre a eventual apresentação de um pedido de associação ao abrigo do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, deste regulamento e constitui, portanto, um requisito prévio para que esse direito de associação possa ser efetivamente exercido. Em contrapartida, a referência às referidas autoridades nada diz sobre a extensão exata das suas competências de análise, ao abrigo da legislação nacional aplicável, relativa à concentração objeto do pedido de remessa que a Comissão não é obrigada a verificar (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão, T‑22/97, EU:T:1999:327, n.o 84).

132    Terceiro, o artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 estabelece que «[q]ualquer outro Estado‑Membro tem de se associar ao pedido inicial [de remessa]», o que é coerente com o seu n.o 1 e confirma que qualquer Estado‑Membro pode apresentar um pedido de remessa ou de associação ao abrigo desse artigo, independentemente do âmbito da sua legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

133    Quarto, o facto de, segundo o artigo 22.o, n.o 2, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, «[t]odos os prazos nacionais relativos à concentração são suspensos […]» significa apenas, contrariamente ao que a Grail defende, que, encontrando‑se a correr um prazo nacional desse tipo, o mesmo ficará suspenso. Isto é necessário para evitar que o tratamento de um pedido de remessa pela Comissão perturbe os sistemas nacionais de controlo das concentrações, cujos calendários de apreciação são muitas vezes bastante apertados. Em contrapartida, esta disposição não tem implicações se a concentração em causa não integrar o âmbito de aplicação de um tal sistema nacional, quando este último exista.

134    Quinto, na parte em que o artigo 22.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 estabelece que «[o] Estado‑Membro ou Estados‑Membros que apresentaram o pedido deixam de aplicar à concentração a sua legislação nacional de concorrência», o que se pretende, contrariamente ao que a recorrente considera, é garantir que as autoridades da concorrência desses Estados‑Membros não se manifestarão mais, num momento ulterior, sobre o mérito dessa concentração, contrariando as decisões tomadas pela Comissão. Esse risco poderia existir, nomeadamente, quando a conclusão final da Comissão não é partilhada pelas referidas autoridades. A fim de evitar qualquer contradição, esta disposição não se limita às regras relativas ao controlo das concentrações, antes estando redigida de forma mais abrangente, referindo‑se ao direito nacional da concorrência no seu conjunto. Em contrapartida, da referida disposição decorre que os Estados‑Membros que não efetuaram um pedido de remessa podem continuar a aplicar a sua própria legislação nacional da concorrência à concentração em causa. Por conseguinte, atenta a sua redação e os seus objetivos, não é possível concluir que o artigo 22.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 exija que a concentração objeto da remessa integre o âmbito de aplicação de uma legislação nacional de controlo.

135    Sexto, o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 dispõe que as regras previstas no artigo 2.o, no artigo 4.o, n.os 2 e 3, bem como nos artigos 5.o, 6.o e 8.o a 21.o do referido regulamento são aplicáveis quando a Comissão examine uma concentração que lhe foi remetida por um Estado‑Membro.

136    No que respeita à obrigação de suspensão constante do artigo 7.o do Regulamento n.o 139/2004, essa obrigação é, por força do artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, segundo período, deste regulamento, «aplicável na medida em que a concentração não tenha sido realizada na data em que a Comissão informar as empresas em causa de que foi apresentado um pedido». Esta disposição tem, portanto, em conta o facto de que, antes da apresentação do pedido de remessa, uma concentração que não tenha dimensão europeia não integra o âmbito de aplicação do Regulamento n.o 139/2004 e, por conseguinte, a referida obrigação de suspensão não obsta à realização da referida concentração. Todavia, para que essa concentração se possa realizar na União, é igualmente necessário que a sua suspensão não seja imposta por uma legislação nacional relativa ao controlo das concentrações de um Estado‑Membro. Daqui decorre que o artigo 22.o, n.o 4, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 cobre tanto as situações em que a concentração objeto do pedido de remessa não se inclui, como no caso em apreço, no âmbito de aplicação de nenhuma legislação nacional, como aquelas em que essa legislação é aplicável mas não prevê a sua suspensão.

137    Sétimo, de acordo com o artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004, «[a] Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.o 1 [desse artigo]». Como essa formulação apenas se refere a esses critérios, não exige que a referida concentração integre o âmbito de aplicação de uma legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

138    Oitavo, quanto às outras disposições do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, importa observar que as mesmas não contêm qualquer elemento pertinente que possa contribuir para melhor esclarecer o conteúdo do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do referido regulamento.

139    Por conseguinte, resulta da interpretação contextual que um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 pode ser apresentado independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

–       Quanto à interpretação teleológica

140    Em primeiro lugar, resulta dos considerandos 5, 6, 8, 24 e 25 do Regulamento n.o 139/2004 que o objetivo deste regulamento é permitir um controlo efetivo de todas as concentrações com impacto significativo na estrutura da concorrência na União. Por força do princípio do «balcão único», essas concentrações apenas são examinadas a nível da União.

141    Como se observou no âmbito da interpretação contextual (v. n.o 123, supra), de acordo com os seus considerandos 9 a 11, o referido regulamento pretende fazer depender a competência de análise da Comissão principalmente da ultrapassagem dos limiares de volume de negócios que definem a dimensão europeia, completando simultaneamente esses limiares com regras que regem a remessa das concentrações que devem constituir «mecanismo[s] de correção eficaz[es]».

142    Nessa ótica, os mecanismos de remessa são um instrumento destinado a sanar as lacunas no controlo inerentes a um sistema fundado principalmente em limiares de volume de negócios, que, devido à sua rigidez, não logra abranger todas as operações de concentração que merecem ser examinadas a nível europeu (v. igualmente n.os 102, 113 e 114, supra). Esses mecanismos criam, portanto, conforme sublinhado pela expressão «mecanismo de correção» utilizada no considerando 11 do Regulamento n.o 139/2004, uma competência subsidiária da Comissão que lhe confere a flexibilidade necessária para alcançar o objetivo deste regulamento que consiste em permitir um controlo das concentrações suscetíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno.

143    O artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 garante esse objetivo na medida em que introduz a flexibilidade necessária para que sejam examinadas, a nível da União, as operações suscetíveis de dificultar de forma significativa a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno que, de outro modo, por não serem ultrapassados os limiares de volume de negócios, escapariam a um controlo ao abrigo dos sistemas de controlo das concentrações tanto da União como dos Estados‑Membros.

144    Além disso, na medida em que, num caso, como o presente, em que não são ultrapassados os limiares de volume de negócios nos planos europeu e nacional, é apenas a Comissão que, a pedido de um ou mais Estados‑Membros, é competente para examinar essa operação de concentração, o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 integra‑se igualmente nos objetivos de proteção dos interesses dos Estados‑Membros, de subsidiariedade, de segurança jurídica, de evitar notificações múltiplas, de «balcão único» e de recurso à autoridade mais adequada, conforme enunciados nos considerandos 11, 12 e 14 deste regulamento.

145    Em segundo lugar, os considerandos 15 e 16 do Regulamento n.o 139/2004 recordam, no essencial, os requisitos de aplicação materiais a satisfazer para, por um lado, a Comissão ser autorizada a remeter uma concentração a um Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 4, ou do artigo 9.o deste regulamento, e, por outro, inversamente, uma concentração poder ser remetida à Comissão por um Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 5, ou do artigo 22.o do referido regulamento. Eles põem, assim, em evidência as diferenças entre o artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, por um lado, e o artigo 4.o, n.os 4 e 5, ou o artigo 9.o do referido regulamento, por outro, conforme expostas nos n.os 125 a 129, supra.

146    Mais precisamente, enquanto o considerando 16 do Regulamento n.o 139/2004, que diz respeito à remessa de uma concentração à Comissão antes da sua notificação, prevista no artigo 4.o, n.o 5, do referido regulamento, exige explicitamente que essa concentração «po[ssa] ser apreciada no âmbito da legislação nacional sobre a concorrência de pelo menos três Estados‑Membros», o considerando 15 do referido regulamento, que diz respeito a todas as outras formas de remessa das concentrações à Comissão, incluindo aquela a que se refere o artigo 22.o desse regulamento, não inclui uma tal exigência. Com efeito, este último considerando sublinha que um «Estado‑Membro deverá poder remeter para a Comissão uma concentração que não tenha dimensão [europeia] mas que afete o comércio entre os Estados‑Membros e que ameace afetar de forma significativa a concorrência dentro do seu território». Além disso, sublinha que «[a] Comissão deverá ter competência para analisar e tratar de uma concentração em nome de um Estado‑Membro requerente ou dos Estados‑Membros requerentes».

147    Por conseguinte, os considerandos 15 e 16 do Regulamento n.o 139/2004 corroboram a conclusão constante dos n.os 126 e 129, supra, segundo a qual os requisitos de aplicação do artigo 22.o deste regulamento se distinguem fundamentalmente daqueles dos outros mecanismos de remessa.

148    Atento o que precede, há que concluir que a interpretação teleológica confirma que um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 pode ser apresentado independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional em matéria de controlo das concentrações.

149    Esta conclusão não é posta em causa pela indicação de que «[o]utros Estados‑Membros que sejam também competentes para apreciar a concentração deverão poder associar‑se ao pedido», conforme utilizada no considerando 15 do Regulamento n.o 139/2004 e invocada pela recorrente e pela Grail para fundamentar a sua posição.

150    Com efeito, essa referência serve apenas para recordar que outros Estados‑Membros se podem associar ao pedido de remessa, de acordo com a possibilidade recentemente introduzida pelo artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, que completa a possibilidade de apresentar pedidos de remessa conjuntos, conforme introduzida pelo Regulamento n.o 1310/97 para evitar um exame paralelo da mesma concentração por diversos Estados‑Membros (v. n.o 101, supra). Neste contexto, atento o facto de o Regulamento n.o 139/2004 também pretender evitar esse exame paralelo (v. considerandos 12 e 14 deste regulamento), a mencionada referência descreve a hipótese de a concentração em causa integrar o âmbito de aplicação de diversos sistemas nacionais de controlo das concentrações. Esta interpretação encontra confirmação na parte restante do considerando 15 do mencionado regulamento que faz referência à suspensão dos prazos nacionais, o que pressupõe, conforme a Comissão sustenta, a aplicabilidade das regras desse sistema nacional. Por conseguinte, à semelhança do Órgão de Fiscalização da EFTA, há que concluir que esse considerando deve ser entendido no sentido de que descreve um dos cenários abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, ou seja, o que está na origem da introdução da possibilidade de associação a um pedido de remessa.

151    Em contrapartida, se o considerando 15 do Regulamento n.o 139/2004 devesse ser interpretado, contrariamente ao teor unívoco do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, deste regulamento (v. n.o 132, supra), no sentido de que exige que o Estado‑Membro seja competente ao abrigo da sua legislação nacional, um Estado‑Membro que não possua legislação sobre o controlo das concentrações, como o Grão‑Ducado do Luxemburgo, nunca se poderia associar a um pedido de remessa, ou se, como a recorrente parece preconizar, essa interpretação fosse alargada ao artigo 22.o, n.o 1, do referido regulamento, esse Estado nunca poderia apresentar um pedido de remessa. Ora, esse resultado, contrário à génese deste artigo (v. n.o 97, supra), nem sequer é reivindicado pela recorrente e pela Grail.

–       Quanto aos outros argumentos da recorrente e da Grail

152    Os outros argumentos da recorrente e da Grail não logram pôr em causa as considerações que precedem.

153    Em primeiro lugar, quanto à afirmação da recorrente de que um Estado‑Membro que definiu as condições em que controla as concentrações sem dimensão europeia «exerceu a sua competência», pelo que deixa de ter a possibilidade de remeter concentrações à Comissão, importa recordar que, conforme referido no último período do considerando 8 do Regulamento n.o 139/2004 e como resulta do artigo 21.o deste regulamento, todas as concentrações que não integram o âmbito deste regulamento são, em princípio, da competência dos Estados‑Membros. Segue‑se que, de acordo com o princípio da atribuição de competências consagrado no artigo 4.o, n.o 1, TUE, lido em conjugação com o artigo 5.o TUE, uma concentração que, por não terem sido excedidos os limiares de volume de negócios previstos no artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004, não integra o âmbito de aplicação deste regulamento é, por defeito, da competência dos Estados‑Membros. Por conseguinte, estes são, na ótica do direito da União, sempre competentes para apresentar um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o do referido regulamento.

154    Nesse contexto, importa esclarecer que a legislação nacional só se pode aplicar às concentrações que, em princípio, são da competência dos Estados‑Membros. É certo que, quando uma tal concentração, nomeadamente por não ter excedido os limiares de volume de negócios necessários, não se inclui no âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, as autoridades nacionais da concorrência não dispõem de competência para a examinar. Ora, esse resultado não significa, no entanto, que o Estado‑Membro tenha perdido ou declinado a sua competência geral em relação a todas as concentrações sem dimensão europeia, que por defeito são da sua competência, por força do princípio da atribuição de competências, mas apenas que, de acordo com o seu ordenamento jurídico interno, as suas autoridades não têm competência para atuar a nível nacional em relação a essa concentração. Este último aspeto diz respeito ao exercício ou à repartição das competências internas, pelo que a competência do Estado‑Membro para apresentar une pedido de remessa, ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, não pode dele depender.

155    Na medida em que esse artigo se refere expressamente aos «Estados‑Membros», confere‑lhes diretamente o direito de, nas condições ali definidas, pedir a remessa de uma concentração à Comissão. Ora, a tese da recorrente segundo a qual um Estado‑Membro pode perder um direito que lhe tenha sido conferido pelo direito da União ao aplicar a sua legislação nacional, não apenas é dificilmente compatível com as exigências do artigo 4.o, n.o 1, TUE, lido em conjugação com o artigo 5.o TUE (v. n.o 153, supra), como não encontra qualquer apoio na jurisprudência dos tribunais da União. Além disso, opõe‑se à aplicação uniforme do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, pois prejudica os Estados‑Membros que instituíram um sistema de controlo das concentrações relativamente aos que não dispõem desse sistema, pois estes poderiam pedir a remessa de qualquer concentração, enquanto os primeiros só o poderiam fazer em relação às concentrações que se incluem no âmbito de aplicação do referido sistema.

156    A irrelevância da legislação nacional para efeitos da aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 é confirmada pelo Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão (T‑22/97, EU:T:1999:327). Com efeito, no n.o 84 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que a Comissão, quando lhe é apresentado um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o, n.o 3, do Regulamento n.o 4064/89, apenas tem de verificar se esse pedido é, à primeira vista, proveniente de um Estado‑Membro, e não tem que se pronunciar sobre a competência, à luz da legislação nacional aplicável, da autoridade nacional que apresentou o referido pedido em nome e por conta desse Estado.

157    Em segundo lugar, no que respeita à alegada violação do princípio da subsidiariedade enunciado no artigo 5.o, n.os 1 e 3, TUE e implementado pelo Protocolo (n.o 2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade (JO 2016, C 202, p. 206), importa recordar que, por força desse princípio, a União intervém em domínios que não integram a sua competência exclusiva apenas se, e na medida em que, os objetivos da ação a empreender não puderem ser satisfatoriamente atingidos pelos Estados‑Membros, tanto a nível central como a nível regional e local, mas o puderem ser mais facilmente, devido à escala ou aos efeitos da ação a empreender, a nível da União.

158    Assim, o referido princípio decompõe‑se, por um lado, num critério negativo, segundo o qual os objetivos não podem ser satisfatoriamente atingidos pelos Estados‑Membros, e, por outro, num critério positivo, segundo o qual esses objetivos podem, devido à sua escala ou efeitos, ser mais facilmente atingidos a nível da União. Estes dois componentes do princípio da subsidiariedade referem‑se, em última análise, sob dois ângulos diferentes, a uma única questão, em concreto saber se há que agir a nível da União ou dos Estados‑Membros para realizar os referidos objetivos (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Pillbox 38, C‑477/14, EU:C:2015:854, n.o 165).

159    Cabe ao juiz da União fiscalizar o respeito do princípio da subsidiariedade (Acórdão de 4 de maio de 2016, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑358/14, EU:C:2016:323, n.o 113).

160    No caso em apreço, o princípio da subsidiariedade é aplicável a partir do momento em que o sistema de controlo das concentrações da União instituído pelo Regulamento n.o 139/2004 se baseia em parte no artigo 308.o CE [atual artigo 352.o TFUE] (v. n.o 118, supra), e não integra um domínio da competência exclusiva da União.

161    Como a recorrente não alega a ilegalidade do Regulamento n.o 139/2004, não contesta, conforme resulta dos considerandos 6 e 8 do referido regulamento, a sua conformidade com esse princípio. O controlo do referido princípio pelo Tribunal Geral limita‑se, portanto, à interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, conforme acolhida nas decisões impugnadas, segundo a qual é possível apresentar um pedido de remessa ao abrigo desta disposição independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

162    A este respeito, por um lado, importa observar que as concentrações que afetam o comércio entre Estados‑Membros podem ser mais facilmente controladas a nível da União. Em especial, por força do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão dispõe, para apreciar a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado interno, de critérios de apreciação bem como de competências mais amplas do que uma autoridade nacional da concorrência, cujos poderes estão limitados ao território de um único Estado‑Membro.

163    Por outro lado, a interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, conforme acolhida nas decisões impugnadas, permite aos Estados‑Membros fazer examinar pela Comissão as concentrações que, como no caso em apreço, não integram nem o âmbito de aplicação das suas legislações nacionais relativas ao controlo das concentrações, nem possuem uma dimensão europeia na aceção do artigo 1.o do referido regulamento, quando ameaçam afetar significativamente a concorrência nos respetivos territórios e afetam o comércio entre Estados‑Membros. Essa interpretação garante, portanto, que uma concentração que, malgrado esses importantes efeitos negativos, não é objeto de qualquer exame nem pelas autoridades nacionais nem pela Comissão, possa ser examinada por esta. Trata‑se, assim, de uma ação que não pode ser realizada pelos Estados‑Membros. Pelo contrário, nessa situação, é indispensável atuar ao nível da União.

164    Além disso, conforme a Comissão e a República Francesa sustentam, o respeito dos interesses dos Estados‑Membros também fica garantido pelo facto de, no contexto da aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, a Comissão só poder examinar as concentrações mediante pedido de remessa de um Estado‑Membro. Esses interesses ainda ficam mais protegidos devido ao âmbito territorial limitado do exame da concentração previsto no artigo 22.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do mencionado regulamento. Com efeito, segundo essa disposição, só o Estado‑Membro que, por sua própria iniciativa, formulou esse pedido deixa de poder aplicar a sua legislação nacional da concorrência à concentração em causa (v. n.o 134, supra).

165    Consequentemente, a interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, conforme acolhida nas decisões impugnadas, segundo a qual é possível apresentar um pedido de remessa ao abrigo desta disposição independentemente de o âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações respeita o princípio da subsidiariedade. Em especial, assegura, como referido no considerando 11 do Regulamento n.o 139/2004, que esse artigo constitui um mecanismo de correção eficaz à luz desse princípio ao proteger os interesses dos Estados‑Membros. Além disso, esta interpretação garante, de acordo com o considerando 14 do referido regulamento, que os processos serão tratados pela autoridade mais adequada, à luz do referido princípio (v. igualmente n.o 144, supra).

166    Esta conclusão não é posta em causa pela afirmação da recorrente segundo a qual o princípio da subsidiariedade limita a aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 relativamente aos Estados‑Membros que instituíram o seu próprio sistema nacional de controlo das concentrações, uma vez que esse princípio, conforme indicado no artigo 5, n.o 1, TUE, rege o exercício das competências da União, mas não o dos Estados‑Membros. Do mesmo modo, o Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o. (C‑547/14, EU:C:2016:325, n.os 216 a 218), conforme invocado pela recorrente, é irrelevante, dado que mais não faz do que evocar o exercício do controlo do princípio da subsidiariedade pelos parlamentos nacionais e pelo juiz da União.

167    Em terceiro lugar, no que respeita à alegada violação do princípio da proporcionalidade enunciado no artigo 5.o, n.os 1 e 4, TUE, cabe recordar que esse princípio determina que o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados.

168    Em especial, exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para a realização do objetivo pretendido, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados em relação aos objetivos prosseguidos (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de janeiro de 2017, Espanha/Conselho, C‑128/15, EU:C:2017:3, n.o 71; de 9 de dezembro de 2020, Groupe Canal +/Comissão, C‑132/19 P, EU:C:2020:1007, n.o 104, e de 20 de junho de 2018, České dráhy/Comissão, T‑325/16, EU:T:2018:368, n.o 113).

169    No caso em apreço, não tendo a recorrente alegado a ilegalidade do Regulamento n.o 139/2004 à luz do princípio da proporcionalidade, o controlo do referido princípio pelo Tribunal Geral está limitado à interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, conforme acolhida nas decisões impugnadas, segundo a qual é possível apresentar um pedido de remessa ao abrigo dessa disposição independentemente do âmbito da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

170    No que respeita ao número alegadamente elevado de concentrações que não possuem dimensão europeia e não integram um sistema nacional de controlo que seriam afetadas por essa interpretação, basta referir que se trata de um argumento sem suporte que não demonstra que a referida interpretação é desproporcionada face ao objetivo de examinar as concentrações passíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno. Do mesmo modo, também não pode vingar a afirmação segundo a qual essa mesma interpretação implica um processo pesado para as empresas, na medida em que lhes impõe uma notificação «informal», pois essa notificação não se encontra nem prevista no artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 nem é exigida por essa interpretação.

171    Por outro lado, a interpretação acolhida nas decisões impugnadas, segundo a qual os pedidos de remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 podem ser apresentados independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, apenas permite à Comissão examinar as concentrações ao abrigo desse artigo em determinados casos específicos e em condições bem definidas, ou seja, se estiverem satisfeitos os quatro requisitos cumulativos previstos no artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do mencionado regulamento (v. n.o 89, supra). Dadas essas condições de aplicação claras e precisas que restringem sensivelmente a margem de manobra da Comissão, essa mesma interpretação não é inadequada com vista à realização do objetivo de examinar as concentrações passíveis de dificultar significativamente a concorrência efetiva no mercado interno.

172    Por conseguinte, a interpretação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 acolhida nas decisões impugnadas respeita o princípio da proporcionalidade e, como o legislador da União reconheceu no considerando 6 deste regulamento, não excede o necessário para atingir o objetivo de garantir que a concorrência não é falseada no mercado interno.

173    Em quarto lugar, no que toca à pretensa violação do princípio da segurança jurídica, importa sublinhar que esse princípio, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige, por um lado, que as normas de direito sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos. O referido princípio exige, em particular, que a legislação permita aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que ela lhes impõe e que estes últimos possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (v. Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft, C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 127 e 128 e jurisprudência referida).

174    No caso em apreço, a interpretação defendida pela recorrente e pela Grail, que condiciona a aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 às exigências de um sistema nacional de controlo das concentrações ao mesmo tempo que prevê uma espécie de exceção para os Estados‑Membros que não dispõem de um tal sistema, suscita incertezas quanto às concentrações que integram o âmbito de aplicação da referida disposição.

175    Em especial, por um lado, essa interpretação origina insegurança jurídica no que respeita aos diferentes critérios e conceitos que determinam o âmbito de aplicação da legislação relativa ao controlo das concentrações existente nos Estados‑Membros. A aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 dependeria, portanto, de elementos que, devido à sua imprevisibilidade, foram rejeitados pela Comissão na sua proposta de 2003 (v. n.o 108, supra). Além disso, essa interpretação é contrária à jurisprudência segundo a qual não cabe à Comissão pronunciar‑se sobre a competência das autoridades de concorrência nacionais para efetuarem pedidos de remessa (Acórdão de 15 de dezembro de 1999, Kesko/Comissão, T‑22/97, EU:T:1999:327, n.o 84). Por outro lado, essa mesma interpretação não logra oferecer uma maior previsibilidade, pois um Estado‑Membro que não disponha de legislação em matéria de controlo das concentrações podia sempre pedir a remessa de um caso de concentração à Comissão ao abrigo deste artigo. Mais precisamente, a recorrente e a Grail não explicam como é que o princípio da segurança jurídica teria ficado mais bem salvaguardado se, no caso em apreço, tivesse sido o Grão‑Ducado do Luxemburgo, que não dispõe de uma tal legislação, a apresentar o pedido de remessa objeto da decisão impugnada em vez da República Francesa.

176    Em contrapartida, a interpretação acolhida nas decisões impugnadas, segundo a qual os pedidos de remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 podem ser apresentados independentemente do âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, faz depender a aplicação deste artigo apenas da satisfação dos quatro requisitos cumulativos enunciados no referido artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, conforme evocados no n.o 89, supra. Esses requisitos garantem que a aplicação desta disposição seja efetuada, como sustenta a Comissão, uniformemente na União.

177    É certo que a aplicação do mecanismo de remessa previsto no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 depende, por seu lado, do direito nacional da concorrência dos Estados‑Membros (v. n.o 126, supra). Todavia, isso explica‑se pelo objetivo de evitar a apreciação paralela da mesma concentração por diversas autoridades nacionais (v. igualmente n.o 126, supra), que justifica, como a própria recorrente admite, uma «referência aos organismos competentes a quem as notificações deviam ser efetuadas de outra forma». Ora, na medida em que o artigo 22.o do referido regulamento prossegue também outros objetivos, designadamente o de permitir, enquanto «mecanismo de correção», um controlo efetivo de todas as concentrações passíveis de dificultar significativamente a existência de uma concorrência efetiva no mercado interno e que, por não excederem os limiares de volume de negócios, escapam às legislações em matéria de controlo das concentrações da União e dos Estados‑Membros (v. designadamente n.os 102, 113, 114 e 142, supra), exige requisitos de aplicação claros e precisos baseados no direito da União.

178    Por conseguinte, só a interpretação acolhida nas decisões impugnadas garante a segurança jurídica necessária e a aplicação uniforme do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 na União.

179    Esta apreciação não é posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

180    Por um lado, na medida em que a recorrente faz referência à conclusão do Tribunal de Justiça, no Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão (C‑202/06 P, EU:C:2007:814, n.o 38), quanto à necessidade de identificar, de forma previsível, a autoridade competente para examinar uma operação de concentração, importa sublinhar que a interpretação acolhida nas decisões impugnadas não modifica a repartição clara de competências entre as autoridades nacionais e a União baseada nos limiares de volume de negócios previstos no artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004. Mais precisamente, não sendo ultrapassados esses limiares, são apenas as autoridades dos Estados‑Membros que têm competência para examinar a concentração em causa ou para proceder a um pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o desse regulamento (v. n.o 153, supra). As partes nessa concentração não estão, portanto, obrigadas a notificar essa concentração à Comissão nem a avaliar se os requisitos previstos no artigo 22.o, n.o 1, do referido regulamento estão preenchidos. Além disso, não existe o risco de lhes serem aplicadas sanções em caso de não transmissão ativa de um «dar conhecimento» na aceção do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, desse mesmo regulamento. Por conseguinte, a autoridade competente pode ser identificada de forma previsível.

181    Por outro lado, quanto ao argumento segundo o qual a Comissão tinha a possibilidade, em conformidade com o n.o 21 das orientações relativas ao artigo 22.o, de examinar as concentrações bastante tempo após a sua realização, cabe recordar que o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 determina que os pedidos de remessa ao abrigo desse artigo devem «ser apresentado[s] no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa». Conforme resulta do n.o 130, supra, esses prazos também se aplicam quando, nos casos em que os limiares de um sistema de controlo nacional das concentrações não são atingidos, a concentração é dada a conhecer ao Estado‑Membro. Assim, estando o pedido de remessa ao abrigo do artigo 22.o do referido regulamento sujeito a prazos precisos, o respeito do princípio da segurança jurídica fica garantido. O mesmo se passa em relação ao imperativo de celeridade no controlo das concentrações, conforme invocado pela recorrente ao referir‑se ao Acórdão de 14 de julho de 2006, Endesa/Comissão (T‑417/05, EU:T:2006:219, n.o 209), e à proteção da validade das transações, recordada no último período do considerando 34 do Regulamento n.o 139/2004, no qual a recorrente igualmente se baseia na sua argumentação.

182    Em quinto lugar, no que toca ao caráter excecional das remessas ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, conforme invocado pela recorrente, esse caráter fica preservado na interpretação acolhida nas decisões impugnadas, porquanto a competência de análise da Comissão continua a depender principalmente da ultrapassagem dos limiares de volume de negócios definidos no artigo 1.o do referido regulamento e o mecanismo de remessa ao abrigo do seu artigo 22.o apenas representa uma competência subsidiária que permite, em determinados casos específicos e em condições bem determinadas (v. designadamente os quatro requisitos de aplicação cumulativa expostos no n.o 89, supra), que uma concentração que escape a esses limiares apesar dos seus efeitos transfronteiriços também possa ser examinada pela Comissão a pedido de um ou mais Estados‑Membros, o que tem em conta a função desse artigo 22.o enquanto «mecanismo de correção». O mesmo se passa em relação à aplicação, por analogia, do Acórdão de 3 de abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão (T‑119/02, EU:T:2003:101, n.o 354), conforme invocado pela recorrente, que exige que as condições de remessa previstas pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 139/2004 sejam interpretadas restritivamente. Além disso, atentos os quatro requisitos de aplicação cumulativos expostos no n.o 89, supra, parece, conforme a República Francesa sustenta, que o número de operações passível de integrar o âmbito de aplicação do artigo 22.o do mencionado regulamento se mantém limitado.

183    Atendendo ao conjunto das considerações que precedem, tendo designadamente em atenção as interpretações literal, histórica, contextual e teleológica do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, há que concluir que os Estados‑Membros podem, nas condições ali referidas, apresentar um pedido de remessa ao abrigo dessa disposição independentemente do âmbito de aplicação da respetiva legislação nacional relativa ao controlo das concentrações.

184    Por conseguinte, foi corretamente que a Comissão, por meio das decisões impugnadas, aceitou o pedido de remessa e os pedidos de associação ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004. Contrariamente ao que a recorrente e a Grail entendem, para efeitos da aplicação dessa disposição ao caso em apreço não eram, portanto, necessárias nem uma alteração legislativa, nem uma revisão dos limiares de dimensão europeia.

185    Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo ao caráter intempestivo do pedido de remessa e, a título subsidiário, à violação dos princípios da segurança jurídica e da «boa administração»

–       Quanto à primeira parte, relativa ao caráter intempestivo do pedido de remessa

186    A recorrente, apoiada pela Grail, considera que o pedido de remessa foi apresentado após o termo do prazo fixado no artigo 22, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004. A Comissão cometeu um erro de direito ao concluir que, para se considerar que foi dado conhecimento na aceção dessa disposição, devia ter sido comunicada ao Estado‑Membro não apenas a existência da concentração, mas também as informações que permitem uma análise concorrencial preliminar da operação. A interpretação da Comissão leva a que as concentrações devessem ser notificadas de facto em todos os Estados‑Membros ainda que não sujeitas a uma obrigação de notificação. A recorrente e a Grail recordam que a concentração em causa foi objeto do comunicado de imprensa de 21 de setembro de 2020, dos exames preliminares da CMA em novembro e dezembro de 2020 e do «segundo pedido» da Federal Trade Commission (agência federal da concorrência dos Estados Unidos; a seguir «FTC») de 9 de novembro de 2020. Além disso, numa conferência que teve lugar em 23 de março de 2021, um responsável da ACF tinha declarado que a ACF vigiava o mercado à procura de concentrações elegíveis para a aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004. Tendo em conta estes elementos, a recorrente considera que a ACF teve provavelmente conhecimento da referida concentração antes de receber o convite. Atendendo a que esse convite, o pedido de remessa e o ofício de informação se fundam em informações do domínio público desde 21 de setembro de 2020, a ACF ou qualquer outra autoridade de um Estado‑Membro teriam podido proceder a uma análise preliminar da concentração em causa nessa data e, de qualquer modo, antes de 19 de fevereiro de 2021. A Grail acrescenta que a Comissão reconheceu ter encetado, antes do envio do convite, um diálogo com as autoridades nacionais a fim de determinar se uma delas era competente para efeitos da sua apreciação.

187    A Comissão e a República Francesa respondem, em substância, que «dar conhecimento», na aceção do artigo 22, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 implica deverem ser enviadas ao Estado‑Membro em causa informações específicas que lhe permitam proceder a uma avaliação preliminar dos requisitos substantivos dessa disposição. Consideram que o simples anúncio público da concentração em causa através do comunicado de imprensa invocado não podia dar início à contagem do prazo previsto na referida disposição e, em todo o caso, era insuficiente para permitir essa avaliação preliminar. Se assim não fosse, a eficácia das regras que regem a remessa das concentrações ficaria prejudicada. As empresas em causa deviam estar conscientes do facto de essa concentração poder dar origem a problemas de concorrência e, a fim de obter esclarecimentos sobre uma eventual remessa, poderiam ter transmitido às autoridades competentes dos Estados‑Membros e à Comissão as informações que tinham de fornecer à FTC e ao Department of Justice (Ministério da Justiça, Estados Unidos). A Comissão sustenta que a CMA se viu confrontada com uma situação diferente da da ACF, na medida em que, por um lado, foi contactada pelo queixoso e, por outro, já estava bem informada acerca das atividades da recorrente. Além disso, o seu exame também não teve lugar no prazo de quinze dias úteis a contar do anúncio da concentração em causa em 21 de setembro de 2020.

188    No contexto da primeira parte do segundo fundamento, o Tribunal Geral é chamado a interpretar o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, designadamente a expressão «foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa», correspondendo esse dar conhecimento, por força dessa disposição, ao início da contagem do prazo de quinze dias úteis para apresentar um pedido de remessa quando não seja necessária a notificação da concentração.

189    Para esse efeito, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 88, supra, importa proceder a uma interpretação literal, contextual, teleológica e histórica do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004. Neste contexto, há que ter em conta o facto de que os textos do direito da União são redigidos em várias línguas e todas as versões linguísticas fazem fé, o que pode requerer uma comparação dessas versões (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk, C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63, n.o 65, e de 14 de julho de 2016, Letónia/Comissão, T‑661/14, EU:T:2016:412, n.o 39 e jurisprudência referida).

190    Em primeiro lugar, no que toca à interpretação literal, recorde‑se que, segundo o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, «[e]sse pedido [de remessa] deve ser apresentado no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da data de notificação da concentração ou, caso não seja necessária notificação, da data em que foi dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa».

191    Assim, o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 faz depender o início da contagem do prazo de quinze dias úteis de duas condições alternativas, a saber, por um lado, da data de notificação da concentração objeto do pedido de remessa ou, por outro, se essa notificação não for necessária, do momento em que «foi dado conhecimento» dessa concentração ao Estado‑Membro em causa.

192    No que respeita a essa segunda condição alternativa, importa observar que a expressão «foi dado conhecimento» não dá indicações nem sobre a questão de saber se o conhecimento deve resultar de uma transmissão ativa de informações ou de um conhecimento passivo da concentração, nem sobre o teor das informações que devem estar na posse do Estado‑Membro para que se considere ter sido dado conhecimento. Quanto ao primeiro desses aspetos, cabe sublinhar que as diferentes versões linguísticas não coincidem. Enquanto dos termos utilizados, nomeadamente, nas versões alemã, inglesa, croata, espanhola, francesa, húngara, italiana, neerlandesa e portuguesa do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 resulta que «dar conhecimento» deve consistir numa «ação», nomeadamente numa «transmissão», a versão búlgara dessa disposição sugere que será suficiente um qualquer conhecimento da concentração em causa.

193    Esta divergência entre as diferentes versões linguísticas implica que o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado em função do contexto e da finalidade da legislação de que constitui um elemento (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 2016, Borealis Polyolefine e o., C‑191/14, C‑192/14, C‑295/14, C‑389/14 e C‑391/14 a C‑393/14, EU:C:2016:311, n.o 90, e de 26 de janeiro de 2021, Hessischer Rundfunk, C‑422/19 e C‑423/19, EU:C:2021:63, n.o 65 e jurisprudência referida).

194    Quanto ao segundo aspeto mencionado no n.o 192, supra, dado o silêncio de todas as versões linguísticas sobre a extensão e o conteúdo de «dar conhecimento» ao Estado‑Membro em causa, esses elementos devem ser determinados através de outros métodos de interpretação.

195    Em segundo lugar, a interpretação histórica também não permite esclarecer o conteúdo do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004.

196    Com efeito, em primeiro lugar, o verbo «comunicar», conforme utilizado no artigo 22.o, n.o 4, da versão inicial do Regulamento n.o 4064/89, corresponde à expressão «dar a conhecer» utilizada no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004. Em segundo lugar, a expressão «comunicada ao Estado‑Membro», conforme introduzida pelo Regulamento n.o 1310/97 no artigo 22.o, n.o 4, do Regulamento n.o 4064/89, era, como referido nos n.os 91, 92 e 98 do Livro Verde de 2001, tão imprecisa e ambígua como a expressão «da[r] conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa». Em terceiro lugar, apesar da intenção prosseguida pela proposta de 2003 de clarificar as regras processuais que regem a remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 4064/89 (v. n.o 27 dessa proposta), o Regulamento n.o 139/2004 não procedeu a essa clarificação.

197    Além disso, no que respeita, por um lado, à comunicação relativa à remessa e às orientações relativas ao artigo 22.o, que exigem a transmissão de um número suficiente de informações para permitir que se proceda a uma apreciação preliminar relativamente aos critérios da remessa (v. nota 43 dessa comunicação e 18 das referidas orientações), e, por outro, ao Livro Branco de 2014, que exige um simples conhecimento da concentração (v. n.o 69 do referido Livro Branco), importa recordar que esses documentos não são pertinentes para efeitos de uma interpretação histórica pois foram adotados após a adoção Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 115, supra).

198    Em terceiro lugar, no que toca à interpretação contextual, primeiro, o facto de a notificação e o «dar conhecimento» da concentração constituírem alternativas que, por força do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, desencadeiam as mesmas consequências jurídicas, ou seja, a contagem do prazo de quinze dias úteis (v. n.o 191, supra), indica por si só que o respetivo conteúdo deve ser comparável.

199    Segundo, conforme a República Francesa alega, o artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, na medida em que, na primeira parte desse parágrafo, faz referência ao «pedido [de remessa]», deve ser interpretado à luz do primeiro parágrafo dessa disposição, que define os requisitos dos pedidos de remessa (v. n.o 89, supra). Da relação entre esses dois parágrafos deve‑se inferir que «dar conhecimento» de uma concentração deve, conforme a Comissão sustenta, permitir ao Estado‑Membro em causa proceder a uma avaliação preliminar desses requisitos e ajuizar da oportunidade de apresentar um pedido de remessa. Se assim não fosse, esse Estado‑Membro podia ver‑se compelido, por mera cautela e apenas para respeitar o prazo de quinze dias úteis, a proceder a um pedido de remessa relativo a concentrações, embora não estivesse certo de que os referidos requisitos estivessem preenchidos.

200    Terceiro, os outros mecanismos de remessa constantes do artigo 4.o, n.os 4 e 5, e do artigo 9.o do Regulamento n.o 139/2004 preveem, à semelhança do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, desse regulamento, que os Estados‑Membros em causa dispõem de um prazo de quinze dias úteis para se pronunciarem sobre a remessa. O início da contagem desse prazo depende da transmissão de uma cópia da notificação ou de um memorando fundamentado, que deve, de acordo com o disposto no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 133, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1269/2013 da Comissão, de 5 de dezembro de 2013 (JO 2013, L 336, p. 1), conter um mínimo de informações equivalentes para que esse Estado‑Membro possa avaliar se os requisitos da remessa se encontram satisfeitos. Embora os requisitos de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 se distingam dos requisitos dos outros mecanismos de remessa (v. n.os 125 a 129, supra), afigura‑se coerente, no contexto de uma interpretação harmonizada deste regulamento, considerar‑se que a expressão «dar conhecimento», conforme utilizada no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do mencionado regulamento, implica a transmissão ativa de informações que possibilitam a avaliação dessas condições de aplicação.

201    Quarto, o artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, que regula os pedidos de associação, prevê igualmente um prazo de quinze dias úteis para a apresentação desses pedidos. Esse prazo começa a contar, segundo essa disposição, «após [as autoridades competentes dos Estados‑Membros] ter[em] sido informad[as] pela Comissão do pedido inicial». O início da contagem desse prazo também depende, portanto, da transmissão ativa de informações pertinentes.

202    Quinto, as outras normas que regem o sistema de controlo das concentrações da União também se baseiam no princípio da transmissão ativa de informações pertinentes. Assim, as concentrações com dimensão europeia na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004 devem, por força do artigo 4.o desse regulamento, ser notificadas à Comissão antes da sua realização e o prazo de apreciação só começa a correr, de acordo com o artigo 10.o, n.o 1, do referido regulamento, «no dia útil seguinte ao da receção da notificação ou, caso as informações a facultar na notificação estejam incompletas, no dia útil seguinte ao da receção das informações completas».

203    Ora, ao invocar, para efeitos do início da contagem do prazo previsto no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, o momento em que a concentração em causa foi tornada pública, designadamente através dos comunicados de imprensa e da cobertura mediática, a recorrente refere um elemento estranho ao sistema de controlo das concentrações da União em geral e aos seus mecanismos de remessa em particular, onde nem a Comissão nem as autoridades da concorrência dos Estados‑Membros são levadas a procurar ativamente informações sobre concentrações passíveis de serem examinadas ao abrigo desse sistema.

204    Assim, dado o contexto referido nos n.os 198 a 203, supra, cabe concluir que «dar conhecimento» na aceção do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 deve, no que respeita à forma, consistir numa transmissão ativa de informações pertinentes ao Estado‑Membro em causa e, quanto ao conteúdo, conter informações suficientes para que esse Estado‑Membro efetue uma avaliação preliminar dos requisitos definidos no primeiro parágrafo desse n.o 1.

205    Em quarto lugar, esta apreciação também é confirmada por uma interpretação teleológica do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004.

206    Com efeito, resulta dos considerandos 11 e 14 do Regulamento n.o 139/2004 que a remessa das concentrações deve ser efetuada eficazmente. O que exclui, conforme a Comissão e a República Francesa sustentam, uma interpretação do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do referido regulamento no sentido de os Estados‑Membros serem obrigados, por um lado, a controlar permanentemente os anúncios públicos sobre concentrações para identificar aquelas que podem ser objeto de uma remessa ao abrigo desse artigo e, por outro, a proceder preventivamente, para respeitar o prazo de quinze dias úteis, a um pedido de remessa de concentrações relativamente às quais não é certo que estejam preenchidos os requisitos de aplicação do referido artigo.

207    Além disso, só essa interpretação garante, no interesse da segurança jurídica, que o início da contagem do prazo fique claramente definido e seja igual para todas as concentrações passíveis de integrar o âmbito de aplicação do mencionado artigo 22.o caso a notificação não seja necessária. Com efeito, dar conhecimento por meio de uma transmissão ativa de um número suficiente de informações obsta a que o início do prazo dependa de circunstâncias imprevisíveis e incertas, como a dimensão da cobertura mediática ou o detalhe dos comunicados de imprensa. Também garante, no mesmo interesse, que, a partir desse momento, o Estado‑Membro em causa só dispõe de quinze dias úteis para apresentar um pedido de remessa.

208    Em quinto lugar, só a interpretação acolhida no n.o 204, supra, é compatível com o princípio da segurança jurídica, que exige, conforme resulta da jurisprudência enunciada no n.o 173, supra, que, por um lado, as normas de direito sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos. Em particular, esse princípio exige que a legislação permita aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que lhes impõe e que estes últimos possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade.

209    Com efeito, esta interpretação torna a aplicação do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 previsível para os particulares, na medida em que faz depender o início da contagem do prazo de quinze dias úteis de uma transmissão ativa de informações pertinentes que permitem ao Estado‑Membro interessado avaliar, a título prévio, se os requisitos do primeiro parágrafo desse n.o 1 se encontram satisfeitos. Assim, garante que o início da contagem desse prazo e as obrigações das partes numa concentração estejam claramente definidos (v. igualmente n.o 207, supra). Em especial, estas últimas podem, ao transmitir as referidas informações, ter a certeza de que o referido prazo começou a correr e que a apresentação de um pedido de remessa deixa de ser possível após o seu termo.

210    Em contrapartida, a posição da recorrente não permite essa previsibilidade ou essa clareza. Com efeito, por um lado, a recorrente parece fazer depender o início do prazo de quinze dias úteis de informações sobre a existência apenas da concentração. Ora, o simples conhecimento da existência da concentração não permite a um Estado‑Membro efetuar uma avaliação prévia dos requisitos de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004. Isso teria por efeito que o Estado‑Membro em causa devesse, quando não lograsse obter uma quantidade suficiente de informações para essa avaliação, proceder a um pedido de remessa por cautela, com o único objetivo de respeitar esse prazo, sem sequer saber se os referidos requisitos se encontravam satisfeitos (v. igualmente n.os 199 e 206, supra). Por outro lado, a recorrente refere‑se ao momento em que o Estado‑Membro poderia ter tomado conhecimento da concentração, o que implicava, na verdade, conforme a Comissão e a República Francesa sustentam, que os Estados‑Membros fossem obrigados, para não deixar escapar uma concentração passível de integrar o âmbito de aplicação do artigo 22.o desse regulamento, a vigiar continua e diligentemente a imprensa e os anúncios públicos do mundo inteiro (v. igualmente n.o 206, supra). Neste contexto, ficariam expostos a comunicados de imprensa e a uma cobertura mediática cuja dimensão, acessibilidade, língua, grau de detalhe e outras características podem variar significativamente (v. igualmente n.o 207, supra). Por conseguinte, a interpretação defendida pela recorrente é demasiado ambígua para permitir aos interessados conhecer claramente os respetivos direitos obrigações. Além disso, essa interpretação privaria, pela sua apreciável carga administrativa e pela sua falta de eficácia, o mecanismo de remessa, a que se refere o 22.o do referido regulamento, do seu efeito útil.

211    Atento o conjunto de considerações que precede, e dado, nomeadamente, o contexto e a finalidade do Regulamento n.o 139/2004 bem como o princípio da segurança jurídica, a expressão «foi dado conhecimento […] ao Estado‑Membro em causa», conforme consta do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, deste regulamento, deve ser interpretada no sentido de que exige uma transmissão ativa de informações pertinentes a esse Estado‑Membro que lhe permita avaliar, preliminarmente, se se encontram satisfeitos os requisitos para que se possa proceder a um pedido de remessa ao abrigo desse artigo. Por conseguinte, de acordo com esta interpretação, o prazo de quinze dias úteis previsto na referida disposição começa a contar, quando não seja necessário notificar a concentração, a partir do momento em que essas informações foram transmitidas.

212    No caso em apreço, é pacífico que as empresas em questão nunca transmitiram ativamente quaisquer informações sobre a concentração em causa à ACF ou às autoridades da concorrência dos Estados‑Membros que apresentaram pedidos de associação. A recorrente e a Grail nunca demonstraram que essas autoridades obtiveram, antes da receção do convite, informações pertinentes que lhes permitissem proceder a uma avaliação preliminar dos requisitos de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, através de outras fontes ou meios, antes se tendo limitado a supor que a ACF tinha «provavelmente tido conhecimento» da concentração em causa antes desse momento. Ora, resulta do n.o 25 da decisão impugnada que a ACF confirmou à Comissão, na sua mensagem de correio eletrónico de 29 de março de 2021, não ser esse o caso. A República Francesa também sublinhou, nas suas observações de 6 de dezembro de 2021 relativas ao pedido de medidas de organização do processo da recorrente, que a ACF só tinha tido conhecimento dessa concentração em 19 de fevereiro de 2021, data em que a Comissão enviou o convite e apresentou a referida concentração às autoridades nacionais da concorrência no âmbito do grupo de trabalho sobre as concentrações da rede europeia da concorrência (v. n.o 12, supra). Quanto às autoridades dos outros Estados‑Membros, resulta da resposta da Comissão a uma questão que o Tribunal Geral lhe colocou por escrito que, antes dessa data, só tinha trocado pontos de vista com as autoridades da concorrência alemã, austríaca, eslovena e sueca, a fim de determinar se eram competentes para examinar a concentração em causa (v. igualmente n.o 11, supra). Ora, essas trocas de pontos de vista são irrelevantes para a resolução do presente litígio, uma vez que essas autoridades não apresentaram nem pedido de remessa nem pedido de associação ao abrigo do artigo 22.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 139/2004.

213    Além disso, não existindo provas da transmissão ativa de informações pertinentes, nem pelas empresas em causa nem através de outras fontes ou meios, à ACF ou às autoridades da concorrência dos Estados‑Membros que formularam os pedidos de associação, torna‑se irrelevante a questão de saber se o convite, o pedido de remessa e o ofício de informação se baseavam em informações que eram do conhecimento público em 21 de setembro de 2020. O mesmo se passa em relação ao facto de a CMA ter examinado a concentração em causa em novembro e dezembro de 2020.

214    Por conseguinte, à semelhança do que a República Francesa sublinha, e conforme resulta do n.o 20 da decisão impugnada, no caso em apreço, foi o convite que permitiu a essas autoridades da concorrência efetuar uma avaliação preliminar dos requisitos de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, e que constitui, portanto, o «foi dado conhecimento» na aceção do segundo parágrafo desse n.o 1. Sendo esse convite datado de 19 de fevereiro de 2021 e tendo o pedido de remessa sido apresentado em 9 de março de 2021 (v. n.os 12 e 14, supra), o prazo de quinze dias úteis previsto nessa disposição foi observado e o referido convite não pode ser qualificado de intempestivo.

215    Por conseguinte, a primeira parte do segundo fundamento não procede e deve ser rejeitada.

–       Quanto à segunda parte, relativa à violação dos princípios da segurança jurídica e da «boa administração»

216    No âmbito da segunda parte do presente fundamento, a recorrente sustenta que, mesmo considerando que, através do convite, foi «dado conhecimento» da concentração em causa às autoridades francesas ou às autoridades que solicitaram associar‑se ao pedido de remessa, o atraso com que a Comissão enviou o referido convite era contrário ao princípio fundamental da segurança jurídica e à obrigação de atuar dentro de um prazo razoável, por força do princípio da «boa administração».

217    Na data em que o ofício de informação foi enviado, a Comissão já tinha conhecimento da existência da concentração em causa há meses graças a elementos de informação provenientes do domínio público, da FTC e de um terceiro. A Comissão e a FTC informavam‑se mutuamente das operações de concentração, designadamente antes de a FTC formular, como no caso em apreço, em 9 de novembro de 2020, um «segundo pedido». Resulta da decisão impugnada que, na sequência da apresentação de uma queixa, a Comissão teve conhecimento dessa concentração e dos potenciais problemas de concorrência que suscitava em dezembro de 2020 e que tinha discutido o assunto com outra autoridade da concorrência não nomeada, mas que a recorrente supõe tratar‑se da CMA, que tinha procedido a uma avaliação preliminar da referida concentração em novembro e dezembro de 2020.

218    A recorrente e a Grail sustentam, com apoio no Acórdão de 5 de outubro de 2004, Eagle e o./Comissão (T‑144/02, EU:T:2004:290, n.os 57 e 58), que a Comissão é obrigada a observar um prazo razoável. Tendo o legislador da União definido prazos curtos para o controlo das concentrações, designadamente no âmbito do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, o facto de a Comissão ter demorado vários meses a enviar o convite era contrário a uma boa administração e ao princípio fundamental da segurança jurídica, o que tinha impedido as empresas em causa de saber, o mais cedo possível, quais as autoridades da concorrência competentes para conhecer da concentração em causa. A este respeito, a Comissão era obrigada a atuar com a maior celeridade para não violar o prazo de quinze dias úteis e a exercer os seus poderes com o maior cuidado e diligência. A Grail afirma, em substância, que o Acórdão de 5 de outubro de 2004, Eagle e o./Comissão (T‑144/02, EU:T:2004:290, n.os 57 e 58), se refere a situações em que as disposições legais não definem expressamente um prazo, pelo que o prazo razoável para enviar um convite ao abrigo do artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 devia ser interpretado à luz dessa jurisprudência. Foi com um atraso excessivo que a Comissão atuou e informou as empresas em causa da sua intenção de aplicar à concentração em causa a sua nova abordagem relativa ao artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, violando o princípio da segurança jurídica. Segundo a Grail, a Comissão não pode dispor de mais tempo para enviar esse convite do que aquele de que dispõem os Estados‑Membros para determinar se os requisitos definidos no artigo 22.o, n.o 1, do mencionado regulamento se encontram preenchidos, o que também decorre do objetivo de as remessas serem decididas o mais rapidamente possível. Na audiência, em resposta a uma questão que o Tribunal Geral colocou verbalmente, a recorrente e a Grail esclareceram, no essencial, que, ao proceder desse modo, a Comissão também tinha desrespeitado os seus direitos de defesa, designadamente porque ao não terem tido a oportunidade de apresentar observações em tempo útil ficaram privadas da possibilidade de obter a correção de erros factuais significativos, o que ficou registado na ata da audiência.

219    A recorrente e a Grail consideram que Comissão conhecia ou podia ter tido conhecimento suficiente dos factos desde setembro de 2020 para enviar um convite. As informações pertinentes eram do domínio público desde o anúncio da concentração em causa, o que era confirmado pelo facto de os elementos de prova mencionados no convite datarem, no máximo, desse mês e de a Comissão mencionar, na sua contestação, um relatório de 21 de setembro de 2020. Mesmo após ter recebido a queixa, a Comissão aguardou cerca de dois meses até enviar esse convite. A Grail contesta o caráter diligente da instrução conduzida pela Comissão durante esse período, na medida em que esta se tinha limitado a verificar informações do domínio público e as alegações do queixoso, sem no entanto contactar as empresas em causa. Além disso, o argumento aduzido pela Comissão para justificar o tempo decorrido até ao envio do convite, ou seja, a análise «aprofundada» das potenciais consequências da concentração em causa, contraria a sua afirmação segundo a qual o referido convite apenas contém uma conclusão preliminar.

220    A Comissão, apoiada pela República Helénica, contesta os argumentos da recorrente. Em especial, a FTC não a tinha informado do seu inquérito antes da receção da queixa em 7 de dezembro de 2020, nem a CMA a tinha informado do seu exame da concentração em causa. De todo o modo, tinha atuado num prazo razoável após ter recebido essa queixa. O prazo de quinze dias úteis só se aplicava após ter sido dado conhecimento da concentração ao Estado‑Membro em causa, enquanto um convite, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004, podia ser feito sem ter sido dado esse conhecimento da concentração. A recorrente não punha em causa a evolução dos factos expostos nos n.os 5 a 7 da decisão impugnada que demonstram que, após ter sido contactada pelo queixoso, a Comissão tinha atuado com diligência e sem atrasos injustificados, designadamente para verificar as suas alegações e examinar, aprofundadamente, as potenciais consequências da concentração em causa. Além disso, tinha encetado um diálogo com as autoridades nacionais para determinar se alguma seria competente para apreciar essa concentração, pelo que a duração da sua avaliação tinha sido adequada face à da CMA para avaliar o eventual impacto da concentração em causa no Reino Unido. A Comissão também contesta os argumentos da recorrente relativos ao princípio da segurança jurídica. Em especial, a recorrente não explica como é que o alegado atraso afetou o conteúdo da decisão impugnada ou a situação jurídica das empresas em causa. Na audiência, sublinhou que a recorrente e a Grail não tinham alegado que os seus direitos de defesa tinham sido violados devido ao pretenso caráter irrazoável do prazo e ao seu atraso, conforme exigido pela jurisprudência, nem especificado as razões pelas quais essa violação ocorrera.

221    O artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 não impõe um prazo expresso à Comissão para informar, nos termos do n.o 5, os Estados‑Membros de uma concentração que cumpra os critérios para uma remessa.

222    Com efeito, o artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 limita‑se a enunciar que «[a] Comissão pode informar um ou mais Estados‑Membros de que considera que uma concentração preenche os critérios referidos no n.o 1» e que, «[n]esses casos, a Comissão pode convid[á‑los] a apresentarem um pedido nos termos do n.o 1».

223    Contudo, a observância de um prazo razoável na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral do direito da União que é assumido, como componente do direito a uma boa administração, pelo artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais da União. Todavia, a violação do princípio do prazo razoável não pode justificar a anulação de uma decisão que, por si só, viola também os direitos de defesa da empresa em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de fevereiro de 2009, Omya/Comissão, T‑145/06, EU:T:2009:27, n.o 84 e jurisprudência referida, e de 17 de dezembro de 2015, SNCF/Comissão, T‑242/12, EU:T:2015:1003, n.os 392 e 393 e jurisprudência referida). Além disso, a exigência fundamental de segurança jurídica, que se opõe a que a Comissão possa, na falta de um prazo definido no ato legislativo aplicável, atrasar indefinidamente o exercício dos seus poderes, conduz o juiz da União a examinar se o desenrolar do procedimento administrativo revela a existência de uma atuação demasiado tardia da parte dessa instituição (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de setembro de 2002, Falck e Acciaierie di Bolzano/Comissão, C‑74/00 P e C‑75/00 P, EU:C:2002:524, n.os 140 e 141, e de 22 de abril de 2016, Itália e Eurallumina/Comissão, T‑60/06 RENV II e T‑62/06 RENV II, EU:T:2016:233, n.os 180 e 182 e jurisprudência referida).

224    Quando a duração do processo não é fixada por uma disposição do direito da União, o caráter razoável do prazo tomado pela instituição para adotar o ato em causa deve ser apreciado em função do conjunto das circunstâncias próprias de cada processo, como a sua complexidade e a importância do litígio para o interessado (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, EU:C:2007:52, n.o 116; de 28 de fevereiro de 2013, Reapreciação Arango Jaramillo e o./BEI, C‑334/12 RX—II, EU:C:2013:134, n.os 28 e 29, e de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 82).

225    Atentos estes princípios jurisprudenciais, quando, como no caso em apreço, são dadas a conhecer à Comissão, através de uma queixa, informações que lhe permitem apreciar se uma concentração satisfaz os requisitos de aplicação do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, esta não pode adiar sine die a comunicação aos Estados‑Membros das suas intenções ao abrigo do n.o 5 dessa disposição. Pelo contrário, nesse caso, é obrigada a tomar posição, eventualmente, após ter efetuado as verificações e as análises preliminares necessárias, dentro de um prazo razoável sobre a questão de saber se estão preenchidos os requisitos de um pedido de remessa e se há que disso informar o ou os Estados‑Membros em causa.

226    De acordo com a jurisprudência referida no n.o 224, supra, para efeitos da aplicação do artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 na perspetiva do princípio do prazo razoável, há que ter em consideração os objetivos fundamentais de eficácia e de celeridade subjacentes ao referido regulamento (v. n.os 206 e 207, supra), bem como o facto, de resto corretamente sublinhado pela recorrente, de que o legislador da União pretendia definir uma repartição clara das intervenções das autoridades nacionais e da União e pretendeu garantir um controlo das operações de concentração dentro de prazos simultaneamente compatíveis com as exigências de uma boa administração e com as exigências da vida empresarial (v., neste sentido, Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, C‑202/06 P, EU:C:2007:814, n.o 37 e jurisprudência referida), e, portanto, os desafios do processo de controlo das concentrações para as empresas em causa. Do mesmo modo, para garantir a maior segurança jurídica possível, bem como uma boa e eficiente atividade administrativa dentro de prazos curtos, é necessário que a autoridade competente para apreciar uma dada concentração seja designada o mais cedo possível (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, C‑202/06 P, EU:C:2007:255, n.o 44).

227    Atentos os princípios jurisprudenciais expostos nos n.os 223 a 226, supra, o Tribunal Geral considera oportuno examinar, num primeiro momento, se, ao aplicar o artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004 ao caso em apreço, a Comissão observou as regras decorrentes do princípio do prazo razoável e, num segundo momento, se a eventual inobservância deste princípio conduziu a uma violação dos direitos de defesa da recorrente.

228    Em primeiro lugar, no que toca à observância do princípio do prazo razoável, resulta dos elementos de informação adicionais fornecidos pela Comissão em resposta uma questão que o Tribunal Geral colocou por escrito que esta teve conhecimento da existência da concentração em causa em 7 de dezembro de 2020 após a apresentação de uma queixa (v. n.o 11, supra). A partir dessa data, decorreu portanto um período de 47 dias úteis até ao envio do convite, em 19 de fevereiro de 2021 (v. n.o 12, supra).

229    Durante esse período, conforme resulta, nomeadamente, dos n.os 5 e 6 da decisão impugnada e das respostas dadas a uma questão que o Tribunal Geral colocou por escrito, a Comissão manteve uma videoconferência com o queixoso em 17 de dezembro de 2020 a propósito da concentração em causa, manteve contactos adicionais com ele, realizou pesquisas de mercado e manteve contactos com as autoridades da concorrência potencialmente competentes de quatro Estados‑Membros, bem como com a CMA, a qual também tinha sido apresentada a queixa (v. n.o 11, supra).

230    No que respeita aos elementos de informação sobre a concentração em causa, resulta do convite que a Comissão se baseou, designadamente, em comunicados de imprensa, relatórios, prospetos e apresentações que estavam à disposição do público na Internet e tinham sido publicados o mais tardar até 21 de setembro de 2020 (v. notas n.os 1 e 5 a 9 desse convite), data em que a concentração em causa foi publicamente anunciada (v. n.o 8, supra). Aí também se indica que essa concentração estava a ser examinada pela FTC, cujo «segundo pedido», de acordo com as informações fornecidas após a questão que o Tribunal Geral colocou por escrito, tinha sido levado ao seu conhecimento na videoconferência de 17 de dezembro de 2020, e faz‑se referência ao formulário «S‑4» da Securities and Exchange Commission (Comissão das operações de bolsa dos Estados Unidos) de 24 de novembro de 2020, conforme preenchido pela recorrente (v. nota n.o 11 do referido convite).

231    No que respeita, em especial, à apreciação dos critérios relativos à afetação do comércio entre Estados‑Membros e à ameaça de afetação significativa da concorrência nos seus territórios respetivos, a Comissão serviu‑se, com exceção de um documento de reunião cuja origem não é clara (v. nota n.o 28 do convite), de elementos de informação similares (v. notas n.os 12 a 15, 24, 26 e 27 desse convite), cujos mais recentes são relativos à aquisição de um dos concorrentes da Grail, em janeiro de 2021 (v. nota n.o 15 do referido convite). Também são mencionados os problemas de concorrência expostos, a propósito da concentração em causa, pela FTC e pela CMA nas suas páginas Internet (v. nota n.o 17 desse mesmo convite) bem como o relatório da CMA de 24 de outubro de 2019 respeitante às conclusões provisórias relativas a outro projeto de aquisição da recorrente, também acessível na Internet (v. notas n.os 18, 22, 25 e 29 do convite em questão). Ora, conforme a Comissão confirmou em resposta a uma questão que o Tribunal Geral colocou por escrito, não teve conhecimento da instrução da CMA antes de 7 de dezembro de 2020.

232    Segue‑se que a Comissão utilizou elementos de informação cuja maior parte estava à disposição do público no momento em que a queixa foi recebida. Como o teor do convite demonstra, a Comissão estava, portanto, em condições, após verificar alguns aspetos com o queixoso, designadamente na videoconferência de 17 de dezembro de 2020, de proceder de forma relativamente rápida aos contactos bilaterais necessários com as quatro autoridades da concorrência potencialmente competentes para proceder ao exame da concentração em causa e à instrução das características essenciais dessa concentração para lhe permitir proceder a uma apreciação preliminar relativamente à questão de saber se a referida concentração podia cumprir os requisitos de aplicação do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 e se havia que disso informar os Estados‑Membros ao abrigo do n.o 5 da referida disposição.

233    Neste contexto, tendo em conta os objetivos fundamentais de eficácia e de celeridade prosseguidos pelo sistema de controlo das concentrações da União (v. n.o 226, supra) e as circunstâncias do presente caso, um período de 47 dias úteis, entre a receção da queixa e o envio do convite, não se afigura justificado.

234    Primeiro, resulta do artigo 10.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, lido em conjugação com o artigo 6.o, n.o 1, do mesmo regulamento, que o prazo para a fase de exame prévio de uma concentração, durante o qual a Comissão deve tomar uma decisão sobre a questão de saber se essa concentração suscita dúvidas sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, é de 25 dias úteis. Dado que a Comissão deve, eventualmente, efetuar, durante essa fase, um exame de mérito bastante completo da concentração, pode razoavelmente esperar‑se que o exame que precede o envio de um convite, ao abrigo do artigo 22.o, n.o 5, do Regulamento n.o 139/2004, que apenas implica uma avaliação prévia dos critérios enunciados no n.o 1 desse artigo, não exceda esse prazo de 25 dias úteis.

235    Segundo, conforme se expôs nos n.os 212 a 214, supra, há que atender ao facto de o convite não corresponder a «ser dado conhecimento» nos termos do artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004, que, na falta de notificação ou de uma comunicação anterior, despoleta o prazo de quinze dias úteis para a apresentação de um pedido de remessa pelos Estados‑Membros em causa. Quando um tal pedido é apresentado, os Estados‑Membros têm o direito de a ele se associar num prazo de quinze dias úteis (artigo 22.o, n.o 2, desse regulamento). Só no termo deste último prazo é que a Comissão pode, num prazo de dez dias úteis, tomar a decisão de proceder ao exame da concentração (artigo 22.o, n.o 3, do referido regulamento). Assim, o envio de um convite ao abrigo do artigo 22.o, n.o 5, desse mesmo regulamento despoleta diversos outros prazos relativamente curtos que precedem a adoção de uma decisão através da qual a Comissão chama a si o exame da concentração em causa. Assim, no caso em apreço, decorreram 90 dias úteis entre a receção da queixa em 7 de dezembro de 2020 e a adoção das decisões impugnadas em 19 de abril de 2021.

236    Terceiro, importa recordar que uma concentração que não tenha dimensão europeia na aceção do artigo 1.o do Regulamento n.o 139/2004 não deve, de acordo com o disposto no artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento, ser notificada à Comissão. Contudo, as partes nessa concentração seriam consideravelmente prejudicadas relativamente às partes numa concentração que tenha de ser notificada se o período entre, por um lado, a informação da Comissão, eventualmente por meio de uma queixa, quanto à existência da concentração e, por outro, a adoção pela Comissão da decisão relativa à aceitação de um pedido de remessa, tivesse, como no presente caso, a mesma duração que a fase de apreciação aprofundada ao abrigo do artigo 8.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 139/2004, que implica avaliações económicas complexas sobre a compatibilidade de uma concentração com o mercado interno e para a qual o artigo 10.o, n.o 3, do mesmo regulamento prevê, em princípio, um prazo de 90 dias úteis.

237    Quarto, no caso em apreço, a Comissão não pode justificar o decurso de um prazo de 47 dias úteis entre a receção da queixa e o envio do convite com as férias de fim de ano de 2020, pois o período de 24 de dezembro de 2020 a 1 de janeiro de 2021 era um período de dias feriados por força do artigo 1.o da sua Decisão de 28 de janeiro de 2019 relativa aos dias feriados do ano de 2020 para as instituições da União Europeia (JO 2019, C 38, p. 4), e do artigo 1.o da sua Decisão de 2 de março de 2020 relativa aos dias feriados do ano de 2021 (JO 2020, C 69, p. 8). Além disso, na sequência da apresentação da queixa, a Comissão estava em condições de contactar mais rapidamente, e de forma paralela, as quatro autoridades da concorrência nacionais potencialmente competentes, ou seja, as autoridades alemã, austríaca, eslovena e sueca, para saber se os limiares de competência nos termos das respetivas legislações nacionais eram passíveis de ser atingidos, o que só fez, conforme resulta da sua resposta a uma questão que o Tribunal Geral colocou por escrito, em janeiro e fevereiro de 2021.

238    Por conseguinte, dada a brevidade dos prazos previstos no Regulamento n.o 139/2004, designadamente no seu artigo 22.o, o simples facto de a Comissão ter feito prova de uma atividade contínua na instrução do processo ao longo do período pertinente compreendido entre 7 de dezembro de 2020 e 19 de fevereiro de 2021, conforme resulta do quadro junto à sua resposta a uma questão que o Tribunal Geral colocou por escrito, não basta para considerar que esse período correspondia a um prazo razoável.

239    Donde se conclui que o convite foi enviado dentro de um prazo que não era razoável.

240    Em segundo lugar, recorde‑se que a violação do princípio do prazo razoável só justifica a anulação de uma decisão tomada no termo de um procedimento administrativo em matéria de concorrência se esta também violar os direitos de defesa da empresa em causa. Em contrapartida, não estando demonstrado que o decurso de um período excessivamente longo tenha afetado a capacidade de as empresas em causa se defenderem efetivamente, a não observância do princípio do prazo razoável não afeta a validade desse procedimento administrativo (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, EU:C:2006:592, n.os 42 e 43; de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão, C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.os 84 e 85, e de 9 de junho de 2016, PROAS/Comissão, C‑616/13 P, EU:C:2016:415, n.o 74), embora deva ser sancionada por meio de uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2014, Bolloré/Comissão, C‑414/12 P, não publicado, EU:C:2014:301, n.os 106 e 109).

241    No caso em apreço, a recorrente sustentou, na audiência, que a inobservância do prazo razoável tinha acarretado uma violação dos seus direitos de defesa, porquanto, designadamente, a Comissão deveria ter contactado e ouvido as empresas em causa durante o período anterior ao envio do convite para lhes permitir apresentar observações e corrigir determinados erros factuais significativos, o que ficou registado na ata da audiência.

242    No entanto, essas explicações vagas não bastam para demonstrar que houve violação dos direitos de defesa da recorrente. A este propósito, a Comissão alegou, corretamente, na audiência que, por um lado, o convite era apenas um ato preparatório no âmbito do processo conducente à adoção de uma decisão ao abrigo do artigo 22.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 e que, por outro, as empresas em causa estavam em condições apresentar em tempo útil as suas observações antes da sua adoção.

243    Com efeito, por um lado, as medidas intermédias, como o convite, cujo objetivo é apenas preparar a decisão final, não se destinam a produzir efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar os interesses do recorrente e, portanto, de lhe causar autonomamente prejuízo, quando a ilegalidade alegada é suscetível de ser invocada a respeito da decisão final de que constituem um ato de elaboração, razão pela qual, de acordo com uma jurisprudência constante, essas medidas não são suscetíveis de recurso (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Deutsche Post e Alemanha/Comissão, C‑463/10 P e C‑475/10 P, EU:C:2011:656, n.os 50 a 54 e jurisprudência referida).

244    Além disso, a recorrente não era capaz de esclarecer suficientemente os pretensos «erros factuais significativos» que inquinavam a decisão impugnada e que já tinham afetado o convite, e que, portanto, puderam influenciar decisivamente o conteúdo do pedido de remessa da ACF. Na medida em que alega que esse convite indicava, por erro, no seu n.o 26, à semelhança da decisão impugnada, que a Grail tinha concorrentes «reais» no mercado, basta sublinhar que nem o referido convite, nem esse pedido se baseiam nessa qualificação. Pelo contrário, o pedido de remessa justifica a existência de um risco significativo de afetação da concorrência, nomeadamente pelo facto de, por um lado, «[n]o setor dos testes de deteção do cancro, a G[rail] ter de enfrentar a presença de diversos operadores que já comercializam os seus produtos […] ou que se preparam para o fazer», e, por outro, «a nova entidade poder dispor da capacidade de restringir ou encarecer o acesso aos seus NGS, em detrimento dos concorrentes potenciais da G[rail] no setor dos testes de despistagem do cancro», e portanto pela existência de uma concorrência potencial entre a Grail e esses operadores na eventualidade de ser levada a cabo a concentração em causa.

245    Por outro lado, como são as decisões impugnadas, e não o convite, que lhes causam prejuízo, as empresas em causa dispõem do direito de ser ouvidas, que faz parte dos direitos de defesa, que lhes garante a possibilidade de dar a conhecer, de forma útil e eficaz, o respetivo ponto de vista no decurso do procedimento administrativo que conduz à adoção dessas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 28 de outubro de 2021, Vialto Consulting/Comissão, C‑650/19 P, EU:C:2021:879, n.o 121), mas não na fase anterior ao envio do referido convite enquanto medida intermédia. Ora, a recorrente e a Grail não contestam ter estado em condições de apresentar as respetivas observações antes da adoção das decisões impugnadas, mas limitam‑se a queixar‑se de não lhes ter sido dada essa possibilidade muito mais cedo. É certo que as empresas em causa estavam informadas do envio do convite em 4 de março de 2021 (v. n.o 13, supra), ou seja, seis dias úteis antes da expiração do prazo previsto no artigo 22.o, n.o 1, segundo parágrafo, do mesmo regulamento, dentro do qual os Estados‑Membros devem apresentar um pedido de remessa. A Comissão também as informou, pelo ofício de informação de 11 de março de 2021, do pedido de remessa (v. n.o 15, supra) e estas apresentaram as suas observações em 16 e 29 de março de 2021 (v. n.o 17, supra). As empresas em causa foram, portanto, informadas muito tempo antes da adoção das decisões impugnadas, que teve lugar em 19 de abril de 2021, e tiveram diversas oportunidades para dar a conhecer o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo que levou à adoção dessas decisões.

246    Nestas circunstâncias, há que rejeitar o argumento relativo à violação dos direitos de defesa da recorrente.

247    Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada infundada, pelo que há que julgar improcedente todo o segundo fundamento.

248    Do mesmo modo, há que indeferir os pedidos de 6 de outubro e 6 de dezembro de 2021, por meio dos quais a recorrente solicitou ao Tribunal Geral que adotasse medidas de organização do processo destinadas a obter informações sobre, por um lado, as trocas de pontos de vista entre a Comissão e a ACF bem como sobre a tomada de conhecimento da concentração em causa pela Comissão (primeiro pedido) e, por outro, sobre a data em que a Comissão mencionou pela primeira vez essa concentração em relação à República Francesa e sobre os documentos que forneceu aos Estados‑Membros que referiam a mencionada concentração (segundo pedido).

249    Com efeito, de acordo com o que resulta das considerações que precedem, o Tribunal Geral, por um lado, pôde controlar o alegado caráter intempestivo do pedido de remessa (v. n.os 212 a 214, supra), conforme alegado no contexto da primeira parte, e, por outro, pôde verificar falta de razoabilidade do tempo que demorou a enviar o convite (v. n.os 228 a 239, supra), conforme alegado no contexto da segunda parte, com base nos escritos e documentos apresentados pelas partes no decurso do processo, nomeadamente tendo em atenção as respostas da Comissão à questão que o Tribunal Geral colocou por escrito em 11 de novembro de 2021 e as observações da República Francesa de 6 de dezembro de 2021.

250    Além disso, recorde‑se que cabe exclusivamente ao Tribunal Geral decidir da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe sobre os processos que lhe são submetidos (v. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Mamoli Robinetteria/Comissão, C‑619/13 P, EU:C:2017:50, n.o 117 e jurisprudência referida; Acórdão de 12 de novembro de 2020, Fleig/SEAE, C‑446/19 P, não publicado, EU:C:2020:918, n.o 53).

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica

251    A recorrente, apoiada pela Grail, alega que as decisões impugnadas violam os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica. Em substância, aduz que a Comissão, de acordo com a política que era a sua no momento em que as empresas em causa acordaram na concentração em causa, não aceitava pedidos de remessa em relação a concentrações que não integravam o âmbito de aplicação das legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações. Resulta do discurso da vice‑presidente da Comissão de 11 de setembro de 2020 que essa política se continuou a aplicar até à sua alteração através da publicação de novas orientações em meados de 2021. Segundo a Grail, isso demonstra que a Comissão tinha consciência da importância da sua alteração de abordagem, que contrariava as conclusões e as recomendações da Rede Internacional da Concorrência (RIC) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A recorrente e a Grail sublinham o caráter claro e incondicional do referido discurso, nomeadamente no que respeita ao processo e calendário da implementação da nova política de remessa. Além disso, a recorrente sublinha que a adoção das orientações relativas ao artigo 22.o teve lugar após o envio do convite e sem consulta pública.

252    A Comissão, apoiada pela República Helénica, considera que as alegações da recorrente relativas à violação do princípio da segurança jurídica não têm fundamento. No que respeita ao princípio da proteção da confiança legítima, não demonstrou que a Comissão tivesse dado garantias precisas, incondicionais e concordantes, antes se tendo limitado a fazer uma vaga referência a uma alegada prática decisória. Em especial, a Comissão tinha explicitamente confirmado, no Livro Branco de 2014, que os Estados‑Membros podiam solicitar a remessa de uma concentração não abrangida pelas suas legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações. Esta possibilidade não foi excluída em nenhum documento oficial e a Comissão já tinha aceitado a remessa dessas concentrações. O discurso da vice‑presidente da Comissão 11 de setembro de 2020 correspondia a uma declaração política de caráter geral sobre a sua prática futura que confirma que a Comissão não exclui, por princípio, o tratamento dessas concentrações. A República Francesa recorda, nomeadamente, que os operadores económicos não podem depositar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação que pode ser modificada e que a Comissão só aceitou a remessa da concentração em causa após a publicação das orientações relativas ao artigo 22.o A Comissão acrescenta que nada impedia a recorrente de a contactar a si ou às autoridades nacionais da concorrência. Além disso, a recorrente não demonstrou ter atuado com base em alegadas garantias dadas pela Comissão.

253    A título preliminar, há que declarar que, embora a recorrente invoque, no contexto do terceiro fundamento, tanto o princípio da segurança jurídica como o da proteção da confiança legítima, a sua argumentação é na realidade relativa apenas, conforme a Comissão sustenta, a este segundo princípio.

254    Segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima pressupõe que tenham sido fornecidas ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, pelas autoridades competentes da União (v. Acórdão de 8 de setembro de 2020, Comissão e Conselho/Carreras Sequeros e o., C‑119/19 P e C‑126/19 P, EU:C:2020:676, n.o 144 e jurisprudência referida). Com efeito, este direito pertence a qualquer particular no qual uma instituição, um órgão, um organismo da União, ao fornecer‑lhe garantias precisas, criou expectativas fundadas. Tais garantias constituem, independentemente da forma em que são comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes (v. Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 132 e jurisprudência referida), desde que sejam conformes com as normas aplicáveis (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Probelte/Comissão, T‑67/18, EU:T:2019:873, n.o 109 e jurisprudência referida).

255    No caso em apreço, para demonstrar a alegada política segundo a qual a Comissão não aceitava pedidos de remessa, ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, para concentrações que não integrassem o âmbito de aplicação da legislação nacional relativa ao controlo das concentrações, a recorrente funda‑se no n.o 5 do convite, no n.o 94 da decisão impugnada, no n.o 7 da comunicação relativa à remessa e no discurso da vice‑presidente da Comissão de 11 de setembro de 2020. A Grail também refere as conclusões e as recomendações da RIC e da OCDE.

256    Em primeiro lugar, no que toca a essas conclusões e recomendações, basta observar que não provêm da Administração da União e não cumprem, portanto, os requisitos enunciados na jurisprudência referida no n.o 254, supra.

257    Em segundo lugar, no que se refere aos documentos invocados pela recorrente, importa recordar que, com o convite, a Comissão considerou, preliminarmente, que a concentração em causa podia ser objeto de uma remessa ao abrigo do artigo 22.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004 (v. n.o 12, supra), posição que confirmou ao acolher o pedido de remessa da ACF por meio da decisão impugnada (v. n.os 19 e 21 a 35, supra). A recorrente, dada essa posição da Comissão que ela própria assumiu especificamente em relação à concentração em causa, não pode invocar esses documentos para provar que lhe foram fornecidas garantias precisas de que seria mantida uma política alegadamente contrária. Além disso, dado que, por um lado, o n.o 5 do convite e o n.o 94 da decisão impugnada contêm uma simples descrição da situação anterior e, por outro, os referidos documentos ainda não existiam quando foram concluídos o acordo e o plano de fusão, ou seja, em 20 de setembro de 2020 (v. n.o 7, supra), as empresas em causa não podiam depositar expectativas legítimas nesses elementos.

258    No que respeita ao n.o 7 da comunicação relativa à remessa, aí se expõe que «a Comissão e os Estados‑Membros conservam uma margem de apreciação considerável para decidir remeter operações que se incluem na sua “competência inicial” ou aceitar examinar as que nela não se integram, por força […] do artigo 22.o [do Regulamento n.o 139/2004]».

259    Assim, este número da comunicação limita‑se a sublinhar, por um lado, o amplo poder de apreciação de que a Comissão goza no âmbito da política da concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2018, Furukawa Electric/Comissão, T‑444/14, não publicado, EU:T:2018:454, n.o 222 e jurisprudência referida) e, por outro, a repartição de competências entre os Estados‑Membros e a Comissão, conforme exposto no n.o 153, supra. Em contrapartida, nenhum desses elementos sustenta a existência da alegada política da Comissão em que a recorrente se apoia. Esta conclusão encontra confirmação nos n.os 42 a 45 da comunicação relativa à remessa, que devem ser conjugados, conforme alega a República Francesa, com o n.o 7 dessa comunicação, e que expõem precisamente os critérios pertinentes que regem as remessas ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004, sem mencionarem essa alegada prática.

260    Em terceiro lugar, quanto ao discurso da vice‑presidente da Comissão, recorde‑se que esse discurso versava sobre «[o] futuro do controlo das concentrações da [União]» e foi proferido no quadro da 24.a Conferência Anual sobre a Concorrência da Association internacional du barreau (Associação Internacional de Advogados) em 11 de setembro de 2020. É pacífico que esse discurso tinha por objeto a política geral da Comissão em matéria de concentrações e não mencionava a concentração em causa, cujo acordo e plano de fusão tinham sido concluídos num momento ulterior, ou seja, em 20 de setembro de 2020 (v. n.o 7, supra). O referido discurso não podia, portanto, incluir garantias precisas, incondicionais e concordantes no que diz respeito ao tratamento dessa concentração.

261    Quanto a essa política geral, a vice‑presidente da Comissão indicou efetivamente no seu discurso de 11 de setembro de 2020 que, no passado, «a Comissão teve uma prática que consistia em desencorajar as autoridades nacionais de remeter concentrações para cujo exame não eram, elas próprias, competentes». Ora, no entanto, daí não decorre que a remessa dessas concentrações estivesse excluída, por princípio, mas, como demonstra o termo «desencorajar», que a Comissão pretendia apenas convencer os Estados‑Membros a não apresentarem um pedido de remessa nessa situação. Conforme a Comissão sustenta, a vice‑presidente da Comissão chegou mesmo a sublinhar que «essa prática nunca tinha tido por objetivo impedir [a Comissão] de apreciar processos que podiam afetar gravemente a concorrência no mercado único».  

262    Mesmo admitindo que as empresas em causa possam invocar a referida prática, a Comissão podia, portanto, considerar que a concentração em causa era suscetível de afetar de forma significativa a concorrência no mercado interno e, por essa razão, enviar o convite e aceitar o pedido de remessa e proceder ao seu exame. Por conseguinte, o anúncio, no discurso da vice‑presidente da Comissão, de uma «alteração de abordagem» no futuro e de uma data aproximada para a sua concretização é irrelevante e os argumentos da recorrente e da Grail relativos à inobservância desse anúncio devem ser considerados inoperantes. O mesmo se passa com os argumentos relativos ao facto de as orientações relativas ao artigo 22.o terem sido adotadas posteriormente ao envio do convite.

263    Por conseguinte, a recorrente, que não afirma ter obtido quaisquer garantias precisas, incondicionais e concordantes da parte da Comissão relativamente ao tratamento da concentração em causa, também não fez prova da existência dessas garantias no que se refere às concentrações que não integravam o âmbito de aplicação das legislações nacionais em matéria de controlo das concentrações a nível geral. Pelo contrário, conforme alegam a Comissão e a República Francesa, resulta do Livro Branco de 2014 que esse artigo é aplicável a essas concentrações (v. nota n.o 45 do Livro Branco de 2014).

264    Esta apreciação encontra confirmação no facto de a Comissão ter acolhido recentemente, como corretamente alega, ao remeter para as suas Decisões de 6 de fevereiro de 2018 (processo M.8788 — Apple/Shazam), de 15 de março de 2018 (processo M.8832 — Knauf/Armstrong), de 26 de setembro de 2019 (processo M.9547 — Johnson & Johnson/Tachosil), e de 2 de abril de 2020 (processo M.9744 — Mastercard/Nets), diversos pedidos de associação ao abrigo do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 139/2004 provenientes de Estados‑Membros cujas autoridades não eram competentes, por força da respetiva legislação nacional em matéria de controlo das concentrações, para examinar as concentrações objeto desses pedidos.

265    Em todo o caso, de acordo com a jurisprudência evocada no n.o 254, supra, a recorrente não se podia basear em documentos ou declarações que, a serem interpretados como pretende, se destinavam a restringir o direito dos Estados‑Membros de pedir uma remessa ao abrigo do artigo 22.o do Regulamento n.o 139/2004 nas condições ali enunciadas (v. n.o 155, supra). Do mesmo modo, na medida em que resulta do primeiro fundamento que as decisões impugnadas se baseavam numa interpretação correta do âmbito de aplicação desse artigo, a recorrente não pode invocar a reorientação da prática decisória da Comissão (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão, T‑99/04, EU:T:2008:256, n.o 163).

266    Assim, atento tudo o que precede, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

267    Por conseguinte, não sendo procedente nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente em apoio do seu recurso, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

268    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que a condenar nas despesas, de acordo com o pedido da Comissão.

269    O artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. O n.o 2 desse artigo determina que os Estados partes no Acordo EEE, que não sejam Estados‑Membros, bem como o Órgão de Fiscalização da AECL, quando intervenham no litígio, devem igualmente suportar as suas próprias despesas. De acordo com o n.o 3 do referido artigo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suporte as suas próprias despesas.

270    Por conseguinte, a República Helénica, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Grail suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Illumina, Inc. é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão Europeia.

3)      A República Helénica, a República Francesa, o Reino dos Países Baixos, o Órgão de Fiscalização da EFTA e a Grail LLC suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de julho de 2022.

Assinaturas

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*      Língua de processo: inglês.